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    ZEUS

    DERROTA CRONOS

    Sadat Oliveira 2013

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    CONVERSA COM O AUTOR

    O que hoje chamamos de “mitologia grega”, no passado foi uma religião. Os deu-ses eram de fato venerados em templos, nos lares e nas festas religiosas.

    A religião grega enfraqueceu em parte devido aos pensadores céticos da Grécia que a tudo consideravam superstição e também pela influência do cristianismo que crescia na Europa e enfim baniu o paganismo das cidades.

    Obviamente, o culto aos antigos deuses nunca se extinguiu. Apenas encolheu e se es-condeu. Pequenas seitas (como a do culto órfico e os “mistérios de elêusis”) continua-vam a praticar essa religião às escondidas e a transmitir seus segredos aos adeptos de confiança.

    Todavia, algo curioso aconteceu com a religião grega, pois, apesar de ser quase ex-tinta enquanto religião, tornou-se um fenô-meno cultural.

    Mesmo os artistas cristãos adotavam temas gregos em suas pinturas, esculturas e

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    histórias. Camões, católico convicto, colocou os deuses gregos na companhia do onipoten-te Deus bíblico em seu épico Os Lusíadas.

    Deuses como Zeus, Apolo e Afrodite se tornaram personagens, lendas, figuras míti-cas ideais para atuar em contos fantásticos. Tornaram-se o que hoje são os super-heróis de quadrinhos.

    Há, porém, outra camada em que estes seres existem: a do subconsciente. Os deuses não são apenas objeto de culto, admiração ou bons personagens fictícios. São também arquétipos.

    Um arquétipo é um “modelo primordi-al”, algo que representa ideias universais que todos nós partilhamos inconsciente-mente.

    Nos deuses temos uma imagem de ideias como Justiça (Atena), Beleza (Apolo), Diversão (Dionísio), Amor (Afrodite), Ódio (Ares).

    Do ponto de vista arquetípico, a histó-ria envolvendo Zeus e Cronos chega ao divã freudiano.

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    O homem, adolescente, que precisa en-frentar o pai, superar o temor que tem desta figura majestosa e se afirmar como homem adulto.

    Seria esse o significado da batalha de Zeus e Cronos? Ora, por que não? Mas não é necessariamente o único.

    Um arquétipo está aberto a muitas in-terpretações. Há quem diga que a batalha dos antigos deuses é baseada nas velhas dis-putas tribais em que um rei precisava matar o rei anterior (geralmente seu pai) para as-sumir o trono.

    Também Cronos, nome que literalmen-te significa “tempo” pode ser um símbolo pa-ra o tempo que a tudo desgasta e corrói.

    Ou pode significar também uma descri-ção do mapa mental, do interior de nossa mente e seus conflitos. Confesso que essa é a interpretação que mais me agrada.

    A nossa mente nunca está em paz. Vi-vemos a lutar contra monstros e gigantes que nos atormentam, nos levantam obstácu-los. Nossos medos, receios, as forças instin-tivas que às vezes se tornam perigosas.

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    Cronos seria como a nossa natureza mais bruta e irracional. Devoradora, ela nos impede de progredir, nos leva ao atraso. As-sim como o reino de Cronos era decrépito, atrasado e imutável.

    Zeus, por outro lado, é o nosso lado que busca a evolução, que busca superar nossas limitações. Zeus se aventurou, treinou, fez alianças em troca de poderes. Ele procurava crescer.

    E quando Zeus derrotou Cronos, teve início uma era de progresso. Ele libertou os irmãos, que podem simbolizar nossas poten-cialidades reprimidas, e foi um rei mais inte-ligente do que o imbecilizado Cronos.

    Significados à parte, a história pura e simplesmente já é encantadora. Afinal, quem não gosta de um duelo de titãs?

    Tenha uma boa leitura!

    Sadat Oliveira [email protected]

    esfingeseminotauros.blogspot.com

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    ZEUS DERROTA CRONOS

    Zeus era ainda jovem quando compare-ceu diante do trono do pai. Ainda nem barba havia crescido no seu rosto, mas crescera a valentia, alimentada por anos de ódio confi-nado.

    Cronos, decadente, com o ventre imen-so, cheio dos corpos dos filhos que devorara, jazia preguiçoso em seu trono, cercado pelos titãs que lhe serviam de guarda-costas.

    O poder de Cronos se mantinha apenas por costume, por falta de um sucessor, afinal ele devorou todos os herdeiros.

    Ou quase todos, pois sua esposa Réia entregou-lhe uma pedra no lugar do último recém-nascido e o deus tolo e desleixado en-goliu a pedra enrolada num pano julgando que dava fim a seu último herdeiro em po-tencial, o bebê Zeus.

    Agora pai e filho se reencontram. – Está me reconhecendo, pai? Estas palavras ousadas e confiantes de

    Zeus soaram como um trovão, como um raio perfurando a mente do velho imperador.

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    O raciocínio lento de Cronos subita-mente ganhou vida e ele imediatamente en-tendeu toda a situação.

    Entendeu que não havia devorado o úl-timo filho, mas uma pedra. Lembrou-se que comentara com a esposa: “A carne deste es-tava um pouco dura e seca”.

    E entendeu o riso suave e sarcástico de Réia que na ocasião ele pensou que fosse apenas um mero riso.

    Com um sinal de Cronos, os titãs avan-çam em direção ao jovem. Mas Zeus era mais esperto e já havia previsto e planejado tudo.

    No momento que um primeiro titã se aproxima para esmagar Zeus com punhos monstruosos, é detido por dois ciclopes ar-mados com martelos e machados.

    Zeus sabia que seu pai era guardado pelas criaturas poderosas que Cronos liber-tou do Tártaro. Os titãs eram força bruta, gi-gantes cheios de ódio e valentia.

    Por isto o jovem deus procurou os ci-clopes e firmou uma aliança. Os ciclopes eram também gigantes e fortes, embora não

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    tão brutalmente potentes quanto os titãs, mas tinham um poder diferencial.

    Ciclopes eram artesãos, ou melhor, fer-reiros. Sabiam forjar armas e as encantavam com antigos poderes cósmicos que faziam de suas armas verdadeiras ferramentas de des-truição.

    Os punhos fortes dos titãs não resisti-am ao impacto estrondoso dos martelos dos ciclopes. Enquanto lutavam os gigantes, Zeus avançou em direção ao trono.

    Velho e decrépito, Cronos não deixava de ainda ser imponente. Ergue-se do trono, avolumando-se diante do garoto, adquirindo o dobro de seu tamanho. Por um segundo Zeus sentiu-se intimidado. Só por um segun-do.

    Então lembrou-se dos anos que passou escondido nas cavernas de Creta. Lembrou-se de todo o treinamento que recebeu das entidades da floresta, como se dedicava ao aperfeiçoamento sempre se recordando dos irmãos que sofriam presos no ventre do pai.

    E lembrou-se de seu último progresso, de um poder fabuloso que ganhara das mãos

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    dos ciclopes. Unindo a magia mais sublime que possuíam, os gigantes de um só olho for-jaram raios e investiram Zeus com este po-der.

    Os olhos de Zeus brilharam, ou melhor, soltaram faíscas. Suas mãos encheram-se de luz e, num gesto de lanceiro, disparou um raio impressionante sobre a cabeça de Cro-nos e o corpo volumoso do deus decadente tombou.

    O velho espumava pela boca, tossiu sangue divino. Zeus aproximou-se e escan-carou a mandíbula de Cronos, ordenando.

    – Solte! Cronos tossiu e balbuciou algo sem

    sentido. Zeus insiste. – Solte meus irmãos! Chutando o ventre do pai, Zeus o forçou

    a vomitar os filhos que engolira e que se de-senvolveram em suas entranhas desde quando eram bebês. Agora saiam já cresci-dos: Deméter, Hera, Héstia, Poseidon e Ha-des.

    Vendo livres seus irmãos, num súbito afeto Zeus quis abraçar-lhes, compensar to-

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    dos os anos de ausência e dor. Mas a vingan-ça ainda falava mais alto.

    Agarrou o velho Cronos pelos cabelos e o arrastou até a beira do templo, lançando-o fora do Olimpo em direção aos abismos. E ainda disparou um raio que estourou violen-tamente no corpo que caía.