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37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA TRADIÇÃO DURKHEIMIANA EM PIERRE BOURDIEU E RANDALL COLLINS: TEORIAS DO PODER E DOS RITUAIS INTERACIONAIS. Autor: Marcílio Jerônimo Júnior SPG02 Teoria social no limite:Novas frentes/fronteiras na teoria social contemporânea 1. Apresentação. O objetivo desse trabalho é contrapor duas visões dentro da mesma tradição da teoria social (a tradição Durkheimiana). Essas visões são a teoria do poder simbólico e das práticas sociais em Bourdieu e a teoria dos rituais interacionais. Diversos conceitos podem ser discutidos nessa bifurcação da tradição Durkheimiana abrangendo aspectos como agência humana, conflito simbólico, poder, oposições entra as noções macro e micro-social, e síntese entre as teorias/tradições da teoria sociológica. Em um de seus trabalhos mais importantes, "As quatro tradições sociológicas" Randall Collins estabelece algumas divisões acerca das possibilidades teóricas e metodológicas no campo da teoria social. No que concerne ao campo da "tradição durkheimiana" (nome que ele estabelece a uma corrente específica muito embora reconheça que autores de períodos anteriores ao de Durkheim façam parte dela) Collins admite duas divisões; uma que possui características mais holísticas e fiéis a concepções funcionalistas que se consolidou na tradição americana da sociologia em especial, nas obras de Parsons e Merton. Uma outra corrente possui uma característica nos desdobramentos a respeito das reflexões de estruturas simbólicas. Essa possui maior parte de sua produção na antropologia clássica de autores como Levi-Strauss e Marcel Mauss, bem como nos trabalhos de Goffman e também com Pierre Bourdieu. No campo dos estudos das estruturas simbólicas podemos colocar duas posições que se contrapõem dentro da tradição estrutural ou Durkheimiana: Uma primeira encontramos exatamente no trabalho de Bourdieu que consiste na teorização do poder simbólico e da formação dos habitus e das práticas sociais. A

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37º Encontro Anual da ANPOCS

OS DESDOBRAMENTOS DA TRADIÇÃO DURKHEIMIANA EM PIERRE

BOURDIEU E RANDALL COLLINS: TEORIAS DO PODER E DOS RITUAIS

INTERACIONAIS.

Autor: Marcílio Jerônimo Júnior

SPG02 – Teoria social no limite:Novas frentes/fronteiras na teoria social

contemporânea

1. Apresentação.

O objetivo desse trabalho é contrapor duas visões dentro da mesma tradição da

teoria social (a tradição Durkheimiana). Essas visões são a teoria do poder simbólico e

das práticas sociais em Bourdieu e a teoria dos rituais interacionais. Diversos conceitos

podem ser discutidos nessa bifurcação da tradição Durkheimiana abrangendo aspectos

como agência humana, conflito simbólico, poder, oposições entra as noções macro e

micro-social, e síntese entre as teorias/tradições da teoria sociológica. Em um de seus

trabalhos mais importantes, "As quatro tradições sociológicas" Randall Collins

estabelece algumas divisões acerca das possibilidades teóricas e metodológicas no campo

da teoria social.

No que concerne ao campo da "tradição durkheimiana" (nome que ele estabelece

a uma corrente específica muito embora reconheça que autores de períodos anteriores ao

de Durkheim façam parte dela) Collins admite duas divisões; uma que possui

características mais holísticas e fiéis a concepções funcionalistas que se consolidou na

tradição americana da sociologia em especial, nas obras de Parsons e Merton. Uma outra

corrente possui uma característica nos desdobramentos a respeito das reflexões de

estruturas simbólicas. Essa possui maior parte de sua produção na antropologia clássica

de autores como Levi-Strauss e Marcel Mauss, bem como nos trabalhos de Goffman e

também com Pierre Bourdieu. No campo dos estudos das estruturas simbólicas podemos

colocar duas posições que se contrapõem dentro da tradição estrutural ou Durkheimiana:

Uma primeira encontramos exatamente no trabalho de Bourdieu que consiste na

teorização do poder simbólico e da formação dos habitus e das práticas sociais. A

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segunda na obra do próprio Randall Collins no que consiste na cadeia dos rituais

interacionais. Abordaremos no aspecto da teoria de Bourdieu a crítica feita por Michel de

Certeau a nível teórico e metodológico, no que concerne ao recorte feito por Bourdieu,

para descrever o campo das práticas sociais mediados pelo hábitus e pelo poder

simbólico.

Certeau realiza a sua crítica da análise de Bourdieu sobre o poder, sobre as

estratégias do poder, e da imposição simbólica a partir do entendimento de alguns fatores

básicos de uma tradição epistemológica que podemos encontrar na obra de Bourdieu, que

é o estruturalismo e o positivismo Frances dentro da sociologia. Dentro desse quadro,

podemos dizer que uma das ressalvas feitas por Certeau no que diz respeito às estratégias

e as práticas na etnologia da Kabilla consiste exatamente na idéia da perda de foco em

uma seqüência de práticas que não podemos atribuir como características de um tipo

específico de práticas regulares, em uma cultura específica. Certeau se mostra mais

disposto a perceber os espaços aonde algumas tradições não são reproduzidas e onde a

violência simbólica não é tanto um postulado a ser colocado como central na análise das

práticas. Ele chama a atenção para uma lógica prática que atua igualmente sobre o

contexto, mas independente do lugar que lhe controlava o funcionamento nas sociedades

tradicionais. Para Certeau a problemática do lugar se sobrepõe a problemática das

práticas.

Dito isto, trataremos em seguida de encontrar em uma outra ponta dessa

bifurcação da tradição da teoria social, um outro modo de concepção teórica a respeito

das práticas sociais que vemos em Randall Collins. Nossa análise vai nos permitir

localizar esse esforço de Collins dentro de um conjunto de possibilidades possíveis; não

apenas como uma alternativa de teoria das práticas sociais e das estruturas simbólicas

em Bourdieu mas como também dentro de uma possibilidade de síntese entre tradições

da teoria social. A importância da abordagem das tradições sociológicas, segundo a ótica

de Collins consiste, além dos aspectos citados acima, em captarmos a origem da

construção de sua teoria da ação social no cotidiano.

Esse é o principal resultado desse processo, os participantes sentem que são

membros de um grupo, com moral obrigações para com o outro. O Objetivo desse

trabalho é portanto, dentro dessas duas concepções de uma mesma tradição sociológica

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(tradição Durkheimiana que tem como foco fundamental a busca da analise das estruturas

simbólicas) buscar uma alternativa na obra de Collins a respeito da relação entre práticas

e estruturas simbólicas, que escape de uma noção de poder como revelada por Bourdieu,

e que reconheça possibilidades de práticas sociais que possam ser analisadas fora do

"recorte" teórico que é identificado na crítica de Michel de Certeau ao trabalho teórico de

Bourdieu.

2. As quatro tradições sociológicas: um mapa do desenvolvimento da teoria

social.

O campo do pensamento que consiste no esforço de teorização acerca das sociedades

humanas, ao qual chamamos de pensamento/teoria social, data de épocas anteriores ao

surgimento da própria sociologia. Essa afirmação nos permite adiantar dois pontos

fundamentais para esse trabalho; o primeiro consiste, desde já em estabelecermos uma

diferenciação entre teoria social e teoria sociológica. A primeira consiste na teorização

acerca dos elementos essenciais da formação das sociedades humanas. Não está inserida

necessariamente dentro do campo da sociologia. Teoria sociológica por sua vez consiste

nesse mesmo esforço teórico, porém dentro de bases teóricas e epistemológicas

estabelecidas da sociologia, enquanto um campo do saber inserido no período da

revolução industrial e científica (dois dos mais importantes alicerces da modernidade) O

segundo ponto consiste na idéia de que os autores que compõem determinadas tradições

não necessariamente surgem no período em que já temos a teoria sociológica enquanto

um campo formado e consolidado. Veremos isso mais adiante tendo como exemplo

essencial a própria tradição Durkheimiana, destaque principal para nosso trabalho.

A sociologia enquanto um campo científico consolidado, desenvolveu desde o seu

advento, um corpo teórico bastante rico. Desde os autores considerados clássicos até a

teoria contemporânea, diversas propostas teóricas/metodológicas foram lançadas,

fazendo da sociologia um leque bastante diversificado de abordagens epistemológicas.

Uma das formas de vermos um mapa seguro acerca das grandes tradições da teoria social

ou da teoria sociológica está na obra de Randall Collins (2009). Encontramos em seu

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trabalho a oportunidade de vermos um recorte original, uma vez que com essa nova

perspectiva, uma espécie de visão binária (sendo esta oficializada ou não) das concepções

sociológicas perde espaço; se anteriormente o dilema da agência e da estrutura conduzia

a um desenho da história da teoria social como dividida em correntes estruturalistas e

correntes da ação individual, encontramos aqui, na obra de Collins Quatro novas

possibilidades de refletirmos acerca dessas tradições. Essas tradições seriam: a tradição

do conflito (aonde temos Marx e Weber como expoentes principais); a tradição racional

utilitarista (que tem em autores da escolha racional a principal referência); a tradição

micro-interacionista (temos aqui a Escola de Chicago como ponto forte); e a tradição

Durkheimiana. Essa ultima será o ponto principal a ser discutido nesse trabalho. Antes de

qualquer comentário sobre esta se faz necessário um pequeno apanhado histórico acerca

desse campo do conhecimento ao qual chamamos de teoria social.

2.1. O surgimento do pensamento social e as suas condições básicas.

Randall Colins (2009) inicia a obra afirmando existirem três paradoxos fundamentais

inerentes as ciências sociais. A primeira delas consiste na contradição entre o mundo

objetivo e as condições que o determinam. Essa contradição consiste na noção de que

quando falamos sobre “ciência” estamos querendo buscar uma visão objetiva sobre

algum objeto, ou sobre o mundo em geral, e não a forma como as coisas deveriam ser, ou

como as vemos subjetivamente. O paradoxo existe no fato de que como agora possuímos

uma ciência social essa objetividade estaria comprometida uma vez que temos agora

bases sociais de uma ciência Social. O que leva a um outro dilema da sociedade que é o

das bases que determinam a relação ao construto dessas mesmas bases. Esse segundo

paradoxo é basicamente o da idéia de que mesmo essas bases são construtos sociais e que

se a ciência social obtiver sucesso alguém poderá escrever sobre essas bases sociais da

ciência.

Esses dois paradoxos vão permear a análise de Randall Colins (2009) acerca das

quatro tradições sociológicas que veremos mais adiante, uma vez que para ele cada uma

delas apresenta contribuições importantes para a teoria social ou teoria sociológica,

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dentro de momentos históricos e contextos específicos em que eles surgem. Collins

(2009) nos mostra em uma obra que possui justamente o título de As quatro tradições

sociológicas que é preciso estar atento as bases sociais de cada uma dessas teorias sem

perdermos o que é possível de ser aproveitado para a tradição sociológica, como também

devemos ficar atentos aos desdobramentos de algumas dessas teorias que encontram

respostas, ou possibilidades de síntese em outras tradições a fim de que encontremos na

sociologia um objeto único. Ele irá detalhar ao longo da obra muito embora, ele aponte

origens mais antigas para o surgimento do pensamento social, e mesmo origens mais

anteriores aos fundamentos básicos de cada tradição sociológica específica.

Ainda no que diz respeito a essas condições sociais objetivas para o surgimento do

pensamento social, Collins (2009) nos mostra que existem duas condições fundamentais

para que seja propícia a construção de um conhecimento/pensamento social objetivo.

1. Uma cultura de racionalização no sentido que Max Weber apresenta, ou seja de

“desencantamento” .

2. O surgimento de uma classe/comunidade intelectual em um período específio

afim de que possam surgir intelectuais capazes de produzir nesse campo.

Os primeiros grandes esforços para se empreender uma forma de

conhecimento/pensamento social datam de 500 A.C na Grécia antiga. Nesse aspecto

podemos destacar a fase “antropológica” da filosofia grega em oposição as escolas

Eleática e de Mileto, que focavam em aspéctos da natureza para explicar o surgimento da

vida. Essa fase antropológica, inicia-se com Sócrates e os Sofistas As primeiras grandes

considerações no campo do pensamento social encontram-se em filósofos como Platão e

Aristóteles. Focavam em descrições valorativas acerca de qual deveria ser o melhor

modelo de sociedade. Esse momento para Collins (2009) teria sido uma das bases para o

desenvolvimento do pensamento social enquanto um conhecimento objetivo. Muito

embora ele não se detenha em algumas contribuições possíveis da filosofia medieval (a

qual ele afirma que representa um período de estagnação da filosofia), para o pensamento

social Collins reconhece que é nesse período que vemos o surgimento do intelectual

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moderno, uma vez que é nesse momento que temos a formação das primeiras

universidades. Isso acarreta na noção de que se devemos ter em cada momento histórico

dotado de um saber sobre a sociedade, a formação de uma classe de intelectuais que

atuam nesse ramo, temos nesse momento a formação das instituições que irão pelos

séculos seguintes ser a casa de formação e que permite a atuação das classes intelectuais.

Do ponto de vista do surgimento da filosofia e da ciência moderna, podemos dizer

que o que ocorreu foi um deslocamento de objetivos, no sentido de que a universidade

deixou de ser um meio para ser um fim em si mesmo. Entre as grandes transformações no

campo do conhecimento, vemos que começa aqui uma tentativa de quebra do monopólio

do saber; inicia-se uma fase de tentativas de tirar da igreja, o controle das universidades e

dos centros de conhecimento. Com a renascença essa vida intelectual passa a ser mais

secularizada. A “racionalização” no sentido de desencantamento do mundo que permite a

Collins (2009) deixar de lado a filosofia daquele período como tendo qualquer

contribuição para o pensamento social, vai começar a ganhar cada vez mais força nesse

momento da história do conhecimento. E é aqui que passamos para mais um capítulo da

história do pensamento social no qual temos o surgimento da sociologia.

2.2.O pensamento social na modernidade e o surgimento da sociologia

Com o advento do iluminismo a noção de que a ciência pode conduzir as sociedades

humanas para o esclarecimento e por conseguinte, para a liberdade e para o domínio das

forças da natureza ganha força. É mais latente a percepção de um conhecimento voltado

para sociedade com uma natureza teleológica: Pode-se falar nesse momento do

surgimento de ciências sociais de fato, mesmo que a sociologia ainda não tenha surgido.

Aqui temos ciências que tratam de questões voltadas pra as relações sociais, mas com

uma natureza típica dos primeiros campos científicos desse momento: com foco no

progressismo, em uma visão teleológica, na noção de que é pelo desenvolvimento das

forças guiadas pela racionalidade e a ciência que é produzida a evolução das sociedades

humanas. Esse é o primeiro corpo de princípios que guiam as ciências humanas no final

do sec. XVIII e XIX.

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Segundo Collins (2009) é a Economia que será vista como a primeira Ciência Social.

Tanto nas obras de Adam Smith em sua “riqueza das nações” como em Quesnay e a sua

Fisiocracia encontramos a possibilidade de refletirmos sobre formas de relações sociais –

ainda que não consideradas como categorias que estudamos hoje na sociologia- que

acarretam em conseqüências para além do campo da economia; Vemos também nesse

período a firmação da história enquanto ciência; as propostas de Hegel e de Marx de

filosofia da história, apontam de fato para uma cientificidade desse campo do

conhecimento, revelando que os processos sociais em contextos historicamente

localizados, são dotados de um tipo de dinâmica que exige um método científico de

investigação, muito embora, como sabemos esses dois autores possuem divergências

claras acerca de suas propostas de filosofia da história.

Vale ressaltar também o surgimento e conquistas da antropologia. No que concerne

especificamente a tradição durkheimiana da teoria social, devemos ficar bastante atentos

aos primeiros esforços de reflexão acerca dos processos rituais no campo da religião e em

outras culturas primitivas. É esse o primeiro diálogo da antropologia clássica com os

escritos de durkheim sobre religiões primitivas e que vai permitir o desenvolvimento em

uma das vertentes da tradição durkheimiana, de um grande conjunto de teorizações

acerca do simbolismo. Esse desdobramento é de grande importância para o nosso

trabalho. Por fim devemos destacar também a independência das ciências sociais da

psicologia. Com Durkheim, as ciências sociais, em especial a sociologia, surgida com

Augusto Comte, ganham autonomia da psicologia, uma vez que agora ela possui em seu

corpo teórico elementos que garantem essa conquista: a noção de que os fenômenos

sociais possuem uma natureza autônoma frente as consciências individuais e que tem

uma natureza suis generis. Nesse momento podemos não apenas falar da sociologia como

campo científico autônomo, mas também nos primeiros elementos que nos permitem o

desenvolvimento não apenas da tradição durkheimiana, como também das outras quatro

tradições sociológicas, que vamos analisar nesse momento.

2.3.Surgimento da sociologia: as primeiras grandes reflexões.

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Tendo surgida a sociologia, vemos ao longo das primeiras décadas aonde

encontramos os primeiros grandes autores, as primeiras grandes obras e as primeiras

grandes divergências teóricas e metodológicas. Vemos por exemplo na obra de Max

Weber a possibilidade de uma primeira polaridade no que diz respeito a o campo teórico

da filosofia que vai opor a sociologia Weberiana e as concepções funcionalistas de

Durkheim. Algumas tradições do pensamento social vão alimentar o campo da teoria

sociológica fazendo com que a sociologia ganhe um corpo teórico mais robusto. Até os

primeiros anos do século XX, já temos dentro do campo da sociologia quatro campos,

teóricos distintos em suas características, e que vai permitir a Collins dizer que essas

serão 4 tradições da teoria social. São elas:

1. Tradição do Conflito

2. Teoria Racional utilitarista

3. Tradição durkheimiana

4. Tradição micro-interacionista

Como afirmamos mais de uma vez antes, vamos buscar entender os

desdobramentos da tradição durkheimiana acerca da teoria sociológica, buscando

contrapor dois campos específicos acerca do que diz respeito ao simbolismo que estão

presentes tanto na obra de Pierre Bourdieu, como na obra de Randall Collins. Assim uma

pequena análise da forma como este ultimo autor citado percebe essas outras tradições

sociológicas se faz necessária uma vez que temos nesses dois pólos citados, propostas de

sínteses teóricas, ou ao menos a abertura para diálogos com outras tradições.

A primeira grande tradição sociológica a ser analisada por Collins (2009) é a

tradição do conflito. Sobre essa tradição é interessante uma passagem D´As Quatro

Tradições... na qual Collins (2009) destaca algumas virtudes desse campo teórico:

A tradição do conflito também trouxe um impacto inovador. Ela começou

no submundo revolucionário e arrancou o véu que enconbre as ideologias.

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O mundo revelado é dramático, conflituoso e pronto para eclodir. No

entanto, a verdade desse mundo é fria e desoladora As realidades

escondidas são economia, a mobilização recursos e as lutas políticas. Não é

o mundo cotidiano de nossas crenças comuns, mas uma realidade ainda mais duramente mundana (Collins, 2009).

Esta tradição não se baseia exclusivamente na idéia de que o conflito existe na

sociedade, mas sim o de que quando esse é explicito, ocorrem relações de dominação.

Não obstante o conflito para esses autores não é um elemento de crise de laços de

sociedade, mas o conflito é o próprio laço constitutivo das relações sociais, e está no

centro de sua dinâmica. Parte-se do princípio de que os homens buscam impor seus

princípios/interesses/regras aos outros criando assim, estruturas de dominação. Os

principais momentos dessa tradição teórica apontam também, para autores que estão

situados em períodos anteriores ao surgimento da sociologia. Como vamos ver, isso se

deve ao fato de que essas contribuições elementares são base dessas escolas sociológicas.

E essas contribuições podem ser vistas nos Economistas clássicos (Smith e Ricardo);

Hegel e a sua filosofia da história; Economia histórica alemã e realpolitik, Marx e Engels

e a luta de classes (que como veremos posteriormente terá uma tentativa de síntese com o

simbolismo na obra de Bourdieu); Nietszche e as suas noções de vontade de potência;

Materialismo Dialético de Engels (uma nova etapa da teoria marxista da história;

MaxWeber e a sociologia compreensiva, as noções de status e poder; Michels e as

Teorias marxistas no imperialismo; Georg Simmel com a filosofia do dinheiro e Karl

Mannheim; Luckacs/Gramsci dando início as primeiras reformulações teóricas internas

ao marxismo; A Escola de Frankfurt; Neomarxismo e neoweberianismo. Entre outras.

Em seguida vemos a tradição racional/utilitarista. Segundo Collins (2009) essa

possui as suas primeiras noções nos escritos políticos de John Locke. Essa tradição em

geral pressupõe a noção de racionalidade individual, admitindo ações motivadas pela

busca de maximização de ganhos (simbólicos e materiais) e redução de custos para esses

ganhos. Esse noção de racionalidade instrumental está presente em Weber e é essencial

nessa tradição da teoria social. A principio, o utilitarismo existia no campo da filosofia e

buscava focar em problemas públicos. A volta do individualismo na sociologia e nas

ciências humanas como um todo se dá pela década de 1950. De início ela também se

mostra como divergente da tradição durkheimiana; Durkheim critica o contrato social

teoria uma vez que essa pressupõe um tipo de noção de relação social contrário as

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concepções de solidariedade que como veremos posteriormente são bastante caras, na

tradição durkheimiana. Além disso, podemos dizer também que essa tradição

racional/utilitarista tem em comum com a teoria do conflito alguns aspectos básicos,

como a relação com a elementos teóricos originados nas escolas da economia clássica, e

o fato de partirem de uma relação de conflito mesmo que no caso do utilitarismo essa se

dê em moldes mais pragmáticos. Essa concepção tem um bom potencial crítico de

instituições públicas como analise de das ações de agentes políticos enquanto atores

dispostos a maximizar ganhos, dentro das instituições nas quais eles atuam. Nesse

aspecto vemos bastantes esforços no campo da ciência política a respeito da

racionalidade das instituições. Os principais momentos da tradição racional utilitariata

nós encontramos nas obras de Mandeville: Vícios privados e virtudes públicas, com

David Hume; Hartley Associação das idéias; Adam Smith e seus trabalhos sobre

economia bem como as suas noções de simpatia moral. Jeremy Bentham quando falou

sobre reforma legal utilitarista; John Stuart Mill e a sua ética utilitarista; Bradley e Moore

sobre a ética anti-utilitarista;

Uma terceira tradição da sociologia que merece a nossa atenção é a tradição

micro-interacionista. Essa seria segundo Randall collins uma tradição sociológica

tipicamente americana. Mesmo não sendo a única tradição sociológica americana,

defende-se aqui que esta teria sido a sua contribuição mais decisiva. Essa vertente teórica

possui raízes no pragmatismo e na Escola de Chicago. Nesse momento vemos de fato

uma aproximação com a teoria sociológica, e no contexto específico, os autores que

faziam parte da Escola de Chicago traziam teorias que se colocavam como uma

importante alternativa frente ao domínio parsoniano na sociologia. É importante destacar

também o empreendimento de Alfred Schutz; a síntese teórica, que coloca a

fenomenologia Edmundo Hurssel, a Psicologia Henri Bergson e suas noções de

temporalidade, dentro do terreno teórico da sociologia compreensiva de Weber, foi de

grande sucesso na tentativa de se construir uma teoria sistematizada dos elementos

constitutivos da ação social, da construção do mundo da vida e de noções acerca da

subjetividade. Outros momentos importantes da teoria micro-interacionista estão na

Pragmatismo americano como dissemos anteriormente e no objetivismo Alemão; 1900-

1930; Em autores da Escola de Chicago e da Fenomenologia como Dewey, Colley,

Meed e Husserl; 1930-1960; No Interacionismo simbólico de Blumer, e na

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Fenomenologia social de Alfred schutz; No Existencialismo de Heiddeger e de Sartre;

Nas Teorias do desvio e das ocupações de trabalho de Howard Becker; 1960-1990; Nas

Teoria dos papéis sociais; Na Etnometodologia de Garfinkel; Nas Analises de

Conversação e em correntes da sociologia cognitiva.

3. A tradição Durkheimiana: seus princípios e seus desdobramentos.

Vemos agora aquela que para Randall Collins (2009) é a maior de todas as tradições

sociológicas. A tradição Durkheimiana. Collins demonstra que possui em alguma medida

a noção da importância imensa de Durkheim para a sociologia, uma vez que ele dá o

nome a uma corrente teórica que possui elementos e origens bem anteriores aos trabalhos

desse sociólogo francês (Veja o caso de Montesquieu que faz parte desse grupo) o nome

de Émile Durkheim. A justificativa de Collins (2009) para isso pode ser visto em

algumas passagens na qual ele destaca algumas qualidades existentes nesse autor, que vai

inspirar tantas outras grandes obras da sociologia, como na passagem que em que ele diz

que “trata-se do conjunto de idéias mais original e incomum da sociologia” (COLLINS,

2009).

De fato as concepções que, segundo Collins (2009)atribuem a essa vertente da

tradição sociológica, um maior alargamento da nossa visão dos fenômenos rituais,

também nos permitem enxergar a teoria sociológica com um grau de complexidade

envolvendo estruturas e práticas sociais, relações entre elementos micro e macro-social, o

sagrado e o mundano, a criatividade e a reprodutividade de normas...o universo a ser

explorado na tradução durkheimiana abre possibilidades que diferente de tradições que

possuem divisões fixas e separadas como na tradição do conflito nos revela um contato

maior com elementos antagônicos:

“A tradição que veremos agora é, ao contrário, a tradição das excitações

genuínas. Aqui também há uma realidade mais superficial e uma outra mais

profunda. Mas, nesse caso, a superfície é constituída, pelos símbolos e

rituais, e bem no fundo estão a racionalidade e o subconsciente. Essa tradição intelectual enfoca temas como as forças irracionais, a moralidade,

o sagrado, o religioso – e declara que tudo isso constitui a essência de tudo

o que é social. Os durkheimianos conduzem-nos para uma selva; mas essa

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selva somos nós mesmos, uma selva da qual, nunca conseguimos escapar.

Os tambores estão retumbando, as videiras se enredam em nosso redor, os

laços emotivos nos animam – e isso é mais do que esse mágico espetáculo

que chamamos de vida” (Collins, 2009).

Collins (2009) demonstra aparentemente, que possui uma predileção por alguns

dos aspectos específicos da tradição Durkheimiana. Como dito anteriormente, em

especial na introdução desse trabalho, podemos apontar uma bifurcação dentro da

tradição que recebe o nome de Durkheim: uma delas que terminou por se caracterizar por

uma sistematização bastante complexa do pensamento estrutural funcionalista, presente

especialmente na obra de pensadores norte-americanos como Talcott Parsons e Robert K.

Merton. A outra ponta dessa tradição revela uma preocupação maior dos autores para

com concepções como o sagrado, os processos rituais, a religiosidade, e práticas de

natureza micro-social. A princípio vemos que as principais contribuições nesse aspecto,

vem de autores vinculados a antropologia em geral a autores clássicos como Mauss.

Collins percebe que mais posteriormente pode-se falar em uma possibilidade de diálogo

entre a sociologia e essas perspectivas antropológicas acerca dos rituais. Contudo o autor

nos revela que essa separação entre esses dois campos do conhecimento nem sempre foi

tão rígida; Collins (2009) nos mostra que apesar das contribuições de Durkheim serem

oficialmente dadas no campo da sociologia o diálogo com a antropologia sempre foi

presente em seus escritos; “Se a visão de Durkheim acerca da vida social é exótica, isso

se deve ao fato de que ele não fez distinção entre Sociologia e Antropologia.

Institucionalmente, a separação entre essas duas áreas era menos rígida na universidade

francesa do que em outros países. Durkheim e seus seguidores utilizaram o termo

“Etnologia” para se referir a descrição empírica das sociedades tribais, enquanto

“sociologia” significava a análise teórica de qualquer sociedade, tribal o moderna”

(COLLINS, 2009).

De qualquer forma, todos os elementos, ou insights mais relevantes que serão

desenvolvidos, seja pelos durkheimianos da tradição da teoria social americana, como

pelas reflexões antropológica acerca dos rituais e do simbolismo se mostram presentes no

trabalho de Durkheim; aspectos como a densidade social, solidariedade orgânica, divisão

social do trabalho acabam sendo o ponto de partida inicial para noções das sociedades

modernas enquanto formas de sistemas, como podemos ver nos escritos acerca de

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sistemas sociais em Parsons, bem como em reflexões sobre estruturas sociais em Merton.

Por outro lado, temos nos escritos sobre religiões primitivas em Durkheim o primeiro

passo que vai construir uma linha de autores que aprimoram as discussões acerca de

processos simbólicos e rituais. De ambos os lados é fundamental que nós destaquemos

uma palavra essencial para o funcionamento das sociedades, seja de natureza moderna ou

primitiva: essa palavra é coesão. Collins é claro ao afirmar o peso desse conceito na

reflexão durkheimiana: “A contribuição mais valiosa de Durkheim consistiu na

formulação da questão mais básica da sociologia: o que mantém uma sociedade unida?

Parsons posteriormente se referiu a essa questão como o problema de ordem social.

Como de costume, Durkheim afirmou que esta não era meramente uma questão

filosófica, mas uma questão que poderia ser resolvida empiricamente, com a utilização

do método de comparação sistemática. Nós não perguntamos simplesmente por que há

ordem em vez de caos, mas examinamos os diferentes tipos de graus de ordem social e

buscamos suas correlações” (COLLINS, 2009). Para Durkheim a busca de um

mecanismo que une a sociedade e permite seu funcionamento era a missão fundamental

da sociologia:

Trata-se de uma busca por um mecanismo básico ou, se preferirmos, pela

cola que mantem as coisas unidas. A questão abstrata pode ser desmontada

em diversas questões subsidiárias que se referem aos diferentes padrões

sociais existentes. Mas ela também unifica a Sociologia em torno de uma

saga em busca de uma teoria geral, uma vez que ela não deveria ser um mero conjunto de pesquisas de problemas particulares históricos. Todos os

mecanismos especiais encontrados deveriam ser correlacionados a um

mecanismo fundamental, em relação ao qual os mecanismos particulares

constituiriam simples variáções. Durkheim não apenas afirmou que a

Sociolgia deveria empenhar-se na busca por tal mecanismo, como

acreditava tê-lo encontrado (Collins, 2009).

No que concerne ao desenvolvimento da tradição durkheimiana que ocorre nos

Estados Unidos, algumas grandes conquistas não podem deixar de ser colocadas aqui,

mesmo por que, como veremos adiante algumas tentativas de diálogo entre essas

teorizações do estrutural-funcionalismo de Parsons e as teorizações acerca de estruturas

simbólicas vai ser apresentada por Bourdieu, em sua teoria do poder simbólico. Além

disso, não seria uma imprudência apontarmos Tallcot Parsons como sendo o primeiro

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pensador de síntese da sociologia. Temos na obra dele pela primeira vez a teoria social

enquanto um campo autônomo dentro da sociologia em termos de relação entre teoria e

pesquisa empírica. Parsons reuniu alguns elementos essenciais da sociologia em seu

campo teórico mesmo os mais antagônicos com relação à ação individual; De Durkheim

que entendia uma ação “fora” dos deveres atribuídos pela vida moral como uma anomia,

e de Weber que reconhecia a ação utilitária e instrumental como fator constitutivo ou

mesmo construída pela cultura moderna. Esses não são os únicos pensadores que vão

aparecer na síntese realizada por Parsons. O dilema da ação e da ordem é resgatado de

correntes da filosofia, e aparece também em autores que estavam dedicados a área da

economia.

O aperfeiçoamento da relação entre ação e ordem que ele procura sintetizar na

Estrutura da ação social vai ganhar contornos mais detalhados no segundo momento da

obra de Parsons representado especialmente na obra The Social Systems. Mas esse novo

empreendimento de Parsons, mais detalhado e mais sofisticado, que o anterior terá

algumas conseqüências contrárias para as suas pretensões originais no inicio de sua obra;

o problema da ação e da ordem que Parsons tenta solucionar, e que era um problema

existente desde alguns clássicos da filosofia política como em Thomas Hobbes, e que na

primeira fase de sua obra possui uma conservação da noção de ação voluntária termina,

segundo seus críticos por se desviar de sua natureza original. A ação nesse momento

passa a possuir um vinculo com subsistemas que abrangem a cultura, as normas, e outros

aspectos relevantes, em oposição ao momento anterior aonde o encontro entre ação e

ordem tinha como ponto essencial a sua relação com as normas. Parsons irá receber mais

tarde críticas especialmente de autores vinculados etnometodologia como Garfinkel,

pelo fato de em “The Social systems” ele ter dado pouca ênfase na voluntariabilidade da

ação e de ter tornado o ator social um ser que apenas responde aos sistemas. Mas para

Collins os problemas não param nesse ponto. Collins (2009) diz que,

Embora sua concepção básica sobre a sociedade seja durkheimiana, seu

método é mais próximo ao daqueles que Durkheim criticou. Parsons não

apresenta as causas de nada, apenas faz um trabalho de mapear um

esquema conceitual. Com efeito, ele apresenta uma descrição da sociedade

somente em um nível muito abstrato, em vez de explicá-la, tal como o o

contemporâneo de Durkheim Albert Schaeffle, que apresentou um grande

numero de informações sobre as sociedades, nitidamente categorizadas de

Page 15: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

acordo com a parte do “corpo” ela era análoga no grande organismo

social(Collins, 2009).

Quanto a comparação dele com outro grande autor desse campo da sociologia

americama Collins nos diz que,

Talcott Parsons produziu uma teoria mais macro do que o funcionalismo de

“médio-alcance” de Merton. Para Parsons, a entidade crucial era sempre o sistema social como um todo, e ele desenvolveu a análise extremamente

complexa ao categorizar seus vários setores e subsetores funcionais. Sua

obra é cheia de esquemas, com quadros que se dividem em células que se

interconectam para demonstrar as várias relações funcionais(Collins,

2009).

Robert K. Merton que podemos definir como uma espécie de “aluno” de Parsons

trabalha com a mesma linha teórica de Parsons que é o funcionalismo. Parsons não deu

uma grande atenção ao tema da ação que escapa das normas e dos objetivos culturais

compartilhados, em seus escritos, pelo menos naquilo que nós compreendemos como o

“essencial” de sua obra. Merton retoma de Durkheim o termo “anomia” para dar base a

sua teoria sobre o desvio e a criminalidade. Durkheim não deixa claro em sua análise da

Divisão social do trabalho, as conseqüências exatas, da ação desregrada e anômica, mas

deixa clara a possibilidade desta gerar alguma espécie de mudança social. Merton

estabelece tipos específicos de mudança possíveis a partir da transgressão, Segundo a

combinação entre a possível ausência de recursos possíveis para se atingir um objetivo, e

as normas estabelecidas. O aspecto da mudança é reconhecida por Merton, como

conseqüências latentes e não intencionais da ação, ou seja; a transgressão citada pode

possuir um valor em termos de condutor de uma mudanças das normas, ou de uma

morfologia das instituições, mas as consequências da mudança nunca são

necessariamente planejadas pelos agentes.

3.1. Desenvolvimento na antropolgia: Simbolismo e rituais

Se aquele primeiro conjunto de reflexões sociológicas do sec. XX que

aproveitavam a tradição Durkheimiana foram fundamentais no sentido de serem as

Page 16: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

primeiras grandes noções de modernidade enquanto um tipo de sistema integrado, que irá

ter bastante semelhanças com concepções frankfurtianas, em especial com teorizações de

Habermas, um outro conjunto de aspéctos vai ser apresentado e desenvolvido mas no

campo da antropologia. a importancia de aspectos morais, em situações que não são de

natureza macro-social; elementos considerados de natureza não-racionais como a

religiosidade; a solidariedade produzida pelo campo do sagrado; a produção de rituais

fundamentais para a manutenção de hierarquias em sociedades primitivas; a produção de

significações em um nível não de consciencia individual, mas coletivo; ritos de passgem

como formadores da subjetividade e de práticas sociais; elementos essenciais presentes

na consciência coletiva compartilhada; criatividade na produção de rituais de interação. É

nessa linha que está separada do mainstream da sociologia, nesse momento, muito

embora andasse bastante unida com a ciência sociológica nos escritos de Durkheim é

mantida, desenvolvida, aperfeiçoada e sofisticada na antropologia. Antes de Durkheim

porém, devemos elencar alguns episódios importantes do desenvolvimento da filosoffia

do sec. XX, que abarca concepções conservadoras e anti-revolucionárias, as reflexões de

Comte, antes de vermos como foi apropriada pela sociologia de Durkheim todo esse

arsenal. Para Collins (2009), “os antropólogos forneceram uma poderosa munição para a

tradição sociológica nascente. A prioridade da sociedade em relação aos indivíduos toma

a forma de sentimentos morais: vínculos fortes e não racionais a religião, á família e a

própria sociedade. A ênfase na fé e na lealdade já pode ser encontrada na obra de Comte,

especialmente em sua última fase, quando sua “Filosofia Positiva (isto é científica)”

estava começando a se converter em um culto da humanidade, tendo o próprio Comte

como seu maior pastor. Esse também era o principal tema de Louis de Boland e Joseph

de Maistre, aristocratas reacionários que escreveram em 1820, e cujas polêmicas

antirevolucionárias tomaram a forma de uma violenta defesa de uma igreja oficial. O que

Durkheim fez foi converter essas afirmações ideológicas em uma teoria sobre como a

solidariedade pré-racional é gerada: o mecanismo do ritual, que é mais claramente

exemplificado na religião, mas que também se faz presente em outras áreas da vida

social” (COLLINS, 2009).

Não é possível esquecer também a grande contribuição de outro grande autor,

mas em um campo distinto: O historiador Fustel de Coulanges. Para Collins (2009) esse

seria um dos mais negligenciados predecessores de Durkheim. É de grande importância

Page 17: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

para Durkheim, a forma como Coulanges em suas reflexões acerca das sociedades

antigas em especial Grécia e Roma, os rituais religiosos como base, não apenas da

formação das famílias aristocráticas, mas da sociedade como um todo. Para Collins

“Fustel não era um sociólogo no sentido estrito do termo, como o sociólogo que

Durkheim se tornou ao desenvolver os insights de Fustel até torná-los generalizações

abstratas, embora Fustel tenha declarado com convicção que a história é uma ciência, não

meramente uma arte. No que se refere ao seu modelo propriamente dito, Durkheim o

“virou de cabeça pra baixo”, explicando as idéias religiosas pela estrutura social e não ao

contrário”. Em seu último livro As formas elementares da vida religiosa de 1912,

Durkheim busca “secularizar” noções acerca do sagrado: Deus não seria uma realidade

transcendental, mas símbolo máximo de unificação da sociedade por meio de um tipo de

poder central. Reconhece, assim como pensadores conservadores como Joseph De

Maistre, porém que a religião é o fundamento moral da sociedade e que não podemos

viver sem o respeito ao cristianismo tradicional”.

Dois possíveis expoentes da tradição antropológica que podemos mencionar aqui,

que estão em pólos opostos caracterizados pelo sagrado de um lado e pelo individualismo

cotidiano em outro, sem sair dessa linha de reflexões acerca de símbolos e de rituais, são

Lloyd Warner e Erving Goffman. Warner, para Collins (2009), trouxe a perspectiva

durkheimiana para a moderna sociedade estratificada, ao apresentar seus rituais.

Tendemos a considerar a sociedade moderna como sendo racional e secular. O trabalho

de Warner nos mostra que podemos vislumbrar as sociedades, mesmo as modernas e

percebermos que os rituais estão por toda a parte. O cristianismo enquanto uma

comunidade religiosa deve ser submetido ao mesmo tipo de análise segundo Warner: a

análise dos rituais e das cerimônias que reúnem uma comunidade e lhe atribuem uma

identidade simbólica.

Por outro lado, encontramos Erving goffman, que trouxe a questão dos rituais

para um campo das relações/interações micro-sociais, em especial no livro “A invenção

do eu cotidiano”. Goffman nos trás a metáfora do teatro; o individuo no cotidiano usa de

“representações” teatrais em suas conversações, diálogos, escolhas, padrões de

comportamento no meio social. Como nos mostra Collins, “Os rituais, portanto são

performances. Eles não tem apenas conseqüências sociais – criando imagens, idéias sobre

o eu das pessoas, negociando laços sociais, controlando os outros -, mas eles também

Page 18: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

requerem alguns recursos, tanto propriedades materiais quanto habilidades culturais. Eles

mantém uma sociedade unida, mas fazem isso de um modo mais estratificado. Rituais

são armas que sustentam e renegociam a estrutura de classe. Eles apenas criam o eu, mas

classificam os diferentes tipos de “eu” em diferentes classes sociais”. Essas

representações seriam o ponto de análise dos rituais dentro da obra de Goffman, uma vez

que, como nos mostra Collins, a análise dessas representações teatrais, constituem em

uma continuidade do argumento Durkheimiano. Em especial, vemos os rituais aqui,

mesmo que num outro campo de uma esfera não-sagrada, o elemento de coesão que une

agentes sociais. Nas suas concepções sobre representações cotidianas,

Goffman não está sendo cínico, embora muitas vezes ele tenha sido

equivocadamente interpretado desse modo. Ele está seguindo explicitamente o argumento de Durkheim, segundo o qual, na sociedade

moderna, os deuses dos grupos isolados deram lugar a adoração de único

“objeto sagrado” que todos temos em comum: o eu individual(Collins,

2009).

Dessa forma, podemos ver que nos processos rituais uma diferença entre as

sociedades modernas e sociedades mais primitivas, temos uma substituição do objeto de

culto. O “eu” é o ser pelo qual construímos os rituais de interação sociais; o que nos

permite uma multiplicidade de possibilidades e espaços pelos quais podemos pensar

sobre produção de rituais, para além do campo religioso; todos os espaços que reúnem

pessoas, interagindo, se comunicando, dotado de uma estrutura simbólico que é regida

por normas e regras, pode ser objeto de análise sociológica ou antropológica, uma vez

que são espaços que acarretam uma grande diversidade de “repersentações” e/ou de

rituais de interação. O foco fundamental de Goffman nesse sentido, consiste em

demonstrar que dentro da multiplicidade de ações sociais, podemos enxergar processos

rituais. Collins (2009) reforça a importância de Goffman:

As interações rituais são armas que as pessoas utilizam para marcar pontos:

fazer os contatos certos, causar embaraço ou até mesmo destruir os rivais, para afirmar a própria superioridade social. Crenças e objetos sagrados são

criados pelos rituais: nas sociedades tribais (ou em igrejas) é o ritual que

cria deus ou o espírito; nos encontros cotidianos, o ritual cria o eu. Para

durkheim, um ritual é um tipo de configuração de seres humanos que

voltam seus corpos, sua atenção e suas emoções para a mesma direção.

Goffman acrescenta uma observação ainda mais materialista; os rituais são

análogos ao teatro. Nós realizamos performances, mas elas exigem a

Page 19: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

utilização de um figurino e de um cenário reais: roupas, o palco, uma

platéia e um lugar onde os atores podem guardar seus equipamentos

(Collins, 2009).

Temos aqui, dentro da tradição durkheimiana uma linha de autores, que possuem

de forma bastante desenvolvida uma teorização acerca dos processos de interação e de

organização de diversos espaços sociais por meio da construção de rituais e pelo uso de

estruturas simbólicas. É aqui que iremos iniciar a discussão central desse trabalho:

falaremos dos desdobramentos dessa segunda bifurcação dessa tradição teórica em dois

autores que não apenas, possuem um rico material de debate acerca do simbolismo nas

práticas sociais, como também abrem possibilidade para síntese teórica na teoria social.

Falo nesse momento de Pierre Bourdieu e de Randall Collins. O diálogo que venho

propor consiste em vermos duas possibilidades de refletirmos acerca da distribuição dos

símbolos em diferentes práticas sociais, uma enxergando as estruturas de poder enquanto

formas de poder simbólico, sobre as práticas; a outra vemos ações a nível micro-social,

enquanto formas de processos interacionais/rituais. Primeiramente iremos nos concentrar

no esforço de Pierre Bourdieu em termos de síntese teórica, e de reflexão acerca das

práticas sociais. Descrevermos as qualidades e limitações da teoria de Bourdieu será um

ponto fundamental na comparação das duas teorias citadas.

4. Bourdieu e o poder simbólico: símbolos, práticas e a crítica de Certeau

Ao lado de pensadores como Parsons, Giddens e Habermas um dos pontos mais

característicos da obra de Pierre Bourdieu consiste síntese teórica que este buscou. No

que concerne ao fato de que estamos trabalhando com Bourdieu no modo como Collins

concebe a sua obra – sendo parte da tradição durkheimiana – podemos apontar dois

pontos importantes: o primeiro é que Bourdieu, tendo a sua formação na área de

antropologia possui uma grande influência de Levi-Strauss e outros pensadores clássicos

da antropologia. Nesse sentido podemos apontar as verdadeiras fontes estruturalistas que

encontramos em Bourdieu (1974). Não obstante podemos encontrar nele um diálogo com

Goffman e outros pensadores na antropologia, aonde Bourdieu (1974) busca dar

Page 20: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

continuidade acerca de noções de estruturas simbólicas. O segundo ponto a ser tratado

consiste exatamente na idéia de que assim como Parsons, Bourdieu é um dos teóricos de

síntese mais ambiciosos e complexos que podemos encontrar na sociologia.

O trabalho de Parsons, também não é ignorado por Bourdieu (1974); sua

compreensão de “campo”, possui algumas similaridades que podem nos permitir

comparações com as concepções de sistemas sociais de Parsons. Nesse sentido podemos

dizer que de alguma forma Bourdieu (1974) buscou trazer para o seu trabalho teórico o

principal daquilo que encontramos nas duas vertentes da tradição Durkheimiana: a busca

de compreender a realidade social enquanto forma de sistema integrado por meio da

articulação entre os campos simbólicos que vemos fortemente na sociologia estrutural-

funcionalista dos Estados Unidos, bem como o desenvolvimento teórico acerca dos

símbolos presentes nos campos e a forma como eles são inseridos nos corpos e nas

consciências individuais, enquanto forças controladores das práticas sociais. É nesse

aspecto que em Bourdieu (1974) constroe-se uma concepção de estruturas sociais

“estruturadas e estruturantes”. As estruturas são estruturadas no sentido de que é pela

composição dessa organização simbólica em cada um de seus campos, que percebemos a

estrutura de poder de modo mais complexo; por outro lado as estruturas são estruturantes,

uma vez que elas conduzem todo o conjunto de práticas sociais encontradas nas

sociedades.

Em Bourdieu (1994) encontramos o tema do poder observado sob outro angulo. A

explicação sobre a origem das estruturas de poder (estruturadas e estruturantes, por

possuírem uma relação dual com a ação individual em moldes próximos a analise

Giddens) O desenvolvimento de um tipo de economia que constitui a formação das

classes sociais nas sociedades capitalistas acompanhado do surgimento de uma nova

cultura que produz bens simbólicos seria constitutiva do Habitus, que seria um conjunto

ou um sistema de disposições inscritas corporalmente semelhante à noção de disciplina

corporal existente na teoria de Foucault. Os rituais que permitem a formação dos sujeitos

e seu posicionamento na sociedade são longos e violentos. Segundo Bourdieu (1994):

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“O processo de transformação pelo qual alguém se torna mineiro,

camponês, padre, musico, professor, ou patrão, é prolongado, contínuo,

insensível e, mesmo quando sancionado por ritos de instituição (no caso

da nobreza escolar, a grande separação preparatória e a prova mágica do concurso), exclui, salvo alguma exceção, as conversas repentinas e

radicais: começa desde a infância, quiçá antes mesmo do nascimento (o que

se pode observar de modo privilegiado nisso que por vezes chamamos

“dinastias – de músicos, empresários, pesquisadores etc. -, mobilizando o

desejo – socialmente elaborado – do pai ou da mãe e até de toda a

linhagem); e prossegue, a maior parte do tempo sem crises nem conflitos –

o que não o torna isento de todo tipo de sofrimentos morais ou físicos os

quais, enquanto provas, fazem parte das condições de desenvolvimento da

Illusio; de todo modo, nunca é possível determinar quem faz a escolha a

rigor, se o agente ou a instituição; nunca se sabe quando o bom aluno

escolhe a escola, ou se essa ultima o escolhe, pois tudo em as conduta dócil evidencia o quanto ele a escolhe” (Bourdieu,1973: 201)

Essa análise é particularmente melhor detalhada em A Economia das Trocas

Simbólicas. Bourdieu prosseguiu em seu esforço teórico sobre O “Habitus” em outras

obras mas esse conceito ganha mais abrangência em Meditações Pascalianas, onde

observamos o poder em campos que se encontram para além da produção de bens

simbólicos e da arte. A complexidade das analises de Bourdieu (1994) aqui, é maior visto

que em um momento o poder parece se inscrever nos corpos dos indivíduos em outros o

poder parece exercer controle sobre as mentes e as emoções. O Habitus, de cada

indivíduo corresponde ao contato entre este e o campo simbólico que corresponde ao

contato com as instituições, os bens simbólicos que produzem e reproduzem padrões de

um “agir” específico. Em uma outra passagem de Meditações Pascalianas, Bourdieu

(1994) Prossegue:

“O poder simbólico só se exerce com a colaboração dos que lhe estão

sujeitos por que contribuem para construí-lo como tal. Contudo, seria bem

perigoso deter-se nessa constatação (com o construtivismo idealista,

etnometodológico ou qualquer outra abordagem): essa submissão tem

muito pouco a ver com uma relação de “servidão voluntaria” e essa

cumplicidade não é concedida por um ato consciente e deliberado; ela

própria é o efeito de um poder, que se inscreve duravelmente no corpo dos

dominados, sob a forma de esquemas de percepção e de disposições (para

respeitar, admirar, amar etc.), ou seja, de crenças que tornam sensível a certas manifestações simbólicas, tais como as representações públicas de

poder” (Bourdieu, 1973:208)

Nessa concepção pode-se observar uma natureza dupla das estruturas sociais que

seriam para Bourdieu (1974) estruturas “estruturadas e estruturantes”. Como ponto de

convergência nessa analise podemos apontar que o corpo onde o poder é inscrito e é

Page 22: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

reproduzido. Em autores que possuem uma visão de poder sobre os corpos similares a de

Bourdieu, como Foucault por exemplo, o aparato institucional dotado de tecnologias e

dispositivos de poder inscreve o controle, a obediência e a disciplina; em Bourdieu, o

campo simbólico constrói o Habitus, sistemas de disposições que levam o individuo a

possuir uma atitude um modo de agir e de se comportar nesse campo específico, que

corresponde as regras do mesmo campo.

As noções de poder simbólico em Bourdieu (1974), receberam algumas críticas.

Julgo pertinente, destacar um diálogo particularmente interessante no que diz respeito a

um tipo de metodologia e de teoria de investigação das práticas sociais que vemos nos

trabalhos de Michel de Certeau (1981). A crítica não é dirigida apenas a Bourdieu:

Certeau demonstra que o erro metodológico que encontramos nos textos sociológicos de

Bourdieu, vemos também no modo como Foucault descreve a sua noção de poder, em

obras como Vigiar e Punir. Apesar de Certeau (1981) não fazer nenhuma espécie de

Síntese entre duas teorias, apresentada em seus interlocutores a fim de ter uma concepção

fechada do poder para iniciar sua teoria da ação cotidiana pelo indivíduo comum,

podemos dizer que a escolha desses dois autores como referencia não se dá a toa; Certeau

(1981) certamente encontra pontos em comum entre os dois autores, elementos que

permitem um diálogo entre ambos; não apenas naqueles aspectos que apontamos – como

a relação entre os métodos de inserção das estruturas normativas, e o corpo como o local

aonde essas estruturas se inserem, bem como a idéia de instituições que funcionam como

forma de complementaridade, como partes de um todo. Mas em todo caso é importante

destacar que um dos pontos em comum que permite Michel de Certeau (1973) começar a

esboçar uma teoria da transgressão, em oposição a esses dois autores é o reconhecimento

de que existe tanto em Michel Foucault como em Pierre Bourdieu o esboço de uma teoria

da prática.

É muito importante que tenhamos nesse momento a percepção da maneira como

Michel de Certeau (1981) buscará encontrar o ponto central nesse campo teórico para que

possamos ter o ponto de partida perfeito da descrição do cotidiano dada por ele. Isso faz

parte, como deixamos claro desde o primeiro capítulo da busca de uma linha coerente

que não apenas foi traçada pelo autor, desde seus primeiros escritos, que consiste na

formação de uma base teórica sólida que se inicia em sua formação na teologia, e na

busca da alteridade como elemento fundamental de suas pesquisas científicas, da crítica

Page 23: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

da historiografia, da crítica das universidades e da cultura tradicional na França até

chegar nesse ponto fundamental que encontramos aqui: a teoria das práticas sociais. Esse

é um ponto que nos interessa muito por que consiste no desenvolvimento do método

descrito por Certeau (1981) para construir a sua teoria, que segundo ele pode-se resumir

na frase “destacar e por do avesso”. Nas palavras de Certeau (1981) o ponto de partida

para isso consiste em apreender dois aspectos da teoria do poder; o panóptico de Foucault

e nas “estratégias” de Bourdieu. Ele nos Diz,

“O primeiro gesto destaca certas práticas num tecido indefinido de maneira

a trata-las como uma população a parte, formando um todo coerente mas

estranho no lugar de onde se produz a teoria. Assim procedimentos

“panópticos” de Foucault, isolados em uma multidão, ou as “estratégias” de

Bourdieu, localizadas entre os bearnêses ou os Kabilinos. Deste modo

recebem uma forma etnológica. Além do mais, tanto num caso como no

outro, o gênero (Foucault) ou o lugar (Bourdieu) que foi isolado é considerado como metonímia do espaço integral: uma parte (observável

por ter sido circunscrita) é considerada como representativa da totalidade

(in-definível) das práticas. Certamente em Foucault, esse isolamento se

baseia na elucidação dinâmica própria de uma tecnologia: trata-se de um

corte produzido por um discurso historiográfico. Em Bourdieu, supõe-se

que seja fornecido pelo espaço organizado pela defesa de um patrimônio:

´recebido como um dado sócio econômico e geográfico. Mas o fato desse

destaque etnológico e metonímico é comum ás duas análises, mesmo que

as modalidades de sua determinação sejam heterogêneas tanto num caso

como no outro”(Certeau 1994 p.133).

O que vemos aqui, é que Certeau (1981), entre todos os conceitos relevantes das

duas teorias em Foucault e Bourdieu, dois que são utilizados como essenciais – e que em

alguma medida abrangem outros aspectos, da relação de estrutura com o corpo – para que

seja feito esse primeiro gesto de “destacar” são os conceitos de “estratégia” na etnologia

da Kabilla e o “Panóptico” da história da prisão. Na verdade como veremos antes esse

destaque não chega a ser um trabalho feito originalmente no momento da oposição de

Michel de Certeau; segundo ele, esse destaque dessas estruturas específicas – o gênero

em Foucault e o lugar em Bourdieu – é feito por ambos na busca de se compreender a

dinâmica específica dos elementos subjacentes e condutores das práticas sociais. O

recorte feito em ambos os casos, seja na dinâmica de uma tecnologia específica, ou de

estratégias de proteção de um patrimônio ambas as estruturas constituem como recortes

na estrutura da realidade e apresentadas nos textos de ambos os autores como sendo uma

Page 24: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

descrição da totalidade. No caso de Bourdieu, podemos apostar na hipótese de que este

seria um caminho inevitável diante da tradição epistemológica da sociologia da qual ele

faz parte (no caso a tradição sociológica francesa com fortes tendências positivistas); no

caso de Foucault, pode-se defender que a tentativa de tirar do sujeito o papel se individuo

agente e constituinte da história termina por fazê-lo buscar sempre a natureza ou a

“alma” da constituição do próprio sujeito. Em todo o caso esse empreendimento termina

por apresentar a própria limitação de ambas às teorias como teorias da prática.

Michel de Certeau (1981) continua o seu empreendimento de construção de uma

teoria das práticas, fazendo exatamente um caminho oposto de seus interlocutores; se no

primeiro passo pode-se dizer que basicamente tivemos um reconhecimento do recorte

necessário para se captar o centro das teorias de Bourdieu e Foucault, nesse momento

busca-se “inverter” a lógica descrita como fundamental as práticas sociais a fim de se

recuperar o que anteriormente havia se pedido para que fosse possível a construção dos

modelos explicativos de Bourdieu e Foucault. Certeau (1981) prossegue na sua

explicação:

“O segundo gesto inverte ou põe do avesso a unidade assim posta em isolamento. De obscura, tácita e distante muda no elemento que esclarece a

teoria e sustenta o discurso Em Foucault, os procedimentos escondidos nos

detalhes da vigilância escolar, militar hospitalar, microdispositivos sem

legitimidade discursiva”, técnicas estranhas as luzes, tornam-se a razão por

onde se esclarece ao mesmo tempo o sistema de nossa sociedade e o das

ciências humanas. Por elas e nelas, nada escapa a Foucault. Permitem a seu

discurso ser ele mesmo e teoricamente panóptico, ver tudo. Em Bourdieu, o

lugar distante e opaco organizado por “estratégias” cheias de astúcia,

polimórficas e transgressoras quanto a ordem do discurso é igualmente

invertido para fornecer a evidência e sua articulação essencial á teoria que

reconhece em toda a parte a reprodução da mesma ordem”(Certeau, 1994

p.133).

Quando foi explicada anteriormente, no diálogo que construímos entre Michel de

Certeau (1981) e Pierre Bourdieu (1974) sobre a relação que esses autores traçam a

respeito da estrutura binária da cultura – popular e erudito – vimos que as críticas de

Certeau para com a intelectualidade que silencia a possibilidade de autonomia da

produção cultural em campos exteriores aquele das universidades e da intelectualidade na

França, podem ser atribuídas e reconhecidas dentro do trabalho de Bourdieu (1974) uma

Page 25: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

vez que este termina por afirmar a não-autonomia da linguagem da cultura de massa.

Aqui quando ele põe frente-a-frente Bourdieu e Foucault segundo conceitos que Certeau

(1981) considera centrais na teoria e na metodologia de pesquisa de ambos, podemos ver

que o problema de se construir uma teoria que termina por não contemplar as práticas

que ficam de fora de regularidades previstas pela dinâmica das estruturas que eles

almejam descrever torna-se a conseqüência grave de uma teoria do poder encontrada

nesses trabalhos. É nesse momento, que a “inversão” de Certeau (1981), constitui-se na

verdade numa tarefa de por a realidade das práticas sociais em seu lugar de origem; o

lugar onde percebemos as práticas discursivas e as práticas “sem discurso” como

constitutivo da construção e da transformação do espaço, e como constitutivo da

possibilidade de resistência do indivíduo comum; é estabelecido aqui o cerne da

diferença de método entre os pensadores que ele dialoga, e que nos aponta para o ponto

de partida necessário para a compreensão das artes de fazer do indivíduo comum, na

produção da cultura no dia-dia; delimita-se aqui o espaço que separa a descrição de uma

relação rígida, complexa, porém limitada que nos explica como o poder se insere nos

corpos dos indivíduos e a etnologia da ação cotidiana. Como é mais uma vez detalhado

por ele,

Mesmo que Foucault se interesse pelo efeito dos seus procedimentos sobre

um sistema, e Bourdieu, pelo “princípio único que tem nas estratégias os

seus efeitos, ambos executam a mesma manobra quando transformam

práticas isoladas como afásicas e secretas na peça-mestra da teoria, quando

fazem dessa população noturna o espelho onde brilha o elemento decisivo

de seu discurso explicativo. Mediante essa manobra, a teoria pertence aos

procedimentos que aborda, embora, considerando uma só categoria da

espécie, supondo um valor metonímico a esse dado isolado e fazendo assim

o impasse das outras práticas, esquece aquelas que garantem a sua própria

fabricação. Que o discurso seja determinado por procedimentos, Foucault

já o analisa, no caso das ciências humanas. Mas também a sua análise,

confirma, pelo modo de produção que atesta, depende de um dispositivo análogo aqueles cujo o funcionamento descobre. Restaria saber que

diferença é introduzida com relação aos procedimentos panópticos cuja a

história é narrada por Foucault pelo duplo gesto de delimitar um corpo

estranho de práticas e inverter o seu obscuro conteúdo em luminosa

escritura” (Certeau, 1994 p.134).

É com base nessas considerações de Certeau (1981) acerca dos trabalhos de

Bourdieu, aonde mesmo admitindo a existência de estruturas de poder, que visam o

controle das práticas sociais, percebe-se que o recorte metodológico realizado por

Page 26: 37º Encontro Anual da ANPOCS OS DESDOBRAMENTOS DA …

Bourdieu, possui limitações. Uma outra contribuição da tradição durkheimiana que

vamos analisar agora, é a contribuição de Randall Collins (2003). Acreditamos, que a

nível tanto de possibilidade de teoria de síntese, de diálogo com outras correntes do

pensamento social, como de uma atualização dos elementos fundamentais dessa tradição

durkheimiana, Collins (2003) nos oferece uma possibilidade de pensarmos nas práticas

sociais, e nas estruturas simbólicas, dentro da dimensão das ações mais cotidianas, de

apreendermos as motivações mais imediatas no nível micro-social, e de vermos mais de

perto sem nos fecharmos em um recorte específico de práticas escolhidas, os elementos

ou características dos processos interacionais.

5. Randall Collins e os rituais interacionais: uma abordagem micro-interacionista

na tradição durkheimiana

Collins (2009) se coloca como um autor que está entre as ultimas contribuições da

tradição durkheimiana. Esta, se dá basicamente pela criação da teoria dos rituais

interacionais. Com ela Collins reaproveita a contribuição de Emile Durkheim, na

sociologia das religiões primitivas, bem como de Goffman, nas representações

cotidianas, e na formação do “eu”. A teoria dos rituais interacionais recupera ainda

algumas contribuições de Durkheim acerca do crime: Durkheim já falava da punição

social como formas de rituais sociais. Collins (2008) usa a cadeia de rituais interacionais

como modelo explicativo do crime e da violência. O que nos leva a pensar também que

nesse tema do crime podemos buscar o encontro entre as duas bifurcações da tradição

durkheimiana: uma vez que sabemos que os desdobramentos da teoria do crime de

Merton (que estaria próximo ao funcionalismo de Parsons) permitiram reflexões bastante

interessantes sobre subculturas delinqüentes, podemos encontrar em Randall Collins

(2008) um entendimento das ações e da linguagem de gangues e de subculturas

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delinqüentes, dentro de uma visão que trabalhe essas condutas também como processos

rituais. Aspectos de natureza macro-social e micro-social se encontram nessa nova

abordagem.

É preciso lembrar aqui mais uma vez: Durkheim é bastante reconhecido pelo seu

trabalho que concebe as sociedades, em especial, as sociedades modernas, por meio de

uma visão holística. Mas é nos seus escritos sobre religião primitiva que começamos a

colher as fontes de sua influencia em Randall Collins (2003). Alguns aspectos como o da

Energia Emocional, ou a concepção de Ritual, remetem decididamente a sociologia

Durkheimiana; encontramos citações da obra de Durkheim, e o reaproveitamento de

alguns elementos desse momento final da obra dele – das formas elementares da vida

religiosa - na teoria dos rituais interacionais (IR). Por outro lado, a natureza micro-

sociológica dessa nova teoria, tem suas outros pontos de diálogo em outras tradições da

teoria social como a tradição micro-interacionista, já descrita nas primeiras sessões desse

trabalho, que tem como grandes expoentes autores da Escola de Chicago. O mesmo pode

ser afirmado acerca da Escola utilitarista, por focarem, em especial a aspectos micro-

sociológicos, da ação da consciência, da linguagem, e da racionalidade individual.

Saindo dessa primeira etapa da investigação da obra de Collins (2009), iremos partir

para uma descrição minuciosa da teoria da Interação Ritual em todas as suas

características, entre elas: a) um grupo de pelo menos duas pessoas estar fisicamente

montada; b) Esse grupo precisa concentrar a atenção sobre o mesmo objeto ou ação, e

cada um se tornar ciente de que o outro age pela manutenção desta foco; c) eles

compartilham de um estado de espírito comum ou emoção. À primeira vista, isso parece

perder o núcleo da definição usual de "Ritual" estereotipados ações como recitar

fórmulas verbais, cantando, fazendo gestos prescritos, e vestindo trajes tradicionais. Estes

são os aspectos superficiais de um ritual formal, que têm seu efeito social apenas para

garantir um foco de atenção mútua. O foco mesmo pode ocorrer de forma implícita em

casos que podemos chamar de rituais naturais. Na medida em que estes ingredientes são

sustentados, acumulam-se outros efeitos sociais (COLLINS, 2001). Esse efeitos sociais

que decorrem desses primeiros pontos apontados abrange o desenvolvimento de uma

linguagem corporal, de um aumento da solidariedade, e do sentimento de pertença dos

indivíduos ao grupo. Esse é o principal resultado desse processo, os participantes sentem

que são membros de um grupo, com moral obrigações para com o outro. Seu

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relacionamento se torna simbolizado pelo que eles concentraram mutuamente durante sua

interação ritual. Subsequentemente, quando pessoas usarem estes símbolos nos campos

do discurso ou do pensamento, eles são tacitamente lembrados do seu grupo adesão. Os

símbolos são carregados de significado social, de experiência de rituais e símbolos de

interacção. Existe também uma flutuação na relevância diária de símbolos. Símbolos

lembram membros para remontar o grupo, seja por ter um outro serviço da igreja, outra

cerimônia tribal, outra festa de aniversário, uma outra conversa com um amigo, ou uma

outra conferência acadêmica. A sobrevivência de símbolos, e a criação de novos,

depende da extensão em que os grupos pode remontar a esses simbolos periodicamente.

Símbolos que são suficientemente carregados de sentimentos de pertença ajudam a

conduzir o indivíduo ao longo de certos cursos de ação, mesmo quando o grupo não está

presente. Símbolos bem carregados se tornam emblemas de ser defendidos contra

profanadores e estranhos, pois eles são os marcadores de limites do que é apropriado, e

bandeiras de batalha para a precedência de grupos (COLLINS, 2001).

Como goffman em suas análises sobre a representação do “eu”, Collins analisa os

rituais interacionais como sendo presentes por toda a parte. É nesse sentido que Collins,

realiza também a sua nova teorização acerca da ação violênta. Em sua obra mais recente

intitulada “Violence” Randall Collins (2008), busca, partindo da idéia de que o que deve

ser colocado no centro da análise são as características da situação violenta, uma ruptura

com alguns conceitos e elementos-chave já famosos a respeito do tema: ao partir de um

conjunto de materiais empíricos colhidos e de instrumentos novos, o autor termina por

desconstruir alguns mitos sobre a violência e propor um novo caminho para o

entendimento desse fenômeno. A reconstrução teórica feita nessa obra, passa

evidentemente por um longo diálogo que se iniciara a alguns anos anteriores, e em

diversos trabalhos nos quais Collins dialogou com outras tradições da teoria sociológica,

buscando encontrar seus pontos em comum, suas diferenças e continuidades.

Trata-se aqui de desenvolver uma análise micro-sociologica das interações de

violência, mas deixando um pouco em segundo plano – ou utilizando-os de maneira

diferenciada - elementos que eram postos como centrais em outras abordagens

(racionalidade individual, a base cultural e social por trás das ações violentas etc). A

originalidade desse tipo de empreendimento sociológico nos leva também a uma reflexão

a respeito dos passos tomados pelo autor, quanto aos aspectos metodológicos de seu

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trabalho e o modo como algumas tradições da sociologia foram sintetizados/combinados

para esse trabalho. Notamos por meio da leitura de Violence que alguns casos apontados

pelo autor como práticas de violência, contém em si, os elementos típicos que se

encaixariam em tradições teóricas diferenciadas. Para cada caso específico citado ao

longo da obra, existe a margem para o uso de tradições sociológicas como a tradição do

conflito, a tradição racional/utilitarista, a tradição Durkheimiana, ou a tradição micro-

interacionista. Contudo o centro da abordagem de Collins consiste na violência enquanto

fruto de um processo situacional, aonde as características da situação de violência a nível

micro-sociológico vão determinar o curso dos acontecimentos. Não se afirma aqui que

aspectos de nível macro-sociológicos estejam plenamente descartados: ao contrário,

Collins (2008) demonstra a combinação entre esses níveis estruturais nos fenômenos da

violência. Além disso, o chamado campo de confrontação de tensão/medo, que ele

descreve na maioria dos capítulos do livro, nos permite encontrar um elemento condutor

da situação de violência que escapa de certos conceitos chave das tradições sociológicas

descritas: Ideologia, conflito, racionalidade, status, moral, cultura etc. Collins (2008)

chama a atenção para a limitação de alguns desses conceitos na abordagem tradicional da

violência.

Enquanto uma atualização da tradição Durkheimiana, mesmo reconhecendo outros

autores importantes que realizam um empreendimento sociológico semelhante ou como

um autor que busca uma teoria social ou sociológica, Collins (2009) enxerga com

otimismo as conquistas dessa tradição teórica. Segundo ele:

No fim das contas, essas teorias sobre o crime terão que ser integradas em

um quadro teórico consistente com o modelo da sociedade estratificada que

começou a emergir neste capítulo. Enquanto isso, essas teorias são

exemplos de quanta vitalidade existe na tradição durkheimiana. Em muitos sentidos, enquanto o conjunto de idéias mais profundas e menos óbvias da

sociologia, a tradição durkheimiana ainda se mantém relativamente secreta

entre os vários trabalhos teóricos e empíricos que estão em curso

atualmente. Seu potencial para unificar a sociologia em torno de um núcleo

comum, em minha opinião, continua mais poderoso do que nunca antes

(Collins, 2009).

6. Considerações finais

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Buscamos ao longo desse trabalho, explicar os desdobramentos e continuidades da

tradição da teoria social da qual Collins atribui o nome do sociólogo francês Emile

Durkheim. Levamos em conta, o fato de que essas continuidades se deram por caminhos

que não se separavam originalmente: Durkheim, como Collins fala, não fazia distinção

entre os trabalho sociológico e o antropológico. Seu legado teve aproveitamentos

distintos nesses dois campos do saber por meio de pensadores que buscaram aperfeiçoá-

lo dentro de cada campo específico das ciências humanas. As conquistas de cada

empreendimento teórico sob influência do pensamento de Durkheim, seja na

antropologia ou na sociologia, não podem ser negadas. Mas diante dos trabalhos dos dois

autores principais que tentamos trabalhar nesse artigo – Bourdieu e Collins – é

importante apontarmos os méritos principais: encontramos aqui, o resgate para a

sociologia das contribuições durkheimianas que a sociologia – em especial a tradição

funcionalista norte-americana – negligenciou de alguma forma, aspectos que foram

desenvolvidos melhor na tradição antropológica. Além disso criou-se a possibilidade real

de um diálogo com outras tradições da sociologia, diálogo que era dificultoso, uma vez

que algumas incompatibilidades ontológicas e epistemológicas se mostravam visíveis, a

tirar como exemplo, as noções de conflito em Marx e Weber, e os conceitos de

solidariedade orgânica de Durkheim.

Em todo caso, julgamos importante reconhecermos algumas vantagens - em relação

ao estruturismo de Bourdieu - no que diz respeito ao aproveitamento recente da tradição

durkheimiana, que aceitamos em Randall Collins, a idéia de uma contribuição mais

incisiva e convincente. Como mostramos na crítica de Michel de certeau – que por sua

vez também buscava uma teorização acerca das práticas sociais/cotidianas – o tipo de

recorte metodológico de autores como Bourdieu, tem como ponto fraco o distanciamento

de um grande número de práticas sociais, de práticas criativas, de inventividade

cotidiana. Dentro de uma visão mais estrutural da sociedade, Bourdieu preocupa-se com

o elemento unificador, o elementar de um raciocínio durkheimiano. Uma forma de

enxergar as relações humanas que remete mais aos modelos explicativos de Parsons, que

como muitos críticos afirmam perde o contato com a voluntariabilidade de ação que era

foco de Parsons nos seus primeiros trabalhos.

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Não apenas por olhar “mais de perto” as ações sociais, de nos possibilitar vermos os

seus recursos dentro do cotidiano, mas por nos permitir assim, como almejava Bourdieu,

um diálogo mais forte entre diversos campos teóricos tanto na antropologia, como na

sociologia, acreditamos que é importante verificarmos esse atual momento da tradição

durkheimiana, que no caso desse trabalho, abordamos Randall Collins, como expoente de

destaque. O potencial para guiar pesquisas empíricas acerca de problemas concretos da

realidade, como a violência, também podem ser aproveitados. O largo alcance de análise,

a possibilidade de verificarmos as relações sociais em diversos campos, por meio dos

conceitos desenvolvidos ao longo da tradição durkheimiana é notável. É difícil discordar

de Collins quanto as suas considerações positivas acerca dessa vertente do pensamento

social.

A afirmação deste autor de que o potencial da tradição durkheimiana “para unificar a

sociologia em torno de um núcleo comum, em minha opinião, continua mais poderoso do

que nunca antes” pode ser bem mais do que uma simples afirmação otimista sobre uma

ciência que pode ter caído num estado de confusão depois de tantas reformulações e

desconfianças sobre propostas epistemológicas ao longo de sua história.

7. Referências

BOURDIEU, Pierre (1974). A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,.

361 p

BOURDIEU, Pierre (2003). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 311 p.

BOURDIEU, Pierre (1997). Meditações Pascalianas. Bertrand, Rio de Janeiro, .

CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano, Vol. 1. Nova ed. / estabelecida e

apresentada por Lote Gia: Vozes, . 351 p.

CERTEAU, Michel de (1994). A invenção do cotidiano, Vol.2. Nova ed. / estabelecida e

apresentada por Lote Gia: Vozes. 351 p.

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COLLINS, Randall (2004). Interaction Ritual Chains. Princeton University Press.

COLLINS Randall(2009), Quatro Tradições Sociológicas. Tradução: Raquel Weiss. –

Petrópolis, RJ; Ed. Vozes.