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    SUBJETIVIDADE E CARTOGRAFIAS GRUPAIS: UMA PERSPECTIVATICO-ESTTICO-POLTICA.

    Antonio Vladimir Flix da Silva

    Existirmos: a que ser que se destina?(Caetano Veloso, In: Cajuna)

    Uns dizem fim Uns dizem sim.

    Uns amam Uns andam Uns avanam Uns tambm

    Uns cem Uns sem Uns vm Uns tm Uns nada tmUns mal uns bem Uns nada almUns bichos Uns deuses Uns azuis Uns quase iguaisUns menos Uns mais Uns mdios Uns por demaisUns masculinos Uns femininos Uns assimUns meus Uns teus Uns ateus Uns filhos de Deus

    (Caetano Veloso, In: Uns)

    no tem um, tem dois,

    no tem dois, tem trs,no tem lei, tem leis,no tem vez, tem vezes,no tem deus, tem deuses,

    no h sol a ss

    somos o que somosinclassificveis

    (Arnaldo Antunes. In: Inclassificveis)

    Ns no existimos co-existimos, ns no vivemos convivemos

    (Leonardo Boff)

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    Introduo

    Na histria da psicologia, parece superada a questo se a subjetividade constituda individual e/ou socialmente. No entanto, s vezes, ainda nosdeparamos com representaes terico-metodolgicas que tratam de restringiro individual ao biolgico, o biolgico ao fisiolgico e o social ao cultural,negando todo o histrico-cultural da evoluo da espcie humana e do

    desenvolvimento ontolgico do sujeito.

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    Para contribuir com a noo de subjetividade como socius, retomamos,do enfoque histrico-cultural em psicologia, a parte menos explorada pelosseguidores de L. S. Vygotsky (1896 - 1934), qual seja: a constituio dasubjetividade. Para Vygotsky todo o social histrico e todo o psicolgico social e histrico; esta tese parte da concepo materialista histrico-dialticade que ns fazemos culturalmente a historia e, ao mesmo tempo, somos feitos

    pela historia dada as condies sociais, econmicas e polticas em que nostocam viver.

    Desde esse enfoque, concebemos a formao e desenvolvimento dasfunes psicolgicas como processos complexos condicionados pela mediaodo outro aprendentes e ensinantes e das vivncias. As vivncias so asexperincias afetivo-cognitivas marcadas pela emoo e a situao social dedesenvolvimento. Esta, ns a definimos como a relao singular e nica quecada ser estabelece com seu entorno e consigo mesmo em um dado contextoe em cada perodo de idade e fase da vida (VYGOTSKY citado por FLIX-SILVA, 2005). Ontologicamente, a mediao feita estabelecendo-se vnculosde uns com os outros, por meio de artefatos culturais e dos processos

    psicolgicos mais complexos, tais como a unidade do sistema de conscincia:percepo, memria, emoes; significados, representaes e significaesinconscientes, em outras palavras: produo de sentidos polifnicos.

    Como exemplo, pesemos com Vygotsky a questo do gesto indicadorcomo a primeira inscrio da criana. Este gesto de escrita no ar um gestoindicador para o outro, pois, a primeira vez que a criana aponta para umobjeto, quem atribui sentido a esse gesto o outro, este sentido dado aosignificante pode marcar o corpo da criana em dada situao social de

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    desenvolvimento; de maneira que a criana pode comear a balbuciar gestosde fala, tentado imitar o outro, depois imitando e repetindo a fala do outro paranomear os signos lingsticos; at que, mediada pelas vivncias experinciasafetivas ela aprenda a falar e/ou a saber caso dos surdos que o gestoindicador um gesto indicador tambm para si (Vygotsky, citado por FLIX-

    SILVA, 2005)

    A constituio da subjetividade como socius (DELEUZE e GUATARRI,1995) vai adquirindo sentidos na convivncia e coexistncia de uns com osoutros, pela mediao da experincia de vida, das vivncias e dos vnculosafetivo-cognitivos estabelecidos por meio de artefatos culturais: linguagem,escrita, clculo, trabalho, tecnologias do conhecimento e da informao,multimdias, arte e instituies.

    Cartografias grupais e processos de subjetivao

    Partimos da noo de subjetividade como socius e do reconhecimentode que toda subjetividade subjetividade de grupo (GUATTARI, citado porPASSOS, 2007), e concebemos o grupo como um dispositivo para pensarrelaes de saber poder, processos institudos e instituientes nos cenrios nosquais as cartografias grupais so constitudas, se constituem e as constitumosenquanto paisagens psicossociais (PASSOS, 2007; BARROS, 2007). O que um dispositivo?

    Michel Foucault nomeia dispositivo:

    Um conjunto decididamente heterogneo que englobadiscursos, instituies, organizaes arquitetnicas,

    decises regulamentares, leis, medidas administrativas,enunciados cientficos, proposies filosficas, morais,filantrpicas. Em suma, o dito e o no dito so oselementos do dispositivo. O dispositivo a rede que se

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    pode estabelecer entre esses elementos (FOUCAULTcitado por KASTRUP e BARROS, 2009)

    Conceber o grupo como um dispositivo e como uma paisagem

    psicossocial significa cartografar processos de subjetivao e produo desubjetividade, a partir dos seguintes analisadores:

    a) Relaes de saber poder estabelecidas e movimentos de resistnciaque tencionam essas relaes nos grupos e na vida cotidiana.b) Processos de subjetivao que ora mostram o grupo em movimentosde assujeitamento ora como grupo-sujeito.c) Produo de subjetividade, modo grupo-identidade e devir-grupo nosprocessos grupais.

    O que so cartografias grupais?

    Em psicologia, cartografias so paisagens psicossociais (ROLNIK,2006). Sendo assim, cartografias grupais so paisagens humanas, cartasubjetiva cuja escrita corpo a que se faz presente no espao dos grupos ecuja composio feita do acompanhamento dos processos de subjetivao eda produo de subjetividade na sociedade contempornea.

    Que subjetividade? E o que so processos de subjetivao?

    Compreendemos subjetividade como a produo dos modos deexistncia e inveno cultural do mundo, modos de viver, (re)produzir ahistoria, produzir cultura e reinventar a vida. E denominamos processos desubjetivao os modos de sentir, pensar, atuar, sonhar, desejar, ser, devir;

    modos de ler-se ao ler, de inscrever-se ao escrever, de odiar, sofrer, enfermar-

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    se, amar, viver, modos de fazer cultura, de produzir sade, de cuidar de si e deinventar o mundo.

    Na contemporaneidade, a produo da subjetividade e dos processos desubjetivao se d nas mltiplas formas de interao social dentro docapitalismo mundial integrado, ou seja, tanto dentro da sociedade global como

    dentro de um grupo, um territrio, uma cidade, uma comunidade, ummovimento social, uma instituio: Famlia, Escola, Igreja, Estado...(GUATTARI, 1995).

    Modos de subjetivao, tcnicas de subjetivao do desejo [micropolticado desejo] e estratgias de subjetivao do sistema vigente de poder [mquinacapitalista, territrio hegemnico] e dos sistemas normativos do saber[epistemologia normativa] constituem a maneira pela qual, a cada momento dahistria, prevalecem certas relaes de poder-saber que produzem objetos-sujeitos, desejos, necessidades e vontades (FOUCAULT citado por PASSOS,2007).

    Neste sentido, a subjetividade no um dado determinado por umaestrutura psicolgica, mas um produto produtor da histria: histria e devir nahistria. No uma histria que venha para dizer quem somos, mas naquilo quenos diferenciamos (FOUCAULT, citado por BARROS, 2007)

    Devir no um vir a ser, nem um vir-a-ser-sendo. Ser Devir(DELEUZE e GUATARRI, citados por BAREMBLITT, 2003). Devir ser emmovimento e liberdade de ser e tambm liberdade de ser diferente.

    Foucault dizia que a liberdade existe quando se poderejeitar um modo de subjetivao em que se foi

    constitudo para criar outros, se diferenciando, afirmandoestas diferenas. Criar se diferenciar. A diferena a

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    que produz no mundo capacidade de provocar outrasdiferenas, aquilo que consegue escapar a fala nica,deixando vazar a polifonia que habita as multiplicidades(FOUCAULT, citado por BARROS, 2007, p. 324)

    So exemplos relacionados a essa polifonia e produo de sentidos dasubjetividade em mltiplos devires: os heternimos de Fernando Pessoa1, opoema Todas as Vidasde Cora Coralina2, a msica Flores HorizontaisdeOswald de Andrade e Z Miguel Wisnik3, a poesia Deixe-me seguir para oMar, de Mrio Quintana4; as vrias composies de Chico Buarque em seusmltiplos encontros com um devir-mulher e um devir-poesia de Carpinejar, que,aos 37 anos (2009), inventa e vive a experincia de escrever um livro de 2045,aos 72 anos; ele diz que poder ter morrido antes, ento decidiu antecipar avelhice"5. Na escrita desse livro o ser do autor puro devir. Tambm estorelacionados ao devir nossas produes literrias ao acaso, como poemas econtos que, s vezes, escrevemos; alm de textos e artigos que publicamos e

    at msicas que tocamos com o corpo em oficinas que participamos, mesmosem que cada um de ns possua uma identidadede msico.

    1 Os heternimos constituem vrios poetas fragmentados e mltiplos que habitam Fernando Pessoa. Cadaum deles tem a sua prpria biografia, sua temtica potica singular e seu estilo especfico, gerandopoesias totalmente diversas. O prprio Fernando Pessoa explicou: Por qualquer motivo temperamentalque me no proponho analisar, nem importa que analise, constru dentro de mim vrias personagensdistintas entre si e de mim, personagens essas a que atribu poemas vrios que no so como eu, nos meus

    sentimentos e idias, os escreveria. Assim tm estes poemas de Caeiro, os de RicardoReis e os de lvarode Campos que ser considerados. No h que buscar em quaisquer deles idias ou sentimentos meus, poismuitos deles exprimem idias que no aceito, sentimentos que nunca tive. H simplesmente que os lercomo esto, que , alis, como se deve ler. Disponvel em

    2 http://www.paralerepensar.com.br/coracoralina.htm#TODAS_AS_VIDAS

    3 http://letras.terra.com.br/elza-soares/476981/

    4 http://www.eurooscar.com/poesoutros/mario_quintana1.htm

    5 CARPINEJAR, Terceira sede: elegias - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.

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    O termo devir relativo economia desejante:

    Assim, um indivduo, atropologicamente etiquetado demasculino, pode estar atravessado de mltiplos devires,em aparncia, contraditrios: devir feminino coexistindocom um devir criana, um devir animal, um devir invisvel

    etc. (GUATTARI, 1995, p. 202).

    O personagem Jamie (Ian Colletti) um exemplo de devir-mulher aoescolher vivenciar o papel da Rainha de Copas no musical apresentado nofilme A Menina no Pas das Maravilhas(EUA, 2008. Direo e Roteiro: DanielBarnz). Souleymane (Franck Keta) um exemplo de devir-fotografia, aoelaborar um auto-retrato no filme Entre os Muros da Escola(Frana, 2008.Direo: Laurent Cantet. Roteiro: Robin Campillo); Maria Preta um exemplode devir-poesia ao recitar oralmente um poema de sua autoria no documentrioBB Educar: Turma Maria Preta(Direo: Cristina Digo e Vladimir Flix.

    Fotografia e Imagens: Maria Dias. Roteiro: Vladimir Flix).Os fluxos de desejo procedem por afetos e devires, independente dofato de que essa produo desejante seja atribuda a pessoas, imagens,identificaes, projees, sublimaes, faltas, significantes (GUATARRI, 1995).Desejo concebido como processo de produo do social, produo real deseus objetos, de suas tcnicas de subjetivao e do prprio desejo (ROLNIK,2006). Esta concepo de desejo est associada diretamente economiadesejante, ao inconsciente maqunico, desejo que quer ser s desejo eproduzir-se desejante.

    Por tanto, micropoltica do desejo o processo de produo depaisagens psicossociais e ao mesmo tempo o prprio movimento dessas

    paisagens (ROLNIK, 2006). De maneira que um agenciamento coletivo do

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    desejo constitudo e movido por componentes heterogneos, seja de ordembiolgica, social, territorial, maqunico, imaginrio, gnosiolgico [relativo razodo conhecimento em relao ao sujeito cognoscente, sujeito que conhece],epistemolgico [relativo construo do conhecimento e ao sujeito queaprende] etc. (GUATTARI, 1995).

    A produo da subjetividade em mltiplos devires envolve componentesmacropolticos: sistemas maqunicos econmicos, sociais, tecnolgicos,ecolgicos etc. e micropolticos: inconsciente maqunico, sistemas perceptivos,de afeto, de desejo, orgnicos etc. (BARROS, 2007; ROLNIK, 2006).

    A subjetividade esse socius que produzido e que se produz nafronteira das relaes, na zona de jogo e na zona de sentidos, na intercessoentre a macropoltica e a micropoltica. Macropoltica se refere a relaes maiscomplexas: Estado; Sociedade global; Mdias; TICs, Sistemas econmicos,ecolgicos, educacionais, tecnolgicos, religiosos, em uma palavra:institucionais. E micropoltica se refere a relaes mais elementares,estabelecidas tambm por meio de vnculos afetivos: amizade, casal, scios,

    parceiros, irmos, pai e filho/filha, me e filho/filha, professor aluno, pequenosgrupos.

    Retomando a etimologia da palavra, politiks diz respeitoa tudo que se refere cidade (polis), sendo a arte e acincia de governar o Estado um de seus aspectos. Comesse sentido ampliado, a poltica a forma de atividadehumana que, ligada ao poder, coloca em relao sujeitos,articula-os segundo regras ou normas nonecessariamente jurdicas e legais. No mais pensadaexclusivamente a partir de um centro do poder (o Estado,

    uma classe), a poltica se faz tambm em arranjos locais,por microrrelaes, indicando esta dimensomicropoltica das relaes de poder (FOUCAULT, citadopor PASSOS e BARROS, 2009, p. 151)

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    Se poltica um dilema de onde nasce a crtica, como diz um dosversos do poeta Patativa do Assar6, pensar a subjetividade como socius,numa perspectiva tico-esttico-poltica, implica fazer interveno na realidadede um grupo por meio da problematizao dos processos grupais institudos.Sabendo que o grupo pode romper com o modo grupo-identidade e devir-grupono sentido de transvalorar normas institudas e se reinventar outro grupo.

    6 SILVA, Antonio Gonalves da. Miudinho e Curioso. In: PATATIVA DO ASSAR: Aqui temcoisa Fortaleza: Multigraf/ Editora, Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Cear, 1994..

    No filme A Menina no Pas das Maravilhas(EUA, 2008. Direo eRoteiro: Daniel Barnz), as cartografias grupais dos alunos de uma escola vocompondo um devir-grupo, mais no teatro do que na sala de aula; no teatro,durante os ensaios e apresentao de um musical: Alice no Pas dasMaravilhas; na sala de aula, basicamente no momento em que h um crculode cultura sobre uma sndrome que afeta uma das personagens, mediado por

    Phoebe Lichten (Elle Fanning), com a participao dos colegas de sala, defamiliares, de professores e da direo da escola. Tambm, no filme Entre osMuros da Escola(Frana, 2008. Direo: Laurent Cantet. Roteiro: RobinCampillo), alunas e alunos de diferentes etnias, enfrentando dificuldades deaprendizagem com o idioma francs, tenses e conflitos na escola, compemuma cartografia grupal que pde devir-grupo por meio da produo de um auto-retrato e da mediao do professor Franois Marin (Franois Bgaudeau), aolongo do ano letivo. Tambm, as mulheres e os homens que participam daoficina em dinmica de grupo e do crculo de cultura sobre a problemtica dagua em Assar-CE, constituem um exemplo de devir-grupo no documentrioBB Educar: Turma Maria Preta(Direo: Cristina Digo e Vladimir Flix.Fotografia e Imagens: Maria Dias. Roteiro: Vladimir Flix).

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    Nos contextos de produo de uma subjetividade capitalstica(DELEUZE e GUATTARI, 1995), que trata de cooptar modos de vida que seconfiguram como resistncia, coexistem processos de subjetivao quemarcam as cartografias grupais ora como grupo assujeitado ora como gruposujeito.

    Situar o grupo entre a clnica e poltica, pressupe fazer da resistnciaaos modos vigentes de saber-poder, uma maneira de pensar a vida e umaforma de intervir na realidade, problematizando os saberes e os lugaresinstitudos, as dicotomias naturalizadas, os momentos de insurreio na histriae os pontos de inflexo dos discursos na composio de certas prticas ecertas paisagens psicossociais (PASSOS, 2007).

    O ethos de submisso mostra o grupo submetido a regras externas e fazda posio subjetiva uma forma de assujeitamento. O ethos do grupo sujeito o da fala irruptiva, movimento em uma ao transgressora de significantessociais dominantes e das regras de assujeitamento, de maneira que o grupocria suas prprias regras e opera com autonomia (PASSOS, 2007).

    De maneira que tomar o grupo como dispositivo de interveno da/narealidade, como espao objetivo-subjetivo que nos faz pensar em movimento enos convida a colocar para funcionar os modos de expresso de subjetividade, o que nos mobiliza a operar processos de desindividuao, experimentao einveno, partindo de uma transformao da realidade para uma produo deconhecimento (PASSOS, 2007; BARROS, 2007).

    Nessa perspectiva tico-esttico-poltica, acompanhar a produo desubjetividade em um grupo tratar de cartografar processos de subjetivaonas mltiplas formas de interao social dentro desse grupo e pensar o ser do

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    grupo (modo-identidade) e o devir grupo (cartografias grupais em movimentospara alm da identidade do grupo), por meio da problematizao desegmentaes e assujeitamentos nos processos grupais e por meio deintervenes na realidade que potencializem movimentos de singularizao,desvios que rompam com relaes de saber e poder cristalizadas epotencializem a criao de novos modos de existncia.

    De acordo com Barros (2007) e Passos (2007), a questo tica refere-se desindividuao e transvalorao na composio das cartografias grupais,trabalhando as matrias de expresso da subjetividade como a transformaoda vida voltada para as diferenas, as ressonncias mltiplas, a incluso, osdesvios e para a produo de novos sentidos. E esttica refere-se experimentao e criao, a composio das cartografias grupais erecomposio de universos de subjetivao.

    Nesta perspectiva,

    singularizar as diferenas criar caminhos entre

    impossibilidades e tocar virtualidades, fazendo proliferarramos de rizoma em que o grupo se transforma para quea intercesso se faa entre estrangeiros-em mim emcontato com os estrangeiros-no-outro (BARROS, 2007, p.324).

    Neste sentido, so exemplos que podemos relacionar a uma posturatico-esttico-poltica: a postura da professora Miss Dodger (Patricia Clarkson)no filme A Menina no Pas das Maravilhas(EUA, 2008. Direo e Roteiro:Daniel Barnz); a postura do professor Franois Marin (Franois Bgaudeau) nofilme Entre os Muros da Escola(Frana, 2008. Direo: Laurent Cantet.

    Roteiro: Robin Campillo); a postura do grupo de alfabetizao de jovens eadultos ao inclinar-se para cuidar Maria Preta e escutar sua poesia no

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    documentrio BB Educar: Turma Maria Preta(Juriti Vdeo Produes.Direo: Cristina Digo e Vladimir Flix. Fotografia e Imagens: Maria Dias.Roteiro: Vladimir Flix).

    Outros exemplos de mltiplos devires: Mirco (Luca Capriotti) devir-cinema, devir-msica, devir-editor de som, devir-ator...; Francesca (Norman

    Mozzato) devir-autora e devir-atriz...; alm de um devir-amizade relacionado scrianas que se envolvem com Mirco e Francesca e um devir-grupo dela e detodas na pesquisa, elaborao, montagem, produo e apresentao da peade teatro no filme Vermelho Como o Cu(Itlia, 2006. Direo CristianoBortone. Roteiro: Paolo Sassanelli, Cristiano Bortone e Monica Zapelli).

    Em cada um dos exemplos anteriores e no exemplo abaixo, trata-se deuma subjetividade que se pe a ouvir o estrangeiro que se produz no encontrocom o outro, que experimente o encontro com o estrangeiro em si, que searrisca em outros modos de composio psicossocial, que se produzheterognea e est comprometida com os processos coletivos que a produzem(BARROS, 2007).

    Barros (2007) nos conta que maio de 1968 (sculo XX) escapa ahistoria, de maneira que os grupos em mltiplos devires interromperam comuma sucesso de fatos e produziram fraturas num modelo de produo desubjetividade que separava lutas polticas de movimentos do desejo. Esteacontecimento traduz uma srie de correntes de pensamento, uma srie demovimentos mundiais marcados por suas especificidades socioculturais, quese ligavam em uma crtica s formas institudas de ser, de se organizar, deviver(p. 242). Mesmo sendo um acontecimento histrico determinado, aruptura que ele produziu pde e pode se irradiar, encontrar ressonncia em

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    uma multiplicidade de acontecimentos invisveis, que esperavam a inveno deformas para sua atualizao(p. 242).

    Para Santanna (2008), 1968 a histria de um fracasso, fracasso pormeio do qual construmos nossa fracassada e vitoriosa trajetria (ClariceLispector citada por SANTANNA, 2008).

    o ano que nunca existiuou o ano que a genteinventou. Um no lugar, caixa de ressonncia que foiParis, que era igual ao que dizem, sendo totalmentediferente. Paradoxalmente, 1968 comeou a acontecerantes e, como todo feito histrico, um fato a posteriori,aconteceu depois: um surto de passeatas, greves eguerrilhas. impossvel pensar nessa data sem citar osBeatles, que surgiram no fim dos anos 1950 e em 1964 jeram internacionalmente conhecidos. Sem lembrar dos

    Hippies (1965), que se apoderaram das ruas de SoFrancisco. Naqueles anos, os Estados Unidos eram umcaldeiro de protestos: negros, ndios, homossexuais,ecologistas, hippes, experincias com LSD e toda sortede drogas, protestos contra o Vietn. A situao nosEstados Unidos, Frana, Tchecoslovquia, Mxico eBrasil era totalmente diversa, penoso reconhecer aps1968, houve um recrudescimento da direita. E o maisdesnorteante como a histria se constri por meio dosfracassados (SANTANNA, 2008)

    Nosso estilo de vida, nosso modo de viver e de produzir nossaexistncia vo adquirindo sentidos na convivncia com os outros mediadospelas vivncias e tambm pelos jogos de saber poder estabelecidos nasrelaes micro y macropolticas. Nesta zona de sentidos, coexistem processosde subjetivao que ora so capturados pela produo de subjetividade vigenteem um dado sistema econmico e ora produzem desvios nos modos de vidaestabelecidos. De maneira que um ente um ser pode devir outro por meiode processos de singularizao que produzam outros modos de existncia.

    A produo desses modos de subjetivao conectados ao devir e multiplicidade implica uma aposta no coletivo, na composio das cartografias

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    grupais como dispositivos para produzir novos processos de constituio desubjetividade.

    Como citar (provisoriamente) este texto:

    FLIX-SILVA, Antonio Vladimir. Subjetividade e Cartografias Grupais: umaperspectiva tico-esttico-poltica. In: Auto-Atendimento UnP. Dinmica deGrupo, 2010.2 julho a dezembro. Recurso Didtico. Natal: UniversidadePotiguar, 2010.

    Bibliografia:

    BARROS, Regina Benevides de, Entrada grupal: uma escolha tico-esttico-poltica (317 - In: Grupo: a afirmao de um simulacro. Porto Alegre: Sulina

    Editora da UFRGS, 2007.

    DELEUZE, Gilles, y GUATTARI, Flix. El Anti Edipo. Capitalismo yesquizofrenia. Traduccin: Francisco Monge. Ttulo Original: L'Anti-Oedipe.Capitalisme et schizophrnie (ditions de Minut, Pars, 1972). SAICF, BuenosAires: Editorial Paids, 1995.

    PASSOS, Eduardo. Quando o grupo afirmao de um paradoxo (11 19).In: BARROS, Regina Benevides de, Grupo: a afirmao de um simulacro. Porto

    Alegre: Sulina Editora da UFRGS, 2007

    PASSOS, Eduardo, BARROS, Regina Benevides de. Pistas do mtodo dacartografia: pesquisa-interveno e produo de subjetividade / Eduardo passos,Virgnia Kastrup, Liliana da Escssia (Orgs.) Porto Alegre: Sulina; Editora daUFRGS, 2009.

    FLIX-SILVA, Antnio Vladimir. Procesos de subjetivacin en el aprendizajede la lectura y la escritura. Tesis (doctorado) Universidad de La Habana,2005.

    ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: transformaes contemporneas dodesejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2006.

    SANTANNA, Afonso Romano de. Maio de 68. In: Correio brasiliense

    caderno C, p. 8 Braslia, domingo, 6 de abril de 2008. Disponvel em, acessado em abril de 2008.

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