acórdão do stf: falha derrota a folha

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.548.849 - SP (2014/0281338-0) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203 LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378 EMENTA RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA EXISTENTE A UM NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CONFIGURADA. 1. Não violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art. 124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se, assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos. 3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do humor. 4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica. Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 1 de 53

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Page 1: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZIR.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -

SP165378 EMENTA

RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA JÁ EXISTENTE A UM NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CONFIGURADA.

1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art. 124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se, assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.

3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do humor.

4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica.

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5. Assim, a atividade exercida pela Falha, paródia , encontra, em verdade, regramento no direito de autor, mais específico e perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição da República.

6. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Essas as condições para que determinada obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização do seu titular.

8. A falta de conotação comercial é requisito dispensável à licitude e conformidade da manifestação do pensamento pela paródia, nos termos da legislação de regência (art. 47 da Lei n. 9.610/1998).

9. Não há falar, no caso dos autos, em concorrência desleal. A uma, porque a questão é definida no âmbito da Lei de Marcas (Lei nº 9.279/96), não invocada para a solução dessa demanda. A duas, porque, dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não está a conotação comercial , da qual a Falha fora acusada.

10. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto- vista do Ministro Raul Araújo dando parcial provimento ao recurso especial, acompanhando a divergência instaurada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira no mesmo sentido, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Luis Felipe Salomão, que lavrará o acórdão.

Vencido o relator, que negava provimento ao recurso especial. Votaram com o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira.

Brasília (DF), 20 de junho de 2017(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -

SP165378

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): Cuida-se de recurso

especial interposto por MARIO ITO BOCCHINI, com fulcro na alínea "a" do

permissivo constitucional, no intuito de reformar acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo.

Na origem, a ora recorrida EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ajuizou

ação cominatória e indenizatória, requerendo a condenação do réu a se abster de

utilizar marca, conteúdo do jornal e nome de domínio da autora no website

falhadespaulo.com.br , por ele registrado perante o Núcleo de Informação e

Coordenação de Ponto – NIC.Br, competente para o registro de nomes de domínio

no Brasil, e ao pagamento de indenização por danos morais.

Fundamentou seu pedido no fato de o tipo gráfico utilizado pelo réu ser

idêntico ao utilizado pela autora em seu sítio eletrônico (folhadespaulo.com.br ou

folha.com.br ), bem como o nome usado ser extremamente semelhante, com

alteração apenas de uma vogal, caracterizando assim violação da sua marca, a qual

se encontra devidamente registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial –

INPI.

Devidamente citado, o réu apresentou defesa em forma de contestação.

O magistrado singular julgou parcialmente procedente o pedido, obstando

o uso do sítio eletrônico utilizado pelo réu, sem, entretanto, condená-lo ao

pagamento de indenização por danos morais. Entendeu que não há risco de

confusão entre os domínios, por tratar-se claramente de sátira/paródia, revelada

pelo próprio nome do endereço eletrônico, a qual não pode ser vedada em respeito

à livre manifestação do pensamento. Contudo, assentou que o sítio eletrônico, além

do teor crítico, possui também conteúdo com conotação comercial, o que extrapola

o alegado propósito de atuar com intenção meramente jocosa e crítica,

contaminando assim o respectivo domínio, motivo pelo qual deve ser congelado.

Inconformado, o réu interpôs apelação cível, à qual a Quinta Câmara de

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Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento, mantendo a

sentença por seus próprios fundamentos, em acórdão que restou assim ementado

(fl. 1019, e-STJ):

DOMÍNIO DE MARCA VIRTUAL - Falhadespaulo.com.br - Possibilidade de confusão com Folhadespaulo.com.br e folha.com, da Empresa Folha da Manhã S/A - Registro na Internet que não pode se sobrepor àquela anterior, do Código de Propriedade Industrial - Ação cominatória c.c. perdas e danos corretamente julgada parcialmente procedente - Prejudicial afastada - Recursos desprovidos.

Opostos embargos de declaração (fls. 1030-1034, e-STJ), esses foram

rejeitados (fls. 1037-1042, e-STJ).

Em suas razões recursais (fls. 1045-1069, e-STJ), o recorrente aponta

violação do disposto nos artigos 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil de

1973 e 47 da Lei nº 9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais).

Alega, preliminarmente, contradição do acórdão recorrido ao reconhecer

violação da marca e, concomitantemente, confirmar a sentença por seus próprios

fundamentos, tendo em vista que, para o juízo singular, trata-se de paródia.

No mérito, sustenta a inexistência de conteúdo comercial no domínio

eletrônico e a aplicação indevida de legislação pelo Tribunal de origem, não

podendo ser coibida a livre manifestação de seu pensamento por meio da paródia,

em consonância com o disposto no art. 47 da Lei nº 9.610/98.

Afirma, outrossim, “Não há, também, que se falar em concorrência

desleal, seja pelos argumentos acima, seja pelo fato de que, todos os veículos que

publicam paródias, charges, colunas de humor – como o faz a própria FOLHA -,

podem ou não ter patrocionadores e anunciantes, fato que não descarateriza a

paródia, o conteúdo cômico ou caricato do trabalho; que não afasta a liberdade que

advém do artigo 47 da Lei nº 9.610/98, inspirada, parece-nos evidente, nos artigos

5º, IV e 220, da Constituição Federal” (fl. 1068, e-STJ).

Apresentadas contrarrazões às fls. 1104-1130 (e-STJ), nas quais a

recorrida argumenta, em suma, que: i) o decisum impugnado não incorreu em

omissão ou contradição; ii) aplica-se ao caso a Súmula nº 7/STJ; e iii) a paródia

realizada pelo recorrente é ilícita por ter violado a proteção legal garantida à marca

da recorrida, ao possuir conteúdo com conotação comercial, não havendo negativa

de vigência ao art. 47 da Lei nº 9.610/98 e sim sua correta aplicação em

consonância com outros dispositivos legais que regulam a questão, notadamente o

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artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96.

Em juízo prévio de admissibilidade, negou-se o processamento ao apelo

extremo, sob o fundamento de ausência de violação ao artigo 535 do CPC/73, além

da incidência do óbice inserto na Súmula nº 7/STJ.

Diante desta decisão, foi interposto agravo, no qual o ora recorrente

refutou os retrocitados óbices, pugnando pelo conhecimento e provimento do

recurso especial (fls. 1165-1174, e-STJ)

Contraminuta apresentada às fls. 1188-1202 (e-STJ).

Em decisão monocrática, este Relator deu provimento ao agravo para

melhor exame da controvérsia, determinando sua autuação como recurso especial

(fls. 1225-1226, e-STJ).

É o relatório.

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)EMENTA

RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, "a", CF/88) - AÇÃO COMINATÓRIA E INDENIZATÓRIA - PARÓDIA E PROTEÇÃO DA MARCA - SÍTIO ELETRÔNICO COM CONTEÚDO JOCOSO E CRÍTICO EM RELAÇÃO AO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS VEICULADOS NA PETIÇÃO INICIAL, DETERMINANDO O CONGELAMENTO DO DOMÍNIO, SOB O ARGUMENTO DE QUE, EM QUE PESE SE TRATE DE PARÓDIA, HOUVE A SUA CONTAMINAÇÃO EM RAZÃO DA PRESENÇA DE CONTEÚDO COM CONOTAÇÃO COMERCIAL.

INSURGÊNCIA DO RÉU. 1. As questões trazidas à discussão foram dirimidas pelo

Tribunal de origem de forma fundamentada e sem omissões ou contradições, merecendo ser afastada a alegada violação ao artigo 535, incisos I e II, do CPC/73. Precedentes.

2. Para que este Tribunal Superior declarasse a inexistência de conteúdo com conotação comercial no website do recorrente, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o descabimento do Recurso Especial neste ponto.

3. Incidentes à hipótese em exame o artigo 47 da Lei nº 9.610/98, tendo o recorrente direito ao livre exercício da paródia, mas também as normas atinentes à proteção da marca, notadamente o disposto no artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96, devendo ocorrer a aplicação harmônica de ambos os dispositivos.

4. O titular pode impedir a citação da marca com conotação comercial. Inteligência do artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96.

4.1 O Tribunal de origem, ponderando a posição preferencial da liberdade de expressão e a tutela de proteção da marca, reputou flagrantemente preponderante ao caso sub judice esta última, em razão da insuperável comprovação do uso econômico do site eletrônico.

4.2 Impossibilidade de adequação do conteúdo do site. Medida sufragada pelo Tribunal de origem (determinação de suspensão definitiva do domínio do recorrente) que se revela a mais adequada para o caso concreto em análise.

5. Recurso especial DESPROVIDO.

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Superior Tribunal de Justiça

VOTO VENCIDO

EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator): O presente recurso

não merece prosperar, consoante exposto a seguir.

1. De início, quanto à apontada infringência ao artigo 535, incisos I e II,

do CPC/73, não assiste razão ao recorrente, porquanto clara e suficiente a

fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia,

revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos

declinados pela parte (Precedentes: AgRg no Ag 1.402.701/RS, Rel. Ministro Luis

Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 06.09.2011; REsp

1.264.044/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em

01.09.2011, DJe 08.09.2011; AgRg nos EDcl no Ag 1.304.733/RS, Rel. Ministro

Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe

31.08.2011).

Não há também que se falar em contradição do acórdão recorrido, o qual

confirmou a sentença por seus próprios fundamentos. Nas razões do recurso

especial, o recorrente fundamenta a alegada contradição no seguinte trecho do voto

do Desembargador Relator: "Quem detinha registro da marca nominativa no INPI

era a Autora. Daí marca de renome ou não, não poderia vê-la afrontada por simples

domínio na internet, a teor do artigo 129 da legislação sobre propriedade industrial.

Devidamente registrada no INPI o nome (marca nominativa) "FOLHA", passava o

titular a dispor da proteção legal correspondente, mais ainda quando se trata de

marca de 'alto renome', ou marca 'notoriamente conhecida', a teor dos artigos 125 e

126 da lei 9279/96" (fl. 1026, e-STJ), afirmando que, com essas palavras, o Tribunal

paulista entendeu tratar-se de violação de marca e não de livre exercício da paródia,

diferentemente do que teria afirmado o juízo de primeira instância na sentença.

Ora, em nenhum momento a Corte de piso afirmou que houve violação

da marca da recorrida pelo simples fato de ter sido parodiada por meio de sítio

eletrônico e, muito menos, aduziu não se tratar de paródia. O que assinala, nesse

trecho, é que a recorrida goza da proteção legal de seu nome (marca nominativa)

devidamente registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o que

é indiscutível. Isso não significa dizer que esse direito, regulamentado na legislação

sobre propriedade industrial e uso de marca, foi violado pela mera existência de

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Superior Tribunal de Justiça

uma paródia da marca, divulgada por meio de site na internet.

Na verdade, ao confirmar a sentença por seus próprios fundamentos, o

Tribunal local reconhece que houve uma afronta à marca da recorrida, conforme o

fez o magistrado de primeiro grau, não pelo fato de ter sido criado endereço

eletrônico muito semelhante ao seu (as instâncias ordinárias reconheceram que o

nome dado ao site pelo recorrente já em si constitui-se em uma paródia), com

intenções jocosas e críticas, e sim por ele possuir também conteúdo comercial, com

divulgação da marca de uma das principais concorrentes da recorrida.

Em outros termos, o que restou estabelecido, na decisão vergastada, é

que não se admite o uso do site nos moldes como ocorre, isto é, não se autoriza a

citação (no caso, a paródia) da marca da recorrida com conotação comercial, para a

promoção de sua concorrente, não importando se o recorrente não possuía o intuito

de auferir lucro para si mesmo. E é isso que, para o acórdão recorrido, viola a

proteção legal a ela conferida, em especial pelo art. 132, inciso IV, da Lei nº

9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial).

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a

decisão de primeiro grau pela suspensão definitiva (congelamento) do nome de

domínio utilizado pela recorrente em seu site, não pelo nome em si e muito menos

por não ter o recorrente direito de parodiar o jornal Folha de São Paulo utilizando-se

de página na internet, mas sim em virtude de estar o sítio eletrônico contaminado

por conteúdo revelador de conotação comercial, entendendo não ser razoável a

determinação de adequação ou ajuste no mesmo.

Diante disso, o que se vê, na verdade, é que a tese defensiva do ora

recorrente não foi acolhida pelo órgão julgador, gerando sua irresignação.

Desta forma, considerando que as questões trazidas à discussão foram

dirimidas pelo Tribunal de origem de forma fundamentada e sem omissões ou

contradições, merece ser afastada a alegada violação ao artigo 535, incisos I e II,

do CPC/73.

2. Outrossim, para que este Tribunal Superior declarasse a inexistência

de conteúdo com conotação comercial no website do recorrente, seria

imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado nesse sentido, o que,

forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o

óbice da Súmula nº 7 deste Superior Tribunal de Justiça, sendo manifesto o

descabimento do Recurso Especial neste ponto.

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Superior Tribunal de Justiça

Confira-se trecho do acórdão combatido (fl. 1024, e-STJ):

A sentença está correta e deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, como permite o artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal.Eis os referidos fundamentos:

Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante prevista no inciso IV do art. 132 da Lei nº 9.279/96, grifada a seguir: "o titular da marca não poderá: […] IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo" (grifei). Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semana Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital entre os seguidores do réu no Twitter (#falhadespaulo). Ao anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com a reprodução dos jornais da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o website do réu como tendo conteúdo comercial. A revista Carta Capital é concorrente da autora no mercado jornalístico, com ela disutando leitores, assinantes e verbas publicitárias. (…) há no website do réu, também, conteúdo comercial, pelo qual o usuário, seja pelo link, seja pelo sorteio da assinatura da revista, é direcionado, relembrado, ou apresentado a veículo de comunicação concorrente da autora.[grifou-se]

Desse modo, para que fosse afastada a afirmação da sentença

(confirmada pelo acórdão) no sentido de que, além de conteúdo crítico, o

endereço eletrônico do recorrente possui também conteúdo comercial, seria

necessária a revisão das premissas firmadas pela Corte de origem, o

que demandaria revisão do acervo fático-probatório dos autos, providência

descabida na estreita via do recurso especial, incidindo o óbice da Súmula 7 desta

Corte, in verbis : "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso

especial".

Por conseguinte, cinge-se a controvérsia em torno de saber se,

considerando que a página da internet falhadespaulo.com.br - paródia criada pelo

recorrente ao jornal Folha de São Paulo - possui, além do teor jocoso e crítico,

conteúdo com conotação comercial, aplicam-se, na hipótese, as regras previstas na

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Superior Tribunal de Justiça

Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) ou na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº

9.279/96) e, para além disso, se é cabível a determinação de congelamento

(suspensão definitiva) do referido domínio.

3. Nesse aspecto, a matéria federal ventilada foi devidamente

prequestionada e possui cunho eminentemente jurídico, não incidindo o óbice da

Súmula 7/STJ, por não haver necessidade de reexame de prova para julgamento do

apelo nobre, senão a mera revaloração de fatos e provas expressamente

mencionados na sentença e acórdão recorridos, revelando-se cognoscível o recurso

especial no ponto.

3.1. No concernente à legislação aplicável à hipótese em exame, muito

acertadamente o Juízo de primeira instância e o Tribunal a quo, ao reproduzir a

sentença proferida pelo primeiro, assentaram que se aplica ao caso o artigo 47 da

Lei nº 9.610/98, tendo o recorrente direito ao livre exercício da paródia, mas também

os princípios do direito da propriedade industrial e da marca devem ser levados em

consideração e respeitados.

De fato, a incidência de uma legislação não exclui a aplicação da outra.

Muito pelo contrário, o ordenamento jurídico deve ser visto como um todo, que

comporta a aplicação concomitante de regras previstas em diferentes leis e searas

do Direito. Cabe ao intérprete harmonizar os diplomas.

Nessa linha, a legislação que regula os direitos autorais no Brasil permite

a existência de paródias, notadamente no referido artigo 47 da Lei nº 9.610/98 ("São

livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra

originária nem lhe implicarem descrédito" ), não havendo qualquer restrição a sua

forma de divulgação, especialmente pela internet, que é sabidamente um dos

veículos de comunicação social mais utilizados na atualidade.

Assim, em que pese a peculiaridade do instrumento utilizado (website ) no

caso em exame, restou incontroverso nos autos que as publicações na página da

internet falhadespaulo.com.br apresentam-se como paródia do nacionalmente

conhecido jornal Folha de São Paulo, o que é permitido por lei.

Sob a égide da norma protetiva dos direitos autorais, a paródia encontra

limite apenas na impossibilidade de (i) constituir reprodução da obra originária; e (ii)

implicar seu descrédito. Bem se vê, pelo delimitado no acórdão recorrido, que o

domínio do recorrente não atenta contra esse preceito, mantendo-se, neste ponto,

dentro da moldura de atuação que lhe é permitida.

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Page 11: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

Superior Tribunal de Justiça

Ocorre que as temáticas dos direitos autorais e dos direitos de marca,

embora eventualmente confluentes, possuem distinto escopo de atuação, sobretudo

em virtude da diversidade de bens jurídicas tutelados.

O legislador pretendeu, com a edição da Lei dos Direitos Autorais (Lei nº

9.610/98), proteger obras intelectuais definidas no artigo 7 do mencionado diploma,

como “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer

suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” . Confere-se

ao autor os mecanismos assecuratórios dos direitos sobre a obra que criou. Daí

porque a paródia encontra essa previsão na norma: garante-se a livre expressão

sem descuidar dos direitos autorais, campo no qual as sátiras usualmente atuam.

Contudo, a paródia também pode, como ocorre nestes autos, referir-se a

marca devidamente registrada e submetida à tutela legal instituída pela Lei da

Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). Trata-se de proteção mais específica que a

de direitos autorais, porquanto condicionada ao prévio registro da marca (o qual, no

caso em apreço, foi devidamente comprovado pela recorrida, conforme apontou o

Tribunal de origem).

Perceba-se, portanto, que é possível a aplicação harmônica de ambas as

normas, desde que a paródia em tela colida com o bem jurídico merecedor de

proteção dos dois regramentos. Desse modo, partindo-se da irretocável premissa de

que é cabível in casu a aplicação concomitante de ambas as legislações e, uma vez

assentada a necessidade de observância do art. 47 da Lei nº 9.610/98, resta

analisar se o conteúdo do domínio falhadespaulo.com.br ofende o disposto no artigo

132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96, o qual determina:

Art. 132. O titular da marca não poderá:[...]IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.[grifou-se].

Mais especificamente, é necessário averiguar se o fato de a paródia em

questão possuir conteúdo comercial, com divulgação de uma das principais

concorrentes da recorrida, consiste em violação da proteção legal garantida a sua

marca, nos termos do referido dispositivo.

O supracitado artigo tem por escopo harmonizar valores de especiais

grandezas, como os direitos de marca e a liberdade de expressão.

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Nesse sentido, busca-se tutelar a importância econômica da marca, por

ser essa sua característica primordial, isto é, garante-se ao titular o direito exclusivo

de sua exploração comercial, razão pela qual não se impede a sua citação em

publicações contanto que não possuam caráter econômico.

Assim, permite-se a utilização da marca para fins literários e científicos,

desde que não consubstancie violação ao núcleo essencial de sua proteção,

sob pena de esvaziamento completo de seu conteúdo (direito exclusivo de

exploração comercial).

Em outras palavras, a partir desse preceito legal, o legislador visou

estabelecer balizas para equacionar, no caso concreto, a aplicação do princípio da

liberdade de expressão quando em conflito com a tutela da propriedade industrial.

Não se ignora o sistema constitucional de amparo à liberdade de

expressão nem mesmo a proteção supralegal outorgada ao tema, conforme

entendimento dominante na doutrina e jurisprudência brasileiras.

Consoante destaca Aline Osorio, em sua já merecidamente festejada

obra Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão ,

O Supremo Tribunal Federal já destacou, em diversas ocasiões, a posição preferencial da liberdade de expressão. O voto proferido pelo Ministro Ayres Britto na ADPF Nº 130 é um dos mais ilustrativos dessa posição. Nas suas palavras, "a Constituição brasileira se posiciona diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, cravar uma primazia ou precedência: a das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu". No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux defendeu, em seu voto na ADPF nº 187, em que se permitiu a utilização da "marcha da maconha", que "a liberdade de expressão (...) merece proteção qualificada, de modo que, quando da ponderação com outros princípios constitucionais, possua uma dimensão de peso prima facie maior". Idêntica posição foi adotada pelo STF no emblemático julgamento da ADI nº 4.815, que declarou insconsitucionais os dispositivos do Código Civil que previam a necessidade de autorização para publicação de biografias. No caso, o Ministro luís Roberto barroso observou que a Constituição de 1988 reconheceu uma prioridade prima facie da liberdade de expressão, na colisão com outros interesses juridicamente tutelados, inclusive com os direitos da personalidade.(Osorio, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão . Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2017. Págs. 90/91)

Todavia, o Tribunal de origem, ponderando a posição preferencial da

liberdade de expressão e a tutela de proteção da marca, reputou flagrantemente

preponderante ao caso sub judice esta última, em razão da insuperável

comprovação do uso econômico do site eletrônico.

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Superior Tribunal de Justiça

Nesse contexto, ressalta-se que restou claro na sentença, confirmada

pelo acórdão recorrido por seus próprios fundamentos, que o recorrente utiliza-se de

elementos visuais muito semelhantes ao da recorrida e faz referências ao conteúdo

do jornal Folha de São Paulo.

Fato é que essa identidade (visual e de conteúdo), inevitavelmente,

acaba por consubstanciar a citação da marca da recorrida e, assim, atrair a

incidência do artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96.

Dessa forma, o quadro delineado revela situação na qual o recorrente

utiliza elementos essenciais da marca da recorrida para construir paródia –

publicação, portanto – com conotação comercial, ainda que sem o intuito de auferir

lucro, consoante assentado pelo Tribunal de origem. Está-se diante de inequívoca

subsunção do arcabouço fático à proibição expressa no artigo 132, inciso IV, da Lei

nº 9.279/96.

3.2 Nesse contexto, considerando o enquadramento da atuação do

recorrente no mencionado preceito, o Tribunal de origem também entendeu que o

site em questão foi irreversivelmente contaminado pelo conteúdo com conotação

comercial, com a consequente determinação de suspensão definitiva

(congelamento) do nome de domínio utilizado pelo recorrente.

Nesse ponto, o acórdão combatido também não merece reparos. Isso

porque, a partir do momento em que o conteúdo com conotação comercial foi

inserido no sítio eletrônico do recorrente (consubstanciado nos links, anúncios e

referências a uma das principais concorrentes da Folha de São Paulo), o site

falhadespaulo.com.br inevitavelmente restará sempre associado, perante os

leitores/consumidores, à marca concorrente da recorrida, ainda que o referido

conteúdo fosse retirado.

Dessa forma, não sendo possível dissociar a imagem do website da

imagem da marca da recorrente, a subsistência do domínio implicará em

concorrência desleal, independentemente de ser ou não essa a intenção do

recorrente e de existir ou não vínculo empregatício entre ele e a empresa

concorrente da recorrida no mercado jornalístico.

Transcreve-se, por oportuno, trecho da sentença, confirmada pelo

acórdão recorrido (fls. 1024/1025, e-STJ; grifou-se):

Neste ponto, cabe a indagação quanto à possibilidade de ajuste no website do réu, com a retirada do link, da promoção e das reproduções de

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veículos de comunicação concorrentes da autora. Tanto o estatuto federal quanto os precedentes norte-americanos sugerem que, detectada a ofensa aos direitos do titular da marca, caracteriza-se uma contaminação do nome de domínio. A solução dada é sua retirada da disponibilidade do ofensor, sem possibilidade de adeuqação.No caso OBH, Inc. v. Spotlight Magazine, Inc., a Corte Distrital dos Estados Unidos, Distrito Oeste de Nova York, ordenou a interrupção das atividades de um website parodiando o jornal The Buffalo News, porque, além do conteúdo crítico, o site exibia link direcionando o usuário para um serbiço de classificados de imóveis, o que caracterizava concorrência ao jornal, que também oferecia este tipo de serviço.A possibilidade de adequação ou ajuste do website seria, de qualquer forma, artificial e frágil. O nome de domínio traria consigo, por tempo considerável, a conotação comercial derivada da página a ele relacionada.

Outrossim, uma vez publicada uma informação na internet, não há mais

como eliminá-la definitivamente, devido às inúmeras cópias eletrônicas que podem

ter sido feitas. Isto é, notadamente em virtude da dinamicidade do meio utilizado in

casu para realização e divulgação da paródia (internet), o qual permite que em

poucos minutos milhares de pessoas visualizem e façam cópias do conteúdo com

conotação comercial, uma determinação de adequação do conteúdo do site não

traria nenhuma eficácia prática.

Assim, a toda evidência, a medida sufragada pelo Tribunal de origem

(determinação de suspensão definitiva/congelamento do domínio do recorrente)

revela-se a mais adequada para o caso concreto apresentado.

Há de se ressaltar, por fim, que, conforme destacado pelas instâncias

ordinárias (fl. 1025, e-STJ), nada impede que haja o registro de outros nomes de

domínio semelhantes ao da marca da autora e nem a utilização de imagens,

logomarcas e excertos da Folha de São Paulo, pois não se cuida aqui de uma

proibição genérica de se parodiar o referido jornal, mas tão-somente de um

reconhecimento que, nos moldes como a paródia foi realiza na hipótese em análise

(possuindo, além do crítico e jocoso, conteúdo com conotação comercial), houve

violação do direito de proteção da marca estabelecido no artigo 132, inciso IV, da

Lei nº 9.279/96.

4. Do exposto, nega-se provimento ao recurso especial.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 13/12/2016 JULGADO: 13/12/2016

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do relator negando provimento ao recurso especial, pediu vista o Ministro Luis Felipe Salomão.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 16/02/2017

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Adiado por indicação do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 1 6 de 53

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZIRECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -

SP165378 EMENTA

RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. FOLHA SE SÃO PAULO E FALHA DE SÃO PAULO. DIREITO DE MARCA X DIREITO AUTORAL. PARÓDIA. ADAPTAÇÃO DE OBRA JÁ EXISTENTE A UM NOVO CONTEXTO. VERSÃO DIFERENTE, DEBOCHADA. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE AUTOR. INEXISTÊNCIA DE CONOTAÇÃO COMERCIAL. PRESCINDÍVEL. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CONFIGURADA.

1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC/1973, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art. 124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se, assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.

3. No caso dos autos, no entanto, a disposição do direito marcário não deve ser invocada para solução da controvérsia. É que as duas empresas envolvidas na demanda, apesar de possuírem nomes semelhantes, Falha e Folha de São Paulo, prestam serviços, em tudo, diversos. Uma (Falha) produz crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da outra (Folha), sem a possibilidade de serem concorrentes. A Falha produz paródia com base nas matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e do humor.

4. A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica.

5. Assim, a atividade exercida pela Falha, paródia , encontra, em Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 1 7 de 53

Page 18: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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verdade, regramento no direito de autor, mais específico e perfeitamente admitida no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do direito de liberdade de expressão, tal como garantido pela Constituição da República.

6. A paródia é uma das limitações do direito de autor, com previsão no art. 47 da Lei 9.610/1998, que prevê serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Essas as condições para que determinada obra seja parodiada, sem a necessidade de autorização do seu titular.

8. A falta de conotação comercial é requisito dispensável à licitude e conformidade da manifestação do pensamento pela paródia, nos termos da legislação de regência (art. 47 da Lei n. 9.610/1998).

9. Não há falar, no caso dos autos, em concorrência desleal. A uma, porque a questão é definida no âmbito da Lei de Marcas (Lei nº 9.279/96), não invocada para a solução dessa demanda. A duas, porque, dentre as condutas que tipificam a concorrência desleal não está a conotação comercial , da qual a Falha fora acusada.

10. Recurso especial parcialmente provido.

VOTO-VENCEDOR

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. Folha da Manhã S.A. ajuizou ação cominatória em face de Mario Ito

Bocchini, pretendendo o cumprimento de obrigação de não fazer, consistente na

abstenção de utilização, pelo réu, da marca, imagem de jornalistas, conteúdo da autora e

do nome de domínio www.falhadesaopaulo.com ou qualquer outro que guarde

semelhança com a marca Folha de São Paulo ou uso da marca Folha. Requereu, ainda,

o pagamento de indenização por danos morais (fl. 4). Alegou que o réu, "ao registrar

nome de domínio com grafia semelhante à de sua marca e, no respectivo website da

internet , utilizar tipo gráfico e diagramação similares aos da marca, além de reproduzir

conteúdo do jornal, violou sua propriedade de marca, podendo, ainda, induzir o

consumidor em erro" (sentença, fl. 696)

O juízo de piso julgou parcialmente procedente o pedido da autora, para

determinar a suspensão definitiva do nome de domínio falhadesaopaulo.com (fls.

1670-1699). Considerou, pelo nome registrado pelo réu e o conteúdo crítico do website

correspondente, não haver violação aos direitos de marca (fl. 704). Rejeitou, da mesma

forma, o pedido de dano moral formulado, reconhecendo como paródia o conteúdo crítico

do website do autor, “a qual, sendo exercício da liberdade de manifestação

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 1 8 de 53

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constitucionalmente garantida, não caracteriza ato ilícito” (fl. 705). No entanto, tendo em

vista o reconhecimento de conteúdo com conotação comercial, determinou o

congelamento do site (suspensão definitiva).

Em face da decisão referida, as partes interpuseram apelação (fls. 730-758

e 789-804). Julgados os recursos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou

provimento a ambos, nos termos da ementa reproduzida abaixo (fl. 1019):

DOMÍNIO DE MARCA VIRTUAL - Falhadespaulo.com.br - Possibilidade de confusão com o Folhadespaulo.com.br e folha.com, da Empresa Folha da Manhã S/A - Registro na Internet que não pode se sobrepor àquele anterior c.c. Perdas e danos corretamente julgada parcialmente procedente - Prejudicial afastada - Recursos desprovidos.

Foram opostos embargos de declaração pelo réu (fls. 1030-1034), que

foram rejeitados. Confira-se a ementa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Alegação de omissão e contradição - Inocorrência - Acórdão que ratifica o teor da sentença, com fundamento no artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal - Enfrentamento de todas as questões suscitadas no recurso - Caráter infringente, estranho à função integrativa dos embargos - Prequestionamento - Desnecessidade de mencionar artigos de lei a cada ponto do julgado - Julgador que não está adstrito a enfrentar a integralidade dos artigos citados - Embargos rejeitados.

Inconformado, o réu interpõe recurso especial com fundamento na alínea

"a" do permissivo constitucional e alegação de violação ao art. 535, I e II, do CPC, assim

como ao art. 47 da Lei n. 9.610/98.

Alega o recorrente que o acórdão paulista, apesar de confirmar a sentença

de piso por seus próprios fundamentos, com ela não se harmoniza. Enquanto o juízo

singular afirma não haver violação dos direitos de marca da autora, por tratar-se de

paródia, o colegiado paulista reconhece tal violação.

Assevera que a discussão dos autos consiste em definir se o domínio

fAlhadesaopaulo.com.br , uma paródia em si mesmo, se submete às restrições do direito

que cuida das Marcas, Lei n. 9.279/1996 ou à prevista no art. 47 da Lei n. 9.610/1996.

Aduz que a singularidade, no caso dos autos, é o fato de que a paródia se

realiza pela internet , no próprio domínio do recorrente, "uma sacada inteligente de seu

criador; um domínio que brinca com o parodiado, assim como o faz um comediante, que

não se limita ao humor crítico; que vai além, travestindo-se e imitando voz e trejeitos do

parodiado" (fl. 1063).

Afirma o recorrente que o site fAlhadesaopaulo.com não tem conotação

comercial e que não tem o propósito de retirar os leitores da Folha de São Paulo, mesmo

porque estes não encontrariam em sua página informações e notícias que encontram na

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Folha de São Paulo. Sua razão, acrescenta, é tão somente produzir crítica bem

humorada de alguma matéria publicada pela Folha.

Contrarrazões apresentadas às fls. 1104-1130.

O recurso especial recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem (fls.

1161-1162), ascendendo a esta Corte por meio de provimento do agravo de instrumento

interposto (fls. 1225-1226). Na Sessão de Julgamento ocorrida em 13.12.2016, o

eminente Ministro Relator, Marco Buzzi, proferiu voto negando provimento ao recurso

especial (fl. 1232). Entendeu que a paródia realizada pelo recorrente possuía, além de

tom crítico e jocoso, conotação comercial, havendo, ademais, violação de proteção da

marca, nos termos do que estabelece o art. 132, IV da Lei n. 9.279/96.

Este o relatório, em acréscimo ao já apresentado. Pedi vista para melhor

exame da causa.

2. Acompanhando o eminente relator no ponto, observo que não há falar em

violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as

questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que tivesse examinado uma a

uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.

De fato, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que

embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a

determinados preceitos legais.

3. No mérito, a controvérsia está em definir se o domínio de internet

fAlhadesaopaulo.com.br, por sua semelhança com o domínio fOlhadesaopaulo.com.br ,

consiste em violação a direito de marca e, ainda, se revela situação de concorrência

desleal, capazes de levar ao congelamento (suspensão definitiva) do primeiro domínio.

registre-se, inicialmente, que a matéria é nova na Corte. A ação foi proposta

pela empresa Folha da Manhã S.A., cujo objetivo era impedir que o blog Falha de São

Paulo, disponibilizado em site de domínio www.falhadesaopaulo.com.br, se mantivesse

no ar, sob argumento de que o tipo gráfico e diagramação utilizados pelo réu eram

idênticos ao da autora, e o nome extremamente semelhante, com alteração apenas de

uma vogal, podendo confundir seus consumidores, caracterizando-se tal conduta como

violação da marca, assim como concorrência desleal.

A ré, Falha de São Paulo, por sua vez, defende-se afirmando a

impossibilidade de caracterização de violação de marca. A uma, por serem as marcas,

identificadas pelos respectivos nomes, diferentes, apesar de semelhantes. A duas, por

serem as partes empresas prestadoras de serviços também absolutamente diferentes. A

ré, acusada de violar os direitos de marca não é nem pretende ser jornal , não provê a

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seus leitores o mesmo tipo de informação que a autora produz. A Falha, afirma a ré,

produz crítica, por meio da sátira e da paródia. A Folha é um jornal que veicula

informações institucionais e de utilidade pública. Assevera, ademais, que a contenda

merece ser solucionada a partir das regras de Direitos Autorais.

4. Ao apreciar o REsp n. 1.466.212/SP, julgado recentemente abordando

temática em certa medida assemelhada, esta egrégia Turma assentou que a marca,

como se sabe, é qualquer sinal distintivo (tais como palavra, letra, numeral, figura), ou

combinação de sinais, capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor,

distinguindo-os de outros idênticos, de origem diversa.

Cuida-se de bem imaterial, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o

privilégio de uso ou exploração, sendo regido, entre outros, pelos princípios

constitucionais de defesa do consumidor e de repressão à concorrência desleal.

Nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos

ou interesses meramente individuais do seu titular, mas visa, acima de tudo, proteger os

adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a

qualidade do produto ou serviço. De outra banda, objetiva evitar o desvio ilegal de

clientela e a prática do proveito econômico parasitário.

Consoante reconhecido pela doutrina nacional e estrangeira, há, pelo

menos, quatro funções das marcas: (I) identificar o produto ou serviço, distinguindo-o do

congênere existente no mercado; (II) assinalar a origem e a procedência do produto ou

serviço; (III) indicar que o produto ou serviço identificado possui o mesmo padrão de

qualidade; e (IV) funcionar como instrumento de publicidade, configurando importante

catalisador de vendas.

Outrossim, importante assinalar que a aquisição do direito de exclusividade

sobre a marca rege-se por três sistemas jurídicos: (I) atributivo (que exige a formalidade

do registro da marca para conferir a propriedade e a respectiva proteção ao titular,

revelando-se insuficiente o mero uso do sinal no mercado); (II) declarativo (no qual se

reconhece a proteção àquele que comprovar ter sido o primeiro a utilizar o sinal distintivo,

o que é chamado de "ocupação" pela doutrina); e (III) misto (a proteção pode advir do

registro ou da ocupação).

A Lei 5.772/1971, que instituiu o antigo Código de Propriedade Industrial,

adotou explicitamente o sistema atributivo, ao garantir a propriedade da marca e seu uso

exclusivo no território nacional somente àquele que obtivesse o registro junto ao Instituto

Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia federal vinculada ao Ministério da

Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei

9.279/96), por sua vez, fixou o sistema atributivo mitigado da propriedade marcária,

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estabelecendo a necessidade de registro como regra, mas atribuindo direito de

precedência ao utente de boa-fé, consoante se extrai do artigo 129, verbis :

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148. § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

4.1. No entanto, como sabido, o direito de uso exclusivo da marca não é

absoluto, havendo dois princípios que limitam tal proteção, quais sejam: o princípio da

especialidade (ou especificidade) e o princípio da territorialidade.

De acordo com o princípio da especialidade, positivado no inciso XIX do

artigo 124 da Lei 9.279/96, a exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível

a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, dada a possibilidade de indução

do consumidor em erro ou de associação com marca alheia.

Desse modo, o princípio da especialidade autoriza a coexistência de marcas

idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de

atividades diversos.

Nesse passo, vejo no princípio da especialidade o primeiro fundamento pelo

qual não se pode acolher o pleito exordial.

É que, com efeito, o serviço por ela prestado em nada se assemelha ao da

recorrida, Folha de São Paulo. A Falha de São Paulo produz paródia com base nas

matérias produzidas pela Folha, expressando-se, declaradamente, de modo contrário às

opiniões expostas pelo jornal, por meio da sátira e humor. Não havia nem se pretendia no

site suspenso falhadesaopaulo.com.br prestar informações sobre o tempo, cotação de

moeda estrangeira, números de inflação, notícias políticas, de moda ou cultura, dentre

outras facilmente encontradas no domínio da recorrida.

O objeto explorado pela Falha, reconhecido inclusive pela recorrida (fl. 4), é

a crítica aos posicionamentos políticos e ideológicos da Folha, sem qualquer intenção de

autopromoção de matérias concorrentes. E isso pelo simples fato de que não haveria em

seu sítio eletrônico as mesmas reportagens procuradas pelos consumidores da Folha.

Nesse passo, penso que, pela diferença dos objetos explorados por uma e

outra empresa, pela especificidade de seus serviços, já seria possível afastar a alegação

de violação de direito de marca invocada pela ora recorrida.

4.2. De outra parte, há, no meu entendimento, fundamento ainda mais

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consistente, apto a desconstituir a alegação de violação ao direito de marca.

É que a atividade exercida pela recorrente encontra regramento no direito

de autor, mais específico, para o caso, que o direito de marcas, capaz de, por si só,

resguardá-lo.

Destarte, sendo indiscutível que a conduta da recorrente se enquadra como

paródia, o que se vê, no caso sob exame, é prática perfeitamente admitida e de acordo

com o direito de liberdade de expressão, tais como garantidos pela Constituição da

República.

Com efeito, a paródia , forma de expressão do pensamento e obra artística,

é uma das limitações do direito de autor e sua previsão está no art. 47 da Lei na

9.610/1998, que tratou da permissão às paráfrases e paródias . Confira-se:

Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.

Quanto às limitações e exceções aos direitos de autor, cumpre mencionar

importante documento denominado Direito ao Compartilhamento: Princípios sobre a

Liberdade de Expressão e Direitos Autorais na Era Digital - 2013 , elaborado pela Artigo

19, Associação Civil sem fins lucrativos criada em Londres, em 1986, com o objetivo

principal de proteger e promover o direito à liberdade de expressão e o acesso à

informação previstos no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

(https://www.article19.org/data/files/medialibrary/3716/13-04-23-right-to-share-PO.pdf)

A título de conhecimento, confira-se o Princípio n. 6 do Documento que diz:

Princípio 6: Tratamento justo e trabalhos derivados6.1. As limitações e exceções aos direitos autorais, sobretudo o tratamento justo, devem ser interpretadas de uma forma ampla para garantir uma maior proteção ao direito à liberdade de expressão.6.2. A utilização criativa e transformadora de trabalhos originais sujeitos aos direitos autorais deve se beneficiar de uma proteção mais ampla de acordo com a exceção do tratamento justo dos direitos autorais.

Nessa linha de ideias, é possível afirmar que a paródia é imitação cômica de

uma composição literária, filme, música, uma obra qualquer. Quase sempre dotada de

comicidade, utilizando-se do deboche e da ironia para entreter. É fruto de interpretação

nova, é adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente,

debochada, satírica.

Na jurisprudência desta Casa, foram localizadas poucas decisões

monocráticas e apenas um acórdão com o termo de pesquisa "paródia". No acórdão

referido, o eminente relator, Ministro Raul Araújo, define muito brevemente o instituto,

mas, no caso, a paródia teria sido descaracterizada. Confira-se:

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RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. OBRA MUSICAL. LETRA ALTERADA. UTILIZAÇÃO EM PROPAGANDA VEICULADA NA TELEVISÃO. PARÓDIA OU PARÁFRASE. INEXISTÊNCIA. DANOS MATERIAIS DEVIDOS. ALTERAÇÃO DO CONTEÚDO DA OBRA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA.1. O autor da obra detém direitos de natureza pessoal e patrimonial. Os primeiros são direitos personalíssimos, por isso inalienáveis e irrenunciáveis, além de imprescritíveis, estando previstos no art. 24 da Lei 9.610/98. Os segundos, regulados pelo art. 28 da referida Lei, são passíveis de alienação.2. Nesse contexto, nada há a reparar na decisão guerreada quando afirma ser o segundo recorrido ainda titular de direitos morais que podem ser vindicados em juízo, tendo direito à reparação por danos morais em face das modificações perpetradas em sua obra sem autorização, pois apenas alienou seus direitos autorais de ordem patrimonial.3. Na hipótese dos autos, a letra original da canção foi alterada de modo a atrair consumidores ao estabelecimento da sociedade empresária ré, não havendo falar em paráfrase, pois a canção original não foi usada como mote para desenvolvimento de outro pensamento, ou mesmo em paródia, isto é, em imitação cômica, ou em tratamento antitético do tema. Foi deturpada para melhor atender aos interesses comerciais do promovido na propaganda.4. Recurso especial conhecido e desprovido.(REsp 1131498/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 08/06/2011)

Importante mencionar que o fato de a paródia estar disposta entre as

exceções aos limites ao direito autoral significa que aquele que realiza a paródia está

dispensado de obter a autorização do autor da obra parodiada.

De fato, o artigo 47 da Lei n. 9.610/1998 permite a utilização da obra sem a

anuência do titular, para a composição de paródia, mas sob as seguintes condições: que

a paródia não configure verdadeira reprodução e que não cause descrédito à obra

originária.

No que respeita à verdadeira reprodução da obra parodiada, a doutrina

ensina que “o texto legal veda-lhe a 'verdadeira reprodução', implicitamente admitindo

certa imitação , ou melhor, parcial imitação. Não fosse assim, não haveria paródia, visto

que o legislador utilizou a expressão 'verdadeira reprodução' e não apenas o vocábulo

'reprodução'. Assim, a paródia sempre é imitação da obra originária, porém, não em

demasia. O que é certo é que a paródia necessita de alguma imitação para que o

público identifique a obra originária, reconhecendo a nova versão como imitação

cômica de obra anteriormente conhecida por este mesmo público”. (PEREZ, Priscila

de Carvalho Ruiz. Paródia como violação de direito autoral. In: Revista da ABPI, n. 137, p. 32-43,

jul./ago. 2015).

Noutro ponto, há ainda a condição que não cause descrédito à obra

originária , de modo a que a paródia seja considerada lícita e permitida. Referida condição

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traz consigo, no entanto, considerável carga subjetiva, dificultando demasiadamente a

análise de sua presença, não havendo por parte da legislação a fixação de qualquer

parâmetro para determinar o que seja descrédito .

De fato, a ironia e a crítica são a essência da paródia. Quando a lei prevê e

protege esse tipo de manifestação e expressão está protegendo a irreverência do

conteúdo apresentado.

Interessante lembrar ainda que a proteção à paródia, além de uso e

costume do direito ao entretenimento, é tradição brasileira, cuja matéria fora prevista já

no Código Civil de 1916, antes mesmo da edição da primeira lei especial sobre o direito

do autor. Confira-se:

Art. 665. É igualmente necessária, e produz os mesmos efeitos da permissão de que trata o artigo antecedente, a licença do autor da obra primitiva a outro, para de um romance extrair peça teatral, reduzir a verso obra em prosa, e vice-versa, ou dela desenvolver os episódios, o assunto e o plano geral. (Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998) Parágrafo único. São livres as paráfrases, que não forem verdadeira reprodução da obra original. (Revogado pela Lei nº 9.610, de 1998)

No que respeita a casos emblemáticos dessa forma de expressão, cumpre

mencionar que já nos anos 1920, Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly,

posteriormente autointitulado Barão de Itararé, mantinha, sob sua autoria, o suplemento

satírico denominado A Manha . O próprio nome do periódico, tal qual o caso dos autos,

parodiava um dos grandes Jornais da época, A Manhã. Na verdade, aqui, trocou-se uma

letra – o por a, lá, retirou-se um til. "A Manha começou a circular no dia 13 de maio de

1926 com o subtítulo "Órgão de ataques... de riso". Propunha-se abertamente a "morder

o calcanhar das autoridades", especialmente a classe política. Com estilo irreverente e

inovador, A Manha revelou-se em pouco tempo um sucesso de vendas, colocando-se à

frente das publicações concorrentes. A Manha foi o primeiro jornal humorístico a fazer

uso de fotomontagens para ridicularizar as autoridades".

(http://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-manha-2). Não há notícias de que o nome do periódico

tenha sido um problema para o Barão de Itararé.

Em linha semelhante de paródia, mais recentemente, na década de 1990, o

renomado escritor e cartunista Ziraldo, criou revista de tiragem mensal, pela editora

Pererê, com nome um tanto quanto inusitado, Bundas, utilizando-se da mesma

diagramação da revista Caras , da editora Abril e, assim como a fonte de seu título,

branca em fundo vermelho (na capa), tornava claro o tom paródico e satírico pretendido.

“As comparações e menções frequentemente apareciam em algum lugar da revista. Bom

exemplo está no primeiro editorial da revista, quando Veríssimo afirma que assim como

Caras, Bundas “mostrará brasileiros em situações ridículas, dizendo coisas desconexas,

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em cores”. Em outro exemplo, na terceira edição, o autor visando ironizar e criticar as

privatizações ocorridas no governo FHC, afirma que assim como Caras possui uma ilha,

Bundas compraria um país: O Brasil – que estaria sendo vendido “por uma ninharia”.

(LAPA, Bruna. Caras X bundas. VIII Encontro de Programas de Pós Graduação em

Comunicação de Minas Gerais. www.ecomig2015.wordpress.com)

No caso de Ziraldo, houve o ajuizamento de ação por danos morais, com

interposição de Recurso especial julgado pela egrégia Terceira Turma deste Tribunal. No

recurso proposto, todavia, não foram questionadas as semelhanças entre uma e outra

publicação. Não havia reivindicação de marca por apropriação de diagramação, fonte,

cores, estilo da revista Caras, tampouco havia disputa de domínio na rede mundial de

computadores.

No julgamento proferido pela Terceira Turma, apenas a título de ilustração,

interessante notar que a eminente Ministra relatora, Nancy Andrighi, em seu voto

condutor, destacou as características da paródia, na linha que aqui se expõe:

Nesse aspecto, nota-se que o meio de comunicação é explicitamente satírico, o que se evidencia – se não por menos – pela proposta editorial calcada na possibilidade de fazer rir a partir da comparação com outra revista de grande circulação, cujo 'mote' é publicizar a vida íntima daquilo que se convencionou chamar de 'celebridades': pessoas que utilizam a mídia – expondo despudoradamente aspectos privados de sua personalidade – com o intuito de obter projeção pessoal.(...)A revista 'Bundas' tinha, claramente, nítido propósito editorial de apontar os excessos de um fenômeno social novo, surgido em meados da última década do século passado, que se consubstanciou na explosão do interesse público a respeito da vida de pessoas abastadas ou célebres, nacionais e estrangeiras.(...)Afirma-se, portanto, que, no contexto de uma publicação humorística destinada a ridicularizar outra revista, esta exibindo pessoas que mantêm um estilo de vida fulcrado na ostentação, a expressão “Barão da merda”, utilizada no humorístico, para além de representar um trocadilho popular com a atividade empresarial do construtor do castelo, atinge perfeitamente o objetivo do magazine ao associar um título nobiliárquico – semelhante ao que muitos dos 'colunáveis' daqueloutra revista exibem – a um termo que se contradiz absolutamente com a distinção da nobre comenda, assim causando impacto cômico pela inesperada associação de idéias que as expressões, uma vez relacionadas, provocam.

Abaixo a ementa do acórdão:

Civil. Ação de compensação por danos morais. Revista humorística.Matéria satírica que teria maculado a honra de antepassado das recorrentes. Crítica social que transcende a memória do suposto ofendido para analisar, por meio da comparação jocosa, tendência cultural de grande repercussão no

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país.- Dentro do que se entende por exercício da atividade humorística, a matéria não teve por objetivo a crítica pessoal ao antepassado das recorrentes, mas a sátira de certos costumes modernos que ganharam relevância e que são veiculados, hodiernamente, por mais de uma publicação nacional de grande circulação.- O 'mote' supostamente lesivo, ademais, foi atribuído ao domínio público.- A conduta praticada não carrega a necessária potencialidade lesiva, seja porque carecedora da menor seriedade a suposta ofensa praticada, seja porque nada houve para além de uma crítica genérica de tendências culturais, esta usando a suposta injúria como mera alegoria.- Não cabe aos Tribunais dizer se o humor praticado é 'popular' ou 'inteligente', porquanto à crítica artística não se destina o exercício da atividade jurisdicional.Recurso especial não conhecido.(REsp 736.015/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2005, DJ 01/07/2005, p. 533)

No caso sob análise, é mister sublinhar, a meu juízo, que a diferença em

relação ao casos citados acima está apenas no meio utilizado para parodiar, a internet.

Nem mesmo o fato de a paródia já se expressar no nome de domínio é novidade, como

se percebeu ter ocorrido com a paródia da magazine A Manha .

5. Ademais, examinando a questão por outro ângulo, a recorrida alega que

a existência do site de paródia, com o domínio falhadesaopaulo.com.br, causaria

concorrência desleal em relação ao jornal Folha de São Paulo, por sua conotação

comercial.

Quanto à conotação comercial, o acórdão recorrido, reproduzindo os dizeres

da sentença, se manifestou como a seguir:

Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semanal Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de sorteio de assinatura da revista Carta Capita entre os seguidores da conta do réu no Twitter. Ao anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com as reproduções do jornal da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o

website do réu como tendo conotação comercial.  

Ora, a meu ver, observada sempre a máxima vênia, a análise feita pelas

instâncias de origem, acerca da conotação comercial, não pareceram corretas e

adequadas. É que a sentença e o acórdão extraíram de uma situação comum, permitida,

sanção desassociada dos fatos, utilizando interpretação de legislação inadequada a reger

o caso sob análise.

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Com efeito, a sentença buscou arrimo no seguinte dispositivo da Lei de

Marca, Lei n. 9.279/1996:

Art. 132. O titular da marca não poderá:(...)IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.

No entanto, a legislação que disciplina a manifestação do pensamento pela

paródia não prevê como condição para sua licitude e conformidade o fato de não possuir

conotação comercial. Conforme visto, este não é requisito de sua perfeição.

Ainda, importante ressaltar que a concorrência desleal acusada pela

recorrida também não se caracteriza nesse caso.

Em primeiro lugar, a meu juízo, porque falha e folha não são concorrentes,

não prestam serviços da mesma natureza. Em segundo lugar, porque a conduta da

recorrente não tipifica concorrência desleal, questão, esta sim, definida no âmbito da Lei

nº 9.279/96.

De fato, a Lei da Propriedade Industrial disciplina, em seu art. 2º, os modos

pelos quais a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial se efetiva e, em seu

inciso V, faz constar a repressão à concorrência desleal. Dispõe, ainda, no art. 195:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;VII - atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;VIII - vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem

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a concorrente do empregador; XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou XIII - vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; XIV - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

6. Por fim, no que respeita à alegação de confusão que o domínio

falhadesaopaulo.com.br possa causar aos leitores da Folha de São Paulo, da mesma

forma, penso que não prospera a argumentação.

Confiram-se, abaixo, por sua adequação, as palavras proferidas na decisão

de piso, confirmadas integralmente pelo acórdão (fls.):

No presente caso, a possibilidade de confusão não existe, pois a paródia é revelada, inteiramente, já pelo nome de domínio. O trocadilho anuncia, ao mesmo tempo, que se trata de uma sátira, e que é objeto dela. Nem mesmo um “tolo apressado” seria levado a crer tratar-se de página de qualquer forma vinculada oficialmente ao jornal da autora, pois a paródia anunciada pelo nome de domínio, é reiterada pelo conteúdo do website. Além disso, dadas as posições das letras “A” e “O” no teclado QWERTY, tradicionalmente utilizado nos computadores pessoais e demais eletrônicos por meio dos quais a internet é acessada, fica afastada qualquer possibilidade de typosquatting, modalidade de cybersquatting em que o usuário, por simples erro de digitação, acaba por acessar website diverso do pretendido.

Nesse ponto, vale ressaltar que um dos elementos distintivos da

inexistência de confusão entre as marcas refere-se ao grau de especialização dos

adquirentes dos serviços prestados por aquelas empresas, segundo o qual seria capaz

de afastar a possibilidade de confusão ou associação entre as marcas.

Dessarte, a questão, em regra, deve ser analisada sob a perspectiva do

homem médio (homus medius ), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do

ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas

integrantes da sociedade.

Nessa linha de intelecção, confira-se o entendimento doutrinário:

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Por fim, a apreciação deve ser procedida segundo a ótica do consumidor comum, desatento e despreparado por natureza [...]. Jamais deve ser a impressão causada ao julgador em litígio, normalmente mais preparado e instruído. Nesse caso, o julgador deve afastar-se da postura de árbitro do litígio e postar-se como se fosse um cidadão, um consumidor, auferindo se, nesta situação tranquila, faria a associação ou confundiria as marcas. (SCUDELER, Marcelo Augusto. Do direito das marcas e da propriedade industrial . Campinas: Servanda, 2013, p. 115-116).

Todavia, não se olvide que determinados produtos ou serviços são

colocados no mercado para consumidores bem específicos. Entre outras características,

leva-se em consideração o nível social, o conhecimento intelectual, o grau de formação e

outras condições especiais dos eventuais adquirentes. Em outros casos, a atividade de

comércio tem como clientes apenas pessoas jurídicas de pequeno, médio ou grande

porte. Portanto, essa é a tônica do mercado cada vez mais globalizado e setorizado.

Nessa linha de entendimento, não é difícil concluir pelo elevado grau de

discernimento e de intelecção que um leitor de jornal possui, mormente da Folha de São

Paulo. É difícil imaginar que um leitor integrante de grupo tão restrito não seja capaz de

reconhecer os donos dos textos que lê, se não imediatamente, em poucos minutos. Isso,

porque se presume a capacidade intelectual avançada desse grupo, caracterizada, ao

menos, pelo maior interesse pela leitura e informação.

7. Interessante destacar, ademais, que o nome de domínio (domain name ) é

o sinal designativo utilizado para identificar e localizar o endereço eletrônico ou a home

page de agentes que, de algum modo, exerçam atividade (econômica ou não) na internet.

Como bem elucida a doutrina:

(...) do ponto de vista estritamente técnico, o nome de domínio nada mais é do que uma sequência alfanumérica (não podendo ser exclusivamente numérica) que representa um determinado host , e por meio da qual se acessa esse host .Os endereços dos hosts são, na verdade, representados por uma sequência de números, que são os endereços IP. Como a memorização desses números seria pouco conveniente para as pessoas, desenvolveu-se um sistema descentralizado de dados em que letras que formam o nome de domínio são convertidas e associadas aos números dos endereços IP, facilitando a forma de operar na internet para as pessoas (que preferem as letras, pois estas são passíveis de associação), e para os computadores (que utilizam com mais eficiência os números, pois trabalham no sistema binário).Portanto, o nome de domínio é o reflexo, numa forma amigável e mnemônica, do endereço IP de um host . (FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Nomes de domínio no Brasil . São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 93)O Sistema de Nomes de Domínio (ou Domain Name System - DNS) é uma estrutura de identificação hierárquica, que foi designada para garantir que cada nome seja globalmente único e que corresponda a um valor numérico distinto. Ele resolve um nome de domínio, como "stf.gov.br", em um endereço IP único, um nome numérico que contém

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quatro blocos de até três dígitos cada, como 32.104.87.2, que irá apontar para apenas um lugar na Internet. O DNS foi designado, primariamente, como um mecanismo mnemônico que faz com que as pessoas se lembrem do "endereço" das páginas Web mais facilmente.A hierarquia DNS é estruturada em domínios separados, em que uma entidade administrativa mantém controle de cada nível. Quando uma pessoa digita um domínio, o pedido é direcionado primeiro ao servidor DNS, geralmente operado por um provedor de serviços Internet (Internet Service Provider - ISP), que então localiza as bases de dados para cada subdomínio, da direita para a esquerda. O servidor DNS, a princípio, localiza um host /servidor, e no final, localiza a página correspondente e manda a mensagem de volta ao computador originário. (KAMINSKI, Omar. Conflitos sobre nomes de domínio: e outras questões jurídicas da internet. Ronaldo Lemos e Ivo Waisberg (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais/Fundação Getúlio Vargas. 2003, pp. 244/245)

Assim, "sendo o nome de domínio um sinal distintivo passível de

apropriação mediante o registro no órgão próprio; podendo seu titular usá-lo, gozá-lo e

dispô-lo; e, somando-se a isso, o fato de ter valor econômico, sendo objeto de milhares

de transações, não haveria maior dificuldade em considerá-lo como um bem imaterial,

sobre o qual o seu dono (quem o registrou) tem um direito de propriedade, numa típica

relação de direito real" (FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Op. Cit., p. 113).

A despeito da divergência doutrinária, é certo que a Constituição da

República de 1988, consoante afirmado alhures, reconhece não só proteção às criações

industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas, mas também a

quaisquer outros signos distintivos (inciso XXIX do artigo 5º), expressão que abrange,

por óbvio, o nome de domínio.

A Portaria Interministerial 147/95 (editada em conjunto pelos Ministros das

Comunicações e da Ciência e Tecnologia) criou o Comitê Gestor da Internet no Brasil

(CGI.br), com as atribuições, dentre outras, de coordenar os registros de nomes de

domínios no país (inciso V do artigo 1º).

De início, as funções atinentes ao registro de nomes de domínio foram

delegadas à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Em

2005, contudo, foi criado o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)

que passou a ser responsável pela atividade de registro de domínios ".br".

Em 1998, o Comitê Gestor promulgou resolução fixando as regras de

funcionamento do registro dos nomes de domínio no Brasil (Resolução CGI.br 1/98).

O artigo 1º do citado normativo - vigente à época dos fatos narrados na

inicial - erigiu princípio fundamental denominado "First Come, First Served " (adotado até

os dias atuais), segundo o qual o direito ao nome de domínio será conferido ao primeiro

requerente que satisfizer, quando do pedido, as exigências para o registro. Nesse Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 1 de 53

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contexto, a concessão do registro não dependia de prévia apuração de eventual conflito

com marcas ou nomes comerciais registrados em outros órgãos, atribuindo-se ao

requerente a integral responsabilidade pela escolha do nome de domínio.

Nesse ponto, o artigo 2º, do Anexo I, da referida resolução preceituava que

o nome escolhido pelo requerente para registro não poderia tipificar nome não

registrável, o qual compreendia, entre outros, signos que pudessem induzir terceiros em

erro, "como no caso de nomes que representam marcas de alto renome ou notoriamente

conhecidas, quando não requeridos pelo respectivo titular" .

Consequentemente, nem todo registro de nome de domínio, composto por

signo distintivo equivalente à marca comercial de outrem, configura violação do direito de

propriedade industrial, mas apenas aquele capaz de gerar perplexidade ou confusão dos

consumidores, desvio de clientela, aproveitamento parasitário, diluição de marca ou que

revele o intuito oportunista de pirataria de domínio.

Atualmente, encontra-se em vigor a Resolução CGI.br 8/2008, que continua

a responsabilizar o requerente pela escolha de nome de domínio que induza terceiros em

erro ou que viole direitos de outrem (artigo 1º).

Diante desse quadro, também por essas razões, penso que não há qualquer

prejuízo às titulares da marca ou aos consumidores com a utilização do sítio na internet.

Isso porque o nome de domínio escolhido pelo blog Falha de São Paulo,

falhadesaopaulo.com.br, não se revela capaz de causar confusão entre o serviço

jornalístico virtual prestado pela Folha de São Paulo e o prestado pela Falha, destinado a

oferecer crítica por meio de paródia às matérias jornalísticas da recorrida.

Em recente julgamento realizado em dezembro de 2016 (ainda não

publicado), REsp n. 1.466.212/SP, esta egrégia Quarta Turma apreciou recurso, cuja

controvérsia era definir se a anterioridade de registro de marca, em uma classe

específica, conferia ao titular o direito à utilização exclusiva de nome de domínio

equivalente no âmbito da rede mundial de computadores (internet ).

Naquela oportunidade, diferente do caso sob análise, mas com ele

semelhante em certa medida (tratou-se de marcas, aqui prepondera o direito de autor),

este colegiado negou provimento ao apelo, reconhecendo a possibilidade de coexistência

de nomes semelhantes de marcas, sem que isso representasse violação a direito de

qualquer espécie. Do voto condutor, destaca-se trecho que resume a deliberação,

Confira-se:

Isso porque o nome de domínio escolhido pela sociedade empresária ré ("paixao.com.br") não se revela capaz de causar confusão entre os produtos comercializados pelas autoras (cosméticos Paixão) e o serviço

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Page 33: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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virtual a ser disponibilizado no site, destinado a aproximar pessoas para relacionamentos amorosos. Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro. Ou seja, sequer em tese a conduta descrita nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado pelas demandantes.(...)A incidência, no caso, mutatis mutandis , do princípio da especialidade no registro da marca demonstra a possibilidade de coexistência de nomes de domínio compostos pelo mesmo signo distintivo acrescido do ramo de atividade do titular. Assim, não há que se falar em violação do direito das autoras, que ainda podem proceder a registro de nome de domínio representativo da sua marca, a exemplo de "cosmeticospaixao.com.br" ou "paixaocosmeticos.com.br".

Uma vez mais anoto que, assim como no julgado citado acima, as partes

demandantes oferecem serviços absolutamente diversos, sendo este um dos

fundamentos aqui explicitados, assim como o foi no REsp n. 1.466.212/SP.

8. Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que implique

aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos

consumidores em erro. Ademais, sequer em tese a conduta descrita nos autos configura

o crime de concorrência desleal alegado pela autora, aqui recorrida.

A incidência, no caso, mutatis mutandis , do princípio da especialidade no

registro da marca, demonstra a possibilidade de coexistência de nomes de domínio

compostos até pelo mesmo signo distintivo acrescido do ramo de atividade do titular, o

que não se reflete nos presentes autos, em que os domínios, apesar de semelhantes,

são diferentes.

9. Ante o exposto, peço licença para divergir do voto proferido pelo

eminente e culto relator, e dou parcial provimento ao recurso especial para reconhecer a

inexistência de violação de direito de marca da recorrida e liberar o uso do domínio

falhadesaopaulo.com.br . Honorários advocatícios em favor da recorrente, que fixo em

R$10.000,00 (dez mil reais).

Saliente-se, por fim, quanto ao dano moral negado na origem, não há

qualquer discussão acerca da questão em sede de recurso especial, tendo a matéria

transitado em julgado após a sentença (fl. 705).

É como voto.

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Page 34: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 21/02/2017

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão dando parcial provimento ao recurso especial, divergindo do relator, PEDIU VISTA regimental o relator.

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 4 de 53

Page 35: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 14/03/2017

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Adiado para a próxima sessão por indicação do Sr. Ministro Relator.

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 5 de 53

Page 36: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 16/03/2017

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Adiado para a próxima sessão por indicação do Sr. Ministro Relator.

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 6 de 53

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI: A discussão subjacente é

relacionada à existência ou não de violação ao direito de marca da recorrida

EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A pelo sítio eletrônico criado pelo recorrente

MARIO ITO BOCCHINI.

Submetido o recurso à apreciação desta Quarta Turma em data de

13.12.2016, pediu vista dos autos o e. Ministro Luis Felipe Salomão, que, na

assentada de 21.02.2017, inaugurou divergência, no sentido de dar parcial

provimento ao apelo extremo, a fim de reconhecer a inexistência da referida ofensa

e liberar o uso do domínio falhadesaopaulo.com.br.

Dos fundamentos elencados pela divergência, destaca-se, em suma: i) "o

direito de uso exclusivo da marca não é absoluto, havendo dois princípios que

limitam tal proteção, quais sejam: o princípio da especialidade (ou especificidade) e

o princípio da territorialidade" e, considerando o princípio da especialidade, o serviço

prestado pelo website criado pelo recorrente "em nada se assemelha ao da

recorrida, Folha de São Paulo"; ii) "a atividade exercida pelo recorrente encontra

regramento no direito de autor, mais específico, para o caso, que o direito de

marcas, capaz de, por si só, resguardá-lo. Destarte, sendo indiscutível que a

conduta do recorrente se enquadra como paródia, o que se vê no caso sob exame é

prática perfeitamente admitida e de acordo com o direito de liberdade de expressão,

tais como garantidos pela Constituição da República"; iii) o art. 132, inciso IV, da Lei

nº 9.279/1996 não traduz o regramento adequado a reger o caso sob análise, pois

"a legislação que disciplina a manifestação do pensamento pela paródia não prevê

como condição para sua licitude e conformidade o fato de não possuir conotação";

iv) "falha e folha não são concorrentes, não prestam serviços da mesma natureza"

e "a conduta da recorrente não tipifica a concorrência desleal"; v) "impossibilidade

de confusão ou associação entre as marcas", diante do "elevado grau de

discernimento e de intelecção que um leitor de jornal possui" e do próprio nome de

domínio escolhido pelo blog (falhadesaopaulo.com.br ).

Concluiu que "Não se evidencia, portanto, qualquer circunstância que

implique aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a

indução dos consumidores em erro. Ademais, sequer em tese a conduta descrita

nos autos configura o crime de concorrência desleal alegado pela autora, aqui Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 7 de 53

Page 38: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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recorrida".

Na mesma oportunidade, pedi vista regimental dos autos para melhor

refletir sobre a controvérsia neles versada, em consideração, ainda, aos argumentos

explanados pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão.

VOTO

Não obstante as ponderações delineadas pela divergência, ratifico meu

voto, com os acréscimos que seguem.

1. Apenas para rememorar, em apertada síntese, trata-se, na origem, de

ação cominatória e indenizatória ajuizada pela ora recorrida em face do ora

recorrente, requerendo a condenação do réu a se abster de utilizar marca, conteúdo

do jornal e nome de domínio da autora no website falhadespaulo.com.br , haja vista

o tipo gráfico utilizado pelo réu ser idêntico ao utilizado pela autora em seu sítio

eletrônico (folhadespaulo.com.br ou folha.com.br ), bem como o nome usado ser

extremamente semelhante, com alteração apenas de uma vogal, caracterizando

assim violação da sua marca, a qual se encontra devidamente registrada no Instituto

Nacional de Propriedade Industrial – INPI.

De início, pontua-se o papel constitucional do Superior Tribunal de

Justiça, consistente na uniformização da interpretação da legislação federal,

preservando sua correta aplicação. Desse modo, os parâmetros aqui estabelecidos

repercutem nos julgamentos realizados em todo o país, revelando justamente essa

função de uniformizar a jurisprudência.

Mister observar que, como bem destacado pelo e. Ministro Luis Felipe

Salomão, a matéria aqui tratada é nova na Corte, razão pela qual as peculiaridades

do caso concreto ganham ainda mais relevância. Aliás, foi o que ocorreu no recente

julgamento do Recurso Especial nº 1.342.266 - PE (ainda não publicado), no qual

esta Turma atentou-se para uma singularidade daquele caso - o fato de a obra em

questão ser uma caricatura, que não se confunde com o símbolo/mascote oficial do

clube esportivo então recorrente - e reconheceu, por maioria, que o referido

desenho está acobertado pela proteção da Lei dos Direitos Autorais.

Em relação à controvérsia subjacente a esta demanda, cumpre

asseverar, em acréscimo ao voto anteriormente prolatado, que a Constituição

Federal, ao dispor sobre liberdade de expressão - aqui entendida em sentido lato, a

englobar a liberdade de imprensa e de informação - prevê, em seu artigo 220, que a

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 8 de 53

Page 39: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer

forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, atendido o disposto

no próprio texto constitucional. Dentre as demais garantias estabelecidas pela

Lei Maior, destacam-se a livre iniciativa, já insculpida no art. 1º como um dos

fundamentos da República, e a proteção à propriedade das marcas, aos nomes de

empresas e a outros signos distintivos, assegurada em seu art. 5º, inciso XXIX.

Com efeito, é possível inferir, por meio de uma interpretação sistemática

e sob a perspectiva do princípio da unidade da Constituição, que essa prescreve o

caráter não absoluto da liberdade de informação jornalística, a ser mitigada nas

hipóteses em que conflitar com outros direitos igualmente por ela garantidos.

Nesse contexto, portanto, é que deve ser observada a controvérsia

veiculada no apelo extremo, ou seja, se o blog criado pelo recorrido excedeu os

limites da liberdade de expressão, ensejando violação da proteção legal assegurada

à marca da recorrida. No particular, ainda, merece especial destaque as conclusões

delineadas no âmbito das instâncias ordinárias, que conduziram à procedência do

pedido cominatório.

Na hipótese, o Tribunal a quo, mantendo a sentença proferida pelo

magistrado singular, salientou que, além do teor depreciativo e de reprimenda da

marca Folha de São Paulo, o referido sítio eletrônico possui também conteúdo com

conotação comercial, o que extrapola o alegado propósito de atuar com

intenção meramente jocosa e crítica, contaminando assim o respectivo domínio,

motivo pelo qual deve ser mantido seu congelamento.

Destacam-se os seguintes trechos (fl. 1024, e-STJ):

A sentença está correta e deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, como permite o artigo 252 do Regimento Interno deste Tribunal.Eis os referidos fundamentos:

Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante prevista no inciso IV do art. 132 da Lei nº 9.279/96, grifada a seguir: "o titular da marca não poderá: […] IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo" (grifei). Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls. 135) percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semana Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 3 9 de 53

Page 40: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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entre os seguidores do réu no Twitter (#falhadespaulo). Ao anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com a reprodução dos jornais da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o website do réu como tendo conteúdo comercial. A revista Carta Capital é concorrente da autora no mercado jornalístico, com ela disutando leitores, assinantes e verbas publicitárias. (…) há no website do réu, também, conteúdo comercial, pelo qual o usuário, seja pelo link, seja pelo sorteio da assinatura da revista, é direcionado, relembrado, ou apresentado a veículo de comunicação concorrente da autora.[grifou-se]

Portanto, com a máxima vênia, é inegável que há extrema semelhança,

praticamente equivalência, entre os nomes de domínio utilizados pelo recorrente e

recorrida (falhadespaulo.com.br e folhadespaulo.com.br) , constituindo-se, essa

coincidência, o motivo determinante do uso do nome escolhido pelo ora insurgente,

designação que pode sim causar confusão aos leitores, eis que no ambiente virtual

o website do recorrente atua como empresa de informação jornalística, ainda que se

defina como sujeito propagador de paródia.

O fato concreto, inarredável e insuperável, neste âmbito, é que as

instâncias de origem classificaram o jornal virtual como propagador, também, de

veiculação comercial, o que implica em concorrência desleal face o uso econômico

de nome similar ao da marca da recorrida, cuja proteção é assegurada pela

Constituição Federal e pela legislação infralegal.

E esse aspecto, frise-se, absolutamente nada tem a ver com o grau de

discernimento dos leitores, pois, quando a informação é lançada na web , alcança os

mais diversos interlocutores, independentemente do padrão intelectual.

Assim, evidentemente, a paródia em questão possui conteúdo comercial,

com divulgação de uma das principais concorrentes da recorrida, o que

consiste em violação da proteção legal garantida a sua marca, nos termos do art.

artigo 132, inciso IV, da Lei nº 9.279/96 ("O titular da marca não poderá: (...) IV -

impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer

outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu

caráter distintivo.").

Ora, a paródia quando utilizada atrelada a conotação comercial não pode

ser concebida nos mesmos moldes delineados enquanto mera manifestação da

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liberdade de expressão por extrapolar os limites garantidos constitucionalmente.

Ademais, no que tange ao princípio da especialidade, uma das balizas do

direito marcário, constata-se que ambos Folha e Falha estão voltados à indústria da

informação, prestando serviços similares de comunicação e crítica aos

acontecimentos midiativos.

Dessa forma, não se trata de diminuir o escopo de aplicação do direito à

liberdade de expressão, mas tão-somente de, diante do caso concreto, não esvaziar

o conteúdo dos dispositivos constitucionais e legais de tutela da marca, o que leva,

inexoravelmente, ao reconhecimento de que, nos moldes como a paródia foi

realizada na hipótese em análise (possuindo, além do crítico e jocoso,

conteúdo com conotação comercial), houve violação do direito de proteção da

marca.

2. Do exposto, RATIFICO o voto anteriormente proferido, a fim de negar

provimento ao recurso especial.

É como voto.

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Page 42: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 16/02/2017 JULGADO: 21/03/2017

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista regimental do relator negando provimento ao recurso especial, ratificando seu voto anterior, PEDIU VISTA o Ministro Raul Araújo.

Documento: 1562673 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2017 Página 4 2 de 53

Page 43: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZIRECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -

SP165378

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:

Relembro o caso.

Trata-se de recurso especial agitado pelo demandado na Ação Ordinária

Cominatória cumulada com Indenizatória por Danos Morais, MARIO ITO BOCCHINI, com

arrimo na alínea "a" do permissivo constitucional, objetivando a reforma do v. acórdão do eg.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, confirmando a sentença, julgou parcialmente

procedente a pretensão da ora recorrida, EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A, reconhecendo a

violação ao direito de marca desta (Folha de S. Paulo ), bem como seu domínio na rede mundial

de computadores (www.folhadespaulo.com.br ou www.folha.com) em detrimento do sítio

eletrônico criado e explorado por aquele (www.falhadespaulo.com.br).

O douto relator, Ministro Marco Buzzi, em judicioso voto, apresentado na

sessão ocorrida em 21 de março do corrente ano, negou provimento ao apelo nobre, aplicando, à

matéria de fundo, o entendimento de que o website explorado pelo recorrente, embora

acobertado pelos princípios da liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento,

esbarraria no óbice do direito marcário defendido pela recorrida, uma vez que configurada a

concorrência desleal, bem como a conotação comercial de sua atividade.

De outro lado, o ilustre Ministro Luis Felipe Salomão inaugurou a divergência,

dando parcial provimento ao apelo nobre, por entender que a questão deveria ser dirimida com

base na legislação de direito intelectual, e não industrial, porquanto diferentes os ramos de

atividade dos litigantes, uma vez que a Falha não é jornal, e porque produz crítica, por meio de

sátira e de paródia, sem nenhuma autopromoção de matérias concorrentes. Logo, não incidiria a

proteção do direito de marca, uma vez que este também encontra limitação no princípio da

especialidade (ou especificidade).

Pedi vista dos autos para mais próxima análise do caso.

De início, quanto à alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/73, acompanho o

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Page 44: Acórdão do STF: Falha derrota a Folha

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ilustre relator para afastá-la, porquanto a eg. Corte local debruçou-se efetivamente sobre a

questão suscitada, decidindo, porém, de forma contrária ao interesse da parte recorrente, o que,

deveras, não pode ser confundido com omissão, tampouco ausência de fundamentação,

consoante firme jurisprudência desta Corte Superior.

No tocante à matéria de fundo, faz-se necessário pontuar, desde logo, que a

presente demanda possui nascedouro na exploração, pela parte recorrente, do domínio

www.falhadespaulo.com.br na rede mundial de computadores, utilizado como uma espécie de

trocadilho para criticar, em forma de paródia e de sátira, o conhecido diário impresso Folha de

São Paulo , que possui, de igual modo, atuação na internet sob o domínio

www.folhadespaulo.com.br e www.folha.com, de propriedade da aqui recorrida.

É oportuno ressaltar, desde logo, que a marca, direito de propriedade industrial, é

definida por lei (Lei 9.279, de 14/mai/1996) como sendo "os sinais distintivos visualmente

perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais" (LPI, art. 122), cuja finalidade é

diferenciar o produto ou serviço de seus concorrentes. Sua propriedade, que possui proteção de

escalão constitucional (CF, art. 5º, XXIX), é adquirida mediante registro validamente expedido,

sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional (LPI, art. 129), bem

como o direito de ceder seu registro ou pedido de registro, licenciar seu uso e zelar pela sua

integridade material ou reputação (LPI, art. 130, I, II e III).

A violação ao direito marcário, sem dúvida, implica a prática de concorrência

desleal, com potencial para confundir consumidores e captar clientela do concorrente (titular da

marca) em locupletamento ilícito e com prejuízo para este.

Na hipótese dos autos, embora afastada a possibilidade de confusão entre o

conteúdo dos sites sob análise, o eg. Tribunal local, utilizando como reforço de argumentação os

fundamentos da própria sentença apelada, entendeu pela ilegalidade da prática imputada ao

recorrente, porquanto presente o caráter comercial das paródias realizadas através da Falha com

relação à marca e sinais distintivos da Folha , incidindo na proibição contida na Lei de

Propriedade Industrial, que assim dispõe: "Art. 132. O titular da marca não poderá: (...) IV -

impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra

publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo ".

Eis algumas passagens da r. sentença reproduzidas, consoante anteriormente

afirmado, nas razões de decidir do v. acórdão recorrido, in verbis :

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"Resta analisar agora se, além da parte crítica, o website do réu traz algum conteúdo revelador de conotação comercial, condicionante prevista no inciso IV do art. 132 da Lei 9.279/96, grifada a seguir: 'o titular da marca não poderá: [...] IV - impedir a citação da marca em discurso, obra cientifica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo'. Pelas reproduções do website falhadespaulo.com.br trazidas aos autos pelo próprio réu (fls 135), percebe-se, na coluna à direita da página inicial, uma seção de links remetendo o usuário para outros websites, sendo o primeiro deles o da revista semanal Carta Capital. Ao final da página há, ainda, anúncio de um sorteio de assinatura da revista Carta Capital entre os seguidores da conta do réu no Twitter (#falhadespaulo). Ao anunciar a promoção, o website do réu reproduz integralmente a capa da edição 614, de setembro de 2010, da revista Carta Capital. Ao contrário do que faz com as reproduções do jornal da autora, o réu, ao reproduzir a capa da revista Carta Capital, não promove qualquer adulteração ou comentário crítico. É o que basta para caracterizar o website do réu como tendo conteúdo comercial. A revista semanal Carta Capital é concorrente da autora no mercado jornalístico, com ela disputando leitores, assinantes e verbas publicitárias.[...] Não é o caso, contudo, de se impor a vedação, genérica ou limitada ao réu, do registro de nomes de domínio semelhantes à marca da autora. Tal limitação correria o risco de resvalar em direitos de terceiros, contrariando a primeira parte do art 472 do Código de Processo Civil, além de caracterizar indevido obstáculo à liberdade de expressão. Como visto acima, o registro de nome de domínio similar não configura, necessariamente, ofensa aos direitos do titular da marca, podendo, ao contrário, ser feito no âmbito do safe harbor previsto no art. 132, IV. da Lei 9.279/96. desde que sem conotação comercial. Descabida, ainda, a imposição, ao réu, do dever genérico e permanente de se abster de utilizar de imagens, logomarcas e excertos do jornal da autora, o que eqüivaleria a proibi-lo de parodiar o jornal, caracterizando indevida limitação ao direito de livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação previsto nos arts. 5º, IV, e 220, caput, da Constituição Federal." (fls. 1.023/1.025)

De outro lado, é de bom alvitre salientar que as instâncias locais, com base nos

elementos fático-probatórios dos autos, conforme anteriormente ressaltado, concluíram pela

impossibilidade de confusão entre a marca Folha e o website Falha , ressaltando, especialmente,

a disparidade de conteúdo jornalístico explorado pelos ora litigantes, nos seguintes termos:

"A similitude entre o nome de domínio registrado pelo réu, falhadespaulo.com.br e a marca e o nome de domínio registrados pela autora, Folha de S. Paulo e folhadespaulo.com.br, além de incontroversa, é

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evidente. A diferença está somente na letra 'a' no lugar da letra 'o', transformando 'folha' em 'falha'. Dado o significado da palavra resultante da substituição de caracteres, fica claro, desde o princípio, que se trata de trocadilho com o nome do jornal editado pela autora. O conteúdo do website correspondente ao nome de domínio confirma a paródia, havendo, no topo da página principal, clara imitação da logomarca do jornal, com sátira, também, do seu slogan ('UM JORNAL A SERVIÇO DO BRAZIL') - fls.135. Logo abaixo, ainda na página criada pelo réu, seguem-se posts quase sempre bem-humorados, invariavelmente denunciando uma suposta preferência do periódico da autora por determinado candidato, partido político e espectro ideológico. [...] Apesar do viés político, e de certa dose de mau gosto, o discurso do réu circunscreve-se nos limites da paródia, estando o conteúdo crítico do website. inclusive a utilização de imagens, logomarcas e excertos do jornal da autora, abrigado pelo direito de livre manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, previsto nos arts. 5º, IV, e 220, caput, da Constituição Federal. [...] No presente caso, a possibilidade de confusão não existe, pois a paródia é revelada, inteiramente, já pelo nome de domínio . O trocadilho anuncia, ao mesmo tempo, que se trata de uma sátira, e quem é objeto dela. Nem mesmo um 'tolo apressado' seria levado a crer tratar-se de página de qualquer forma vinculada oficialmente ao jornal da autora, pois a paródia, anunciada pelo nome de domínio, é reiterada pelo conteúdo do website. Além disso, dadas as posições das letras 'A' e 'O' no teclado QWERTY, tradicionalmente utilizado nos computadores pessoais e demais eletrônicos por meio dos quais a internet é acessada, fica afastada qualquer possibilidade de typosquatting, modalidade de cybersquatting em que o usuário, por simples erro de digitação, acaba por acessar website diverso do pretendido. Pelo nome de domínio registrado pelo autor e conteúdo crítico do website correspondente, portanto, não há que se falar em violação dos direitos de marca da autora. " (fls. 1.022/1.023; grifou-se)

Com efeito, da moldura fática delineada pelas instâncias locais decorrem, sem

embargo de entendimentos diversos, duas conclusões lógicas.

A primeira, relacionada à inaplicabilidade da legislação atinente à propriedade

industrial, uma vez que o site falhadespaulo.com.br não é jornal , tampouco se dedica à atividade

jornalística nos moldes em que se notabiliza a Folha de S. Paulo. Trata-se, conforme definido

pelas instâncias ordinárias, de veículo dedicado a críticas àquele jornal em forma de paródia e

sátira.

Ressalte-se, por necessário, conforme doutrina de André Luiz Santa Cruz

Ramos, que "a proteção conferida à marca, consistente no direito de uso exclusivo, submete-se

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ao princípio da especialidade, ou seja, essa proteção jurídica conferida pela lei é restrita ao(s)

ramo(s) de atividade em que seu titular atua" (Direito empresarial esquematizado. 4ª ed. rev.

atual. e ampl. - São Paulo: Método, 2014, pág. 196).

Nesse sentido, vale trazer à colação os seguintes arestos:

"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCAS. NOME COMERCIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTENTE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS PROTELATÓRIOS. MULTA. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 530 DO CPC. EMBARGOS INFRINGENTES. NÃO CABIMENTO. DISPOSITIVOS LEGAIS SUPOSTAMENTE VIOLADOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 211/STJ. COLIDÊNCIA ENTRE NOME EMPRESARIAL E MARCAS. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DO REGISTRO NO INPI. MITIGAÇÃO PELOS PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E DA ESPECIALIDADE.1. Inexistência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide.2. Manifesto o caráter protelatório dos embargos de declaração, é de rigor a aplicação, com fulcro no art. 538, parágrafo único, do CPC, de multa de 1% sobre o valor atualizado da causa.3. Ocorrendo reforma apenas parcial da sentença, não cabem embargos infringentes quanto à matéria em torno da qual se manteve o juízo de procedência ou de improcedência.4. O conteúdo normativo dos dispositivos supostamente violados não foi objeto de debate no acórdão recorrido, carecendo, portanto, do necessário prequestionamento viabilizador do recurso especial.Incidência da Súmula n.º 211/STJ.5. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o prequestionamento é indispensável ao conhecimento da questão veiculada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ainda que se trate de matéria de ordem pública.

6. Colidência estabelecida entre a marca registrado no INPI e o nome empresarial.7. Aferição da colidência não apenas com base no critério da anterioridade do registro no INPI, mas também pelos princípios da territorialidade e da especialidade.8. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada.9. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO."(AgRg nos EDcl no REsp 1.397.367/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe de 09/11/2015)

"DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. COLIDÊNCIA ENTRE MARCAS. DIREITO DE EXCLUSIVA. LIMITAÇÕES. EXISTÊNCIA DE

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DUPLO REGISTRO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. TÍTULO DE ESTABELECIMENTO. DIREITO DE PRECEDÊNCIA. INAPLICABILIDADE. NOME DE DOMÍNIO NA INTERNET. PRINCÍPIO "FIRST COME, FIRST SERVED". INCIDÊNCIA.1. Demanda em que se pretende, mediante oposição de direito de exclusiva, afastar a utilização de termos constantes de marca registrada do recorrente.2. O direito de precedência, assegurado no art. 129, § 1º, da Lei n. 9.729/96, confere ao utente de marca, de boa-fé, o direito de reivindicar para si marca similar apresentada a registro por terceiro, situação que não se amolda a dos autos.3. O direito de exclusiva, conferido ao titular de marca registrada sofre limitações, impondo-se a harmonização do princípio da anterioridade, da especialidade e da territorialidade.4. "No Brasil, o registro de nomes de domínio na internet é regido pelo princípio 'First Come, First Served', segundo o qual é concedido o domínio ao primeiro requerente que satisfizer as exigências para o registro". Precedentes.5. Apesar da legitimidade do registro do nome do domínio poder ser contestada ante a utilização indevida de elementos característicos de nome empresarial ou marca devidamente registrados, na hipótese ambos os litigantes possuem registros vigentes, aplicando-se integralmente o princípio "First Come, First Served".6. Recurso especial desprovido."(REsp 1.238.041/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe de 17/04/2015)

Logo, não existindo identidade nos ramos de atividade, tornando impossível a

confusão entre a Folha e a Falha , conforme amplamente ressaltado pela Corte de origem, não há

falar, portanto, em violação à proteção jurídica conferida à marca.

A segunda conclusão que decorre dos contornos fáticos firmados pelas instâncias

locais está assentada na ideia de que a atividade desenvolvida pela parte recorrente, no sítio

eletrônico falhadespaulo.com.br , consubstancia-se em corriqueira realização de críticas, através

de expediente humorístico mediante imitação cômica, que não ultrapassa os limites informativos

e opinativos do ofício jornalístico, constituindo, aliás, limitação ao direito do autor, consagrada

na legislação sobre direitos autorais (Lei 9.610/98), que estabelece: "São livres as paráfrases e

paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem

descrédito " (art. 47).

Nesse aspecto, é oportuno recordar, como bem pontuado no voto que inaugurou a

divergência, que nos idos dos anos 1920 - há quase um século, portanto - circulou o jornal

intitulado "A Manha" , criado como forma de paródia a um dos grandes jornais da época, "A

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Manhã" . Sobre esse curioso episódio da história recente da imprensa nacional, é apropriado

transcrever artigo publicado por Bruno Brasil e disponibilizado no site da Biblioteca Nacional

digital, in verbis :

"Publicação de humor político, A Manha foi criada e dirigida por Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, posteriormente auto-intitulado Barão de Itararé. O próprio nome do periódico parodiava um dos grandes jornais da época, A Manhã (de cujo título subtraiu-se o til), no qual Torelly, sob o pseudônimo Apporelly, antes de criar o seu jornal, publicava uma coluna humorística intitulada 'A Manhã tem mais'. A Manha procurava imitar A Manhã também no seu aspecto visual. Torelly foi, na sua especialidade, o humor, importante personagem das redações cariocas, sendo considerado um precursor da moderna imprensa satírica brasileira. A Manha começou a circular no dia 13 de maio de 1926 com o subtítulo 'Órgão de ataques de riso'. Propunha-se abertamente a 'morder o calcanhar das autoridades', especialmente a classe política. Com estilo irreverente e inovador, A Manha revelou-se em pouco tempo um sucesso de vendas, colocando-se à frente das publicações concorrentes, como O Malho, Careta e Fon-Fon. Homem de idéias socialistas, ligado ao Partido Comunista Brasileiro – o que lhe valeria três prisões durante o governo Vargas –, Torelly gostava de atacar com suas piadas os valores estabelecidos, enquanto se solidarizava com os setores marginalizados da sociedade. A própria figura fictícia do Barão de Itararé era uma crítica bem-humorada ao conservadorismo das elites e aos valores aristocráticos. Criado como semanário de circulação nacional, mas caindo depois em periodicidade irregular, A Manha era quase totalmente escrita pelo próprio Torelly, que na primeira fase do jornal ainda se assinava Apporelly. No entanto escondiam-se, sob vários pseudônimos, colaboradores importantes como Manuel Bandeira, Henrique Pongetti e José Madeira de Freitas (o caricaturista e escritor que se assinava Mendes Fradique). O jornal contava também com charges de Nássara, Pedro de Lara, Martiniano, Mollas e Hilde. O diagramador e desenhista paraguaio Andrés Guevara foi, pela constância e qualidade do seu trabalho, o mais importante colaborador do periódico, atuando nele do início ao fim, já na década de 1950. Dividia o seu tempo entre Brasil e Argentina, onde tinha sua principal residência. Guevara não só influenciou muitos cartunistas brasileiros como introduziu modernos conceitos de diagramação e paginação em nossa imprensa, tendo sido responsável, inclusive, pelo projeto gráfico do jornal Última Hora, lançado em 1951, que introduziu a técnica da diagramação na imprensa brasileira. Muito devido a seu trabalho, A Manha foi o primeiro jornal humorístico a fazer uso de fotomontagens para ridicularizar as autoridades." (https://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-manha-2/ )

No tocante à afirmada conotação comercial, o que levaria a detentora da marca a

impedir sua citação nas publicações da Falha , reputa-se não configurada. Isso, porque a simples

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menção ao sítio eletrônico da revista semanal Carta Capital e a outros blogs na rede mundial de

computadores demonstra, tão somente, um mero alinhamento de ideias entre o detentor do

questionado website e o editorial dos mencionados veículos de comunicação.

Ademais, a legislação que disciplina a manifestação do pensamento através da

paródia não traz como requisito para a sua realização a ausência de finalidade comercial, sendo

despicienda, data maxima venia , a análise da referida conotação.

Desse modo, sem mais delongas, não existindo possibilidade de confusão com a

marca (Folha de S. Paulo) e o domínio na internet (folhadespaulo.com.br ) pertencentes à

autora/recorrida, e estando a atividade do demandado/recorrente, sem embargo de entendimento

conflitante, dentro do espectro da liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento,

salvaguardada, inclusive, pela legislação que regulamenta a espécie (LDA, art. 47), segue-se a

divergência já inaugurada para dar parcial provimento ao recurso especial, rogando-se todas as

vênias ao douto Ministro relator e a seu bem lançado pronunciamento.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhores Ministros, após tão

brilhantes debates, peço a máxima vênia ao eminente Relator para aderir à

divergência, porque também penso que a questão se resolve no âmbito do direito

autoral. Dessa forma, não é relevante que haja algum intuito comercial, desde que

assentado que a atividade está dentro do limite da liberdade de expressão e que

não há possibilidade de confusão entre "Folha de S. Paulo" e o domínio da internet

"Falha de S. Paulo".

Portanto, com a devida vênia, acompanho a divergência.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.548.849 - SP (2014/0281338-0)RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZIRECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) -

SP165378

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator):

Senhora Presidente, também entendo, no caso, tratar-se de uma paródia, sem configurar

reprodução hábil ou capaz de toldar ou causar qualquer descrédito à obra originária ou ao

tradicional e respeitado jornal Folha de S. Paulo.

Peço vênia ao Relator para acompanhar a divergência.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2014/0281338-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.548.849 / SP

Números Origem: 01845342720108260100 1845342010 1845342720108260100 5375684700 5830020101845342

PAUTA: 20/06/2017 JULGADO: 20/06/2017

RelatorExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Relator para AcórdãoExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. RENATO BRILL DE GOES

SecretáriaDra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MARIO ITO BOCCHINI ADVOGADOS : LEOPOLDO EDUARDO LOUREIRO - SP127203

LUÍS BORRELLI NETO E OUTRO(S) - SP116473 RECORRIDO : EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A ADVOGADO : MÔNICA FILGUEIRAS DA SILVA GALVÃO E OUTRO(S) - SP165378

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto- vista do Ministro Raul Araújo dando parcial provimento ao recurso especial, acompanhando a divergência instaurada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e do Ministro Antonio Carlos Ferreira no mesmo sentido, a Quarta Turma, por maioria, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Luis Felipe Salomão, que lavrará o acórdão.

Vencido o relator, que negava provimento ao recurso especial.Votaram com o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria

Isabel Gallotti (Presidente) e Antonio Carlos Ferreira.

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