pressupostos teoricos

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 PSICOLOGIA DA ARTE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS METODOLÓGICOS Tatiane Superti UEM 1  Mariuse Gonçalves da Cruz UEM 2  Sonia Mari Shima Barroco – UEM 3  Introdução O estudo que apresentamos resulta de pesquisa bibliográfica em desenvolvimento, realizada em grupo de estudo acerca do livro Psicologia da Arte de L. S. Vigotski (1999), atrelada a projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Estadual de Maringá 4 . Sendo assim, este livro constitui em nossa principal fonte de  pesquisa. Neste grupo, composto por mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UEM) e professores do ensino superior, procuramos compreender as críticas e propostas do autor em relação à psicologia da arte, já em debate em sua época. Temos  por pressuposto que a pessoa com ou sem deficiência deve desenvolver-se a ponto de alcançar um estágio de nível cultural, e também de liberdade tal que possa compreender as múltiplas relações entre os fatos, compreender o mundo para além da aparência, ou do modo como e le se nos aprese nta fenomenicamen te. Desse modo, v oltarmo-nos ao estudo das elaborações vigotskianas sobre a arte também revela o pressuposto de que ele entendia que o homem, ontologicamente, é um ser criador e criativo (Barroco, 2007). O livro Psicologia da Arte  trata-se de um trabalho apresentado pelo autor como monografia sobre a obra Hamlet, de Shakespeare, constituindo parte dos estudos sobre artes, literatura, crítica e estética aos quais se dedicou de 1915 à 1925. Pelo período em que o elaborou, e pelo seu próprio conteúdo, podemos dizer que Vigotski ainda não havia desenvolvido os estudos sobre a formação social da mente, bem como a relação entre aprendizagem e desenvolvimento em sua forma mais complexa, como apresenta em seus escritos sobre a constituição das funções psicológicas superiores e sobre estas 1  Alunas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPI/UEM 2  Alunas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPI/UEM 3  Professora do Departamento de Psicologia – DPI/UEM, e do programa de Pós-Graduação em Psicologia  – PPI/UEM 4  Projeto Psicologia Histórico-Cultural e Defectología: estudo das contribuições/implicações teórico-metodológicas soviéticas para a apropriação da linguagem verbal por alunos com deficiências e  para a constituição das suas subje tividades (UEM, 2009-2013).

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  • PSICOLOGIA DA ARTE: PRESSUPOSTOS TERICOS METODOLGICOS

    Tatiane Superti UEM1

    Mariuse Gonalves da Cruz UEM2

    Sonia Mari Shima Barroco UEM3

    Introduo

    O estudo que apresentamos resulta de pesquisa bibliogrfica em

    desenvolvimento, realizada em grupo de estudo acerca do livro Psicologia da Arte de L.

    S. Vigotski (1999), atrelada a projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade

    Estadual de Maring4. Sendo assim, este livro constitui em nossa principal fonte de

    pesquisa. Neste grupo, composto por mestrandas do Programa de Ps-Graduao em

    Psicologia (UEM) e professores do ensino superior, procuramos compreender as crticas

    e propostas do autor em relao psicologia da arte, j em debate em sua poca. Temos

    por pressuposto que a pessoa com ou sem deficincia deve desenvolver-se a ponto de

    alcanar um estgio de nvel cultural, e tambm de liberdade tal que possa compreender

    as mltiplas relaes entre os fatos, compreender o mundo para alm da aparncia, ou

    do modo como ele se nos apresenta fenomenicamente. Desse modo, voltarmo-nos ao

    estudo das elaboraes vigotskianas sobre a arte tambm revela o pressuposto de que

    ele entendia que o homem, ontologicamente, um ser criador e criativo (Barroco,

    2007).

    O livro Psicologia da Arte trata-se de um trabalho apresentado pelo autor como

    monografia sobre a obra Hamlet, de Shakespeare, constituindo parte dos estudos sobre

    artes, literatura, crtica e esttica aos quais se dedicou de 1915 1925. Pelo perodo em

    que o elaborou, e pelo seu prprio contedo, podemos dizer que Vigotski ainda no

    havia desenvolvido os estudos sobre a formao social da mente, bem como a relao

    entre aprendizagem e desenvolvimento em sua forma mais complexa, como apresenta

    em seus escritos sobre a constituio das funes psicolgicas superiores e sobre estas 1 Alunas do Programa de Ps-Graduao em Psicologia PPI/UEM 2 Alunas do Programa de Ps-Graduao em Psicologia PPI/UEM 3 Professora do Departamento de Psicologia DPI/UEM, e do programa de Ps-Graduao em Psicologia PPI/UEM 4 Projeto Psicologia Histrico-Cultural e Defectologa: estudo das contribuies/implicaes terico-metodolgicas soviticas para a apropriao da linguagem verbal por alunos com deficincias e para a constituio das suas subjetividades (UEM, 2009-2013).

  • em pessoas que tm o curso do desenvolvimento diferenciado pelas deficincias

    (Vigotski 1997, 2000).

    Entendemos que a teoria de Vigotski no pode ser analisada de forma

    distanciada do mtodo marxista (materialismo histrico dialtico). Por essa perspectiva,

    temos que a prpria necessidade de sua emergncia precisa ser levada em conta. O autor

    no prope uma nova explicao da psicologia da arte e do desenvolvimento humano

    desvinculado das condies materiais postas sua poca. Consideramos, pois que a

    Revoluo Russa de Outubro de 1917, dentre outros fatos, no mero contexto ou

    fundo para o autor pensar o psiquismo e a arte. Antes, foi figura tambm. Como uma

    nova sociedade poderia conceber a vida, a cincia psicolgica, a arte, a esttica? O que

    j se punha em debate na sociedade capitalista e na cincia burguesa? Em que uma

    teoria sobre a constituio do que propriamente humano no ser poderia

    revolucionria? Essas indagaes devem acompanhar aqueles que se propem a

    compreender a viso de homem, sociedade e cincia psicolgica que o autor pretende.

    Nesse sentido, em Psicologia da Arte esto presentes, de forma instigante,

    complexa, porm ainda inicial se compararmos com as elaboraes da dcada de 1930,

    em relao s suas contribuies sobre a importncia do signo, da linguagem na

    formao do homem e da necessidade de construo de uma psicologia da arte marxista,

    e, em conseqncia, consistente metodologicamente.

    Esse nosso entendimento corroborado pelo que escreve Leontiev (1970) acerca

    deste livro. Reconhece a grandeza desta obra em tela, contudo aponta para isso que

    destacamos ao dizer que:

    En su lbro, Vigostki no siempre acierta a encontrar conceptos

    psicolgicos precisos para expressar su pensamiento. En l

    poca en que se escribio aun no se haban elaborado estos

    conceptos; aun no se haban creado la teoria de la naturaleza

    sociohistrica de la psique humana, no se haban superado los

    elementos de uma actitud reactolgica que defendia K. N.

    Kornlov, tan solo empezaba a esbozarse a rasgos generales la

    teoria concreto-psicolgica de la conscincia. Por esta causa,

    Vigotski expressa a menudo sus pensamientos con palabras que

    no son suyas. Recurre frecuentemente a ls citas, incluso de

    autores cuyos puntos de vista eran basicamente extraos. (p.11)

  • Quando nos voltamos obra vigotskiana o fazemos em busca de subsdios para

    explicarmos a formao social da mente em tempos ps-modernos, em tempos de recuo

    da teoria, de desvalorizao das metanarrativas. O momento atual, diferentemente

    daquele em que o autor escreveu, de nfase no que provisrio, no que se apresenta

    como espetacular, no que clama a uma emocionalidade arrebatadora e instantnea,

    de sujeitos que estabelecem vnculos direcionados pelas relaes de mercadoria, entre si

    e com o mundo, e que, comumente, se mostram indiferentes e passivos com o que se

    passa na sociedade.

    Longe de pretendermos um juzo moral, consideramos a importncia em

    atentarmos para a arte e para uma psicologia que no relega o desenvolvimento humano

    a um fatalismo biolgico ou a um determinismo social, para mais bem compreendermos

    esse homem do sculo XXI que est nas escolas, nos consultrios e em outros espaos,

    sendo atendido por psiclogos e educadores.

    Pontos de destaque da obra

    No tocante ao livro, conforme o mtodo de pesquisa que assume, Vigotski

    primeiramente analisa as contribuies tanto da esttica como da psicologia para, ento,

    propor caminhos para a psicologia da arte.

    Vigotski coloca que no campo da esttica, que entendida como sinnimo de

    arte existe duas tendncias: 1) as teorias que fazem uso da psicologia para explicar a

    arte; 2) as teorias que dispensam explicaes psicolgicas.

    As primeiras so essencialmente idealistas, voltando-se para explicaes

    metafsicas da natureza da alma envolvida na obra artstica. Nestas analisa a teoria

    esttica de influncia marxista que se apropria de categorias marxistas, porm no do

    mtodo histrico-dialtico e acaba por concluir que o psiquismo determina as

    tendncias estticas de cada perodo.

    Ao discutir esta teoria, o autor analisa a dicotomia entre indivduo e sociedade

    que se encontra tanto na esttica quanto na psicologia, ou seja, nestas cincias, mesmo a

    de denominao marxista, no havia uma concepo de homem constitudo

    socialmente, como sntese das relaes sociais e aponta nisto um grave problema

    metodolgico.

    A segunda tendncia das teorias estticas de cunho no psicolgico, dessa

    forma prescinde de explicaes psicolgicas voltando-se ao empirismo para abordar

    reaes estticas. Assim, o autor considera que os experimentos so primitivos no

  • sentido de tomar as reaes como elementares, fruto do organismo biolgico. Limite

    que se coloca por no haver um apoio terico da psicologia.

    Podemos considerar que Vigotski entende que a esttica inclui em seus aspectos

    metodolgicos a psicologia social, na medida em que esta rompa com a dicotomia entre

    indivduo e sociedade e conceba o psiquismo como essencialmente social, na

    perspectiva do materialismo histrico dialtico.

    Conforme Vigotski (1999, p.02): O enfoque esttico da arte, uma vez que no

    pretende romper com a sociologia marxista, deve forosamente ter fundamentao

    sociopsicolgica.

    Em se tratando da psicologia que se ocupou da arte, at aquele momento, o autor

    escreve que, em geral, a preocupao era com a psicologia do criador ou do espectador,

    sendo assim, em sua maioria, elaboraes de orientao idealista.

    A esse respeito, vale destacarmos que para o autor as contribuies da psicologia

    daqueles anos eram classificveis, no que diz respeito ao embasamento filosfico, em

    idealistas e materialistas. Dentre as idealistas estaria a Psicanlise e a Concepo de

    Arte como Conhecimento. E dentre a perspectiva materialista estaria a concepo de

    Arte como Procedimento.

    Em sua anlise, expe que a psicanlise entende a arte como fruto dos desejos

    inconscientes, ou seja, da sexualidade infantil, porm a forma como a arte expressa tais

    desejos deformada, assim como nos sonhos, servindo, ento sublimao. Isso

    possvel de ser observado na anlise de S. Freud, sobre o quadro de Leonardo da Vinci,

    Mona Lisa (1503-1507). Nela, argumenta sobre aspectos psquicos inconscientes do

    pintor (Barroco, 2007).

    A Arte como Conhecimento, por sua vez, procura investigar o processo

    intelectual que a obra artstica suscita. Para tanto, o livro faz uma abordagem bastante

    reflexiva e conta com a psicologia sensualista, norteada pelos princpios da lgica

    formal de estmulo-resposta e entendimento de homem enquanto organismo biolgico.

    A respeito da psicologia sensualista, vale expormos que ela parte do seguinte

    ponto: a base da vida intelectual constituda pelas sensaes. Esta teoria do

    conhecimento nasce no auge do perodo iluminista (sc. XVIII), com tienne Bonnot de

    Condillac (1984/1754), filsofo francs inicialmente discpulo de F. Bacon e de J.

    Locke. Sendo ele o defensor e criador da doutrina denominada sensualismo. No seu

    Trait des Sensations, de 1754, defende o princpio de que todas as idias provm dos

    sentidos, o conhecimento uma interao com mundo, ou seja da experincia de cada

  • um com o seu meio. O ser sensvel nasce da experincia e da imitao vivenciada por

    cada um e quanto maior e intensa esta vivncia mais seria ampliado o campo das

    sensaes. Ao se ampliar o campo das sensaes aumentaria tambm a necessidade de

    se buscar novas, ou renov-las e assim sucessivamente. A sensibilidade seria maior ou

    menor de acordo com estas experincias, e atravs da educao dos rgos dos sentido

    seria possvel o desenvolvimento do esprito humano. As sensaes so a fonte de

    pensamento, de forma que prope o estudo de cada rgo dos sentidos separadamente:

    tato, olfato, audio, viso; e com o aprimoramento dos sentidos e atravs da percepo

    da vida se alcanaria a conscincia.

    Entende-se que os sentidos so importantes para a compreenso da Arte,

    atravs de seus estmulos que o fruir da arte possvel, e atravs deles que podemos

    avanar em uma metodologia educativa. Mas no podemos entender o conhecimento e a

    psicologia da arte apenas do ponto de vista biolgico, sensualista, pois segundo

    Vigotski:

    (...) a Arte s poder ser objeto de estudo cientfico quando for considerada como uma das funes vitais da sociedade em relao permanente com todos os outros campos da vida social e no seu condicionamento histrico completo. Assim a aplicao da psicologia sensualista nos mostra um caminho e contribui para o entendimento da Arte, mas no apresenta consistncia suficiente para o entendimento de uma psicologia da arte materialista, por no considerar os sentidos, alm de reaes biolgicas, como uma elaborao socialmente construda. (Vigotski, 1999, p.11)

    Entender a abordagem psicolgica da Arte, na referncia citada do livro

    Psicologia da Arte requer o apoio de outros autores e tambm o entendimento do

    contexto social que o mesmo foi escrito. J em suas primeiras pginas, somos alertados

    para o fato de que se busca um entendimento do que seria o objeto de estudo da

    psicologia da arte, posto a questo sobre a necessidade de uma metodologia que

    corresponda ao pensamento histrico cultural, adequado para o entendimento de uma

    psicologia da arte. Levanta a situao da contribuio que os leitores teriam na

    construo de uma metodologia acerca do objeto de estudo da psicologia da arte, e

    assim delega aos leitores que possivelmente somente ao trmino dos estudos do livro,

    isso seria possvel. Teramos que aguardar os prprios resultados finais de nossa

    pesquisa. Considera-se, ento, os fatos e leis anteriormente estabelecidos, os sistemas,

    mtodos e procedimentos diversos, para a verificao dos resultados do nosso estudo.

  • A necessidade de uma idia que unifique os princpios metodolgicos apresenta-

    se como condio para uma sistemtica de estudo, os psiclogos elaboraram

    incompletamente e de maneira fragmentada apenas algumas questes acerca da teoria

    da arte. Vejamos quais elementos podem se considerar para o entendimento das

    metodologias e teorias psicolgicas da arte de forma sistematizada.

    Na discusso sobre a Arte como Conhecimento, Vigotski (1999,

    pg.31) aponta que:

    S podem ser objeto de nosso estudo aquelas teorias psicolgicas da arte que, em primeiro lugar, tenham constitudo um mnimo de teoria sistematizada acabada e, em segundo, estejam no mesmo plano com o estudo que estamos empreendendo. De outra forma teremos que enfrentar apenas aquelas teorias psicolgicas que esto apoiadas no mtodo objetivamente analtico, isto que centram sua ateno na anlise objetiva da prpria obra de arte tem sua ateno na anlise objetiva da prpria obra de arte e a partir desta anlise recriam a psicologia que corresponde a tal obra.

    A abordagem mais comum e difundida ao enfocar a arte a viso da arte como

    conhecimento, sendo desenvolvido pela escola de Potiebny5, que lhe serviu de

    princpio fundamental para seus estudos; esta mesma viso da arte como conhecimento

    um pouco modificada, aproxima-se da viso da arte na Antiguidade, cuja idia era da

    arte como sabedoria e cuja funo era de pregar lio de moral e servir de guia para as

    pessoas. Ressaltamos que o importante nesta teoria a anlise que traz entre a atividade

    o desenvolvimento da linguagem e a arte.

    Pela complexidade da anlise lingstica, dos significados embutidos nas

    palavras, e para chegarmos a uma compreenso do fenmeno psicolgico da arte

    vejamos o que nos coloca Vigostski (1999, p. 32):

    Em cada palavra, neste sistema psicolgico de lingstica

    identificamos, trs elementos bsicos: primeiro a forma sonora

    externa, segundo, a imagem ou forma interna e terceiro, o

    significado. Ai se denomina forma interna o significado 5 Para os simbolistas Potiebny e seu discpulo Bili, o smbolo ou a imagem da linguagem potica no se restringe ao nvel sincrnico, possui um elemento diacrnico, isto , assinala a primazia histrica. As concluses de Potiebny, em relao teoria simbolista da linguagem potica, so totalmente diversas s dos futuristas que autonomizaram a palavra das relaes com outros fenmenos ou com realidades que ela reflete (NAMURA, 2003 p.168 ).

  • etimolgico mais aproximado da palavra, atravs da qual ele

    adquire a possibilidade de significar o contedo nela inserido

    (...).

    O sentido das palavras pode ter cunho apenas psicolgico, chegando-se a seu

    significado atravs de percursos diversos na elaborao do pensamento. Assim a forma

    interna e o significado de uma palavra pode dar a idia do contedo nela inserido, e a

    diferena entre algumas palavras pode ser apenas psicolgica. Assim Vigotiski, (1999,

    p.33), afirma que Potiebny foi brilhante, ao dizer: A forma interna de cada uma dessas

    palavras orienta de modo diferente o pensamento....

    Encontra-se nesta articulao com as palavras, os mesmos processos

    psicolgicos da percepo e criao de uma obra de arte, segundo ainda Potiebny: Os

    mesmos elementos, [...] so encontrados sem dificuldade na obra de arte, se

    raciocinarmos assim: Uma esttua de mrmore (forma externa) de uma mulher com

    uma espada e uma balana (forma interna), representando a justia (contedo). Na obra

    de arte no esto dissociados a imagem, a estrutura e o contedo (idia).

    Destas anlises, possvel desenhar os mecanismos dos processos psicolgicos

    para a Obra de Arte. A emoo que a arte promove poder ter uma natureza que passa

    pelo processo intelectual e tambm cognitivo. Conclui-se que sendo a Arte um modo

    singular de conhecimento e fruio, ela desperta no espectador as mesmas emoes que

    se observa em uma descoberta cientfica; porm ela difere da cincia pelo mtodo, pela

    forma como vivenciada.

    Na vertente materialista, encontramos a Arte como Procedimento, a qual visa

    analisar a forma da obra de arte. Dessa forma, considera a maneira como o material

    artstico disposto, incluindo sons e significado, na composio da forma externa.

    Psicologicamente o que se interessa a percepo que a forma suscita, porm no das

    leis psicolgicas que a integra, mas do significado de cada objeto contido na forma.

    Interessa recuperar a vivncia de tal objeto, remeter o expectador diretamente ao objeto

    concreto por meio do significado. Vigostki coloca que esta concepo pretende

    dispensar explicaes psicolgicas, mas as utiliza para tratar de percepo numa

    aproximao com a reflexologia e psicologia sensualista.

    Fica evidente que para Vigotski a esttica e a psicologia necessitam de

    reorientao metodolgica para abordarem seus objetos de forma cientificamente

  • consistente. Assim, a esttica necessita de pressupostos da psicologia e esta no

    responde, com os mtodos que se fez at o incio do sculo XX, a demanda da arte.

    Nesta perspectiva, enfatiza a necessidade de superar o subjetivismo recorrente

    nas teorias psicolgicas analisadas, como tambm a compreenso fragmentada de

    indivduo e sociedade. Coloca ainda a carncia de anlise psicossocial como empecilho

    para o avano da esttica e da psicologia.

    A superao de tais pontos na psicologia seria dada pela orientao no mtodo

    materialista histrico dialtico, que entende o homem formado na relao com as

    condies histricas, fruto da ao dos homens na produo da vida. Este princpio

    contm tambm a unidade dialtica entre indivduo e sociedade, de forma que o

    psiquismo entendido como determinado pela sociedade.

    A relao entre psicologia e arte deve seguir a mesma orientao, assim o

    autor aponta que o mtodo da psicologia da arte deve ser objetivo-analtico: (...) da

    forma da obra de arte, passando pela anlise funcional dos seus elementos e da

    estrutura, para a recriao da resposta esttica e o estabelecimento das suas leis gerais

    (Vigotski, 1999, p.27).

    Conforme o autor, o mtodo indicado para a psicologia da arte deve contemplar

    anlise da forma artstica, considerando os elementos de sua estrutura e contedo, para

    apreender as leis psicolgicas nela contida.

    Arte e Desenvolvimento Humano

    Alm do exposto, para Vigotski o problema enfrentado pela Psicologia da Arte

    era metodolgico, ou seja, os mtodos utilizados at ento no garantia uma anlise

    objetiva da arte que contemplasse a relao entre indivduo e sociedade de forma

    dialtica. O autor encontra no idealismo e no mecanicismo, presentes na esttica e na

    psicologia da poca, os entraves para a construo da Psicologia da Arte.

    Como superao coloca que a anlise da obra de arte deve partir de sua forma,

    dos elementos que constituem seus contornos, sua estrutura. No entanto, tal forma no

    fruto livre da conscincia ou inconsciente do criador, mas segue a determinadas leis

    estticas, criadas pelos homens na vida em sociedade, ou seja, a forma determinada

    socialmente.

    Seguindo este caminho, a anlise deve partir da forma para alcanar a sntese

    psicolgica. Partindo disso, podemos entender que para se obter a forma artstica foi

    necessrio uma atividade humana transformadora da matria prima, esta recebeu novas

  • caractersticas constituindo-se como arte, conforme as leis estticas da sociedade. Em

    tal atividade humana transformadora, o homem imprimiu no material a sntese

    psicolgica utilizada para seu feitio.

    Embora no se fixe nisso, pensamos ser possvel considerar que o autor

    concebe a arte enquanto trabalho. Na perspectiva do materialismo histrico dialtico,

    trabalho atividade vital humana. Por meio dela, os homens criam as condies para

    sua existncia, transformando a natureza. Ao criar as condies para a sobrevivncia,

    produzem instrumentos, linguagem e relaes sociais. Nestes produtos esto impressas,

    em suas estruturas e significado, as caracterstica humanas.

    Este processo chamado de objetivao, no qual o homem objetiva sua

    atividade em produtos materiais ou simblicos. O processo de objetivao

    complementado pelo processo de apropriao, no qual o homem, por meio do trabalho,

    se apropria das objetivaes j realizadas pela humanidade. Nestes processos que se

    encontra a explicao de gnero humano como sntese das caractersticas humanas, pois

    estas se encontram nas objetivaes e ao se apropriar delas o homem se humaniza,

    transformando-se subjetivamente. Ou seja, as funes mentais so objetivadas e por

    meio da atividade os homens se apropriam delas. (Duarte, 1999, p. 27-52)

    Destacamos que o processo de objetivao-apropriao transforma a ao do

    homem na realidade por ser uma ao mediada que implica em transformao psquica

    e impe novas necessidades, alm das de sobrevivncia.

    Neste sentido podemos entender a arte, conforme indica Vigotski, como

    objetivao que traria na sua forma s funes psicolgicas contidas na atividade que a

    gerou. E satisfaz necessidades essencialmente humanas, como fruto de apropriaes

    anteriores e liberdade em relao a necessidades orgnicas. Por ser tipicamente humana,

    a arte representa caractersticas do gnero humano e por isso Vigostki afirma que sua

    forma contm a sntese psicolgica, no se referindo ao artista ou ao expectador, mas a

    humanidade contida na obra artstica.

    Barroco (2007) nos leva a compreender que a Arte possibilita entrar em contato

    com a genericidade humana, desenvolver conscincia de pertencimento ao gnero,

    explicitar a historicidade que d as condies do individuo reproduzir-se e criar novos

    meios para sua existncia. O que possvel por conta do carter de mediao que a arte

    implica entre o indivduo e gnero humano.

    Entendendo a arte como objetivao e por isso mediao entre indivduo e

    sociedade cabe estendermos esta lgica para o desenvolvimento psicolgico

  • ontogentico do homem. O desenvolvimento individual do psiquismo depende das

    apropriaes que o sujeito realiza, na medida em que atua no mundo, tomando pra si as

    conquistas do gnero humano, constri as funes psicolgicas. Assim, a arte uma

    objetivao que ao ser apropriada reproduz no homem as caractersticas humanas que

    encarna, possibilitando desenvolvimento psicolgico.

    No entanto esta apropriao da arte, da linguagem, ou dos objetos em geral no

    se d de forma direta, porm tambm mediada. O mundo real, imediato, do homem, que

    mais do que tudo determina sua vida, um mundo transformado e criado pela atividade

    humana.

    Todavia, ele no dado imediatamente ao indivduo, enquanto mundo de objetos

    sociais, de objetos encarnando aptides humanas formadas no decurso do

    desenvolvimento da prtica scio-histrica; enquanto tal, apresenta-se a cada individuo

    como um problema a se resolver. (Leontiev, 2004, p. 178)

    A apropriao mediada pelas relaes sociais. Estas vo inserir o homem na

    atividade com os objetos e com a linguagem. Ao nascer o homem depara-se com uma

    realidade humanizada deixada pelas geraes anteriores, conforme estabelece relaes

    com os homens entra em contato com os objetos e o legado cultural, apropriando-se

    dele. Observamos que as relaes sociais so tambm objetivaes fruto da atividade

    humana coletiva para produzir os meios de vida.

    O desenvolvimento psicolgico individual ocorre, ento, pelo processo de

    apropriao mediado pelas relaes sociais. Esta mediao pode ser intencional ou

    espontnea. A mediao intencional aquele planejada com fins de promover

    desenvolvimento, como exemplo a ao pedaggica do professor. J a espontnea so

    aquela circunscrita ao cotidiano, as atividades prticas do dia a dia, como exemplo a

    interao entre duas crianas em uma brincadeira. Cada tipo de mediao possibilita um

    nvel de aprendizagem e desenvolvimento.

    Vigostski em seus estudos posteriores ao livro Psicologia da Arte, afirma que os

    contedos cientficos so efetivamente desenvolvidos, por conta de seu carter abstrato,

    com a sistematizao do ensino escolar, sendo imprescindvel a mediao do professor

    para o pleno desenvolvimento das funes psicolgicas no indivduo.

    Da mesma forma entendemos a apropriao da arte, esta necessita de mediao

    intencional para promover desenvolvimento no sujeito. Tal mediao pode seguir o

    caminho apontado por Vigotski de maneira a possibilitar a apropriao da forma

    artstica e a reproduo no sujeito das funes psicolgicas que ela encerra.

  • Tambm com esta mediao que se possibilita o encontro entre o indivduo e o

    gnero humano, na medida em que por meio da forma da obra de arte, fique explicito

    esta relao contida em sua gnese na obra. Assim, os sentidos estticos e de gnero so

    construdos e socialmente condicionada.

    A arte como legado histrico do gnero humano, toma proporo de

    propriedade privada na sociedade capitalista. Nesta no apenas os meios de produo

    so de propriedade da classe dominante, como tambm a produo cultural e a artstica.

    De maneira que tal produo assume funo de mercadoria, sendo propriedade

    privada de quem pagou por ela, preo que no tem valor artstico, mas de troca diante

    das relaes capitalistas. Com isso, a obra assume funo social de mercadoria,

    elemento indispensvel para acmulo de capital.

    Enquanto mercadoria a arte no promove desenvolvimento humano, mas

    participa da reproduo da dinmica da sociedade capitalista. Este fato, no quer dizer

    que a obra deixa de ser uma objetivao, mas que foi tomada pelo modo de produo

    capitalista e utilizada para manuteno da sociedade de classes.

    Nesta sociedade o legado artstico no objetivao disponibilizado a todos,

    porm propriedade privada. Assim, a classe trabalhadora, proprietria apenas de sua

    fora de trabalho, no possui condies materiais de se apropriar da arte. Tal condio

    limita o desenvolvimento humano, na medida em que este depende das apropriaes

    que o sujeito realiza.

    Estas consideraes apontam que a sociedade capitalista no favorece o

    desenvolvimento do indivduo na medida em que transformam em mercadorias as

    objetivaes do gnero humano.

    Consideraes Finais

    Ao analisar as contribuies da esttica e da arte de seu tempo, Vigotski indicou

    o caminho metodolgico para a psicologia da arte. Esta deveria ser orientada pelo

    materialismo histrico dialtico, contemplando anlise objetiva da obra artstica, pois

    nesta est impressa uma determinada sntese psicolgica.

    Tal considerao possvel a partir da perspectiva de produo artstica como

    trabalho, sendo a arte objetivao e mediao entre indivduo e gnero humano. Esta

    mediao se efetiva com o processo de apropriao. Assim a arte atividade

  • tipicamente dos homens, contendo a potencialidade de reproduzir no indivduo

    caractersticas humanas, transformando os sujeitos e a realidade que esto inseridos.

    No entanto para promover desenvolvimento, em sua apropriao a arte deve ser

    mediada por relaes sociais planejadas, cujo objetivo promover aprendizagem a cerca

    da forma da obra de arte, na qual est encarnada a histria da humanidade. Porm a

    sociedade capitalista transforma as obras artsticas em mercadorias, condicionando o

    desenvolvimento psicolgico ao pertencimento de classe.

    Referencias

    BARROCO, S.M.S. (2007) Psicologia Educacional e Arte: uma leitura histrico-cultural

    da figura humana. Maring: Eduem.

    LEONTIEV, A.L. (2004) Desenvolvimento do psiquismo. So Paulo: Centauro.

    NAMURA, R.M. (2003) O sentido do sentido em Vygostsky: aproximao com a esttica

    e a ontologia do ser social de Lukcs. So Paulo: Pontifcia Universidade Catlica.

    NEWTON, D. (1999) A individualidade para si: Contribuio a uma teoria histrico-

    social da formao do indivduo. Campinas: Autores Associados.

    VYGOTSKY, L. S. (1999) Psicologia da Arte. So Paulo: Martins Fontes.

    VIGOTSKII, L. S. (1998) La imaginacin y el arte en la infancia. 4. ed. Madrid: Akal.

    VYGOTSKI, L. S. (1997) Obras escogidas: fundamentos de defectologa. Tomo V. Trad.

    Julio Guilhermo Blanck. Madrid: Visor Dist. S. A.

    VYGOTSKI, L. S. (2000) Obras escogidas: problemas del desarrollo de la psique. Tomo

    III. Trad. Lydia Kuper. Madrid: Visor.