[5946]teoria do conhecimento i

200
Universidade do Sul de Santa Catarina Palhoça UnisulVirtual 2009 Teoria do Conhecimento I Disciplina na modalidade a distância

Upload: edmilsonluiz

Post on 29-Jun-2015

605 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: [5946]Teoria do Conhecimento I

Universidade do Sul de Santa Catarina

PalhoçaUnisulVirtual

2009

Teoria do Conhecimento IDisciplina na modalidade a distância

Page 2: [5946]Teoria do Conhecimento I

CréditosUnisul - Universidade do Sul de Santa CatarinaUnisulVirtual - Educação Superior a Distância

Campus UnisulVirtual Avenida dos Lagos, 41 - Cidade Universitária Pedra Branca Palhoça – SC - 88137-100 Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 E-mail: [email protected] Site: www.virtual.unisul.br

Reitor UnisulGerson Luiz Joner da Silveira

Vice-Reitor e Pró-Reitor AcadêmicoSebastião Salésio Heerdt

Chefe de Gabinete da ReitoriaFabian Martins de Castro

Pró-Reitor AdministrativoMarcus Vinícius Anátoles da Silva Ferreira

Campus Sul Diretor: Valter Alves Schmitz Neto Diretora adjunta: Alexandra Orsoni

Campus Norte Diretor: Ailton Nazareno Soares Diretora adjunta: Cibele Schuelter

Campus UnisulVirtualDiretor: João Vianney Diretora adjunta: Jucimara Roesler

Equipe UnisulVirtual

Avaliação Institucional Dênia Falcão de Bittencourt

Biblioteca Soraya Arruda Waltrick

Capacitação e Assessoria ao DocenteAngelita Marçal Flores (Coordenadora)Caroline Batista Cláudia Behr ValenteElaine SurianPatrícia Meneghel Simone Andréa de Castilho

Coordenação dos CursosAdriano Sérgio da Cunha Aloísio José Rodrigues Ana Luisa Mülbert Ana Paula Reusing Pacheco Bernardino José da SilvaCharles CesconettoDaiane Teixeira (auxiliar) Diva Marília Flemming Eduardo Aquino Hübler Fabiana Lange Patrício (auxiliar) Fabiano Ceretta

Itamar Pedro BevilaquaJairo Afonso Henkes João Kiyoshi OtukiJorge Alexandre Nogared CardosoJosé Carlos de Oliveira NoronhaJucimara Roesler Lauro José Ballock Luiz Guilherme Buchmann Figueiredo Luiz Otávio Botelho Lento Marcelo Cavalcanti Marciel Evangelista CatâneoMaria da Graça Poyer Maria de Fátima Martins (auxiliar) Mauro Faccioni FilhoMichelle Denise D. L. Destri Moacir Fogaça Moacir Heerdt Nazareno MarcineiroNélio Herzmann Onei Tadeu Dutra Patrícia Alberton Raulino Jacó Brüning Rose Clér Estivalete BecheRodrigo Nunes Lunardelli

Criação e Reconhecimento de CursosDiane Dal Mago Vanderlei Brasil

Desenho Educacional Carolina Hoeller da Silva Boeing (Coordenadora)

Design InstrucionalAna Cláudia TaúCarmen Maria Cipriani Pandini Cristina Klipp de OliveiraDaniela Erani Monteiro WillFlávia Lumi Matuzawa Karla Leonora Dahse Nunes Lucésia PereiraMárcia LochMarcelo Mendes de SouzaMichele CorrêaNágila Cristina HinckelSilvana Souza da Cruz Viviane Bastos

Acessibilidade Vanessa de Andrade Manoel

Avaliação da AprendizagemMárcia Loch (Coordenadora) Lis Airê FogolariSimone Soares Haas Carminatti

Design Visual Vilson Martins Filho (Coordenador) Adriana Ferreira dos Santos Alex Sandro XavierAlice Demaria Silva Cristiano Neri Gonçalves RibeiroDiogo Rafael da Silva

Edison Rodrigo Valim Fernando Roberto Dias Zimmermann Higor Ghisi Luciano Pedro Paulo Alves Teixeira Rafael Pessi

Disciplinas a Distância Enzo de Oliveira Moreira (Coordenador)Franciele Arruda Rampelotti (auxiliar)

Gerência Acadêmica Márcia Luz de Oliveira

Gerência Administrativa Renato André Luz (Gerente)Marcelo Fraiberg MachadoNaiara Jeremias da RochaValmir Venício Inácio

Gerência de Ensino, Pesquisa e ExtensãoMoacir HeerdtClarissa Carneiro Mussi

Gerência de Produção e LogísticaArthur Emmanuel F. Silveira (Gerente)Ana Paula PereiraFrancisco Asp

Gestão DocumentalJanaina Stuart da CostaJosiane LealJuliana Dias ÂngeloLamuniê Souza Roberta Melo PlattRubens Amorim

Logística de Encontros Presenciais Graciele Marinês Lindenmayr (Coordenadora) Aracelli Araldi HackbarthDaiana Cristina BortolottiDouglas Fabiani da Cruz Edésio Medeiros Martins FilhoFabiana PereiraFernando Steimbach Letícia Cristina Barbosa Marcelo FariaMarcelo Jair RamosRodrigo Lino da SilvaSimone Perroni da Silva Zigunovas

Formatura e Eventos Jackson Schuelter Wiggers

Logística de Materiais Jeferson Cassiano Almeida da Costa (Coordenador)Carlos Eduardo Damiani da SilvaGeanluca Uliana

Luiz Felipe Buchmann FigueiredoJosé Carlos Teixeira

Monitoria e Suporte Adriana SilveiraAnderson da SilveiraAndréia DrewesAndré Luiz PortesBruno Augusto Estácio Zunino Caroline MendonçaClaudia Noemi NascimentoCristiano DalazenEdnéia Araujo AlbertoFernanda FariasJonatas Collaço de SouzaKarla Fernanda Wisniewski DesengriniMaria Eugênia Ferreira CeleghinMaria Isabel AragonMaria Lina Moratelli PradoPoliana Morgana SimãoPriscilla Geovana PaganiRafael Cunha LaraTayse de Lourdes Cardoso

Relacionamento com o Mercado Walter Félix Cardoso Júnior

Secretaria de Ensino a Distância Karine Augusta Zanoni Albuquerque (Secretária de Ensino) Andréa Luci Mandira Andrei RodriguesCarla Cristina Sbardella Djeime Sammer Bortolotti Franciele da Silva BruchadoFylippy Margino dos SantosJames Marcel Silva Ribeiro Jenni�er Camargo Liana PamplonaLuana Tarsila Hellmann Marcelo José SoaresMicheli Maria Lino de MedeirosRafael BackRosângela Mara Siegel Silvana Henrique Silva Vanilda Liordina Heerdt Vilmar Isaurino Vidal

Secretária Executiva Viviane Schalata MartinsTenille Nunes Catarina (Recepção)

Tecnologia Osmar de Oliveira Braz Júnior (Coordenador) André Luis Leal Cardoso JúniorJe�erson Amorin Oliveira José Olímpio Schmidt Marcelo Neri da Silva Phelipe Luiz Winter da SilvaRodrigo Battistotti Pimpão

Page 3: [5946]Teoria do Conhecimento I

Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina de Teoria do Conhecimento I.

O material foi elaborado, visando a uma aprendizagem autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre que sua caminhada nesta disciplina será acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da UnisulVirtual. Neste sentido, a indicação “a distância” caracteriza tão-somente a modalidade de ensino por que você optou para a sua formação, pois, na relação de aprendizagem, professores e instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade, entre em contato. Você tem à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como: telefone, e-mail e o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem, que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual

Page 4: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 5: [5946]Teoria do Conhecimento I

Teoria do Conhecimento I

Livro didático

Arturo Fatturi

Design Instrucional Lucésia Pereira

PalhoçaUnisulVirtual

2009

Page 6: [5946]Teoria do Conhecimento I

121F26 Fatturi, Arturo Teoria do conhecimento I : livro didático / Arturo Fatturi ; design instrucional Lucésia Pereira. – Palhoça : UnisulVirtual, 2009. 200 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Teoria do conhecimento. I. Pereira, Lucésia. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

Copyright © UnisulVirtual 2009

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático

Professor ConteudistaArturo Fatturi

Design InstrucionalLucésia Pereira

Projeto Gráfico e CapaEquipe UnisulVirtual

DiagramaçãoHigor Ghisi

RevisãoAmaline Boulos Issa Mussi

Page 7: [5946]Teoria do Conhecimento I

Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

UNIDADE 1 – Argumentação filosófica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

UNIDADE 2 – O ceticismo e suas exigências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

UNIDADE 3 – Conhecimento, ceticismo e a vida cotidiana . . . . . . . . . . . . . 65

UNIDADE 4 – O idealismo como resposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

UNIDADE 5 – A naturalização do conhecimento e o questionamento cético . 113

UNIDADE 6 – Filosofia da linguagem e o problema do conhecimento . 135

UNIDADE 7 – Fundacionalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Para concluir o estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193Sobre o professor conteudista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195Comentários e respostas das atividades de autoavaliação . . . . . . . . . . . . . 197

Page 8: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 9: [5946]Teoria do Conhecimento I

Palavras do professor

Estamos iniciando o estudo filosófico do conhecimento. Este tema é denominado Teoria do Conhecimento ou Epistemologia. É um tema amplo, que possui ramificações em várias partes de nossas vidas e na própria Ciência. Os conteúdos que vamos estudar nos permitirão ter maior clareza ao afirmarmos que conhecemos, ou não conhecemos, algo acerca do mundo que nos rodeia.

O estudo filosófico do conhecimento seria mais simples, não fosse a existência de um ponto de vista denominado Ceticismo. Os céticos são filósofos os quais negam a possibilidade de que conheçamos algo verdadeiramente. Você pode não entender como uma pessoa assim pode existir, mas basta pensar naquele seu (sua) colega que afirma “Deus não existe” ou “não existem discos voadores”. Há aqueles (as) que demonstram sua descrença afirmando coisas como, por exemplo: “A verdade não existe, todos temos nossas opiniões e todas são válidas”, ou ainda,

“Nunca chegaremos a um conhecimento do que são as coisas”. Estes são os exemplos mais encontrados de céticos, e você deve conhecer alguém do tipo.

Bem, o Ceticismo foi um movimento filosófico incentivado por Pirro De Ellis, filósofo que viveu alguns séculos antes de Cristo. Todos os escritos de Pirro se perderam, e o seu movimento, com o tempo, caiu no esquecimento. Contudo, na Idade Moderna, foram encontrados manuscritos de um dos seguidores de Pirro, chamado Sexto Empírico.

Os escritos de Sexto Empírico são transcrições dos textos de Pirro de Ellis e colocavam em dúvida vários ramos do saber da época: Matemática. Física, Teologia e o próprio ato de ensino. A obra de Sexto Empírico teve grande influência na Reforma Protestante, pois serviu de fundamento intelectual para combater a Igreja Católica da época, em sua exigência de

Page 10: [5946]Teoria do Conhecimento I

autoridade única sobre o Cristianismo. A obra de Sexto Empírico circulou entre os letrados de toda a Europa do século XVI e um dos seus principais leitores foi o Filósofo René Descartes.

Descartes era contrário ao Ceticismo, mas o usou para elaborar uma prova de que existe um fundamento seguro para todas as ciências. Em sua obra Meditações de Filosofia Primeira, cria um argumento de estilo cético, buscando demonstrar a impossibilidade de se fundamentar o conhecimento seguro, pois não temos meios de provar que existe um mundo exterior a nós. Logo, nenhuma ciência poderia se constituir, pois não poderíamos provar a existência dos objetos deste mundo. Este argumento de Descartes, contudo, é apenas um primeiro passo na construção de seu ponto de vista.

René Descartes não é um cético e acredita que tenha uma resposta ao cético. Em outras palavras, René Descartes “finge” acreditar no cético. Neste contexto, criou um “cenário”, por assim dizer, em que tudo indica que o cético está correto. Esta argumentação de Descartes foi extremamente impressionante, tanto que, mesmo nos tempos atuais, os filósofos tentam fornecer uma resposta ao cético da primeira meditação. Ou seja, o cético cartesiano passou a ser o questionador de toda a Teoria do Conhecimento. Assim, tentar uma resposta ao cético nos faz tratar de vários pontos da Teoria do Conhecimento.

Bem, esta foi uma pequena introdução ao tema da disciplina. Gostaria agora de lhe falar sobre como o tema da disciplina Teoria do Conhecimento será desenvolvido. Muitos filósofos gostam de tratar a filosofia a partir de um ponto de vista histórico, isto é, através da apresentação das várias teorias propostas no estudo filosófico do conhecimento. Já a proposta deste livro é que trabalhemos juntos as ideias ou argumentos dos filósofos, fazendo uma ligação disto com nosso dia-a-dia.

Em cada unidade de estudo, discutiremos determinados argumentos filosóficos sobre o conhecimento do mundo exterior. A disciplina é voltada para a consideração de argumentos e exige que você reflita sobre os argumentos que lhe são apresentados e busque compreendê-los. Este livro será seu companheiro de discussão, ajudando-o (a) a compreender problemas, conceitos, argumentos e pontos de vista.

Page 11: [5946]Teoria do Conhecimento I

No início da Unidade 1, apresentaremos uma estória sobre o conhecimento elaborada pelo filósofo estadunidense John Pollock. Esta estória será utilizada de maneira recorrente na apresentação dos conteúdos que serão estudados. A estória é uma reconstrução contemporânea dos argumentos de René Descartes na primeira de suas Meditações Filosóficas e foi transformada em filme, com o nome de Matrix.

Bom estudo.

Professor Arturo Fatturi

Page 12: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 13: [5946]Teoria do Conhecimento I

Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá-lo(a) no desenvolvimento da disciplina. Possui elementos que o(a) ajudarão a conhecer o contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva em conta instrumentos que se articulam e se complementam, portanto a construção de competências se dá sobre a articulação de metodologias e por meio das diversas formas de ação/mediação.

São elementos desse processo:

o livro didático; �

o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA); �

as atividades de avaliação (a distância, presenciais e �

de autoavaliação);

o Sistema Tutorial. �

Ementa da disciplina

O conhecimento como problema filosófico, articulação entre problema filosófico do conhecimento e Metafísica, Metafísica e Teoria do Conhecimento entre os modernos, Giro Linguístico e Conhecimento na Filosofia Contemporânea.

Carga Horária

60 horas – 4 créditos

Page 14: [5946]Teoria do Conhecimento I

Universidade do Sul de Santa Catarina

14

Objetivo(s)

Geral

Proporcionar ao aluno o domínio dos fundamentos da discussão filosófica sobre o conhecimento e os problemas oriundos da fundamentação do conhecimento verdadeiro.

Específicos

Proporcionar aos alunos os principais argumentos da �

discussão filosófica do conhecimento.

Apresentar aos alunos pontos de vista tradicionais sobre a �

discussão filosófica do conhecimento.

Instrumentalizar os alunos a decodificarem os pontos de �

vista filosóficos quanto aos conhecimentos que lhes são apresentados na cultura.

Proporcionar aos alunos a discussão da conexão entre o �

conhecimento de objetos e a fundamentação filosófica do que são estes objetos.

Proporcionar aos alunos os fundamentos filosóficos �

básicos da discussão sobre o conhecimento.

Introduzir os alunos nas formulações filosóficas que �

visam construir as bases do conhecimento verdadeiro.

Apresentar aos alunos as principais correntes do �

pensamento filosófico contemporâneo sobre o conhecimento.

Instrumentalizar os alunos para a discussão filosófico- �

argumentativa sobre o conhecimento.

Proporcionar aos alunos instrumentos que os capacitem a �

elaborar discussões sobre argumentos filosóficos.

Page 15: [5946]Teoria do Conhecimento I

Teoria do Conhecimento I

15

Conteúdo programático/objetivos

Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de conhecimentos que você deverá deter para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias à sua formação. Neste sentido, veja a seguir as unidades que compõem o Livro Didático desta Disciplina, bem como os seus respectivos objetivos.

Unidades de estudo: 5

Unidade 1 - Argumentação filosófica

Nesta unidade, aprenderemos, através de exemplos, como os filósofos elaboram seus argumentos sobre o conhecimento e quais as consequências que podem ser retiradas de cada argumento. O objetivo principal desta unidade é fornecer a você os princípios fundamentais da argumentação filosófica, para que, nas unidades seguintes, você possa identificar estes argumentos e discutir as consequências dos mesmos.

O conteúdo desta unidade busca instruí-lo(a) a discutir filosoficamente argumentos e reconhecê-los nos textos dos filósofos que estudaremos. Os exercícios que lhe serão propostos visam ser uma aplicação de instrumentos para a leitura de textos de Filosofia e, portanto, são exercícios de reconhecimento de argumentos, bem como das afirmações que provam as informações contidas nestes argumentos.

Unidade 2 - O ceticismo e suas exigências

Nesta unidade, iremos aprender o que significa o Ceticismo e qual a diferença entre o Ceticismo tradicional e o Ceticismo Filosófico criado por René Descartes. O ponto principal desta unidade é compreender o argumento central do Ceticismo quanto à possibilidade da existência de objetos. Esta forma de Ceticismo é paradoxal, pois parte do princípio que nossa relação com o mundo em que vivemos não está fundamentada na certeza do conhecimento. Logo, teremos de estudar o que é a verdade do conhecimento e o que implica a exigência de certeza no conhecimento.

O objetivo final desta unidade é introduzir em nossa noção de conhecimento o conceito de “certeza”, pois até para Descartes o

Page 16: [5946]Teoria do Conhecimento I

Universidade do Sul de Santa Catarina

16

conhecimento era verdadeiro, se fosse coerente com os sentidos ou com a existência dos objetos (a qual era garantida por Deus). O Ceticismo de Descartes faz com que a razão busque suas próprias provas, isto é, provas racionais, e que não aceite provas teológicas.

Unidade 3 - Conhecimento, ceticismo e a vida cotidiana

Nesta unidade, iremos aprender como nosso conhecimento cotidiano é afetado pelo ceticismo e como podemos responder a este questionamento. Aqui, apresentaremos os argumentos de alguns filósofos contemporâneos que acreditam possuir uma resposta ao cético, fundamentados em argumentos que podem ser retirados do nosso dia-a-dia, nas tarefas comuns que desempenhamos e na linguagem cotidiana que empregamos, ou que têm base aí.

Vamos discutir as razões pelas quais estes argumentos não surtem o efeito desejado, isto é, não respondem ao cético. Juntos, consideraremos alguns argumentos que você já ouviu alguém defender e que, normalmente, são usados como respostas às questões céticas. Nosso objetivo é fazer a ligação entre

(a) aquilo que já sabemos ou acreditamos

(b) e como estas crenças ou saberes não são respostas adequadas ao problema filosófico do conhecimento.

Unidade 4 - O idealismo como resposta

Nesta unidade, iremos estudar o pensamento de um filósofo importantíssimo na História da Filosofia: Imanuel Kant. Kant pertence ao período imediatamente posterior a Descartes e foi um dos primeiros filósofos a tentar solucionar o problema lançado por Descartes na Primeira Meditação.

Estudaremos alguns princípios do Idealismo de Kant e consideraremos a possibilidade de que este Idealismo responda ao problema filosófico do conhecimento. Vamos considerar o ponto de vista Idealista quanto ao conhecimento e seus principais argumentos. Nosso objetivo nesta unidade não é o de aprofundar o estudo da obra de Kant – algo que até hoje ainda não foi empreendido – e sim conhecer alguns princípios básicos das

Page 17: [5946]Teoria do Conhecimento I

Teoria do Conhecimento I

17

ideias de Kant, que permitem lançar uma resposta ao problema filosófico do conhecimento.

Vamos perceber que a resposta de Kant se fundamenta num ponto de vista metafísico sobre os objetos do conhecimento e ainda veremos como Kant elabora seu raciocínio metafísico sobre o mundo que nos cerca. O estudo dos argumentos kantianos é de fundamental importância na Teoria do Conhecimento e não se pode estudar o problema do conhecimento sem aprender o ponto de vista de Kant.

Unidade 5 – A naturalização do conhecimento e o questionamento cético

Nesta unidade, vamos estudar outra resposta fornecida ao problema filosófico do conhecimento, qual seja, a de que o Senso Comum é base para tornar as questões céticas ou mesmo filosóficas como questões sem sentido, no que se refere à possibilidade, ou não, do conhecimento. Iremos estudar alguns argumentos de um filósofo contemporâneo que propõe o senso-comum como resposta às questões do conhecimento e a outras questões filosóficas.

Acompanharemos os passos argumentativos deste filósofo e sua resposta. Seu ponto de partida é de que sabemos diferenciar cotidianamente quais conteúdos são interiores a nós (pois pertencem à nossa consciência) e quais são exteriores (conhecidos através dos sentidos ou da percepção). A resposta deste filósofo tornou-se famosa na História da Filosofia por sua simplicidade e por ser intuitiva. Ainda nos dias atuais muitos livros de filosofia são escritos para discutir esta resposta e por qual razão ela não soluciona o problema filosófico do conhecimento. Iremos acompanhar o raciocínio de George Moore na sua tentativa de responder ao Ceticismo.

Nosso objetivo é aprender até que ponto os argumentos do Senso Comum são frutíferos na tentativa de solucionar o problema filosófico do conhecimento, a partir do momento que questionam o problema filosófico do conhecimento, alegando não ser claro o que a Metafísica determina como sendo um objeto exterior e o que determina como objeto interior.

Page 18: [5946]Teoria do Conhecimento I

Universidade do Sul de Santa Catarina

18

Unidade 6 – Filosofia da linguagem e o problema do conhecimento

Nesta unidade, iremos estudar o ponto de vista de que a resposta ao problema filosófico do conhecimento é possível apenas pela ciência ou pelos métodos científicos de investigação. Este argumento foi proposto pelo filósofo Norte Americano Willard Quine.

Vamos estudar o argumento de Quine como sendo a proposta de que não se pode responder ao problema filosófico do conhecimento, porque vemos nosso conhecimento do mundo como se olhássemos o mundo “de fora”, como se fôssemos espíritos flutuantes. O argumento de Quine visa “naturalizar” o conhecimento, isto é, torna o ato de conhecer algo que faz parte da natureza humana e não um ato exterior do ser humano, tal como construir alguma coisa ou mover algum objeto.

Nosso estudo nesta unidade tem por objetivo tentar compreender o argumento de que conhecer é algo natural em nós e que, portanto, o problema filosófico do conhecimento não existe ou, ao menos é uma questão mal formulada por parte dos filósofos. O Argumento de Quine é importante, pois nos faz tocar na questão da Ciência Cognitiva, isto é, o estudo científico do conhecimento enquanto informação tornada natural pelo corpo humano ou pelo cérebro humano. O argumento de Quine é fundamental para compreender o nascimento da Ciência Cognitiva.

Nosso estudo deste argumento, entretanto, não vai tão longe. O que pretendemos é considerar a resposta de Quine ao problema filosófico do conhecimento e até que ponto é uma resposta adequada às exigências do cético cartesiano.

Unidade 7 – Fundacionalismo

Nesta unidade, iremos estudar o ponto de vista de que a resposta ao problema filosófico do conhecimento é possível apenas pela ciência ou pelos métodos científicos de investigação. Este argumento foi proposto pelo filósofo Norte Americano Willard Quine.

Vamos estudar o argumento de Quine como sendo a proposta de que não se pode responder ao problema filosófico do

Page 19: [5946]Teoria do Conhecimento I

Teoria do Conhecimento I

19

conhecimento, porque vemos nosso conhecimento do mundo como se olhássemos o mundo “de fora”, como se fôssemos espíritos flutuantes. O argumento de Quine visa “naturalizar” o conhecimento, isto é, torna o ato de conhecer algo que faz parte da natureza humana e não um ato exterior do ser humano, tal como construir alguma coisa ou mover algum objeto.

Nosso estudo nesta unidade tem por objetivo tentar compreender o argumento de que conhecer é algo natural em nós e que, portanto, o problema filosófico do conhecimento não existe ou, ao menos é uma questão mal formulada por parte dos filósofos. O Argumento de Quine é importante, pois nos faz tocar na questão da Ciência Cognitiva, isto é, o estudo científico do conhecimento enquanto informação tornada natural pelo corpo humano ou pelo cérebro humano. O argumento de Quine é fundamental para compreender o nascimento da Ciência Cognitiva.

Nosso estudo deste argumento, entretanto, não vai tão longe. O que pretendemos é considerar a resposta de Quine ao problema filosófico do conhecimento e até que ponto é uma resposta adequada às exigências do cético cartesiano.

Page 20: [5946]Teoria do Conhecimento I

Agenda de atividades / Cronograma

Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar �

periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da realização de análises e sínteses do conteúdo e da interação com os seus colegas e professor.

Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço �

a seguir as datas com base no cronograma da disciplina disponibilizado no EVA.

Use o quadro para agendar e programar as atividades �

relativas ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

Page 21: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 1

Argumentação filosófica

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Conhecer à técnica de argumentação filosófica.

� Identificar conclusões de argumentos filosóficos.

� Apreender a explorar conseqüências de argumentos.

Seções de estudo

Seção 1 Aprendendo sobre argumentos

Seção 2 Argumentos filosóficos

1

Page 22: [5946]Teoria do Conhecimento I

22

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

O objetivo desta unidade é estudarmos os instrumentos básicos com os quais trabalha o filósofo. Normalmente temos a concepção de que o filósofo é uma pessoa preocupada com questões que não nos atingem no dia-a-dia. Acreditamos, também, que a filosofia trabalha com ideias. Eis dois conceitos anteriores que esta unidade ajudará a superar.

Para viabilizar este estudo e das demais unidades apresentamos a seguir, uma estória sobre o conhecimento elaborado pelo filósofo John Pollock. Acompanhe:

Uma estória sobre o conhecimento (Obs: os parágrafos foram numerados para facilitar a indicação dos mesmos no texto do presente livro). /1/ Tudo começou numa quinta-feira à noite. Eu estava sozinho em meu escritório observando pela janela a chuva que caia nas ruas desertas lá fora. Foi então que o telefone tocou. Era Anne a esposa de Harry e ela parecia terrificada. Ela me contou que estavam sozinhos em seu apartamento preparando a última refeição do dia quando a porta da frente do apartamento veio a baixo e por ela entraram seis homens encapuzados. Os homens estavam armados e obrigaram Harry e Anne a deitarem-se no piso do apartamento com o rosto para baixo. Um dos homens passou a examinar os bolsos de Harry até que encontrou sua carteira de motorista. Examinou a carteira por algum tempo, comparando a foto com o rosto de Harry. Após algum tempo de exame falou para os outros “OK! É ele mesmo”. Dito isto retirou do bolso uma agulha hipodérmica e introduziu na veia do braço de Harry uma substância que o fez perder a consciência quase que imediatamente. Por alguma razão que Anne desconhece, eles não fizeram o mesmo com ela. Apenas a amarram e deixaram no piso do apartamento. Dois outros homens, vestidos de branco e usando máscaras entraram no apartamento conduzindo uma maca sobre rodas. Colocaram o corpo inerte de Harry sobre ela e o cobriram com lençóis brancos. Imediatamente conduziram a maca para fora do apartamento. Todos partiram e Anne ficou imobilizada no piso do apartamento. Ela conseguiu lutar para se soltar e ainda conseguiu ir aos pulos até a janela do apartamento a

Page 23: [5946]Teoria do Conhecimento I

23

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

tempo de ver os sujeitos colocarem a maca com Harry sobre ela, dentro de uma ambulância. Partiram à toda velocidade.

/2/ No momento em que me telefonava ela já havia se livrado das amarras. Antes disto telefonou para a polícia para fazer uma denúncia de seqüestro. Para sua surpresa não vieram policiais normais e sim dois homens vestindo terno e gravata e nada amistosos. Eles, sem nem mesmo examinar a cena do ocorrido, disseram para ela que nada poderiam fazer e que se ela soubesse o que era bom para ela, deveria manter silêncio sobre o ocorrido. Caso comunicasse a mais alguém, eles lançariam sobre ela a acusação de que era paranóica e nunca mais iria ver seu marido novamente./3/ Não sabendo o que mais fazer, Anne telefonou para mim. Ela ainda teve a presença de espírito de anotar a placa da ambulância e eu não tive dificuldades em encontrá-la estacionada numa clínica nos arredores do centro da cidade. Quando cheguei mais próximo da clínica fiquei surpreso em notar que era mais reforçada que uma fortaleza militar. Havia guardas na entrada e muros altos ao redor de todo prédio. Como eu tive treinamento militar me esforcei para superar os muros altos e penetrar dentro da clínica. Todas as janelas do piso térreo possuiam grades de proteção. Assim, tive trabalho de soltar uma das grades da janela que, por sorte, alguém deixou aberta. Quando entrei percebi que estava num laboratório. Ouvi vozes abafadas numa sala ao lado, caminhei pelo corredor com todo cuidado e espiei pelo buraco da fechadura o que ocorria dentro daquela sala. O que pude ver era como que uma sala de operações com uma equipe de cirurgiões conversando e trabalhando sobre a maca em que se encontrava o corpo inerte de Harry. Ele estava coberto com tecido usado em cirurgias e parecia que saiam tubos da parte superior de seu corpo. Tive de conter um grito quando percebi que eles haviam removido a parte superior do crânio de Harry. Para minha consternação, um dos cirurgiões pôs as mãos enluvadas dentro do crânio de Harry e retirou de lá seu cérebro e o colocou numa cuba de aço inoxidável. Os tubos e conexões que vi estavam agora ligados ao cérebro, fora do corpo, de Harry. Os cirurgiões transportaram o cérebro de Harry cuidadosamente até um tanque cheio de um líqüido irreconhecível. Minha primeira impressão foi a de que eu estava presenciando uma espécie de ritual moderno satanista que faziam suas magias através da vivecção de cérebros das pessoas. Meu

Page 24: [5946]Teoria do Conhecimento I

24

Universidade do Sul de Santa Catarina

segundo pensamento foi o de que Harry nunca teve, de fato, um cérebro e que aquela rotina era normal./4/ Minhas especulações foram interrompidas quando luzes apareceram atrás de mim e, ao me voltar, me deparei com os tipos de cirurgiões mais assustadores que já havia conhecido. Eles me imobilizaram e conduziram a uma sala colocando meu corpo sobre uma mesa de cirurgia. Logo pensei “É minha vez agora!” Podia ouvir as vozes dos médicos atrás de mim, mas não conseguia observar o que faziam. Talvez estivessem decidindo meu futuro. Neste momento uma porta se abriu e pude ouvir a voz de uma mulher. A maneira como os médicos malignos se comportaram com a presença da mulher permitiu saber que ela era a chefe de todos. Eu tentava ver quem era a mulher, mas a forma como estava amarrado à mesa não permitia. Foi então que ela se aproximou e olhou diretamente para meu rosto. Fiquei surpreso ao reconhecer minha secretária Margot. Comecei a pensar se tudo aquilo era devido a uma negativa de aumento de salário que lhe neguei no Natal. Era Margot, mas uma Margot diferente daquela que eu sempre conhecera. Ela usava uma entonação autoritária quando se dirigiu a mim “Bem Mike, você acreditou que era uma cara esperto, seguindo Harry até a clínica”. Mesmo nesta situação ela ainda mantinha uma voz sexy, apesar de eu não estar pensando sobre isto naquele momento. Ela continuou falando “Tudo isto foi um truque para trazê-lo até aqui. Você viu o que ocorreu com Harry. Mas, sabe, ele não está totalmente morto. Aqueles cavalheiros são neurocientistas premiadíssimos no mundo todo. Eles desenvolveram um procedimento cirúrgico com o qual podem remover o cérebro de um corpo e, mesmo assim, manter o cérebro vivo numa cuba com nutrientes. Por certo que o departamento de saúde pública não aprovaria o procedimento, nem nós apresentaremos este fato a eles. Você vê todos aqueles tubos e conexões saindo do cérebro de Harry? Eles o conectam a um super-poderoso-computador. O computador monitora o output do córtex em provê um input no córtex sensório de tal forma que tudo parece normal para Harry. São produzidas ficções mentais da vida que combinam perfeitamente com suas lembranças do passado de tal forma que ele não sabe nada do que está lhe ocorrendo de fato. Ele acredita que, neste momento, está se aprontando para ir ao escritório. Contudo, ele nada mais é que um cérebro numa cuba”./5/ Ela continuou me explicando “Uma vez que nosso procedimento tenha sido completamente testado iremos até o Departamento de Administração de Drogas (FDA). Contudo, ainda necessitamos de mais algumas experiências iniciais. Com Harry foi fácil. Mas

Page 25: [5946]Teoria do Conhecimento I

25

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

necessitávamos de alguém com uma vida mais variada e interessante para realizar testes com nossos Softwares: alguém como você!” Neste momento eu me preparei para começar a gritar por socorro. Os cirurgiões reuniram-se em torno a mim com olhares malévolos. Um dos cirurgiões ainda segurava um bisturi ensangüentado na mão se aproximou de mim, mal contendo sua excitação. Mas Margot aproximou-se mais de meu ouvido e disse”Aposto que você está pensando que vamos operar você e retirar seu cérebro, tal com fizemos com o Harry, não é? Mas você não tem do que se assustar. Nós não vamos remover seu cérebro. Nós já o fizemos, de fato, a três meses atrás”./6/ Com isto, me deixaram sair. Encontrei o caminho de volta ao meu escritório numa espécie de torpor. Por alguma razão, eu não contei nada disto a outras pessoas. Eu não conseguia acreditar naquela experiência que vivenciei na clínica. Contudo, algumas marcas ficaram. Me sinto atônito com a suspeita de que eu sou, de fato, um cérebro numa cuba e tudo que vejo ao meu redor é apenas invenção daquele software maligno. Além disto, como poderia contar? Se o programa do computador realmente funciona, não importa o que eu faça, tudo parecerá normal para todas as pessoas. Talvez tudo que eu veja não seja real! Esta possibilidade está me deixando maluco. Estou considerando a possibilidade de ir até aquela clínica voluntariamente e pedir que removam meu cérebro apenas para que eu tenha certeza de que vivo num mundo real./7/ Mike é um sujeito de sorte, pois Margot lhe contou o que havia lhe ocorrido. Talvez ele não seja um cérebro numa cuba. Não há como ele ter certeza. Se você meditar sobre o caso, talvez nem você tenha certeza de que “não” seja um cérebro numa cuba. Quais as evidências que você possui de que sua percepção do mundo é real? Será que sua visão, tato, olfato, audição são de coisas reais, ou são fruto de inputs do software maligno? Todo o mundo que você vê e com o qual corresponde, pode ser uma ficção. Se você não consegue provar que não é um cérebro numa cuba, então também não consegue provar que o conhecimento do mundo material é possível. Você está diante de um problema cético!Autor: John Pollock (traduzido e adaptado para o português pelo autor, 2008).

Page 26: [5946]Teoria do Conhecimento I

26

Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 1 - Aprendendo sobre argumentos

Em primeiro lugar, o material de trabalho da filosofia são argumentos. Em breve vamos saber o que isto significa. Em segundo lugar, a filosofia não tem nada a ver com “ter” ideias ou não. O filósofo não lida com ideias. Isto pela razão de que, ideias todos nós temos, contudo, poucos de nós conseguem transformá-las em argumentos, pois algumas ideias não são passíveis de serem discutidas ou analisadas. Vamos a exemplos.

Considere a seguinte ideia “O mundo é feito de tristezas”. Apesar de parecer uma informação esta afirmação é uma opinião.

Outro exemplo “O amor é perigoso”. Não posso provar que é uma afirmação verdadeira ou falsa. Logo, não [é] informa.[ção]

A filosofia trabalha com um tipo especial de ideias: apenas aquelas que transmitem informações. As informações podem ser verdadeiras ou falsas, isto é, posso fornecer razões para elas ou não. Assim, os meus dissabores amorosos não permitem dizer que a afirmação “O amor é perigoso” é verdadeira. Em filosofia preferimos dizer que trabalhamos com argumentos e que, portanto, fazer filosofia é trabalhar com a compreensão e análise de argumentos. No nosso caso trabalharemos com argumentos filosóficos sobre o conhecimento. Esta unidade visa explicitar um pouco mais o que até agora foi dito sobre os argumentos.

Vamos nos aprofundar um pouco mais no estudo dos argumentos. Por definição um argumento é um conjunto de proposições afirmativas estruturado de tal forma que a verdade de uma das proposições está em função da verdade das outras. Parece uma definição complicada, mas não é!

Veja: no seu dia-a-dia você tenta provar para seus colegas e amigos que várias coisas são verdadeiras em função de outras. Para fazer isto você constrói afirmações. Tudo ficaria bem se seus amigos e amigas aceitassem, sem questionamento, o que você diz.

Mas imagine que alguns deles, não aceitam sua afirmação como verdadeira. Ora, você imediatamente lhes dá uma prova.

Uma informação é o conteúdo de uma frase que pode ser investigado de maneira empírica ou não. Por exemplo “existem almas penadas” , esta é uma frase que não contém informação e sim uma crença em almas penadas. Na discussão entre ateus e crentes é uma disputa definir a afirmação”Deus existe” ou “Deus não existe” como informação ou como opinião ou crença.

Propriedade auto-reguladora de um sistema ou organismo que permite manter o estado de equilíbrio de suas variáveis essenciais ou de seu meio ambiente

Page 27: [5946]Teoria do Conhecimento I

27

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

Por exemplo, você afirma para eles que a temperatura do mar determina a temperatura do ar acima dele. Você pretendeu afirmar que quando o mar está gelado o ar acima dele também estará gelado. Vamos chamar esta afirmação de (A). Alguns de seus amigos concordam, mas outros podem discordar de (A), afirmando coisas como “O ar frio congela o mar” ou “O mar está gelado, mas o vento também é gelado” ou “Não há ligação entre uma coisa e outra”.

Você terá então de fornecer provas de sua afirmação (A) e determinado tipo de provas que convençam seus amigos. Ou seja, não é qualquer prova que você poderá fornecer. Por exemplo, não adianta você dizer “Ouvi no rádio” ou “Meu vizinho, que é uma pessoa de confiança me disse”. Não! Você terá de fornecer provas que conduzam seus amigos a aceitarem sua afirmação, ou seja, você irá lhes fornecer outras informações relevantes para provar o que você disse. Através destas informações eles aceitarão (A).

Digamos que depois de uma pesquisa na biblioteca você consiga as seguintes informações adicionais sobre sua afirmação principal: (1) A água tem temperatura superior à do ar, pois é mais densa que o ar, (2) é necessário mais tempo de aquecimento para fazer a água esquentar do que o ar e, por fim, (3) a mesma quantidade de ar e de água aquecem em tempos diferentes. Então, o que você conseguiu são informações extras que servem de prova para sua afirmação (A).

Podemos reconstruir toda sua argumentação da seguinte forma:

(1) A água tem temperatura superior a do ar, pois é mais densa que o ar;

(2) A mesma quantidade de ar e de água aquecem em tempos diferentes;

(3) É necessário mais tempo de aquecimento para fazer a água esquentar do que o ar;

Logo:

(4) A temperatura do mar determina a temperatura do ar acima dele.

Page 28: [5946]Teoria do Conhecimento I

28

Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja que a afirmação (4) é sua afirmação original (A), ainda que modificada em algumas palavras ela tem o mesmo conteúdo do que você afirmou. Era esta afirmação que você pretendia que eles aceitassem como verdadeira. Já as afirmações (1), (2) e (3) são as provas de sua afirmação (A). Outra coisa a notar é que as afirmações que servem como prova, podem ser verificadas, isto é, elas podem ser provadas através de métodos científicos ou experimentais.

Não esqueça que você foi à biblioteca fazer uma investigação mais detalhada sobre sua afirmação inicial (A). Relembre agora daquela afirmação que utilizamos mais acima “O amor é perigoso” (B). Não há como fornecer provas informativas da mesma forma que fornecemos para o exemplo (A). Assim, apesar de (B) ter a forma de uma informação, ela é uma opinião ou uma expressão de tristeza, mas não uma informação.

A lição que retiramos disto tudo é a seguinte: não podemos afirmar que a filosofia trabalha com “ideias”, pois tanto (A) quanto (B) são ideias, mas há um diferença entre elas: (A) busca ser verdadeira enquanto que (B) pode ser verdadeira sobre o sujeito que a afirma, mas não do amor. Assim, se você for até a biblioteca buscar maiores informações sobre os perigos do amor, não irá encontrar nada. Os filósofos, portanto, trabalham com o tipo de argumento exemplificado em (A).

Além disto, cada parte daquele seu raciocínio que reconstruímos possui um nome especial. Vejamos:

(1), (2), (3), (4) � são proposições

(1), (2), (3) � são premissas (provas)

(4) � é uma conclusão.

Quando raciocinamos e chegamos a afirmação (4) através de (1), (2) e (3) dizemos que elaboramos uma inferência.

Uma grande parte do trabalho do Filósofo é compreender se as premissas conduzem ao resultado esperado. O filósofo gostaria de reduzir todas as afirmações ao estilo de (A). Nem sempre é possível. Na Teoria do Conhecimento esta tarefa de redução

Inferência significa tirar uma conclusão por meio do raciocínio. No caso, dadas as premissas, inferimos uma conclusão.

Page 29: [5946]Teoria do Conhecimento I

29

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

fica mais fácil devido ao tema com que tratamos, isto é, os argumentos são mais determinados.

Não pense que os argumentos estão apenas nos livros e nos pensamentos dos filósofos: os advogados os usam bastante, juízes quando dão seu veredito fornecem conclusões (um veredito é uma conclusão), os políticos nos debates também usam de argumentos e o próprio ensino é uma forma de argumentar.

Será que isto esclareceu um pouco qual é o trabalho do filósofo e com qual material ele lida?

Vamos utilizar outro exemplo. Vamos examinar o argumento do Filósofo Alemão Gottfried Leibniz que escreveu o seguinte no prefácio de seu livro Ciência Geral:

“Como a felicidade consiste na paz de espírito e como a duradoura paz de espírito depende da confiança que tenhamos no futuro, e como essa confiança é baseada na ciência que devemos ter da natureza de Deus e da alma, segue-se que a ciência é necessária à verdadeira felicidade”.

Figura 1.1 - Gottfried Leibniz (1646-1716) Filósofo, matemático e político alemão. Disputa com Isaac Newton a invenção do cálculo infinitesimal. Tal disputa causou acirrada discussão entre os acadêmicos da época. Fonte: disponível em < http://web.arch.usyd.edu.au/~sriz8189/leibniz.jpg>

Veja como Leibniz encadeia suas afirmações com a ligação “e” e “segue-se”. Se fizermos um resumo do que Leibniz está nos dizendo, teríamos o seguinte “Devemos conhecer a ciência para sermos felizes”, mas como ele quer provar que isto é verdadeiro, então, ele fornece outras informações adicionais, que são as premissas. As informações adicionais lhe conduzem a aceitar a conclusão. Se você discordar dele – o que não é proibido – você deverá fornecer as provas (premissas) que “não” conduzem a afirmação final dele.

Page 30: [5946]Teoria do Conhecimento I

30

Universidade do Sul de Santa Catarina

Note que Leibniz não fez como nós que numeramos nossas afirmações para facilitar. Mas, normalmente, os filósofos nos avisam que irão fornecer provas e que irão concluir alguma afirmação e sempre que fazem isto eles buscam afirmar alguma verdade, isto é, fornecer alguma informação. Então, não se assuste com os argumentos, eles são inofensivos e facilitam nossa compreensão. Nossa dificuldade é que no nosso dia-a-dia, não construímos argumentos desta forma.

Se afirmarmos que “o automóvel Gol é mais econômico que o Chevrolet Astra” e não fornecemos as provas, pois a informação já é de domínio comum. Quem conhece alguma coisa sobre automóveis sabe que o Chevrolet Astra usa mais combustível que o automóvel Gol. Contudo, o trabalho do filósofo é construir ou pedir as provas desta informação.

Devemos notar algumas coisas sobre os argumentos pelo que até agora foi dito. Confirme.

Argumentos são informativos. �

A informação de um argumento está contida na sua �

conclusão.

Sempre que argumentamos devemos fornecer as provas �

(premissas) de nossa conclusão.

Argumentos são conjuntos de afirmações, mas nem todas �

as afirmações contidas num argumento são a conclusão, algumas são premissas.

Nos argumentos as premissas são indicadas por “e”, �

“tendo em vista que”, “dado que”, “supondo que”, “partindo de que...” entre outras. As conclusões são marcadas por expressões como “Logo”, “sendo assim”, “infere-se que”, “segue-se que”, “portanto”, entre outras.

Page 31: [5946]Teoria do Conhecimento I

31

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

SEÇÃO 2 - Argumentos filosóficosSerá que já estamos prontos para trabalhar com argumentos da Teoria do Conhecimento? Vamos tentar? Bem, releia o final da estória sobre o conhecimento que está no início do livro. Mike está desesperado com a incerteza de não saber se vive num mundo real ou num mundo de ficção. Ou seja, se é ou não um cérebro numa cuba que está sendo manipulado por um cientista maléfico.

Nosso problema é apresentar uma resposta ou caminho de resposta que elimine a dúvida de Harry e que, ao mesmo tempo, não permita que outras pessoas tenham a mesma dúvida de Harry. Assim, a resposta que buscamos deve ser verdadeira, inegável e indubitável (que não resta dúvida quanto à sua veracidade).

Você poderia afirmar “Basta que Mike pergunte a uma pessoa ao seu lado se o mundo é real ou não” ou você poderia afirmar “Basta beliscar o braço de Mike para que a dor do beliscão lhe prove que vive num mundo real”. Bem, estas afirmações parecem bastante coerentes. Mas, o que elas provam? Que Mike está vivendo num mundo real?

Infelizmente não!

Lembre-se que Mike já tinha sido submetido à cirurgia maluca na qual seu cérebro já havia sido ligado ao computador (veja o final do parágrafo 5 da estória). E que, portanto, ele está correto em duvidar da realidade que vê. Além disto, um beliscão, segundo a estória, poderia ser apenas mais uma invenção do computador maligno. Isto é, o computador simularia o beliscão, bem como simularia a pessoa ao lado de Mike e, assim, Mike acreditaria estar vivendo na realidade quando, de fato não está. Então, a afirmação “É necessário que Mike sinta alguma coisa da realidade” para que saiba que vive num mundo real e não de fantasia.

Page 32: [5946]Teoria do Conhecimento I

32

Universidade do Sul de Santa Catarina

Se você leu a estória com atenção, então, já percebeu que os cientistas malignos eliminaram o limite entre real e irreal. Ou seja, a estória quer lhe conduzir a pensar em quais são os critérios pelos quais você diz que algo é real ou irreal.

A única forma de Mike ter certeza de que vive no mundo real é se encontrar algum tipo de conhecimento que os cientistas malignos não possam fabricar no computador.

Mas como encontrar este tipo de conhecimento?

Vamos pensar naquelas sugestões que foram dadas mais acima:

S1 Perguntar a alguém se vê a mesma coisa que vemos.

S2 Pedir que alguém nos belisque.

Tanto em um caso como no outro, que tipo de afirmação está pressuposta? Pense.

Em S1 está pressuposto que existem pessoas reais, diferentes de nós e que podem ou não ver o mesmo que vemos. O argumento funcionaria assim: digo que está chovendo e peço para uma pessoa confirmar. Devo, então, acreditar que esta a pessoa existe independente de eu a ver, isto é, a existência da pessoa é independente de minha imaginação. Contudo, o que estamos pedindo para a pessoa é que ela confirme que estamos vendo a chuva, mas a própria pessoa pode ser uma criação dos cientistas malignos. Portanto, quer a pessoa diga sim, que está chovendo, quer diga que não está chovendo, o fato de que existe uma outra pessoa é o que está em questão.

Como sei que é uma pessoa real e não uma criação dos cientistas malignos? Logo, perguntar para alguém nada prova (veja o início do parágrafo 6 da estória). Quanto à S2, devemos concordar que um beliscão no braço é algo radical, pois a dor seria uma prova de que algo é real.

Teríamos vencido a dúvida? Você crê que já têm uma prova final? Infelizmente, mesmo a dor pode ser criada pelo cientista maligno, tanto quanto a pessoa que nos belisca. Releia a estória.

Critério significa parâmetros pelos quais julgamos como ou o que as coisas são para distinguir o erro da verdade.

Pressuposto significa que uma circunstância ou acontecimento é antecedente a um outro, sem que seja explicitado. Também significa “dar a entender” algo sem pronunciá-lo.

Page 33: [5946]Teoria do Conhecimento I

33

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

Não é por pouca coisa que Mike ficou com vontade de voltar ao laboratório e pedir que removam seu cérebro e o coloquem novamente no seu crânio. Desta forma ele teria certeza de que vive num mundo real.

Como você pode ver a preocupação dos filósofos quanto aos argumentos, não é apenas a de fornecer respostas, mas também a de tentar fundamentá-las de tal maneira que não sejam questionadas. Os argumentos devem estar firmes, por assim dizer, para resistir aos ataques da dúvida. Você viu acima que as duas respostas mais óbvias, possuem contra-argumentos que as anulam.

As discussões em filosofia, normalmente, se dão sobre diferentes análises de argumentos elaborados por outros filósofos. Em Teoria do Conhecimento nos discutimos argumentos que são propostos com a finalidade de “fundamentar” a nossa compreensão do que possa ser conhecimento.

Não espere que um filósofo lhe responda a uma questão do tipo: “O que é....?”. Substitua as reticências por qualquer conceito e você terá uma questão que, se for filosófica (o que é o tempo?) sua resposta é uma definição (chamamos de tempo....). Se ele for honesto irá lhe lançar uma outra pergunta. Por outro lado, sua pergunta poderá ser respondida através da experiência, por exemplo “qual a altura de N”. Neste caso, não temos uma pergunta filosófica.

Na história da filosofia temos o exemplo de Sócrates que foi um exímio perguntador. Sócrates questionava os atenienses sobre

várias coisas, por exemplo ele perguntava “O que é o bem?”, “O que é justiça?”, O que é a verdade?” e assim por diante. Os atenienses em resposta lhe apontavam algum héroi ou algum deus do olimpo grego. Sócrates não aceitava a resposta, pois ela apenas apontava para um caso da verdade ou do bem, ou da justiça. No entanto, não respondia a questão: O que é justiça?

Figura 1.2 - Sócrates (470 - 399 a.C.)

Page 34: [5946]Teoria do Conhecimento I

34

Universidade do Sul de Santa Catarina

Veja como o argumento na filosofia é importante: quando um ateniense respondia à Sócrates, dizendo que a justiça era como o deus “X”, o ateniense acreditavam que havia eliminado a questão.

Contudo, de fato Sócrates ainda lhe perguntava “E por qual razão o deus ‘X’ é a justiça? De onde veia justiça para que eu possa reconhecê-la e atribuir ao deus ‘X’ a característica de ser justo?”. A resposta que Sócrates buscava era uma definição e não o apontar para uma experiência ou um caso específico.

Assim, quando os filósofos buscam construir seus argumentos para provar algo eles consideram várias possibilidades: as verdadeiras e as falsas. A Teoria do Conhecimento é esta busca pelo conhecimento verdadeiro. Mas uma verdade que não seja questionada pela dúvida, ou melhor, que se for questionada pela dúvida, apresentará respostas que anularão a dúvida.

Você verá mais a frente que muitos filósofos tentaram fornecer uma resposta a quem põe o conhecimento em dúvida e afirma que não existe fundamento de onde possamos construir nosso conhecimento. Entretanto, todas estas respostas devem ser analisadas enquanto consistências argumentativas e não como teorias científicas. Acho que você entendeu qual a diferença, não é?

Em uma teoria científica nós temos indicações para elaboramos investigações experimentais, isto é, nós temos a possibilidade de realizar testes com objetos do mundo, medir resultados, refazer os experimentos, criar novos instrumentos de experimentação, etc. Na filosofia nós temos a análise dos argumentos e das conseqüências destes argumentos. Este também é o objetivo da Teoria do Conhecimento.

Assim, a questão da Teoria do Conhecimento é: existe algum conhecimento indubitável?

Esta pergunta ainda continua sem resposta. Isto é, as possíveis respostas que foram oferecidas através da história da filosofia sempre apresentam alguns pontos obscuros e que devem ser

Page 35: [5946]Teoria do Conhecimento I

35

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

reelaborados. Uma solução seria você aceitar um determinado ponto de vista e arcar com o custo da falta de respostas a determinadas perguntas. Contudo, em filosofia nós não adotamos uma resposta por quê “gostamos” dela.

Antes, adotamos um ponto de vista argumentativo e tentamos responder aos questionamentos que nos fizerem. Conforme o custo, não vale a pena manter um ponto de vista.

Por exemplo: existe na Teoria do Conhecimento o ponto de vista do Fenomenalismo. Segundo este ponto de vista, a realidade é uma criação da percepção humana. O Fenomenalista não nega que exista um mundo, o que ele afirma é que o mundo que existe é o mundo que nós percebemos. Assim, segundo o argumento Fenomenalista, o que existe é o que é percebido.

O filósofo que defendeu este ponto de vista foi George Berkeley. Conhecido por sua defesa de um tipo de idealismo radical, denominado Fenomenalismo. Seu nome foi dado a uma das universidades da Califórnia em Berkeley, região que ele visitou com o intuito de construir uma escola. Escreveu, entre outras obras, Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano, Diálogos entre Hylas e Filonous e Ensaio para Uma Nova Teoria da Visão.

Figura 1.3 – George Berkeley filósofo anglo-saxão nascido na Irlanda em Kilkenny em 1685 e falecido em Oxford em 1753. Era Bispo da Igreja Anglicana.

Contudo o ponto de vista de Berkeley possui várias obscuridades, por exemplo, quando não estamos percebendo um objeto ele ainda existe? Como saber se não há observador? Além disto, não é fato que nossos sentidos nos enganam? Logo, como garantir que quando percebemos um objeto, podemos estar certos de que o objeto é daquela forma mesmo? Bem, este é um exemplo de argumento em Teoria do Conhecimento.

Page 36: [5946]Teoria do Conhecimento I

36

Universidade do Sul de Santa Catarina

Assim, não se pode afirmar que Berkeley fornece uma resposta definitiva. Ele apresentou argumentos, cabe aos filósofos analisá-los para ver se respondem a questão principal: podemos construir um conhecimento indubitável? Teremos de avaliar os argumentos de outros filósofos que tentaram responder a esta questão.

Mas, como se trata de Filosofia, aprendemos muito mais com as tentativas de responder à esta questão do que com a própria resposta. É isto que veremos nas unidades seguintes deste livro.

Síntese

Aprendemos nesta unidade o que significa “argumentar” em filosofia e como os filósofos fazem o estudo e análise dos argumentos. Aprendemos, também, que nem toda afirmação é uma informação, mas que pode ser uma opinião e que as opiniões não são verdadeiras nem falsas, mas as informações sim. Iniciamos assim, o aprendizado da análise de argumentos da Teoria do Conhecimento. Você perceberá que o estudo desta unidade é muito importante para as unidades seguintes, pois, em Teoria do Conhecimento, nós não lidamos com questões que a experiência poderia responder, e sim com argumentos.

Na filosofia, como você pode perceber, nós discutimos e analisamos argumentos e não ideias ou experiências. Você ficou sabendo, também, que as respostas às questões filosóficas são, também, argumentos. Isto explica a razão pela qual não temos “uma” resposta única em filosofia, mas sim respostas que podem ser analisadas e criticadas. Por fim, você também já sabe qual a questão que investiga a Teoria do Conhecimento: a busca por um conhecimento verdadeiro e não dubitável.

Page 37: [5946]Teoria do Conhecimento I

37

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade você realizará atividades de auto-avaliação. O gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará promovendo e estimulando sua aprendizagem.

1) A partir dos dados discutidos nesta unidade, tente encontrar as premissas e as conclusões nos seguintes argumentos:

a) “Ainda que exista um embusteiro, sumamente poderoso, sumamente ardiloso, que empregue todos os seus esforços para manter - me perpetuamente ludibriado, não pode subsistir dúvida alguma de que existo, uma vez que ele me ludibria; e por mais que me engane a seu bel prazer, jamais conseguirá que eu não exista, enquanto eu continuar pensando que sou alguma coisa. Então, uma vez ponderados escrupulosamente todos os argumentos, tenho de concluir que, sempre que digo ou concebo em meu espírito Eu sou, logo existo, esta proposição tem que ser necessariamente verdadeira”. (René Descartes).

Premissa:

Page 38: [5946]Teoria do Conhecimento I

38

Universidade do Sul de Santa Catarina

Conclusão:

b) “No que diz respeito ao bem e ao mal, estes termos nada indicam de positivo nas coisas consideradas por si, nem são mais do que modos de pensar ou noções que formamos a partir da comparação de uma coisa com outra. Assim, uma só coisa pode ser, ao mesmo tempo, boa, má ou indiferente. A música, por exemplo, é boa para uma pessoa melancólica, má para uma que está de luto, enquanto para um surdo não é nem boa nem má”. (Benedito Espinosa)

Premissa:

Page 39: [5946]Teoria do Conhecimento I

39

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

Conclusão:

c) É ilógico raciocinara assim: “Sou mais rico do que tu, portanto, sou superior a ti. Sou mais eleoqüente do que tu, portanto, sou superior a ti. È mais lógico raciocinar assim: Sou mais rico do que tu, portanto, minha propriedade é maior que a tua. Sou mais eloquente do que tu, portanto, meu discurso é superior ao teu. As pessoas são algo mais do que propriedade ou fala”.( Epiteto, filósofo grego).

Premissa:

Page 40: [5946]Teoria do Conhecimento I

40

Universidade do Sul de Santa Catarina

Conclusão:

d) “A nenhum homem é consentido ser juiz em causa própria; porque seu interesse certametne influirá em seu julgamenteo, e, não improvavelmente, corromperá sua integridade”.( James Madison - O Federalista, número X).

Premissa:

Page 41: [5946]Teoria do Conhecimento I

41

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

Conclusão:

e) “Se dermos à eternidade o significado não de duração temporal infinita mas de intemporalidade, então a vida eterna pertence aos que vivem no presente.” ( Ludwig Wittgenstein- Tractatus Logico-Philosophicus).

Premissa:

Page 42: [5946]Teoria do Conhecimento I

42

Universidade do Sul de Santa Catarina

Conclusão:

Page 43: [5946]Teoria do Conhecimento I

43

Teoria do Conhecimento I

Unidade 1

Saiba mais

Você poderá saber mais sobre os assuntos que foram estudados nesta unidade consultando os seguintes textos:

EWING � , A C. As questões fundamentais da filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. O capítulo 1 é o mais importante para esta unidade. Ewing é um filósofo que tenta lançar argumentos e os explicar.

CHAUÍ, Marilena, � Convite ao Filosofar, São Paulo, Ática, 1998. A parte importante é o capítulo 1 da unidade 5 onde ela esclarece algo sobre a construção lógica de argumentos. É uma breve introdução.

COPI, Irving � Introdução à Lógica, São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1979. Texto clássico de Lógica. Nos primeiros capítulos Copi estuda a formação de argumentos e como analisá-los.

Consulte também os seguintes sites:

<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/filosofia.htm> �

<http://www.cfh.ufsc.br/%7Ewfil/porchat.htm> �

<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/russell2.htm> �

<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/chisholm.htm> �

Page 44: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 45: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 2

O ceticismo e suas exigências

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Compreender o problema do conhecimento.

� entender o que significa o ceticismo no estudo do conhecimento.

� Aprender a considerar vários aspectos de uma resposta filosófica.

� estudar aspectos da obra e da filosofia de René Descartes.

Seções de estudo

Acompanhe as seções que você estudará nesta unidade.

Seção 1 Descartes e o ceticismo

Seção 2 A argumentação do cético cartesiano

Seção 3 Verdades da razão e verdades da experiência

2

Page 46: [5946]Teoria do Conhecimento I

46

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

Nesta unidade vamos iniciar o estudo do problema do conhecimento. Você identificará os filósofos que primeiro lançaram dúvidas sobre a possibilidade do conhecimento verdadeiro e o primeiro filósofo que tentou dar uma resposta bem elaborada para o problema. Além disto, aprenderemos à testar nossas respostas ao problema do conhecimento. Por fim, iremos compreender por qual razão a investigação do conhecimento é tão importante.

Seção 1 - Descartes e o ceticismo

A estória que aparece nas primeiras páginas deste livro pode lhe parecer estranha ou apenas ficção científica. Tudo bem, existe ficção científica de péssima qualidade, quer dizer, você logo percebe que a estória toda é ridícula. Entretanto, este não é o caso da estória que lhe contei. Ela, de fato, contém grandes doses de ficção científica. Mas, ajuda a compreender que com o crescimento da ciência as hipóteses devem ser cuidadosamente consideradas para só então serem descartadas.

Já se foi o tempo da ficção científica que mostrava formigas gigantescas que invadiam uma cidade. As possibilidades científicas no que diz respeito ao conhecimento do cérebro são testadas em laboratório e algumas têm conseguido sucesso surpreendente.

Por exemplo, pessoas que perdem parte do cérebro devido a acidentes ou doenças, podem ter esta parte compensada com o que sobrou do cérebro. Os neurocientistas já realizaram uma “bissecção” do cérebro. explicando melhor, sabe-se que o cérebro é composto por duas partes denominadas “corpo caloso”. estas duas partes estão ligadas entre si com a base do cérebro. A “bissecção” consiste em desligar uma parte problemática da outra sã. e você sabe o que aconteceu? A parte que ficou ligada compensou a ausência da outra.

Page 47: [5946]Teoria do Conhecimento I

47

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

Veja bem, isto é ciência e não invenção. Portanto, se a “bisecção” é possível, então a hipótese de retirada do cérebro e sua ligação a um computador através de fibras sintéticas não é uma piada. Ela é uma hipótese, algo possível, ainda que nunca tenha sido realizada. Pode ser uma ficção, mas não é má ficção científica. Além disto, como você já aprendeu na unidade anterior, os filósofos não estão interessados em resultados científicos, mas em conseqüências argumentativas. Logo, se você afirma que a estória acima é uma mera brincadeira, então você deve conseguir responder à duas questões básicas, quais sejam:

1. Você têm conhecimento científico atualizado que comprova a impossibilidade prática e lógica de retirada do cérebro ou; 2. você sabe que não é um cérebro numa cuba.

Para responder a questão (1) você precisa de informações atualizadas das investigações empíricas realizadas por cientistas, já para responder a questão (2), você precisa de argumentos filosóficos. Mas você perguntará, por qual razão necessito responder a questão (2) se é diferente da questão (1)? Bem, é porque a questão (2) é um assunto filosófico e não empírico. Mesmo que você responda a questão (1) e comprove a impossibilidade prática da remoção do cérebro vivo e sua ligação a um supercomputador, a questão (2) ainda necessita ser respondida, pois apenas admite respostas oriundas das considerações filosóficas sobre como adquirimos conhecimento do mundo exterior. Ou seja, trata -se de Teoria do Conhecimento.

Bem, após estes comentários sobre a estória você vai estudar um que viveu no século XVI e que elaborou uma estória muito parecida. Por sinal, a estória dos cérebros numa cuba é baseada numa parte da argumentação deste filósofo. O filósofo de que falo é René Descartes

Figura 2.1 - René Descartes (1596-1650). Filósofo, matemático e físico do século XVI. Além de obras importantes no campo da filosofia, foi matemático fecundo na área da geometria criando a geometria analítica. Fonte: Disponível em < http://faculty.uml.edu/enelson/images/Descartes.jpg>

Impossibilidade prática significa que não é possível ter determinada experiência, pois não existem meios de criá-la, exemplo - túnel do tempo; impossibilidade lógica, significa que algo é impossível de ser pensado, exemplo - um círculo quadrado, andar para frente e para trás ao mesmo tempo. Contudo, imaginar que se possa criar uma ligação entre uma camêra ótica e os nervos óticos de uma pessoa cega não é uma impossibilidade lógica, apesar de ser uma impossibilidade prática.

Page 48: [5946]Teoria do Conhecimento I

48

Universidade do Sul de Santa Catarina

Descartes viveu entre os anos de 1596 e 1650, estudou direito e foi soldado, chegando a participar de algumas batalhas. Descartes foi um gênio matemático e filosófico, desevolvendo teoremas da Geometria Analítica que estudamos até hoje no ensino médio, (você deve lembrar da expressão plano cartesiano?). Elaborou outras descobertas na Matemática como os polinômios, foi o primeiro filósofo a estudar do sistema de circulação sangüínea e o cérebro humano. Investigou como funcionava a visão humana e desenvolveu algumas ideias na área da Física e da Ótica.

A obra filosófica de Descartes é também genial: escreveu sobre os sentimentos humanos – ódio, amor, ciúme, etc – numa obra chamada As Paixões da Alma, escreveu também sobre o método de investigação das ciências num livro intitulado Discurso do Método e tratou de refletir sobre como ensinar a pensar corretamente na sua obra chamada Regras para a Direção do Espírito.

Em todas estas obras Descartes baseava seus argumentos na existência de conhecimentos racionais inqüestionáveis. Em 1641 ele escreve uma obra para provar racionalmente a existência da alma, do mundo e de Deus, tudo comprovado através da razão. Daí dizer-mos que Descartes é um racionalista, isto é, um de filósofo que defende a razão como mais certa e segura que a experiência.

Para Descartes a ciência por excelência era a Matemática, todas as outras ciências e conhecimentos deveriam se adequar aos métodos da matemática. Esta obra é intitulada Meditações de Filosofia Primeira e consiste em seis meditações.

O objetivo de Descartes era demonstrar que a razão é a fonte de toda e qualquer prova tanto nas questões de conhecimento quanto nas questões de teologia e que, qualquer prova obtida através da razão é equivalente a uma regra da Matemática.

As Meditações de Descartes é a obra que mais nos interessa no momento, principalmente as duas primeiras meditações, pois é nelas que você encontrará o argumento cético de onde foi elaborada a estória sobre os cérebros numa cuba.

Você deve pronunciar “de-car-te” e não “des-car-tes” pois, René nasceu na cidade de Chartrês na atual França e o “Des” é a indicação deste local de nascimento; em francês o “s” é mudo, não se pronuncia. Por isto, o correto é dizer “de-car-te”)

Page 49: [5946]Teoria do Conhecimento I

49

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

Antes disto porém , vamos conhecer um outro tipo de filósofo, os chamados “céticos”.

O fundador da escola cética foi Pirro de Ellis (320 a.C – 270 d.C). Ele acreditava que as coisas são incognoscíveis (não podem ser conhecidas), com isto você deveria suspender todo e qualquer julgamento, isto é, você não deve dizer o que uma coisa é e sim, dizer “Pelo que podemos entender até agora...”. Fazendo isto você não entraria em discussões e, portanto, não perturbaria sua alma. O fim almejado por Pirro era a paz da alma, que em grego se diz “ataraxia”, um estado de não-perturbação pelas dúvidas.

Figura 2.2 - Pirro de Elis (365 a.C. e 270 a.C. Foi contemporâneo de Alexandre, o Grande, de cujas expedições participou. Fonte: Disponível em <http://www.constelar.com.br/constelar/120_junho08/ceticismo.php>

A academia de Pirro, durou um certo tempo depois de sua morte, mais precisamente até 88 d..C. Após esta data foi praticamente esquecida. No ano 150 d.C. um médico chamado Sexto Empírico, do qual não temos data de nascimento nem morte, publicou uma obra que se supõe ser uma compilação das ideias de Pirro de Ellis. Contudo, Sexto Empírico já não visa mais um ponto de vista ético ou de paz da alma e sim o da negação de toda possibilidade de conhecer.

Para ele, como nada pode ser conhecido, nada pode ser investigado. Portanto, devemos nos adequar ao comportamento comum dos outros seres humanos. Há uma afirmação interessante que Sexto atribui à Pirro: segundo Pirro nada pode ser ensinado, pois ou você ensina o que a pessoa já sabe e, portanto, isto não é aprender algo; ou você ensina algo obscuro, mas neste caso, como você poderá fazer com que esta pessoa entenda algo obscuro, que ela nem sabe como compreender?

Page 50: [5946]Teoria do Conhecimento I

50

Universidade do Sul de Santa Catarina

Interessante não? Se você ensina o que outro já sabe, então, não está ensinando nada. Se você ensina o que o outro não sabe, então você lhe ensina algo obscuro, mas o obscuro não pode ser ensinado. Portanto, ensinar resume-se em (a) ensinar o que já é sabido ou (b) ensinar algo obscuro e o obscuro não se ensina. Sem (a) ou (b) não há ensino.

Atenção: Sexto e Pirro não são contra o ensino, também não afirmavam que Deus não existia ou que o mundo não existia. Ora, afirmar que Deus não existe é ter um conhecimento e eles não acreditavam que se pudesse conhecer. Portanto, os céticos não eram ateus e nem “crentes”. Vamos dizer que eles eram o que nós hoje chamamos por “conformistas”, isto é, alguém que não quer nenhuma perturbação na sua vida e, para tanto, se conforma a tudo, para obter a paz.

Agora que já você já conhece um pouco da história do termo “cético”, vai saber como esta escola de pensamento entra na história filosófica do Ocidente. Acontece que durante o período da Reforma Protestante, havia grande oposição à autoridade e ao saber teológico da Igreja estabelecida em Roma.

Figura 2.3 – Martinho Lutero. A Reforma Protestante ou Luterana (do séc. XVI) foi um movimento teológico-político que dividiu a Cristandade a partir da divulgação das 95 teses elaboradas pelo ex-frei da Ordem de Santo Agostinho, Martinho Lutero, contrárias à autoridade da Igreja Católica Romana. Fonte: Disponível em <www.arquenet.pt/portal/teoria/lutero.amoreira.html>

Foi nesta época que encontraram os escritos de Sexto Empírico. Ora, tal como foi mencionado antes, os escritos “serviram de munição contra o saber teológico e contra a autoridade da Igreja Católica da época. Contudo, os defensores da Reforma, que usaram os argumentos de Pirro e Sexto, retiraram apenas

Page 51: [5946]Teoria do Conhecimento I

51

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

os argumentos que lhes serviam, isto é, os argumentos contra o conhecimento das coisas, da impossibilidade de saber algo e, mesmo, o de poder ensinar algo. Portanto, usaram apenas o que lhes interessava.

Você fosse um filósofo católico romano, seria sua obrigação moral refutar o cético, e provar que algo pode ser conhecido. Por esta razão, na Primeira Meditação, Descartes investiga “por quais razões podemos duvidar de todas as coisas”, e na Segunda Meditação provar á que podemos saber alguma coisa, qual seja, que existimos (cogito, ergo sum).

SEÇÃO 2 - A argumentação do cético cartesiano

Bem, agora que já conhecemos Descartes, os céticos e qual seus objetivos, vamos discutir a obra as Meditações de Descartes. Como racionalista, Descartes pretendia comprovar que a razão é superior à experiência e como filósofo ele deveria demonstrar que isto era verdade. Para comprovar o que era verdade ou poderia chegar a ser uma verdade, Descartes optou por mostrar que a experiência não fornece verdades e se fornece alguma verdade ela é questionável.

Em outras palavras, Descartes queria que você aceitasse que uma verdade da razão deve ser igual a uma verdade matemática. Por quê? Ora, se você questionar uma verdade da matemática duas possibilidades poderão ocorrer:

1. sua questão não tem resposta e, portanto, algo é falso na matemática. Isto não pode ocorrer, pois podemos errar nos cálculos matemáticos, mas não admitir que as regras de calcular estão erradas (você pode medir de maneira errada a altura de uma pessoa, mas não faz sentido afirmar que o metro padrão está errado);

2. sua questão não faz sentido.

Imagine que alguém diga “duvido que dois mais dois é igual à quatro”, se não for uma pessoa alcoolizada nem estiver de brincadeira, a questão não faz sentido. Dois mais dois sempre resultarão quatro. A mesma coisa ocorre com o metro padrão: ele

Assim, a concepção de ceticismo deixou de ser uma escola de Ética, e passou a ser uma escola de Filosofia. Esta, afirmava que “nada se pode conhecer, e nenhuma autoridade se pode fundamentar”.

Refutar é mostrar que um argumento ou teoria não e se confirma pela realidade ou que contém algum erro em sua formulação.

Page 52: [5946]Teoria do Conhecimento I

52

Universidade do Sul de Santa Catarina

sempre é igual a cem centímetros. Se você disser que um metro é a soma de 99 centímetros, então, se você não esta brincando nem estiver sob efeito de alguma substância química que altere seu estado de percepção, sua afirmação estará errada. Mais do que isto: matematicamente, ela não faz sentido.

Não é por nada que chamam a matemática de “rainha das ciências”, pois ela é perfeita. Uma verdade matemática é inquestionável. Talvez você ache estes argumentos complicados, mas quando considerarmos o caso das verdades da experiência você terá mais clareza da estratégia de Descartes.

Até agora falamos das verdades da razão. Agora consideremos as verdades da experiência. Bem, em primeiro lugar vamos definir o que é experiência. Podemos dizer que em filosofia uma experiência é o resultado do conjunto de nossas percepções. É uma definição difícil de entender? Talvez você queira maiores explicações, já que é estudante de Filosofia.

Considere o seguinte: você toma um pedaço de gelo e coloca na sua mão. Tenha certeza de que é gelo (é água congelada e não um outro líqüido qualquer). O que ocorre? Você terá uma sensação de que está segurando algo frio. Este será um conhecimento fornecido pelos nervos de sua mão, pela sua pele ou, se você deseja uma definição mais científica: uma informação decodificada pelo seu cérebro a partir de um objeto externo a você, por meio de suas sensações.

Portanto você tem conhecimento que o gelo é frio através de sua experiência de segurar um pedaço de gelo. É simples não é? Se alguém me disser que o gelo não é frio, então lhe faço segurar uma pedra de gelo na mão. Ele terá de concordar que o gelo é frio se for uma pessoa normal (claro, não estou considerando o caso de uma pessoa que por qualquer razão não tenha sensibilidade nas mãos). Além disto, podemos comprovar cientificamente que é gelo: fazemos testes de laboratório, etc.

É inegável que é um conhecimento baseado na experiência. Até aqui não há dúvida alguma. Contudo, Descartes lhe perguntará: “é um conhecimento inquestionável?”. Aqui as coisas se complicam, pois se você disser que é inquestionável você está

Page 53: [5946]Teoria do Conhecimento I

53

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

assumindo que em todos os casos de experimentos iguais as pessoas concordaram que o gelo era frio e, portanto, dadas estas experiências o gelo é frio. Mas isto não torna o conhecimento inquestionável: um conhecimento verdadeiro não é adquirido por maioria ou consenso.

Considere o seguinte: todos sabemos o que é a energia elétrica, mas não é este conhecimento que faz uma lâmpada acender. Concorda? Há algo na energia elétrica que faz a lâmpada acender, independente de sabermos o que é! Portanto, o fato de que todos sabem que o gelo é frio não é o que faz o gelo ser frio. Você pode apelar para as sensações e dizer “Ora, qualquer pessoa normal, ao segurar um pedaço de gelo dirá que é frio, pois terá as mesmas sensações de frio!”. Bem, Descartes argumentará que 1º você admite, sem discussão, que todas as pessoas tem as mesmas sensações. Mas isto não é bem assim, basta lembrar que você fala de pessoas “normais”.

O que é uma pessoa normal neste caso? Ora, alguém que sente que o gelo é frio! Logo, você define normal segundo o que você pretende, a saber, que percebe que o gelo é frio. Isto não vale como prova. Descartes poderia argumentar também que:

2º se você segurar um pedaço de gelo na mão durante muito tempo, não terá sensação de frio e sim de que algo está queimando sua mão. Ora, a afirmação de que o gelo é frio já não é inquestionável. É possível que você encontre alguém que diga “o gelo queima” e esta pessoa não será maluca, pois de fato o gelo queima, apesar de ser frio.

Lembre os que os esquiadores de neve usam óculos de proteção, óculos escuros. Ora, óculos escuros são para proteger nossos olhos da luz do Sol, não é? Pois é, no caso de esquiar na neve a claridade pode queimar a retina de seus olhos! A neve é gelada e queima os olhos. Além disto, se você ficar muito tempo exposto à luz emitida pela neve você poderá “tostar” sua pele, tal como alguém que fica exposto ao sol numa praia ou o deserto.

Parece que os céticos tinham razão, não é?

Page 54: [5946]Teoria do Conhecimento I

54

Universidade do Sul de Santa Catarina

Eles poderiam afirmar: tenho tantas razões para dizer que o gelo é frio, quantas para dizer que o gelo queima, logo, nada posso afirmar com certeza a respeito do gelo, e portanto, não tenho conhecimento infalível ou inquestionável sobre o gelo.

Vamos considerar outro exemplo: o do movimento. Por definição movimento é “Estado em que um corpo muda continuamente de posição em relação a um referencial”. Agora suponhamos que você encontre um cético que lhe afirma “O movimento não existe, existe apenas corpos que se movem”. Você poderá dizer a ele “Mas isto é o movimento, corpos que se movem”. Ele lhe responderá “Mas é isto, você concorda comigo, o movimento não existe”.

Agora pense: como provar, inquestionavelmente, para este cético que o movimento existe?

Se você se movimentar pela sala dizendo - veja, movimento é isto! Neste caso apenas comprovará o que ele já disse “existem apenas corpos que se movem, mas não o movimento”. Qualquer exemplo que você fornecer será de algo que se move, mas com isto não respondeu a dúvida lançada pelo cético.

Ele não questiona que as coisas se movam, e sim que exista algo chamado “movimento”. Para ele “movimento” é algo diferente de um corpo se movendo. Complicado? Veja, o cético não aceita as experiências como prova, pois elas são questionáveis. Ora, no caso do movimento não temos como refutar o cético, pois tudo que podemos lhe fornecer como prova são experiências. Teríamos de fornecer outro tipo de prova que não envolva os cinco sentidos a experiência.

Portanto, aqui nós já temos uma das exigências do ceticismo: as provas não podem ser baseadas na experiência.

e por quê é assim?

Porque, para cada experiência que você alega como prova, pode existir outra que a negue (veja o caso do gelo, do movimento). Aqui temos outra exigência do ceticismo: a certeza. O seja, você deve fornecer uma razão que seja indubitável.

Page 55: [5946]Teoria do Conhecimento I

55

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

Que tal refletir um pouco sobre estes assuntos resolvendo algumas questões?. 1) Explique quais relações podem ser encontradas a estória que é apresentada no início do livro e o questionamento do cético cartesiano.

2) Você considera que Mike, o personagem da estória, se tornou um cético cartesiano? Justifique sua reposta.

3) Você acredita que Mike poderia ter outra saída para suas dúvidas além daquela que ele mesmo propõe? Argumente sobre sua resposta.

Page 56: [5946]Teoria do Conhecimento I

56

Universidade do Sul de Santa Catarina

SEÇÃO 3 - Verdades da razão e verdades da experiência

Bem, você deve estar se perguntando: qual a ligação deste título com as ideias de Descartes?

Note que Descartes era muito esperto. Ele sabia que responder ao cético não era algo fácil. Além disto Descartes também sabia que a única carta que o cético tinha para jogar era que a experiência pode ser mutável, isto é, ela varia de pessoa para pessoa e com o tempo. Logo, Descartes teria de eliminar esta carta da mão do cético. O quê ele faz? Responde ao cético?

Veja, o que lê propõe na Primeira Meditação: ele apresenta todas as coisas das quais podemos duvidar. Todas elas são baseadas em nossos cinco sentidos, em nossa experiência. Portanto, Descartes concorda a princípio, com o cético: não é possível obter conhecimento verdadeiro! Inclusive, supôe que não seja comprovado que tenhamos provas de que estamos acordados neste momento.

Parece uma dúvida sem importância não é mesmo?

Então pense seriamente: se é uma dúvida boba é por que você tem uma prova infalível de que não está sonhando neste momento de que esta lendo estas linhas, de que existe um mundo fora de sua casa, de que você está sentado em sua cadeira, etc. Mas cuidado, não forneça uma prova que seja baseada na experiência, pois ela é duvidosa.

Descartes vai mais longe ainda e acrescenta mais algumas dúvidas. Ele discute a possibilidade de que a matemática esteja fora de dúvida. Ou seja, a matemática – como já dissemos mais acima – não é oriunda da experiência. Entretanto, é fato que nos enganamos nas operações matemáticas não é? Quem já não fez um cálculo errado? Como explicar isto?

Descartes recorre a um “gênio maligno” que nos engana. Este gênio faz com que acreditemos somar corretamente, quando de fato, estamos somando errado. Mais ainda, este gênio faz

Page 57: [5946]Teoria do Conhecimento I

57

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

com acreditemos que vemos um céu azul, as cores, os objetos quando nada há. Ao perceber que introduzindo a hipótese do gênio maligno Descartes acaba com o mundo da experiência, seja verdadeira seja falsa, ele retira do cético a única carta que ele tinha contra a possibilidade do conhecimento verdadeiro: a experiência.

Que tal resolver mais algumas questões de reflexão e posteriormente publicar suas conclusões no EVA?

Leia novamente a estória que está no início do livro. Considere as seguintes questões:

1) Leia com atenção o que Margot diz a Mike no final do parágrafo 5. Como Mike poderia provar a ela que ela estava mentindo? Justifique sua resposta.

2) Considere a situação de Mike quanto a sua impossibilidade de contar o fato a outras pessoas: elas também seriam ficções. Pergunte-se: com base em quê você acredita na experiência que outras pessoas lhe contam? Qual a razão para confiar no que elas dizem que aconteceu? Explique sua resposta.

3) Se Mike se submetesse novamente à experiência que Margot alega que ele foi vítima, ele poderia ter “uma prova de que não era um cérebro numa cuba”? Comente sua resposta.

Page 58: [5946]Teoria do Conhecimento I

58

Universidade do Sul de Santa Catarina

Por fim, resta a Descartes mostrar que há uma verdade, indubitável, na qual apoiar todo conhecimento. Esta tarefa ele realiza na Segunda Meditação.

Entretanto preciso lhe avisar que esta resposta é uma construção de Descartes, isto é, ele criou o que costumamos chamar de “cenário” para o conhecimento na Primeira Meditação.

Neste cenário parece que a única resposta possível é a de Descartes. Muitos filósofos não concordaram com isto e resolveram enfrentar o cético cartesiano (pois ele inventou aquele cético) naquele mesmo cenário. As partes restantes deste livro são os argumentos que os filósofos tentaram trabalhar para responder ao cético cartesiano.

A resposta de Descartes ao problema é a seguinte: por mais que eu duvide de minha existência, se estou sonhando neste momento ou não, se estou sendo enganado por um gênio maligno, uma coisa é certa: estou pensando. Ora, não há como duvidar de que ao duvidar pensamos, não é verdade? Tente fazer isto. Você verá que duvidar é pensar. Bem, então temos uma primeira verdade, qual seja, nós pensamos. Tal verdade não é baseada na experiência. Descartes marcou um ponto contra o cético.

Mas, ainda falta mostrar que algo existe sem que a experiência seja a base.

Ora, pense um pouco: você já viu um pensamento solto, voando ou no chão?. Não! Então, raciocinemos com Descartes, se existe pensamento, então existe alguma coisa que pensa. Portanto, se eu penso, então eu existo. Dai resulta a famosa frase de Descartes “Cogito, ergo sum”, que traduzindo para o português significa “Penso, logo existo”.

Eis aí uma verdade não derivada da experiência. Mais adiante Descartes irá concluir que é uma coisa que pensa, que imagina e que sente. Assim, Descartes demonstra ao cético e com os próprios argumentos do cético que é possível encontrar uma verdade de onde derivar todo conhecimento.

Page 59: [5946]Teoria do Conhecimento I

59

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

Bem, parece que a história poderia parar por aqui. Mas, se fosse assim, não teríamos os séculos de discussão filosófica sobre o conhecimento. Além disto, você sabe, que atualmente, o conhecimento é concebido como “capital” de uma empresa ou mesmo de uma universidade. Logo, investigar como chegamos a um conhecimento verdadeiro e certo assume papel importante para a sociedade atual.

Mas então, você poderá se perguntar como esta investigação continua, pois parece que Descartes respondeu ao cético? Bem, a resposta de Descartes não foi aceita por vários filósofos: Kant, foi um deles. Outros filósofos nem acreditam que exista a possibilidade do problema, por exemplo, John Austin.

Assim, o que fizeram? Aceitaram o cenário construído por Descartes na primeira e tentaram fornecer uma resposta diferente. Mas, você pergunta, por quê? Ocorre que Descartes ao derivar a verdade de sua existência apenas da razão, não estava errado. Seu erro, muitos alegam, foi derivar de uma verdade da razão (pense na Matemática como uma verdade da razão) uma verdade da experiência (pense no conhecimento de que o gelo é frio).

Isto parece complicado não é?

Bem, por vezes as coisas se complicam e o que parecia simples já não o é. Vamos tomar um exemplo para tentar deixar as coisas mais evidentes. Imagine que você deve administrar uma empresa qualquer. Você é um ótimo administrador, conhece várias teorias administrativas e por isto foi escolhido para o cargo. Bem, aí está você tendo de administrar esta empresa.

Você então faz um exame da situação da empresa e, após estudo, decide tomar uma decisão para melhorar o desempenho da empresa. Aqui temos duas possibilidades: (a) sua decisão é correta e (b) sua decisão não apresenta resultado algum. Agora, vamos pensar nestes dois casos em comparação aos argumentos de Descartes: no caso (a) Descartes alegaria que se você tomou a decisão baseado em verdades da razão, logo, você só poderia ter sucesso; no caso (b) Descartes alegaria que os erros da experiência – a falta de resultado – são devidos à própria experiência, logo

Page 60: [5946]Teoria do Conhecimento I

60

Universidade do Sul de Santa Catarina

você não decidiu com base na razão e sim na sua experiência, no que você viu e examinou da situação da empresa. Bem, para Descartes não haveria problema nesta análise.

Ocorre, alegam muitos filósofos, que as verdades da razão não estão ligadas à verdade da experiência. Isto é, você poderia ter aplicado uma decisão baseada na razão e o resultado ser péssimo. Bem, você pode dizer “dane-se a coisa funcionou! Eu estava certo”. Isto não está de todo errado.

O problema filosófico é saber porquê deu certo. Neste caso o “dane-se” não é uma boa resposta! Descartes enfrentou o mesmo problema, por esta razão os filósofos interessados no estudo do conhecimento sempre buscam uma resposta ao cético. No final das contas, estudar o conhecimento é saber como encontrar a verdade, mas uma verdade que tenha a qualidade de uma certeza. Este foi o projeto de Descartes e, podemos dizer, que muitos ainda seguem seus passos iniciais na busca do conhecimento infalível. Nas próximas unidades vamos estudar estes argumentos estudados por outros filósofos na tentativa de responder ao cético e encontrar, ou ao menos compreender, o conhecimento verdadeiro.

Síntese

Você conheceu René Descartes e aprendeu um pouco sobre sua proposta filosófica. Tal conhecimento permitiu compreender as intenções de Descartes na Primeira e Segunda Meditações. Aprendeu também que existem dois tipos de céticos: os que duvidam que alcançaremos o conhecimento verdadeiro e os que duvidam que alcançaremos qualquer tipo de conhecimento. Por fim, aprendeu em que cenário o cético de Descartes exige certeza dos conhecimentos.

Ainda, nesta última parte da unidade discutimos estratégias para diferenciar verdades da razão de verdades da experiência.

Page 61: [5946]Teoria do Conhecimento I

61

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade você realizará atividades de autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro didático. Mas, esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará promovendo e estimulando sua aprendizagem.

Questões para reflexão.

1) Como você avalia o ponto de vista do Ceticismo, de que devemos nos adequar às regras e normas para obter a paz de espírito? Justifique sua resposta.

Page 62: [5946]Teoria do Conhecimento I

62

Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Você concorda que há uma separação entre verdades da experiência e verdades da razão? Exemplifique sua resposta.

Page 63: [5946]Teoria do Conhecimento I

63

Teoria do Conhecimento I

Unidade 2

Saiba mais

Para aprofundar os conteúdos abordados nesta unidade, consulte os seguintes materiais:

DESCARTES, René. � Meditações de filosofia primeira, São Paulo, Nova Cultural, Col. Os Pensadores, 1996. Os textos mais importantes para esta segunda unidade são as duas primeiras Meditações. Na primeira, Descartes elabora o cenário onde surge a dúvida cética e na segunda responde a algumas das questões céticas. Nesta segunda Meditação, preste atenção à maneira como surge o “Penso, logo existo

DESCARTES, René. � Princípios da filosofia. 3. ed. Lisboa: Guimarães, 1984. Neste texto ( bem curto por sinal) Descartes elabora e explica as bases de sua filosofia. Vale a pena ler todo o texto.

KOYRE, Alexandre. � Considerações sobre Descartes. 2. ed. Lisboa: Presença, 1981. Neste texto o Prof. Koyre elabora alguns comentários sobre a filosofia de Descartes. Os comentários são gerais e apenas alguns pontos tratam da dúvida clássica.

MOORE, George E. � Prova de um mundo exterior, São Paulo: Abril Cultural, Col. Os pensadores, 1980. Este ensaio será utilizado em outras partes deste livro, portanto é interessante conhecer o tipo de prova que Moore fornece ao cético cartesiano. Quando você ler o texto, analise o tipo de prova que o autor fornece ao cético e compare com o final do parágrafo 6 da estória que está no início do livro texto.

Consulte também os seguintes sites:

<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/cetico.htm> �

<http://www.cfh.ufsc.br/~mafkfil/dicker.htm> �

<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/moderna.htm> �

<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/hebeche.pdf> �

Page 64: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 65: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 3

Conhecimento, ceticismo e a vida cotidiana

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Compreender o que é o senso comum.

� entender por que o senso comum não responde à dúvida cética.

� Analisar a “Prova de Moore”.

Seções de estudo

Seção 1 Senso comum e conhecimento

Seção 2 John Austin e a resposta ao questionamento cético

Seção 3 As questões da Teoria do Conhecimento e a vida prática

Seção 4 George Moore e a questão do ceticismo

Seção 5 Avaliação filosófica da resposta do senso comum

3

Page 66: [5946]Teoria do Conhecimento I

66

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

Nesta unidade, você irá aprender um pouco mais sobre como apresentar um tipo de conhecimento que o cético não possa questionar. E também aprenderá com John Austin a “enquadrar” a questão cética em problemas da linguagem. Certamente, você perceberá que a resposta de Austin não será satisfatória, pois enfrenta o cético de forma direta. Passaremos a considerar a resposta de George Moore ao cético. A resposta de Moore ainda hoje causa discussão, contudo, enquanto resposta direta ao cético, não atinge o objetivo desejado. Iremos aprender que o cético questiona não apenas nosso senso comum, nossa vida diária, mas também o que lhe dá fundamento.

E então, está pronto (a)?

Seção 1 - Senso comum e conhecimento

Na unidade anterior, estudamos a argumentação filosófica, bem como os princípios básicos do Ceticismo, sua influência na busca pelo conhecimento e a construção cartesiana de um novo tipo de Cético. Por fim, começamos a estudar os motivos pelos quais as respostas comuns não são suficientes para responder ao cético.

Nesta unidade, vamos nos aprofundar um pouco mais e estudar a tentativa de lançar contra a dúvida cética respostas que constituem conhecimentos do senso comum. Primeiramente, vamos estabelecer um acordo quanto ao que é o senso comum. Normalmente, dizemos que uma pessoa é de senso comum, quando ela não tem conhecimentos sobre o que fala.

Por exemplo: você já deve ter presenciado a conversa de pessoas opinando sobre mecânica de automóvel. Algumas destas pessoas fazem afirmações que você sabe não funcionarem na prática.

As afirmações como as do exemplo acima são opiniões sem fundamento em conhecimento, e sim no que podemos chamar de “ouvi dizer que...”. Ou seja: a pessoa que as afirma, não tem provas. Mas não é deste senso comum que estamos falando.

Page 67: [5946]Teoria do Conhecimento I

67

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Estamos falando de conhecimentos comuns (por exemplo: o fato de que, ao abrir uma torneira de cozinha, correrá água) sobre fatos comuns (os ponteiros de um relógio andam em uma determinada direção para marcarem as horas, por exemplo).

Exatamente, alguns filósofos acreditam que o cético não dá atenção a estes fatos comuns e conhecimentos comuns. Ou seja: para estes filósofos, o cético assume que não vive uma vida como qualquer ser humano comum, devido a sua exigência de certeza nos conhecimentos. Os dois filósofos que mais trataram deste ponto de vista, embora com perspectivas diferentes contra o cético, foram John Austin e George Moore. Vamos iniciar, estudando a argumentação de Austin.

John Austin foi o que se denomina “filósofo da linguagem comum”. Muitos atribuem a ele a fundação da Filosofia da Linguagem Comum na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Infelizmente Austin faleceu com cinquenta anos e deixou uma obra inacabada. Temos um texto completo de sua autoria e vários escritos para revistas e algum deles inacabados.

Figura 1.1 - John Austin (1911-1960). Foi um dos grandes pensadores britânicos do Pós-II Guerra Mundial. A sua grande contribuição para a filosofia do século XX foi desenvolvida na sua obra de referência: “How to do Things with Words”. Nela, defendia a distinção entre os enunciados “performativos” (pelos quais algo é criado) e os enunciados “constatativos” (pelos quais é efetuada a comunicação de uma informação). Outra importante tese defendida por Austin era a de que, na história da Filosofia, os confrontos entre as teses filosóficas e as crenças populares são causados pela incompreensão de uma linguagem comum. Fonte: Disponível em < http://www.knoow.net/ciencsociaishuman/filosofia/austinjohn.htm>.

O ponto de vista central de Austin era que os problemas filosóficos são resolvidos através de um cuidadoso trabalho sobre a linguagem. Por tal razão, muitos críticos o chamavam

Filosofia da Linguagem é o ramo da filosofia que estuda a essência e natureza dos fenômenos linguísticos.

Page 68: [5946]Teoria do Conhecimento I

68

Universidade do Sul de Santa Catarina

pejorativamente de “taxonomista” da linguagem, isto é, alguém que apenas faz a separação das palavras já conhecidas em classes gramaticais, mas não contribui para a Filosofia. Bem, espero que, ao final do estudo, você possa formar seu ponto de vista pessoal sobre tal crítica.

Antes de iniciar o estudo da próxima seção, que tal realizar algumas atividades de reflexão para verificar a sua aprendizagem até aqui?

Em uma folha de papel almaço, escreva o que é solicitado.

1º Na primeira face da folha, escreva 10 afirmações que você acredita serem verdadeiras. Não faça frases longas, apenas afirmações. Exemplo: “Sei que a Terra é redonda”.

2º Na segunda face da folha, escreva sobre cada uma das afirmações, como você sabe que são afirmações verdadeiras, isto é, quais suas razões para crer na verdade destas afirmações. Você estará justificando sua crença na verdade daquelas afirmações. Exemplo: “Eu sei que a Terra é redonda, pois meus professores de Geografia me ensinaram assim”.

3º Na terceira face da folha, explique como você poderá provar a verdade de cada afirmação, se alguém duvidar delas. Exemplo: “Sei que meus professores estavam corretos ao afirmarem que a Terra é redonda, pois a ciência provou isto através de investigações”.

4º Na quarta face da folha, escreva quais daquelas 10 afirmações você ainda mantém como verdadeiras, mesmo que alguém duvide das mesmas. Exemplo: “Eu mantenho que a Terra é redonda com base nos seguintes fundamentos: (a) meus professores me ensinaram e (b) a ciência provou que a Terra é redonda e, portanto, que meus professores estavam certos”.

Obs: É provável que, após realizar esta atividade, você perceba ser bem difícil fundamentar ou fornecer fundamentos de tudo que acreditamos conhecer.

Page 69: [5946]Teoria do Conhecimento I

69

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Seção 2 - John Austin e a resposta ao questionamento cético

Austin argumentava que “usar a linguagem implica ter conhecimento do significado das palavras”, sendo assim, uma pessoa que usa a palavra “mundo exterior” ou “objeto do mundo” deve saber o que está dizendo, se está usando a expressão de maneira correta. Portanto argumentará Austin, o cético é uma pessoa contraditória, pois, ao pedir provas de que não estamos sonhando neste momento, ele deve saber a diferença entre o significado das palavras “sonhar” e “estar acordado”. Se não tivesse tal conhecimento, não poderia usá-las de maneira significativa. Logo, para Austin, a questão já estaria resolvida.

Contudo, segundo Austin, o que o cético faz é, de fato, uma redefinição de palavras que já conhecemos.

Por exemplo: se eu disser a você: “Não existem médicos em São Paulo”, você irá pensar que ou estou fazendo algum chiste ou estou maluco, e não concordará comigo. Contudo, se eu conceituar médico como “alguém que cura qualquer doença em 1 segundo”, então, diante de minha definição, você terá de concordar que não existem médicos em São Paulo.

Pois bem, Austin diz o mesmo do cético. O cético toma uma palavra que todos nós conhecemos, qual seja, “conhecimento”, e a redefine dizendo “conhecimento é toda aquela informação que não posso pôr em dúvida”.

Ora, é bem difícil encontrar alguma informação que “não” possamos pôr em dúvida. Assim, o cético na verdade nos confunde e já não sabemos apontar o que poderia constituir um conhecimento seguro.

Portanto, segundo o ponto de vista de Austin, nossas práticas comuns do dia-a-dia apresentam como pressuposto que tenhamos conhecimento do que fazemos, do contrário estas práticas perderiam seu sentido. Retomando a pergunta de Descartes na Primeira Meditação - “Como sei que não estou sonhando?” - , a resposta do senso comum seria fazer a pergunta: “Como você sabe diferenciar sonho de realidade, para elaborar esta questão?”

Page 70: [5946]Teoria do Conhecimento I

70

Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético parece estar encrencado!

Contudo existe uma diferença entre “saber a verdade do que algo é” (por exemplo: “Sei que o pássaro que canta neste momento é um canário”) e “dizer algo adequado ou razoavelmente”. Em outras palavras, o cético diria para Austin que temos de diferenciar as questões: “Como sei que é verdade?” de “É adequado crer que é verdade?”. Assim, por exemplo, é adequado crer que é verdade o que nos diz um professor sobre algum conteúdo, mas, quando perguntamos: “É verdade que é assim?”, estamos pedindo que o professor justifique qual a razão para crer no que ele diz.

Ora, o que encontramos nas nossas práticas diárias é adequação, razoabilidade, mas não necessariamente verdade.

Por qual razão nossas práticas são como são?

Esta será a pergunta do cético. Talvez isto lhe pareça confuso, mas imagine o seguinte caso: sua empresa contrata um novo gerente geral. Ele é conhecido por todos como um gênio da administração, e todos o tratam assim. Agora imagine que você pergunta para seu colega: “Devemos confiar nos direcionamentos que este novo gerente nos fornecer?”. Seu colega poderá responder: “Mas é claro, todos sabem que ele é um gênio da administração”. Ora, este é um tipo de resposta adequado à sua pergunta. Mas e se você perguntar: “Como você sabe que ele é um gênio da administração?”, a resposta de seu colega não poderá ser: “Todos sabem disto”, pois não é esta sua questão.

Seu colega terá de fornecer razões para a genialidade do novo gerente, e estas não estão baseadas no que dizem dele. Você está questionando as “credenciais” do novo gerente, mesmo que seja adequado afirmar que é razoável tratá-lo como todos o tratam: um gênio administrativo!

Page 71: [5946]Teoria do Conhecimento I

71

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Este é o problema com a resposta de Austin ao cético. Austin lhe fornece práticas diárias como resposta à dúvida cética, mas o cético está colocando em dúvida a razão pela qual tal prática foi adotada como verdadeira!

Vamos explorar outro exemplo fictício para fixar esta diferença entre o que o cético pergunta e o que o senso comum lhe dá como resposta (seria como perguntar “por qual razão é verdadeiro?” e obter como resposta “porquê todos tratam isto como verdadeiro”).

Suponha que você está numa festa, e o anfitrião da festa lhe pergunte sobre um amigo comum de vocês: “O Paulo virá à festa?” e que sua resposta seja: “Claro, ele gosta de festas e não perderia esta”. Bem, ocorre que Paulo, ao se preparar para ir à festa, estava nervoso, caiu e sofreu uma torção no pé. Ficou impossibilitado de ir à festa. Seu anfitrião, ao final da festa, lhe diz: “Você não sabia que Paulo viria e, portanto, não sabia o que dizia, quando me respondeu”. Agora pense: você mentiu quando disse que o Paulo viria à festa? Não, é claro! Você não sabia que Paulo viria à festa? Não, você sabia, ele mesmo lhe disse. Como imaginar que ele sofreria um acidente?! Assim, você respondeu de maneira razoável ou adequada à pergunta de seu anfitrião. Mas, de fato, Paulo não veio à festa, e isto contradiz sua afirmação de que ele viria. Ora, isto demonstra que nem sempre dizer algo adequado, razoável corresponda a uma afirmação verdadeira. O caso de seu amigo Paulo demonstra isto.

Para ampliar a sua compreensão sobre os assuntos abordados, proponho algumas questões para reflexão. Após resolvê-las, publique os resultados na ferramenta exposição do eva.

a) Que tipo de conhecimento nossas práticas do dia-a-dia pressupõem? Seria um conhecimento verdadeiro, ou falso?

b) Por qual razão nossas práticas do dia-a-dia podem incluir o erro ou o engano?

Page 72: [5946]Teoria do Conhecimento I

72

Universidade do Sul de Santa Catarina

c) Quando você afirma que tem conhecimento de determinado fato e este é verdadeiro durante certo tempo, mas passa a ser falso em outro momento, ao afirmar este conhecimento novamente estará cometendo algum engano? Por qual razão?

Vamos agora trazer esta conclusão para o caso do cético e a resposta do senso comum: ora dizer que não se pode duvidar porque se trata de um conhecimento razoável, prudente e adequado não comprova a verdade que o cético exige, pois isto não impede que se possa duvidar. Estas são condições da vida prática, mas não condições de verdade.

Assim, é necessário diferenciar entre dois tipos de razão: as razões para agir e as razões para afirmar que algo é verdadeiro. Ao fornecer ao cético, razões do senso comum, Austin está fornecendo-lhe razões para agir, e não condições de verdade. Nossas razões para agir não estão, necessariamente, baseadas em verdades. Elas fazem parte da nossa forma de vida, e não de um conjunto de certezas. Quando investigamos as razões para se afirmar que algo é verdadeiro, não fazemos perguntas com respostas relevantes para o do dia-a-dia: queremos saber se “é verdadeiro, é certo”, e não se é razoável ou adequado.

Page 73: [5946]Teoria do Conhecimento I

73

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Seção 3 - As questões da Teoria do Conhecimento e a vida prática

Você pode estar frustrado (a) com este resultado: nossa vida diária, vida prática, não é suficiente para responder ao cético e para lhe fornecer razões daquilo que acreditamos ser verdadeiro! Lembre que, na unidade anterior, fomos apresentados a um novo tipo de cético. O cético construído por Descartes exige “certeza e indubitabilidade” para a verdade.

Contudo este estudo da argumentação de Austin não é de todo negativo. Se você pensar bem, ficamos sabendo algo a mais, isto é, que agimos segundo necessidades do momento, segundo o que as circunstâncias nos exigem, e não segundo a indubitabilidade de verdades. Ainda mais, isto revela que nossa vida comum é fundamentada em nossas relações com outros seres humanos e com o que esperamos que ocorra (“é razoável crer que....”), e que, portanto, senso comum nada tem a ver com conhecimento.

Se nossa vida diária fosse pautada ou fundamentada pela verdade indubitável de cada afirmação, gesto ou ação, nós não seríamos como somos. Entretanto nosso senso comum nos auxilia na vida prática – mesmo que não seja indubitável – quando agimos uns para com os outros.

É isto que nos faz mais humanos, ainda que, na Teoria do Conhecimento, isto não seja relevante para a verdade dos conhecimentos.

Por outro lado, você pode ficar confuso (a), se pensar que agimos sem fundamentos verdadeiros, mas você estará correto (a), pois a função da ação não é a verdade, e sim a convivência entre humanos e não humanos. Se fôssemos pensar na verdade indubitável de cada ação prática, ficaríamos imóveis, sem ação.

Por tal razão, o argumento de Austin não funciona contra o cético, pois Austin aceita como verdadeiro justamente o que o cético está questionando. Além disto, surge uma questão interessante nesta argumentação:

Page 74: [5946]Teoria do Conhecimento I

74

Universidade do Sul de Santa Catarina

Qual o papel do nosso conhecimento comum?

Por exemplo: muitas vezes nossos parentes mais velhos não possuem conhecimentos que podem provar como verdadeiros ou como bem fundamentados, e, se pedirmos que fundamentem estes conhecimentos, eles apenas dirão que aprenderam assim. Muitos de nossos conhecimentos possuem este tipo de qualificação, isto é, são do senso comum. Mas tal fato não demonstra que o senso comum possui algum tipo de defeito quanto ao conhecimento, por assim dizer. O senso comum não é base para o conhecimento e também não é conhecimento, pois não é uma informação fundamentada na verdade de outras informações. Lembre que estamos falando aqui de indubitabilidade, logo, saber algo através dos jornais ou de nosso vizinho não é conhecimento indubitável.

Quantas afirmações não é mesmo? Para exercitar seu aprendizado, resolva estas questões para reflexão. Não esqueça de publicar os resultados na ferramenta exposição do eva.

a) Construa uma afirmação que transmita um conhecimento “razoável”, mas que pode ser falso, ou verdadeiro.

b) Responda à seguinte pergunta: Nosso senso comum é construído a partir de práticas “razoáveis”, ou, ao contrário, práticas razoáveis são as que fazem parte do dia-a-dia?

c) Por qual razão (ou quais), o conhecimento razoável é questionável?

Page 75: [5946]Teoria do Conhecimento I

75

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Seção 4 - George Moore e a questão do ceticismo

Vamos estudar agora o ponto de vista de outro filósofo que defende o senso comum como resposta aos problemas filosóficos: George Moore.

George e. Moore (1873-1958) foi, ao lado de Bertrand Russel (1872-1970), um dos principais responsáveis pela implantação de uma nova abordagem filosófica na Inglaterra. Antes dele, predominava, entre os ingleses, uma corrente idealista, que abafara a tradicional visão cética e empírica, oriunda de autores como Francis Bacon (1561-1626), David Hume e John Locke (1632-1706). Depois de 1903, no entanto, com a publicação de Principia ethica e do ensaio Refutação do Idealismo, Moore introduziu uma nova maneira realista de tratar os problemas filosóficos. A principal característica de seu pensamento era uma postura analítica de investigação, voltada para o exame do significado das expressões empregadas na linguagem corrente, em oposição aos enunciados filosóficos de difícil compreensão. em relação ao uso dado pelo senso comum à linguagem, Moore considerava seus significados verdadeiros, e todos poderiam percebê-los claramente. Quanto ao uso filosófico da linguagem, era preciso buscar uma interpretação que tornasse evidente a verdade ou falsidade de suas proposições.

Fonte: Disponível em: < http://www.geocities.com/discursus/textos/gmoore.html>.

Vamos chamá-lo apenas Moore, por questão de praticidade e de tradição, pois seu nome é citado assim nas discussões sobre o Ceticismo. George Moore viveu bem mais tempo e produziu várias obras não apenas de Teoria do Conhecimento, mas também de Ética (ele escreveu a obra Pricipia Etica) e ensaios sobre temas gerais da Filosofia.

Moore acredita que muitas questões da Filosofia são elaboradas sem que os filósofos que as formulam, considerem que os conhecimentos que já possuem, os quais exercem no dia-a-dia, eliminam a possibilidade de que elaborem suas dúvidas. Por exemplo: de que não estamos sonhando neste momento, ao lermos as páginas deste livro, que existe um mundo exterior

Figura 3.2 - George E. More.

Page 76: [5946]Teoria do Conhecimento I

76

Universidade do Sul de Santa Catarina

se considerarmos que nascemos, e, portanto, tivemos pais (na época de Moore, 1930, ainda não havia o “bebê de proveta”). Contudo é discutível se um bebê de proveta “não” possui pai ou mãe (mas isto é outro assunto), mas o fato de estarmos sentados nesta cadeira implica que o espaço por ela ocupado existe e deve ser contínuo com o espaço fora de nossa casa (se você mora num apartamento, imagine-se no térreo).

Moore seria o tipo de filósofo que responderia ao cético da seguinte forma: “Para você me dizer qual sua dúvida, é necessário que eu possa ouvir sua voz, logo, algo externo existe e posso prová-lo: você que fala comigo”.

Enfim, Moore enfrenta o cético de maneira diferente de John Austin: enquanto Austin aceitava as questões do cético e buscava responder-lhe, Moore tenta atacar o cético de maneira direta. Ou seja: para Moore, a questão “Existe um mundo exterior?”, ou então, “Como sei que não estou sonhando?” nem se pode formular. Poderíamos afirmar que, para Moore, as questões que podemos fazer em Filosofia e que fazem sentido são as que nos conduzem a algum conhecimento, e não as que solapam nosso conhecimento já adquirido. Fazer tais questões seria como cortar o galho em que se está sentado, para ter certeza de que todos os galhos da árvore foram cortados, ou, para usar outra imagem, desmontar um barco dentro de um rio para ter certeza de que nenhuma de suas tábuas possui defeito.

Bem, o primeiro passo de Moore, como já dissemos, é enfrentar o cético “de frente”, isto é, dizer que o ceticismo não faz sentido. Para isto, Moore (1980 ) retoma em seu ensaio Prova da

Existência de um Mundo uma afirmação que o filósofo alemão Immanuel Kant escreveu em sua obra Critica da Razão Pura:

“ainda permanece como um escândalo para a Filosofia [...]que a existência de coisas exteriores a nós [...] devam ser aceitas simplesmente como

artigos de fé, e que se alguém acha bom duvidar de Figura 3.3 - Immanuel Kant

Page 77: [5946]Teoria do Conhecimento I

77

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

sua existência somos incapazes de enfrentar suas dúvidas com qualquer prova satisfatória”.

A disposição de Moore é fornecer a prova satisfatória pedida por Immanuel Kant. Para iniciar sua prova, Moore faz uma primeira distinção entre “coisas exteriores a nós” e “coisas interiores a nós”. Aquilo que é “interior” ao ser humano depende do ser humano e de sua percepção para existir.

Assim, por exemplo, quando você põe toda sua atenção em determinada cor (a cor laranja, por exemplo) e depois volta seu olhar para uma parede branca, você irá ver uma cor diferente, uma espécie de objeto de cor esverdeada.

Tal cor, entretanto, apenas existe “na sua visão” ou no seu campo de visão, e não é um objeto exterior a você: ele depende de sua visão para existir.

Pois bem, Moore não que falar deste tipo de objeto – aos quais ele dá o nome de pós-imagem–, e sim daqueles objetos que não dependem de nossa visão. Estes objetos seriam existentes por si mesmos, independeriam de nós.

Para que você compreenda a estratégia de Moore, veja que ele faz uma distinção que o cético ainda não havia feito. O cético apenas diz que “não podemos conhecer objetos exteriores a nós”, contudo Moore está sugerindo que uma “pós-imagem” é um objeto exterior a nós, apesar de depender de nossa visão. Com isto, acusa o cético de não ser claro quanto ao que afirma ser impossível conhecer (é como se perguntasse: afinal, o que é um objeto exterior a nós, Sr. Cético?). Por outro lado, Moore quer dizer ao cético que ele vai lhe apontar objetos que não dependem de nós, isto é, objetos que quer esteja você olhando, ou não, continuam a existir.

Moore apresenta, então, sua prova: ergue uma mão e diz: “Eis aqui uma mão”, ergue a outra mão e diz “Eis aqui outra mão”! Uma prova estranha, você não acha? Mas, por mais estranha que pareça, Moore está apresentando dois objetos exteriores a nós,

Page 78: [5946]Teoria do Conhecimento I

78

Universidade do Sul de Santa Catarina

que independem de nossa visão, que podem ser tocados (você pode apertar ou beliscar a mão de Moore).

Moore afirma ainda que sua prova é adequada a qualquer prova cientificamente aceita, isto é, é uma prova lógica. Se você lembrar o que falamos na primeira unidade sobre argumentos e proposições que fazem parte de argumentos, verá que a prova de Moore é apresentada de acordo com aqueles princípios: as premissas de Moore não são iguais à sua conclusão. As premissas são “eis aqui uma mão” e “eis aqui outra mão” e a conclusão será, “logo, existem duas mãos”.

Bem, Moore alega que nós conhecemos a verdade das premissas e que de premissas verdadeiras não se pode inferir uma conclusão falsa (a não ser que estejamos raciocinando de forma errada). Ora, você já deve estar acostumado (a) com o questionamento cético suficientemente, para saber que as premissas de Moore, as quais ele diz que são verdadeiras, não são aceitas pelo cético.

Por sinal, é justamente isto que o cético questiona: existem objetos exteriores a nós, para que possamos conhecê-los?

Assim, sem perceber, Moore “cai” na armadilha do cético! Quando levanta uma mão e diz “Eis aqui uma mão”, ele está apontando para o cético um objeto externo que depende de nossos cinco sentidos para existir, lembra? Seria o mesmo caso de você dizer ao cético: “Eis aqui uma cadeira” e “Eis aqui outra cadeira”, logo “Existem duas cadeiras”, e com isto pretender provar que existem objetos externos a nós. Se o cético aceitasse estas premissas e as de Moore, ele deixaria de ser um cético! Contudo o cético afirma: “Não sabemos se existem objetos exteriores a nós”.

Veja que a questão do cético não diz respeito a conhecer determinados objetos, e sim a como provar que estes objetos existem. Logo, de nada adianta lhe mostrar mãos, cadeiras e outros objetos quaisquer. É a exigência particular (a justificação do conhecimento) do cético que faz com que estes objetos não sirvam como prova.

Page 79: [5946]Teoria do Conhecimento I

79

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Para aprimorar a compreensão destes conteúdos, responda às seguintes questões reflexivas:

a) Por qual razão o cético poderia aceitar as provas de Moore e continuar sendo um cético?

b) O que você entende por “prova” da verdade de um conhecimento?

c) Todos os conhecimentos que você possui ou nos quais crê que são verdadeiros podem ser “provados”? Justifique sua resposta.

Page 80: [5946]Teoria do Conhecimento I

80

Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 5 - Avaliação filosófica da resposta do senso comum

Bem, você já percebeu que a resposta de Moore não é adequada, não é? Pois bem, se as duas mãos de Moore não são prova, então o que há de errado em nossa vida cotidiana que o cético põe em questão? Vamos relembrar algumas coisas: o cético não acredita ou duvida que possamos conhecer objetos exteriores a nós;

os objetos exteriores a nós são aquelas coisas que você �

percebe através de seus cinco sentidos;

Moore apresenta como prova objetos do senso comum, �

isto é, que todos conhecemos;

a prova de Moore não é suficiente, ou seja, ele não �

respondeu à pergunta ou dúvida do cético.

Ora, mas Moore apresenta um conhecimento cotidiano. Afinal, todos os dias usamos nossas mãos para elaborar e levar a cabo várias tarefas. Neste momento, estou usando minhas mãos para escrever este texto no computador.

Como, então, isto não serve de prova de que existem objetos exteriores a nós?

Bem, um argumento que alguns filósofos formularam tenta fazer-nos compreender que a resposta de Moore ao cético deve ser compreendida de maneira diferente. Eles concordam que Moore faz uma afirmação direta contra o cético e lhe fornece uma resposta adequada. Contudo Moore esquece, ou não considerou

Page 81: [5946]Teoria do Conhecimento I

81

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

com o devido cuidado, que a pergunta do cético é uma questão “externa” ao conhecimento, e que sua resposta é “interna”.

Vamos nos entender quanto a esta distinção: quando os filósofos dizem que a pergunta do cético é “externa” ao conhecimento, isto significa que o cético não está duvidando da existência ou do conhecimento de coisas tais como mãos e cadeiras. Seria muita ingenuidade do cético assumir tal ponto de vista. Ao mesmo tempo, a resposta de Moore é “interna”, pois fornece como argumentos determinados conteúdos e informações que “já” fazem parte do conhecimento. Ou seja: o cético afirma: “Não existem objetos exteriores a nós”, e Moore lhe apresenta uma maçã, por exemplo.

Ora, mas a maçã é uma informação interna ao conhecimento como um todo, ou seja, o questionamento do cético diz respeito à existência ou possibilidade do conhecimento de “qualquer objeto externo a nós”. Sendo assim, apresentar ao cético uma maçã e dizer: “Eis um objeto do mundo exterior” não produz efeito algum.

Vejamos um exemplo mais concreto.

Imagine que você tem um amigo que se diz cético (ele não crê que possamos conhecer objetos do mundo exterior): ele afirma que o movimento não existe, mas sim corpos que se movem. Bem, este seu amigo pode ser um sujeito um tanto estranho, mas o que ele afirma faz sentido! ele pode argumentar da seguinte forma: quando você vê um automóvel em movimento o que você vê? O movimento, ou o automóvel “em” movimento? É óbvio que você vê um automóvel em movimento. Da mesma forma, quando você joga uma bola de futebol no chão e ela continua quicando: o que você vê? Uma bola em movimento, ou o movimento? Por certo que você vê a bola se movendo, mas o movimento parece ser algo que “está” na ação total da bola ou do automóvel. Isto é: tenho de entender o que é movimento, para só então afirmar que algo está se movendo, não é mesmo?

Page 82: [5946]Teoria do Conhecimento I

82

Universidade do Sul de Santa Catarina

Pois é, seu amigo pode ser estranho, mas é um filósofo, melhor ainda, ele tem uma questão filosófica. Como ocorre com toda questão filosófica, sua resposta deve ser um argumento, e não uma experiência (lembra-se de termos falado nisto na primeira unidade?) do tipo “eis aqui uma mão” e “eis aqui outra mão”.

Acho que você compreendeu o engano de Moore.

Ele não atentou para o fato de que o cético não estava questionando a existência de suas mãos! E sim, questionando todo e qualquer conhecimento de objetos exteriores a nós. O filósofo Ludwig Wittgenstein, ao comentar esta tentativa de Moore de provar a existência de objetos exteriores, disse o seguinte: “Se o cético discordar de Moore, ele é um louco, e não um cético”. Ou seja: Wittgenstein chamou a atenção – ainda que sem dizer explicitamente – para o seguinte: a questão do cético é interna ao conhecimento. Portanto quem duvida que existam objetos externos, também duvida que se possa provar a existência de mãos, pés, etc.

Ora, as mãos de Moore são certamente objetos exteriores, logo elas fazem parte daquilo que o cético está questionando. Vamos tomar um exemplo mais comum: suponhamos que um grande teórico da administração visite a empresa em que você trabalha. Após algumas apresentações e visitações, ele diz o seguinte: “Muito bonita sua empresa, mas você não tem uma teoria da administração sendo aplicada aqui”.

Ora, você ficará intrigado (a) e poderá mostrar-lhe novamente todos os processos da empresa, desde o setor pessoal até a expedição das mercadorias. Contudo isto não é uma teoria da administração é?

Certamente que não, estas são as partes que compõem sua empresa, e não uma teoria do funcionamento destas partes.

Page 83: [5946]Teoria do Conhecimento I

83

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Aquilo que o grande teórico da administração está lhe cobrando ou afirmando que não existe em sua empresa é diferente do “setor pessoal” ou da “expedição”. O grande teórico da administração está pedindo que você prove qual teoria da administração faz a ligação entre as partes da sua empresa. Logo, apresentar seção por seção não é uma resposta adequada.

O mesmo ocorre com Moore: no exemplo acima, você seria Moore e o teórico da administração seria o cético. Ora, ele está lhe exigindo outro tipo de resposta, e não que você lhe apresente partes da empresa. Neste exemplo, sua resposta teria de ser a seguinte: levá-lo até sua sala na diretoria e mostrar-lhe seus planos administrativos, os quais demonstravam quais as relações entre as partes da empresa e de que maneira uma se liga a outra.

Esta deveria ser a resposta de Moore ou, pelo menos, algo parecido com isto. Moore deveria apresentar ao cético um tipo de conhecimento que o levasse a crer na existência de suas mãos, e não, simplesmente, mostrar suas mãos, pois isto o cético não está questionando (ele até apertaria a mão de Moore para cumprimentá-lo!). Bem, se formos fazer um resumo do que ocorreu com a resposta de Moore, teríamos duas observações:

(1) quando lidamos com dúvidas e questões filosóficas, as nossas experiências não servem de resposta, pois são questões argumentativas, e não questões experienciais;

(2) nossas práticas diárias funcionam com base em sua utilidade, e não em sua verdade. Assim, alegar contra o cético, fatos do senso comum é dar um “sobrepasso”, por assim dizer, você pula a prova da verdade de que determinada coisa existe e apresenta o objeto diretamente.

O engano de Moore é acreditar que o questionamento cético pode ser enfrentado diretamente, isto é, pensar que, quando alguém duvida da existência de um objeto determinado e nós lhe mostramos este objeto, então a pessoa deverá aceitar que o objeto existe, obviamente. Mas o caso do questionamento cético não está no mesmo nível: ele não está colocando em dúvida o nosso conhecimento de um determinado objeto exterior, mas sim de toda uma categoria de objetos, por assim dizer.

Com a expressão “categoria de objetos”, estou querendo dizer-lhe que todos aqueles objetos que você tem de provar que existem, apelando para seus sentidos, fazem parte da categoria “objetos exteriores”.

Page 84: [5946]Teoria do Conhecimento I

84

Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético não afirma que não podemos provar uma classe de objetos que pertence à categoria de objetos exteriores. Por exemplo: vamos tomar um objeto como uma cadeira. Este objeto é conhecido através de nossos sentidos, temos de ver a cadeira, tocar na mesma, ou até uma foto poderia ser uma prova válida. Assim, uma cadeira é um objeto de uma classe dentre outras que pertencem a uma categoria, qual seja, classe dos objetos exteriores.

Ora, o cético está alegando que não podemos provar que a categoria “objetos exteriores” contém algum membro. Então, o que faz Moore? Mostra ao cético um membro da classe que o cético afirma não conhecermos. Ou seja: a resposta de Moore, por mais que ele a retire com base no senso comum, não é suficiente.

O interessante na resposta de Moore é que nossa vida diária baseia-se em determinados conhecimentos e práticas que estamos acostumados a cumprir e a afirmar, sem necessitar de justificativa dos mesmos. Contudo, quando estes conhecimentos e práticas são “jogados” como conhecimento ou base para justificativa de conhecimento, não funcionam.

Bem, já vimos que as práticas diárias e os conhecimentos necessários para desempenharmos bem nossas tarefas do dia-a-dia, são elaborados com vista apenas a estas práticas. Nosso dia-a-dia não é baseado em distinções filosóficas, e sim em necessidades de outra ordem.

Portanto a lição que podemos retirar da tentativa de Moore é que nossa investigação das bases do conhecimento constitui uma questão filosófica, e não uma questão do cotididano. Quando uma pessoa se surpreende com uma questão filosófica e afirma “Loucura!”, ela está justificada. Isto não quer dizer que as questões filosóficas sejam ”loucura”, e sim que o senso comum não é base para o entendimento de questões filosóficas, nem de respostas filosóficas. O senso comum serve para as nossas transações do dia-a-dia.

Page 85: [5946]Teoria do Conhecimento I

85

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

Síntese

O que estudamos nesta unidade foi o argumento de que a questão elaborada pelo cético, isto é, que não podemos conhecer nada do mundo exterior a nós, poderia ser respondida através de alegações do senso comum. O senso comum aqui significa nossa atitude para com os objetos e pessoas que nos cercam. Exemplos destes objetos são cadeiras, maçãs, bicicletas e outros objetos como estes.

Este argumento foi desenvolvido, em duas frentes distintas, por dois filósofos ingleses: John Austin, que apelava para nosso conhecimento necessário para o uso da linguagem, e George Moore, que argumentava existir uma total evidência de objetos exteriores a nós através de nosso conhecimento da vida comum. Ao analisarmos estes dois argumentos, percebemos que Austin confunde “razoável” com “verdadeiro” e que Moore apresenta como prova de objetos exteriores informações que são “internas” ao conhecimento, isto é, que afirmam a existência de objetos do mundo (exatamente o que o cético questiona).

Entretanto Moore não se dá conta de que a questão do cético diz respeito ao âmbito “externo” do conhecimento, isto é, como podemos saber que coisas existem. O senso comum, então, não fornece uma resposta adequada. Concluímos que não é função do senso comum responder a questões filosóficas, tal como é a questão elaborada pelo cético. O senso comum serve apenas como pano de fundo de nossa vida prática. Em suma, o senso comum não contém nenhuma questão filosófica, tampouco fornece uma resposta filosófica.

Atividades de autoavaliação

Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro didático. Contudo se esforce para resolver as atividades sem

Page 86: [5946]Teoria do Conhecimento I

86

Universidade do Sul de Santa Catarina

a ajuda do gabarito, pois, assim, você estará estimulando sua autorreflexão.

1) Quando você pensa em tudo que conhece, quais conhecimentos seriam “internos” e quais seriam “externos”? Explique por quê.

2) Posicione-se quanto à seguinte afirmação: Moore era ingênuo, pretensioso, ou não entendeu o ceticismo filosófico? Justifique sua posição.

Page 87: [5946]Teoria do Conhecimento I

87

Teoria do Conhecimento I

Unidade 3

3) Explique por qual razão é difícil responder ao cético filosófico? Que tipo de resposta ele aceitaria?

Saiba mais

Caso você queira aprofundar seu conhecimento sobre a argumentação de John Austin e de George Moore, você pode consultar os seguintes ensaios destes filósofos:

AUSTIN, John L. � Outras mentes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Col. Os Pensadores, no volume que traz por título Ryle, Austin, Strawson, Quine. O Prof. Austin inicia este texto discutindo o ponto de vista de um colega seu, o professor John Wisdom. Infelizmente não foi colocado na tradução brasileira o texto de Wisdom, portanto você terá alguma dificuldade de compreensão no início do texto. Nele, Austin fala muito no nome de Wisdom.

MOORE, George. � Prova da existência de um mundo exterior. São Paulo: Abril Cultural, 1980, Col. Os Pensadores. Neste texto, Moore apresenta suas provas

Page 88: [5946]Teoria do Conhecimento I

contra o ceticismo - “eis aqui uma mão”, “eis aqui outra mão”. Você deve ter certa paciência com a leitura, pois Moore é um argumentador refinadíssimo: ele apresenta uma afirmação e depois passa a esmiuçá-la.

MOORE, George. � Uma defesa do senso comum. São Paulo, Abril Cultural, 1980, Col. Os Pensadores. É neste texto que Moore defende o senso comum, ao constituir uma resposta aos problemas da Filosofia. Moore escreve muito bem, mas usa de uma linguagem culta (que foi bem adaptada pelo tradutor brasileiro), portanto prepare-se para alguma dificuldade de leitura. Mas vale o esforço!

Page 89: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 4

O idealismo como resposta

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Aprender o pensamento de Immanuel Kant sobre o conhecimento.

� Distinguir os conceitos de a priori e a posteriori e sua função na argumentação de Kant.

� Identificar no ponto de vista de Kant uma mistura de Realismo e Idealismo.

� Dimensionar a possibilidade de Kant fornecer resposta definitiva ao ceticismo.

Seções de estudo

Seção 1 Kant e as ideias sobre o conhecimento

Seção 2 O argumento kantiano

Seção 3 Kant contra o cético

Seção 4 As noções de a priori e a posteriori

Seção 5 O cético e as noções de a priori e a posteriori

Seção 6 Retomando o argumento de Kant

Seção 7 O círculo vicioso de Kant

4

Page 90: [5946]Teoria do Conhecimento I

90

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

Vamos estudar o pensamento de Immannuel Kant sobre o conhecimento. Contudo você deve estar ciente de que esta é apenas uma parte da sua proposta filosófica. O objetivo da filosofia de Kant, considerado como um todo, era demonstrar que nosso entendimento possui regras que lhe são próprias e que tais regras não são comparáveis às regras da experiência ou da Matemática ou da Lógica.

Ele pretendia, com isto, permitir que a ciência tivesse progresso e não permanecesse numa discussão apenas conceitual. De todas as obras publicadas por Kant, nos ocuparemos apenas de sua Crítica da Razão Pura.

Você não deve esperar que Kant lhe forneça uma resposta fácil, antes ele quer convencê-lo (a) de que não há outra resposta melhor do que a fornecida por ele. Apesar disto, o pensamento de Kant foi amplamente aceito na Europa e nas academias de Filosofia em toda a Europa, a ponto de revolucionar a filosofia de seu tempo. Sua influência foi sentida tanto na Filosofia quanto na Teologia – pois Kant era de origem luterana.

Kant teve influência inclusive no Brasil, agora sobre um grupo de pensadores da cidade de Recife em Pernambuco. Tratava-se de filósofos estudiosos do Direito, dentre os quais o mais importante é Tobias Barreto. estes pensadores fundaram uma escola kantiana em Recife, no século XIX. O fato, contudo, é pouco estudado na academia brasileira, pois suas influências maiores não recaíram tanto na Filosofia, e sim, na área do Direito.

Por fim, entre todos os idealistas, Kant é o mais coerente, isto por que ele aceitava que pensamos não por experiências, e sim por conceitos – este é o seu Idealismo, os conceitos são mais importantes que as experiências – contudo Kant acreditava serem vazios os conceitos que não dizem respeito a nenhum conteúdo da realidade, isto é da experiência.

Obviamente, como mais adiante você verá, experiência para Kant não é um conceito comum. Assim, é famosa a sua expressão “Conceitos sem percepções (experiências) são vazios e

Quando você for pesquisar esta obra, é necessário saber que a primeira versão publicada por Kant é sempre citada com o número da página antecedido por um A. Para a segunda edição, os estudiosos da obra de Kant citam o número da página antecedido por um B. Devido às diversas correções feitas por Kant para a segunda edição, normalmente trabalhamos com a segunda edição, a edição B. É esta a edição que foi publicada na coleção Os Pensadores. Outras editoras publicam a edição A. Como nosso objetivo é discutir apenas as ideias de Kant sobre o conhecimento, ficaremos restritos a determinadas partes de sua Crítica da Razão Pura e mais ligados à edição B.

Page 91: [5946]Teoria do Conhecimento I

91

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

experiências (percepções) sem conceitos são cegas. Desta forma, o Idealismo de Kant não é um Idealismo comum, por assim dizer, mas um Idealismo refinadamente elaborado.

Agora, chega de introdução e vamos conhecer um filósofo fantástico e genial.

Seção 1 - Kant e as ideias sobre o conhecimento

O ponto de vista filosófico de Immanuel Kant sobre o conhecimento é denominado por ele mesmo como Idealismo Transcendental.

Idealismo, pois trata a realidade ou mundo como sendo uma elaboração de nosso próprio entendimento, e Transcendental, pois investiga as próprias condições com as quais o entendimento conhece ou elabora a realidade.

Desta forma, Kant está mais preocupado com a maneira pela qual nosso entendimento “trabalha” para elaborar conhecimentos do que com o próprio conhecer.

Bem, apesar de não ser fundamental para compreender o pensamento de Kant, que tal conhecer alguns dados de sua biografia?

Figura 4.1 - Immanuel Kant. Fonte: <http://www.lclark.edu/~philclub/photos/kant.gif>.

Page 92: [5946]Teoria do Conhecimento I

92

Universidade do Sul de Santa Catarina

Kant nasceu na cidade de Königsber, na antiga Prússia, no ano de 1724 e faleceu nesta mesma cidade, em 1804. Ele nunca saiu de sua cidade. Existem várias histórias ou estórias (lendas) sobre as manias de Kant. Por exemplo, ele saía para caminhar sempre no mesmo horário e era tão rotineiro que as pessoas acertavam seus relógios pela hora em que ele saía de casa. Kant não gostava de reuniões e festas, mas, quando ia visitar uma pessoa, solicitava a receita de um prato especial que lhe havia sido servido e do qual gostava. Ele colecionava receitas de culinária. Gostava de almoçar acompanhado sempre de alguém, um amigo ou colega de universidade, mas, se nenhum destes aparecia, ele mandava seu empregado convidar algum passante para o almoço. Podemos dizer que Kant possuía uma personalidade sui generis, isto é, diferente dos demais indivíduos de sua época.

Figura 4.2 - Imagem de Koenigsberg. Fonte: Disponível em <http://www.firstworldwar.com/photos/graphics/nw_koenigsberg_01.jpg>.

Para saber mais sobre a vida de Kant e algumas características de sua personalidade, você pode recorrer aos seguintes livros:

História da Filosofia � , de Will Durant - trata-se de uma obra clássica de História da Filosofia, mas muito superficial. Durant se dedica mais à biografia e aspectos pitorescos da vida de cada um. É uma obra de fácil leitura apesar da quantidade significativa de páginas.

Georges Pascal � , em sua obra O Pensamento de Kant, traduzida pela editora Vozes, apresenta na parte I alguns detalhes da biografia de Kant.

Page 93: [5946]Teoria do Conhecimento I

93

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

Contudo ele se destacou na Filosofia após uma série de publicações e textos que escreveu para concursos elaborados pela academia de Artes e Ciências da Prússia. Estes textos não são os mais importantes de sua carreira, apesar de nos ajudarem a conhecer um pouco mais de seu pensamento. Sua grande obra são as “três críticas”: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica do Juízo.

Elas foram publicadas apenas quando Kant já contava com seus cinquenta anos. Tais obras foram tão importantes na Filosofia que renderam a Kant um emprego de professor comissionado, isto é, pago pela universidade. Ele é o primeiro professor pago para lecionar, o que, depois, se tornou uma constante nas universidades de todo o mundo.

O trabalho de Kant foi tão importante para a Filosofia e para a universidade de Königsberg que, até hoje, seu gabinete é preservado tal como o deixou antes de falecer.

A grande influência do pensamento de Kant foi do filósofo inglês David Hume, do qual discordava frontalmente. Entretanto Hume era um filósofo cético e empirista, ou seja, para ele todo conhecimento é proveniente de nossas experiências. Ele chamou a atenção de Kant sobre o erro do Idealismo comum: não considerar que temos experiências com os objetos do mundo. A influência de Hume (a qual Kant denomina “meu acordar do sonho dogmático”) reside no argumento de Kant de que as experiências são possíveis por termos já em nosso entendimento algumas estruturas que favorecem este experienciar o mundo.

Figura 4.3 - Imagem de David Hume. Fonte: Disponível em<http://www.christers.net/philosophy/david-hume.jpg>.

Page 94: [5946]Teoria do Conhecimento I

94

Universidade do Sul de Santa Catarina

Ou seja, para Kant deveriam existir conceitos não provenientes da experiência, e sim do próprio conhecimento. Ora, tendo ele esta concepção, por certo que acreditava ser o ceticismo um escândalo da Filosofia (logo veremos por qual razão). Já falamos de Kant na unidade anterior, quando estudamos os argumentos de George Moore e sua tentativa de responder ao que Kant considerava o “escândalo da Filosofia”.

Nesta unidade, vamos estudar as etapas do pensamento kantiano sobre o conhecimento. Apenas para encerrar esta apresentação, é interessante você saber o objetivo das três críticas de Kant:

Crítica da Razão Pura � objetiva estudar a forma como nosso entendimento elabora o conhecimento, o que pode, ou não, ser conhecido entre outros temas (limites da razão, prova da existência de Deus, por exemplo);

Crítica da Razão Prática � estuda nossas ações e sua estrutura;

Crítica do Juízo � estuda a forma como nosso entendimento elabora juízos;

outras obras de Kant são � Crítica do Juízo Estético, Paz Perpétua (ética).

Seção 2 - O argumento kantiano

Vamos iniciar relembrando o desafio do cético cartesiano da unidade anterior: “não podemos conhecer nada do mundo exterior a nós”, pois não temos como provar que o que percebemos é verdadeiro, ou não, considerando que toda nossa fonte de conhecimento são nossos sentidos, nossa percepção do mundo. Tal ponto de vista é, para Kant, um engano, pois supõe que os objetos do mundo exterior são conhecidos por nós através de inferências ), isto é, através de mediações. No caso do cético, a mediação seriam as percepções ou os sentidos.

Kant afirmará que, se nosso conhecimento for concebido através de inferências, então jamais poderemos conhecer qualquer coisa do mundo exterior. Segundo Kant, não fazemos inferências para

Inferência: consequência, dedução, ilação.

Page 95: [5946]Teoria do Conhecimento I

95

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

conhecer, e sim conhecemos e, só após, fazemos inferências. Sendo assim, devemos admitir que Kant possui um método especial e diferente para estudar o conhecimento.

Lembrando a estória de Harry no início deste livro texto, Kant está afirmando ou defendendo o ponto de vista de que Harry teria como saber, por si mesmo, que não é um cérebro numa cuba. Harry não teria de recorrer a ninguém mais a não ser à sua própria mente.

Faça uma pausa na leitura e realize as seguintes atividades de reflexão e exponha suas conclusões no Fórum do eVA. Assim outros colegas poderão argumentar com você.

a) Você concorda que Harry teria apenas que recorrer à sua própria mente ou entendimento para saber que não é um cérebro numa cuba? explique em que aspecto a argumentação de Kant ajuda nesta questão.

b) Como você se posiciona filosoficamente quanto ao que Kant afirma sobre as inferências que fazemos para conhecer? Responda se apenas fazemos inferências depois de já conhecermos, ou se fazemos inferências a partir de nossas percepções para, só depois, conhecer.

Bem, vamos ver como Kant argumenta sobre isto. De início, podemos admitir que Kant concorda com Moore nas suas provas: temos experiências com objetos exteriores a nós, e não é possível negar isto (a prova de Moore é mostrar suas duas mãos, lembra?).

O que necessitamos é encontrar um meio de enfrentar o cético frente a frente, isto é, mostrar-lhe que suas dúvidas são incoerentes.

Page 96: [5946]Teoria do Conhecimento I

96

Universidade do Sul de Santa Catarina

Ora, mostrar que o cético é incoerente equivale a afirmar que o Realismo é correto, isto é, mostrar que, quando conhecemos um objeto qualquer, o conhecemos de maneira direta, e não através de nossos sentidos. Conhecemos o objeto tal como ele é.

Assim, o problema do cético ou de quem não crê que possamos conhecer objetos de maneira direta consiste em crer que conhecemos de forma “indireta”, ou seja, através de inferências retiradas de nossas percepções.

Seria como dizer que nosso amigo Harry da estória acredita mais nas pessoas que estão à sua volta do que naquilo que sua própria mente crê ou pode crer. Harry necessitava de uma autoridade “exterior” a ele a qual lhe permitiria fazer uma inferência para concluir se é, ou não, um cérebro numa cuba. Lembra que ele chega ao cúmulo de pensar em voltar à clínica para que lá comprovem se ele é, ou não, um cérebro numa cuba?

Pois é, Kant perguntaria a Harry: Mas como você pode duvidar se está, ou não, com seu cérebro numa cuba? Você deve ter algum conhecimento direto de que não está numa cuba? Como você poderia diferenciar ‘estar com o cérebro numa cuba’ de ‘não estar com o cérebro numa cuba’?

Ora, Harry solicitaria a Kant uma resposta urgente, dado o estado de desespero em que o vemos na estória.

Ficou intrigado (a) com as ideias de Kant? Se quiser saber mais sobre aspectos deste argumento de Kant, existem várias obras acessíveis e de fácil leitura:

DELEUZE, Gilles. � A Filosofia crítica de Kant. Lisboa: Edições 70, 1987. Apesar de ser uma edição de Portugal, ela é facilmente encontrada no Brasil. Deleuze expõe nos primeiros capítulos os pontos fundamentais do argumento de Kant.

GRAYEFF, Felix. � Exposição e interpretação da filosofia teórica de Kant. Lisboa: Edições 70, 1987. A obra foi publicada em Portugal, mas é facilmente encontrada no Brasil. Grayeff tenta introduzir o leitor no

Page 97: [5946]Teoria do Conhecimento I

97

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

emaranhado de conceitos da filosofia de Kant, de forma sistemática. É um texto original, mas que apresenta certa dificuldade de leitura para o leitor menos treinado, isto é, para quem procura textos fáceis.

KANT, Immanuel. � Prolegômenos a toda metafísica futura. Lisboa: Edições 70. 2008. Nesta obra, Kant argumenta contra aqueles que acreditam estar sua filosofia errada e que apenas uma nova metafísica poderia ser correta. A obra foi publicada em Portugal, mas é facilmente encontrada no Brasil. Nela, apesar de Kant não falar especificamente sobre conhecimento, você encontrará muitos dos conceitos que discutimos nesta seção/unidade.

Seção 3 - Kant contra o cético

A resposta de Kant é um tanto complexa, mas não é difícil de entender. O primeiro passo é saber que Kant acredita que nossa percepção nos dá (estas são as palavras dele) objetos; o segundo passo do argumento de Kant é afirmar que tais objetos são recebidos pela percepção humana; o terceiro passo do argumento de Kant consiste em afirmar que apenas conhecemos aquilo ou objetos que nos são dados pela percepção.

Ora, argumentará Kant, boa parte da dúvida do cético já foi destruída. O terceiro passo do argumento de Kant é o golpe final no ceticismo: é o argumento de que aquilo que nossa percepção nos dá, são múltiplos de informações, as quais são colocadas em ordem pelo nosso entendimento. Ou seja, para Kant sempre conhecemos objetos de forma direta (tal como desejava provar Moore, mostrando suas mãos), pois aquilo que nossa percepção nos dá não é um objeto, mas uma variada quantidade de informações desconexas, impressões de cores, impressões visuais e tácteis, as quais nosso entendimento “construirá” como sendo um objeto.

Page 98: [5946]Teoria do Conhecimento I

98

Universidade do Sul de Santa Catarina

É por defender este tipo de argumento que se denomina Kant “idealista”, isto é, aquele tipo de filósofo o qual defende o argumento de que a realidade, os objetos, as coisas são construções da mente humana (no caso de Kant, diríamos, do entendimento humano). entretanto não devemos acreditar que Kant afirma não existir a realidade. Pelo contrário, Kant argumenta que a realidade, por ser uma criação de nosso entendimento, deve existir. Sendo assim, as provas que o cético exige não fazem sentido segundo o ponto de vista Idealista, como o de Kant. Mais acima já vimos isto.

Então, você pode afirmar que Kant defende o conhecimento direto de objetos. Mas, ao mesmo tempo, não pode dizer que estes objetos são encontrados como os conhecemos na realidade, pois é o nosso entendimento que os constrói. Isto significa que, para o Idealismo kantiano, a realidade do mundo externo é uma condição para que possamos ter conhecimento. Em uma passagem famosa da Crítica da Razão Pura, Kant afirma: “Conceitos sem percepções são vazios; percepções sem conceitos são cegas”.

Analisando o que Kant está dizendo, você poderá perceber que, segundo ele, os conceitos necessitam de percepções organizadas pelos nossos sentidos, pois, só assim, os conceitos terão uma referência ou significado.

Por outro lado, as percepções são conjuntos de imagens, sensações, impressões sensoriais desordenadas. Kant as chama de “múltiplo da percepção”. Se elas são um múltiplo desordenado, então necessitam ser organizadas, para que obtenhamos conhecimento. Esta organização é realizada pelo entendimento através das regras lógicas e da atribuição de conceitos. Portanto, sem os conceitos, as percepções não nos levam ao conhecimento: são cegas.

Kant combina dois tipos de pontos de vista filosóficos, quais sejam: ao afirmar que “conhecemos objetos de maneira direta”, ele é um realista, isto é, os objetos existem na realidade. Contudo, ao argumentar que nossa percepção nos dá um múltiplo desorganizado de informações e que tais informações são organizadas pelo entendimento, a fim de “construir” um objeto da realidade, então ele é um idealista.

Page 99: [5946]Teoria do Conhecimento I

99

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

Ora, se o objeto é construído pelo entendimento segundo regras próprias deste, então não há como duvidar da existência dos objetos. Aqui, neste aspecto, Kant propõe uma espécie de Realismo. Creio que fica fácil compreender a argumentação de Kant, não é? Vamos tomar um exemplo para testar sua compreensão.

Imagine que você segure uma flor vermelha em sua mão. esta flor terá para você perfume, cor, tamanho, espinhos, peso, entre outras coisas. Bem, o cético perguntaria a você: “Como você sabe que tem uma flor em mãos, e não um outro objeto qualquer?” Se você é um filósofo kantiano, responderá ao cético: “Pois é assim que meu entendimento constrói este objeto!” Outra resposta possível seria afirmar que o múltiplo de informações que sua percepção recebe (todas aquelas características da flor) é organizado de maneira que você perceba diretamente uma flor. este tipo de resposta foi denominado Idealismo Transcendental, isto é, que ultrapassa a percepção e o entendimento, mas busca compreender as regras pelas quais o entendimento forma os objetos, a realidade.

Para saber mais sobre a aplicação do conceito transcendental em Kant, você pode consultar os seguintes trechos dos livros já sugeridos na seção 2:

Leia a introdução (páginas 11 até 18) da obra de Felix �

Grayeff e o seu comentário inicial à obra de Kant (páginas 23 até 29);

Gilles Deleuze, na sua introdução, apresenta mais �

detalhamentos sobre o método transcendental de Kant, especialmente na introdução de sua obra citada mais acima;

Kant em seus � Prolegômenos faz uma detalhada explicação (páginas 109 a 116) do que ele define por transcendental.

Page 100: [5946]Teoria do Conhecimento I

100

Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 4 - As noções de a priori e a posteriori

Além deste argumento de Kant, há outra distinção feita por ele que pode ajudar na compreensão de seu ponto de vista contra o cético. Ele distinguia dois tipos de conhecimentos: conhecimentos a priori e conhecimentos a posteriori. Um conhecimento a priori não depende da experiência para ser verdadeiro.

Por exemplo, quando você pensa no que significa ter um corpo, imediatamente pode afirmar que, na concepção (isto é, na própria ideia) de corpo está a extensão deste corpo, isto é, seu comprimento. O fato de que ter um corpo implica ter comprimento não constitui um conhecimento que você retirou da realidade, e sim da própria noção de corpo (do próprio conceito, podemos dizer). Seria um tanto estranho imaginar um corpo sem comprimento.

Outra noção a priori é a da lógica: as implicações lógicas não são provadas pela experiência, e sim pela própria concepção de implicação lógica. A experiência em nada ajuda aqui. Podemos afirmar que a priori também significa analítico, isto é, conhecimentos que exigem apenas a razão, e não a experiência. Funciona como na Matemática: os exercícios matemáticos obedecem a certas regras de solução, porém estas regras não são obtidas pela experiência. Por outro lado, conhecimentos a posteriori são aqueles que você apenas pode provar através da experiência.

Assim, quando você diz que um corpo tem comprimento, faz uma afirmação baseada em conhecimento a priori, mas se você diz que este corpo possui 2 metros de conhecimento, então você fez uma afirmação que apenas será verdadeira através da experiência. Ou seja, que o comprimento do corpo é de 2 metros apenas será uma afirmação verdadeira, se nós medirmos o corpo e comprovarmos que ele tem 2 metros.

Para Kant, todas as regras do entendimento humano são provadas a priori, isto é, elas não são verdadeiras por terem sido provadas pela experiência, e sim por que são regras analíticas, regras lógicas. Assim, quando Kant afirma que o entendimento

Page 101: [5946]Teoria do Conhecimento I

101

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

possui uma lógica para a construção dos objetos da realidade, as regras de construção devem ser aceitas como verdades analíticas, e não como verdades a posteriori, provadas pela razão.

Para exercitar estes conhecimentos, responda aos seguintes itens:

a) elabore dois exemplos de afirmações a priori.

b) elabore dois exemplos de afirmações a posteriori.

Seção 5 - O cético e as noções de a priori e a posterioriEsta distinção feita por Kant entre dois tipos de conhecimento não permite que o cético possa ir muito longe em suas dúvidas, isto é, ele pode duvidar se um corpo existe mesmo na realidade, mas não pode duvidar de que, quando ele fala em corpo, ele não sabe o que diz! O cético é colocado por Kant numa enrascada: ele apenas poderá duvidar, se aceitar que seu entendimento possui regras de construção de objetos: ao fazer isto, ele assume que existe um tipo de conhecimento do qual não pode duvidar.

Page 102: [5946]Teoria do Conhecimento I

102

Universidade do Sul de Santa Catarina

Ele não pode duvidar que pensa ou que tem um entendimento que constrói regras de compreensão. Além do mais, Kant alega que não existem objetos no sentido em que o cético acredita em objetos, isto é, objetos na realidade que existem por si, os quais conhecemos por inferências de nossos sentidos.

Lembra o que foi dito mais acima?

Kant não aceita que obtenhamos conhecimento por inferências de nossos sentidos, mas sim que são organizações elaboradas pelo nosso entendimento. Esta é a razão de eu ter dito que a crítica que Kant faria a Harry, personagem de nossa estória, seria perguntar-lhe por qual razão duvida de sua mente, de seu entendimento? Ele, Harry, apenas poderia duvidar se é um cérebro numa cuba, se já soubesse o que isto é! Um tanto paradoxal a resposta de Kant, não é? Mas ela faz sentido! Você pode duvidar de alguma coisa, se já possuir algum tipo de conhecimento desta mesma coisa.

Assim, retornando ao cético, diríamos que ele apenas pode duvidar da existência de objetos externos a nós, se souber o que é um “objeto externo”. Ao mesmo tempo, o cético deve admitir o seguinte, se ele quer manter a afirmação de sua dúvida quanto à existência de objetos exteriores a nós:

(1) existe um tipo de coisa (objeto) que é exterior a nós;

(2) existe um tipo de coisa (objeto ou algo assim) que é “interior” a nós;

(3) não podemos provar que os objetos exteriores não são os objetos interiores;

(4) não podemos provar que existem objetos exteriores a nós.

Mas as afirmações (1) e (2) são condições para que o cético afirme (3) e (4). Podemos até admitir que as afirmações (1), (2) e (3) são condições anteriores à afirmação (4), que é a afirmação tradicional do cético com quem estamos lidando. Isto significa

Page 103: [5946]Teoria do Conhecimento I

103

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

que ele apenas pode afirmar sua dúvida, se admitir a verdade de outras afirmações, quais sejam, (1), (2) e (3). O problema do cético reside na afirmação (3), pois é a partir desta afirmação que (4) é possível ou faz sentido.

Para refletir um pouco mais sobre este assunto, realize a seguinte atividade e publique os resultados na exposição do eVA.

a) elabore uma a afirmação sobre algum objeto do mundo;

b) Analise esta afirmação nas suas condições de possibilidade, isto é, o que deve ser admitido para que a afirmação tenha sentido;

c) Faça a distinção: dentre as afirmações que devem ser admitidas, quais são as mais básicas.

Vamos agora trazer o caso de Harry para nossa explicação e colocar as afirmações de dúvida de Harry na ordem em que colocamos as afirmações do cético acima. Bem, Harry está desesperado por não saber se é, ou não, um cérebro numa cuba. Ele chega a admitir a ideia de ir até o laboratório e deixar que ponham seu cérebro numa cuba e, depois, o retirem da cuba, para que ele possa ter certeza de que “não é um cérebro numa cuba”. Bem, segundo o argumento que apresentamos acima, a dúvida de Harry, para fazer sentido, teria de ser assim descrita:

(1) Sei o que é não ser um cérebro numa cuba;

(2) Sei o que é ser um cérebro numa cuba;

(3) Não sei distinguir ‘o que é estar com o cérebro numa cuba’ de ‘não estar com o cérebro numa cuba’;

(4) Não sei se sou um cérebro numa cuba, ou não.

Ocorre com Harry a mesma coisa que ocorre com o cético: Harry sabe alguma coisa para poder duvidar de outras. Assim, a afirmação (4) de Harry só faz sentido, se ele admitir que sabe a verdade de (1) e (2). A afirmação (3) é a expressão de desconhecimento de Harry quanto ao que distingue uma coisa – (1) de (2) – de outra.

Page 104: [5946]Teoria do Conhecimento I

104

Universidade do Sul de Santa Catarina

O que Kant afirmaria para Harry é que ele possui algum conhecimento anterior à sua dúvida e que, portanto, ele deverá justificar este conhecimento anterior. Se ele não sabe justificar (1) e (2), a afirmação (4) não faz sentido. Novamente digo que Kant afirmaria para Harry que ele tem mais confiança em (2) do que em (1), as outras afirmações se seguiriam desta confiança em (2) e da desconfiança em (1). Contudo, se Harry confia mais em (2) do que em (1), é por ele saber que (1) não é verdadeira. Mas como ele sabe isto? E como ele sabe que (2) é verdadeira?

Podemos agora trazer para este nosso raciocínio aquilo que Kant afirma dos dois tipos de conhecimento, isto é, que um é a priori e o outro a posteriori. Harry busca um conhecimento a posteriori de (4), isto é uma prova da experiência de que ele não é um cérebro numa cuba. Mas, para que esta busca de conhecimento a posteriori tenha sentido, Harry deve saber a priori que (1) e (2) são verdadeiras. Ele não pode fugir, alegando que (1) e (2) são conhecimentos a posteriori, pois, mesmo que o sejam, estas afirmações são parte da “análise”de (4) e , portanto, são conhecidas a priori.

Seção 6 - Retomando o argumento de Kant

Voltando ao argumento de Kant quanto às regras do entendimento e fazendo um paralelo com o que dissemos acima quanto ao raciocínio do cético e o raciocínio desesperado de Harry, Kant nos afirma que existe uma maneira de conhecer objetos exteriores a nós, que não depende de nossos sentidos nem de nossa experiência.

Para ele, temos percepção de uma série de informações desconexas, as quais nosso entendimento, agindo segundo regras a priori, constrói de maneira significativa como sendo um objeto do mundo exterior. Este argumento, dissemos também, está baseado na existência de regras a priori no entendimento. Apenas se admitirmos que tais regras existem, o argumento de Kant poderá fazer sentido.

Além disto, admitindo que Kant esteja correto em seu argumento, tanto o Realismo é verdadeiro quanto o Idealismo.

Page 105: [5946]Teoria do Conhecimento I

105

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

Ora, Idealismo e Realismo são incompatíveis. Kant os torna compatíveis ao afirmar que o entendimento constrói os objetos do mundo exterior a partir de um conjunto de informações que são organizadas pelas regras do entendimento, isto é da razão e não da experiência. Entretanto não se pode afirmar que todos os filósofos realistas aceitariam tal argumento. Para eles, os objetos existem independentes de nós. Para se diferenciar destes filósofos realistas, Kant denomina seu realismo de Realismo Transcendental.

Para refletir um pouco mais responda com suas palavras à seguinte questão e publique sua resposta na ferramenta exposição do eVA.

Como é possível que, para Kant, tanto o Realismo quanto o Idealismo possam ser compatíveis, uma vez que, tradicionalmente, ambos são incompatíveis?

Para deixar um pouco mais claras estas distinções, vamos trabalhar sobre um exemplo interessante: se alguém lhe perguntasse o seguinte: “Uma árvore que cai numa floresta onde não há um ser humano por perto para presenciar o fato, faz barulho, ou não?”

Se você responder que a queda da árvore deverá fazer barulho, então você é um realista. Se você responder que a árvore não faz barulho, então você é um idealista, afinal o barulho da árvore apenas existe para nós humanos que o ouvimos. Neste caso, o cético não poderá dizer nada, ao menos quanto ao idealista. Ele poderá questionar o realista, pois admite que existiu barulho, mesmo sem ele estar lá, mesmo que nenhum ser humano estivesse lá.

O cético lhe perguntaria como ele sabe e, neste caso, sua resposta seria apenas afirmar que o barulho de uma árvore caindo não é uma criação nossa, e sim da natureza física dos objetos. O problema com o argumento de Kant é desejar compatibilizar a resposta do idealista com a do realista.

Ele afirma que a árvore faz barulho, mesmo que nenhum ser humano presencie sua queda, por que nosso entendimento constrói a queda de um corpo físico como sendo

Page 106: [5946]Teoria do Conhecimento I

106

Universidade do Sul de Santa Catarina

barulhenta, isto é, como algo que faz barulho. Ele responderia à questão, afirmando que há barulho sim, mas por que nosso entendimento constrói as coisas desta forma.

Seção 7- O círculo vicioso de Kant

Ora, se você não percebeu o círculo vicioso em que Kant se envolveu, então vou lhe mostrar de maneira simples: para Kant a verdade do Idealismo garante a verdade do Realismo. Se fosse responder ao cético (não podemos conhecer nenhum objeto exterior a nós), Kant diria que conhecemos objetos de maneira direta, pois os construímos tal como os percebemos.

Assim, Kant nos deixa com uma tarefa complicada, qual seja, investigar se nosso entendimento detém mesmo aquelas regras que ele diz que o entendimento utiliza para construir os objetos. Mas, para investigar estas regras, teremos de admitir que elas existem.

entretanto isto, por sua vez, implica admitir que o Idealismo de Kant está correto!

O filósofo norte-americano Barry Stroud deu-se conta deste círculo vicioso existente no argumento de Kant, e o estudou mais aprofundadamente. Não cabe aqui passar todos os passos de Barry Stroud, mas sim dizer que ele não foi contestado. Ou seja, sua descoberta do problema do círculo vicioso é aceita por toda a comunidade filosófica, menos pelos filósofos kantianos, é claro!

Assim, concordaremos que Kant dá uma resposta satisfatória ao cético, se aceitarmos o Idealismo Transcendental. Contudo há aqui certa resistência, pois falta uma prova de que nosso entendimento funciona da forma descrita por Kant e, além disto, não parece que os objetos do mundo existam por si mesmos, isto é, eles dependem de nós, de nossa percepção, que os capta como informação desconexa.

Page 107: [5946]Teoria do Conhecimento I

107

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

No final das contas, se analisarmos detalhadamente a argumentação de Kant, perceberemos que não responde ao cético de maneira adequada, e sim se refugia do questionamento cético afirmando que “tudo está em nossa mente”, e, portanto, sua dúvida não faz sentido. Ora, o cético redarguirá, afirmando que seria o mesmo que refugiar-se numa igreja durante um bombardeio: nada garante que a igreja “não” será bombardeada. O mesmo cabe para o argumento de Kant: refugiar-se na mente ou no entendimento é admitir que o entendimento ou a mente estão corretos.

Mas esta não é a resposta que o cético pede. Ele quer saber como podemos provar que temos conhecimento de coisas externas a nós; ele não perguntou “Como as informações desconexas de nossa percepção se tornam objetos do mundo”, pois as informações desconexas, as quais nosso entendimento constrói com objetos, devem ter alguma origem.

Kant admite que nossa percepção “capta” um conjunto de informações desconexas, mas não explica como estas informações chegam até nossa percepção. Aqui, teríamos de elaborar alguns acréscimos ao argumento de Kant, considerando que ele não nos fornece uma resposta adequada.

Ou seja, a resposta de Kant é subjetiva demais para ser aceita, ao menos como uma resposta válida contra o cético. É como se ele dissesse ao cético: “Pobre homem, desconfia se está percebendo objetos da natureza, ou não, quando a natureza é criada por nós e, portanto, ela só pode existir!”.

Ao desesperado Harry Kant, responderia que sua dúvida não faz sentido, pois tanto estar numa cuba quanto estar fora dela são construções de nosso entendimento e, portanto, a resposta estaria nas regras do entendimento para construir as experiências que Harry teve ou crê que teve. Contudo os argumentos de Kant visam demonstrar que, através das regras do entendimento, construímos os objetos da realidade.

É por esta razão que ele diria a Harry que não deveria buscar provas da realidade através de seus sentidos, pois estes apenas lhe forneceriam um múltiplo de percepção. Kant, através de sua “revolução copernicana” (Nós criamos o mundo objetivo, não o encontramos pronto). Nosso entendimento nos “dá objetos externos, sempre que usa as regras do entendimento de maneira correta), também se torna um empirista.

Page 108: [5946]Teoria do Conhecimento I

108

Universidade do Sul de Santa Catarina

entretanto cabe aqui outra consideração.

A questão é: por qual razão devemos aceitar a argumentação de Kant? As provas que ele nos fornece não são convincentes e mais se parecem com convenções. Ou seja, as provas seriam mais convincentes, se Kant nos mostrasse o que causa o múltiplo da percepção e que o entendimento organiza.

Ele não pode fornecer esta resposta, pois seria afirmar que os objetos existem na realidade tal como afirma um realista e não um idealista como Kant. Este ponto é tão controverso que Kant apenas conseguiu responder, afirmando que “Apenas Deus percebe o que um objeto é em si mesmo”, apenas Deus conhece “a coisa em si”. Nós humanos, devido à nossa limitação, apenas compreendemos as coisas como são para nós, segundo nosso entendimento. Nós percebemos fenômenos, e não objetos tal como são. Bem, este é um primeiro ponto.

O segundo aspecto para o qual eu gostaria de chamar sua atenção é o seguinte: o Realismo kantiano é, de fato, um artifício argumentativo baseado no Idealismo. Ou seja, é por argumentar que nosso entendimento constrói os objetos da realidade –poderíamos até afirmar que o entendimento constrói a realidade – que o Realismo tem alguma chance de possuir sentido para Kant. Caso não aceitemos o seu Idealismo, então o Realismo que ele propõe também cai por terra.

Por fim, caso o cético respondesse para Kant, ele diria, simplesmente: não sou um idealista, pois o múltiplo que é dado na percepção deve ter alguma origem. Se esta origem é a sensação e a percepção, então é possível que eu perceba de maneira errônea, que os meus sentidos me enganem, mesmo que o objeto seja construído pelo entendimento, isto não garante que a organização do múltiplo seja correta para com o que nos é dado na percepção.

Parece então, por fim, que o cético não foi convencido por Kant. Antes, Kant exige que o cético aceite sua argumentação para que, só então, aceite a prova do mundo exterior fornecida por Kant. Mas cabe ao cético uma última palavra: não aceitar o Idealismo.

Page 109: [5946]Teoria do Conhecimento I

109

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

SínteseNesta unidade, você estudou os argumentos de Immanuel Kant sobre o conhecimento. Ficou sabendo que Kant foi um idealista, ainda que não um idealista comum. O Idealismo de Kant parte do pressuposto de que nosso entendimento possui regras que lhe são próprias, regras que não são encontradas na experiência, mas que ordenam a experiência.

Ao mesmo tempo, aprendeu que, para Kant, a resposta ao cético é positiva: sim, diria ela, possuímos conhecimento de objetos exteriores a nós. Kant afirmaria isto devido à sua maneira de combinar Idealismo com Realismo.

Você aprendeu que esta combinação entre Realismo e Idealismo elaborada por Kant baseia-se exatamente no argumento de que nossa percepção não é ordenada, isto é, ela recebe uma quantidade de informações. Mas apenas o entendimento ordena estas informações, segundo regras, para que elas se transformem em conhecimento. Assim, sempre existirão objetos externos para Kant, pois sempre perceberemos um “múltiplo” dado na percepção e, portanto, duvidar da existência de objetos exteriores é duvidar deste múltiplo que nos é dado.

Contudo conhecimentos são possíveis apenas pelo entendimento, e não pela percepção. Assim, você percebe que Kant é astuto o suficiente para dizer ao cético que ele duvida de algo apenas por já possuir algum conhecimento anterior deste algo.

A parte crítica que apresentamos da filosofia de Kant mostra que o argumento kantiano funciona apenas se aceitamos que o Realismo, da maneira que ele o constrói, é verdadeiro. Entretanto aceitar este Realismo Transcendental exige que aceitemos o Idealismo kantiano. Ora, não há razão lógica pela qual sejamos obrigados a aceitar o Idealismo Transcendental de Kant.

Assim, permanece um problema a existência de objetos exteriores a nós. A conclusão só pode ser esta, pois, se você quer responder ao cético, não faz sentido ser obrigado a aceitar outro sistema de pensamento – no caso, o sistema de Kant – para então dar sua resposta ao cético. Kant exige de nós que aceitemos seu Idealismo e seu Realismo, para, só então, fornecermos uma resposta

Page 110: [5946]Teoria do Conhecimento I

110

Universidade do Sul de Santa Catarina

ao cético. Ora, nossa pergunta será: e devemos aceitar que o Idealismo de Kant está correto?

Creio que você percebeu que Kant nos retira da discussão com o cético e nos faz discutir sobre seu Idealismo.

Atividades de autoavaliação Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O gabarito está disponível no final do livro didático. Mas esforce-se para resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará promovendo e estimulando sua aprendizagem.

1) Elabore um texto dissertativo, reconstruindo com suas palavras o argumento de Kant, de que seu Idealismo é uma resposta ao cético.

Page 111: [5946]Teoria do Conhecimento I

111

Teoria de Conhecimento I

Unidade 4

2) Explique, como é possível que Kant combine Idealismo com Realismo, se ambos são contrapostos?

3) Você concorda com Kant, que a realidade é uma construção de nosso entendimento? Elabore um texto, justificando sua resposta.

Page 112: [5946]Teoria do Conhecimento I

Saiba mais

Para conhecer melhor a distinção entre os dois tipos de conhecimento em Kant, consulte:

O filósofo francês Georges Pascal escreveu um texto �

sobre o pensamento de Kant. Trata-se de PASCAL, Georges. O Pensamento de Kant. Petrópolis: Editora Vozes, 1980. Este texto é bem completo para uma introdução e está traduzido para o português do Brasil.

Page 113: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 5

A naturalização do conhecimento e o questionamento cético

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Compreender o argumento da naturalização do conhecimento, elaborado por Quine.

� Avaliar as consequências da naturalização do estudo do conhecimento.

� entender a proposta de naturalização do conhecimento frente ao Ceticismo.

� Analisar a resposta de Quine ao Ceticismo.

Seções de estudo

Seção 1 Ponto de vista interno e ponto de vista externo do conhecimento

Seção 2 O argumento naturalista de Willard Quine

Seção 3 Capacidades cognitivas e o conhecimento da realidade

Seção 4 Naturalização do conhecimento e Ceticismo

Seção 5 O cético contra Quine: uma avaliação final

5

Page 114: [5946]Teoria do Conhecimento I

114

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

O filósofo norte-americano Willard Quine apresentou a proposta de naturalização do estudo do conhecimento. Sua resposta gerou um novo ponto de vista para os estudos do conhecimento: os resultados da ciência natural são agregados como base de nossos conhecimentos, e o estudo do ser humano, enquanto ser cognitivo, elaborado pela psicologia empírica, é parte do estudo do conhecimento.

A resposta de Quine é um tanto complexa, mas seu argumento é interessante. Talvez possamos responder ao Ceticismo, quanto ao conhecimento, se contarmos com a ajuda da ciência em nossa tarefa.

Nesta unidade, você irá estudar os passos da argumentação de Quine e, ao final, comparar sua proposta com as questões que o cético pede que sejam respondidas, para que possamos afirmar que conhecemos objetos exteriores a nós.

Seção 1- Ponto de vista interno e ponto de vista externo do conhecimento

Você deve lembrar que, ao estudarmos o ponto de vista de George Moore sobre o conhecimento, fizemos distinção entre ponto de vista interno e ponto de vista externo do conhecimento. Relembrando o que foi dito naquela unidade, temos o seguinte argumento: o ponto de vista interno ao conhecimento estuda ou investiga as afirmações que dizem respeito às relações entre um conhecimento com outro.

A afirmação “Neste momento chove em Florianópolis”, se considerada apenas de um ponto de vista interno do conhecimento, deverá ser avaliada e investigada em sua dependência de outras afirmações.

Page 115: [5946]Teoria do Conhecimento I

115

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

Assim, saber que é verdade o que a afirmação acima assevera, depende de outras afirmações que, por sua vez, devem ser verdadeiras. Neste caso, o conceito “interno” significa a relação de um conhecimento com outro, de uma afirmação de conhecimento com outra. Por outro lado, “externo” indica que se faz uma avaliação de afirmações de conhecimento em sua relação com a possibilidade de conhecer. Por exemplo, perguntar “Como é possível obtermos conhecimento sobre o clima de Florianópolis?” configura uma pergunta elaborada do ponto de vista externo; não questiona se chove, ou se faz sol em Florianópolis, e sim como é possível conhecermos algo, fazermos afirmações verdadeiras sobre o clima em Florianópolis.

Também poderíamos dizer que o ponto de vista externo ao conhecimento avalia o que fazemos com o conhecimento sobre o clima de Florianópolis.

Portanto, quando você questiona a verdade de uma afirmação sobre determinado conhecimento, você está pedindo justificativas baseadas em outros conhecimentos. Por outro lado, quando você questiona a possibilidade do conhecimento, então sua questão deve ser respondida através de justificativas que comprovam que nós conhecemos, como conhecemos, que método usamos para conhecer e assim por diante.

Esta distinção é muito importante, pois, ao usar conhecimentos adquiridos durante seu curso de graduação, deverá saber se está usando um conhecimento específico, ou se está aplicando um método de conhecer. Além disto, é a ignorância desta distinção que nos faz acreditar que o questionamento do cético cartesiano é absurdo.

Quando ele pergunta: “Como sabemos que não estamos sonhando neste momento?” (ou como sabemos que não somos um cérebro numa cuba?), costumamos responder “Esta pergunta não faz sentido, pois estou vendo o sol, as árvores e sinto dor, se belisco meu braço”. Entretanto a pergunta questiona todo nosso conhecimento, quanto a estarmos, ou não, acordados, e não apenas um tipo de conhecimento, por exemplo, que vejo o sol.

Page 116: [5946]Teoria do Conhecimento I

116

Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético de Descartes lança uma dúvida ampla e geral sobre toda possibilidade de conhecimento (tal como Harry, que tem de encontrar um ponto indubitável para saber que não está plugado no computador do cientista maligno). Assim, é necessária muita cautela ao lhe responder, pois podemos estar presos numa armadilha argumentativa.

Gostaria de citar a avaliação que fizemos dos argumentos de Austin e Moore: você deve lembrar que ambos alegam conhecer objetos exteriores a eles e, a partir disto, afirmam que possuem provas de que objetos exteriores a nós existem: esta é esta, mão alega Moore; o objeto que dá significado à palavra “casa” ou “pedra”, alegará Austin.

Contudo ambos estão equivocados em suas respostas ao cético.

O equívoco de ambos consiste em não perceberem que o questionamento do cético é amplo e coloca em dúvida todo e qualquer conhecimento, e não apenas aqueles objetos que Austin e Moore alegam existir. Ou seja: o cético faz um questionamento a partir de um ponto de vista externo ao conhecimento, e as provas que Austin e Moore lhe fornecem são internas. Portanto a dúvida do cético ainda não foi respondida (seria como dizer a Harry “Olhe você não está vendo suas mãos? Então como pode pensar que está recebendo inputs de um computador? Como você duvida que isto não é real?).

Nesta unidade, vamos aprender um pouco sobre os argumentos de Willard Quine. Filósofo estadunidense nascido em 1908, estudioso de Matemática e Lógica além de Filosofia da Linguagem e Filosofia da Ciência. Ele escreveu várias obras importantes na área da Filosofia e da Lógica. Esteve no Brasil, onde ministrou algumas aulas na USP (Universidade de São Paulo) nos anos sessenta. O ponto de vista de Quine ficou conhecido pelo título de um de seus ensaios mais

Figura 5.1 - Willard Quine

Page 117: [5946]Teoria do Conhecimento I

117

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

famosos “Epistemologia Naturalizada”. A palavra “naturalizada” significa que a Epistemologia se tornou parte das faculdades da natureza humana e é estudada pela Psicologia Empírica.

Quine alega que, para nós humanos, conhecer é uma capacidade biológica e psíquica tanto quanto é a digestão, os impulsos cerebrais ou o aparelho reprodutor humano. Por consequência do seu argumento, estudar o conhecimento equivale a estudar um aspecto físico de nossa natureza humana, e não algo que, por sermos seres humanos, podemos fazer, isto é, conhecer (da mesma forma que andar de bicicleta não faz parte de nossa natureza, mas é algo que podemos fazer).

A Epistemologia se constituirá no estudo científico do conhecimento e apelará para dados e fatos da ciência empírica, a qual estuda o cérebro e a maneira como trabalhamos com as informações que adquirimos do mundo exterior. Evidentemente que este ponto de vista de Quine foi expandido para constituir a chamada Ciência Cognitiva. Quando naturalizou a Epistemologia, Quine a tornou parte de uma ciência.

Vamos voltar aos argumentos de Quine.

Em seu ensaio Epistemologia Naturalizada (o qual você poderá encontrar traduzido para o português pela Professora Andréa Loparic e publicado pela editora Abril na coleção Os Pensadores), Quine faz a seguinte afirmação:“A epistemologia, ou algo que a ela se assemelhe, encontra seu lugar simplesmente como um capítulo da psicologia e, portanto, da ciência natural. Ela estuda um fenômeno natural, a saber, um sujeito físico” (p.164 da edição de 1980).

A grande vantagem desta “naturalização” dos estudos epistemológicos, segundo Quine, é que tais estudos poderão servir-se livremente dos resultados obtidos nas ciências empíricas e não ficarão presos às tentativas de elaborar reconstruções racionais de nosso conhecimento. Tal ponto de vista, continua Quine, não desfaz das tentativas anteriores de compreender como os objetos do mundo são postos pela realidade para o sujeito e como o sujeito os conhece.

A Ciência Cognitiva é a ciência que estuda os fenômenos “conscientes” como fenômenos físicos e de processamento de informações.

Page 118: [5946]Teoria do Conhecimento I

118

Universidade do Sul de Santa Catarina

Quine denomina esta tentativa como “reconstrução racional”.

A novidade é que a ciência natural servirá de apoio ao empreendimento epistemológico, isto é, saber como conhecemos é agora um campo de estudo científico (nosso amigo Harry deveria se submeter a uma bateria de testes neurológicos e a sessões de tomografia para estudar seu cérebro).

Seção 2 – O argumento naturalista de Willard Quine

O argumento de Quine possui uma amplitude considerável sobre nosso estudo do conhecimento, quando o compreendemos suficientemente. Assim, os problemas sobre como os objetos que nos cercam são conhecidos já não será um problema da lógica das percepções visuais ou táteis; segundo Quine, ao estudarmos o conhecimento (a Epistemologia, como ele afirma) a partir do ponto de vista da ciência, teremos como investigar empiricamente – através de experimentos – como as percepções são trabalhadas por nosso cérebro, como as percepções são enquanto estímulos cognitivos em nosso aparelho cerebral.

Ou seja: não estaremos mais utilizando um aparato conceitual da Filosofia, e sim das ciências empíricas. Ora isto significa dizer que, o conceito “percepção” constitui-se através de estímulos e respostas que recebemos dos objetos através de nossa visão e do processo destas informações.

As dúvidas e investigações sobre a percepção e a maneira como percebemos serão tratadas através dos conceitos e experimentos da Psicologia Empírica, e não mais através da Filosofia, ou – como diz Quine – através da reconstrução racional (Harry não precisaria de estudos de Lógica, e sim de resultados de experimentos empíricos sobre como ele conhece).

O ponto central do argumento de Quine é que a ciência natural é agora responsável pelas bases do estudo do conhecimento.

Page 119: [5946]Teoria do Conhecimento I

119

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

Outro aspecto importante do argumento de Quine diz respeito a como atribuímos verdade ou falsidade a uma afirmação. Lembremos que até agora tratamos a verdade ou falsidade das afirmações como sendo a relação entre o que diz a afirmação sobre a realidade e a realidade da qual afirma algo (a saber: falso ou verdadeiro).

Assim, a afirmação de que está chovendo em Florianópolis é verdadeira, se isto estiver ocorrendo, quer dizer, se, na realidade, estiver chovendo em Florianópolis. Contudo, desde a unidade 2 deste livro, você tem acompanhado e discutido uma determinada linha de argumentação que pede justificativas quanto à possibilidade de sabermos alguma coisa verdadeira sobre a realidade.

Desta forma, necessitamos provas de que a realidade pode ser conhecida. Lembre que as respostas a este tipo de questionamento não podem ser “internas”, mas sim “externas”. Você pode avaliar o argumento de Quine como a tentativa de dar consistência a afirmações sobre a existência da realidade a partir da ciência, ou usando-a como apoio.

Vamos tentar compreender melhor o alcance dos argumentos elaborados por Quine, de outro ponto de vista. Procure pensar um pouco no que a ciência exige para construir uma teoria explicativa sobre determinados objetos. O cientista age da seguinte forma padrão: ele determina um tipo de objeto a ser estudado e do qual pretende fornecer explicações e descrições de como este objeto se comporta.

Você pode pensar em qualquer objeto que desejar: bactérias, vírus, corpo humano, circulação do sangue, funcionamento do cérebro, etc. O cientista faz suas observações e as guarda na forma de afirmações particulares. A partir destas afirmações particulares, o cientista irá montar sua teoria geral sobre o comportamento de todos aqueles objetos que observou, quer dizer, objetos do mesmo tipo.

Você tem aí uma maneira de fazer ciência, exatamente a maneira em que Quine está pensando. Ora, quando o cientista faz suas observações e as guarda como afirmações ou proposições particulares, Quine denomina estas afirmações particulares de

Afirmações do tipo “H é líquido em t1”, “H é líquido em t2”, e assim por diante, variando apenas “t”, que indica o momento da observação.

Page 120: [5946]Teoria do Conhecimento I

120

Universidade do Sul de Santa Catarina

“proposições observacionais”, isto é, são proposições que contêm informações sobre a realidade.

Creio que está ficando mais claro para você onde Quine pretende chegar com sua argumentação. Elaborar uma proposição observacional é transmitir conteúdos da realidade, conteúdos acessíveis a todas as pessoas capacitadas. Consequentemente, há uma espécie de acordo quanto ao que conta como conteúdo de uma proposição observacional ou, em outras palavras, quanto ao que é um objeto de observação.

Segundo Quine, uma proposição observacional é importante em dois aspectos, quais sejam:

a) as proposições observacionais são um repositório de evidência para as teorias científicas, isto é, as teorias científicas são verdadeiras ou falsas com base no conteúdo das proposições observacionais e;

b) os conteúdos das proposições observacionais são o que aprendemos, quando somos ensinados a atribuir significado às nossas palavras, isto é, o conteúdo de realidade das proposições observacionais é o significado de nossas palavras.

Assim, as proposições observacionais apresentam uma dupla importância na argumentação de Quine, tanto por serem a base empírica das teorias científicas, quanto por serem os itens que estão relacionados ao nosso uso das palavras e de seu aprendizado. Mais importante ainda é a ligação que tais conteúdos possuem com nossas capacidades cognitivas (Harry saberia que está frente aos objetos reais, e não frente a meras imaginações causadas por um computador). Vamos agora estudar mais um pouco as consequências do argumento de Quine, no que diz respeito às capacidades cognitivas e sua relação com o conhecimento.

Page 121: [5946]Teoria do Conhecimento I

121

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

Seção 3 – Capacidades cognitivas e o conhecimento da realidade

Um dos pontos principais da argumentação de Quine é o de que existe uma espécie de acordo quanto ao conteúdo das proposições observacionais, considerando que este conteúdo poderá ser determinado através da investigação científica ou pelo uso das teorias científicas. O alcance deste argumento para o estudo do conhecimento é importante, pois a alegação de Quine é a de que as proposições observacionais possuem conteúdo da realidade, e este conteúdo chega até nós através das informações captadas por nossos órgãos de percepção.

A captação das informações é, segundo Quine (Epistemologia Naturalizada, pg. 167), dependente de um acordo fundado em nossas capacidades cognitivas básicas. Ou seja: todos nós humanos temos capacidades cognitivas para processar as informações captadas por nossa percepção e tais capacidades são comuns entre nós humanos. Os casos desviantes – defeitos nas capacidades perceptivas ou nas capacidades cognitivas – são colocados ao lado, considerando que não são predominantes.

Complementando este argumento, Quine afirma que

“Não há subjetividade no fraseado das sentenças observacionais [proposições observacionais](...); de ordinário, elas serão sobre corpos. Dado que o traço distintivo de uma sentença observacional é a concordância intersubjetiva sob estimulação [capacidade perceptiva] concordante, é mais provável que aquilo de que trata seja de natureza corpórea”.

Em outras palavras, a concordância quanto aos corpos físicos de que falam as proposições de observação (as quais Quine também denomina sentenças observacionais; entenda-se com isto o “fraseado”) é oriunda das capacidades perceptivas ou, como Quine diz, de estimulação concordante. Nunca esquecer o argumento de que as estimulações são dados cognitivos, os quais são oriundos de objetos corpóreos e são iguais para todos os seres humanos (o que Quine denomina intersubjetivo), pois todos possuem o mesmo aparelho perceptivo, o qual é estudado pela ciência natural.

Page 122: [5946]Teoria do Conhecimento I

122

Universidade do Sul de Santa Catarina

O argumento de Quine será o de que nossas capacidades de percepção deverão ser estudadas pela ciência e, desta forma, se poderá eliminar a possibilidade de que alguém lance dúvidas sobre o que se está percebendo.

Você está conseguindo perceber a engenhosidade do argumento de Quine?

Ele retira a força da Epistemologia tradicional, a qual denomina de “reconstrução racional”, e coloca a Epistemologia como uma das áreas de estudo da ciência, pois é a ciência que garante maiores conhecimentos do mundo que nos cerca, através das hipóteses que os cientistas constroem e que, não à toa, funcionam. Se os cientistas elaboram hipóteses sobre determinados objetos físicos e estas hipóteses funcionam, então devemos crer que tais objetos existem.

Entretanto a existência destes objetos não é algo que se possa provar sem os instrumentos da ciência. Quine utiliza o fato de que a ciência explica as relações entre os objetos do mundo e o comportamento de um objeto qualquer, como forma de assegurar que as capacidades de percepção do ser

humano devem ser estudadas pela ciência natural, neste caso a Psicologia Experimental.

A partir desta exposição resumida do argumento de Quine, retomemos agora o problema que é o centro de nosso estudo, qual seja, a possibilidade de que não possamos conhecer objetos do mundo exterior, ou, dito de outra maneira: a possibilidade de que não consigamos provar que existem objetos exteriores a nós. Não temos uma resposta direta de Quine a esta questão.

Algumas afirmações em seu texto podem nos servir de pistas para o tratamento que a Epistemologia Naturalizada fornecerá para a questão do cético.

Por exemplo: em determinado momento de seu ensaio Epistemologia Naturalizada, Quine afirma o seguinte quanto às sentenças observacionais:

Page 123: [5946]Teoria do Conhecimento I

123

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

“(...) uma sentença observacional é uma sentença sobre a qual todos os que falam a língua pronunciam o mesmo veredito, quando é dada a mesma estimulação concomitante. Em termos negativos, uma sentença observacional é uma sentença que não é sensível, no interior da comunidade lingüística, a diferenças de experiências passadas” (p. 167).

Analisando as palavras de Quine nesta citação, podemos inferir o seguinte:

a) uma sentença observacional diz respeito a objetos ou, nas palavras de Quine citadas mais acima, corpos;

(b) as pessoas não têm dúvida quanto a uma sentença observacional, pois todos possuem a mesma estimulação perceptiva;

(c) as sentenças observacionais não são contraditadas por experiências passadas, isto é, as sentenças observacionais são estabelecidas com alto grau de certeza;

d) existe uma comunidade linguística ou de falantes que utilizam as mesmas sentenças observacionais, ou seja, os vereditos (se são verdadeiras ou falsas) sobre sentenças observacionais são comumente partilhados dentro de uma comunidade de falantes.

Definidos estes itens, vamos compará-los, na próxima seção, com o que exige o cético.

Seção 4 – Naturalização do conhecimento e Ceticismo

Considerando, por um lado, que o ceticismo afirma não podermos conhecer objetos exteriores a nós e que, mesmo se os pudéssemos conhecer, não conseguiríamos provar a sua existência, tendo em vista que temos apenas provas oriundas de nossos cinco sentidos; e, considerando, por outro lado, as afirmações de Quine, podemos auferir que ele não considera legítimas as questões do cético. Podemos concluir isto a partir daqueles itens que ressaltamos da citação de Quine. Vejamos.

Page 124: [5946]Teoria do Conhecimento I

124

Universidade do Sul de Santa Catarina

I. O cético afirma que as experiências passadas podem influenciar no que conhecemos agora, isto é, na relação entre a certeza da percepção atual de um objeto físico qualquer com as percepções que tivemos, antes, deste mesmo objeto. Ou seja: para o cético, as percepções passadas são fonte de dúvidas, pois elas podem ser confusas. Quine, por outro lado, afirma que este não é o caso. Segundo ele, as sentenças observacionais (por exemplo: “existe uma caneta sobre a minha mesa”) não são afetadas pela experiência passada. A explicação para isto é clara: a comunidade linguística entra em acordo sobre a qual objeto uma sentença observacional se refere e, sendo assim, não há influência de experiências passadas sobre esta sentença. Ao mesmo tempo, sendo nossa percepção estudada e explicada pela ciência, então os resultados que a ciência alcança são estabelecidos de maneira experimental e podem ser provados como verdadeiros ou falsos através do método científico.

II. O cético questiona nossas afirmações de existência de objetos exteriores a nós. Segundo ele, nossos cinco sentidos (percepção) já nos enganaram e, portanto, não são confiáveis para que sobre eles se construa qualquer conhecimento do mundo. Os argumentos de Quine que separamos na seção anterior demonstram que, segundo seu ponto de vista, as experiências passadas não influenciam no estabelecimento dos conteúdos das sentenças observacionais. Além disto, as pessoas (seres humanos) possuem o mesmo aparato perceptivo, o qual é estudado pela ciência natural. Ora, dado que temos o mesmo aparato de percepção (ou, nas palavras de Quine, a mesma “estimulação”), as dúvidas do cético quanto ao que são objetos exteriores não fazem sentido, pois as pessoas não têm dúvidas quanto ao que percebem. Caso alguma dúvida persista, as investigações científicas sobre nossa percepção irão estabelecer o que são objetos da percepção.

III. Outro argumento de Quine, exposto no mesmo ensaio, diz respeito ao status da observação de objetos físicos exteriores a nós. Lembremos-nos que, se nos guiarmos pela argumentação do cético, não temos como justificar a existência de objetos exteriores a nós. Nossos sentidos nos enganam e não possuímos outro tipo de fonte de conhecimento para provar a existência real de um mundo de objetos. Segundo os argumentos de Quine, não há dúvida quanto à existência de objetos da observação (veja as afirmações a e b mais acima). Quine argumenta em seu ensaio epistemologia Naturalizada (pg. 167) que os filósofos consideram apenas os casos desviantes como os que estabeleciam a impossibilidade de um padrão de objeto de observação. Contudo, alega Quine, pelo fato de possuirmos uma comunidade de falantes da mesma língua, o padrão poderá ser definido sem problemas (veja afirmação d mais acima). Sendo assim, não resta dúvida que a observação de objetos e corpos externos a nós não está sob suspeita.

Page 125: [5946]Teoria do Conhecimento I

125

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

Estes três pontos são suficientes para compreendermos que, ao naturalizar a Epistemologia, Quine buscava lhe fornecer força experimental, e não apenas força argumentativa. O problema do Ceticismo quanto ao conhecimento não faz sentido na argumentação de Quine e, desta forma, a resposta de Quine à questão da justificação de nosso conhecimento também pode ser tomada como uma resposta ao problema do Ceticismo.

A força do aparato experimental da ciência implica que o cético – se expandirmos os argumento de Quine – ou não pertence a uma comunidade de falantes mais ampla, ou não aceita que sua percepção, sendo idêntica a de todas as demais pessoas, é explicada pela ciência. Neste último caso, a ciência forneceria uma base para a resposta ao cético, qual seja, “a ciência demonstra que a forma como trabalha nossa percepção é idêntica para todos os casos normais”.

Aqui o conceito “normal” designa um padrão que é aceito por toda comunidade linguística a partir dos conhecimentos (ou informações) disponibilizados pela ciência.

Ao naturalizar nosso conhecimento fazendo-o objeto de uma ciência empírica, Quine estaria transformando a Epistemologia tradicional, de um estudo puramente filosófico, para um ramo de estudo científico.

Nossos estudos de Epistemologia sobre a natureza de nosso conhecimento do mundo que nos cerca, devem basear-se unicamente na ciência e nos resultados que a ciência nos fornece sobre nós e nosso aparato de percepção. As proposições observacionais, aquelas que mais intimamente estão ligadas à existência de objetos no mundo exterior, são construções linguísticas de conjuntos de percepções

Enquanto tais, as proposições de observação possuem conteúdos que são determinados, não mais pela mente humana ou apenas através do relato do que é percebido (por exemplo: sei que há um gato sobre o tapete, porque posso vê-lo), mas sim através do estudo científico de nossos “receptores sensoriais” (Quine, p. 165). Isto significa que não contam mais os relatos que o sujeito faz daquilo que percebe no momento em que vê determinado

Page 126: [5946]Teoria do Conhecimento I

126

Universidade do Sul de Santa Catarina

objeto. Para Quine, o conhecimento científico fornece a base experimental para verificarmos o que o sujeito percebe, isto é, como sua percepção está sendo estimulada.

Para finalizar esta seção, vamos elaborar algumas distinções a mais.

a) Os objetos existem independentemente de nossa vontade ou do relato do que estamos percebendo. Quine justificaria esta afirmação, alegando que a Psicologia Científica estuda, de maneira experimental, nossas percepções, ou o que ele denomina de estimulação sensorial. Assim, a ciência garante que nossas sensações constroem um objeto, e esta garantia é baseada na teoria sobre nossas percepções.

b) Não há motivo para uma dúvida quanto ao mundo exterior, pois todas as pessoas possuem as mesmas estimulações sensoriais e o mesmo aparato perceptivo. As diferenças entre pessoas que podem ver as cores daquelas que são daltônicas e apenas distinguem tons de cinza, não anula o fato de que as cores são estimuladoras de nosso aparato perceptivo. As dúvidas quanto à existência, ou não, das cores independem da vontade ou ponto de vista do sujeito que observa um padrão de cor. O fato é que seu aparato de percepção está sendo estimulado, e temos meios experimentais de estudar sua percepção. Portanto é fácil descobrir se o sujeito está, ou não, sendo estimulado sensorialmente, pois podemos testar em laboratório sua percepção.

(c) As proposições de observação, ou, nas palavas de Quine, observacionais são relatos de eventos e objetos exteriores a nós, se a comunidade dos falantes possui a mesma estimulação sensorial concomitante.

exemplificando o que foi afirmado: todas as pessoas estudadas até agora afirmam que a água quente causa dor, quando derramada sobre nossas mãos. Portanto este é um estímulo concomitante, espalhado por toda a comunidade, e, desta forma, é algo objetivo. Consequentemente, duvidar do objeto de uma proposição observacional implica estar equivocado quanto à ciência e não quanto ao que alguém afirma. É nossa ciência que comprova que estamos sendo estimulados, e não o nosso relato.

Page 127: [5946]Teoria do Conhecimento I

127

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

d) A Epistemologia colocada como um capítulo da Psicologia poderá fazer uso dos resultados experimentais desta ciência para estudar nosso conhecimento. As explicações e descobertas científicas são descobertas universais, válidas para toda a espécie humana. Sendo assim, segundo Quine, nada devemos temer quanto ao fato de que usamos a ciência para comprovar nossas afirmações sobre objetos do mundo, pois as descobertas científicas tratam exatamente destes objetos enquanto estimuladores de nossa percepção. Ora, sem estimuladores não há, em estado normal, estímulo. Portanto o fato de que o sujeito percebe é comprovado pela estimulação de seu aparelho perceptivo.

e) Um sujeito constrói seu mundo exterior a partir de suas estimulações perceptivas. Estas estimulações poderão ser conferidas experimentalmente. Assim, perceber um objeto de tal ou tal forma não depende do relato pessoal, e sim daquilo que o sujeito constrói a partir de suas estimulações.

Por exemplo, se alguém nos diz que um objeto é pontiagudo, ele está construindo uma hipótese a partir de suas estimulações. É possível estudar estas percepções. Se nós tivermos as mesmas estimulações perceptivas, então o sujeito está afirmando algo que é verdadeiro. Por conseguinte, é possível afirmar que as disputas quanto ao que é percebido, ou não, ocorrem, pois a ciência decidirá se uma determinada estimulação existe, ou não, através dos experimentos adequados.

Por fim, dados estes argumentos de Quine, parece que uma Epistemologia naturalizada apresenta maiores vantagens teóricas do que as reconstruções racionais, baseadas ou na lógica ou nas percepções. Ao mesmo tempo, podemos concluir que dúvidas céticas não têm lugar no estudo da Epistemologia, pois qualquer dúvida que um cético possa elaborar é apenas possível dentro do marco da própria ciência e, portanto, resolvida pelo próprio estudo científico.

Page 128: [5946]Teoria do Conhecimento I

128

Universidade do Sul de Santa Catarina

Por exemplo: se levanto uma dúvida quanto à cor de um objeto, minha dúvida apenas faz sentido caso se refira a determinadas proposições observacionais. estas, por sua vez, são normatizadas pelo estudo empírico da ciência. Logo, toda dúvida é científica e a resposta a esta dúvida também deverá ser científica. Se não for desta forma, dentro dos parâmetros estabelecidos pela argumentação de Quine, é uma pergunta exagerada ou sem sentido.

Esta é, em resumo, a posição filosófica de Quine quanto ao estudo do conhecimento. Vamos conferir, na próxima seção, se os seus argumentos respondem a dúvida levantada pelo cético. Está pronto (a)?

Seção 5 – O cético contra Quine: uma avaliação final

Vamos iniciar esta seção, refletindo sobre algumas questões:

O que você acha? Será que a argumentação de Quine derrubou a dúvida cética? O cético irá conceder alguma razão aos argumentos de Quine?

Bem, como sempre ocorre em Filosofia, todos os argumentos fornecidos possuem seus desenvolvimentos e contra-argumentos. No presente caso, o cético deverá conceder que há verdade nos argumentos de Quine, se estes argumentos se mostrarem resistentes a possíveis questionamentos. Vamos analisar mais detidamente a força dos argumentos de Quine frente ao que pode lhe contra-argumentar um cético.

Primeiramente, vamos lembrar que o argumento cético é construído a partir de premissa de que nosso conhecimento do mundo exterior se baseia em nossos cinco sentidos. Assim, sabemos o que é um objeto – e que, portanto ele existe – devido a uma inferência que nos leva daquela premissa inicial até a afirmação de que o objeto existe, por ser percebido. Consequentemente, o argumento cético recebe sua força através da crença de que conhecemos objetos externos a nós através de inferências, isto é, primeiramente sabemos que algo atinge nossos

Page 129: [5946]Teoria do Conhecimento I

129

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

sentidos e, após isto, conferimos tais sensações com algum objeto exterior.

O cético argumenta que, tendo em vista todo nosso conhecimento dos objetos exteriores a nós prover de nossos sentidos, então não é possível comprovar de forma independente dos sentidos se existem objetos exteriores, ou não. Lembre que o cético busca meios de impugnar nossas afirmações de conhecimento, pedindo justificativas das mesmas. Ele perguntaria:

Como você justifica seu conhecimento de objetos exteriores?

Nossa resposta imediata é argumentar que nós os percebemos. Contudo, se a pergunta prossegue: “Como você justifica que percebe?”, neste caso, teremos de alegar que nos baseamos na verdade de nossa percepção. Ou seja: teríamos de conferir o que é percebido com algo mais que não seja o objeto, mas que atribua verdade à percepção daquele objeto específico. Ora, este “algo mais” é o que não conseguimos encontrar até agora.

Bem, diante do que até agora foi explicitado, temos de avaliar o ponto de vista de Quine. Um primeiro passo já foi dado no parágrafo inicial desta seção: Quine fornece provas “internas” quando o cético pede provas “externas”, isto é, ele questiona toda possibilidade de conhecimento, e não uma determinada parte do que conhecemos.

Um segundo aspecto importante é o seguinte: quando Quine alega que a Epistemologia deveria incorporar os resultados das investigações científicas sobre nossa percepção, estaria ele fornecendo uma reposta ao cético?

Veja bem: Quine alega que devemos investigar a maneira pela qual nosso aparato perceptivo é estimulado, pois é a partir desta estimulação que “construímos” o corpo ou objeto externo das proposições observacionais através de hipóteses.

Page 130: [5946]Teoria do Conhecimento I

130

Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas é esta resposta que pede a pergunta do cético?

Parece que Quine se propõe a tratar de outro assunto, qual seja: como formamos nossa crença na existência de objetos exteriores a nós. Neste caso, a resposta poderia ser: “Através da estimulação de nosso aparato perceptivo”.

Contudo isto não responde ao que o cético questiona.

Bem, pode ser que estejamos sendo céticos demais quanto à argumentação de Quine, isto é, não estamos admitindo que ele apresente uma boa resposta. Mas, se você pensar bem, verá que Quine “escapa” da questão: se você reler a história que está nas páginas iniciais deste livro, verá que a questão de Harry é saber se ele é, ou não, um cérebro numa cuba. Ele busca por justificativas para o que “percebe”. Caso Quine encontrasse Harry, responderia para ele: “Bem, Harry meu caro, se você se submeter a alguns testes cognitivos, veremos que você tem seu aparato perceptivo estimulado, e isto a ciência poderá comprovar”.

Ou seja: para Quine, o problema com que Harry se defronta é uma questão de maiores conhecimentos científicos. Mas, ao mesmo tempo e segundo argumenta Quine, este conhecimento não diz respeito à realidade, e sim à estimulação de nosso aparato perceptivo, e a ciência garantiria o mundo.

Muitos dos investigadores na área de Teoria do Conhecimento ou Epistemologia não aceitam esta “redução naturalista” proposta por Quine. O filósofo inglês Jonathan Dancy, em sua obra de Introdução à Epistemologia (ainda não traduzida para o português), alega que os argumentos de Quine investem no estudo do input de dados através de nosso aparato perceptivo. Contudo, argumenta Dancy (p. 237 e seguintes), o “output” alegado por Quine – as teorias sobre o mundo – são muito mais complexas do que o “magro input” de nossos sentidos.

Page 131: [5946]Teoria do Conhecimento I

131

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

Ainda restaria explicar como podemos construir teorias altamente elaboradas sobre objetos, a partir de dados tão restritos (mesmo que sejam dados verdadeiros obtidos pela ciência). Contudo o que se deseja é a justificação das teorias em confronto com a realidade. A resposta de Quine aponta para a relação causal entre o “input” e os estados cognitivos cerebrais, isto é dizer: tal estado é causalmente originado por tais e tais estimulações.

Quanto a isto não incidem dúvidas.

Novamente, o problema se dá entre estados cerebrais e a construção das afirmações sobre o comportamento do mundo. Afirmar que todos que sabem falar uma língua concordarão quanto aos objetos a que as palavras se referem não é argumento suficiente, pois o cético irá questionar: “Como todos sabem que falam sobre objetos externos, e não sobre miragens que todos afirmam serem objetos?”. O cético não foi conclusivamente respondido. Mudar de assunto, como faz Quine, não é uma resposta aceitável – se é que se pode considerar uma resposta!

Page 132: [5946]Teoria do Conhecimento I

132

Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Como você pôde ver, enfrentamos mais uma batalha contra as exigências do cético. A proposta de Quine parecia simpática, isto é, utilizar os estudos científicos para fundamentar o conhecimento.

Contudo percebemos que Quine subestimou a argúcia do cético. Quine sugere dois argumentos paralelos: aceitar as contribuições da ciência natural quanto ao que compõe nossa realidade e, junto a isto, propõe que a Epistemologia seja um capítulo da Psicologia Empírica. Contudo seu argumento falha ao não perceber que o questionamento cético pode pôr toda a ciência em questão e, ao mesmo tempo, que estudar nosso aparato perceptivo não é fornecer provas da existência de objetos exteriores a nós.

Atividades de autoavaliação

1) Diferencie o ponto de vista interno sobre o conhecimento do ponto de vista externo do conhecimento. Elabore resposta explicativa e forneça exemplos.

Page 133: [5946]Teoria do Conhecimento I

133

Teoria do Conhecimento I

Unidade 5

2) Explique a seguinte afirmação, considerando o ponto de vista da Epistemologia Naturalizada de Quine: “Estudar o conhecimento humano é uma tarefa igual a de qualquer ciência natural”.

3) Explique qual a vantagem, alegada por Quine, se adotarmos o ponto de vista da Epistemologia Naturalizada. Forneça exemplos e os explique.

Page 134: [5946]Teoria do Conhecimento I

134

Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Apesar da importância dos estudos sobre Epistemologia naturalizada, tanto nos EUA quanto em outras partes do mundo filosófico, estes estudos não são frequentes no Brasil. Assim, a bibliografia disponível é escassa. A seguir, apresentamos alguns materiais que você pode consultar sobre este asunto:

QUINE, Willard. � Epistemologia naturalizada. São Paulo: Abril Cultural, 1975. Trata-se de um de seus ensaios traduzidos para o português, na coleção Os Pensadores da Editora Abril Cultural. O texto de Quine não é complicado, mas exige atenção.

QUINE, W.V.O. � Epistemologia naturalizada. Tradução de Andréa Loparié. São Paulo: Abril Cultural, 1975 (Coleção os Pensadores).

BASTOS, Cleverson Leite; CANDIOTO, Kleber. �

Filosofia da Ciência. Petrópolis: Vozes, 2008. No capítulo final da obra, você encontra comentários sobre o ponto de vista de Quine (página 155 em diante).

Outro ensaio de Willard Quine na coleção Os �

Pensadores da Editora Abril Cultural. Você encontra este e outros ensaios de Quine no volume da coleção intitulado Austin, Strawson, Ryle e Quine.

Consulte também a dissertação de mestrado cujo objeto de estudo é a Epistemologia Naturalizada de Quine, disponível em:

< � http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ARBZ-7KAJ4R/1/disserta__o_final___revisada.pdf>. Acessado em 14 de ago. de 2008.

Page 135: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 6

Filosofia da linguagem e o problema do conhecimento

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Conhecer a História do Círculo Positivista de Viena.

� Compreender o princípio de verificação.

� Fazer a relação entre nossa linguagem e o conhecimento.

� Compreender a crítica do Círculo de Viena ao Ceticismo.

� Saber avaliar a resposta fornecida ao questionamento cético.

Seções de estudo

Seção 1 Positivismo e linguagem

Seção 2 O princípio de verificação

Seção 3 Verificacionismos

Seção 4 Verificacionismo e Ceticismo

6

Page 136: [5946]Teoria do Conhecimento I

136

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

Nesta unidade, estudaremos o problema filosófico do conhecimento como um problema sobre o que faz, ou não, sentido perguntar. Este argumento está inserido no denominado “giro linguístico”, isto é, o ponto de vista em que as respostas aos problemas filosóficos são linguísticas.

Iremos considerar o problema filosófico do conhecimento a partir de um ponto de vista do estudo filosófico da linguagem, isto é, a partir da consideração de que nossa linguagem possui regras que não podem ser violadas e que muitas questões formuladas na Filosofia são construções linguísticas equivocadas. Vamos tentar responder à questão: “Há um problema filosófico quanto ao conhecimento, ou trata-se apenas de um uso equivocado da linguagem?” Estudaremos o argumento denominado “Princípio de Verificação”, isto é, o princípio que busca distinguir, na linguagem, as proposições que podem ser verificadas na realidade, e quais não.

Este princípio foi utilizado na Filosofia pelo Círculo Positivista de Viena. Estudaremos a possibilidade de que a metafísica, que seria o pano de fundo da linguagem, garanta a existência de objetos.

Seção 1 – Positivismo e linguagem

No início do século XX, surgiu um movimento de renovação da Filosofia baseado nos recentes sucessos das ciências naturais. As descobertas científicas e a necessidade de compreender as estruturas da ciência instigavam as mentes da época. Na Europa, eram criados grupos de estudos filosóficos. Destes, grupos alguns se salientavam mais que outros. Os que mais se salientaram foram o Círculo de Berlim (Sociedade para o Estudo da Filosofia Empírica) e o Círculo Positivista de Viena. Ambos eram compostos por matemáticos, físicos, filósofos, lógicos, economistas e historiadores. Estes grupos floresceram no período anterior ao predomínio do Nazifascismo na Europa.

Page 137: [5946]Teoria do Conhecimento I

137

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

A maioria destes estudiosos teve de emigrar para outros países, e outros foram capturados e assassinados em campos de concentração. Alguns dos que sobreviveram foram para universidades norte-americanas ou da Inglaterra. Com isto, as ideias que estes filósofos partilhavam foram espalhadas pelo mundo todo. Um dos frequentadores assíduos do Círculo Positivista de Viena foi Willard Quine, outro foi Karl Popper.

Se desejar, visite o site do Instituto Círculo de Viena, instituição que conta hoje com a parceria da Universidade de Viena:

Figura 6.5 - Imagem do site do Instituto Círculo de Viena. Fonte: Disponível em <http://www.univie.ac.at/ivc/>. Acessado em: 14 ago. 2008.

Tanto o Círculo de Viena quanto o Círculo de Berlim tiveram membros que, já antes da segunda grande guerra, eram conhecidos e reconhecidos no mundo filosófico: de Viena, temos Moritz Schlick (assassinado por militante Nazista em Viena), Rudolf Carnap (imigrou para os EUA), Hans Hann (morto em 1934), Otto Neurath (fugiu para a Holanda e, logo após, para a Inglaterra) e Herbert Feigl (imigrou para os EUA); de Berlim, temos Carl Hempel (imigrado para os EUA) e Hans Reichenbach (imigrado para os EUA).

Figura 6.1 Moritz Schlick

Figura 6.2 Otto Neurath

Page 138: [5946]Teoria do Conhecimento I

138

Universidade do Sul de Santa Catarina

Assim, a diáspora causada pelo Nazismo fez com que os princípios filosóficos do Círculo de Viena e de Berlim encontrassem terra fértil para se desenvolver, considerando que tanto em Berlim quanto em Viena a filosofia predominante era o Idealismo de Friedrich Hegel (idealismo especulativo). Em 1936, foi publicado o que ficou conhecido como Manifesto do Círculo Positivista, mas que, na época, levava o título de “Escritos sobre a Concepção Científica do Mundo”.

Apesar de conter vários pontos predominantes no Círculo de Viena, nem todos os membros concordavam completamente em todos os pontos. Seja como for, esta publicação deu início a uma série de outras, nas quais os membros do Círculo de Viena tornavam públicas suas ideias sobre filosofia.

As doutrinas do Círculo de Viena estavam ligadas ao ponto de vista empirista, isto é, à concepção de que experiência oriunda dos sentidos ou neles fundamentada é um critério de obtenção de conhecimento. A própria significação linguística deveria seguir este critério.

O interesse principal do Círculo de Viena era o estudo da filosofia da ciência. O acordo básico entre todos os membros era a tentativa de livrar as ciências empíricas das exigências das ciências formais. Faziam uma separação clara entre ciências formais, como a matemática, e a lógica das ciências empíricas, tais como física, química e psicologia. Em outras palavras, eles diferenciavam as afirmações a priori – afirmações que são verdadeiras unicamente em razão das definições dos termos que utilizam – daquelas afirmações a posteriori – afirmações que dizem algo sobre objetos da realidade e que serão verdadeiras apenas a partir de verificação.

Os campos do saber que não usavam nem afirmações a priori, tampouco a posteriori, possuíam afirmações que não faziam sentido. As especulações metafísicas e teológicas não poderiam ser verdadeiras, ou falsas, pois não faziam sentido. Além disto,

George Wilhelm Friedrich Hegel, filósofo alemão. Aos 18 anos de idade, ingressou no seminário protestante de Tubingen, para estudar Teologia, onde conheceu Schelling (1775-1854) e Holderlin (1770-1843) e tornou-se amigo deles. O pietismo, uma das correntes gnósticas do protestantismo, influenciou profundamente o seu pensamento. Hegel iniciou a sua atividade de professor em Berna, na Suíça, entre 1793 e 1796, e, depois, em Frankfourt, de 1797 a 1800. Foi professor e reitor num colégio de Nuremberg (1808), depois professor em Heidelberg e, finalmente, em Berlim (1817-1831), onde permaneceu até a morte.

Disponível em: < http://afilosofia.no.sapo.pt/12Hegel.htm>.

Figura 6.3 Herbert Feigl

Figura 6.4 Hans Reichenbach

Page 139: [5946]Teoria do Conhecimento I

139

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

uma das doutrinas básicas era a rejeição a qualquer forma de intuição racional, isto é, a possibilidade de que se possa ter conhecimento apenas através da “observação interna”. O empirismo era o único critério de verdade.

Ora, a combinação entre Empirismo e a rejeição da intuição racional permitia como critério único para o conhecimento a observação empírica ou a verdade lógica. Com a ressalva de que a lógica possuía verdades a priori, enquanto que as ciências possuíam afirmações que poderiam ser verdades a posteriori. Tal critério proposto pelo círculo obviamente mudou a compreensão das questões filosóficas.

Além disto, o Círculo ficou impressionado com a obra de Ludwig Wittgenstein denominada Tractatus Logico Philosophicus, a qual afirmava que toda filosofia é, de fato, crítica da Linguagem. Esta combinação de pressupostos básicos fez com que o Círculo de Viena considerasse a Filosofia como um saber de segunda ordem, o qual retirava sua validade do trabalho de esclarecimento das proposições das ciências empíricas. Cabia à Filosofia elaborar uma linguagem de segunda ordem, a partir da qual as proposições das ciências seriam construídas de maneira clara e logicamente correta. Esta tese determina consequências terríveis para a Filosofia, pois elimina a possibilidade de que existam questões filosóficas legítimas.

Seja como for, O Círculo de Viena obteve reconhecimento mundial nos anos 30 do século XX. A ideia de uma concepção científica que unificasse todas as ciências foi desenvolvida em várias publicações. Num primeiro momento, eles criaram os Anais de Filosofia. Após algum tempo, o nome é mudado para Erkentniss, o qual ainda hoje é publicado. As conferências eram organizadas por Otto Neurath e, no total, foram quatro conferências, a última acontecendo em 1941. Com a morte de Otto Neurath e a pressão nazista mais forte, muitos membros imigraram ou foram presos e enviados para campos de concentração.

O mentor do Círculo, Moritiz Schlick, (Fig.6.2) foi assassinado por um militante nazista. O mais revoltante neste episódio com Schlick é que o assassino foi libertado devido a argumentos dominantemente ofensivos à memória da família Schlick , e não a fatos que inocentavam o assassino. Por fim, o acusado ficou

Ludwig Josef Johann Wittgenstein foi um pensador da modernidade, filósofo da Matemática, integrante do Círculo de Viena, que contribuiu para a renovação da Lógica na década de 1920, sendo considerado um dos pais da Filosofia Analítica. Fonte: Disponível em <http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u529.jhtm>

Figura 6.6 - Ludwig Wittgenstein.

Page 140: [5946]Teoria do Conhecimento I

140

Universidade do Sul de Santa Catarina

alguns meses na prisão e foi libertado. O partido realizou uma festa para recebê-lo.

Para finalizar esta seção, vamos fazer a ligação entre as ideias filosóficas gerais do Círculo de Viena e sua relação com a linguagem.

Esta ligação entre o projeto filosófico do Círculo e a preocupação com a análise da linguagem ocorre devido à concepção de que a filosofia é uma tarefa de esclarecimento das proposições usadas pela ciência e, junto a isto, a ideia de que nossa linguagem comum deve ser especializada para o uso das explicações científicas. Esta especialização se daria através da analise lógica das proposições.

Segundo Moritz Schlick, a Filosofia deveria ser a clarificação e o aprofundamento da compreensão de nossas práticas cognitivas que são empregadas na linguagem do dia-a-dia. Rudolf Carnap, outro influente membro do Círculo de Viena, defendia a ideia de que a Filosofia deveria investigar, reconstruir e desenvolver uma nova estrutura lógico-linguística que sugerisse convenções formais para a ciência.

Na esteira deste ponto de vista, a grande questão da Filosofia era a de determinar uma clara significação para o discurso empregado pela ciência, e isto, por sua vez, faria com que a linguagem se tornasse a preocupação principal da filosofia do Círculo e da filosofia que se derivou de suas ideias.

Por fim, alguns esclarecimentos quanto à denominação usada normalmente para o Círculo de Viena: você encontrará vários textos denominando as doutrinas do Círculo como “positivismo”. Assim, é muitas vezes chamando de “Círculo Positivista de Viena”.

Obviamente, os membros do círculo apenas aceitavam a possibilidade de conhecermos objetos exteriores a nós, isto é, objetos empíricos. Afora esta possibilidade, sobrariam as proposições da Lógica e da Matemática. Estas, contudo, não dizem respeito à realidade, e sim às definições que utilizamos e à simbologia que é criada.

A expressão “positivismo” se deve à doutrina filosófica do círculo e de seus membros de que a verdade das proposições da ciência está ligada à realidade dos objetos a que se referem. A mesma doutrina vale para as questões que são significativas, isto é, elas são significativas por se referirem a algum objeto perceptível e existente na realidade exterior à mente do indivíduo. Palavras e proposições que não cumpram este critério são sem sentido.

Page 141: [5946]Teoria do Conhecimento I

141

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

Seção 2 – O princípio de verificação

Bem, como você pôde observar na seção anterior, os membros do Círculo de Viena estavam interessados em investigar a estrutura de significação de nossa linguagem. Também dissemos que esta proposta era consequência da crença de que apenas possuem sentido aquelas afirmações que possam ser verificadas através da experiência.

Assim, chegamos ao denominado Princípio de Verificação. Segundo este princípio, qualquer oração afirmativa, aparentemente bem formada, que não seja verdadeira através de uma verificação de experiência sensorial, é sem sentido: não diz nada que possa ser verdadeiro, ou falso. Uma oração interrogativa, aparentemente bem formada, é significativa, se existe alguma experiência sensorial que possa responder a ela de maneira verdadeira, caso contrário esta oração não faz sentido.

Deste modo, o Princípio de Verificação vincula o sentido e o sem-sentido de nossas afirmações e questões diretamente à experiência de verificação daquilo que a afirmação diz ou de uma possível resposta à questão. Vamos explorar mais estas distinções.

A ideia desenvolvida pelos membros do Círculo era a de que a ciência utiliza afirmações que são descritivas da realidade. Por exemplo: a afirmação “existe uma montanha em Florianópolis” é uma afirmação com sentido apenas se, e somente se, for possível verificar, através de nossos sentidos, a existência desta montanha. Se as afirmações dizem respeito a objetos que não são passíveis de alguma experiência sensorial, então são afirmações que não possuem sentido. Tomemos outro exemplo. A afirmação “existem ideias verdes” não faz sentido algum, pois o que ela afirma não poderá ser verdadeiro, ou falso, tendo em vista que é uma afirmação mal construída. Não existe possibilidade de verificarmos as cores das ideias. Considerando tudo que sabemos sobre ideias, elas não são objetos que possam ter, ou não, cor. Assim, é estabelecido um critério bem nítido de tipos de afirmações que podemos verificar, ou não. As que não podem ser verificadas não fazem sentido.

Page 142: [5946]Teoria do Conhecimento I

142

Universidade do Sul de Santa Catarina

Uma distinção importante que devemos fazer quanto ao princípio de verificação é que ele nos fala de afirmações e questões que não fazem sentido, pois são mal construídas. Entretanto é necessário que separemos aquelas afirmações que são falsas das que não fazem sentido. Pode parecer complicado, mas de fato não é. Veja: quando alguém diz que elefantes brancos voam, ele está elaborando uma afirmação mal construída. A construção da afirmação viola as regras lógicas da gramática.

Uma afirmação como “Existe uma montanha coberta de pedras verdes em Florianópolis” pode ser verdadeira, ou falsa, pois, mesmo que não acreditemos em pedras verdes, é possível que façamos uma expedição a uma montanha de Florianópolis para verificar o que a afirmação diz. Caso não existam pedras verdes em nenhuma das montanhas de Florianópolis, então a afirmação é falsa. Veja bem, a falsidade está ligada à não existência do que é afirmado existir. Por outro lado, a atribuição de falta de sentido está ligada à violação de leis lógico-gramaticais.

Por exemplo, atribuir cor a uma ideia é infringir leis lógicas, logo não é possível averiguar a cor de uma ideia.

Assim, a noção de falsidade e de verdade se tornam dependentes da verificabilidade do que é afirmado. Este critério permite que a ciência possua uma estrutura conceitual totalmente controlável e, ao mesmo tempo, que nossas afirmações de conhecimento possam ser verificadas.

Por exemplo: quando, numa empresa, os administradores fazem afirmações sobre o estado precário de alguma estrutura da empresa, é possível que você verifique se a afirmação de precariedade é, de fato, verdadeira. O que o administrador está afirmando, se tem a pretensão de ser conhecimento, deve ser verificável segundo o ponto de vista do Círculo de Viena. Isto significa que é preciso ir ao local examinar a precariedade da estrutura em questão. Mesmo que o administrador faça uma afirmação sobre toda uma seção da empresa, você poderá adotar algumas medidas verificacionistas quanto ao que ele afirma. Você pode, por exemplo, tabular dados sobre a produtividade daquela seção da empresa. O mesmo pode ocorrer naquelas reuniões da empresa ou da escola, por exemplo.

Page 143: [5946]Teoria do Conhecimento I

143

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

As afirmações que são lançadas nestas reuniões podem ser classificadas como (a) falsas, (b) verdadeiras ou (c) sem sentido. As afirmações do tipo (a) e (b) são verificadas pela realidade, isto é, dizer verdade e falsidade são relações entre a realidade e o que é dito. Se o que é dito é verificado pela realidade, então é o caso (a), verdadeiro. O mesmo vale para o caso (b): se o que é dito não é verificado pela realidade, então, temos uma afirmação falsa. Quanto ao caso (c), ele deve ser compreendido como uma violação das regras lógico-sintáticas da linguagem, isto é, são afirmações que não fazem sentido.

Este critério permite que as afirmações de conhecimento sejam construídas a partir de um parâmetro de significação linguístico, isto é, as afirmações poderão conter determinados tipos de conceitos que são significativos em relação com a realidade, ou não. Por outro lado, algumas afirmações não são gramaticalmente bem construídas e, quanto a estas, nenhuma resposta significativa é possível.

Por exemplo: entre duas afirmações como “Existem objetos externos” e “Não existem objetos externos”, não podemos decidir qual é verdadeira e qual é falsa, pois ambas são afirmações que, apesar de mostrarem uma gramática adequada, não são verificáveis. Ambas as afirmações dizem respeito a toda uma classe, e não apenas a determinados objetos. Ora, uma afirmação como “Existem cadeiras” é verificável através da experiência, o mesmo para “Existem quadros-negros”. Contudo a afirmação de que os objetos existem, ou é verificável através da experiência com qualquer objeto, ou não faz sentido, pois ela ultrapassa a possibilidade de verificação.

Page 144: [5946]Teoria do Conhecimento I

144

Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – Verificacionismos

O Círculo de Viena apresentou variantes do Princípio de Verificação. Inicialmente, temos uma versão “estrita”, isto é, uma adesão irrestrita ao princípio. Este período inicia-se com Moritz Schlick, em 1922, até 1935. De 1935 em diante, algumas críticas fazem com que se adote uma versão menos restrita.

A crítica mais amplamente feita é a que questiona a aceitabilidade do Princípio de Verificação em suas próprias bases. Assim, caberia ao verificacionista demonstrar a verdade de seu princípio com base no que estabelece o próprio princípio. Ou seja, qual a possibilidade de que o Princípio de Verificação seja verificado através da experiência? Além disto, muitas leis da ciência fazem afirmações que vão além da própria verificabilidade empírica.

Um exemplo deste tipo seria a lei da queda universal dos corpos, a qual apenas pode ser atribuída à natureza, ainda que não seja “observada”. Creio que não é difícil perceber que não observamos a lei, e sim uma experiência de um corpo caindo ou subindo (no caso de um balão cheio de gás). Mas nenhum destes casos “é” a lei da queda universal dos corpos. Considerando estes problemas, é necessário amenizar a força do Principio de Verificação.

Neste contexto, surge a obra de Rudolf Carnap, Testabilidade e Significado, que foi publicada na revista oficial do círculo, em 1936. Carnap substitui “verificação” por “confirmação”. O raciocínio de Carnap aceita algumas das críticas que foram feitas ao princípio e formula uma concepção de confirmação em que as condições de verdade de uma proposição aceitam a confirmação das leis da ciência.

Rudolf Carnap viveu em Praga, Tchecoslováquia (1931-1935), fugindo em seguida do nazismo para os estados Unidos, onde lecionou nas universidades de Chicago e Harvard. Com o sociólogo Otto Neurath, seu contemporâneo no Círculo de Viena, e com o filósofo Charles Morris, fundou a International encyclopedia of Unified Science (1938). Ainda participou do Instituto de estudos Avançados da Universidade de Princeton (1952-1954) e esteve na Universidade da Califórnia (1955-1956), onde estudou a lógica indutiva. estudioso dos problemas da linguagem, mostrou especial interesse pelas línguas artificiais, e defendeu a utilização do esperanto e da interlíngua, desenvolvida pelo matemático e linguista Giuseppe Peano. Morreu em Los Angeles. Disponível em: <www.brasilescola.com/biografia/rudolf-carnap.htm>.

Figura 6.7 - Rudolf Carnap.Fonte: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic-art/96234/36660/Rudolf-Carnap-1960>.

Page 145: [5946]Teoria do Conhecimento I

145

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

A verificação de uma lei científica deveria ser elaborada através do exame de cada caso particular, para que fosse possível afirmar que a lei é verdadeira. Contudo verificar cada caso particular implica uma tarefa infinita, pois todos os casos da lei seriam instâncias de sua verificação e, assim, qualquer caso que não fosse verificado poderia ser um caso em que a lei não se verifica. Logo, ou a verificação é total, ou não funciona. Carnap resolve introduzir a noção de confirmabilidade.

Uma afirmação é totalmente confirmável, se cada predicado contido nesta afirmação puder ser reduzido a uma classe de predicados observáveis. Ou seja, as afirmações sobre uma classe de indivíduos (por exemplo, corvos negros) é confirmável, se estas afirmações puderem ser reduzidas a determinadas afirmações sobre um indivíduo particular da classe e observável (por exemplo: um corvo negro específico).

Por outro lado, é possível que uma afirmação não seja totalmente confirmável, mas confirmável apenas tendo em vista que não é possível reduzi-la a um indivíduo em particular, a não ser através de uma serie infinita de etapas. Num terceiro caso, dizemos que uma afirmação é completamente confirmável, se cada predicado usado na afirmação puder ser reduzido a um ou outro indivíduo, isto é, neste caso a afirmação poderá ser verificada através de método empírico.

Consequentemente, os critérios oferecidos por Carnap serão quatro, cada um com um grau menor de exigência. Observe.

O mais exigente dos quatro critérios exige uma comprovação completa: “toda afirmação sobre a realidade deverá ser verificada rigorosamente”. Para que tal critério seja levado adiante, é necessário que tenhamos um método de verificação em cada caso da afirmação, para sabermos se os predicados usados são empiricamente verificáveis.

Um segundo critério será: “toda afirmação sobre o mundo deverá ser completamente confirmável”. Este critério não exige a verificação passo a passo, mas a possibilidade de que todos os predicados envolvidos na afirmação possam ser verificados, mas não que sejam comprovados.

Page 146: [5946]Teoria do Conhecimento I

146

Universidade do Sul de Santa Catarina

Um terceiro critério é: “toda afirmação sobre o mundo deve ser comprovável”. Neste caso, a comprobabilidade é uma exigência de longo prazo, isto é, espera-se que a afirmação seja comprovável.

Por fim, o quarto critério, e o mais liberal de todos, exige que “toda afirmação sobre o mundo deve ser confirmável”.

Como você pode ver, o Verificacionismo do Círculo de Viena foi sendo amenizado aos poucos, para dar conta dos casos surgidos na compreensão científica, e não em casos de estudos do conhecimento. Estes critérios podem ser empregados na compreensão de nossas afirmações sobre o mundo e sobre os objetos do mundo. Vejamos, agora, como o verificacionismo trabalha seus argumentos diante de uma proposta filosófica como a do Ceticismo.

Seção 4 – Verificacionismo e Ceticismo

Bem, você já percebeu que o ponto de vista do Círculo de Viena e seu critério de verificabilidade possuem dois princípios básicos, quais sejam: por um lado, apenas admitem que conhecemos objetos através de nossas experiências sensoriais, o que significa aceitar apenas o ponto de vista empirista quanto à possibilidade do conhecimento; por outro lado, o critério de verificabilidade fornece significado às afirmações empregadas. Estes dois critérios fornecem a base a partir de onde o Círculo de Viena avaliava todos os outros pontos de vista filosóficos.

O ponto de vista cético é concebido como sem sentido, pois, ao afirmar que “não conhecemos objetos externos a nós”, o cético elabora uma afirmação que não permite verificação. Mesmo que você apresente um caso de conhecimento, isto não será válido, pois o verificacionista exige que você prove que falar da impossibilidade de todo conhecimento é uma afirmação que poderia ser verificada por alguma instância da realidade. Ora, é complicado entender esta exigência, por ela implicar a impossibilidade da verificação, isto é, não se sabe como seria possível verificá-la.

Quando comparamos o cenário da primeira meditação de Descartes com o que argumentam os verificacionistas, percebemos que para eles o cenário é impossível. Não é concebível que se

Page 147: [5946]Teoria do Conhecimento I

147

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

duvide da “existência de objetos” sem que, ao mesmo tempo, esta expressão possa ser significativa. Ora, para que a expressão seja significativa, ela deve dizer respeito a alguma coisa da realidade. Contudo não é possível verificar a expressão “existência de objetos”. Tudo que você poderia mostrar seriam objetos (não esqueça que os verificacionistas são empiristas), mas, no caso desta expressão (existência de objetos), não há objeto que a verifique.

Ao mesmo tempo, podemos dizer que a expressão em questão não é logicamente bem construída, pois, quando falamos de objetos, a existência dos mesmos deve estar pressuposta. Mas, como se vê, não é o caso da expressão: quando digo “existem cadeiras”, não estou atribuindo existência às cadeiras, e sim informando algo (as cadeiras) a alguém. O caso do cético – segundo os verificacionistas – deve ser interpretado da mesma forma. Concluindo, o Ceticismo não faz sentido.

Se retomarmos agora a estória que está no início do livro-texto, teremos de adequar estes argumentos verificacionistas com a situação de Harry. Se Harry fosse um verificacionista, estaria ele numa posição melhor do que aquela em que se encontra no final da estória? Bem, o ponto central é: se Harry adotar o verificacionismo, ele poderá provar que não é um cérebro numa cuba? A resposta poderá ser afirmativa, se as afirmações de Harry sobre o mundo puderem ser verificadas. A única forma de verificação admitida é a experiência direta com os objetos dos sentidos. Ora, mas este é o problema de Harry (e o nosso quando enfrentamos o Ceticismo), isto é, como provar que os objetos que estamos percebendo estão na realidade, e não em nossa imaginação.

A resposta do verificacionista não ajudará Harry (nem a nós), pois ele insiste que se deve averiguar o que se passa ao nosso redor para confirmar a afirmação de existência de objetos. Com isto, vemos que o questionamento cético ainda triunfa sobre o verificacionismo. Harry não estaria em boa companhia, se o verificacionista o fosse ajudar.

Outro problema acompanha a tese verificacionista, qual seja, o problema quanto ao que o verificacionista deseja que aceitemos. Vejamos o caso: estamos tentando encontrar uma resposta ao cético que afirma que não temos conhecimento de objetos exteriores a nós. Ou seja, segundo o desafio cético, não temos justificativas para afirmar que percebemos objetos exteriores a nós.

Page 148: [5946]Teoria do Conhecimento I

148

Universidade do Sul de Santa Catarina

O cético não está afirmando que não atribuímos significado às nossas palavras ou que não as podemos verificar. Antes seu desafio é o de que devemos provar que temos conhecimento de um mundo exterior à nossa mente ou à nossa imaginação. A resposta do verificacionista é afirmar que esta questão não faz sentido, porque as palavras com as quais foi formulada e a questão como um todo não são verificáveis. Contudo esta não é uma boa resposta, pois o cético poderá contra-argumentar, dizendo que suas palavras não estão em questão, e sim a realidade que descrevem.

Ou seja, a acusação lançada pelo verificacionista apenas teria algum efeito, se o cético admitisse que há uma realidade exterior a nós, mas que não conseguimos atingir. Contrariamente a isto, o cético afirma que não há como determinar uma realidade exterior.

Além disto, o verificacionista não parece estar respondendo adequadamente, pois ele exige que o cético “construa afirmações que possam ser verificadas pela experiência”, mas é exatamente a experiência que o cético está colocando em questão. Ele poderia perguntar “que realidade? Como provar que há uma realidade que forneça sentido às nossas afirmações?”. Assim, vemos que a proposta verificacionista não surte o efeito desejado e, por mais atrativa que possa ser, não é uma resposta legítima. O postulado do princípio de verificação deve ser provado para o cético como estando além de suas dúvidas, isto é, o princípio deveria ser inquestionável por constituir-se na base da própria questão do Ceticismo. Contudo este não é o caso, como podemos ver.

Por fim, mais uma vez analisamos uma resposta internalista ao questionamento cético. Você deve lembrar que esta distinção é muito importante, quando se trata de justificar nosso conhecimento.

Muitas das respostas que estudamos aqui cometiam o erro de ver no questionamento cético uma pergunta mal construída ou logicamente incoerente. A partir disto, forneciam respostas que se constituíam em exemplos de conhecimentos particulares. Mas a questão do cético é externa, isto é, é uma questão que põe em dúvida todo e qualquer conhecimento. Responder ao cético, mostrando-lhe que sua pergunta não faz sentido, ou que existe determinado objeto e, portanto, não há dúvida, não se constitui numa boa resposta.

Page 149: [5946]Teoria do Conhecimento I

149

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

Imagine que você é Harry, que vivenciou aquela experiência tenebrosa, que agora está buscando uma resposta a sua questão: “Estarei sentido o que sinto agora em minhas mãos e pés? Estas percepções são minhas ou são geradas pelo neurocirurgião maligno?” A resposta que você deseja não é uma informação de que suas palavras não fazem sentido ou de que, para fazer esta pergunta, você deve ter alguma forma de verificar se a pergunta pode ser respondida. Ora, é justamente isto que está em questão!

Este é o caso da proposta do Círculo de Viena. Para eles, o ceticismo é apenas um entrave que herdamos de uma era passada da Filosofia tradicional (lembre-se de Quine tentando fazer da epistemologia uma parte da ciência, ao naturalizá-la), um questionamento que está superado pela ciência e pela construção correta de nossas afirmações.

Bem, tais argumentos não percebem que o cético filosófico é, de fato, nosso companheiro de investigação. Ele nos força a justificar os passos de nossa argumentação, mostrando a pertinência de cada afirmação e a firmeza de seus fundamentos.

Assim, segundo o ponto de vista filosófico do Círculo de Viena, as questões filosóficas devem acompanhar as descobertas científicas e as necessidades do pensamento científico. A Filosofia se torna um esclarecimento da linguagem da ciência.

Com isto, várias questões tradicionais da investigação filosófica são colocadas de lado, ora como sendo sem sentido, ora como sendo problemas de construção lógica. Este tratamento é dispensado ao Ceticismo. Contudo a argumentação do cético é bem mais coerente que uma mera troca de palavras ou alguma espécie de erro nas inferências lógicas.

O cético está questionando os fundamentos de nosso conhecimento, e não uma parte dele. Quando os filósofos do Círculo de Viena tomaram o Ceticismo como uma questão não digna de investigação, caíram vitimas do próprio ceticismo. Quando Sexto Empírico publicou as hipóteses pirrônicas, construiu a explicação da diferença entre o Ceticismo e o Dogmatismo. Os filósofos dogmáticos são aqueles que acreditam que a verdade só poderá ser estabelecida, quando obtivermos certezas quanto às essências dos objetos e ideias que investigamos. Para um filósofo dogmático, segundo esta

Page 150: [5946]Teoria do Conhecimento I

150

Universidade do Sul de Santa Catarina

classificação de Sexto Empírico, alcançamos a verdade e acreditamos que ela é alcançável.

O filósofo cético, ao contrário, não é o que nega a possibilidade da verdade. Antes, o cético acredita que a verdade não poderá ser alcançada, mesmo que ela exista. Isto, contudo, não o impede de continuar investigando as bases de onde poderemos construir a verdade.

Síntese

Nesta unidade, aprendemos mais um pouco sobre o problema lançado pelo Ceticismo frente ao conhecimento. Ficamos sabendo que o Círculo de Viena possuía uma resposta ao problema do conhecimento, e que tal resposta ligava as afirmações de conhecimento com a verificação do que é dito na realidade. Aprendemos também a relacionar nossas afirmações com a realidade através do estudo do Princípio de Verificação. Por fim, avaliamos a resposta que o cético forneceria à proposta do Círculo de Viena quanto ao conhecimento.

Atividades de autoavaliação

Para aprofundar seus estudos, resolva as seguintes questões:

1. Segundo a doutrina principal do Círculo Positivista de Viena, todo conhecimento é adquirido através da experiência. Assinale, dentre as afirmações abaixo, quais as que estão de acordo com este princípio geral.

( ) A Lógica é uma ciência que nos fornece conhecimentos fundamentados nas experiências obtidas através de nossos sentidos perceptivos.

Page 151: [5946]Teoria do Conhecimento I

151

Sistemas Integrados de Gestão - SIG

Unidade 6

( ) A Lógica é uma ciência formal, pois lida apenas com as formalizações da estrutura de nosso raciocínio, tal como na Matemática. Portanto, a Lógica não trabalha com a experiência.

( ) A Física é uma ciência natural que necessita trabalhar com objetos do mundo e, portanto, exige que nossos conhecimentos baseiem-se em nossa experiência perceptiva.

( ) A Psicologia poderá ser uma ciência que trabalhe com nossas experiências com objetos do mundo, se ela apenas se dedicar a estudar os aspectos empíricos do ser humano, isto é: seu comportamento e seu cérebro.

( ) Todas as ciências humanas são interpretações da ação do ser humano e, portanto, são ciências naturais que lidam com a experiência obtida através de nossos sentidos.

2. Forneça cinco distinções entre “ciências formais” e “ciências naturais”.

3. Explique com suas palavras qual a vantagem oferecida pelo critério de verificação elaborado pelo Círculo Positivista de Viena, para a linguagem científica.

Page 152: [5946]Teoria do Conhecimento I

152

Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

O ponto de vista do círculo de Viena é bem documentado na literatura filosófica brasileira. Assim, você encontrará várias obras sobre o tema desta unidade.

STEGMULLER, Wolfgang. História da Filosofia Contemporânea, São Paulo, EPU/EDUSP 1878 (volume 1 e 2,) É uma ótima obra de referência para tudo que discutimos nesta unidade e nas anteriores. Stegmüller não tratou diretamente do tema do ceticismo, mas fornece muitas analises importantes sobre o Positivismo.

NORRIS, Christopher. Epistemologia, São Paulo, Artmed Editora, 2008. Neste livro, este professor da Universidade de Cardiff trata do tema da possibilidade do conhecimento em vários capítulos. O interessante da obra de Norris (apesar das críticas quanto a sua correção epistemológica) é que tenta fazer uma ponte entre a tradição analítica da Filosofia e a tradição continental.

Esta diferença é histórica na Filosofia e remonta a aceitação da obra do Imanuel Kant. O Reino Unido (a ilha) não aceitou muito bem a filosofia de Kant e apegou-se ao estilo Empirista do David Hume e criou o estilo de filosofia mais voltado para a lógica e a experiência. No início do séc. XX surgiu o nome Filosofia Analítica. Por outro lado, Filosofia Continental é o nome da filosofia que segue a obra de Kant e seus “subprodutudos” como Nietszche, Schoppenhauer, Hegel, Schelling... Assim, o mundo filosófico ficou dividido entre a filosofia da Ilha (filosofia analítica) e a filosofia Continental (o resto da Europa).

Page 153: [5946]Teoria do Conhecimento I

UNIDADe 7

Fundacionalismo

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade você terá subsídios para:

� Compreender os principais argumentos do Fundacionalismo em Teoria do Conhecimento.

� Analisar os principais problemas, do ponto de vista fundacionalista.

� Compreender como surge o problema das outras mentes.

� entender os argumentos fundacionalistas frente ao desafio cético de nosso conhecimento.

Seções de estudo

Seção 1 Argumentos fundacionalistas

Seção 2 Problemas no Fundacionalismo

Seção 3 Fundacionalismo sem infalibilidade

Seção 4 Outras mentes

Seção 5 Possíveis respostas ao problema das outras mentes

Seção 6 Fundacionalismo e Ceticismo

7

Page 154: [5946]Teoria do Conhecimento I

154

Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo

Nesta unidade, você estudará o ponto de vista fundacionalista em Teoria do Conhecimento. Vamos analisar o ponto de vista de que nosso conhecimento se fundamenta em algumas crenças básicas e infalíveis. Você analisará o que significa esta infalibilidade que exigimos de nossas crenças básicas e quais as consequências para nosso conhecimento diante da possibilidade de que não tenhamos crenças tão firmemente fundamentadas. Compararemos o ponto de vista fundacionalista com as exigências que faz o ceticismo quanto à existência do mundo exterior. Encerraremos esta unidade, estudando um pouco a argumentação de Ludwig Wittgenstein e as conclusões a que ela nos conduz, quanto ao nosso conhecimento.

Muito bem, preparado (a)? Então vamos em frente.

Seção 1 – Argumentos fundacionalistas

Todas as unidades que você estudou até agora se posicionam dentro de um determinado ponto de vista sobre o conhecimento. Este ponto de vista é denominado Fundacionalismo. Todos os outros pontos de vista sobre nosso conhecimento partem de uma crítica ao Fundacionalismo, ou de uma tentativa de superar suas dificuldades.

De qualquer forma, se você compreender adequadamente os argumentos fundacionalistas, sua compreensão dos outros pontos de vista ficará mais fácil.

Gostaria de salientar que, nas unidades anteriores, estudamos o desafio cético ao ponto de vista fundacionalista. Nesta unidade, vamos estudar alguns problemas identificáveis no Fundacionalismo e, ainda, a sua relação com o Ceticismo no que remete ao nosso conhecimento.

O Fundacionalismo possui uma ideia básica, qual seja, a de que nossas crenças são divididas em dois grupos: no primeiro grupo, temos as crenças básicas, as quais não necessitam de base em outras crenças; no segundo grupo, temos as crenças que são derivadas destas, isto é, crenças que são constituídas com base em outras.

Page 155: [5946]Teoria do Conhecimento I

155

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

As primeiras crenças são o que podemos denominar fundamento epistemológico, enquanto que as segundas são uma superestrutura montada sobre estas primeiras crenças. De acordo com o ponto de vista fundacionalista, a distinção entre crenças básicas e crenças da superestrutura é elaborada a partir do seguinte critério: as crenças básicas são aquelas que dizem respeito à natureza de nossos estados sensoriais ou perceptivos: nossa experiência imediata. Estas crenças não necessitam suporte de outras: elas se mantêm por si mesmas. Já as crenças que fazem parte da superestrutura necessitam de apoio destas primeiras crenças. Vamos analisar um exemplo, a fim de fixar estes argumentos.

Quando falamos a respeito de “saber que horas são nós estamos envolvidos por dois tipos de estruturas diferentes. Uma primeira estrutura é nossa percepção. Ou seja: primeiramente, temos de saber que estamos vendo um relógio, que estamos acordados,

que não estamos sonhando, que sabemos as cores do relógio e assim por diante. Sobre estas crenças básicas, erguemos a superestrutura de outras crenças, quais sejam,

saber o que é “ver” as horas, as diferenças entre ponteiro dos minutos e ponteiro dos segundos (se for um relógio analógico), o significado dos números que aparecem no display ou tela do relógio, o significado daqueles dois pontos um sobre o outro e que separam os números, o significado das letras “AM” e “PM” (se for um relógio digital), etc...

Assim, você percebe que o Fundacionalismo separa em cada conhecimento aquilo que pertence à experiência e o que é baseado ou fundamentado na experiência. Sendo assim, o Fundacionalismo dá expressão a um dos principais argumentos do Empirismo: de que todo nosso conhecimento é derivado da experiência. Segundo argumenta o fundacionalista, qualquer crença que não for sobre nosso aparato sensório ou nossa percepção, deverá ser justificada através das crenças da experiência imediata.

Page 156: [5946]Teoria do Conhecimento I

156

Universidade do Sul de Santa Catarina

Resumindo estes argumentos, poderíamos afirmar que, para um fundacionalista, você consegue dizer que horas são neste momento, porque seu conhecimento sobre as horas poderá ser fundamentado em sua experiência imediata. Ainda, seu conhecimento dos significados dos símbolos exibidos pelo visor ou display do relógio deverá ser baseado em suas crenças da experiência imediata.

Retomando o caso de Harry na estória da unidade 1: para que Harry saiba que não é um cérebro numa cuba, deve ter certeza de estar vendo, sentindo, percebendo algo real, e não uma ficção criada em sua mente pelo cientista maligno.

Mas você poderá indagar-se por qual razão as crenças da experiência imediata não são justificáveis através de outras crenças; por qual razão estas crenças não necessitam do suporte de outras.

Ora, estas suas questões trazem à tona o terceiro elemento do Fundacionalismo tradicional, qual seja: o de que, para o Fundacionalismo, nossas crenças sobre nossas experiências sensoriais são infalíveis. É devido a este argumento que as crenças da experiência imediata podem servir de base ou suporte para outras crenças: elas se mantêm por si mesmas.

Veja, dado que este ponto de vista tenta explicar nosso conhecimento, então, qual a tarefa que ele atribui à Teoria do Conhecimento ou Epistemologia? Claro, você dirá, a tarefa da Epistemologia é demonstrar como nossas crenças sobre o mundo exterior, a ciência, sobre o passado e o futuro, sobre outras mentes além da nossa, podem ser justificadas (ou reduzidas a) pelas crenças infalíveis sobre nossos estados sensoriais. Se conseguirmos fazer isto, então as exigências de conhecimento correto estariam satisfeitas, se não, cairíamos no Ceticismo.

Creio que agora você deve ter-se dado conta que o questionamento do cético, o qual estamos estudando neste texto, é extremamente perigoso para a epistemologia Fundacionalista.

Page 157: [5946]Teoria do Conhecimento I

157

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Quais seriam os motivos que levaram os epistemólogos ou filósofos que estudam a teoria do conhecimento a adotar este tipo de ponto de vista? Bem, existem alguns argumentos que justificam sua adoção. Ainda que possamos discordar destes argumentos ou encontrar algumas falhas quando os analisamos, o certo é que os fundacionalistas possuem razões para adotar seu ponto de vista. Vejamos.

a) Probabilidade

Bem, você deve saber que a probabilidade de algo ocorrer não corresponde a uma certeza, isto é, nós sempre queremos saber qual a probabilidade de que algo ocorra, e não a probabilidade absoluta. Ou seja, a probabilidade é sempre relativa segundo determinadas evidências. Por exemplo: se perguntarmos ao probabilista “Qual a probabilidade absoluta de que Red Lady ganhe o terceiro páreo desta tarde?”, ele redarguirá, afirmando que não poderá nos fornecer uma probabilidade absoluta, e sim uma probabilidade aproximada. Ou seja, dados os páreos anteriores, as corridas anteriores e as posições de chegada e partida de Red Lady, é provável que ganhe a corrida. Mas não é absolutamente certo que será assim. Que tal colocar isto em símbolos para visualizar melhor?

P= probabilidade

h= hipótese (que Red Lady ganhe o páreo desta tarde)

e= evidência

Assim, escrevemos P(h/e) e lemos “a probabilidade de que Red Lady vença o páreo desta tarde, dadas as evidências disponíveis”. Estas probabilidades são normalmente expressas através de uma escala de 0 a 1 (zero até 1). Logo, se P(h/e)=1, então é provável que Red Lady vença o páreo, mas se P(h/e)=0, então é provável que Red Lady não vença. Contudo, se P(h/e) for igual a 0,5, então é tanto possível que Red Lady ganhe o páreo, quanto que o perca.

continua

Page 158: [5946]Teoria do Conhecimento I

158

Universidade do Sul de Santa Catarina

Nosso ponto central aqui é o seguinte: calculamos as probabilidades de que algo venha a ocorrer a partir de algumas evidências que temos à mão. Contudo estas evidências, por sua vez, devem ter alguma probabilidade anterior.

Ora, “e” é uma evidência com base em outras evidências, e assim por diante, indefinidamente. Necessitamos de alguma coisa certa, que funcione como uma base inquestionável, a partir da qual possamos construir nossas probabilidades. Necessitamos de evidências cuja probabilidade seja “1”. Esta base deverá ser constituída pelas proposições de nossa evidência imediata.

Um dos mais eminentes fundacionalistas, C. I. Lewis, afirmou certa vez: “A não ser que alguma coisa seja certa, nada mais poderá ser provável”

Bem, este é um dos argumentos elaborados para que aceitemos a necessidade do Fundacionalismo. Existem outros, veja na sequência.

b) Argumento do regresso ao infinito

Chamamos de “regresso ao infinito” a atitude de buscar uma prova para a prova que se está fornecendo, e assim por diante. Assim, se eu tento provar para uma pessoa que o automóvel tipo 1.000 cilindradas gasta mais combustível que um automóvel de 2.000 cilindradas, terei de fornecer provas que satisfaçam o que afirmo (estatísticas, casos passados, investigações científicas, etc.).

Contudo, se a pessoa a quem pretendo provar minha afirmação pedir uma prova para cada prova que lhe forneço, ela me estará fazendo entrar num regresso ao infinito. E assim, a não ser que eu lhe forneça uma prova definitiva.

O ponto de vista fundacionalista busca fornecer este tipo de prova final, quando baseia todas as nossas crenças em crenças mais básicas, retiradas de nossa experiência sensorial. Bem, vamos ver como este argumento de regresso ao infinito serve como motivador do Fundacionalismo.

Concordamos que nossas crenças são justificadas através do apelo a outras crenças. Normalmente dizemos, nos estudos de epistemologia, que estas crenças são obtidas de forma inferencial,

Figura 7.1 - Clarence Lewis Irving ( 1883 – 1964).

Page 159: [5946]Teoria do Conhecimento I

159

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

isto é, através de crenças básicas inferimos outras crenças que constituirão a superestrutura.

Por exemplo, quando acredito que “ao tocar no interruptor, a luz acenderá”, estou justificado em minha crença de maneira inferencial. Ou seja, inferi de outras crenças - que, por sua vez, não foram adquiridas através de inferências - que já tive em ocasiões similares no passado com o mesmo tipo de experiência de acender a luz.

Ora, segundo o argumento do “regresso ao infinito”, estas crenças “passadas” deveriam ser provadas. Mas esta exigência faz com que não consigamos elaborar nenhuma crença Assim, a ideia do fundacionalista é que nossas crenças devem ser justificadas inferencialmente, e, para tanto, algumas crenças não serão obtidas através de inferências, elas serão crenças básicas e justificadas por si mesmas. Se não admitirmos a necessidade destas crenças “não inferenciais”, nosso raciocínio não fará progressos. Não conseguiremos elaborar nenhuma inferência justificada.

Bem, que isto é assim fica fácil de perceber através do seguinte raciocínio: imagine que você possui uma crença A. Você a justifica através de duas outras crenças B e C. Ora, você ainda não provou que A é justificada. Você apenas disse que B e C são justificadas, e que por isto A também é justificada. Sendo assim, a justificação por inferência é condicional (depende da verdade de outras crenças).

No caso que estamos analisando, A é condicionada à verdade de B e C. Mas, se todas as crenças são justificadas da mesma forma que A, então todas as nossas justificativas são condicionais, pois cada uma depende de uma inumerável série de crenças anteriores a ela. O argumento do regresso ao infinito nos deixa na situação paradoxal de que nossas crenças inferenciais são todas condicionais. Não existiriam crenças básicas, não condicionais. Entraríamos num círculo vicioso, caso admitíssemos somente crenças não-inferenciais. Logo, a base principal do argumento fundacionalista é que os dois tipos de crenças devem coexistir.

Page 160: [5946]Teoria do Conhecimento I

160

Universidade do Sul de Santa Catarina

c) Infalibilidade e justificação

Os dois argumentos anteriores podem ser combinados para que se forneça outro argumento favorável ao Fundacionalismo. Assim, o argumento é que toda crença infalível é justificada de maneira não-inferencial. Uma crença infalível poderá ser justificada, mas não retira sua justificação de outra crença qualquer, ela não necessita de nenhum suporte inferencial. Ao mesmo tempo, nada poderá minimizar a probabilidade de que uma crença infalível seja verdadeira, pois ela é justificada, isto é, não temos nenhuma razão para colocá-la em questão, ou supor que ela é falsa. Isto faz com que a ameaça do regresso ao infinito seja afastada.

Vamos analisar mais um pouco este argumento conjunto, a fim de compreendê-lo bem.

Vamos trabalhar com o seguinte exemplo: alguém afirma que A é uma crença verdadeira, pois está apoiada em B e C. As crenças B e C devem ser consideradas crenças retiradas de nossa experiência sensorial. Considerando este fato, B e C também são justificadas sem recurso a nenhuma inferência, pois não temos motivos para duvidar tanto de B quanto de C.

Nós teríamos motivos para duvidar de B e C, se aceitássemos que estas crenças são obtidas através de inferências. Neste caso, exigiríamos provas de cada inferência. Entretanto o fundacionalista assume que B e C são crenças infalíveis, logo, justificadas e, portanto, indubitáveis. A infalibilidade elimina o regresso ao infinito.

Page 161: [5946]Teoria do Conhecimento I

161

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Seção 2 – Problemas no Fundacionalismo

Bem, creio que você já conseguiu entender qual o objetivo do fundacionalista e como ele elabora seus argumentos. Como já foi dito mais acima, este ponto de vista na Epistemologia é o que dá origem a todos os outros pontos de vista que tentam explicar nosso processo de conhecer.

Contudo o Fundacionalismo apresenta muitos flancos, por assim dizer, que podem ser questionados. Vamos nos concentrar agora em um destes questionamentos, depois apresentaremos mais alguns.

O fundacionalista exige que algumas de nossas crenças devem ser infalíveis e justificadas. Segundo ele, estas crenças são aquelas fundamentadas em nossa percepção ou em nosso aparato sensório. Todas as crenças que forem assim fundamentadas possuem o caráter de serem infalíveis. Entretanto qual o propósito de buscar este tipo de crenças? Sabemos que nossas inferências, mesmo que baseadas em premissas infalíveis, podem nos conduzir a conclusões falsas.

É interessante, a este respeito, um exemplo criado pelo filósofo inglês Bertrand Russell para demonstrar que, de premissas verdadeiras, podemos chegar a conclusões que são falsas. O exemplo elaborado por Russell é um pouco dramático: certa vez, um peru foi comprado por uma família algumas semanas antes do Dia de Natal.

Ocorre que este peru era extremamente lógico e, como não sabia o que iria ocorrer com ele, passou a anotar cada dia que era alimentado. Depois de algumas semanas, o peru havia construído

uma quantidade de premissas verdadeiras e elaborou uma inferência cuja conclusão era “Amanhã serei alimentado às 10 horas”. Contudo, naquele dia, o peru foi para a mesa da família: era noite de Natal ...

Page 162: [5946]Teoria do Conhecimento I

162

Universidade do Sul de Santa Catarina

Ou seja, premissas verdadeiras podem nos conduzir a conclusões falsas. Assim, é possível questionar o fundacionalista quanto à necessidade das premissas infalíveis, uma vez que o raciocínio inferencial poderá conduzir à falsidade.

Outro problema para o Fundacionalismo são as crenças baseadas em nossa percepção. Segundo o fundacionalista, estas crenças são infalíveis. Contudo por qual razão cometemos erros de percepção? É certo que, muitas vezes, nossos sentidos nos enganam, logo mesmo as crenças pretensamente infalíveis poderão conter erros.

Os grandes fundacionalistas argumentam quanto a isto o seguinte: não são nossas crenças oriundas da percepção que estão erradas, e sim a maneira como descrevemos nossas percepções.

O filósofo inglês Alfred J. Ayer (1910-1989) argumenta que, quando nos enganamos quanto à cor de um determinado objeto, não é nossa crença quanto à cor que está errada, e sim a maneira como descrevemos esta cor. Por exemplo: posso estar enganado quanto à cor da fruta que está sobre a mesa, ela me parece laranja, mas poderá ser uma fruta de certo tom de vermelho.

Ora, argumenta Ayer, este engano poderá ser creditado ao uso das palavras “laranja” e “vermelho”, mas não à crença quanto à fruta. Escolhi a palavra errada para descrever a fruta e, neste

caso, pode-se argumentar que eu – que tenho a crença – ainda posso ter uma crença infalível quanto à fruta que está sobre minha mesa, mas não tive sucesso nas palavras escolhidas. Podemos corrigir erros no uso das palavras de uma maneira padrão: você poderá me lembrar ou mostrar a diferença entre as duas cores através de uma carta de padronização de cores, por exemplo.

Figura 7.2 - Alfred Jules Ayer (1910-1989).

Page 163: [5946]Teoria do Conhecimento I

163

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Outra forma de responder a esta questão seria argumentar que, ainda que eu esteja errado quanto à cor do objeto sobre minha mesa, devo estar certo de minha percepção. Ou seja: quando você corrige, eu devo poder comparar minha crença atual – errada – com o que você me diz – que a cor é vermelha. Contudo o que muda não é minha crença básica, e sim a maneira de expressá-la: seria um caso banal de troca de palavras.

Uma terceira resposta seria argumentar que ainda que eu possa estar errado quanto à cor do objeto que está sobre minha mesa, pode ocorrer que eu tenha cometido um engano na comparação entre minha experiência passada e a minha experiência presente. Ou seja: fiz uma comparação errada, pois a memória pode estar errada. Mas minha percepção atual não pode estar errada: percebo um objeto. Meu erro é atribuir à experiência presente, algo que foi passado.

Uma quarta resposta poderia ser a seguinte: se eu me engano quanto à cor do objeto e você me corrige, então é necessário que exista a possibilidade de comparação entre duas coisas diferentes. Ou seja: minha crença atual é uma ocorrência e minha crença passada também deve ser uma ocorrência, para que eu possa compará-las. Eu as comparo não para ver suas diferenças, mas sim para saber em quais aspectos uma é igual à outra, pois foi este o engano que cometi.

Bem, estas são respostas possíveis do fundacionalista ao questionamento da infalibilidade das crenças baseadas em nossa percepção. O contra-argumento a estas respostas é: Qual o conteúdo de uma crença infalível? Vejamos.

Como foi alegado mais acima – e o fundacionalista concordou com isto – é possível que nos enganemos numa crença baseada em nossa percepção. O exemplo é o caso do uso inadequado de uma palavra. Ora, se posso me enganar desta forma, então a crença infalível perde sua base. O que pode ser infalível, então, é a crença de que algo parece laranja para meus sentidos.

Mas onde isto nos leva? Qual o conteúdo desta crença assim modificada?

Page 164: [5946]Teoria do Conhecimento I

164

Universidade do Sul de Santa Catarina

Pensemos no caso: você me pergunta qual a cor da fruta que está sobre minha mesa e eu lhe respondo “Me parece que é laranja”. Ora, você me dirá que não está interessado em como me parece, e sim em saber qual a cor da fruta.

Mesmo assim, o fundacionalista poderá alegar que não se pode estar errado quanto a como as coisas aparecem para nós, ainda que eu possa estar enganado no que eu penso ser o que aparece para mim. Há uma boa diferença entre as palavras aqui usadas.

Veja: eu afirmo que a fruta sobre a mesa é laranja e você me corrige – acertadamente – que a cor da fruta é vermelha. Bem, o argumento fundacionalista é que eu posso ter a crença correta, mas usar uma palavra errada para descrever como as coisas aparecem para mim. Seria um mero “erro verbal”.

Contudo existem vários tipos de erro em questão. Você poderá alegar que, quando estamos conversando distraidamente, podemos cometer erros quanto ao nome das pessoas de quem falamos. Outro caso é quando estamos com toda nossa atenção voltada para o que estamos percebendo no momento e cometemos o erro de escolher uma palavra que expressa esta percepção de maneira errônea.

Neste último caso, você poderia não aceitar que apenas utilizei uma palavra inadequada, você poderá argumentar que não sei o que estou percebendo, pois se trata de um erro substancial. Então, não apenas utilizei a palavra errada, mas também quanto a o que é uma cor. Logo, cometo dois tipos de erros, quais sejam, conceitual e substancial.

Ora, estas explicações fundacionistas para o erro quanto a uma crença infalível produzem mais uma objeção: a de que uma crença com menor conteúdo é menos passível de engano. Logo, quanto menos uma crença contém, mais infalível ela é.

Em outras palavras: quando afirmo “o objeto x é laranja”, me comprometo com a verdade desta crença de maneira inequívoca, isto é, ela é ou verdadeira ou falsa. Se o objeto não for laranja, minha crença estará errada e, portanto, não será infalível.

Contudo, considerando os argumentos fundacionistas que visam solucionar este problema, posso dizer que, quando me enganei na atribuição de cor ao objeto, meu erro foi na escolha da palavra

Page 165: [5946]Teoria do Conhecimento I

165

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

“laranja” e não na crença perceptiva. Assim, o fundacionista “salva” seu argumento de que as crenças perceptivas são infalíveis.

Qual o custo deste salvamento, entretanto?

Ora, se em vez de me comprometer diretamente com a verdade da crença, eu me comprometo apenas com o “assim me parece”, então não estou pondo em jogo o conteúdo total da crença. Responsabilizo-me com apenas uma parte da crença, a atribuição por mim de uma determinada palavra. O erro seria meu, e não na crença básica.

Contudo, com este movimento, eu diminuí a quantidade de conteúdo da crença: ela agora trata não do que algo é (esta é a parte substancial da crença), mas do que me parece que é. Bem: se levarmos este argumento mais longe, teremos de dizer que uma crença sem conteúdo é mais infalível, pois está menos predisposta ao engano. Isto, obviamente, é absurdo. As crenças que geram conhecimento são informativas.

As crenças infalíveis são a base de onde construímos as nossas outras crenças. Elas constituem nossos fundamentos epistemológicos. Logo, devem possuir conteúdo suficiente para apoiar nossas outras crenças, pois são a fonte de onde derivamos a superestrutura de crenças.

Lembra o exemplo do saber dizer as horas?

Pois é: imagine que você pergunte a uma pessoa qual é a hora e a pessoa lhe responda “me parece que são aproximadamente, sem muita certeza e apesar de possíveis enganos, 16 horas”. É perceptível que a pessoa lhe deu uma resposta que não a compromete totalmente com a certeza da hora exata. Ao agir desta forma, a pessoa retirou conteúdo da crença, pois seja lá o que você pretende fazer ao saber as horas, ficará em dúvida quanto ao momento apropriado de fazer o que pretendia. Ao

Page 166: [5946]Teoria do Conhecimento I

166

Universidade do Sul de Santa Catarina

retirar conteúdo substancial da crença, a pessoa lhe retira conteúdo informativo ao mesmo tempo.

Este ponto é importante, pois lida com dois aspectos que são necessários para que obtenhamos conhecimento:

a) que o conhecimento deve ser capaz de conduzir ou orientar para a construção de outros conhecimentos baseados nele; e

b) que afirmar que nosso compromisso com a realidade é apenas limitado ao “assim nos parece” que é a realidade, não é assumir compromisso nenhum com a informação.

Quando você compara estes argumentos fundacionistas, percebe que são respostas fracas aos problemas que lhe são apontados. Sendo assim, não se pode falar em crenças infalíveis. O programa fundacionista não consegue manter seu equilíbrio e tende a degenerar. Talvez se possa construir uma espécie de fundacionismo sem a exigência das crenças básicas infalíveis.

Ufa: quantas informações, não é mesmo? Por isto, antes de exploramos este aspecto do fundacionismo epistemológico, que tal fazer um resumo de nosso percurso até aqui?

a) O ponto de vista fundacionista nos diz que possuímos dois tipos de crenças: básicas e não-básicas.

b) A diferença entre crenças básicas e crenças não-básicas é que as primeiras são obtidas de maneira direta, a partir de nossa percepção, enquanto que as crenças não-básicas são obtidas através de inferências que usam as crenças básicas como seu fundamento (ou premissas).

c) A necessidade de admitirmos crenças básicas se fundamenta nos seguintes argumentos:

c1. argumento da probabilidade - algo é provável se, e somente se, existir algum tipo de evidência básica incorrigível. Se nada é certo ou incorrigível, então nem o provável poderá ser pensado;

c2. argumento do regresso infinito - se não existem crenças básicas incorrigíveis, então toda crença é fundamentada em outra crença, a qual se fundamenta em outra crença, e assim por diante

Page 167: [5946]Teoria do Conhecimento I

167

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

ad infinitum. Para evitar este regresso ao infinito, é necessário que algumas crenças tenham a característica fundamental de serem incorrigíveis ou infalíveis;

c3. argumento da infalibilidade e da justificabilidade - toda crença básica é não apenas infalível mas também justificada não-inferencialmente. Ou seja, uma crença básica infalível deve ter a capacidade de eliminar qualquer tipo de dúvida quanto à sua verdade. Se não for assim, uma crença infalível poderá ser inferencial. Mas isto nos lança no argumento do regresso ao infinito.

Então, uma crença infalível não admite razões para que duvidemos dela. Por esta razão, uma crença infalível não pode ser justificada inferencialmente, isto é, ela não tem por base outra crença. A base de uma crença infalível é a verificação direta, não-inferencial.

Você lembra que lançamos uma série de contra-argumentos sobre estas teses básicas do fundacionismo. O principal até agora é que o fundacionismo exige uma característica das crenças (item c, citado acima) que não se pode fornecer, qual seja, não conseguimos construir crenças básicas completamente imunes ao erro. O fato é que seria muito importante que conseguíssemos construir crenças infalíveis, imunes ao erro ou ao questionamento. Contudo também é fato que não conseguimos, em todas as circunstâncias, cumprir com esta exigência. Sendo assim, a melhor estratégia é abrir mão da exigência de infalibilidade. Mas, se o fundacionista abrir mão desta exigência, seu programa epistemológico degenera. Até aqui nós chegamos.

Que tal, agora, traçar um paralelo entre estes argumentos fundacionistas e o caso de Harry?

Você lembra o problema de nosso amigo Harry: ele sofreu um abalo em sua confiança quanto ao que sabe sobre a realidade e sobre si próprio. A experiência que ele presenciou no laboratório mais o que lhe disse Margot sobre ele já ter sido submetido a uma operação de retirada do cérebro o fizeram questionar-se sobre o que conhecia de fato. Bem, vamos supor que Harry, com todas estas dúvidas, encontre um fundacionista clássico.

Page 168: [5946]Teoria do Conhecimento I

168

Universidade do Sul de Santa Catarina

Harry lhe perguntaria: “Qual a base que tenho para inferir que não sou um cérebro numa cuba neste momento?”

O fundacionista responderia a Harry, afirmando que ele deveria, antes de tudo, elaborar uma quantidade de crenças básicas infalíveis, para, só então, construir uma superestrutura de crenças derivadas destas primeiras. Para elaborar estas crenças básicas, Harry deveria recorrer aos seus sentidos, pois estes lhe dão crenças infalíveis e todo seu sistema de crenças se derivaria destas.

Ora, você deve estar percebendo que há um grave engano aqui. Lembre-se da argumentação do cético: nossos sentidos já nos enganaram uma vez e, sendo assim, não podemos confiar neles novamente, logo necessitamos de uma base indubitável para construir nosso conhecimento. E esta base não pode ser fundamentada em nossa percepção.

Ainda mais: Harry não tem dúvida quanto a quais são suas crenças, sua dúvida é quanto à verdade das mesmas. O cientista maligno eliminou a sua certeza em crenças infalíveis, ao lhe revelar que ele já havia sido um cérebro numa cuba. Harry não sabia se agora estava, ou não, com seu cérebro numa cuba.

A sugestão do fundacionista não acrescenta nada para solucionar o problema de Harry, pois Harry não consegue construir crenças que sejam infalíveis. Considerando este tipo de argumento, o fundacionista poderá fornecer uma solução, eliminada a exigência de crenças infalíveis.

Mas que tipo de fundacionismo seria este? Vejamos na próxima seção.

Page 169: [5946]Teoria do Conhecimento I

169

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Seção 3 – Fundacionalismo sem infalibilidade

Chegamos ao ponto em que o fundacionalista não possui mais argumentos para manter sua exigência de crenças básicas infalíveis e não-inferenciais. Entretanto ele ainda poderá argumentar o seguinte:

- Muito bem, você demonstrou que minha exigência era exagerada. Contudo, continuará ele, o fato de você ter problematizado minha ideia de que existem crenças básicas infalíveis, a ponto de eu ter de abrir mão das mesmas, não provou que não existem crenças básicas! Ainda mais: você argumentou que sempre é possível reduzir a justificação de uma crença básica, mas, em nenhum momento, provou que não é possível aumentar a possibilidade de justificação de uma crença básica. Logo, argumentará o fundacionalista, ainda posso manter meu programa epistemológico em funcionamento.

Ora, parece que o fundacionalista apresentou um argumento forte. Contudo, se você notar, ele foi obrigado a fazer um grande esforço argumentativo e abriu mão de um aspecto importante de seu programa. Você conseguiu ver qual? Bem, mesmo que este ponto já lhe esteja claro, é sempre bom esclarecer mais. O fundacionalista alegava o seguinte:

a) existem duas formas de justificação das crenças: inferencial e não-inferencial. A justificação inferencial é elaborada a partir de outras crenças; a justificação não-inferencial é elaborada de maneira direta pelos nossos sentidos (ou percepção);

b) crenças básicas não são justificáveis, mesmo em parte, por apelo a outras crenças. Crenças básicas devem ser justificadas de outra forma.

Assim, ele deseja manter tanto (a) quanto (b). Porém a mudança que ele operou em seu programa, a fim de manter o mesmo de pé, implicará o fato de já não termos crenças básicas não - inferenciais.

Vamos entender melhor: você lembra um dos argumentos básicos do Fundacionalismo, discutido na seção anterior? Eis aqui: “o fato de não conseguir estabelecer crenças não- inferenciais de

Page 170: [5946]Teoria do Conhecimento I

170

Universidade do Sul de Santa Catarina

forma alguma elimina a possibilidade de se construírem crenças básicas.

Entretanto, ao fazer isto, o fundacionalista abriu mão de sua exigência (b). Agora crenças básicas podem ser justificadas. Ao mesmo tempo, quando admite que crenças básicas podem ser justificadas através de outras crenças, ele também deve abrir mão de seu argumento do regresso ao infinito.

Você deve estar lembrado que este argumento era lançado como base para a necessidade de elaborar o Fundacionalismo. Desta forma, ele claramente cai no círculo da justificação da justificação, e assim por diante.

Lembra que este era o argumento que fundamentava a necessidade do Fundacionalismo?

Entretanto o fundacionalista ainda mantém a ideia de que existem crenças básicas, que as crenças fundadas em nossos estados perceptuais presentes ou atuais são mais estáveis que aquelas crenças derivadas de outras crenças.

Bem, isto mantém a exigência empirista de que todo nosso conhecimento é proveniente da experiência. Mas abriu mão da infalibilidade das crenças básicas, com isto abriu a porta para o argumento do regresso infinito.

Assim deverá fornecer uma resposta à seguinte questão: “Se eliminamos a infalibilidade das crenças básicas, não estamos permitindo que uma crença básica se fundamente em outras crenças, e assim ao infinito?”. Se o programa fundacionalista pretende manter o argumento de que seu programa elimina o regresso ao infinito, deverá fornecer uma resposta à questão acima, ou terá de abandonar o argumento do regresso ao infinito como sendo um perigo (para o conhecimento) e que torna necessário o Fundacionalismo. Vejamos:

Page 171: [5946]Teoria do Conhecimento I

171

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

O fundacionalista deve estar pensando nas seguintes exigências, para que uma crença elimine o regresso ao infinito:

I- crenças que são justificadas por algo que não seja outra crença;

II- crenças que justifiquem a si mesmas;

III- crenças que não necessitam justificação.

Estas exigências são necessárias para suprir a eliminação da infalibilidade. O fundacionalista que aceitar (I) e (II) estará aceitando (III), considerando que pode ser derivada de (II).

Por outro lado, qualquer crença que não possua as características anteriormente descritas deve ser tomada como não sendo uma crença básica. Ainda, qualquer uma destas características permite que eliminemos o argumento do regresso ao infinito.

Considerando que o fundacionalista apenas admite crenças que possuam propriedade epistêmica substancial e considerando que a infalibilidade é uma destas propriedades, então o fundacionalista apenas admitirá a característica (II). A característica (I) poderia ser cumprida através de nossa experiência, mas ainda não foi provado que toda experiência é incorrigível. Ao mesmo tempo, a característica (III) é derivada de (II). Logo, ao aceitar (II), também poderá aceitar (III). Mas, e se não dispusermos de nenhuma crença com a característica (II), o que restará da infalibilidade?

Ora, sejamos tolerantes.

Talvez o fundacionalista esteja dizendo o seguinte: por infalibilidade eu quero dizer “certeza” e “incorrigibilidade”. Assim, ele afirma que a certeza é uma qualidade de uma crença básica e que, junto a isto, elimina qualquer questionamento. Por exemplo: se é certo que são 11 horas, não há por que duvidar (supondo que existam crenças com este grau de certeza).

Ao mesmo tempo, se não há como duvidar de uma crença que tem a característica da certeza, então não é possível corrigi-la.

Crenças que se comprometem diretamente com a verdade da informação que enunciam.

Page 172: [5946]Teoria do Conhecimento I

172

Universidade do Sul de Santa Catarina

Bem: não é de todo claro, se estes dois conceitos são sinônimos de infalibilidade ou se podem substituir a infalibilidade (será que o certo e incorrigível também é infalível?).

De qualquer modo, para entendermos estas novas definições, basta lembramos o que nos disse Descartes: a afirmação “penso logo, existo” é indubitável e certa, isto é, é uma afirmação incorrigível (veja esta discussão na Unidade 2). Não se pode afirmar, contudo, que os fundacionalistas aceitariam a verdade de Descartes, pois suas verdades são oriundas da razão, e não da experiência. Ou seja: para o fundacionalista, apenas são crenças básicas aquelas oriundas dos estados perceptuais, enquanto Descartes fundamenta toda sua argumentação em verdades que não têm fundamento em nossas experiências.

Os filósofos que investigam temas da Epistemologia ou Teoria do Conhecimento forneceram algumas alternativas ao ponto de vista fundacionalista, visando resolver os problemas ainda sem resposta. Não é o caso de traçar aqui estas alternativas. O que se pode dizer destas alternativas é que diminuíram (mitigaram) as exigências da argumentação fundacionalista, numa tentativa de mantê-lo (o ponto de vista).

Desta forma, como você já pôde observar, qualquer mudança nos argumentos básicos do Fundacionalismo parece eliminar com o mesmo. Ou, por outras palavras: manter a argumentação fundacionalista com algumas mudanças é, ainda, uma espécie de Fundacionalismo? Alguns autores dirão que sim, outros autores preferem dar outro nome.

Mas, mesmo que os argumentos acima possam ser minimizados, existe outra fonte de problematização para o Fundacionalismo. Vamos examinar este problema na seção seguinte.

Page 173: [5946]Teoria do Conhecimento I

173

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Seção 4 – Outras mentes

Nosso tema nesta seção é a investigação de um problema que o Fundacionalismo traz consigo. Para compreender a origem do problema, vamos relembrar alguns dos argumentos básicos do Fundacionalismo. Nós já tratamos destes argumentos, mas é sempre bom mantê-los sob nossa visão.

Vimos que o fundacionalista é alguém comprometido com um programa epistemológico que visa garantir nosso conhecimento objetivo do mundo que nos cerca. Para tanto, o fundacionalista lista os seguintes argumentos:

a) todo conhecimento provém da experiência;

b) nossas crenças sobre a ciência, o mundo externo, passado e presente, outras mentes, devem ser fundamentadas em nossas experiências sensoriais;

c) é necessário que algumas crenças sejam certas e inquestionáveis, para que se possa conceber a probabilidade de que algo ocorra, ou não;

d) nossas evidências que servem de base para afirmações de conhecimento devem ser infalíveis;

e) nossas crenças são divididas em dois grupos: crenças básicas infalíveis e crenças derivadas de crenças básicas. As crenças derivadas compõem a superestrutura de nosso conhecimento;

f) é necessário que existam crenças infalíveis sobre as quais baseamos nossas crenças derivadas, as quais são obtidas por inferências;

g) se não existirem crenças básicas infalíveis, caímos num regresso infinito de crenças baseadas em outras crenças, e assim por diante;

h) portanto é necessário que o conhecimento seja fundamentado em crenças básicas infalíveis, obtidas através de nossos sentidos, as quais servem de base para inferirmos outras crenças, e assim construir uma superestrutura de conhecimento.

Page 174: [5946]Teoria do Conhecimento I

174

Universidade do Sul de Santa Catarina

A partir destes argumentos, o fundacionista elabora seu programa epistemológico. Contudo vimos que estes argumentos se tornam problemáticos devido ao questionamento da existência de crenças infalíveis. Vimos também que manter o Fundacionalismo sem esta exigência é mitigar seu propósito, ainda que não desestruture completamente o programa fundacionalista.

Agora, vamos apontar o problema ligado mais especificamente ao ponto de partida do Fundacionalismo: a ideia de que obtemos crenças através de nossas experiências sensoriais. Segundo raciocina o fundacionismo, cada pessoa é capaz de ter experiências sensoriais iguais às outras demais pessoas.

Este é o princípio básico do Empirismo. Entretanto há um grave problema aqui, e, talvez, o maior problema que enfrenta o programa fundacionalista, qual seja, se conhecemos a partir de nossas próprias experiências, então cada pessoa possui as suas próprias experiências sensoriais. Além disto, as experiências sensórias de cada pessoa serão experiências privadas, pois apenas ela as tem. Sendo assim, como saber que outras pessoas sentem, pensam e têm sensações, umas iguais às outras.

Como saber se as pessoas que vemos possuem, ou não, uma mente que recebe as experiências?

Para responder a estas questões, o fundacionalista deverá mostrar que tem um método de conferir quem tem, ou não, uma mente e, além disto, como as experiências, sendo pessoais e intransferíveis, podem ser iguais para todas as pessoas.

Certamente que este argumento cético só pode se elaborado devido à insistência do fundacionista de que nossas crenças básicas infalíveis são obtidas de nossas experiências sensoriais.

O cético, a princípio, não se oporia a determinadas exigências do fundacionalista. Por exemplo, as exigências que indicamos nos itens (c), (d), (e), (f) e (h) acima. Também não se oporia à necessidade de crenças infalíveis, pois parte do pressuposto de que temos conhecimento somente se dispusermos de bases não-inferências e não fundamentadas nas experiências sensoriais.

Page 175: [5946]Teoria do Conhecimento I

175

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Contudo o cético exigiria maiores esclarecimentos, quando o fundacionista retira suas crenças infalíveis dos dados sensoriais.

este é um problema que já estudamos nas unidades anteriores, ao abordarmos o ponto de vista do Círculo Positivista de Viena e alguns aspectos da argumentação de George Moore e John Austin.

Nosso problema agora é com o seguinte aspecto do argumento fundacionalista: como saber que outras pessoas possuem as mesmas experiências sensoriais que nós? Este problema é tradicionalmente denominado “problema das outras mentes”.

O problema surge de dois argumentos básicos do empirismo: primeiramente, de que formamos nossas crenças básicas através de nossos sentidos; e, junto a este, do argumento de que nosso conhecimento inicia através de experiências particulares de cada pessoa que conhece.

O primeiro argumento já é nosso conhecido; quanto ao segundo argumento, ele é formulado pela primeira vez por Descartes em suas Meditações Filosóficas. Nesta obra, Descartes insiste que “eu sei que existo, pois sei que eu penso” ou “mesmo que o gênio maligno tente me enganar, sei que duvido e, portanto, sei que penso”.

Estas afirmações cartesianas marcam um ponto de vista de primeira pessoa na Epistemologia, isto é, nosso conhecimento é oriundo das experiências que cada um de nós possui, e não de uma espécie de “estoque” de conhecimento da cultura ou de nossos antepassados. Neste caso, não é possível falar de conhecimento partilhado, mas sim de conhecimento pessoal.

Pois bem, este é o ponto básico para o problema das outras mentes: com sei que os outros possuem mentes como eu? Creio que você compreendeu de onde surge esta questão e qual a amplitude da mesma. O fato é que necessitamos responder a uma questão que coloca toda nossa vida em comum em dúvida, isto é, sabemos que existem outras pessoas ao nosso redor, sabemos que elas têm comportamentos parecidos com os nossos, que demonstram amizade e sentimentos como nós.

Page 176: [5946]Teoria do Conhecimento I

176

Universidade do Sul de Santa Catarina

Todavia não temos provas para afirmar que estas pessoas não são autômatos, robôs treinados para agirem de uma determinada forma, a saber, a forma como seres humanos agem. Sabemos por nós o que é agir como um ser humano, ter sentimentos e ter experiências, mas não podemos atribuir “mente” a outras pessoas apenas com base em nosso caso pessoal.

Parece que necessitamos de provas mais contundentes do que apenas afirmar que as pessoas têm mente por se comportarem como nós nos comportamos. Vamos analisar algumas respostas que foram fornecidas a este problema.

Mas, antes disto, vamos entender por qual razão – ou quais razões - este problema é importante.

Em primeiro lugar, como em todo questionamento filosófico, nos é exigido que apresentemos argumentos, e não fatos. Por exemplo: afirmar que nosso(a) colega de trabalho não é um autômato apenas por que sabemos o que são autômatos, não é uma resposta suficiente. Esta é uma resposta que apela ao senso comum. Mas já estudamos os argumentos que se baseiam no senso comum e percebemos que eles não fornecem boas respostas filosóficas por não serem argumentos filosóficos, e sim propostas de práticas do dia-a-dia. Ou seja: o fato de eu tratar meus amigos como pessoas não é uma prova filosófica de que são pessoas, mas sim uma maneira de agir para com eles.

Em segundo lugar, a importância do problema também reside no fato de que tratamos pessoas que estão ao nosso redor como se elas fossem iguais a nós, mas a única prova que temos é o nosso próprio caso. Por exemplo: sei que meu vizinho está com dor, porque ele se comporta tal como eu, quando estou com uma dor. Da mesma forma, sei o que significa a tristeza que meu colega alega ter, por eu também já ter sentido tristeza.

Em terceiro lugar, como sei o que se passa na mente de outra pessoa? Não pensamos muito nesta questão, apenas agimos com as pessoas de uma maneira “padrão”. Entretanto, quando nos é pedido que fundamentemos a nossa maneira de agir, parece que o único fundamento que conseguimos apresentar é o de que estas

Page 177: [5946]Teoria do Conhecimento I

177

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

pessoas se parecem tanto com nós mesmos, que seria difícil dizer que “não” são pessoas de fato.

Mas isto, como você já viu, não é uma prova suficiente. Não me é permitido extrapolar o meu caso pessoal para todos os outros casos. Por exemplo: se sinto uma dor no pé e meu colega também alega ter uma dor no pé no mesmo instante, nada nos garante que estamos falando da mesma dor: meu colega fala da dor que ele sente e eu falo de minha dor.

Em quarto lugar, se vivemos num mundo em que o comportamento das pessoas está dissociado de suas mentes, não encontramos evidências no mundo atual de que as coisas não são desta forma. Ou seja: conversamos, nos divertimos, compreendemos e somos compreendidos pelas pessoas, mas isto em nada aponta para uma diferença entre elas, a de terem uma mente ou não terem uma mente. Por exemplo: o fato de meu colega me contar que sonhou e descrever seu sonho não é uma prova de que ele tem uma mente.

Pode ser visto simplesmente como um caso de comportamento igual ao comportamento de um ser humano, mas não uma prova de que ele é um ser humano. Logo o problema das outras mentes também atinge nossa compreensão do que faz com que um ser seja um ser humano.

Você deve se lembrar do filme Blade Runner.

O filme nos conta a estória de um caçador de androides, isto é, de autômatos que foram usados para trabalhos e guerras como soldados e que se revoltam com o fato de que teriam de ser “desligados”, por já não terem utilidade para o ser humano.

O problema que o filme levanta é este: seria possível construir um androide tão parecido com o ser humano que fosse quase indistinguível do mesmo? então, o que faz com que um ser humano seja o que é? Seu corpo? Seu comportamento? Mas tudo isto não pode ser simulado por uma máquina?

Como você pode perceber, não se trata de um problema tão simples.

Page 178: [5946]Teoria do Conhecimento I

178

Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 5 – Possíveis respostas ao problema das outras mentes

Uma tentativa de resposta ao problema das outras mentes pode ser encontrada no clássico texto de John Stuart Mill, de 1889, intitulado Uma Análise da Filosofia de Sir Hamilton. O argumento é denominado “argumento da analogia” e sua base é a seguinte: realmente, não temos provas de que as pessoas que nos cercam sejam de fato pessoas. Nada nos fornece uma razão contundente a favor disto. Contudo também não parece ser o caso que tenhamos provas suficientes do contrário, isto é, de que não sejam pessoas. O argumento de Mill, em suas próprias palavras, diz o seguinte:

Eu concluo que outros seres humanos têm sentimentos como eu, pois, em primeiro lugar, eles têm corpo como eu, o qual eu sei ser o antecedente de ter sentimentos; e porque, em segundo lugar, eles exibem os mesmo atos e outros sinais exteriores, os quais em meu próprio caso sei por experiência serem causados por sentimentos. Estou consciente em mim mesmo de uma série de fatos conectados através de uma seqüência uniforme, a qual o início é a modificação em meu corpo, o termo médio é o sentimento e o termo final é o comportamento exterior. Para o caso de outros seres humanos, eu tenho a evidência de meus sentidos para o primeiro caso e para o último, mas não para o termo intermediário. Vejo, de fato, que a seqüência entre o primeiro e o último termo é tão regular quanto no meu próprio caso. No meu próprio caso sei que o primeiro termo produz o último através de um elo intermediário e não o poderia produzir sem ele. A experiência, portanto, obriga-me a concluir que deve haver um elo intermediário, o qual deve ser o mesmo nos outros, tal como é em mim [...]Devo, portanto, crer que eles são ou humanos ou autômatos. Contudo creio que são seres humanos e que estão vivos, isto é, por supor que neles há o mesmo elo que existe em mim e do qual eu tenho experiência e que em todos os outros aspectos é similar em outros seres humanos. Stuart Mill apud David Cockburn, An Introduction to the Philosophy of Mind, Houndmills, Basingkstokes, 2001, p.81.

Figura 7.3 - Stuart Mill (1806 -1873).

Page 179: [5946]Teoria do Conhecimento I

179

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Ora, você pode perceber que este argumento de Stuart Mill parte do caso pessoal para o caso de outras pessoas. Mill admite não saber se as outras pessoas possuem os mesmos sentimentos que ele, contudo, devido ao fato de apresentarem o mesmo comportamento exterior, conclui que devem ter os mesmos sentimentos. O argumento parte do princípio de que o meu caso pessoal constitui uma base sólida para inferir o caso dos outros.

O raciocínio é construído em forma de analogia. Ao mesmo tempo, o argumento é uma indução, isto é, parte do caso particular para o caso geral – de uma pessoa para o caso de todas as pessoas – e, neste caso, é um argumento fraco, pois um caso é pouca evidência para inferir algo com validade para todos os casos iguais.

Por outro lado, o argumento parte do princípio de ser possível - diante do fato de as pessoas agirem tal como nós -, elaborarmos a hipótese de que também tenham mentes tal como nós.

Se temos pouca evidência para aceitar o caso de Stuart Mill, também temos poucas evidências – dadas as premissas de Mill – para dizer que ele está enganado em sua hipótese. Não é tão difícil aceitar a hipótese de Mill. O problema com seu argumento está no seguinte:

a) separar o mental (inobservável) do comportamento (observável); e

b) assumir que, dada esta separação, seja possível saber o que significa outras pessoas terem mentes como eu.

Podemos denominar estes argumentos, resumidamente, de (a) argumento da separação e (b) argumento da compreensão.

Quanto a (a), podemos dizer que faz concessões ao ceticismo, ou seja, afirma que o mental e o comportamental estão relacionados de maneira contingente. Seria dizer: o mental poderia existir sem o comportamental e, pelo que podemos saber, é assim que as coisas são.

Contudo Mill concede no primeiro passo – que a relação entre mente e corpo é contingente –, mas nega uma segunda etapa, isto é, que não exista nenhuma ligação. Por tudo que podemos

Page 180: [5946]Teoria do Conhecimento I

180

Universidade do Sul de Santa Catarina

observar de outros seres humanos parece haver alguma ligação, pois não temos provas conclusivas do contrário. Por este ponto de vista, o argumento da analogia é necessário, por não possuirmos nenhuma ligação entre comportar-se como quem tem uma mente e ter uma mente.

Quanto a (b), o argumento assume que é possível compreendermos o que significa para outras pessoas que tenham estados mentais. Segundo o argumento, eu sei o que é alguém estar com dores no corpo, pois eu mesmo já as senti em meu corpo, isto é, eu já as senti. Assim, sei o que é ter determinados sentimentos a partir de um ponto de vista privilegiado: o meu próprio. Mas este ponto de vista privilegiado também pode ser o motivador de uma impossibilidade: de que eu possa atribuir a outros algo que apenas eu sinto ou senti. Mesmo assim, ainda é possível argumentar – mantendo o argumento da analogia – que nada existe contrário a afirmar que outras pessoas tenham mentes, a partir do fato de se comportarem tal como eu.

Contudo os problemas com o argumento de Mill estão escondidos nas inferências que podemos retirar dos passos (a) e (b). Assim, a partir do momento que aceitamos que o mental está separado do corporal ou do comportamento (a), nos vemos na estranha situação de conceber uma dor que não é nossa, com base na nossa dor. Ora, a dor no joelho do outro não é a dor no meu joelho, logo a dor dele não é minha. Assim, não posso dizer que ele tem uma dor como eu tenho, pois a dor dele não dói em mim (obviamente). Então afirmar que a pessoa tem a mesma dor que eu tenho não é correto, pois a parte (a) do argumento da analogia afirma que há uma separação entre mente e corpo.

Há aqui a questão de propriedade da dor ou do sentimento, isto é, devo considerar que as dores de uma pessoa estão ligadas a ela, e não a mim e, com isto, que não posso dizer como é sentir a dor dela. Apenas posso falar de minhas dores. Assim, se admitirmos (a), então (b) não se torna possível. De fato, o que o argumento da analogia faz é uma opção pelo solipsismo, isto é, pela ideia de que apenas existe a experiência pessoal.

Figura 7.4 - Burrhus Frederic Skinner.

Page 181: [5946]Teoria do Conhecimento I

181

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Uma maneira de eliminar este problema seria partilhar do ponto de vista behaviorista quanto ao mundo mental, que afirma não ser a dor algo mental, e sim físico, e que consiste no fato de os eventos mentais serem redutíveis a eventos físicos, a saber, o comportamento.

Assim, estar com dor é comportar-se de uma maneira específica quanto ao corpo. Por exemplo: quem tem dor de cabeça comporta-se de maneira diferente de quem não tem dor alguma, e a dor, de fato, consiste neste comportamento. Se não pretendemos assumir uma forma de behaviorismo agudo, podemos aceitar uma forma de Disposicionalismo. O Disposicionalismo argumenta que ter uma dor é possuir uma disposição, neste caso, a disposição de comportar-se de uma forma determinada.

Outra resposta seria abandonar a exigência de que temos crenças básicas infalíveis ou inquestionáveis e afirmar que temos um sistema de crenças interligadas entre si, no qual uma crença depende da outra numa rede estruturada. Este ponto de vista é denominado Coerentismo. Não é o caso de entrarmos na discussão deste ponto de vista aqui.

A argumentação do ponto de vista coerentista envolve o problema de sabermos como um sistema de crenças possui ligação empírica com a realidade, ou, em outras palavras: se todas as crenças estão ligadas entre si, como saber onde a estrutura de crenças inicia?

Bem, não vamos tratar deste ponto aqui. Na próxima seção, vamos abordar, a saber, a possibilidade lançada por Ludwig Wittgenstein de que não há separação entre comportamento e mente. Ou seja: uma resposta possível ao problema das outras mentes. Por fim, faremos uma análise da argumentação cética quanto ao Fundacionalismo.

Pressuposto significa que uma circunstância ou acontecimento é antecedente a um outro, sem que seja explicitado. Também significa “dar a entender” algo sem pronunciá-lo.

Page 182: [5946]Teoria do Conhecimento I

182

Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 6 – Fundacionalismo e Ceticismo

Na seção anterior, apresentamos duas repostas ao problema das outras mentes. Aprendemos que este problema não é uma simples dúvida, mas sim uma questão que atinge toda nossa vida, nossa relação com as outras pessoas e nossa relação com o conhecimento que afirmamos ter de outras pessoas. O problema das outras mentes atinge a nossa concepção de o que é uma pessoa ou um ser humano.

Concluímos que a resposta a este problema, o argumento da analogia elaborado por Stuart Mill, parte do princípio que apenas sabemos que nós somos humanos e que apenas nós sabemos que temos sentimentos e crenças. As outras pessoas, por tudo que se sabe, poderiam ser autômatos sem mentes ou “zumbis”.

Mostramos que o erro do argumento da analogia é aceitar que há uma separação entre comportamento e mente e, a partir disto, concluir erroneamente que é possível compreender a mente de outras pessoas apenas com base em seus comportamentos. Assim, o argumento da analogia concede demais ao cético, a tal ponto que perde o objetivo na tentativa de fornecer uma solução ao problema.

Terminamos aquela seção com a possibilidade de que ou se abandona a ideia de crenças básicas e partimos para uma teoria da coerência entre as crenças, ou tentamos eliminar o problema das outras mentes e manter alguns resquícios do Fundacionalismo.

Vamos agora examinar o argumento de Ludwig Wittgenstein quanto ao problema da separação entre mente e comportamento, para vermos se é possível salvar algo do Fundacionalismo.

A argumentação de Wittgenstein é elaborada na sua obra Investigações Filosóficas, publicada em 1952, após sua morte. Esta obra não é um texto característico da produção filosófica tradicional, isto é, Wittgenstein escreveu na forma de seções numeradas, mas não separou as seções por assunto. Por isto, muitas pessoas leem as Investigações Filosóficas e as interpretam do seu modo.

Entretanto é bem difícil manter uma linha direta de raciocínio a partir do texto. Apesar disto, a obra de Wittgenstein não é longa e é de fácil leitura, tão fácil que, ao terminá-la, temos de voltar

Page 183: [5946]Teoria do Conhecimento I

183

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

ao início, pois parece que entendemos tudo, que não há problema algum. Bem, Wittgenstein inicia seus argumentos, mostrando que a nossa concepção de linguagem está equivocada.

Mas o equívoco é filosófico, e não do senso comum: para ele, não há problemas filosóficos no senso comum e, portanto, o senso comum não é uma fonte de respostas aos problemas da Filosofia. Antes, é a mente do filósofo que deve ser “tratada”, para que possa chegar até o senso comum e abandonar os questionamentos os quais são fruto do mau entendimento da linguagem.

Então já temos um primeiro ponto: as questões filosóficas são fruto de problemas de uso da linguagem. A partir deste primeiro ponto, Wittgenstein constrói uma argumentação que visa mostrar as incoerências de admitirmos que nosso uso da linguagem principia pelo conhecimento ou pela experiência.

Também Wittgenstein estava preocupado com esta questão do Fundacionalismo, ainda que de maneira indireta. Resumindo muito rapidamente: em toda a argumentação de Wittgenstein ele concluirá que primeiro aprendemos a agir uns para com os outros, para com a vida e a realidade e, após este aprendizado, começamos a entrar no mundo da linguagem.

Contudo, quando isto ocorre, esquecemos que, antes de tudo, aprendemos a agir, e não a construir teorias sobre a linguagem ou sobre o conhecimento. Por esta razão é que, para ele, a questão filosófica é posterior ao senso comum.

Você deve estar se perguntando: qual a ligação de Wittgenstein com todas estas questões do Fundacionalismo?

A ligação é a seguinte: Wittgenstein não aceita a separação de mente e comportamento elaborada tanto pelo cético, quanto pelos argumentos da analogia de Stuart Mill. Para ele, não há separação entre um e outro. E, aqui, está uma das dificuldades com o pensamento de Wittgenstein: não há perigo de cairmos no Behaviorismo.

Segundo ele, o Behaviorismo é uma forma extremada de eliminação do mundo mental humano, mas é fato que temos

Page 184: [5946]Teoria do Conhecimento I

184

Universidade do Sul de Santa Catarina

comportamentos que expressam nosso mundo mental, logo é um engano eliminar nosso mundo mental e reduzir todos os verbos psicológicos (penso, creio, tenho a intenção, desejo, etc.) apenas ao comportamento físico.

Ao mesmo tempo, Wittgenstein argumenta que não podemos partir para a opção contrária, isto é, eliminar o mundo material e afirmar que tudo que existe é nossa mente, ou é causado por ela. Antes, é necessário perceber que aprendemos algo sobre nosso mundo mental a partir de nosso comportamento.

O argumento de Wittgenstein que tenta mostrar sua ideia quanto a isto ficou famoso na Filosofia e recebeu o nome de argumento da linguagem privada, contudo não se pode afirmar que seja apenas um argumento, mas vários.

Bem, este é um problema de interpretação do texto de Wittgenstein, e não é nossa intenção discutir este ponto aqui.

Imagine uma pessoa que, por suas razões particulares, resolve criar uma linguagem só para si. Esta pessoa faz anotações e cria símbolos que apenas ela pode compreender; outras pessoas, não. Esta linguagem seria privada, propriedade apenas daquela pessoa; outros não conseguiriam compreender o que ela escreve.

O interessante neste argumento de Wittgenstein é a formulação engenhosa que ele fornece de um passo do argumento fundacionista, qual seja, o de que nosso conhecimento inicia coma experiência. Wittgenstein elabora o seguinte experimento mental:

Ora, quais as consequências deste experimento mental? Se ele de fato tem sentido, então o que o cético afirma é correto: não conhecemos nada sobre as outras mentes. Também o que Stuart Mill afirma é correto: sabemos apenas de nossa mente, mas nada da mente de outras pessoas.

Ao mesmo tempo, se todo conhecimento inicia pela experiência e se esta experiência é algo que ocorre na mente do sujeito através dos sentidos, então não conseguimos sair de nossas experiências pessoais e atribuí-las a outras pessoas. Com este passo

Page 185: [5946]Teoria do Conhecimento I

185

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

Wittgenstein, fecha o cerco sobre o argumento fundacionalista e o torna fechado em si mesmo: se sou fundacionalista, apenas eu sei que tenho experiências.

Mas as coisas não são desta forma.

Há aqui um grave problema de uso da linguagem, e este uso incompreendido é que nos leva a formular o argumento da linguagem privada ou da privacidade da experiência. Vejamos:

Primeiramente vamos compreender o uso da linguagem que o privatista (tanto o cético quanto Mill) utiliza. Ele afirma: “Apenas eu sei que tenho minhas dores”. Outra afirmação dele é “As dores de N são particulares a ele, só ele as sente. Eu apenas sei que ele tem dores por comparar seu comportamento com o meu”.

Estas afirmações são a fonte de onde brota o ceticismo e a privacidade das mentes. O problema das outras mentes é compreensível, porque elaboramos nossas experiências e atribuições de mente com base em afirmações como estas. Tanto as repetimos em nosso dia-a-dia que acreditamos que contêm algum problema filosófico quando as examinamos mais de perto.

Esta é a alegação principal de Wittgenstein, estas expressões não dizem nada sobre o mundo, nem sobre uma pessoa. A não ser em casos especiais, facilmente imagináveis. Afirmar “só eu tenho minhas dores” é uma frase gramatical tal como “paciência é um jogo que se joga sozinho” ou “no jogo de xadrez existem peças brancas e pretas”.

Ou seja: estas afirmações não dizem nada sobre o mundo, pois são afirmações sobre a constituição do uso das palavras.

Para entender melhor este argumento de Wittgenstein, pensemos no seguinte: é verdadeira a afirmação de que apenas eu posso sentir as minhas dores. Ora, se esta afirmação é verdadeira, então sua contrária - “não é verdade que apenas eu posso sentir minhas dores” - deve ser uma afirmação falsa.

Page 186: [5946]Teoria do Conhecimento I

186

Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas como é que você pode provar que é uma afirmação falsa? Através de que meios eu provo que apenas eu sinto minhas dores? Mostrando minhas dores? Isto não faz sentido? Como provo que você não tem as minhas dores? Como provo que as suas dores são suas?

Estas questões não fazem sentido, afirma Wittgenstein, pois são afirmações que partem do uso incompreendido de nossa linguagem. Ou seja: acreditamos que nossa linguagem seja um instrumento de veicular informações e experiências uns para os outros. Esta crença está tão arraigada em nós que não percebemos que nossos problemas não são reais, e sim problemas de uso das palavras.

Sendo assim, o argumento de Wittgenstein deve ter como consequência o fato de que nós temos conhecimentos a partir de outros conhecimentos que não são básicos? Não. Wittgenstein afirma que nós conhecemos a realidade porque a aprendemos, porque sabemos como lidar com ela. Após este aprendizado é que podemos duvidar da realidade.

Existem outras mentes? - pergunta o filósofo. Wittgenstein responde: Esta questão baseia-se no mal-entendido de que “mente” é algo que apenas uma pessoa pode ter, tal como “minha caneta” ou “meu pé”. Mas a realidade existe? - perguntaria novamente o filósofo. Wittgenstein lhe diria: Você está afirmando que a realidade é algo que pode ser identificado com “uma pedra” ou “uma cadeira” e então você pergunta “a cadeira existe?”. Não; a separação que você faz entre realidade e mente ou linguagem não é real.

A linguagem é a realidade e vice-versa. Você pretende separar algo que está ligado. Mas então, os objetos exteriores existem? Ora, diria Wittgenstein, apenas um filósofo poderia fazer esta pergunta, pois primeiro afirma que sabe o que é a realidade e, depois, volta a afirmar que não sabe provar como ela existe.

Creio que você percebeu que os argumentos de Wittgenstein não são uma resposta direta ao cético. Antes, Wittgenstein sabiamente não aceita as perguntas que o cético faz. Mais ainda: afirma que a certeza que o cético busca é um engodo, pois ele

Page 187: [5946]Teoria do Conhecimento I

187

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

separa de si algo que não pode ser separado, a saber, a realidade e o mundo.

Além disto, a busca de certeza é um ideal que impomos ao mundo, mas não existe certeza no mundo. Primeiro aprendemos a compreender a realidade e o mundo que nos cerca; após este passo inicial, começamos a construir nossas dúvidas.

Isto significa que a busca por uma certeza não faz sentido, pois o conhecimento não é uma verdade absoluta e indubitável, antes é nossa vida que cerca este conhecimento e o faz ser tão certo que não o podemos negar. Quando um cético pede contas da certeza de nosso conhecimento, não conseguimos lhe fornecer nenhuma, pois não obtivemos aquele conhecimento através de uma investigação experimental, mas sim, através de nossas vidas.

O erro do filósofo cético ou do epistemólogo que busca a certeza em cada conhecimento é que eles tratam o conhecimento como se fosse algo alienado da pessoa, quando os conhecimentos existem apenas devido às pessoas, aos seres humanos. O que nos leva a esta separação drástica é a crença de que nosso conhecimento deve ser construído tal como as descobertas científicas: do mais básico para o mais complexo.

A argumentação de Wittgenstein demonstra que é o contrário. Nossa exigência de simplicidade é um ideal que impomos ao mundo, e não uma realidade. O filósofo cético exige uma resposta para uma pergunta que inicia com um engano. Não conseguimos lhe responder, por que sua pergunta não faz sentido.

Page 188: [5946]Teoria do Conhecimento I

188

Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese Nesta unidade, aprendemos que, quando exigimos que o nosso conhecimento esteja baseado em determinadas crenças básicas, somos corretamente denominados por Fundacionalistas. O ponto básico do fundacionalista é que ele não deseja um círculo vicioso de crenças que fundamentam outras crenças, num círculo infinito. Vimos que a exigência do fundacionalista sobre as nossas crenças básicas é exagerada. Aprendemos ainda que o problema do Fundacionalismo não é apenas quanto à exigência de infalibilidade das crenças básicas, mas do seu ponto de vista empirista. Por fim, aprendemos com Wittgenstein que nossos problemas filosóficos podem ser problemas quanto ao uso da linguagem e que a exigência de certeza sobre nosso conhecimento é um ideal, e não um fato.

Atividades de autoavaliação 1) O principal argumento do fundacionismo (para que aceitemos a sua argumentação) é o argumento do regresso infinito. Os outros dois argumentos decorrentes deste são o da probabilidade e o da justificação. Explique o argumento da probabilidade e responda à seguinte questão: Por qual razão é necessário que aceitemos o argumento da probabilidade?

Page 189: [5946]Teoria do Conhecimento I

189

Teoria do Conhecimento I

Unidade 7

2) A partir do conteúdo estudado nesta unidade, explique a afirmação de C. I. Lewis: “Se nada for certo, então nem o provável é concebível”.

Saiba mais

Para aprofundar seu conhecimento, consulte os seguintes materiais:

CHAUÍ, Marilena. � Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1997. Nesta obra, a autora analisa de maneira introdutória o ponto de vista quanto à possibilidade de fundamentação do conhecimento.

CHISHOLM, Roderick. � Teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1980. Neste livro, você encontrará a fundamentação do ponto de vista fundacionalista.

TEIXEIRA, João de Fernandes. � Filosofia da mente e comportamento. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. Este filósofo brasileiro discute aqui o problema das outras mentes.

WITTGENSTEIN, Ludwig. � Investigações filosóficas. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. Os argumentos deste filósofo podem ser encontrados nesta obra. Existe também uma edição na Coleção: Os Pensadores, da Editora Abril Cultural, de 1980.

Page 190: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 191: [5946]Teoria do Conhecimento I

Para concluir o estudo

Chegamos ao final de nossa caminhada de estudo sobre Teoria do Conhecimento. Você deve ter notado que não apresentamos uma resposta direta para o cético. Esta atitude pode irritar o investigador sério em Epistemologia e Teoria do Conhecimento. Contudo você pode notar, através do conteúdo das unidades que estudamos, qual a atitude do cético: ele sempre pede fundamentos das possibilidades de nossos argumentos.

Ora, a única forma de enfrentar um cético é não cair no jogo argumentativo dele, isto é, não fornecer o tipo de resposta que ele espera. Assim, em vez de respondermos apontando um tipo de conhecimento que não poderia ser posto em dúvida, nossa resposta foi tentar mostrar ao cético que a sua dúvida só é possível depois que aprendemos algumas coisas. Por exemplo: como você poderá duvidar dos anéis do planeta Saturno, se você nunca o viu em foto ou pelo telescópio? Assim, só posso duvidar daquilo de que já tenho algum conhecimento. Paradoxal, não?! Mas é exatamente isto que o cético esquece.

Bem, você poderá se perguntar “Que tipo de resposta é esta?”. Afinal não é apresentado nenhum conhecimento que cale a dúvida do cético. Ora, esta é a questão central, quando estudamos o conhecimento: qual critério aplicaremos, para podermos afirmar que temos um conhecimento fundamentado?

Segundo o cético, só é fundamentado aquele conhecimento que não for passível de dúvida. Mas, como vimos, parece que todos os conhecimentos são criticáveis. Será que deveríamos abandonar nossos conhecimentos e acompanhar o cético em suas dúvidas? Ora, claro que isto não é necessário. Nossa atitude deve ser a de compreender que o ceticismo que até agora estudamos deve servir de “crítico” de nosso conhecimento, e não tornar-se nosso inimigo.

Page 192: [5946]Teoria do Conhecimento I

O cético nos ajuda a fundamentar melhor o que conhecemos, a construir de maneira mais clara nossos argumentos e afirmações e – principalmente – nos ajuda a desconfiar de conhecimentos que são tomados como verdades incontestáveis.

Em sua profissão, você encontrará varias situações em que a dúvida e o questionamento são saudáveis, ainda que as pessoas não possuam as respostas certas, ou mais adequadas. O simples fato de pensar sobre os conhecimentos que empregam, as fontes destes conhecimentos e os fundamentos dos mesmos já servirá de ajuda para “conhecer” melhor e de forma mais efetiva.

Page 193: [5946]Teoria do Conhecimento I

Referências

AUSTIN, John L. Outras mentes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores).

BASTOS, Cleverson Leite Bastos; CANDIOTO, Kleber. Filosofia da ciência. PeTRÓPOLIS: Vozes, 2008.

CARNAP, Rudolf. Testabilidade e significado. Tradução Pablo Rubem Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).

CARNAP, Rudolf. Empirismo, semântica e ontologia. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: editora Ática, 1997.

CHISHOLM, Roderick. Teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: ed. Zahar, 1980.

COPI, Irving. Introdução à lógica. São Paulo: ed. Mestre Jou, 1979.

DANCY, Jonatan. Introduction to contemporary epistemology. London: Blakwell, 1985.

DeLeUZe, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Lisboa: edições 70, 1990.

DeSCARTeS, René. As paixões da alma. Tradução Bento Prado Junior. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).

DeSCARTeS, René. Discurso do método. Tradução Bento Prado Junior, São Paulo, Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).

DeSCARTeS, René. Meditações de filosofia. Tradução Bento Prado Junior. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).

GReCO, John; SOSA, ernest (orgs). Epistemologia. São Paulo: edições Loyola, 2007.

KANT, emanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

KOYRe, Alexandre. Considerações sobre Descartes. 2. ed. Lisboa: Presença, 1981.

MOORe, George e. Prova de um mundo exterior. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores,).

Page 194: [5946]Teoria do Conhecimento I

MOORe, George. Uma defesa do senso comum. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores).

MOORe, George. Prova da existência de um mundo exterior. São Paulo, Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores).

NORRIS, Christopher. Epistemologia. São Paulo: Artmed editora, 2008.

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Petrópolis: editora Vozes, 1980.

POLLOCK, John L. Contemporary theories of knowledge. New Jersey: Rowman & Littlefield, 1986.

QUINe, W.V.O. Epistemologia naturalizada. Tradução de Andréa Loparic. São Paulo: Abril Cultural, 1985. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleção Os Pensadores).

STeGMULLeR, Wolfgang. História da filosofia contemporânea. São Paulo: ePU/eDUSP, 1878. (volumes 1 e 2).

SCHLICK, Moritz. Positivismo e realismo. Tradução de João Luis Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).

SCHLIK, Moritz. Sentido e verificação. Tradução de João Luis Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores)

STROUD, Barry. The significance of philosophical skepticism. Oxford: Oxford University Press, 1984.

TeIXeIRA. João de Fernandes. Filosofia da mente e comportamento. Petrópolis: editora Vozes, 2000.

WITTGeNSTeIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: editora Vozes, 1998.

Page 195: [5946]Teoria do Conhecimento I

Sobre os professores conteudistas

Arturo Fatturi é Licenciado em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É professor das disciplinas de Filosofia, Filosofia da Ciência e Filosofia da Educação na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). É tutor da disciplina Filosofia na modalidade EAD. Também exerce o cargo de articulador da disciplina Filosofia junto à Gerência de Pesquisa e Extensão na UNISUL de Tubarão. Atuou como professor substituto de Filosofia no Departamento de Filosofia da UFSC e como Tutor na disciplina Filosofia da Educação no Laboratório de Ensino a Distância (LeD) da UFSC/Instituto Anísio Teixeira, Bahia. Foi professor das disciplinas de Teoria do Conhecimento, Lógica, Metodologia da Pesquisa em Filosofia e Hermenêutica no Curso de Filosofia da Fundação Universitária de Brusque (UNIFEBE) em Brusque, Santa Catarina.

Page 196: [5946]Teoria do Conhecimento I
Page 197: [5946]Teoria do Conhecimento I

Respostas e comentários das atividades de auto-avaliação

UNIDADE 1

1) esta resposta é pessoal mas, o aluno poderá indicar que, ainda que exista um embusteiro sumamente poderoso, sumamente ardiloso, que empregue todos os seus esforços para manter - me perpetuamente ludibriado, não pode subsistir dúvida alguma de que existo, uma vez que ele me ludibria; e, por mais que me engane a seu bel prazer, jamais conseguirá que eu não exista, enquanto eu continuar pensando que sou alguma coisa. Já, no que se refere à conclusão, o (a) aluno (a) poderá indicar que, uma vez ponderados escrupulosamente todos os argumentos, terá de concluir que, sempre que diz ou concebe em seu espírito Eu sou, logo existo, esta proposição tem de ser necessariamente verdadeira. Já a premissa no que diz respeito ao bem e ao mal, estes termos nada indicam de positivo nas coisas consideradas por si, nem são mais do que modos de pensar, ou noções que formamos, a partir da comparação de uma coisa com outra.

UNIDADE 2

1. Resposta: 1) espera-se que o (a) aluno (a) elabore sua resposta de maneira argumentativa, discutindo seu(s) ponto(s) de vista. O objetivo da questão é fazer o (a) aluno (a) pensar no argumento cético de que a investigação da verdade não tem um fim. Logo buscar a verdade é tornar-se escravo de uma busca que apenas traz perturbação ao espírito.

2) As verdades da razão são aquelas verdades que não necessitam de nossas experiências sensoriais para estabelecer sua verdade. As verdades da experiência são possíveis, apenas, devido à capacidade humana de perceber e, portanto, poderiam ser diferentes. espera-se que o (a) aluno (a) apresente seu(s) ponto(s) de vista de maneira argumentativa, fornecendo as razões de seu raciocínio.

Page 198: [5946]Teoria do Conhecimento I

198

Universidade do Sul de Santa Catarina

UNIDADE 3

1) exemplo de conhecimento “interno”: a ciência mostra que os objetos do mundo são compostos de partículas unidas através de pequenos espaços. A afirmação fala apenas de determinada característica dos objetos. Parte do pressuposto que nós podemos conhecer os objetos do mundo. exemplo de conhecimento “externo”: nossa capacidade de conhecer objetos da realidade. Aqui está em jogo todo o conhecimento, e não uma parte específica.

2) A resposta mais correta neste caso é argumentar que Moore não compreendeu corretamente o Ceticismo Filosófico. O cético questiona todo conhecimento, e não apenas o conhecimento de objetos exteriores a nós.

3) A resposta correta a esta pergunta é argumentar da seguinte forma: a dificuldade em fornecer uma resposta ao cético consiste na impossibilidade de fornecer um tipo de conhecimento que não seja baseado em nossa percepção. A resposta que o cético aceitaria é a que lhe mostra um tipo de conhecimento o qual não pudesse ser colocado em dúvida.

UNIDADE 5

1) Ponto de vista interno: o fato de podermos conhecer objetos através de nossa percepção. Ponto de vista externo: somos capazes de conhecer o mundo que nos cerca.

2) Para Quine, a epistemologia a partir de sua naturalização faz parte das ciências naturais e, sendo assim, pode servir-se das descobertas da Psicologia empírica sobre nossa mente e a maneira como interagimos com o mundo que nos cerca. Assim, segundo o argumento de Quine, a epistemologia não é mais a tentativa racional de construir uma explicação sobre o nosso conhecimento, e sim um ponto de vista científico sobre o conhecer. A epistemologia passa a incluir em suas explicações as descobertas empíricas sobre o cérebro humano.

3) A vantagem é que a epistemologia passará a estudar o conhecimento humano como se este fosse um aspecto empírico da natureza do ser humano, e não mais como uma reconstrução racional apenas, isolada de qualquer investigação empírica.

Page 199: [5946]Teoria do Conhecimento I

199

Teoria do Conhecimento

UNIDADE 6

2, 3, 4.

2. Ciências Formais: são as ciências que lidam apenas com as regras através das quais elaboramos nossos conhecimentos. Lógica, Matemática, Sistemas de Informação, Biblioteconomia.

Ciências Naturais: são as ciências que se utilizam do método experimental de investigação. Seu objeto de estudo é parte da realidade perceptível, pois apenas desta podemos realizar experimentos. Física, Química, Ciência Cognitiva, Biologia, Psicologia empírica, Medicina.

3. A vantagem é que todos os conceitos utilizados nas teorias científicas seriam definidos através de sua referência a objetos existentes na realidade. Portanto as definições deveriam ser empíricas, e não meramente formais. Toda teoria científica seria ligada à realidade que estuda, pois seus conceitos conteriam esta realidade como significado.

UNIDADE 7

1) O argumento da probabilidade parte do princípio que algumas evidências devem ser verdadeiras para que os eventos prováveis sejam esperados. Sem evidências verdadeiras, não se pode prever o que irá acontecer, ainda que não seja de todo certo que o previsto vá ocorrer. A necessidade de aceitarmos o argumento da probabilidade é que nossas previsões, para serem de todo aceitáveis, devem partir de algumas evidências aceitas como corretas e indubitáveis.

2) O ponto de vista fundacionalista parte do princípio que apenas poderemos obter conhecimento, se nossa investigação basear-se em verdades primeiras que são indubitáveis. O argumento de Lewis afirma que, se não tivermos crenças verdadeiras indubitáveis, também não saberemos distinguir o que é, ou não, provável que ocorra, pois não teremos conhecimentos seguros. Assim, para que a probabilidade possa funcionar, é necessário que alguns conhecimentos sejam indubitáveis.

Page 200: [5946]Teoria do Conhecimento I