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O MODELO NA RELAÇÃO DO ENSINO COM A APRENDIZAGEM Maria Ivone Gaspar * Alda Pereira* António Teixeira* Isolina Oliveira* Índice INTRODUÇÃO 1. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS - 4 1.1. A matriz racionalista - 5 1.2. A reflexão existencialista e a matriz humanista - 6 1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz? - 7 1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz? - 7 1.4. O pragmatismo na educação: uma matriz -8 2. PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS - 10 2.1. Aprendizagem: significados e perspectivas -10 2. 2. Conceitos e tipos de inteligência - 26 2.3. Personalidade e motivação - 28 3. PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS - 34 3.1. Cultura e intercultura - 35 3.2. A dimensão social no sucesso escolar - 38 3.3. Instituição escola e profissão professor - 42 4. PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS - 48 4.1. Ambiente para a aprendizagem - 48 4.2. A interacção professor/aluno - 51 4.3. Conteúdos de ensino - 54 * Centro de Estudos em Educação e Inovação, Departamento de Ciências da Educação, Universidade Aberta.

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O MODELO NA RELAÇÃO DO ENSINO COM A

APRENDIZAGEM

Maria Ivone Gaspar* Alda Pereira*

António Teixeira* Isolina Oliveira*

Índice

INTRODUÇÃO

1. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS - 4

1.1. A matriz racionalista - 5

1.2. A reflexão existencialista e a matriz humanista - 6

1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz? - 7

1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz? - 7

1.4. O pragmatismo na educação: uma matriz -8

2. PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS - 10

2.1. Aprendizagem: significados e perspectivas -10

2. 2. Conceitos e tipos de inteligência - 26

2.3. Personalidade e motivação - 28

3. PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS - 34

3.1. Cultura e intercultura - 35

3.2. A dimensão social no sucesso escolar - 38

3.3. Instituição escola e profissão professor - 42

4. PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS - 48

4.1. Ambiente para a aprendizagem - 48

4.2. A interacção professor/aluno - 51

4.3. Conteúdos de ensino - 54

* Centro de Estudos em Educação e Inovação, Departamento de Ciências da Educação, Universidade Aberta.

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INTRODUÇÃO

Na linguagem comum a qualquer tipologia de discurso, utiliza-se a expressão ensino-

aprendizagem pretendendo-se designar um processo detentor das duas valências que interactuam

com grande complexidade – ensinar e aprender. Estas valências impõem uma análise distinta.

Enquanto aprender é um processo intrínseco ao ser humano e, manifesto em aquisições diversas,

apresentando como resultado mudanças nos seus comportamentos, ensinar é um processo

extrínseco e cujo efeito esperado é a aprendizagem. Afirma-se, com alguma frequência, que

aprender é um dos objectos de estudo da Psicologia e ensinar cai no âmbito científico da Pedagogia.

Sendo este texto, naturalmente, de natureza pedagógica prender-se-á, sobretudo, com o

processo de ensino; não poderá, contudo, descurar a relação entre os dois processos, pelo que se

impõe uma reflexão sobre os referentes de cada um deles, ainda que desenvolvida com dimensões

diferentes, a fim de melhor enquadrar o tema proposto. Assim, a par da reflexão sobre ensino,

fazem-se considerações sobre aprendizagem.

“A aprendizagem é uma modificação na disposição ou na capacidade do homem,

modificação essa que pode ser retirada e que não pode ser simplesmente atribuída ao processo de

crescimento” (Gagné, 1984:3). A aprendizagem poderá ser considerada como um processo social

mediante o qual os ‘aprendizes constroem significados resultantes, entre outros factores, da

interacção entre o conhecimento previamente adquirido e as novas experiências realizadas. Tobin

(1992:3) acentuara que “a aprendizagem se deve focar (...) não só no modo como o indivíduo tenta

extrair significado dos fenómenos, mas também no papel do contexto social como mediador da

aprendizagem”. Ao invés de considerar o conhecimento como dado adquirido, estabelecido e

transmissível, a perspectiva construtivista defende que o conhecimento é algo pessoal e que o

significado é construído pela pessoa em função da experiência. A aprendizagem é, assim, um

processo de amadurecimento. As condições favoráveis à aprendizagem deverão ser as linhas de

suporte do ensino. Diferentes condições internas e externas são necessárias para cada tipo de

aprendizagem. À medida que a aprendizagem vai ocorrendo é necessário criar condições que a

influenciem e criar condições para a transferência do que foi aprendido.

O foco de interesse da situação de ensino é o aluno, no qual se processa a aprendizagem.

Está-se perante um quadro donde ressaltam as interacções de alguém que ensina - o

professor (também designado por ensinante) - com alguém que aprende - o aluno (também

designado por aprendente). Esta interacção é mediada e tal mediação torna-se no objecto deste

ensaio.

Cada teoria de ensino faz apelo a uma ou mais das teorias de aprendizagem. Note-se que

“ensinar” é por vezes usado como sinónimo de “instruir”, pelo que alguns teóricos, nesta matéria,

preferem o substantivo instrução ao de ensino. Nathaniel Gage (1984) escolheu três palavras para

descrever a arte de ensinar: espontaneidade, cadência e ritmo. “A arte de ensinar é uma arte

instrumental ou prática e não uma das belas-artes que tem como objectivo último a criação da

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beleza. Enquanto arte instrumental, o ensino é algo que se afasta de receitas, fórmulas ou

algoritmos. Requer improvisação, espontaneidade, o lidar com múltiplas possibilidades relativas à

forma, ao estilo, à cadência, ao ritmo e à adequabilidade de modos tão complexos” (Arends,

1995:1).

O ensino requer várias estratégias e diversas técnicas mas os resultados que o ensino obtém

com a aprendizagem não são ditados nem por umas nem por outras nem por ambas em conjunto.

A maneira como são usadas depende, sobretudo, de dois factores: um é o acto de escolha e o outro

traduz-se nos atributos do professor que as utiliza ao ensinar. Embora o professor actue,

vulgarmente, num espaço designado por escola, este conceito assumido como de um espaço real

para a prática do ensino vai tendo como concorrente, em determinados contextos, um outro de

natureza virtual.

As lógicas do ensino diferem da lógica do espaço onde ele acontece e da estrutura

institucional que suporta esse espaço; não obstante, é, muitas vezes, a estrutura institucional que

condiciona a natureza do ensino no nível operativo. As teorias de ensino desenham-se de acordo

com diferentes lógicas, que podem ser de três tipos: a lógica monista da imitação; a lógica monista

da moldagem e a lógica pluralística do crescimento. Cada uma delas representa um arquétipo na

lógica do pensamento acerca do ensino (Lamm, 1976: 14,15). Enquanto o ensino no espírito de

imitação está baseado nas necessidades da sociedade e o ensino no espírito da moldagem responde

aos apelos da cultura, o ensino no espírito do pluralismo baseia-se nas necessidades reais do

desenvolvimento de cada indivíduo. Três lógicas de ensino: imitação, moldagem e desenvolvimento

- poderão ser responsáveis por modelos específicos de ensino. Actos de ensino fundamentados por

um modelo negam, ou pelo menos diminuem, a possível influência de actos fundamentados por um

modelo diferente. Ensinar é, essencialmente, um processo contínuo de tomar decisões: determinar

as necessidades de aprendizagem, escolher objectivos apropriados a essas necessidades, escolher

meios relevantes para atingir os objectivos, criar situações específicas de aprendizagem, determinar

os modos de influenciar o meio ambiente onde se desenvolve o ensino.

Nem conteúdos, métodos ou mesmo objectivos, por si só, definem ensino. Ensinar pode

ser definido como um conjunto de acções, em resultado de escolhas entre objectivos e significados

contraditórios que são feitos em acordo com os dados da situação em que o ensino tem lugar. O

ensino não é um processo monolítico. Ensinar pode significar socializar, aculturar ou individualizar

(Lamm, 1976:116).

Joyce(1996:1) escrevia “ensinar é um processo de construção de comunidades de

aprendentes”. Ao termo ensino associa-se, naturalmente, o termo “conteúdo”, que significa sempre

conhecimento. O ensino, numa perspectiva construtivista, não é entendido como o relato ou

transmissão de verdades estabelecidas aos alunos, mas sim como proporcionando-lhes experiências

relevantes e oportunidades de diálogo, de modo a que a construção de significados possa emergir

(Arends, 1995).

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O confronto estabelecido entre o ensino e a aprendizagem, com as figuras emergentes do

professor que ensina e do aluno que aprende, pressupõe a análise de perspectivas fundamentais que

permitam a identificação e compreensão das linhas orientadoras que se tornam os alicerces dos

Modelos de ensino-aprendizagem. Essas perspectivas analisam-se de uma forma sumária e

assumem-se como pressupostos, considerando-se aqueles que abrangem quatro naturezas distintas:

filosófica, psicológica, sociológica e pedagógica.

A opção foi feita por estes quatro tendo em conta cada um per si e os quatro em conjunto.

É nos pressupostos filosóficos que se procura o conceito de homem. Este conceito será o

primeiro fundamento, tornando-se no arquétipo do ser humano, permitindo a definição da ideia

que produz a sua essência. Importa, então, conhecer, apenas nas suas generalidades, algumas das

linhas de pensamento filosófico que acentuam a validade de dimensões diferentes do homem e

criam suportes para outros pressupostos.

Os pressupostos psicológicos evidenciam aspectos cruciais, como teorias da aprendizagem

e outros com elas relacionadas, de modo a construir a trama das variáveis implícitas ao processo de

aprendizagem.

Os pressupostos sociológicos configuram tipos e significados de representações que a

sociedade vai construindo e (des)construindo a partir, em alguns casos, do campo da filosofia e da

psicologia, socorrendo-se, ainda, de outras áreas.

Com os pressupostos pedagógicos pretende-se estabelecer as linhas de força que

determinam a acção educadora e, que muitas vezes, se identificam com o meio ambiente, donde

emergem os conteúdos da aprendizagem e os agentes de ensino e de aprendizagem. No entanto,

tais linhas encontram uma relação directa no duplo sentido de causa/efeito com os outros três tipos

de pressupostos referidos anteriormente.

A descrição dialética do processo de instrução implica, em primeiro lugar, que ensinar não

é uma actividade linear que atinja directamente os objectivos pretendidos; é uma actividade que se

move constantemente entre pólos e alternativas contraditórias.

1. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS

Toda a reflexão filosófica sistematizada funda-se e reconduz-nos, como sabemos, à questão

antropológica fundamental: o que é ser Homem, o que é que nos faz ser homens? Ora, a educação

tem sido tradicionalmente entendida como o meio de humanização, por excelência, ou seja, o modo

de alguém tornar-se ou fazer-se Homem. Se um homem, por definição, já nasce humano, ele faz-se,

ou é feito, Homem, pela tradição (escolarizada ou não). Neste sentido, a educação como problema

tem acompanhado sempre a reflexão filosófica, mesmo que não de forma autónoma, inserindo-se

no quadro da reflexão sobre o modo da emancipação ontológica da condição humana.

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É, pois, no quadro da radicalidade antropológica de toda a reflexão filosófica que

procuraremos seguidamente identificar algumas das linhas de força fundamentais do pensamento

filosófico contemporâneo sobre a educação. Neste texto pretendemos essencialmente despistar

alguns conceitos e ideias fundamentais, característicos de cada uma das grandes correntes dos

últimos anos, cuja operacionalidade no domínio da teoria educativa consideramos ser mais evidente,

fazendo ressaltar aspectos que tecem a sua matriz. Organizamo-las em quatro pontos: (1) a matriz

racionalista; (2) a reflexão existencialista e a matriz humanista; (3) entre o estruturalismo e o pós-

estruturalismo: que matriz e (4) o pragmatismo na educação: uma matriz.

1.1. A matriz racionalista

Embora a evolução da mentalidade e da realidade social europeia, aliada ao surgimento de

novas correntes filosóficas tenha feito perigar, nas últimas décadas, as bases ideológicas do

iluminismo pedagógico kantiano, este assume-se inegavelmente como um modelo extremamente

perene. Na verdade, ele alicerça-se em dois princípios-chave. O primeiro é o de que existe uma

racionalidade universal, a qual deve fundar todas as instituições humanas, bem como o

conhecimento. Naturalmente, podemos contra-argumentar que, desde Nietzshe, esta pretensão

absolutista e determinista da racionalidade iluminista tem vindo a ser alvo de uma violenta crítica. A

reflexão sobre os limites da razão levada a cabo pelos pensadores de correntes tão diversas como a

fenomenologia, o existencialismo, o marxismo humanista e os críticos da escola de Frankfurt, por

exemplo, permitiram sem dúvida consolidar a pluralidade cultural como um valor.

No entanto, a pedagogia iluminista baseia-se ainda noutro princípio básico que é o do

dever dos adultos, e do estado, fazer dos jovens novos homens, de trazê-los à cidadania. De certo

modo, trata-se de uma aplicação do conceito político do despotismo iluminado. Ora, este princípio

implica uma evidente instrumentalização da educação, como é comprovado, entre outros exemplos,

pelos sistemas de ensino dos grandes estados totalitários do séc. XX. Lembremos, a este propósito,

como Horckheimer e Adorno na sua Dialéctica do Iluminismo (1947) alertavam para o facto de que

se a razão conduz a um distanciamento da nossa ligação pré-reflexiva com a natureza, com vista ao

domínio e transformação desta, então necessariamente a educação enquanto cultora da

racionalidade, constituirá assim um meio preparatório para o exercício da dominação. É

interessante verificar quanto esta passagem menos conhecida do pensamento destes dois

representantes da Escola de Frankfurt, de raiz marxista, se aproxima das reflexões de muitos

fenomenólogos e existencialistas seus contemporâneos.

É indiscutível, porém, que a matriz iluminista, por muitas questões complexas que coloque,

como as da universalidade dos princípios epistemológicos e dos juízos morais e a da articulação

possível entre a auto-determinação individual e a solidariedade colectiva no quadro da integração

numa comunidade, não deixou ainda, no entanto de exercer uma forte influência. Isto deve-se ao

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facto de a tradição kantiana ter consolidado um valor fundador da própria definição filosófica da

educação, que é o da autonomia individual.

Mas, até que ponto essa autonomia pode ser adquirida de modo igualmente autónomo? A

resposta kantiana tradicional é particularmente inspiradora, uma vez que, para o pensador de

Königsberg, a aquisição da plena autonomia racional, por via da aprendizagem filosófica, embora

pressuponha a administração de um ensino, este não se dirige à transmissão dos conhecimentos

objectivos, mas ao adestramento da capacidade de julgar autonomamente. «Não se ensina filosofia,

apenas se aprende a filosofar», como alerta uma célebre frase do autor alemão.

Em boa verdade, o princípio filosófico de que a educação deve ser entendida como uma

libertação individual remonta a Platão, o qual lhe dedica a famosa «alegoria da caverna», em

República. Todavia, a ideia de que a aquisição da liberdade não é produto da educação mas uma

consequência do processo educativo é mais recente. Nascida da obra de pensadores como Rosseau

e Dewey, veio a ser aprofundada por autores contemporâneos como Rogers e Illich.

A noção de autonomia, originariamente entendida como a auto-determinação dos estados

políticos, foi apropriada e profundamente desenvolvida, como vimos, pelo racionalismo. No

domínio da filosofia da educação, a interpretação kantiana da autonomia como capacidade de auto-

determinação racional, por oposição à sujeição às inclinações ou interesses particulares, concepção

ligada especialmente ao juízo moral, tem encontrado muitos seguidores, mesmo em autores

recentes como por exemplo Richard Peters, Paul Hirst ou Israel Scheffler. Com efeito, para estes

autores, a autonomia é ainda concebida como a capacidade de tomar decisões ou fazer escolhas

racionalmente estruturadas.

Em todo o caso, a matriz iluminista baseia-se numa confiança infinita na universalidade da

razão e do conhecimento científico, a qual veio a ser progressivamente abalada na segunda metade

do séc. XX.

1.2. A reflexão existencialista e a matriz humanista

Recuperando a nossa definição inicial, a educação enquanto processo de humanização

tenderá a ser remetida para o plano que cada corrente filosófica tomar como fundador da própria

condição humana. Este pode ser, pois, como na tradição iluminista, o da racionalidade. Mas outras

instâncias podem igualmente ser tomadas como caracterizadoras da diferença identificadora

humana. Desde logo, a consciência, mas também a linguagem. Com efeito, pelo que sabemos, o

Homem, enquanto tal, distingue-se das outras espécies essencialmente porque possui uma

consciência e um sofisticado sistema de comunicação.

Como já salientámos, talvez a grande conquista da matriz racionalista tenha sido a do

estabelecimento do princípio da educação como bildung (formação individualizada), fazendo radicar o

processo formativo na autonomia do indivíduo, entendida esta enquanto emancipação (i.e., uma

libertação). Se tal assim é, poderemos afirmar, por outro lado, que talvez a principal herança do

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movimento existencialista e da corrente hermenêutica tenha sido o da valorização do conceito de

autenticidade.

No contexto racionalista e, mais especificamente, para a linha de pensamento

contemporânea que identificámos como seguidores da tradição kantiana (como por exemplo,

Richard Peters, Paul Hirst e Israel Scheffler), a autenticidade surge necessariamente como a

conformidade com os padrões racionais. De certo modo, como sugere o próprio Peters (in Bonnett,

1986), ela constituirá uma condição implícita à noção de autonomia, em conjunto com a reflexão

racional.

O existencialismo veio colocar em causa a simplicidade essencial desta asserção. Na

verdade, para estes autores, a condição humana e o pensamento não são simples relações lógicas,

mas complexas inter e intra-acções. O princípio humano básico é a de que todos os homens são

livres. E isto significa que nenhum pode abdicar da responsabilidade de exercer a sua liberdade.

Esta é entendida não como o direito de fazer o que se deseja, mas como o dever de fazer qualquer

coisa. Ora, tudo o que fazemos é da nossa absoluta responsabilidade, mesmo aquilo que não

fazendo, deixamos que outros façam por nós ou a nós. Na linha heideggeriana, quando nascemos

somos projectados no mundo e enquanto seres-no-mundo (dasein) somos os únicos responsáveis

pelo nosso próprio projecto de vida, pelas nossas decisões, escolhas e comprometimentos. Só se

vivermos deste modo viveremos uma vida autêntica.

Porém, como é compreensível, esta responsabilidade individual absoluta e solitária

constitui um peso imenso que carregamos connosco.

A situação torna-se ainda mais complexa, porém, na medida em que, para a reflexão

existencialista, os próprios princípios morais ou as posições religiosas não constituem uma

referência de autenticidade absoluta mas, pelo contrário, também elas terão de ser, por fim, objecto

de uma escolha humana, cuja responsabilidade, tal como pelas suas consequências, terá igualmente

de ser assumida.

Para evitar assumir a nossa responsabilidade individual absoluta e confrontar as decisões

reais, tendemos a escondermo-nos por detrás de características de personalidade, que tomamos

convenientemente como imutáveis (ex: eu sou assim…), ou a preenchermo-nos com as pequenas

questões do quotidiano de modo a não ter tempo para mais nada, ou a aceitarmos o diz-que-diz, ou

ainda a fecharmo-nos no carácter óbvio do senso comum. São modos de tranquilizar a nossa

liberdade que apenas servem para nos demitirmos da verdade desta.

Este tipo de reflexão torna claro que mais importante do que explicar o Homem, há que o

interpretar. Não é, pois, estranho que Heidegger tenha estado na origem da corrente filosófica

hermenêutica, a qual culmina na obra de Gadamer. Com este autor, finalmente o pensamento

europeu, incapaz de afastar a influência externa na decisão, no juízo humano, integra o pré-conceito

como categoria operativa na construção teórica. Como declarou o hermeneuta alemão, em Warheit

und Method, não são tanto os nossos juízos que nos constituem como humanos, mas os nossos

preconceitos. Para Gadamer, os juízos prévios, as pressuposições e todo o tipo de predisposições

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que influenciam o nosso juízo são inerentes a todo processo que possamos designar como

experiência humana. Eles constituem o meio no qual se realiza a própria compreensão humana, o

meio interpretativo. Contudo, embora não possamos nunca escapar à influência das predisposições,

podemos aprender a sujeitá-las à crítica. Como será isso possível? Abrindo-as a perspectivas

diferentes daquelas com as quais tinham concordado até então.

No domínio específico da educação, podemos identificar a preocupação existencialista com

a categoria da autenticidade com, entre outras, a análise conceptual do «cuidado» (caring about, loving)

pelos ideais pessoais e pela nossa própria vida, levada a cabo por Harry Frankfurt (Frankfurt,1988,

Noddings,1984). Importa salientar que a noção de caring apresentada por este autor é

substancialmente diferente da levada a cabo pela ética do cuidado feminista, por exemplo pela de

Noddings. A perspectiva de Frankfurt não é sociológica, não se baseia no caring for outros

indivíduos, mas de natureza antropológica e de certo modo metafísica, fundando-se no caring about

aquilo que é, e por vezes só é, importante para nós próprios. Com efeito, o autor procura

estabelecer as condições estruturais fundamentais que enquadram o facto de que somos criaturas

para as quais as coisas importam. É neste quadro que ele entende a noção de autonomia.

1.3. Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo: que matriz?

O conjunto de autores e obras muito diversificado do campo das ciências humanas e

sociais que poderemos designar como «corrente estruturalista» desenvolveu-se durante o terceiro

quartel do século XX, principalmente em França. Embora seja difícil considerá-la um movimento,

dados os constrangimentos metodológicos exercidos por cada uma das diferentes disciplinas

envolvidas (antropologia, filosofia, teoria literária, psicanálise, teoria política, e até a matemática),

podemos considerar que ela se funda nos princípios organizativos da linguística estrutural de

Ferdinand Saussure.

Rejeitando as abordagens historicista e filológica, Saussure contrapôs um modelo científico

da linguagem, que se consubstanciava num sistema fechado de elementos e regras que explicam a

produção e a comunicação social de significados, de sentido. Nesta perspectiva, a linguagem faz

derivar as suas significações a partir da sua própria organização lógica autónoma, a qual garante a

função comunicativa. Uma vez que a linguagem constitui a base das construções sociais, talvez este

modelo pudesse servir também para melhor descrever o funcionamento dos sistemas sociais

enquanto tais.

Décadas depois, Claude Lévy-Strauss desenvolveria este raciocínio, entendendo que a

própria sociedade se encontra organizada segundo uma qualquer forma de comunicação ou troca

significativa (seja de informação, de conhecimento, de mitos, etc.). Deste modo, a organização dos

fenómenos sociais poderia assim ser clarificada por via da elaboração detalhada das suas estruturas

subjacentes, as quais conjuntamente testemunham uma mais funda e integrada racionalidade social.

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Estas estruturas não se revelariam por meio da observação directa, mas apenas poderiam se

inferidas e deduzidas a partir dos dados empíricos.

Naturalmente, a abordagem estruturalista, que coloca em causa a importância tradicional de

noções como a da subjectividade e da historicidade, assumiu-se claramente como uma reacção à

herança existencialista e hermenêutica, que abordámos anteriormente. Os seus cultores esforçaram-

se por erguer de novo a ideia de uma racionalidade universal objectiva, ainda que em moldes

diferentes do que tinham feito os racionalistas.

O advento da crítica pós-moderna veio colocar, porém, sérios problemas à continuidade

desta corrente. O pós-estruturalismo manteve algumas proximidades, mas também estabeleceu

importantes diferenças. Assim, podemos afirmar que as duas correntes partilham a desconfiança em

relação à autonomia da consciência humana e à sua importância única para a interpretação,

compreensão e acção históricas. Do mesmo modo, ambas mantêm o entendimento geral da

linguagem e da cultura como sistemas linguísticos e simbólicos e a crença de que o Inconsciente e

as estruturas não aparentes, ou as forças histórico-sociais, são grandemente responsáveis pelo nosso

comportamento individual.

Pelo contrário, o pós-estruturalismo diferencia-se claramente do seu objecto de crítica por

reintroduzir a importância da história, desafiar o cientismo nas ciências humanas sendo

epistemologicamente anti-fundamentalista e colocando a ênfase no perspectivismo no que concerne

a interpretação, alimentar uma reflexão crítica sobre a tecnologia, rejeitar a forma binária em que se

baseiam as democracias liberais (nós/eles, cidadãos/não-cidadãos,

responsabilidade/irresponsabilidade, legítimo/ilegítimo), a qual conduz à exclusão social, valorizar a

diferença como categoria filosófica, suspeitar das meta-narrativas, atitude tipicamente pós-moderna,

e por manifestar uma especial preocupação com a análise da relação da categoria do poder com a

do conhecimento.

1.4. O pragmatismo na educação: uma matriz

O modo de pensar pragmatista foi inaugurado por Peirce, em 1878, com uma máxima.

Segundo ela, não existe qualquer diferença de significado, por mais fina que seja, que não possa ser

detectada por via da diferença entre possíveis consequências. Se as consequências de duas

concepções de algo são idênticas, o seu significado é necessariamente idêntico. Esta ênfase nas

consequências constitui o ponto de partida para quase todas as análises pragmatistas. Em todo o

caso, podemos afirmar que a pedra basilar do pragmatismo como corrente filosófica é a do anti-

fundamentalismo, ou seja, a rejeição de qualquer substancialidade racional universal fundadora.

O pragmatismo acolhe a falibilidade e pressupõe o carácter eminentemente social do eu. A

corrente afasta decididamente a concepção atomista do indivíduo, nascido com uma vontade

própria livre e uma racionalidade inatas. Ao invés, as mentes e os eus emergem socialmente por via

do diálogo crítico e criativo no seio de uma comunidade.

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A implicação pedagógica desta análise é óbvia. A aprendizagem deve possuir uma base

biológica muito sólida, não constituindo a mente algo de separável da totalidade do corpo, dos seus

sentimentos, dos seus desejos e dos seus interesses. A aprendizagem, a crença e o conhecimento

constituem assim uma parte integrante da acção e do sentimento. O pluralismo de Peirce leva-o a

entender o conhecimento como uma construção social.

A influência desta corrente tem sido enorme, especialmente, no mundo anglo-saxónico.

Ela confirma a natureza eminentemente social da aprendizagem e a base empírica da sua pesquisa,

em oposição à matriz racionalista com que iniciámos este texto.

2. PRESSUPOSTOS PSICOLÓGICOS

A Psicologia – o modo como se define e entende a aprendizagem - tem tido uma grande

importância na definição e na sustentação teórica da educação.

Muitas pessoas situam a aprendizagem estritamente em contextos escolares. De facto,

grande parte da investigação sobre a aprendizagem tem-se desenvolvido no sentido de dar resposta

a problemas levantados nesses contextos. Contudo, convém ter presente que estudos realizados,

nas últimas décadas, incidentes na prática diária, focando a actividade das pessoas em acção,

consideram que essa actividade envolve mudanças no conhecimento e na acção, sendo estas

mudanças centrais na aprendizagem.

O objectivo deste ponto é apresentar conceitos e perspectivas fundamentais em psicologia,

nomeadamente sobre o modo como a criança pensa e aprende, assim como de outras áreas da

psicologia que influenciam o desempenho académico. Neste sentido, analisam-se os contributos da

investigação e dos estudos em psicologia para as questões pedagógicas, em particular, na relação do

ensino com a aprendizagem.

Admite-se que estes pressupostos explicam muito do que acontece na aprendizagem e no

modo como ela se enquadra no modelo educativo. Considera-se necessário a abordagem deste

ponto seguindo três tópicos: (1) aprendizagem – significados e perspectivas; (2) conceitos e tipos de

inteligência e (3) personalidade e motivação.

2.1. Aprendizagem: significados e perspectivas

Desde há muito tempo que se discutem ideias sobre como se pensa e aprende, não só entre

psicólogos mas também entre filósofos e educadores. A Psicologia é uma disciplina onde se

procuram conhecimentos para ajudar a compreender a aprendizagem. Como sublinha Ferreira

(1999), ao longo do tempo “o discurso psicológico no campo educativo tem vindo a privilegiar as

relações entre o ensino e a aprendizagem como alvo central de estudo” (p. 14). Considera-se, assim,

que a prática educacional pode ser melhor se for esclarecida com conhecimentos de Psicologia.

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Durante a primeira metade do século XX, a Psicologia esteve principalmente interessada

em adaptar leis gerais de aprendizagem (Resnick & Ford, 1981) mas o questionamento posterior

desta posição, levou à emergência de um outro enfoque no sentido de procurar compreender os

processos de pensamento.

Importa esclarecer que, apesar da ligação entre a psicologia e a educação parecer óbvia, não

é tão directa como muitas vezes se pensa (Entwistle, 1988:6) e não se pode esperar da psicologia a

elaboração de um conjunto de leis gerais de aprendizagem que, uma vez aplicadas, resolveriam

todos os problemas educacionais.

As reflexões que a psicologia traz para a compreensão da aprendizagem têm variado, desde

as primeiras posições comportamentalistas do início do século XX, como as de Thorndike e mais

tarde Skinner, até às ideias mais recentes baseadas nas abordagens sócio-culturais, de raiz

vigotskiana, e psico-sociais, com origem na teoria piagetiana, as quais consideram que a “natureza

da actividade individual não pode ser isolada do seu ambiente cultural e social” (Grossen,

1994:159).

A aprendizagem

Historicamente as teorias de aprendizagem pertencem a duas famílias principais: teorias de

estímulo-resposta1 e teorias cognitivas (Hilgard (1966). Mas, como refere este autor, nem todas as

teorias pertencem a estas duas famílias, as primeiras incluem membros diferentes como, por

exemplo, as teorias de Thorndike e de Skinner e as teorias cognitivas incluem, para além de outras,

a psicologia clássica da Gestalt e a teoria de campo de Lewin. Importa, pois, esclarecer que na

mesma família há assunções e controvérsias específicas que levam à distinção de diferentes

correntes de pensamento.

Apesar das distinções sublinhadas, é possível afirmar que durante o século XX há duas

escolas de pensamento que, principalmente nos E.U.A., marcaram a discussão sobre a

aprendizagem: a aprendizagem por associação que a vê como o resultado de conexões ou de

associações entre estímulos e respostas e a aprendizagem cognitiva que vê a aprendizagem como

uma reorganização de percepções. Para a primeira, que predominou na primeira metade do século,

aprender resulta da aquisição de conexões apropriadas, recompensando-se as respostas adequadas a

determinados estímulos, ao mesmo tempo que são punidas as não apropriadas. Para a segunda, que

emerge a partir dos anos cinquenta, aprender é compreender.

As duas teorias – estímulo-resposta e cognitiva – posicionam-se, respectivamente, de modo

diferente em relação às três questões seguintes: intermediários periféricos versus centrais, aquisição

de hábitos versus estruturas cognitivas e ensaio e erro versus insight na solução de problemas

1 Esta designação está ligada à ideia simples de que certos estímulos (por exemplo, um luz forte dirigida aos olhos provoca a contracção pupilar) levam normalmente a respostas condicionadas e não condicionadas. Outros autores quando se referem à aprendizagem preferem a designação de aprendizagem por associação, vendo-a como resultado de conexões ou associações entre estímulos e respostas (por exemplo, quando as crianças dizem oitenta e um perante o estímulo nove vezes nove).

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(Hilgard, 1966). Assim, quando as primeiras falam de movimentos intermediários como

integradores de sequências de comportamento, as segundas para as explicar falam de processos

centrais tais como a memória ou a expectativa. Sobre o que se aprende as teorias E-R falam de

hábitos, isto é, o que se aprende são respostas a estímulos recebidos, enquanto as teorias cognitivas

consideram que aquilo que se aprende são estruturas cognitivas. Finalmente, face à questão de

como se chega à solução perante um problema novo, as teorias E-R propõem que os hábitos

passados que se revelaram adequados são convocados para o novo problema e a resposta é dada

com base em elementos comuns e familiares da nova situação que são semelhantes a outras

anteriores; aquele que aprende fá-lo recorrendo ao ensaio e erro. Os cognitivistas dizem que a

solução do problema encontra-se se ele for apresentado de um determinado modo mas não se for

colocado de outro, e falam de uma estrutura perceptual que leva ao insight, ou seja à compreensão

das relações fundamentais na situação.

O comportamentalismo2 teve início com os trabalhos de John Watson (1913) da

Universidade de John Hopkins nos E.U.A., embora existam muitas variantes. Watson3 não aceita o

método introspectivo de Wundt e propõe que o comportamento seja o objecto de estudo da

Psicologia. O comportamento é a única realidade observável e, portanto, aquela a que se pode

aplicar o método científico. Os trabalhos de Pavlov sobre os reflexos condicionados4, surgiram a

Watson “como um paradigma útil à aprendizagem”, isto é, o “reflexo condicionado foi central para

a aprendizagem como unidade sobre a qual se constroem os hábitos” (Hilgard, 1966:62) que,

baseados em comportamentos observáveis, deram a Watson as bases em que ele iria assentar os

seus estudos. O reflexo condicionado passa a ser o tema central do seu comportamentalismo e o

papel do condicionamento na sala de aula surge com John Watson. Por outro lado, trata a

psicologia do ponto de vista comportamental, salientando os métodos adequados para o estudo

comportamental das relações psicológicas.

É, contudo, com Edward L. Thorndike (1874-1949), um teórico comportamentalista, que

são anunciadas leis sobre a aprendizagem, tornando-se consistentes e começando a dominar a

educação. Este autor, considerado o fundador, é representativo desta corrente de pensamento sobre

a aprendizagem, providenciando uma teoria justificativa para o uso do treino através de exercícios.

As teorias comportamentalistas desenvolveram-se na primeira metade do séc. XX e

dominaram durante quase meio século sobre todas as outras teorias, nomeadamente sobre a

psicologia de Gestalt 5 ou da Forma, como refere Hilgard (1966); destacam-se os trabalhos sobre a

aprendizagem de Edward L. Thorndike (1874-1949) e de Burrhus F. Skinner (1904-1990).

2 Os comportamentalistas ou behavioristas têm em comum a convicção de que a psicologia deve basear-se no estudo daquilo que é manifestamentre observável: os estímulos físicos, os movimentos musculares e as secreções glandulares que eles provocam bem como os produtos ambientais que produzem. Excluem a auto-obervação (introspecção) como um método científico legítimo (Hilgard, 1966). 3 Em 1914 escreve “Behavior: An Introduction to comparative psychology”, onde contesta algumas posições de Thorndike e o livro “Psychology from the standpoint of a behaviorist” surge em 1919 4 Estiveram na base da atribuição do prémio Nobel da medicina em 1904. 5 A Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Forma tem início com os estudos de Wertheimer, Kölher e Koffka na Universidade de Frankfurt, em 1910. O seu trabalho inicial incidiu na organização humana dos processso perceptuais,

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Jean Piaget (1896-1980), que desenvolve os seus estudos sobre epistemologia genética nesta

época, dá pouca atenção à aprendizagem estímulo-resposta, encarando-a como aprendizagem em

sentido estreito. As perspicazes observações de crianças realizadas por Piaget leva-o a considerar

que o sujeito desenvolve operações mentais que são evidenciadas por meio das suas abordagens a

situações ou problemas qualitativamente diferentes, descrevendo estas mudanças no funcionamento

mental como estádios do desenvolvimento intelectual.

Apesar da teoria de Piaget ficar esquecida por muitos anos, pelo menos entre os psicólogos

de língua inglesa (Wood, 1996) as suas ideias sobre o pensamento e a aprendizagem começam a

influenciar numerosas opções curriculares durante as décadas de setenta e oitenta. Por um lado, o

fenómeno dos “períodos críticos” para a aprendizagem, destacado por diversos autores, encontra

resposta com a formulação dos estádios universais do desenvolvimento; por outro lado, a

importância atribuída à acção e à resolução de problemas dirigida pelo próprio sujeito

proporcionava uma nova abordagem à motivação intrínseca e de um modo geral, à aprendizagem,

explicando assim, ainda que tardiamente, a grande difusão das ideias piagetianas.

Não é fácil apresentar uma definição de aprendizagem. Talvez seja mais fácil começar por

apresentar diferentes tipos de actividades que ilustram aprendizagem como, por exemplo,

memorizar um poema, aprender a trabalhar com um programa informático, aprender a falar ou

ainda adquirir uma determinada atitude ou comportamento. Mas também aqui parece não haver

consenso. Como refere César (2001) “há muito que se reflecte e discute sobre o que é aprender e as

posições assumidas pelas diversas abordagens estão longe de ser consensuais” (p. 104). Para alguns,

aprender confunde-se com memorizar ou com registar; para outros, aprender inclui saber resolver

problemas e saber aplicar os conhecimentos a novas situações. Pode também incluir “ser capaz de

resistir a contra-sugestões enganosas e fazer prevalecer os seus argumentos” (p. 105), remetendo,

assim, para a aquisição de atitudes e de valores. Há também autores, como, por exemplo, R. Gagné

e David Ausubel que dedicaram os seus trabalhos à criação de tipologias onde definiram formas

hierarquicamente mais complexas de aprendizagem.

Segundo César (2001) “se historicamente chegou a existir algum consenso sobre o que era

aprender - e mesmo este dado é muito discutível, porque sempre existiram escolas filosóficas

antagónicas - à medida que a sociedade se foi complexificando e que as ciências humanas e sociais

se foram desenvolvendo, assistiu-se a uma proliferação sobre o que era aprender e, de forma

paralela, sobre como se deveria, ou não, ensinar.” (p.105)

Hilgard (1966), por exemplo, define aprendizagem como o “processo pelo qual uma

actividade tem origem ou é modificada pela reacção a uma situação encontrada, desde que as

baseando-se na ideia de que a mente interpreta as sensações e as experiências tendo em conta determinados princípios de organização, isto é, haveria uma tendência natural para se percepcionar formas globais (gestalts) no ambiente, tendo defendido que as leis de organização na percepção (leis de similaridade, proximidade, fechamento e boa continuidade) se aplicavam à aprendizagem. Esta teoria trouxe a noção de aprendizagem por insight para primeiro plano como alternativa à aprendizagem por tentativa e erro. Estes teóricos só moderadamente se interessaram pela aprendizagem.

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características da mudança de actividade não possam ser explicadas por tendências inatas de

respostas, maturação ou estados temporários do organismo (por exemplo, fadiga, drogas, etc)”

(1966:3). Apesar de considerar a definição como provisória, o autor chama a atenção para a

importância dela conter a distinção entre os tipos de mudança e os seus antecedentes classificados

como aprendizagem e os tipos de mudança relacionados entre si e os seus antecedentes que não são

incluídos como aprendizagem.

Schraml (1972) considera a aprendizagem como uma das condições fundamentais do

desenvolvimento e cita Mertz que define aprendizagem como “mudanças relativas de possibilidades

de comportamento por meio da experiência” (1972:1), referindo que esta definição é

suficientemente abrangente para incluir todas as teorias da aprendizagem que tentam explicar o

comportamento do homem e o seu desenvolvimento e não apenas as funções cognitivas.

A relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento não é perspectivada do mesmo modo

pelos investigadores. Por exemplo, na psicologia de desenvolvimento de Piaget a noção de

aprendizagem surge fortemente ligada à ideia de desenvolvimento, considerando mesmo que a

aprendizagem está subordinada ao desenvolvimento. Esta posição deu origem a questionamentos

vários, surgidos particularmente de autores das correntes de pensamento socioculturais.

Ao questionar as teorias cognitivas, para as quais a aprendizagem é um processo distinto do

desenvolvimento, e não se “confunde” com a categoria mais geral da actividade humana, Lave

(1993:12) pergunta: como distinguir a aprendizagem da actividade humana? Argumenta ainda que

separar a aprendizagem de outras espécies de actividade pressupõe duas assunções teóricas: a) que

as relações dos actores com o conhecimento-em-actividade são estáticas e não mudam, excepto

quando sujeito a períodos especiais de “aprendizagem” e “desenvolvimento” e b) que as

disposições institucionais para inculcar o conhecimento são as necessárias, gerando-se

circunstâncias especiais para a aprendizagem, separadas das práticas diárias.

Estas correntes de pensamento desafiam ideias que são fundamentais nas teorias cognitivas

como o carácter homogéneo do conhecimento e dos aprendentes (menos em quantidade ou

capacidade) e também de metas, motivos e actividade, questionando a existência de processos

universais de aprendizagem.

Seguindo o pensamento de Jean Lave, essas duas posições sobre a aprendizagem têm

subjacente pontos de vista diversos sobre o conhecimento, num caso seria perspectivado como

“uma colecção de entidades reais, localizada nas cabeças e a aprendizagem como um processo de as

internalizar” e no outro “o conhecimento e a aprendizagem encarados como envolvimento em

processos de mudança da actividade humana”. Nesta situação o conhecimento torna-se um

conceito complexo e problemático, enquanto que na primeira é a aprendizagem que é problemática.

O foco das teorias de aprendizagem na transmissão de conhecimento existente tem

levantado objecções, na medida em que não explicaria a invenção de conhecimento novo na

prática. Por exemplo, Engeström (1987, citado em Lave, 1993) considera haver uma lacuna central

na teoria contemporânea de aprendizagem; “a transmissão, transferência ou internalização são

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descritores habilidosos para a circulação do conhecimento na sociedade” (1987:12) que implicam

assumir a uniformidade de conhecimento. Os seres humanos envolver-se-iam na reprodução de

conhecimento dado, mais do que na produção de inteligibilidade como um processo flexível de

envolvimento com o mundo. Ainda segundo Engeström, a ênfase na transmissão de conhecimento

minimiza a ideia de knowing e o que ela encerra, isto é, o interesse das partes envolvidas, as

actividades múltiplas, as diferentes metas e circunstâncias, enfim, aquilo que constitui o knowing

num dado momento.

A investigação realizada, nas duas últimas décadas, no âmbito das abordagens

socioculturais sobre o desenvolvimento cognitivo desloca o foco de análise da criança e de como

ela aprende, para o modo “como crianças e adultos se coordenam em cenários interactivos ou

como criam significados partilhados, levando a que a aprendizagem e o desenvolvimento não se

restrinjam a análises sobre como se adquirem segmentos de informação descontextualizados ou,

como é que se tem sucesso na aplicação de formas de raciocínio em tarefas artificiais consideradas

como indicativas de tipos específicos de competências” (Säljö, 1994:88). Para este autor a questão a

ser colocada deve ser como é que “os sujeitos se apropriam das experiências colectivas da sociedade

e como gerem o uso de meios mediacionais em situações concretas” (idem).

Vygotsky (1985) considera que o desenvolvimento cognitivo do ser humano é um produto

essencialmente sociocultural, e a aprendizagem pressupõe uma natureza social específica e um

processo em que o sujeito cresce num meio intelectual situacional. A aprendizagem é perspectivada

como um processo onde uma certa acção externa (tomada como partilhada pela comunidade numa

dada cultura) é transformada numa actividade mental, assumindo o diálogo um papel importante.

Também Cole (1990) considera que o desenvolvimento cognitivo é um processo de adquirir

cultura, onde o individual e o social são perspectivados como elementos mutuamente constitutivos

de um singular, num sistema em interacção.

As perspectivas socioculturais da psicologia referem a importância de encarar a

aprendizagem como um aspecto de qualquer actividade e não como um tipo de actividade,

considerando fundamental deslocar o foco analítico do sujeito como alguém que aprende, para uma

outra concepção onde a aprendizagem é perspectivada como participação no mundo social e refere-

se prática social em vez de processo cognitivo. Deste modo, o termo aprendizagem vai sendo

substituído por outros como compreensão e participação numa actividade de vaivém (Lave, 1993).

Em resumo, pode dizer-se que a aprendizagem é encarada como uma prática social e não numa

perspectiva individual como acontece nas teorias cognitivas.

Há, pois, diferentes modos de entender a aprendizagem bem como a relação entre a

aprendizagem e o desenvolvimento. Mesmo assim, Bauersfeld (1992) considera que, nas

perspectivas construtivistas e socioculturais, a definição seguinte é consensual:

“Aprender é um processo de formação da vida pessoal, um processo de adaptação interactiva a uma cultura através da participação activa (a qual também produz e desenvolve paralelamente a própria cultura), mais do que uma transmissão de normas, saber e itens objectivos” (1992:20).

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Finalmente, importa ter presente que a noção de aprendizagem e o que ela encerra, apesar

de se enraizar nas perspectivas teóricas vindas da Psicologia, foi também influenciada pelos

desenvolvimentos da própria sociedade e pelos efeitos que têm sobre a escola, o que ela deve

ensinar e como o deve fazer (aspectos discutidos na secção relativa aos pressupostos sociológicos).

Perspectivas comportamentalistas

Nos primeiros escritos de Edward L. Thorndike, pode ver-se que a base da aprendizagem

estava “na associação entre as impressões do sentido e os impulsos para a acção” (Hilgard,

1966:19); estas ligações estímulo-resposta veio a ser conhecida por “associações” ou “conexões” e a

sua teoria por conexionismo ou associacionismo. Deste modo, aprender é conectar e as conexões

têm a sua base no sistema nervoso e a aprendizagem é explicada através das conexões de neurónio

para neurónio. Na Psicologia da Aprendizagem, cujo fundador é Hermann Ebbinghaus que durante

a década de 1880, iniciou na Alemanha o estudo experimental da aprendizagem, a teoria

associacionista de Thorndike é a primeira teoria de estímulo-resposta ou S-R.

Até 1930, Thorndike dedicou-se a aplicar a sua teoria aos problemas surgidos no campo

social e educacional, tendo deixado as suas ideias registadas em três volumes - Educacional

Psychology (1913-1914). Considerava que a aprendizagem correspondia a um processo de

tentativas e erros e com a sua teoria procurou descrever como é que as conexões podiam ser

reforçadas ou enfraquecidas.

Enunciou pela primeira vez o conceito de transferência6 através da lei dos elementos

idênticos, salientando que os alunos seriam influenciados para pensar, sentir ou agir de modo

semelhante, em situações semelhantes fora da escola, quando tivessem que se confrontar com elas.

A transferência é, ainda hoje, central em Psicologia Educacional e constitui, em certa medida, o

objectivo da escola.

Para Thorndike ensinar consistia em arranjar e explicitar o conjunto de conexões que

constítuiam os conteúdos escolares e, uma vez organizadas, havia que recompensar determinadas

práticas que reforçariam essas associações e, assim, ocorreria a aprendizagem.

Ao contrário da Psicologia da Gestalt, a quem acusa de mística, o conexionismo é atomista,

isto é, analisa o comportamento através dos seus elementos que estão ligados uns aos outros. O

nosso crescimento em reflexos e instintos é natural, não precisamos de muito estímulo do meio,

mas é importante praticar ou exercitar para aprender os hábitos. São esses padrões de

comportamento hereditário que constituem a base da aprendizagem. Este aspecto distancia-o do

comportamentalismo que não enfatiza o papel do equipamento hereditário no comportamento

humano. Ligações complexas como as que correspondem a determinadas capacidades (música,

6 Segundo Sprinthall e Sprinthall (1993) a transferência é a chave para a aprendizagem na sala de aula, existindo transferência quando a aprendizagem da tarefa A influencia a aprendizagem da tarefa B.

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línguas, matemática e outras) têm uma base hereditária e quanto maior for o número de conexões

maior é a inteligência (que é uma questão de quantidade e não de qualidade).

As experiências que Thorndike realizou com animais exerceram um efeito muito grande no

modo como começou a pensar sobre a aprendizagem humana. A comparação de curvas de

aprendizagem leva-o a acreditar que os fenómenos revelados pela aprendizagem animal são também

os fundamentos da aprendizagem humana:

“Tanto em relação à teoria quanto em relação à prática é preciso lembrar, enfática e frequentemente, que a aprendizagem do homem é fundamentalmente a acção das leis de prontidão, exercício e efeito. O homem é, antes de mais nada, um organismo associativo trabalhando para evitar aquilo que perturba os processos vitais dos neurónios. Se começarmos a fabricar forças e faculdades imaginárias, ou se evitarmos a reflexão empregando termos soltos e vazios, ou se ficarmos perdidos imaginando a versatilidade e a inventividade extraordinárias das formas mais elevadas da aprendizagem, nós nunca compreenderemos o progresso do homem e nem controlaremos a sua educação” (1913:23).

Outros autores como Burrhus Frederik Skinner e Clark L. Hull (1884-1952), embora

pondo em causa alguns aspectos da teoria de Thorndike, mas mantendo o fundamental das

perspectivas comportamentalistas, continuaram a influenciar os procedimentos ligados ao ensino e à

aprendizagem.

Skinner vê a aprendizagem como uma associação entre estímulos (S) e respostas (R),

embora nem sempre por esta ordem. Reconhece dois tipos de aprendizagem, “mas dá mais ênfase

ao tipo de aprendizagem que está sob o controle das suas consequências” (Hilgard, 1966:101) e

distingue o comportamento respondente (as respostas desencadeadas por um estimulo específico

conhecido) de comportamento operante (respostas que não estão relacionadas com estímulos

conhecidos). Para estes dois tipos de respostas há também dois tipos de condicionamento: tipo S

quando o reforço está correlacionado com o estímulo (a que Skinner atribui menos importância) e

tipo R relativo ao condicionamento do comportamento operante, em que a resposta está

correlacionada com o reforço. Um reforço é definido pelos seus efeitos, podendo ser positivo –

quando fortalece a probabilidade de uma resposta operante, ou negativo – quando a remoção do

estímulo de uma situação aumenta a probabilidade de uma resposta operante.

Segundo a Lei do condicionamento operante se a ocorrência de um operante é seguida de

um estímulo reforçador então a frequência da resposta desse operante aumenta. Um outro aspecto

fundamental na sua teoria é a possibilidade de ocorrer a generalização de estímulos, isto é, quando

estímulos semelhantes aos do treino são usados, podem passar a produzir o mesmo efeito.

Para Skinner é o meio que causa mudanças no comportamento na medida em que as

consequências da resposta influenciam a acção futura. Com base na sua teoria, Skinner e os seus

alunos começam, nos anos cinquenta, a aplicar os princípios da análise do comportamento e a

teoria do reforço à educação, com apoio num conjunto de estudos comparativo.

Perspectivas cognitivistas

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Um novo campo – a psicologia cognitiva – surge quando a psicologia se dedica ao estudo

de comportamentos não-observáveis como raciocínio, pensamento e resolução de problemas7.

Investiga-se o que os sujeitos fazem quando colocados perante tarefas complexas realizadas na

escola, no trabalho ou noutras situações. Neste enquadramento, destacam-se os estudos de Jean

Piaget (1896-1980) sobre o modo como as crianças aprendem e que iluminaram a teoria do

desenvolvimento cognitivo, onde se sugere que o desenvolvimento envolve reestruturações

sucessivas de factos e relações resultantes de interacções das crianças com o meio e da manipulação

activa deste.

Esses estudos deram origem a muitos outros que contrapondo ou retomando as suas

ideias, vieram, alguns deles, a desenvolver novas correntes de pensamento. Situa-se neste caso o

construtivismo de Ernst Von Glasersfeld que se assume como uma posição epistemológica com

raízes não só na psicologia do desenvolvimento mas também na cibernética, linguística, ciência

cognitiva e filosofia e que se desenvolveu nas duas últimas décadas com impacto em diversas áreas

do conhecimento nomeadamente em Educação Matemática.

Nos E.U.A. Jerome Bruner (1915), foi um dos principais psicólogos que questionou os

princípios do comportamentalismo e que foi influenciado pelas posições de Piaget8. Elaborou uma

teoria de educação com base nos estudos que realizou sobre o desenvolvimento de conceitos.

Como sublinha o autor “a abordagem ao conhecimento faz-se, tornando acessível ao aprendente

que resolve problemas, através de modos de pensar que ele possui ou que pode convocar através da

combinação de modos de pensar que ele não tinha previamente combinado (1977:ix). Esta

abordagem parte “donde o aluno está.” Assumindo, assim, a sua posição de que “qualquer assunto

pode ser ensinado a qualquer criança em qualquer idade de alguma forma” (p. ix).

Outros autores, tomando como modelo o modo como os computadores processam a

informação, desenvolveram uma outra teoria da aprendizagem e da memória – a teoria do

processamento de informação. Estudam temas como o papel da compreensão na aprendizagem, a

organização do pensamento, as estratégias cognitivas e metacognitivas na resolução de problemas.

A este propósito, destacam-se as posições de Allen Newell e Herbert Simon sobre a resolução de

problemas e, também, de Robert Sternberg que estudou a inteligência na sua relação com o

processamento de informação.

Na teoria de processamento de informação, o conhecimento é perspectivado como um

conjunto de representações que são armazenadas na memória; estas representações incluem

símbolos que representam conceitos, propriedades e relações, assim como representações de

procedimentos para manipular expressões simbólicas. Aprender um assunto corresponde, então, à

7 Actualmente as teorias cognitivas ampliaram os seus estudos, constituindo “um arquipélago de ilhas pelas quais se interessam psicólogos, linguistas, informáticos, biólogos, matemáticos, físicos, antropólogos, sociólogos e filósofos que procuram decifrar os processos complexos que são o conhecimento e o pensamento” (Vergnaud, 1991, p. 11). 8 No seu livro The Process of Education Bruner refere: “tenho poucas dúvidas, olhando para trás, que os três [Piaget, Chomsky e Lévi-Strauss] tiveram um efeito profundo no meu pensamento.

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construção de estruturas e procedimentos cognitivos que representam conceitos, princípios e regras

de inferência do domínio (Greeno, 1991:174).

Os teóricos do processamento de informação estudam os processos mentais em função

dos seus efeitos comportamentais que observam e medem, perspectivando a medida de um modo

que os aproxima dos comportamentalistas. Contudo, no que diz respeito à teoria e aos temas

estudados, as suas raízes estão na Psicologia da Gestalt.

O modelo do processamento de informação é próximo da forma como os computadores

processam a informação, enfatizando, então, a entrada de informação codificada, o seu

armazenamento e processamento e finalmente a sua saída ou recuperação. A informação tem de ser

codificada, envolvendo a construção de traços de memória que são abstracções para ser, depois,

armazenada e processada por forma a mais tarde ser recuperada e trabalhada. A aquisição da

aprendizagem processa-se através de um circuito que se inicia com a memória sensorial breve, a não

ser que seja dada atenção ao estímulo, e, neste caso, a informação é codificada e transportada para o

armazenamento na memória a curto prazo (MCP) e na memória a longo prazo (em termos

imagéticos e verbais). Nem toda a informação entra nesta, dependendo do facto de se estar

suficientemente motivado para se fazer o ensaio, em número capaz, na MCP.

Esta teoria influenciou as prioridades em educação, centrando-se no modo como o ensino

pode ser planeado com vista a obter uma óptima orientação para os processos de aprendizagem.

Perspectiva estruturalista de Bruner

Nos anos cinquenta Bruner, a par de outros psicólogos, renova o interesse nos processos

cognitivos, isto é, nos meios pelos quais os organismos realizam, retêm e transformam informação

(Goodnow e Austin, 1956), referindo que o estudo destes processos foi apagado pelas orientações

behavioristas das últimas décadas. A sua teoria de desenvolvimento conceptual é uma das primeiras

perspectivas teóricas sobre como as capacidades cognitivas interagem com as tarefas de ensino.

Nos seus estudos procurou analisar as estratégias que os adultos usavam em processos

complexos de classificação, como decidiam o que era ou não relevante. Mais tarde começa a

trabalhar com crianças e focaliza a sua atenção no modo como elas representam mentalmente os

conceitos e as ideias que estavam a aprender. Atribui grande importância ao estudo no terreno, por

exemplo, para conhecer como as crianças enfrentam as aprendizagens escolares, então é necessário

observá-las na sala de aula.

Apoiando-se na noção de desenvolvimento de Piaget, Bruner e os seus colaboradores

centram as suas investigações no modo como são representados pela criança os episódios de

interacção. O conceito de representação cognitiva torna-se fundamental na definição dos processos

de aprendizagem e na resolução de problemas bem como um amplo leque de outras noções que,

em seguida, se irão apresentar.

Representação cognitiva - Bruner (1964) descreve três modos de representação: activa,

icónica e simbólica. A representação activa refere o modo de representação de acontecimentos

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passados através de respostas motoras apropriadas, isto é, quando um conjunto de acções

apropriadas conduzem a determinado resultado. Este constitui o modo como as crianças podem

recordar coisas durante o estado sensório-motor de Piaget ou quando, por exemplo as crianças

utilizam os dedos para contar. Os adultos também usam este modo de representação quando, por

exemplo, andam de bicicleta, após uns anos sem o experimentar.

A representação icónica configura um passo do concreto e do físico para o imaginário

mental, corresponde a imagens ou diagramas que representam conceitos. Acontece quando a

criança “desenha” ou manipula uma operação como meio de recordar o acto e também de recriá-lo

mentalmente quando necessário. Também o adulto está a fazer uso desta representação, quando lhe

é pedida a indicação de um percurso e faz um esquema, orientando-se nas ruas que desenha e na

menção que faz a determinadas casas ou cruzamentos. Também a criança que aprende a seriar pode

guardar como imagens as suas experiências feitas como, por exemplo, a seriação de blocos segundo

o seu comprimento. A compreensão da seriação pode apoiar-se nas imagens do que foi feito

anteriormente.

A representação simbólica é ampliada com o aparecimento da linguagem. Um símbolo é

uma palavra ou uma marca que significa alguma coisa mas não se parece com essa coisa, é

abstracto. Pode considerar-se que “os símbolos são inventados pelas pessoas para se referirem a

objectos, acontecimentos, ideias e os seus significados são largamente partilhados porque as

pessoas concordam com isso” (Resnick, 1981, p. 113). Por exemplo, quando os alunos usam sinais

como +, -, =, >, estão a começar a utilizar a representação simbólica matemática. A representação

simbólica refere-se, então, a um conjunto de proposições lógicas ou simbólicas com origem num

sistema simbólico com regras ou leis para formar proposições.

Pensamento intuitivo - Bruner atribui grande importância à intuição9 na aprendizagem,

referindo que o aluno pode muitas vezes chegar a soluções num dado problema usando o

pensamento intuitivo, o que não conseguiria através do pensamento analítico. Este modo intuitivo

ajuda, por exemplo, na formulação rápida de hipóteses e na combinação de ideias antes de ser

reconhecida a sua importância.

O autor sublinha que a escola deve desenvolver este tipo de pensamento e que os alunos

precisam estabelecer uma compreensão intuitiva dos materiais antes de serem introduzidos em

métodos mais formais. Por outro lado, os alunos têm menos possibilidade de desenvolver ou ter

confiança nos seus métodos intuitivos se nunca viram os mais velhos a usá-los. Do mesmo modo,

Bruner (1997) argumenta que “o professor disposto a que os alunos façam conjecturas sobre

questões que lhes coloca, e sujeita essas conjecturas a análise crítica, pode estar mais apto a

construir esses hábitos nos alunos do que aquele professor que analisa tudo para os alunos” (1997:

93).

9 A intuição implica “o acto de entender agarrar o significado, significância ou estrutura de um problema ou situação sem a confiança explícita no aparatus de uma habilidade analítica” (Bruner, 1997, p. 91). Segundo Bruner, a experiência e a familiaridade com um dado assunto tem indubitavelmente influência na intuição.

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Um outro aspecto que sublinhado pelo autor é a importância do tipo de tarefa a propor

aos alunos, isto é, há tarefas que requerem um “ataque” mais intuitivo do que analítico, embora seja

necessária mais tarde a (re)verificação de conclusões por meios analíticos.

O acto de aprender - segundo Bruner (1977) parece envolver três processos simultâneos, a

aquisição de nova informação, a transformação e a avaliação. No primeiro essa informação muitas

vezes opõe-se ou é um substituto do que a pessoa sabe previamente implícita ou explicitamente.

Neste caso, é um refinamento de conhecimento prévio, como por exemplo, ensinar a um estudante

detalhes do sistema circulatório que já sabe vagamente ou intuitivamente que o sangue circula. O

segundo aspecto da aprendizagem - a transformação - corresponde ao processo de manipular

conhecimento por forma a adaptá-lo a novas tarefas. Aprende-se a analisar informação com vista a

permitir a extrapolação, a interpolação ou a conversão noutra forma. A transformação refere-se ao

modo como se trata a informação com o objectivo de avançar. O terceiro aspecto da aprendizagem

– a avaliação – envolve verificar se o modo como se está a manipular a informação é o adequado.

Relativamente a estes três processos coloca a questão de saber que ênfase deve ser dada a cada um

deles: adquirir factos, manipulá-los e verificar ideias.

Em suma, a aprendizagem encerra três processos que ocorrem em ligação: a aquisição de

nova informação, a transformação, ou seja, a manipulação para o adaptar a novas situações e a

avaliação para verificar se a manipulação da informação foi a conveniente para responder à situação

referida.

Para além da importância que atribuía à intuição no acto de aprender, Bruner, que esteve

ligado ao movimento da reforma curricular nos anos sessenta nos E.U., desenvolveu uma teoria de

educação, prescritiva (segundo as suas palavras), que assentava em quatro princípios fundamentais:

(1) estrutura, (2) motivação, (3) sequência e (4) reforço.

(1) Estrutura - A noção de estrutura é fundamental na teoria de Bruner. Para explicar o seu

significado utiliza exemplos da biologia, da matemática e da aprendizagem da língua. Neste caso,

argumenta que tendo as crianças alcançado a estrutura de uma frase, rapidamente acabam por gerar

novas frases baseadas no modelo com diferenças no conteúdo em relação à inicial (ex: o gato

comeu o rato, o rato foi comido pelo gato,...)

Alcançar a estrutura de um dado assunto é compreendê-lo por forma a permitir que muitas

outras coisas sejam relacionados com ele significativamente, isto é, “aprender a estrutura é aprender

como as coisas se relacionam” (Bruner, 1977:7). Aponta quatro razões para que se ensine a

estrutura fundamental de um assunto: a) compreender os “fundamentais” torna um assunto mais

compreensível; b) se um detalhe não for colocado numa estrutura, rapidamente é esquecido, o

detalhe é mantido na memória por meio de modos simplificados de o representar, por exemplo, o

que um cientista guarda na memória é uma fórmula; c) compreender os princípios e as ideias

fundamentais parece ser o principal caminho para adequar a “transferência de treino”; d) ultrapassar

o hiato entre o conhecimento avançado e o elementar. Há certas ideias gerais da ciência, da

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literatura que podem ser ensinadas mais cedo e que terão relevância mais tarde para a

aprendizagem. A visão de que as coisas estão conectadas e não isoladas.

Para Bruner ensinar tópicos específicos ou destrezas não é económico se não se tornarem

claros os seus contextos, na estrutura fundamental de um campo de conhecimento, na medida em

que: a) é difícil para o aluno generalizar o que ele aprendeu para o que vai encontrar mais tarde; b)

tem pouca recompensa em termos de estimulação intelectual e c) o conhecimento é provavelmente

esquecido.

(2) Motivação - Se bem que o autor aceite a motivação extrínseca, considera que ela tem

um efeito transitório podendo ser importante no início da acção. A curiosidade como resposta à

incerteza e à ambiguidade, o impulso para se ser competente e a reciprocidade, ou seja, a

necessidade de se trabalhar de um modo cooperativo com os outros, constituem exemplos de

motivação intrínseca que, segundo Bruner, devem ser levados em conta quando se pretende

desenvolver a disposição para aprender. Se a intenção do professor é acostumar o aluno a episódios

cada vez mais longos de aprendizagem, a motivação intrínseca deve ser estimulada. O aluno deve

experimentar o prazer de um funcionamento efectivo e completo ou como diz Bruner (1977) “os

alunos deviam saber o que é sentir, o que é estar completamente absorvido num problema” e “eles

raramente experienciam este sentimento na escola” (1977:50).

(3) Sequência - A teoria de educação de Bruner implica uma determinada sequência de

ensino. Os três modos de representação, acima descritos, estão relacionados com o

desenvolvimento, desenvolvem-se segundo a ordem expressa, cada um dependendo do anterior e

exigindo uma grande quantidade de prática antes da transição para o posterior. Por exemplo, as

estruturas matemáticas, biológicas ou históricas podem ser construídas pelos alunos desde que lhes

sejam proporcionadas experiências onde desenvolvam as representações activa, icónica e simbólica

de conceitos, segundo esta ordem. Apesar disto, considera que não há uma sequência ideal para

todos e deve atender-se a vários aspectos como a aprendizagem anterior, a natureza do material, o

estádio de desenvolvimento e as diferenças individuais.

Bruner considerava que os conceitos deviam ser trabalhados na sala de aula de acordo com

os três modos de representação e seguindo a ordem activa-icónica-simbólica. Então, o

desenvolvimento de conceitos seguiria a teoria geral do desenvolvimento intelectual. O paralelismo

entre o modo como o homem representa actos, objectos e ideias e o modo como na sala de aula o

professor devia apresentar os conceitos é assumido por Bruner e mesmo que o aluno estivesse

pronto para a representação simbólica, a icónica pelo menos devia ser utilizada.

(4) Reforço – Para além dos três elementos anteriores na teoria de educação há ainda o

conhecimento dos resultados que actua como reforço para o aluno no processo de ensino-

aprendizagem A aprendizagem exige reforço. O feedback que lhe é dado pelo professor vai

permitir-lhe atingir o domínio de um dado problema desde que seja na altura certa e entendível pelo

aluno. É quando este avalia o seu desempenho que se torna mais eficaz o feedback, o que significa

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não o dar conhecer muito precocemente nem tardiamente, evitando que assimile informação

errada.

A importância atribuída à estimulação do pensamento pela aprendizagem pela descoberta

foi um dos maiores contributos da teoria de educação de Bruner para a pedagogia. A aquisição de

conhecimentos faz-se partindo de problemas, criando expectativas, formulando hipóteses e fazendo

descobertas. Os alunos devem ser estimulados a descobrir relações críticas, através da resolução de

problemas e a construírem conexões, tornando disponível o conhecimento relevante. Praticar o

ensino pela descoberta implica a observação, a exploração, a resolução de problemas e actividades

de investigação, a explicação de causa e efeito ou outras que ajudem a estabelecer relações. O

ensino pela descoberta não só amplia a capacidade intelectual mas também enfatiza a motivação

intrínseca e permite uma maior intervenção do aluno no processo de aprendizagem assim como lhe

confere uma maior confiança nos resultados da sua aprendizagem. Como sublinha o autor mais

importante do que falar, por exemplo, sobre Física para os alunos é “falar Física” (1977:ix)

Uma ideia forte na teoria de Bruner releva de que a aprendizagem de um dado tópico por

um aluno deve iniciar-se no ponto em que ele se encontra, defendendo também que grande parte

da actividade do professor deve ser desenvolvida no sentido de proporcionar ao aluno a

possibilidade de ele descobrir por si próprio. Desenvolve a ideia de andaime (scaffolding) para

significar, justamente, aquilo que o professor percepciona e faz quando apoia na realização de uma

dada tarefa, de tal modo que assegura só as partes da tarefa em que o aprendente não consegue por

si próprio.

Perspectivas socioculturais e psico-sociais10 na aprendizagem

Na psicologia do desenvolvimento cognitivo, há segundo Grossen (1994) duas abordagens

que, embora com raízes diferentes, assumem que “a natureza da actividade individual não pode ser

isolada do seu ambiente cultural e social” (1994:159). São as abordagens socioculturais de raiz

vigotskiana, de que se destacam os trabalhos de B. Rogoff, J. Wertsch, M.Cole e S. Scriber e J.

Valsiner, entre outros, e as psico-sociais com raiz na teoria piagetiana, das quais se salientam os

estudos de Doise, Mugny, Anne Nelly- Clermont, Schubauer-Leoni e M. Grossen. Ainda de

acordo com Grossen, esta última abordagem considera que o indivíduo e o meio estão conectados

numa relação dialéctica que os torna completamente interdependentes. Então, a actividade

cognitiva para ser estudada precisa de ter em conta os contextos relacionais, sociais e culturais nos

quais o indivíduo desenvolve essa actividade. Os estudos desenvolvidos nesta perspectiva incidem

no estudo do papel da interacção entre pares no desenvolvimento cognitivo. As relações sociais e o

confronto entre pares pode ser fonte de conflitos sócio-cognitivos que geram reestruturações

cognitivas nos indivíduos.

10 Alguns autores designam-nas de interaccionistas sociais.

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De seguida, abordar-se-ão brevemente algumas ideias fundacionais da perspectiva sócio-

cultural de Vygotsky, dada a importância que começaram a ter na relação entre o ensino e a

aprendizagem. São elas: a mediação, o processo de internalização, a zona de desenvolvimento

proximal e a formação de conceitos.

Ao considerar a aprendizagem como um processo onde uma certa acção externa,

partilhada pela comunidade, numa dada cultura, é transformada em actividade mental, o diálogo

passa a assumir um importante papel. Neste diálogo há quatro aspectos fundamentais: o princípio

da internalização, a zona de desenvolvimento proximal, o papel do adulto (que pode ser professor,

mas não só)11 e a fonte sócio-comunicativa da actividade mental. Na origem das funções psíquicas

superiores estão as relações entre as pessoas. É na interacção social e através do uso dos signos que

o desenvolvimento daquelas se efectua, daí a importância que Vygotsky atribui ao papel do adulto e

ao seu discurso. O diálogo entre a criança e o adulto mas, também, entre as crianças assume então

um papel central na educação. A educação deve ser orientada para aquilo que o aluno não é ainda

capaz de fazer só, mas quase, se tiver a ajuda do adulto que tem um papel fundamental para o

estimular a realizar as tarefas da sua zona de desenvolvimento proximal, de um modo

independente.

Processo de internalização - refere-se às fontes da actividade mental, que tem as suas raízes

nas actividades externas. Qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece

em dois planos distintos, primeiro no plano social e depois no plano psicológico. Aparece, entre as

pessoas como uma categoria interpsicológica e depois nas crianças como intrapsicológica, sendo

válido para a atenção voluntária como para a memória, a formação de conceitos e o

desenvolvimento da vontade.

Mediação - refere-se a duas ideias interrelacionadas que são centrais para a compreensão

sociocultural da cognição e do desenvolvimento humano; formas elevadas de actividade mental são

mediadas por ferramentas construídas colaborativamente por membros de uma cultura e o

desenvolvimento dessas formas está enraízado nas práticas sociointeraccionais dessa cultura (Cole,

1985; Wertsch, 1991). Nessas ferramentas incluem-se os signos, a linguagem, os vários sistemas de

contagem, os sistemas simbólicos algébricos, esquemas, diagramas, mapas, desenhos e os vários

signos convencionais. Vygotsky argumentava que o homem ao usar essas ferramentas modificava as

suas funções psíquicas superiores. O desenvolvimento cognitivo é fundamentalmente baseado na

interacção entre um iniciado, a criança, por exemplo, e um agente mais capaz onde este ajuda o

iniciado a regular as suas actividades (uma outra regulação). Assim, este vai-se tornando capaz de

planear, controlar e realizar uma tarefa de um modo relativamente autónomo (auto-regulação)12.

11 Mais recentemente, seguidores da linha vigotskiana falam de par mais e menos competente, ampliando assim, para outras situações para além das escolares. 12 Regulação refere-se, aqui, ao controle cognitivo envolvido na planificação e na consecussão das tarefas. Este controle é estratégico na medida em que é orientado para objectivos específicos. É mediado atavés de tools culturais e de processos de interacção.

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Zona de desenvolvimento proximal – definida por Vygotsky (1985) como a distância entre

o nível actual de desenvolvimento determinado pela resolução do problema de um modo

independente e o nível potencial de resolução com a orientação de um adulto ou em colaboração

com pares mais capazes (1985: 85). Esta ideia enfatiza níveis de competência para aprender que não

são imutáveis, constantemente mudam com o aumento da competência independente do

aprendente. O que a pessoa pode hoje fazer com apoio pode amanhã fazê-lo independentemente,

preparando-o para entrar numa nova e mais exigente colaboração. Estas funções são chamadas de

“rebentos” mais do que fruto do desenvolvimento, posição que distinguiria Vygotsky de Piaget. O

nível de desenvolvimento actual caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente,

enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental

prospectivamente (1985:86-87).

Formação de conceitos - os conceitos espontâneos são aqueles que o sujeito aprende no

seu quotidiano, emergindo do contacto que tem com os objectos, factos, fenómenos, situações, etc,

distinguem-se dos conceitos científicos que são sistematizados e transmitidos intencionalmente

segundo uma dada metodologia. Estes seriam principalmente os que se aprendem em situação

escolar. A formação do conceito científico que pressupõe uma relação consciente e consentida

entre o sujeito e o objecto do conhecimento, constitui uma operação mental que requer uma

atenção activa sobre o assunto, abstraindo dele os aspectos fundamentais e que se chegue a

generalizações mais abrangentes através da síntese (Vygotsky, 1985).

Estas ideias que são fundamentais na abordagem sociocultural foram sendo questionadas,

reconstruídas e mesmo enriquecidas com outros conceitos. Veja-se, por exemplo, como B. Rogoff

(1990) explica com a introdução de três novas noções, os processos através dos quais o indivíduo

desenvolve as suas habilidades cognitivas: a) noção de aprendizado (apprenticeship) que enfatiza o

papel activo do indivíduo no seu próprio desenvolvimento, o apoio activo de outros actores sociais

na organização de certas tarefas e a dimensão sócio-cultural dos contextos institucionais,

tecnologias e metas da actividade cognitiva; b) participação guiada que envolve a interacção entre

indivíduos, que é interacção face-a-face e lado-a-lado na mesma actividade; c) apropriação que dá

conta das mudanças nos saberes-fazer do indivíduo, apontando para a impossibilidade de uma

distinção clara entre “interno” e “externo” (Grossen, 1994:160). A noção de apropriação

perspectiva “o desenvolvimento como um processo dinâmico resultante da participação activa dos

indivíduos em actividades culturalmente organizadas” (1994:160).

Barbara Rogoff argumenta que o desenvolvimento cognitivo não depende simplesmente

do envolvimento na interacção social enquanto tal, mas dos modos particulares da orientação do

especialista e da participação do aprendente. A aprendizagem de um conteúdo ou actividade

específica envolve, inevitavelmente, a aprendizagem em lidar com a situação social em que o

conteúdo ou a actividade está a ocorrer. Como consequência o que está em jogo numa situação

social de aprendizagem potencial são, também, os modos do aprendente e do especialista em lidar

com a situação, como um encontro de interacção social. Este entrelaçamento do desenvolvimento

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cognitivo em práticas colectivas coloca não só o problema já discutido da relação entre regulação

social e processos cognitivos mas aponta, também, para o prosseguimento da investigação sobre a

natureza da relação entre actividades – sejam cognitiva, interaccional e mediacional – e a situação

social.

2. 2. Conceitos e tipos de inteligência

A inteligência tem tido várias abordagens ao longo do tempo. Podemos tentar definir este

conceito como a capacidade para aprender a partir da experiência e de adaptar-se ao meio ambiente,

o que pode exigir diversas adaptações, consoante os contextos sociais e culturais (Sternberg, 2000).

Ao longo das últimas décadas do século XX, o comportamento inteligente foi deixado de

ser considerado como o resultado de construto único, ou seja, como uma capacidade para aprender

e lidar em abstracto com qualquer tipo de situação, para ser encarada pela maioria dos teóricos

cognitivistas como um conceito multifacetado e plural. Por outro lado, a inteligência não é fixa, isto

é, pode ser desenvolvida e “aprendida”. Também, parece não haver dúvidas de que sexo, raça ou

etnia não afecta o desenvolvimento da inteligência.

Já em 1895, William Harris, defende a existência de “cinco janelas” na inteligência, tendo

tamanhos diferentes, apresenta, cada uma delas, apetência para saberes de natureza específica que

designou por: Matemáticas, Biologia, Arte e Literatura, Gramática (inclui psicologia e lógica) e

História (envolve teoria sócio-política).

Também, no início do século XX, Charles Sperman avançou com uma teoria em que a

inteligência é constituída por dois factores, o factor geral subjacente e um conjunto de factores

muito específicos, em que o primeiro actua impulsionando um conjunto de aptidões, como a

aptidão verbal, a matemática, a musical. Posteriormente J. Guilford propôs a ideia de a inteligência

ser constituída por 120 traços identificáveis separadamente. Mais recentemente, dois autores

trabalharam em particular o conceito de inteligência e desenvolveram, cada um, uma teoria de

inteligência: Robert Sternberg e Howard Gardner.

Robert Sternberg (2000) propôs a teoria triádica da inteligência humana, teoria essa que

subsume três aspectos (sub-teorias): um respeitante ao modo como o indivíduo se relaciona com o

mundo interior, outro relativo à relação entre inteligência e experiência e um terceiro relativo ao

mundo externo, ou seja, ao contexto.

A primeira sub-teoria aborda o modo como o indivíduo processa a informação, isto é, tem

em conta os mecanismos e as estruturas internas que estão subjacentes a um comportamento

inteligente . Deste ponto de vista há que salientar três componentes interdependentes: a) as meta

componentes, ou seja, os processos executivos usados para planear, monitorizar e avaliar a

resolução de problemas; b) os processos de desempenho, de ordem inferior e que são usados para

implementar os comandos dos meta componentes; c) os da aquisição de conhecimento, traduzindo

os processos usados para resolver problemas.

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A segunda sub-teoria é relativa à experiência. Segundo Sternberg, o comportamento

inteligente é função da experiência que um indivíduo já possui no âmbito da tarefa que está a

executar. Segundo o autor, uma tarefa relativamente inédita é mais exigente, em termos de

inteligência, do que uma já conhecida. Com efeito, à medida que uma tarefa se torna familiar, criam-

se comportamentos automáticos, exigindo pouco esforço para determinar o passo a seguir e como

executá-lo.

A terceira-sub teoria diz respeito ao contexto. De acordo com Sternberg, o

comportamento inteligente é, em larga medida, contextual, nomeadamente dependente do contexto

sócio-cultural em que se manifesta esse comportamento. Neste âmbito, o comportamento

inteligente assume-se como uma adaptação ao ambiente e ao mesmo tempo como uma capacidade

para moldar esse ambiente. Constitui uma componente da inteligência em termos de resposta do

indivíduo ao mundo circundante.

Segundo a teoria triádica da inteligência, uma pessoa não é definida como inteligente

porque se destaca em todos os aspectos, pois as pessoas podem usar as suas capacidades de forma

diferente consoante os problemas que enfrentam. Por exemplo, uma pessoa pode ser mais

inteligente em termos dos problemas académicos e outra diante de problemas práticos concretos.

Por seu turno, Howard Gardner (1993), na sua teoria das inteligências múltiplas, considera

que a inteligência é plural, devendo, em vez de inteligência, falar-se em inteligências distintas.

Gardner começou por distinguir sete inteligências: lógico-matemática, linguística, espacial, musical,

cinestésico-corporal, interpessoal e intrapessoal. Em 1995, acrescentou um outro tipo de

inteligência que designou por naturalista ou ecológico-biológica. E, mais tarde, em 1998,

apresentou mais um outro tipo de inteligência, a que deu o nome de existencial.

A inteligência lógico-matemática, que expressa a aptidão para a matemática e para a lógica,

e a inteligência linguística, ligada às competências linguísticas, têm sido, segundo o autor, as

privilegiadas pela escola. A inteligência espacial diz respeito à capacidade de actuar num universo

espacial através da construção de uma representação mental e está muito desenvolvida, entre

outros, nos engenheiros, escultores e cirurgiões. A inteligência musical é uma forma própria, que os

músicos têm, em geral, muito desenvolvida. A inteligência cinestésico-corporal diz respeito à

capacidade de resolver problemas utilizando o corpo, no todo ou em parte, como é o caso dos

atletas e bailarinos. A inteligência interpessoal traduz na capacidade para compreender os outros, o

que os motiva e como agir com eles; os bons vendedores e políticos parecem ter esta inteligência

em alto grau. Finalmente, a inteligência intra pessoal, embora semelhante à anterior está virada para

dentro do indivíduo, e reflecte a capacidade que este tem de fazer uma representação fiel e precisa

de si mesmo e de a usar eficazmente na vida.

Segundo Gardner, as diversas inteligências são relativamente independentes e não se pode

inferir o talento de um músico pela suas capacidades em matemática, por exemplo. Por isso, um

único teste não pode ser usado para medir a inteligência de um indivíduo. Também, nos percursos

escolares, com um mesmo tipo de teste não é possível abarcar todo o tipo de capacidades de um

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aluno. Cada inteligência necessita de ser determinada e avaliada de forma específica, adaptada à sua

característica.

Por outro lado, Gardner considera que as diversas inteligências fazem parte do potencial

biológico do indivíduo, à nascença, e alguns indivíduos podem à partida serem considerados mais

prometedores, sobretudo em algumas áreas. Contudo, as diversas inteligências desenvolvem-se mais

ou menos consoante as tarefas colocadas aos indivíduos e conforme o contexto ambiental. Gardner

considera, assim, que as inteligências têm um fundamento simultaneamente biológico e cultural,

sendo evidente que algumas culturas privilegiam mais uns tipos de inteligência do que outros.

2.3. Personalidade e motivação

Os estudos sobre como se aprende mostram como as diferenças na personalidade estão

associadas a diferentes percursos no desenvolvimento intelectual. A investigação tradicional

desenvolveu trabalhos em separado mas convém ter presente que o desenvolvimento das

competências intelectuais e o desenvolvimento pessoal (desenvolvimento da personalidade) estão

intimamente interrelacionados. O conceito que temos de nós próprios, ou seja, o modo como nos

percebemos e como pensamos sobre nós está, em parte, na raiz da nossa personalidade.

A par da personalidade a motivação constitui uma componente crucial na aprendizagem.

Apesar de hoje ninguém duvidar disso, a verdade é foram os estudos iniciais de Thorndike

(mencionados anteriormente) e a sua lei do efeito que validaram experimentalmente essa ligação.

Actualmente, todos os psicólogos consideram a influência das variáveis motivacionais no

comportamento humano e todos os professores sublinham a sua importância no desempenho dos

seus alunos.

Personalidade

No leque das abordagens que descrevem personalidade, Gordon Allport (1963) é um autor

incontornável que procurou uma definição satisfatória, começando por distinguir palavras como

personalidade, carácter13 e temperamento14 que, na linguagem do quotidiano, são muitas vezes

confundidas. A palavra latina persona originariamente descrevia a máscara pintada que um actor

usava no rosto para retratar a personagem que ele representava. Com o tempo, a palavra foi usada

para indicar “front”(fachada) que um indivíduo apresentava aos outros, isto é, “como ele queria ser

visto” (Entwistle, 1988). Foi também usada para descrever o “jogador por trás da máscara”

13 Em grego, character significa gravar e implica um padrão de traços incorporados num determinado estilo de vida. Mais tarde esta palavra acba por referir qualidades morais (por exmplo, quando se diz ele tem um bom carácter (Entwistle, 1986). 14 Esta palavra está ligada à ideia de explicar o comportamento humano através de secreções corporais ou humores e, assim, o sangue está associado a uma abordagem sanguínea da vida, uma grande produção de bílis preta tornaria as pessoas melancólicas, enquanto a amarela coléricas e muito fleuma conduzia a atitudes fleumáticas. Para Allport (1963) temperamento significa a constituição ou hábito mental, especialmente dependente ou conectado com a constituição física. O temperamento constitui a contribuição genética para a personalidade, enquanto o carácter a avaliação social de um distinto estilo de vida.

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(Allport, 1963:25). Contudo, o significado inicial que incorpora quer as qualidades interiores quer a

aparência exterior mantem-se na palavra personalidade (Entwistle, 1986:179).

Segundo Allport (1963) pode definir-se personalidade como “a organização dinâmica dos

sistemas psicológicos do indivíduo que tornam o seu comportamento e pensamento característicos”

(p. 28). Esta definição encerra a ideia de que a personalidade pode mudar, sendo afectada pela

experiência e indica que ela depende de atributos psicológicos e físicos, os quais equacionam o

comportamento e o pensamento do sujeito.

Os psicólogos que estudam a personalidade têm-se preocupado com a identificação de

padrões de desenvolvimento, sendo principalmente estudado pelos psicoterapeutas e, também, com

a descrição de características diferentes entre as pessoas ou grupos de pessoas relativamente a um

conjunto de traços fundamentais com base em testes psicométricos (Entwistle, 1988).

Sigmund Freud é, sem dúvida, o autor mais conhecido a estudar a personalidade humana

que, segundo ele, seria formada por três componentes: id, ego e superego.15 Nos primeiros anos de

vida as crianças passam por uma sequência de estados emocionais - estádio oral, estádio anal e

estádio genital - que são definidos, por Freud, com base nas preocupações das crianças com

funções corporais. Estas transformações emocionais deixariam uma marca na personalidade adulta

e, tal como na teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, há dimensões da personalidade que

são mais afectadas em cada um dos referidos estádios. A teoria psicanalítica de Freud assenta na

ideia que se pode conhecer as fundações do desenvolvimento pessoal posterior, partindo das

experiências emocionais iniciais e a personalidade adulta é influenciada em larga medida por elas. O

desenvolvimento da personalidade estaria, assim, dependente da capacidade em resolver as tensões

criadas pela repressão dos adultos perante as energias do instinto.

Outras teorias foram elaboradas mas mantendo como tema comum a tensão entre

tendências que competem entre si, como na teoria de Freud. O desenvolvimento da personalidade é

muitas vezes visto como a procura de um equilíbrio entre elementos que conflituam. Erikson (1963,

1968), mantendo a ideia de resolução de conflitos em cada estádio, reconstruiu os estádios de

desenvolvimento de Freud, prolongando-os até à idade adulta e introduziu dimensões positivas e

negativas para cada um deles.

No que diz respeito no estádio correspondente à adolescência (dos treze anos até aos anos

do ensino superior), a principal tarefa é resolver uma área crítica que remete para a resolução da

crise de identidade. A ideia que temos de nós (self), como nos vemos a nós próprios e como os

outros nos vêem constituem os alicerces da personalidade adulta. Nas sociedades ocidentais torna-

se difícil para o adolescente ultrapassar esta fase com um sentido sólido de identidade pessoal.

15 O id corresponde às fontes primárias de energia e motivação humana que depende de solicitações a-sociais para gratificações instantâneas, procurando a satisfação de necessidades básicas fisiológias – o princípio do prazer; o superego é visto como resultado de advertências parentais e proibições culturais reconstruídas durante a infância. Entre estas forças que se opõem o ego tenta traçar um percurso atavés de reacções racionais perante acontecimentos do exterior, baseado no princípio da realidade (Entwistle, 1986).

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Com a sua elaboração teórica Erik Erikson acaba por integrar no processo de

desenvolvimento da pessoa saudável o que tinha sido considerado como patológico, ou seja, os

problemas do crescimento pessoal.

Como já foi referido, há autores desta área cujas preocupações se centram principalmente

no estudo de traços da personalidade, apesar de outros argumentarem que tentar descrever a

personalidade em termos de traços pode ser pouco consistente e limitativo das potencialidades

humanas. Contudo, tem havido psicólogos que nas suas teorias descrevem diferentes tipos

psicológicos. É o caso de Jung (1938) que, apesar de considerar que as duas tendências estão

presentes em cada pessoa, descreve pessoas introvertidas, em que o pensamento é influenciado por

interpretações e teorias pessoais e pessoas extrovertidas, onde o comportamento é

predominantemente orientado por acontecimentos do mundo exterior e o seu pensamento é

dominado pela pesquisa de factos objectivos.

Allport (1963), que enumerou uma lista enorme (18 000) de palavras usadas na língua

inglesa, para designar formas pessoais de comportamento, argumenta que é necessário decidir sobre

quais as que são úteis. Daí, considerar importante identificar traços comuns, ou seja, os aspectos da

personalidade, em relação aos quais numa dada cultura, é possível comparar de um modo

proveitoso.

A investigação sobre o desempenho académico tem sempre procurado prever como

diversos aspectos do comportamento o influenciam. Apesar de não haver consenso, há estudos

empíricos realizados na área da personalidade que revelam, por exemplo, que os introvertidos

teriam melhor desempenho académico. Mas, como afirma Entwistle (1988) as correlações simples

entre traços de personalidade e desempenho são baixas e estudos por si realizados evidenciam que

extrovertidos com altos scores em motivação e métodos de estudo têm tanto sucesso como

introvertidos com estratégias de estudo similares, concluindo que a relação entre introversão e

desempenho académico existirá, mas de modo indirecto.

Importa realçar que a “própria estrutura básica da personalidade da criança é moldada em

larga medida pelas expectativas sociais, especialmente pelas dos pais” (Sprinthall e Sprinthall,

1993:490). Do mesmo modo, as expectativas do grupo exercem uma forte influência sobre o

comportamento, mas o modo como se interpreta e põe em prática o nosso papel no grupo depende

da nossa personalidade. Há uma reciprocidade na interacção entre a personalidade e o papel que se

exerce no grupo.

Perspectivas sobre a motivação

A motivação é um conceito complexo que não descreve uma só dimensão. Encerra

aspectos ligados à escolha dos objectivos (as expectativas, as metas a alcançar), à interpretação dos

resultados (atribuição de causalidade), às estratégias de actuação e à percepção de si próprio. De

acordo com estes diferentes aspectos podem considerar-se diversas teorias da motivação.

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McClelland e Atkinson (1966) na sua teoria da motivação para a realização distinguem

essencialmente dois motivos: o motivo para alcançar o sucesso e o motivo para evitar o fracasso.

Vários estudos foram realizados procurando relacionar estes aspectos com o desempenho

académico, salientando-se que o medo do fracasso pode não interferir directamente com aquele,

mas quase certamente afecta o modo como se lida com o trabalho. Por outro lado, também parece

importante salientar que uma alta motivação pode conduzir a uma melhor realização (performance)

mas o nível de performance também afecta a motivação. Gordon Allport na sua teoria argumenta

que o desempenho encorajado por uma maior motivação, conduzirá à auto-confiança e a uma

aprendizagem adicional efectiva. Uma vez criada a tendência para o motivo, ela torna-se auto-

perpetuada. Do mesmo modo, a experiência do fracasso, desmoraliza e cria sentimentos de

hostilidade.

A importância da auto-confiança na aprendizagem tem sido muito enfatizada por diversos

autores, como Carl Rogers. Mas como também sugere Entwistle (1988), o interesse num dado

assunto está ligado a uma abordagem mais profunda, mas se o principal é apenas a qualificação

(motivação extrínseca) então a abordagem superficial será, provavelmente, a adoptada.

Os motivos podem não depender continuamente das necessidades básicas, existindo alguns

que são aprendidos, como a competição, o poder, o estatuto, a aprovação e a realização que são

influenciados por regras e pressões sociais. Allport (1963) propôs uma teoria da motivação

designada autonomia funcional em que procura explicar a série de motivos humanos em relação aos

quais parece não haver necessidade biológica. Um dos motivos sociais que se aprende melhor

parece ser o de aprovação social, desde cedo a criança aprende que determinadas coisas que

pretende fazer são motivo de desaprovação. A motivação para a realização do sucesso está

associada à necessidade de aprovação e constitui também um motivo aprendido. Embora,

provavelmente, tenha a sua origem em necessidades fisiológicas, o motivo pode tornar-se

autónomo, intrínseco e a realização actuar pelo prazer da própria realização. A investigação

evidencia que as convicções pessoais dos alunos responsáveis pelo seu próprio êxito influenciam

fortemente a realização académica, tendo a tendência para atribuir o sucesso aos seus próprios

esforços e decisões.

Um outro motivo associado com o desejo pessoal de dominar o ambiente foi descrito por

Robert White, que o denominou de motivação para a competência. É fundamental na medida em

que tornar-se competente no sentido de dominar o seu ambiente é mesmo uma questão de

sobrevivência das espécies. Também, neste caso, as suas raízes profundas podem ser de natureza

biológica. A motivação para a curiosidade está intimamente ligada ao motivo da competência e

parece funcionar autonomamente desde o nascimento. A criança manipula puzzles sem que isso

esteja dependente de necessidades fisiológicas.

Bruner (1977) que na sua teoria da instrução, de entre os quatro princípios que enuncia,

considera a motivação e especifica as condições que predispõem um sujeito para a aprendizagem.

Preocupa-se com as motivações intrínsecas que são, só por si, recompensadoras e apresenta a

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curiosidade como o melhor exemplo delas. Há um impulso para a curiosidade, biologicamente

relevante na medida em que se depende dela para a sobrevivência. Um outro é o impulso para

adquirir competência, os indivíduos desde cedo interessam-se por aquilo em que são bons e a

reciprocidade que envolve a necessidade de trabalhar com os outros de um modo cooperativo e que

seria responsável pelo desenvolvimento da sociedade. A motivação para a competência, está

estritamente ligada com a ideia de cumprimento de que fala Erikson e que define como a

capacidade para se concentrar no trabalho e desenvolver competências.

Apesar de valorizar a motivação intrínseca e defender que a aprendizagem será mais

duradoura quando é sustentada por ela, Bruner, juntamente com Allport, admite que a motivação

extrínseca é necessária em determinadas situações para começar e iniciar o processo de

aprendizagem.

Nem todas as teorias da motivação a encaram como um impulso interno. Outras,

desenvolveram-se considerando a motivação como um instrumento de análise.

A teoria atribucional de Weiner (1984) destaca a capacidade que o homem tem em reflectir

sobre acontecimentos passados por forma a orientar o seu futuro. Centrando-se num dos aspectos

dessa reflexão – as causas dos acontecimentos, esta teoria questiona as teorias da motivação

baseadas no impulso e interessa-se pelas razões das escolhas que as pessoas fazem perante as

diversas solicitações do mundo em que vivem. Preocupa-se em apreender as percepções que as

pessoas têm das razões de um dado acontecimento, em particular os sucessos e os fracassos, e não

propriamente com as causas reais, por isso, se fala de “atribuições causais”. Nos seus estudos

evidencia que para o mesmo acontecimento há atribuições causais diversas ligadas a consequências

comportamentais, cognitivas e emocionais várias.

As pessoas utilizam as atribuições causais para compreender a realidade, organizar os

acontecimentos e torná-los previsíveis, são constituintes das teorias pessoais e devem ser

consideradas no sentido de se compreender as razões de comportamentos diferentes após

experiências que aparentemente foram semelhantes.

A teoria da avaliação cognitiva (Deci e Ryan, 1985) considera que há nos seres humanos

uma necessidade fundamental de domínio do meio - a necessidade de competência, ou seja, a

necessidade para a realização pessoal, a par da necessidade de auto-determinação, no sentido em

que a decisão para a acção resulta da livre vontade do sujeito. Segundo estes autores, haveria nas

crianças e nos adolescentes uma tendência natural para aprender e a decisão de investir ou não

numa dada actividade depende do valor dela, isto é, daquilo que proporciona em termos de

competência e de experiências de autonomia. Assim, a distinção entre motivação intrínseca e

extrínseca depende da tarefa ser relevante e com interesse, não estando dependente de objectivos

externos, no primeiro caso ou quando ocorre desligada da tarefa, dependendo de necessidades16

16 Um motivo compõem-se de uma necessidade e de um impulso, onde a primeira se baseia num défice fisiológico ou psicológico da pessoa e o segundo apesar de se basear na primeira apresenta um aspecto de mudança que é observável no comportamento da pessoa.

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que são satisfeitas através de reforços/elementos externos, como pressões do meio ou de

acontecimentos. A motivação intrínseca está, pois, relacionada com a satisfação da necessidade de

realização pessoal, e a auto-determinação na realização da actividade. Nas crianças mais pequenas os

motivadores mais importantes seriam os que agem extrinsecamente, enquanto na adolescência há

uma maior tendência para a motivação intrínseca.

Bandura (1986) desenvolveu uma teoria da motivação em que privilegia a percepção de

auto-eficácia, levando a considerar que o comportamento dos seres humanos assenta mais em

crenças do que em análises objectivas da realidade. É com base nas representações que constrói

sobre os comportamentos e as estratégias bem como a imagem das suas capacidades para alcançar

um dado objectivo que o sujeito decide investir numa determinada acção. Estas crenças na

possibilidade de controlar acontecimentos, o que significa a definição dos efeitos prováveis de

determinados comportamentos e a crença de que se é capaz de actualizar o comportamento,

constituem para Bandura o motivo mais forte para a acção. As crenças de auto-eficácia, como são

denominadas, revelam-se em relação ao que julga ser necessário para alcançar uma dada meta.

Acreditar na eficácia pessoal significa, então, que se possui as competências necessárias ou que se é

capaz de as adquirir para alcançar os objectivos. Esta percepção vai-se construindo a partir das

experiências (directas ou indirectas) anteriores bem sucedidas. Diversos estudos evidenciam que nas

situações de aprendizagem, os alunos com alta percepção da sua eficácia são capazes de auto-

regular o seu trabalho, isto é, estabelecem metas, planificam a tarefa, escolhem as estratégias

monitorizam o trabalho e avaliam-no. E, também são mais competentes na tomada de decisões e na

utilização de estratégias de resolução de problemas. A explicitação oral destas, por seu lado,

aumenta a auto-eficácia. Do mesmo modo uma baixa percepção pode conduzir a evitar situações

que podiam constituir possibilidades de desenvolvimento pessoal, gerando o que se chama a

profecia auto-realizada.

As crenças sobre si próprio influenciam as crenças sobre as possibilidades de

desenvolvimento. A teoria das concepções pessoais de inteligência, que se preocupa, justamente,

em estudar as características das pessoas que influenciam as interacções das pessoas com o meio17,

aceita que as pessoas formam crenças que as levam a organizar o seu mundo e a atribuir significado

às suas experiências. Segundo estas teorias as pessoas agem em função de objectivos que

consideram importantes para elas. Deste modo, a motivação depende do valor que atribuem ao

objectivo, sendo fundamental para compreender o comportamento de uma dada pessoa, identificar

os objectivos valorizados por ela. Nos estudos realizados com alunos habitualmente desistentes ou

persistentes Dweck e os seus colaboradores identificram dois tipos de pensamentos, afectos e

comportamentos: padrão orientado para o abandono (alunos desistentes) e padrão orientado para a

mestria (alunos persistentes). No primeiro caso atribuem o insucesso à sua incompetência,

experienciam afectos negativos face às dificuldades e manifestam baixas expectativas relativamente

17 Embora se saiba que as características do meio também possam modificar os comportamentos.

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a sucessos futuros; no segundo caso, nas situações de fracasso não o atribuem a si , mas procuram

analisar a situação, focando a atenção na tarefa e estimulam afectos positivos, dando-se

encorajamentos pessoais e mantêm expectativas positivas de sucesso em relação ao futuro.

Para além das dimensões cognitivas da motivação que as teorias anteriores enfatizam há

também os aspectos afectivos que têm vindo a ser estudados, com mais frequência nas últimas

décadas. Apesar disso, considera-se a chamada motivação inconsciente correspondente às

necessidades irracionais, abaixo do nível de consciência e que, segundo Freud, seria responsável por

grande parte da motivação humana.

A análise das emoções como dimensão fundamental do comportamento humano tem

vindo a ser considerada e, em muitas situações, sobrepõe-se às dimensões cognitivas na tomada de

decisões. A ansiedade, que pode manifestar-se sob a forma de impulso secundário ou de medo do

fracasso, como se viu anteriormente, a auto-estima18 e a percepção de si como competente,

constituem factores muito importantes no comportamento, influenciando as reacções afectivas dos

alunos em contexto escolar. Diversos estudos têm evidenciado como esses factores afectam os

níveis de realização. Por exemplo, sabe-se que a relação do conceito e da estima de si com os níveis

de realização variam com o contexto, a idade e o domínio considerado. Para a compreensão dos

comportamentos em contextos escolar é, então, essencial, conhecer como essas variáveis se

relacionam com os desempenhos académicos.

3. PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS

A relação entre o ensino e a aprendizagem é mediada, entre outros factores, por aspectos

de natureza societal. O modo como as sociedades encaram a educação das crianças e dos jovens

tem-se transformado; o próprio conceito de infância é relativamente tardio e apenas no século XX

ele adquire maioridade em termos de estatuto, atenção e desenvolvimentos específicos. Longe vai,

também, o tempo em que se considerava que o processo de educação dizia respeito a uma

determinada faixa etária da população e que esse processo estava terminado quando se atingia a

“idade adulta”. A educação é hoje um conceito que abrange toda a vida de um indivíduo e tomou-

se consciência que a aprendizagem é um processo permanente. Desde os anos 80 do século XX, as

expressões “educação permanente”, “aprendizagem ao longo da vida” e “formação ao longo da

vida” representam aspectos inquestionáveis e necessários da vida na pós-modernidade. Os próprios

poderes económicos reclamam-nos em nome da flexibilidade laboral. Se no decurso de todo o

século XX se progrediu substancialmente em termos dos conhecimentos sobre a educação, se a

investigação educacional tem sido pródiga em estudos sobre as realidades educativas, a realidade é

que as transformações das próprias sociedades acarretaram consigo novos problemas educacionais. 18 Habitualmente distingue-se auto-conceito, a percepção que a pessoa tem das suas características, de auto-estima, entendida como a reacção afectiva ligada à avaliação que a pessoa faz de si e que se traduz no sentimento de valor pessoal.

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Novos problemas sociais encadeiam-se em velhos problemas e atingem o âmago da relação

entre o ensino e a aprendizagem. Os aspectos que se apresentam neste ponto dizem respeito,

justamente, a alguns factores de ordem sociológica que afectam as práticas educativas. Abordam-se,

em primeiro lugar, a forma como as culturas e as relações entre diversas culturas se podem

projectar na escola de hoje; em segundo, aflora-se, sumariamente, a dimensão social do sucesso

escolar; em terceiro, procura-se olhar a instituição escola do ponto de vista das suas finalidades

sociais e o professor enquanto profissional inserido numa configuração mais vasta, como é o caso

da instituição escolar.

3.1. Cultura e intercultura

Os indivíduos são seres humanos gregários, que se actualizam enquanto seres pensantes

através das relações que estabelecem entre si. A partir do nascimento, cada ser interage com o meio

ambiente, primeiro familiar, depois mais lato englobando a rede de relações sociais no qual a família

se move e, à medida que se desenvolve, com o mundo à volta do seu círculo mais próximo.

É no meio familiar que se opera a primeira socialização de um indivíduo19, ou seja, a

aprendizagem das regras de vida, dos hábitos que darão sentido às suas rotinas de sobrevivência e

aprende a perceber e a apossar-se dos papeis que lhe estão associados, enquanto membro dos

diversos conjuntos gregários associados ao ciclo de vida num dado momento. Neste contexto, a

família detém uma posição chave e determinante na iniciação do indivíduo no mundo à sua volta

(Musgrave, 1984).

Com efeito, é na família que um indivíduo aprende a usar e a dominar as regras da língua

da comunidade, língua essa que lhe permite categorizar o mundo, em primeiro, lugar físico e, em

segundo, social. A importância da aprendizagem da língua é a este respeito determinante. Embora

não se possa considerar que cada cultura se revê apenas na sua língua, é muito estreita a relação das

duas. Se, por um lado, uma dada língua é um instrumento de comunicação, ela constitui-se, por

outro, como uma forma de representar a realidade. A língua, enquanto instrumento de

comunicação, testemunha o universo que ela recorta e esquematiza. Edward Sapir, etnólogo

americano, tendo estudado as línguas das tribos ameríndias, postulava mesmo o papel criador da

língua, já que admitia que “cada língua contém uma visão específica do mundo” (Schaff, 1974:100).

Eco (1985) refere que os esquimós têm quatro palavras para se referirem a neve e não apenas uma,

como nós. Não se trata, contudo, de palavras consideradas sinónimos, mas antes de quatro

entidades diferentes de “neve”, que traduzem modos diferentes e específicos de representar o seu

meio ambiente. A língua “não é aquilo através de que se pensa, mas aquilo com que se pensa ou,

mais precisamente, aquilo que nos pensa ou pelo que somos pensados” , diz Eco (1985:111).

19 Esta socialização da criança no meio familiar é designada socialização primária, por oposição a outras formas de socialização, secundárias, que se operam ao longo da vida de um indivíduo, e que têm a ver, nomeadamente, com a integração num dado grupo profissional, religioso ou político. A própria escola desenvolve processos de socialização.

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Além dos aspectos linguísticos, cada povo organiza o mundo e as relações entre os

indivíduos de forma própria, forma essa forjada ao longo da sua história e da sua formação

identitária. Edward Hall (1986), antropólogo americano, estudou a forma como indivíduos de

diversas culturas percepcionam e usam o espaço à sua volta. Segundo este investigador, os europeus

do Sul, nos seus contactos sociais, toleram maior proximidade física entre si do que os europeus do

Norte. Também o uso do espaço entre as culturas ocidental, árabe e japonesa no que respeita à

organização no interior da residência ou do trabalho, ou na forma como usam os espaços públicos,

é diferente. Os japoneses, na topografia urbana, dão importância aos cruzamentos entre ruas,

enquanto que os ocidentais privilegiam os nomes das ruas e não dos cruzamentos. No interior das

habitações, o ocidental tende a deixar desimpedido o centro das salas, encostando os móveis às

paredes, enquanto que os japoneses preferem o contrário. Os árabes, por seu turno, se em público

se empurram e se acotovelam não o fazem por ausência de educação, mas porque experienciam as

relações corporais, num mundo cheio de odores e de sentidos. Os árabes sentem-se, também,

constrangidos nas habitações ocidentais, demasiado acanhadas e com tectos muito baixos para o

seu modo de viver. Os peões europeus e americanos acham natural afastar-se para o lado para

deixarem passar um automóvel, enquanto que para um árabe esse comportamento é impensável, já

que, em regra, os árabes “adquirem direitos sobre o espaço à medida que nele se deslocam” (Hall,

1986: 177).

As diferenças assinaladas, inter-societais, não se traduzem, contudo, numa homogeneidade

cultural dentro do mesmo povo. A nível intra-societal, produto das relações interpessoais entre

indivíduos que partilham do mesmo credo religioso, dos mesmos valores, das mesmas tradições, de

modos de vida semelhantes, geram-se “comunidades culturais” (Gimeno Sacristan, 2002),

verdadeiras redes de aculturação. Esta é uma outra forma de socialização, secundária, que se

desenvolve à medida que um indivíduo entra num dado grupo social ou profissional. Como

resultado, geram-se, no interior de um mesmo pano de fundo cultural, variadas sub-culturas, dentro

das quais os indivíduos partilham significados e, simultaneamente, aprendem e recriam novos

significados num processo interactivo permanente. Grupos políticos, certas categorias profissionais,

certas comunidades étnicas, grupos religiosos fazem emergir várias sub-culturas no interior de uma

mesma sociedade (Forquin, 1993).

A escola de hoje aparece, em consequência não só das migrações mas também em função

da entrada massiva de crianças de diversos estratos sociais, irredutível a uma população

culturalmente homogénea. Num mesmo espaço coexistem diversos modos de ver o mundo,

diferentes formas de interpretar significantes, de ver o outro, em suma, de se relacionar. As escolas

são, cada vez mais, espaços interculturais, onde se entrecruzam diferentes percepções e diversos

jogos de linguagem.

O confronto do pensamento pedagógico com esta realidade tem vindo progressivamente a

fazer-se nos diversos países, à medida que fluxos migratórios vão alterando as configurações étnicas

da população escolar. A forma como tem emergido, por parte dos sistemas escolares e,

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nomeadamente, dos professores, a tomada de consciência deste problema e a tentativa da sua

resolução tem-se manifestado (e, possivelmente, continua a manifestar-se pelo menos a nível da

consciência individual) de modos diversos.

As teses assimilacionistas passam pela tentativa de homogeneização cultural, ou seja, na

prática as diferenças são ignoradas em face do grande objectivo de fazer a todos partilhar os

mesmos valores culturais. A aculturação na cultura dominante é vista como desejável, já que

significa um desenvolvimento e enriquecimento pessoais. A igualdade pensa-se em termos de todos

terem o mesmo acesso, ainda que apenas os mais capazes possam sair vencedores. Ignoram-se,

deste modo, minorias culturais e quando se toma consciência delas é porque elas se revelam

constituindo uma perturbação ou mesmo um problema na acção escolar.

As teses do déficit, por seu turno, assumem a existência de diferenças culturais e procuram,

numa tentativa de eliminação de handicaps , submeter os grupos minoritários a programas

específicos de compensação, com vista à eliminação de potenciais deficits culturais que potenciam

o insucesso escolar e académico. Em termos globais, esta perspectiva assemelha-se às teses

assimilacionistas pelo não reconhecimento do valor de diferenças culturais. Nos Estados Unidos

vários programas deste tipo foram aplicados na década de 60, tendo-se verificado a sua falência,

quer em termos dos seus objectivos, quer em termos de uma almejada integração na sociedade das

minorias étnicas.

As abordagens igualitárias tendem a ver as diversas culturas como tendo um valor próprio,

procurando aceitar as diferenças e coabitar com elas. Esta abordagem passa frequentemente pela

adopção de formas de promoção da cultura do outro, em momentos próprios e espaços específicos,

dando a conhecer especificidades culturais, redundando não raro em apreciar benevolentemente o

exotismo que se estimula, deixando os alunos “desarmados face às aprendizagens curriculares

verdadeiramente importantes” (Stoer, 2001:258). Conforme salienta Leite (2001), esta abordagem

redunda frequentemente numa atitude de contemplação do outro que, dando origem à comparação

entre culturas, pode ter o efeito perverso de realçar o que não é igual, sem verdadeiramente o

valorizar.

As abordagens interculturais mais recentes procuram ultrapassar estas limitações,

assumindo uma postura de diálogo entre as diversas culturas, na perspectiva de que a sua

coexistência no sistema escolar é geradora de enriquecimento mútuo, desde que exista a

oportunidade para situações de troca e reciprocidade (Leite, 2001). Estas teses pressupõem práticas

que estimulam o conhecimento mútuo, como um factor permanente de aprendizagem, pela troca

de pontos de vista e pela possibilidade de se colocar na pele do outro. Esta abordagem implica, por

isso, uma valorização de per si das especificidades e diversidades culturais a nível curricular.

3.2. A dimensão social no sucesso escolar

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Os últimos três séculos foram marcados pelo desenvolvimento do capitalismo na maioria

dos países ocidentais. Qualquer que seja a forma de que esse sistema económico se tenha revestido

(ou se revista na actualidade), capitalismo liberal, organizado, financeiro, monopolista ou

desorganizado (Santos, 1994), ou, ainda, coexistência de aspectos típicos das duas últimas

modalidades, os traços que o marcam têm sido, a nível económico, a acumulação de capital numa

minoria da população e a distribuição da riqueza restante por diversos estratos económicos.

Inerente a esta tipicidade está associada uma estratificação da população em camadas ou classes

sociais com diferente poder económico. Os desenvolvimentos nas últimas décadas do século XX

não esbateram desigualdades sociais; pelo contrário, tem-se verificado a emigração do problema

para o espaço inter-fronteiras, ao acentuarem-se, a nível planetário, as desigualdades entre países

(W.C.E.D., 1991). Na actualidade, a crescente globalização mundial, reflexo do desenvolvimento do

capitalismo pós-industrial, tem tornado a situação ainda mais complexa, com a tendência para a

precarização do emprego, o subemprego, o emprego clandestino e a economia paralela, fazendo

emergir novas formas de pauperização e isolamento social (Stoer, 2001).

Estas desigualdades sociais têm-se traduzido, no plano educacional, ora em diferentes

abordagens sobre a natureza da educação escolar e respectiva clientela, ora na emergência de

problemas como o insucesso escolar e o sentimento de crise da escola que atravessa neste

momento a pós-modernidade. As opções e as representações sociais sobre a função da escola para a

generalidade da população têm oscilado entre pressões de ordem económica e instrumental e razões

de ordem ética e civilizacional herdadas, em grande parte, do iluminismo, como a igualdade de

direitos, a solidariedade, a justiça e a liberdade.

A nível das camadas trabalhadoras, o desenvolvimento das primeiras formas de

industrialização, que marcaram o aparecimento do capitalismo, era consentâneo com a existência de

uma mão de obra barata, não alfabetizada ou com um processo de alfabetização casuístico e

incipiente, sem o recurso a formas muito estruturadas de escolarização (Candeias, 2001). O

acelerado desenvolvimento industrial que rapidamente se seguiu, com a introdução de maquinaria e

equipamento cada vez mais sofisticado, fez emergir a necessidade de aumentar os níveis de

instrução, facto que levou primeiro à estruturação da educação escolar pública no século XIX,

depois ao alargamento dos conteúdos da instrução para além dos requisitos da alfabetização básica,

e, finalmente, à obrigatoriedade de frequência da escola durante um período mínimo de tempo, que,

na actual sociedade de informação, com o crescimento dos sectores ligados aos serviços e às

comunicações, tende a ocupar todo o período da adolescência nos países mais desenvolvidos.

A nível dos valores e dos argumentos éticos, os conceitos de igualdade e de liberdade,

associados ao conceito de democracia, foram-se traduzindo em discursos diversos que pugnavam

pela igualdade de acesso, por iguais direitos em matéria de educação, passando por aspirações sobre

o papel que a escola poderia ter na eliminação de desigualdades sociais, até aos discursos actuais

pugnando por uma educação potenciadora da intervenção informada e crítica do cidadão nas

grandes decisões sociais, tecnocientíficas e políticas.

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Na primeira metade do século XX era dominante, a nível social, a ideia de que o sucesso

escolar ou o sucesso nesta ou naquela actividade era consequência da existência de dons, que seriam

inatos. Consoante se era mais ou menos dotado, assim seria o sucesso relativo, incluindo o escolar.

A escola estava destinada aos indivíduos que fossem capazes de mostrar capacidades para

continuarem. Esta posição conjugava-se bem com a ideia de uma escola neutra que estava aberta a

todos desde que mostrassem capacidades para serem instruídos. Coadunava-se, também, com os

resultados escolares de grande parte dos alunos que conseguiam sobreviver com sucesso na escola e

que foram formando as elites dirigentes.

Em vários países, como por exemplo em Portugal, a própria organização do sistema

educativo repousava na ideia de formação de elites, com uma atenção especial às disciplinas nobres,

de pendor intelectual, para os mais dotados. A par desta formação, existiam escolas que

procuravam assegurar, aos menos dotados, preparação específica para o labor prático, de menor

estatuto social, mas que assegurava um mínimo de qualificação às camadas da população destinadas

a trabalhar na indústria. Os estratos populacionais menos favorecidos, procurando que os filhos

pudessem entrar rapidamente no mercado de trabalho, por razões de subsistência familiar,

encaminhavam tendencialmente os filhos para o segundo tipo de escolas. As orientações quanto ao

sistema de ensino traduziam assim uma forte discriminação social, que se fazia sentir no sistema de

ensino imediatamente a seguir aos primeiros quatro anos de escolaridade (Fernandes, 1981)20.

Com a crescente adesão às teses de igualdade de oportunidades e de acesso à educação, foi

assumindo relevância, um pouco por todo o lado, a ideia de que as capacidades individuais estão

igualmente distribuídas, em termos sociais, e que, à escola caberia desenvolvê-las no melhor

sentido. A crescente competitividade entre as nações, tanto no domínio científico como económico,

que entretanto se foi forjando, veio contribuir para que se procurasse tirar o máximo partido de

todos os recursos humanos, fazendo emergir nalguns países (caso dos EU) políticas de incentivo ao

sucesso de estudantes provenientes de classes mais desfavorecidas.

Vários estudos realizados nas décadas de 60 e de 70, nomeadamente nos Estados Unidos e

na Inglaterra21, vieram contudo revelar que a igualdade de oportunidades no acesso à escola não se

traduz directamente em igualdade de sucesso escolar e que o sucesso escolar está correlacionado

positivamente com a origem social dos alunos (Cherkaoui, s/d), embora se verifiquem variações

significativas de acordo com o nível de industrialização do país (Pinto, 2001).

Estudos posteriores, realizados em Inglaterra, no final da década de 70 do século XX, com

o intuito de analisar de forma mais fina o papel que a própria instituição escolar teria no sucesso

20 Segundo Fernandes (1981), nem a introdução, em 1964, de seis classes obrigatórias, em vez das anteriores quatro, veio alterar esta discriminação social. 21

Teve grande repercussão internacional um estudo encomendado pelo Congresso Americano, realizado em 1965, cujos resultados foram apresentados no Relatório Coleman. A estes seguirem outros trabalhos e publicações. Segundo o Relatório Coleman, eventuais diferenças entre grupos sociais tendiam a manter-se ou até a acentuar-se com a escolarização e este resultado não parecia ser dependente do tipo de escola analisada, isto é, a qualidade da escola não tinha grande impacto na correcção de assimetrias sociais (Pinto, 2001).

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dos alunos, vieram, contudo, mostrar que a factores de ordem social somam-se alguns factores

internos às escolas, como diferenças no tipo de cursos (Cherkaoui, s/d), actuações dos professores,

condições de trabalho e de espaço para incrementar a participação dos alunos (Pinto, 2001).

Concretamente, o sucesso escolar, traduzido pelos resultados ou pela continuação de estudos,

parece ser fortemente influenciado pela origem social, embora em vários países as variáveis ligadas à

escola possam ter uma influência não desprezável quando se analisa o sucesso dos alunos

socialmente mais desfavorecidos. Assim, estudos realizados mostram que em países menos

desenvolvidos as variáveis relativas à escola são muito importantes (Pinto, 2001).

No que se refere a Portugal, Pinto (2001), tendo analisado a sobrevivência escolar dos

alunos nas escolas portuguesas no ano de 1992-93, constatou que a posição social é um dos

aspectos relevantes, sendo determinante o nível de instrução familiar do agregado dos alunos.

Uma explicação imediata que ocorre para estas diferenças na sobrevivência e no sucesso

escolar recai sobre as desiguais condições económicas de diversos estratos da sociedade. Deste

ponto de vista, as famílias com maior poder económico podem dar melhores condições de trabalho

aos filhos, recursos materiais diversos (jogos didácticos, livros, computadores, etc.) e não raras

vezes procuram complementar o ensino recebido pelas crianças na escola através de lições

particulares. Contudo, a sociologia da educação tem contribuído com explicações mais subtis,

explicações essas em certa medida diferentes consoante a escola de pensamento dos investigadores

e de acordo, ainda, com os focos de análise.

Uma das explicações poderá estar associada a diferentes sistemas de valores de acordo com

o grupo social. Nuns casos, dos grupos sociais mais favorecidos, o esforço relativamente à escola é

valorizado, estando associado a planos a médio e a longo prazo e a objectivos de vida definidos em

termos de desenvolvimento e de realização pessoais. Num outro extremo, para estratos sociais

desfavorecidos, o desconforto em que vivem pode originar critérios de sucesso baseados em bens

materiais, mais centrados no imediato, tentando poupar-se a frustrações que planos a longo prazo

poderiam acarretar (Pinto, 2001).

Um outro aspecto a ter em conta relaciona-se com a visibilidade das normas de selecção

aplicadas pelo sistema escolar (Cherkaoui, s/d). Para os alunos oriundos de famílias com nível alto

de instrução é fácil percepcionarem os mecanismos de selectividade do sistema escolar, mesmo que

esses mecanismos não sejam transparentes. O mesmo não se passa com outros estratos

populacionais, com maior dificuldade de descodificar regras implícitas, por menor familiaridade

com o sistema educacional. Para estes últimos o conhecimento de critérios explícitos quanto aos

factores de selecção poderá ser um factor potenciador de sucesso, pois poderá facilitar a

configuração de um quadro racional, plausível, do futuro, tendo em conta a contabilidade dos

meios e dos fins em vista.

De forma abrangente, Pierre Bourdieu explica o sucesso dos alunos socialmente mais

favorecidos como uma questão de maior capital cultural (1994). O capital cultural, de ordem

simbólica, traduz-se pela apropriação dos códigos culturais dominantes numa dada sociedade,

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códigos esses que potenciam a capacidade de uso e de fruição de bens e serviços culturais. As

camadas cultas da sociedade beneficiam à partida deste capital, transmitindo-o na vida familiar aos

filhos e estão predispostas a investir a longo prazo na educação dos filhos, incentivando-os no seu

percurso escolar. Além disso, pelo facto de possuírem maior capital cultural providenciam aos

filhos o acesso a outros bens culturais, o que, por seu turno, aumenta a sua probabilidade de

sucesso. Segundo esta interpretação, não se pode confundir o poder de compra de um dado

indivíduo com o capital cultural, pois este tem sobretudo a ver com as práticas culturais. Neste

sentido, pode haver diferenças entre os detentores de capital cultural e os detentores de poder

económico, sendo aquele que mais influencia o sucesso escolar; essa influência, por seu turno, é

tanto maior quanto a cultura transmitida pelo sistema de ensino se aproximar da cultura dominante

na sociedade (Bourdieu,1982).

Basil Bernstein explica as diferenças de performance dos alunos provenientes de diferentes

classes sociais através de modos diferentes de expressão, ou códigos linguísticos (Domingos et al

(1986). O código restrito caracteriza um discurso relativamente pobre do ponto de vista sintáctico,

com poucos qualificativos, dependente do contexto e tendendo a significados particularistas, na

medida em que são induzidos pelo contexto. O código elaborado, pelo contrário, assenta em

maiores explicitações, numa maior riqueza sintáctica, isto é, num maior número de orações

subordinadas, de conjunções e de preposições, sendo, por isso, menos dependente do contexto e

mais pródigo em significados universalistas. Embora os códigos restritos não estejam ligados

necessariamente a uma única classe social, sendo usados em várias circunstâncias por todos os

membros da sociedade (Domingos et al, 1986), são típicos, contudo, das camadas sociais

trabalhadoras, em regra, com menor instrução.

Tendo em conta a socialização primária, realizada no interior do ambiente familiar, a

criança de um estrato trabalhador fica exposta sobretudo a formas linguísticas típicas do código

restrito, enquanto que as crianças dos estratos sociais mais elevados são socializadas logo muito

cedo no código elaborado. As famílias de classes sociais mais desfavorecidas tendem,

frequentemente, para modelos autoritários e a educação das crianças é baseada na obediência, na

ordem dada, sem explicitação das razões que sustentam essa ordem. Essas razões existem, mas não

são explicitadas nem argumentadas, pelo que a criança aprende o que pode e deve fazer, mesmo sem

saber porquê. Nas famílias socialmente mais favorecidas tendem a desenvolver-se estruturas parentais

menos autoritárias, usando-se mais a linguagem para explicitar à criança as razões que justificam um

dado comportamento desejável, os argumentos que sustentam uma dada regra ou proibição, pelo

que o discurso usado recorre a formas mais elaboradas de expressão.

Em consequência, as crianças das classes trabalhadoras são mais orientadas para

significados particularistas, enquanto que as das classes socialmente mais elevadas são orientadas

para significados universalistas. Como a escola, na sua função de transmissora do saber, privilegia o

código elaborado, com significados universalistas, relações de causa e efeito, explicitação de razões

e argumentos, as crianças das classes trabalhadoras têm uma dificuldade muito maior do que as

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crianças dos estratos sociais mais elevados, quer na adaptação quer no uso do discurso do saber

escolar (Bernstein, 1982). Geram-se, deste modo, dificuldades específicas para os alunos

provenientes das camadas trabalhadoras, dificuldades essas que facilmente podem levar a que sejam

consideradas menos capazes e, consequentemente, potenciais vítimas de insucesso. Estas

dificuldades revelam-se particularmente importantes nas primeiras etapas da escolaridade.

É cada vez mais referido que nos situamos actualmente na Pós-modernidade, na Sociedade

de Informação ou Sociedade do Conhecimento, onde a complexidade das relações económicas e

das políticas de emprego, ao encerrarem a instabilidade sócio-económica e sócio-profissional,

instauram a necessidade da aprendizagem ao longo da vida. Poderá, neste contexto ser a escola

geradora de fracassos (Perrenoud, 1992) ou produzir a exclusão social latente (Stoer, 2001) Tendo em

conta esta questão, deverá a escola actual insistir em medidas de apoio pedagógico ou antes

privilegiar práticas efectivas de diferenciação pedagógica (Perrenoud, 1992), sem cair no risco de

condenar os alunos a guetos sem saída)?

Apesar de estas questões suscitarem o debate, a situação actual é na realidade complexa. As

perspectivas neoliberais em educação, permeáveis aos interesses dos grupos económicos

representativos do capitalismo pós-industrial, constituem actualmente uma corrente com influência

em vários países ocidentais. Esta tendência assume que o Estado deve garantir a educação básica

para todos os cidadãos, mas que não deve impor a forma de fazê-lo. Partindo do princípio de que o

consumidor (o aluno, a família) deve ter liberdade de escolha na procura de bens e serviços, os

adeptos da escola liberal entendem que a regulação da educação deve ser realizada através da lógica

da concorrência no mercado (Gimeno Sacristán, 2000, Apple, 2000, Santomé, 2000). Por isso, o

Estado, se tem que assumir a rede pública de educação, deve limitar o investimento nesta e

permitir, simultaneamente, a existência de uma forte zona de mercado privado em educação. Deste

modo, sustentam os neoliberais, os mecanismos do mercado irão incentivar a competitividade das

instituições educativas, tendo como consequência a melhoria da sua qualidade. Segundo várias

vozes, esta visão da educação à la carte poderá ter como consequências o acentuar das desigualdades

sociais pela própria escola, uma vez que serão os pais com melhores meios económicos e com

maior educação quem terá possibilidade de escolha (Gimeno Sacristán, 2000, Santomé, 2000,

Apple, 2000).

3.3. Instituição escola e profissão professor

A educação entrou em período de descrença e de contestação. As instituições escolares são

olhadas com desconfiança e são acusadas de ter fracassado (Apple, 2000). Os resultados de testes

nacionais e internacionais fazem aumentar o sentimento de mal-estar face às expectativas criadas à

volta da escola. As sociedades actuais e as instâncias políticas, não podendo prescindir da escola

institucionalizada, multiplicam as orientações ao mesmo tempo que exigem resultados. Estes

aspectos avivam debates antigos sobre a função da escola.

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As respostas às questões para que serve a escola? e o que se espera dos jovens uma vez saídos da

escola? têm sido várias, consoante as ideologias dominantes, as percepções sobre as necessidades

societais e as pressões provenientes dos poderes económicos. A educação é um espaço de conflitos

e de compromissos, diz Apple (2000). Coexistem nas sociedades ideias muitas vezes conflituantes,

numa ambiguidade que a actual crise sobre a educação torna patente, apesar do avanço dos

conhecimentos psicológicos, sociológicos e pedagógicos que marcaram todo o século XX. Em

causa estão diferentes visões de classe, de grupos, económicas e éticas. Segundo Esteve (1999),

tornou-se claro nas últimas décadas a inexistência de consenso social sobre os objectivos das

instituições escolares e sobre a educação que estas devem promover. Mais, “no momento actual

encontramo-nos perante uma autêntica socialização divergente: por um lado, vivemos numa

sociedade pluralista, em que grupos sociais distintos (…) defendem modelos de educação opostos,

em que se dá prioridade a valores diferentes, e até, contraditórios” (Esteve, 1999:101). A

constatação desta ambiguidade torna-se mais patente ao reflectirmos no fenómeno da globalização

da educação, nomeadamente, se tivermos em conta a negociação e concertação de políticas

educativas em torno de denominadores comuns definidos a nível europeu (Seixas, 2001).

A um nível muito geral, pode dizer-se que a ideia sobre o que deve ser a escola tem

oscilado entre propiciar cultura aos jovens e fornecer os instrumentos básicos para o exercício

posterior de uma profissão, ou no mínimo, fornecer preparação básica para o trabalho. Num

segundo nível de análise, mais detalhado, podem considerar-se visões e perspectivas muito diversas,

enformadas por pensamentos diferentes sobre a própria organização social e sobre a forma como

se pensa que deve ser posto em prática o princípio, actualmente inquestionável, da equidade no

acesso à educação.

A ideia de escola liberal remonta aos ideais iluministas da razão e do saber, emergentes no

século XVIII e correspondeu à visão da escolarização institucionalizada no XIX. Herdeira da

tradição grega de paideia, enquanto educação visando a perfeição do indivíduo, a escola liberal tem

como grande objectivo o desenvolvimento da razão e do pensamento intelectual, no ideal da

perfectibilidade do homem, tornada possível pelo desenvolvimento da ciência e da instrução (Léon,

1983). Procura que os alunos adquiram o domínio dos esquemas simbólicos e das diversas criações

do espírito humano, forjados intersubjectivamente ao longo dos tempos, e dá atenção fundamental

aos aspectos cognitivos, assumindo que os saberes têm valor formativo para o espírito. É, por isso,

uma escola disciplinar, com a missão primordial de transmitir saberes, e na qual os alunos deverão

tomar contacto com as diversas formas de conhecimento, não no sentido de formação profissional,

mas de desenvolvimento do intelecto (Forquin, 1993).

Esta visão da escola revelou-se bem sucedida na formação de espíritos instruídos e cultos

com vista à formação das elites dirigentes. É, por excelência, a escola centrada nos valores do

desenvolvimento pessoal, ligada ao culto do individualismo, pautada pela meritocracia, ao mesmo

tempo que assume como função a socialização nos valores e virtudes tradicionais.

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A escola para a democracia parte da ideia que a instrução é um motor de progresso, pois,

ao propiciar a todos o acesso ao conhecimento científico, permitirá aos futuros cidadãos ganhar

uma maior compreensão das coisas, o que, por sua vez, os capacita a melhor resolver os problemas

das sociedades (Roldão, 1999). Muito ligada à ideia de progresso civilizacional, teve em Dewey um

defensor, para quem a escola deveria ser um lugar de encontro com a vida social, um espaço não só

de desenvolvimento intelectual mas também de experiência e de vida social (Dewey, 2001). Na raiz

desta tradição está a assunção de que a escola deve preparar os alunos para uma sociedade

democrática e por isso a educação deverá “incutir nos indivíduos um interesse pessoal nas relações

e no controlo social e criar hábitos espirituais que produzam mudanças sociais, sem implicar

desordem” (Dewey, 2001:91). Valoriza-se a criação de um sentido de pertença a uma comunidade e

a aquisição de hábitos de colaboração e de co-responsabilização entre os seus membros, tendo em

vista alcançar um objectivo comum.

Esta concepção de escola para a democracia evoluiu nas últimas décadas para o conceito de

escola para a cidadania, que abrangendo a ideia de uma escola democrática, cultiva a formação

cívica do cidadão, a aquisição de identidades culturais e a inserção em rotinas sociais, sem contudo,

ser endoutrinária (Roldão, 1999). A escola cidadã articula-se em torno da própria vivência

democrática do aluno na escola e norteia-se por alguns princípios fundamentais: “a participação,

potenciadora da construção colectiva, negociada, de uma escola democrática; a equidade e a justiça,

permitindo o acesso de todos aos bens colectivos; a tolerância, no sentido do respeito pelas

diferenças, em ordem ao desenvolvimento que não discrimina e, portanto, a uma escola não só

inclusiva, como solidária” (Costa, 2003:148). Na modernidade acreditou-se cegamente que a ciência

e o desenvolvimento científico levavam inevitavelmente ao progresso da humanidade. Abalada essa

crença, sobretudo na última metade do século XX, em face do aparecimento em grande escala de

fenómenos de poluição, de destruição dos recursos naturais e da devastação sem precedentes de

ecossistemas, originados pelas aplicações tecnológicas e científicas típicas da sociedade industrial, a

humanidade vê-se hoje confrontada com o imperativo de educar as novas gerações no sentido da

participação consciente e crítica em todos os domínios da vida social e das grandes decisões

sociopolíticas. É neste contexto que se espera também que a escola para a cidadania possa

desenvolver e cultivar hábitos de participação e de intervenção crítica e responsável.

A escola vocacional (ou pré-profissional) repousa por um lado, no conceito de aptidão,

espelho de uma concepção naturalista do homem, dotado de características estáveis potenciadoras

de prefigurar o seu futuro (Léon, 1983), e, por outro, na antevisão das necessidades de qualificação

que o mercado de emprego exige à escola. Para a escola vocacional, trata-se, de detectar

precocemente as tendências do jovem de forma a encaminhá-lo para as disciplinas, fileiras, ou

estudos que possam permitir desenvolver as suas aptidões naturais. A generalização dos serviços de

orientação escolar e profissional, a partir do primeiro quartel do século XX, foi a medida que

melhor se ajustou a este ideal educativo. No campo da antevisão do exercício de uma profissão,

trata-se de valorizar na escola as matérias com aplicação directa no trabalho e, sobretudo, a

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aquisição de saberes-fazer. Se neste âmbito, a formação propriamente profissional se faz em

contexto específico, frequentemente nas próprias empresas, ou em regimes de alternância, à escola

é pedida a aproximação ao mundo do trabalho e a aquisição de sensibilidade para o mundo laboral.

Com a evolução crescente dos modos de produção que tornam obsoletas técnicas de há poucos

anos, e com a invasão dos serviços nas sociedades actuais, os empregadores pedem cada vez mais

uma formação básica suficientemente generalista para permitir o desenvolvimento futuro (Gaspar,

1996), a par da literacia informática cada vez mais procurada. De qualquer modo, a escola pré-

profissional é a escola concreta, prática, à medida das necessidades sociais de formação. Na

impossibilidade de a escola preparar de forma estável para uma carreira profissional, pela própria

mutação que se adivinha neste campo, esta escola ajusta-se, por outro lado, ao conceito de

aprendizagem ao longo da vida, dando sentido a ideais pedagógicos que postulam que, mais do que

ensinar conteúdos precisos, importa ensinar a aprender a aprender, vertente actual da preparação

para a vida no século XXI (Romão, 2003). Fruto de pressões económicas, em parte provenientes da

Comunidade Europeia (Antunes, 2000), assiste-se actualmente em Portugal ao renascimento desta

escola com características profissionalizantes, a partir do final do ensino básico. Paralelamente,

encoraja-se a aproximação da escola ao mundo produtivo, aspecto particularmente visível nas

pressões para que instituições de ensino público, como as universidades, desenvolvam políticas de

articulação directa, com empresas e indústrias, no sentido de maximizar potencialidades e responder

a encomendas específicas (idem).

Fruto da crise da educação, a profissão docente está também em crise. As representações

sobre o trabalho dos professores, sendo estes a face visível da escola, oscilam de acordo com o

crédito acordado às escolas. No princípio do século XX, com as esperanças de progresso que se

vivia então, nomeadamente com a crença no papel positivo das conquistas científicas para o

desenvolvimento das sociedades, a escola era uma instituição prestigiada. Os professores gozavam

de um estatuto social elevado, pois “a escola e a instrução incarnam o progresso e os professores

são os seus agentes” (Nóvoa, 1999:19). De então para cá, o estatuto socioeconómico dos

professores tem vindo a ressentir-se, primeiro por via da política de desvalorização da profissão

ocorrida em Portugal, no período do Estado Novo, e, segundo, devido quer à expansão escolar

quer à incerteza da missão da escola no seu papel de formação de elites.

Contudo, apesar de discursos pessimistas dos próprios professores, que se sentem

menorizados em termos sociais e económicos, a opinião pública não deixa de lhes manifestar apoio

e a profissão é vista como tendo atractivos (Nóvoa, 1999). Perrenoud (2001) alerta para o facto de

os professores, tal como outros trabalhadores, não serem imunes a entrincheiram-se dentro de uma

defesa cega da profissão, quando a opinião pública os acusa dos insucessos da escola actual, o que,

por sua vez, redunda numa atitude pouco lúcida, em lugar de verem com clareza toda a

complexidade da sua situação.

Percepcionados simultaneamente como funcionários, como agentes culturais e como

agentes políticos, os professores têm visto as exigências sobre o seu trabalho aumentarem. No

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momento actual, além das tarefas de ordem cognitiva, é pedido ao professor a realização de uma

série de tarefas de gestão, de apoio a alunos com dificuldades especiais, de dinamização da

comunidade educativa e de inter-relação entre a escola e a família. Gimeno Sacristan (1999)

equaciona as várias actividades do professor em três campos: institucional, organizativo e didáctico.

O primeiro, que poderemos apelidar de um nível macro, diz respeito às práticas directamente

relacionadas com o próprio funcionamento do sistema escolar a nível geral, a exemplo da avaliação

dos alunos no final de um ciclo escolar; o segundo, a um nível intermédio, concerne as tarefas

necessárias ao funcionamento da escola, como é o caso da organização do espaço e do tempo

escolar ou da articulação entre as várias disciplinas; o terceiro campo, a nível micro, engloba as

práticas da responsabilidade imediata do professor e nas quais se inclui a sua função de instrução.

O contexto em que se move o docente é, hoje, muito complexo (Hargreaves, 2001, Esteve,

1999, Apple, 1997) . Nos últimos tempos, tem-se registado um processo de omissão das

responsabilidades educativas de agentes de socialização tradicionais, em particular da família, sendo,

concomitantemente, exigidas maiores responsabilidades à escola. O desenvolvimento das novas

tecnologias da informação e comunicação, na medida em que contribui para a erosão do papel

tradicional do professor como detentor do saber, obriga este a novos investimentos e a adaptar-se a

novas posturas pedagógicas. O aumento da violência na escola, fenómeno que se verifica a nível

geral, é um facto que indicia a alteração das relações professor-aluno, tornando a escola um lugar de

conflito, onde muitos professores não sabem desenvolver e implementar modelos mais justos e

participativos de convivência e de disciplina (Esteve, 1999).

Hargearves (2001) refere que estamos em transição de um processo de certezas (típico da

modernidade) para um tempo de incertezas (típico da pós-modernidade), tempo onde a) a

informação se difunde rapidamente a uma escala global, b) os meios quer de comunicação, quer

tecnológicos, pela sua rapidez de actuação, comprimem de forma crescente o tempo, dando origem

a mudanças cada vez mais céleres, c) o aumento da migração intercultural força o contacto

intercivilizacional, eliminando olhares estáticos, d) a interligação contínua entre investigação,

nomeadamente nas ciências sociais, e aplicação tornam a mutação quase instantânea, isto é, “o

mundo social muda no próprio momento em que o estudamos” (Hargearves (2001: 65). Todo este

processo de mutação acelerada se repercute no mundo da escola, obrigando esta a alterar as suas

estruturas, padrões de organização e as suas respostas.

Se os professores, por um lado se sentem insatisfeitos com a escola actual, nem sempre,

por outro, têm capacidade de alterar os seus modos de actuação. Abraham (citado por Esteve,

1999) refere que os professores vivem divididos entre o que são e o que fazem e o que gostariam de

ser e de fazer. Ao procurarem enfrentar a complexidade da mudança, assumem diferentes posturas.

Um primeiro grupo reage de forma positiva, aceitando a mudança social como inevitável,

procurando alterar as suas práticas. Um segundo grupo, sentindo-se incapaz de fazer face à

mudança, procura continuar a fazer o que sempre fez, na esperança de sobreviver, acantonando-se

em rotinização da prática docente e procurando mecanismos de evasão. Um terceiro grupo sente,

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face à mudança, sentimentos contraditórios, pois se, por um lado reconhece a sua inevitabilidade,

por outro, mostra-se céptico sobre a sua capacidade de mudança; sem conseguir encontrar

esquemas sustentados de resolução do conflito, adopta posturas flutuantes, ora optimistas e

decididos, ora regressa aos esquemas anteriores. Finalmente, um quarto grupo de professores tem

receio da mudança ou porque são inseguros ou têm medo de revelar insuficiências; sentem-se

apreensivos quanto ao futuro, reagem negativamente à mudança, procuram travar esta e sentem que

carecem de recursos para levar a cabo o tipo de ensino que até pensam que gostariam de praticar.

Hargreaves (2001) refere que a balcanização das escolas, isto é, a excessiva

departamentalização e compartimentação que se foi criando, por via da criação de disciplinas

durante o percurso da modernidade, é actualmente um entrave para a procura de soluções criativas

para os problemas das escolas actuais. Esta situação traduz-se no individualismo, que o autor chama

da “heresia genérica da mudança educativa”, no isolamento e no “privatismo” (Hargreaves,

2001:185). Estes aspectos, típicos das escolas enquanto burocracias organizacionais, se enraizados

na cultura docente, limitam o desenvolvimento profissional e a implementação de mudanças

significativas nas práticas dos professores. Em contraste, Hargreaves salienta como pólos, não só

potenciadores da mudança, como suportes sustentados para a configuração de alteração de práticas

docentes e de desenvolvimento profissional, a colaboração e a colegialidade. Mas o mesmo autor

alerta para os perigos de formas de colegialidade artificial, reguladas compulsivamente por normas

rígidas, as quais podem redundar apenas em perdas de tempo e desgaste adicional para os

professores, subvertendo as esperanças de mudança, a exemplo de planificações obrigatórias ou

reuniões para impor objectivos comuns. Ao contrário, formas de colaboração voluntária, assumidas

na base da partilha de problemas e na procura conjunta de respostas, inter-pares ou na base da

constituição de equipas temporárias, podem ser uma forma extremamente flexível de gerir a

mudança, evitando simultaneamente o desgaste psicológico dos docentes.

Fullan (1993), por sua vez, salienta que não sendo a escola uma organização passível de,

por si só, provocar a mudança social, ela deve assumir o seu papel contribuindo positivamente para

essa mudança. Para isso, os professores terão que adoptar uma postura de mudança, o que passa,

em primeiro lugar, por definir o objectivo moral de agir com o intuito de provocar uma diferença

positiva, para melhor, na vida dos alunos (Fullan, 2003). Neste contexto, o âmago do problema não

reside na alteração formal de estruturas, mas na alteração das práticas educacionais e instrucionais,

no sentido de implementar uma maior colaboração entre alunos, entre os professores e entre estes e

potenciais parceiros. Trata-se de mudar, com carácter de urgência, a cultura escolar no que respeita

a hábitos e a crenças, nomeadamente no que respeita à pedagogia e às estratégias de ensino e de

avaliação e, ainda, na forma como os professores trabalham em conjunto e cooperam entre si para

levar a cabo mudanças conjuntas e concertadas de práticas.

O mesmo autor alerta, contudo, para a necessidade de se ter consciência de que a mudança

é um processo complexo e que, por isso, é importante não definir à partida metas demasiado

ambiciosas que podem gerar ansiedade, desgaste, desmotivação e, até, frustração. Em contrapartida,

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entende que, do ponto de vista estratégico, os professores deveriam a) aprofundar cada vez mais os

seus conhecimentos, nomeadamente pedagógicos e sobre política educacional, b) procurar

implementar ambientes de trabalho profissionais interactivos e colaborativos, evitando cair nas

malhas da colegialidade artificial, c) desenvolver, individual e colectivamente, hábitos de

aprendizagem permanentes e de reflexão investigava sobre as suas práticas, d) empenhar-se

activamente na consecução da melhoria das situações de aprendizagem, sem perder de vista que os

conflitos fazem parte da mudança e que esta não é um processo rápido e isento de tensões (Fullan,

1993).

4. PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS

Na relação do ensino com a aprendizagem, ressaltam com justificada evidência os

pressupostos pedagógicos. Eles talvez sejam os que aparentemente se tornam mais simples de

identificar, sendo contudo, aqueles que encerram maior complexidade porque a sua realidade

pressupõe a existência de outros tipos de pressupostos, designadamente daqueles que foram

anteriormente analisados. O trabalho decorrente da relação do ensino com a aprendizagem

reproduz, geralmente, uma cultura de ensino. Nesta cultura identificam-se variáveis que Dunkin e

Biddle designam por variáveis antecedentes, varáveis de contexto, variáveis de processo e variáveis

de conteúdo. Na abordagem destes pressupostos, contemplamos variáveis de contexto onde se

insere o ambiente, que pode assumir relações diversificadas; variáveis de processo, com destaque

para alguns aspectos da relação professor/aluno e variáveis de conteúdo, onde se evidenciam alguns

parâmetros para os conteúdos sujeitos ao ensino e à aprendizagem.

Assim, perante uma diversidade possível de modos distintos de abordagem, optou-se por

aquela que centra os pressupostos pedagógicos no ambiente de aprendizagem, donde emerge a

interacção do professor com o aluno e onde enquadra os conteúdos de ensino.

4.1. Ambiente para a aprendizagem

Já em 1976, Zvi Lamm afirmara que o papel do ensino é organizar o meio ambiente de tal

modo a permitir que a aprendizagem tenha lugar. John Dewey (1977) repetia que o núcleo (o

centro) do processo de ensino é a construção de meios ambientes nos quais os estudantes podem

interagir e estudar como aprender, ou seja, aprender a aprender.

A responsabilidade pela criação do ambiente para a aprendizagem é, em grande parte,

atribuída ao professor e consiste em vários recursos de comunicação organizados de maneira a que

desempenhem as suas várias funções, através da interacção com o estudante. A organização

diferenciada desses recursos relativamente aos estudantes gera, habitualmente, as denominadas

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modalidades de ensino (Gagné). Contudo, importa registar que outros factores, para além do

professor, interferem na criação do ambiente de aprendizagem.

O comportamento aprendido será a função da interacção entre o aprendente e qualquer

factor do meio ambiente. Interagindo com esses factores do meio ambiente, o aprendente adopta

comportamentos em conformidade, por um lado com a natureza dos próprios factores, por outro

lado com as suas próprias necessidades.

Ao descrever-se um ambiente de aprendizagem, esboça-se um modelo de ensino (Joyce,

1996). Tais descrições têm objectos diversos: desde o planeamento do currículo, cursos, unidades e

lições até ao desenho de materiais de instrução – livros, programas multimédia e programas de

aprendizagem assistidos por computadores. Elas incluem muitas, ainda que não todas, das grandes

orientações filosóficas e psicológicas relativas a ensino e a aprendizagem.

O estudo individual e o estudo em grupo têm ambientes totalmente diferentes. O ambiente

é mais ou menos complexo, mais ou menos estruturado e ele torna-se na base do “sistema social”

de qualquer modelo de ensino. A sintaxe do modelo (constituída pelas fases do modelo que

manifestam o seu próprio desenrolar) terá de contemplar o ambiente. Se as escolas são centros de

questionamento (ou de problematização) elas terão de privilegiar os ambientes de ensino

provocadores de aprendizagem. O meio ambiente pode estruturar-se de modo a originar várias

tipologias, tais como: a de suporte, a de controlo, a de negociação, a de divergência e a de

convergência.

Um ambiente de aprendizagem produtivo é caracterizado por: (1) um clima geral em que

os alunos têm sentimentos positivos sobre si, os colegas e a turma enquanto grupo; (2) estruturas e

processos em que as necessidades dos alunos são satisfeitas e onde os alunos persistem nas tarefas

escolares e trabalham de modo cooperativo com o professor e outros alunos; (3) contextos em que

os alunos adquiram as competências de grupo e interpessoais necessárias à realização das exigências

escolares e grupais da turma.

Walter Doyle vê os ambientes como sistemas ecológicos. Estes sistemas ecológicos têm

várias características que moldam o comportamento. Ele descreveu seis características: (1)

multidimensionalidade; (2) simultaneidade; (3) contiguidade; (4) imprevisibilidade; (5) notoriedade e

(6) historicidade (1986: 394,395).

Schmuck identificara seis processos de grupo que determinam o ambiente: (1) expectativas;

(2) liderança; (3) atracção; (4) normas; (5) comunicação e (6) coesão.

O ambiente cooperativo, produzido por alguns modelos, tem tido efeitos substanciais no

comportamento dos estudantes. O ambiente reproduz, sem dúvida, a respectiva cultura do ensino.

Na teoria desenvolvimentista, a individualidade emerge do encontro de cada um com o

meio ambiente. No meio ambiente interagem escola, estudante, professor e sociedade. Esta

interacção tem duas orientações: vertical e horizontal. A interacção no ensino-aprendizagem tem o

discurso situado num contexto social.

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Professores criam os ambientes, mas eles não podem de modo algum realizar a

aprendizagem - esta é a razão pela qual o ambiente deverá ter em conta a diversidade para que se

torne produtivo e possibilite a aprendizagem. (Joyce, 2004).

Num sistema de teoria conceptual, Hunt (1971) sublinhou a relação do meio ambiente

com o desenvolvimento. Ele descreveu estádios de desenvolvimento em relação com as

características do ambiente que permitem às pessoas funcionar efectivamente em cada estádio,

enquanto a progressão para o outro estádio é facilitada. Se o meio ambiente for demasiado

confortável, os aprendentes podem acomodar-se num estádio, limitando ou mesmo bloqueando a

aptidão para integrar informação nova e para desenvolver novos sistemas conceptuais. A maior

parte da literatura sobre aprendentes e ambientes educativos enfatiza o ajustamento do meio

ambiente ao nível de conforto dos estudantes. Considerar as possibilidades produtivas (ou não

produtivas) do desconforto permite discutir os aprendentes marginais – estudantes que

experimentam grande desconforto no meio em que eles se encontram.

É frequentes muitos educadores estarem preocupados com o que se designa por

“aprendentes marginais” e procurarem meios para tornarem o ambiente escolar mais produtivo

para aqueles que são categorizados como “marginais” nesse ambiente. Se atendermos ao conceito

de marginalidade, podemos juntar-lhe os argumentos relativos ao desconforto com o crescimento.

Marginalidade é a condição que existe quando um aprendente tem dificuldade em relacionar-se com

um ambiente educacional e tirar proveito dele. Quando os professores relacionam marginalidade

apenas com os ambientes educacionais, tende-se a mudar os ambientes e a estabelecer as “normas

do conforto”. Acontece que os mesmos alunos podem relacionar-se marginalmente com uns

ambientes e não com outros. A linha teoricamente possível de marginalidade vai do nada (quando

os aprendentes se relacionam produtivamente com todos os ambientes aos quais são expostos) a

tudo (quando os aprendentes não experimentam qualquer ambiente que lhes seja produtivo).

Haverá várias formas de corrigir tipos de marginalidade, actuando no meio ambiente, não

descurando que os estudantes modificam, aleatoriamente, o ambiente, trazendo consequências

imediatas ao processo de ensino. Os estudantes gostariam, naturalmente, de ter um ambiente de

aprendizagem produtiva e em trabalho com os professores, adaptando-o ao que lhes interessa, se

lhes fosse dada oportunidade para tal. Manifestam esse seu gosto de modos distintos, em que

muitas vezes predomina o subentendido. Uma outra forma para corrigir a marginalidade é ensinar

os aprendentes a relacionarem-se com um largo espectro de ambientes de aprendizagem. Neste

último caso, está-se perante a expectativa de uma acção forte do professor. Para além de criar

ambientes, o professor poderá incentivar os estudantes a desenvolverem ambientes propícios ao

desencadear de factores positivos para a aprendizagem, na assunção dos princípios do conforto.

Está-se, então, perante o conceito de currículo como projecto – o currículo vai sendo construído

em consonância com interesses explícitos pelos estudantes.

É necessário que esteja presente o sentido da pluralidade do ambiente, reflexo de modelos

diversos, para que o aluno supere os limites dos seus mentores e crie sínteses novas.

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O caminho para perceber o contributo desejado pelo meio ambiente escolhido será

comparar esse contributo estimado com o resultado obtido, tendo em conta as aptidões dos

professores para compreender o processo de instrução onde o determinam, em ordem a torná-lo

capaz de agir em acordo com considerações relevantes. O contributo dialético da instrução vê, no

seu desenrolar, uma criação de decisões entre as contradições inerentes ao próprio processo que se

projectam no meio ambiente.

Em consequência, poderão evidenciar-se quatro tipologias de ambientes de aprendizagem:

(1) ambientes em variações culturais, (2) ambientes de individualização, (3) ambientes adaptativos e

(4) ambientes alternativos em função dos resultados educacionais. Cada uma destas tipologias de

ambientes de aprendizagem traduz assunções do ensinante àcerca do aprendente. Entre essas

assumpções destacam-se quatro: (1) enculturação, (2) capacidade intelectual como um factor

temporal, (3) estigmatização e (4) flexibilidade.

Recorda-se que o meio educativo, considerado no seu sentido mais lato, equaciona, com

amplitude igual ou diferente, três dimensões: a dimensão pessoal, que supõe a procura de sentido e

desenvolvimento de cada um, para cada um e por cada um; a dimensão social, que implica os

aspectos interpessoais e os deveres para com a sociedade e a dimensão intelectual, relativa às fontes

de solução de problemas. Estas dimensões do “meio educativo” terão de ser, forçosamente, as

linhas de debate de qualquer modelo de ensino. Todas elas passam pelos dois termos que compõem

o binómio suporte fundamental do ensino aprendizagem: o professor e o aluno. São estes dois

termos e a sua interacção que constituem a razão do ponto seguinte.

4.2. A interacção professor/aluno

Jackson, em 1968, descreveu a cultura dinâmica e a ecologia das salas de aulas,

apresentando os professores e os alunos como o conjunto de influências que requer acomodação e

mudança. Vinculava esta afirmação à sala de aula presencial. Também na sala de aula virtual esta

interacção tem significado e importância na aprendizagem, embora com figurino diferente.

É comum aceitar-se que a educação é crescimento, mas nem todos os teóricos definem

crescimento como um processo disciplinado e direccionado. Dewey (1916) afirmara que o processo

educativo tem um fim em si próprio; ele é uma contínua reorganização, reconstrução e

transformação. Libertar os estudantes (ou, tornar os estudantes livres) para pensarem mais efectiva

e criativamente é uma das mais profundas tarefas dos professores. Bruner, Goodnow e Austin

foram pioneiros no desenvolvimento da estratégia de “ensinar a pensar”. Esta tarefa tem sido

interpretada, ao longo dos anos, com o significado de ensinar a resolver problemas ou de

desenvolver capacidades de análise crítica, ou de permitir a aquisição dos significados de

pensamento indutivo e dedutivo (Joyce, 1996).

A organização do ensino cria o contexto no qual professor e aluno interagem; esta

interacção é o núcleo central das relações pedagógicas. Do emprego de diferentes modos de

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organização emergem diferentes padrões de interacção. A observação dos comportamentos do

professor e do aluno e as consequentes transacções dos mesmos permitem constatar a estrutura

social na qual estas transacções estão inseridas e da qual se alimentam. Releva-se a importância

quanto àquilo que os professores sabem e pensam acerca deles próprios - e aqui confluem

diferentes variáveis: o que é que eles sentem sobre as suas forças e as suas fraquezas? quais são os seus valores,

crenças e prioridades pedagógicas? que tipo de objectivos os norteiam? como estão relacionados, esses objectivos, com a

história das suas vidas, experiências e formação? têm capacidade de auto-crítica? como analisam o seu próprio

comportamento, a se auto-avaliam? como questionam, nas suas atitudes, nas suas crenças e nas suas próprias

motivações? Em suma, que conhecimento tem o professor de si, como pessoa? Reconhece, o professor, o imperativo de

se sujeitar a um processo de educação permanente? Como se situa na linha da auto-educação?

Importaria alargar o campo de informação necessária para chegar a alguma compreensão

do carácter, personalidade, motivações e percepções dos principais actores da sala de aula: os

professores e os alunos.

A determinação e orientação das tarefas para a aprendizagem especificam não só os agentes

da interacção como também definem o contexto onde essa interacção ocorre. A organização das

actividades pode influenciar a natureza do controlo do professor e as relações professor-aluno. E,

mais uma vez, se confrontam variáveis diversas. Diferenças na organização do trabalho afectam os

padrões das interacções entre professor e aluno e entre pares que surgem numa dada actividade

dentro de uma tarefa, utilizando estruturas de actividades distintas.

Focalizando a organização das actividades em tarefas recorrentes, investigadores podem

iluminar as variadas condições nas quais se desenvolvem os padrões de interacção e se formam as

relações sociais. Será crucial traçar, explicitamente, as suas consequências.

Consideram-se três concepções relativas ao estatuto do professor: como um funcionário,

como um agente cultural ou como um especialista. Distinguem-se frequentemente, seis aspectos

relativamente ao poder do professor: o poder de premiar, o poder de castigar, o poder de reprimir,

o poder de legitimar, o poder do especialista e o poder da relevância. A distinção entre as várias

espécies de poder usado pelo professor torna possível distinguir três tipos de liderança: autocrática,

autoritária e permissiva. Cada tipo de liderança é, também, marcante de um estilo de ensino. O

professor continua a desempenhar um papel central no ensino e esse papel acarreta várias funções,

o que merece destaque neste contexto. A escolha fundamental das actividades e a determinação do

modo específico da sua avaliação são atribuições do professor.

Se o primeiro foco, relativamente ao ensino, se situar no professor, ele será a parte mais

influente na emergência das relações pedagógicas. Aos professores, independentemente do nível de

ensino em que ensinam, das matérias específicas que leccionam ou do tipo de escolas em que

trabalham, é exigido o desempenho de três importantes funções: liderança de um grupo de alunos -

as funções executivas do ensino; instrução directa dos alunos - as funções interactivas do ensino;

trabalho conjunto com colegas e outros agentes sociais, no sentido da execução das funções

organizacionais do ensino.

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Um dos aspectos da liderança do professor manifesta-se na gestão de recursos, ainda que

eles sejam escassos, para criar ambientes de aprendizagem produtivos. Mas quais são os recursos

que o professor, vulgarmente, controla? São, em primeiro lugar, o tempo e o espaço – este perante

uma sala de aula real. O interesse pela natureza do tempo em sala de aula começou com a

publicação de um artigo de John Carroll em 1963, intitulado A Model of School Learning. No seu

modelo, Carroll afirma que a aprendizagem dos alunos, (ou grau de aprendizagem) varia em função

de cinco factores. Três desses factores estão relacionados com os alunos e são eles: (1) aptidão ou

quantidade de tempo que o aluno leva a aprender a tarefa em condições óptimas; (2) capacidade

para compreender a instrução que recebe; (3) perseverança, ou quantidade de tempo que o aluno se

dispõe a permanecer ocupado activamente na tarefa. Adicionalmente, dois elementos são estranhos

aos alunos e poderão pertencer, directamente, ao professor: (4) a qualidade da instrução e (5) a

oportunidade temporal permitida para a aprendizagem.

O professor deverá controlar uma outra gama de recursos físicos com especial incidência

em materiais seleccionados para conseguir a aprendizagem. Merecendo especial menção, há factores

de natureza social que podem ser “recursos” significativos no modo como o professor e o aluno

interagem. Interagindo com esses factores do meio ambiente, o aprendente adopta

comportamentos em conformidade, por um lado com a natureza dos próprios factores, por outro

lado com as suas próprias necessidades.

O comportamento aprendido é a função da interacção entre o aprendente e qualquer factor

no meio ambiente.

O professor cria o meio ambiente para desenvolver o ensino, tendo como finalidade a

consecução das aprendizagens. Ele selecciona o conteúdo, organiza-o em actividades, escolhe os

materiais de suporte e interage com os estudantes ao desenvolver os seus planos; ele afecta as

dimensões importantes do meio ambiente dos estudantes - a actividade intelectual, o processo

social e o conteúdo. As estratégias de ensino que selecciona permitem esboçar o meio ambiente em

que acontecerá a aprendizagem. O professor será capaz de desenvolver uma variedade de meios

ambientes. Isto exige três competências: estruturação, modulação do nível cognitivo e focagem.

Cada uma destas competências exige duas actividades: planificação e desenvolvimento do plano na

interacção com os estudantes.

Nos estudantes confluem dois grandes conceitos - hereditariedade e meio ambiente – a

partir de dados recebidos; podem, ainda, confluir outros conceitos categorizados no âmbito da

hereditariedade e do meio ambiente: tamanho, sexo, idade, religião, cor, capacidades, valores,

preferências, aptidões, gostos e não gostos, atitudes, preconceitos, estereótipos, características

físicas (Joyce, 1996:62).

O professor compõe ambientes, define tarefas e actua tendo em consideração os

conteúdos de ensino.

4.3. Conteúdos de ensino

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A expressão conteúdos é usada com acepções muito diversas. Por vezes, este termo serve

para designar apenas conhecimentos de ordem geral, mas a mesma palavra poderá ser utilizada para

designar procedimentos e atitudes. É com frequência que a palavra saberes se utiliza como

sinónimo de conteúdos. E, então, surge a tendência em categorizar os saberes: saber-saber (no

sentido de conhecimento, reflectido em teorias, princípios, factos, etc.), saber-fazer, saber-ser e

saber-estar. Haverá ainda uma outra distinção que se prende com o “saber que” e o “saber como”.

Muitos identificam estes dois aspectos, respectivamente, com o produto e o processo da

aprendizagem. Contudo, eles ultrapassam essa interpretação: o “saber que” prende-se ao conteúdo

como matéria de um saber constituído e o “saber como” liga-se à aprendizagem da metodologia

própria para a aquisição e pesquisa desse saber.

Sendo duas questões com formulação simples - o que ensinar? e/ou o que aprender? -

qualquer delas conduz a respostas que, quando concluídas, estão sempre referenciadas a espaço e

tempo e sujeitas sempre a alguma polémica. O tratamento de “conteúdos” tem subjacente a

distinção quanto à sua natureza e aos modos de os organizar, para não referir os níveis de

complexidade que os atingem. A própria estrutura organizacional dos conteúdos e a epistemologia

do saber que representam poderão justificar, ou mesmo determinar, o Modelo de Ensino a aplicar

e, portanto, condicionar ambientes. O conteúdo é a base através da qual as actividades de

aprendizagem estão unidas entre si (Wulf e Shave, 1984). Se é verdade que os conteúdos de

aprendizagem pretendem responder aos objectivos formulados para essa aprendizagem, também é

verdade que o mesmo conteúdo pode responder a objectivos diferentes. Os conteúdos extraem-se

de fontes sendo a mais comum, talvez porque tem mais peso tradicional, “o universo disponível da

cultura humana”. Nas últimas duas décadas outras fontes têm surgido a disputar o primado daquela,

merecendo destaque a resultante das necessidades que emergem da evolução da sociedade e a

decorrente do sentido da realização do indivíduo. Neste contexto, alargou-se o âmbito do

significado do termo conteúdos, com particular incidência na informação para aquisição de saberes

e na junção do acolhimento da informação com a aplicação de processos para aquisição e

desenvolvimento de competências. Razões de natureza diversificada que se pulverizam pelos

campos epistemológicos da psicologia, da filosofia, da sociologia e da política se apresentam para

justificar a selecção de conteúdos. Depois, razões, sobretudo de natureza pedagógica, se alinham e

se avançam para especificar a natureza dos conteúdos e os modos de os organizar. Situando os

conteúdos no ambiente de ensino-aprendizagem, recordamos o que António Carrilho Ribeiro

(1990:127-129) apontara como principais critérios para a sua selecção:

a) a instrumentalidade dos conteúdos face aos objectivos curriculares definidos;

b) a validade e significado dos conteúdos no conjunto do universo cultural disponível,

em termos da sua importância actual e futura;

c) a relevância social dos conteúdos, no contexto presente e no que respeita à possibilidade

que oferecem de adaptação a mudanças futuras; isto é, a flexibilidade dos conteúdos frente às

mudanças na sociedade;

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d) o equilíbrio entre extensão e profundidade de conhecimentos a adquirir - a quantidade

do conhecimento adquirido em relação com a qualidade da compreensão do conhecimento

conseguida;

e) a adequação do conteúdo à experiência e à capacidade dos alunos - entra-se em linha de

conta com a acessibilidade ao conteúdo, a possibilidade de assimilação, compreensão e aplicação

por parte do aluno;

f) a viabilidade do ensino do conteúdo - a viabilidade de ensino não é sinónimo de

viabilidade de aprendizagem;

g) a relevância e significado pessoal dos conteúdos programáticos, face a necessidades e

interesses dos alunos detectados ou previsíveis, ou seja em que medida os conteúdos são

susceptíveis de despertar e desenvolver a motivação e curiosidade de aprender.

O tratamento de qualquer conteúdo exige o questionamento sobre a sua transmissão, a

possibilidade do efeito de apreensão, a duração, as condições de aplicação e a capacidade de

transformação. O tratamento dos conteúdos, no que respeita à sua organização, poderá ficar sujeito

ao princípio da flexibilidade e enquadrado pelo Modelo Curricular seguido, o que extravasa os

limites deste módulo.

Será em torno de conteúdos que se constrói qualquer sistema educativo ou qualquer

sistema ou módulo de formação, se entendermos, embora contrariando muitas das tendências

actuais, autonomizar o conceito de formação do conceito de educação.

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