41º encontro anual da anpocs spg29 religiões e fronteiras

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41º Encontro Anual da ANPOCS SPG29 Religiões e fronteiras: da (re)composição das crenças a (des)regulação dos marcos territoriais ELEMENTOS DA IDENTIDADE BANTU DA NAÇÃO ANGOLA NA COSTA DO DENDÊ Autor: Heráclito dos Santos Barbosa (Táta Luangomina) VALENÇA - BAHIA SETEMBRO, 2017

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41º Encontro Anual da ANPOCS

SPG29 Religiões e fronteiras: da (re)composição das crenças a (des)regulação dos

marcos territoriais

ELEMENTOS DA IDENTIDADE BANTU DA NAÇÃO ANGOLA NA COSTA DO

DENDÊ

Autor: Heráclito dos Santos Barbosa (Táta Luangomina)

VALENÇA - BAHIA

SETEMBRO, 2017

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INTRODUÇÃO

Os estudos afro-brasileiros em geral tem ganhado espaço, cada vez mais, dentro

da academia, seja por meio da criação de disciplinas, cursos de graduação, mestrados ou

doutorados e ou pela compreensão da temática como estruturante para a compreensão das

relações sociais de poder constituídas no/pelo/para o estado brasileiro.

Apresenta-se na sociedade brasileira uma crescente manifestação de interesse

neste campo de conhecimento, tanto o povo de terreiro quanto pesquisadores (não

membro de terreiro) têm se interessado por esta temática. No inicio da sistematização

deste campo e dos seus objetos de pesquisa, os estudos sobre Candomblé eram realizados

por pesquisadores estrangeiros, que não eram membros de espaços afroreligiosos, muitos

deles fingiam ser de candomblé apenas para poder ter acesso a “sociedade secreta”.

Nasci e caminhei (caminho) dentro de uma comunidade de terreiro, onde aprendi

as primeiras palavras e o sopro da vida. Foi no candomblé que fui criado, foi nas jisabas

(folhas) sagradas em que fui construído como homem pelos minkisi e por minha família.

Aprendi cedo a lidar com demandas da liturgia diária do candomblé de angola e do culto

aos caboclos. Aprendi, o que sei hoje, observando meus mais velhos, homens e mulheres

se posicionando dentro do espaço terreiro para à defesa e manutenção deste sistema

religioso que chamamos de Candomblé. Neste espaço geopolítico sagrado fui

entendendo-me como parte de caminhadas que se cruzam e se hierarquizam a partir do

mais velho.

A minha vivência dentro dos espaços religiosos fortaleceu minha formação

humana, foi no terreiro que desenvolvi minha humanidade a partir de uma cosmologia

que não tem como centro o sujeito iluminista. Nomeamos a vida a partir dos princípios

relacionais dos seres entre si, fui, assim construído por uma cultura, adquiri um extenso

grupo familiar que não se resume apenas aos meus parentes biológicos. Na vida

aprendemos a ler e interpretar os sonhos, que, muitas das vezes nos levam à espaços

capazes de desenvolver nossa capacidade de compreender e praticar a lógica da própria

vida que se natureza. Tudo que há no mundo é sagrado, pois tudo partiu de Nzambi, o/a

senhor/senhora supremo/a, Nzambi que não é homem e nem mulher mais sim uma

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potência única, capaz de construir nosso mwtue (a cabeça humana), é a fonte da vida e da

morte e de tudo que há no universo.

Fazendo a militância, aprendi que, também, devemos escrever na primeira pessoa,

como uma posição de onde me manifesto enquanto sujeito pensante e dotado da

capacidade de construção e sistematização do conhecimento, o que diz de um lugar

político, de um exercício de poder e de autoria coletiva sobre as questões do

conhecimento.

Há uma grande questão dentro da universidade, cujo fundamento epistemológico

e político é europeu e, mesmo quando pluralizado, este espaço hierarquiza outras

epistemes a partir de sua matriz grega, retomada pelo iluminismo. Neste sentido, estes

conhecimentos se supõem aptos a orientar e analisar as comunidades, as vidas, as

sociedades. Nessas palavras conduziremos a questão da cosmovisão bantu-indígena

presente no Terreiro Diandelê, localizado na Rua do Cajueiro, Tento, Valença/BA, até a

Comunidade Caxuté, situado em Cajaiba, Valença/BA, que descende deste primeiro.

Tomando licença, bandagira à comunidade que descendo quero mencionar nas próximas

,linhas, que seguem, os cinco elementos (água, fogo, ar, terra e ngunzu) que identifiquei

dentro dos terreiros citados acima, ao longo de minha vivência no candomblé e como

estes se articulam para gerar uma cosmovisão que diferencia e alinha seres, estratégias,

modos e fazeres.

SOBRE OS BANTU

BANTU é um conceito linguístico que foi utilizado por europeus para se referir a

um enorme quantitativo de povos africanos que tinham culturas linguísticas aparentadas.

Bantu é tronco linguístico assim como o Latim que deriva outros idiomas como o

português, o espanhol, dentre outras línguas. Bantu foi utilizado como um termo para

nomear os povos dos reinos que ficavam entre Camarões e Nigéria, Centro e Sul da

África. BANTU é o plural de MUNTU, sendo este ultimo seu singular.

Etimologicamente o dicionário Novo Dicionário Banto do Brasil, organizado pelo

pesquisador e ativista Nei Lopes, a palavra “banto”, no mesmo sentido de bantu é

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definido como: “ Cada um dos membros da grande família etnolinguística à qual

pertenciam, entre outros, os escravos no Brasil chamados angolas, congos, cabindas,

benguelas, moçambiques etc. e que engloba inúmeros idiomas falados, hoje, na África

Central, Centro-Ocidental, Austral e parte da África Oriental. // adj. (2) Pertencente ou

relativo aos bantos ou às suas línguas. Do termo multilinguístico ban-ntu, plural de mu-

ntu, pessoa, indivíduo.

Muntu é ser humano, é a pessoa humana, é um indivíduo único que pertence a um

coletivo extenso de Bantu (pessoas, povos). É falso se afirmar que Bantu é um idioma,

pois os idiomas que estes bantu (povos) falavam constituem este tronco linguístico.

Bantu-indígena é uma categoria politica na qual a Comunidade de Terreiro do Campo

Bantu-Indígena Caxuté tem criado e reivindicado politicamente. Foi por meio da

vivência e união dos povos Bantu que as correntes sanguíneas indígenas e bantu que se

encontram e que uma se uniu a outra formou uma comunidade que resiste ao sabor do

tempo, criando um povo forte, inteligente, criativo, compromissados com seus povos

originários. Caxuté tem se posicionado e reivindicando seus direitos territoriais, seus

direitos ancestrais, seus direitos de viver em meio à natureza e fazer candomblé. As

identidades de povos africanos que se cruzam nos corpos e expressões

ENTRE AS ÁGUAS DE KASANJI

Almira nasceu em Amargosa/BA, migrando-se com seus familiares para o

município de Valença, tornando-se ribeirinhos. Nos manguezais da Baía de Camamu,

Mira começou a ser alvo das manifestações espirituais por ancestrais africanos e

ameríndios aos seus sete anos. Tempos se passaram e entre os seus 17 a 18 anos de idade,

em 14/05/1941, foi iniciada para a nkisi Kisimbi pelo saudoso sacerdote Loyá, Pai

Manoel Menezes recebendo nome religioso de Kasanji.

Em 25 de maio de 1949 foi ordenada sacerdotisa no Candomblé angola,

reconhecida pelo nome de Mãe Mira, tornou-se a “mãe de santo” mais famosa, pela sua

inserção no universo espiritual desde criança, na Costa do Dendê depois de sua mãe

biológica, a Mãe Bela. Anos se passaram e Almira tornou-se um mito histórico pelo luxo,

símbolo de identidade banto, por boa condição financeira, por ter sido delegada da

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Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro e familiaridade no cenário religioso, cultural

e político em Valença e na Bahia. Seu nome aparece bastante referenciado pela oralidade

por sua base espiritual e a crença nos ancestrais africanos e nos caboclos brasileiros

desde sua infância. Foi uma religiosa que se ascendeu na vida, transformando-se em uma

“entidade negra” não só para os filhos da sua casa, mas para o “povo de santo” no vasto

território do Recôncavo da Bahia.

A fundação do Terreiro Diandelê na década de cinquenta por duas mulheres em

uma cidade do interior da Bahia, com “maioria” católica e evangélica, significou, mais

um caso de resistência negra contra os resquícios da escravidão negra no Brasil. Os

candomblezeiros/as foram perseguidos/as por estes seguimentos religiosos cristãos,

sofrendo uma política de invisibilidade das histórias e imagens destes locais. A trajetória

religiosa de Mãe Mira, no Recôncavo Histórico da Bahia, representa o poder das

mulheres negras que afirmaram em suas trajetórias as práticas e a referências culturais e

religiosas de matrizes africanas. Mãe Mira foi a formadora de Mãe Bárbara, Mam´etu

Kafurengá. Mam´etu Kasanji é talvez a primeira pessoa a fundar um terreiro de culto da

Nação Angola na cidade de Valença, na Costa do Dendê, é por meio de sua trajetória que

tomamos licença para conduzir o diálogo que é debatido dentro da Comunidade Caxuté,

que descende de sua tradição.

ELEMENTOS DA CULTURA BANTU PRESENTES DENTRO DA NAÇÃO

ANGOLA NA COSTA DO DENDÊ?

O Território de Identidade e Cidadania Baixo Sul da Bahia, segundo dados

oficiais do Governo do Estado, está composto pelos seguintes municípios: Aratuípe,

Cairu, Camamu, Gandu, Ibirapitanga, Igrapiúna, Ituberá, Jaguaripe, Nilo Peçanha, Piraí

do Norte, Presidente Tancredo Neves, Taperoá, Teolândia, Valença e Wenceslau

Guimarães.

Clima úmido em boa parte do território. Nos chama atenção para o fato

de que este território possui um quantitativo de água muito importante.

Estas águas se concentra em grande parte na Bacia Hidrográfica do

Recôncavo Sul, e a Bacia do Contas passa pela porção sudoeste, entre

Ibirapitanga, Igrapiúna e Camamu. É uma área densa em cursos d’água,

canais naturais, ilhas e terrenos sujeitos à inundação. Os principais rios

são o Camurugi, Choró, Da Dona, Da Passagem, Das Almas, Igrapiúna,

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Jequiriçá, Preto e Una, este desaguando no oceano Atlântico, em

Valença. Os espelhos d’água mais importantes são as lagoas Da

Tabatinga, De Garapuá e Santa, em Aratuípe, Cairu e Ituberá,

respectivamente. (Perfil dos Territórios de Identidade /

Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. --

Salvador: SEI, 2016. 3 v. p. (Série territórios de identidade da Bahia, v.

2). pg: 87)

O território que hoje se chama de baixo sul da Bahia, que congrega a famosa

Costa do Dendê, foi invadido pelos europeus e diversos foram os povos indígenas que

morreram em conflito com os brancos, pois esses não indígenas tentavam escraviza-los.

Muitas mulheres e crianças de diversos grupos étnicos foram estupradas, forçadas a

serem objeto sexual de brancos perversos, cristãos e machistas. Quão ruim e maléfica foi

a escravidão e o processo de extermínio dos povos indígenas das terras brasileiras,

podendo até mesmo sinalizar que este ainda foi e tem sido um dos grandes objetivos

tanto do segmento cristão (será que apenas no passado?) e dos europeus, que a história

está aí para comprovar todos os dados.

Valença e Cairu foram dois dos principais destinos, no século XVI, no processo

de invasão europeia, nestas cidades há um grande quantitativo de monumentos históricos

que foram construídos com mão de obra de nossos povos africanos e indígenas. Os

escravizados foram todos castigados nesse processo de invasão, eles eram obrigados a

carregar imensas toneladas de pedras para construir monumentos como o famoso portal

de Morro de São Paulo, a Igreja do Desterro em Cajaíba, a Igreja do Amparo, a Igreja do

Sagrado Coração de Jesus, em Valença, o Convento de São Benedito em Cairu, dentre

outras construções feitas com materiais pesados que hoje são registros históricos e muitas

delas reconhecidas pelo governo como patrimônio nacional. Por outro lado, há, hoje, uma

grande dificuldade de se tombar também terreiros de candomblé antigos que foram

importantes espaços de combate a escravização promovida pelos europeus, o que nos

deixa claro que a história é um espaço de disputa de poderes e que hegemonicamente, o

que se conta é a história dos invasores.

No início da povoação, os tabuleiros costeiros de Valença, habitados então pelos

índios tupiniquins, passaram a pertencer à Capitania de São Jorge dos Ilhéus, em

conjunto com o Vale do Jiquiriçá. Expulsos pelos índios Aimoré de área

próxima a Ilhéus, os donatários da capitania estabeleceram-se, no ano de 1533,

no arquipélago da atual Cairu, mas, somente três décadas depois, a paz com os

índios permitiu a colonização do litoral entre Guaibim e a primeira cachoeira do

Rio Una, articulando a região, pela primeira vez, com o Recôncavo e Salvador.

pag: 91) (Perfil dos Territórios de Identidade / Superintendência de Estudos

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Econômicos e Sociais da Bahia. -- Salvador: SEI, 2016. 3 v. p. (Série territórios

de identidade da Bahia, v. 2).

A Nação Kongo-Ngola de Candomblé no Brasil, chamada de Nação Angola, é

resultado do tenso encontro entre povos de diversas raças no Brasil. A constituição do

Candomblé dos povos Bantu no Brasil é marcado pela imposição da violência,

exploração de mão de obra de africanos e africanas, pela exploração econômica de

recursos naturais. Este candomblé sofreu muito com o processo de colonização, que foi

marcadamente caracterizado pela exploração da mão de obra de africanos e africanas

escravizados pelos portugueses.

Zygmunt Bauman, um importante intelectual branco, polonês, nos traz uma

contribuição para pensarmos nas questões de identidade. Para Bauman séculos atrás, no

período chamado de moderno, a relação/constituição de sujeitos configurava o que ele

chama de identidades sólidas, cujo estatuto e rigidez se organizada por meio de códigos

fixos e mais estáveis do que o que vivemos hoje, em que este mesmo autor afirma que as

identidades são fluidas assim como a água. Para Bauman o século xxi é caracterizado

principalmente por uma sociedade mundial das identidades que se descongelam e

começam a percorrer por outros espaços não sólidos como outrora.

A presença de seres humanos de denominação linguística bantu, é expressiva no

Brasil, podendo até mesmo afirmar que nosso país, também, é bantu pela presença larga

histórica de negros e negras arrancados de seus reinados para serem aqui escravizados

pelos europeus. A presença identitária de mulheres e homens de regiões de origem bantu

tem marcado por séculos o modo de ser do brasileiro, e principalmente do povo na região

da costa do dendê. A Costa do Dendê respira sua identidade Bantu-Indígena regada aos

elementos da natureza que transforma, com o humano, o meio ambiente num espaço para

viver e resistir a cada dia ao novo processo de colonização pelo capitalismo-euro-cristão-

machista.

Estamos falando de uma região com transformações históricas não representadas

em livros didáticos para as escolas de nosso país. O povo bantu mesmo sofrendo com a

escravização conseguiu planejar estratégias para sempre resistir aos ataques e

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colonização dos portugueses. É com a manifestação dos calundus, dos lundus, do

sincretismo afro católico, dos batuques, dos sambas, das congadas, dos maracatus, das

irmandades, que homens e mulheres de origem bantu conseguiram sobreviver (re)existir

ao estalar do açoite do chicote dos senhores e senhoras de engenhos, da casa grande.

Pouco são os registros sobre os legados e estudos do imenso quantitativo dos

descendentes dos povos bantu no Brasil, após a escravização histórica houve-se um

processo de apagamento da história deste povos, houve a queimas de arquivos que

contariam muita coisa sobre nós brasileiros e nossas origens africanas.

A história do Brasil, ainda que registrada a serviço de grupos

dominadores, nos dá conta de uma anterioridade de vários grupos

étnicos africanos, que hoje são considerados do grupo linguístico Bantu,

como contribuintes na formação do povo e cultura do Brasil. Essas

contribuições estão enraizadas de tal modo, que muitas vezes é difícil

distinguir jeitos, saberes, fazeres legados por esses grupos, uma vez que

são generalizados no campo das “superstições”, do “brasileirismo”. Não

se pode negar entretanto, a evidente contribuição na estrutura e forma

do português falado no Brasil. Entre todas as manifestações oriundas

dos bantu existentes na cultura brasileira, os elementos predominantes e

mantidos em comunidades afro-religiosas que se autodenominam de

“nação angola”, “congo”, ou congo-angola”, ao meu ver, são os que

mais nos remetem a tradições culturais e à ancestralidade bantu.

(PINTO. 2015, p. 150).

Os povos Bantu na região litorânea da Costa do Dendê, no território de Identidade

baixo sul da Bahia, que antigamente era chamado de Recôncavo Sul, vivenciam um

momento muito importante na história do Candomblé de Angola não só da Bahia, mas

como no Brasil. Este povo vem se organizando, estão ativos e criativos cada vez mais.

Para falar sobre os elementos do candomblé de nação angola na Costa do Dendê, iremos

recorrer as vezes em falar de dois terreiros de candomblé na cidade de Valença, que são

de origem Bantu: O Terreiro Caxuté, localizado em Cajaiba, e o Terreiro Diandelê,

localizado no Bairro do Tento, trazemos estes terreiros como possíveis ferramentas para

que possamos desenvolver este texto, ainda não se fará esgotado neste paper.

A Comunidade Caxuté está inserida na região da Costa do Dendê, sendo ela, hoje,

a responsável pela organização de uma militância identitária que no Caxuté tem se

chamado de bantu-indígena. A Comunidade Caxuté tem se empenhado para desenvolver

políticas públicas e comunitárias para os povos de terreiro que estão inserido no contexto

regional e nacional brasileiro, seja por projetos a exemplo das vivências que visam

colocar a sociedade em diálogo com o candomblé angola, inserção de seus membros nos

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espaços das universidades, participação efetiva dentro dos espaços das conferências

públicas, participação em criações de cursos voltados para as comunidades tradicionais

como o Curso de Pedagogia Intercultural Quilombola, que está sendo aprovado pela

Universidade do Estado da Bahia (UNEB), participação dentro de concelhos municipais

com assentos público, buscando elaborar projetos e buscando reconhecimento das suas

ações e das demais comunidades tradicionais afro-brasileiras. A (re)afirmação desta

identidade tem sido o foco principal desta comunidade que se firma enquanto terreiro do

campo bantu-indígena.

A Comunidade de Terreiro do Campo Bantu-Indígena Caxuté, ou Nzo Kwa

Minkisi Nkasute Ye Kitembu Mvila, tem criado estratégias no campo da política

religiosa afro-brasileira, em especial Bantu-Indígena, uma categoria epistemológica

inovadora cunhada por este terreiro que se organiza socialmente para a reafirmação da

união entre os povos subalternizados (pretos, negros, ameríndios, mulheres, pobres, lgbt,

comunidades tradicionais, quilombos e povos da luta pelo direito a terra) no processo da

colonização que se perdura até hoje por meio das estratégias eurocêntricas do saber e

poder que socialmente são validadas cotidianamente em detrimento dos saberes e fazeres

afro-indígenas.

Esta comunidade plural tem se posicionado como um núcleo de articulação

territorial e para isso tem feito importantes alianças dentro do movimento negro e

indígena de nosso país, e uma delas é com a Teia dos Povos1, que tem como principal

objetivo aproximar a luta das comunidades tradicionais, movimentos sociais e militantes

comprometidos com a defesa dos territórios tradicionais, a educação do campo,

agroecologia e a soberania alimentar.

A Comunidade Caxuté, tem manifestado um posicionamento político-ideológico

de enfrentamento ao racismo e aos ataques sofridos pelos povos oprimidos afro-

1

A Teia dos Povos é um Movimento Agroecológico que tem sua criação como desdobramento da I Jornada

de Agroecologia da Bahia, no ano 2012. A Teia luta pelo desenvolvimento, empoderamento e emancipação

dos grupos da militância como os acampamentos, assentamentos, quilombolas, indígenas, mestres dos

saberes e fazeres, pequenos produtores, estudantes, pesquisadores, profissionais em Agroecologia e

terreiros.

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brasileiros, buscando a cada dia forças (ngunzu) e dedicação aos/nos seus ancestrais e

divindades indígenas e africanas. Por meio do intenso diálogo e vivências, intercâmbios,

trocas de experiências e pelo respeito à Comunidade Caxuté, se tornou o primeiro núcleo

do movimento social intitulado Teia dos Povos para o território do Baixo Sul da Bahia,

bem como é membro fundadora do Mutirão dos Territórios do Baixo Sul2, o qual foi

fundado e sediado por esta comunidade bantu-indígena.

IDENTIDADE BANTU-INDÍGENA E ECOLOGIA

É muito interessante a dinâmica de utilização do território do Baixo Sul da Bahia

e da região da Costa do Dendê pela Comunidade Caxuté. Além de filhos e simpatizantes

espalhados por diversas cidades desta região o Caxuté em suas atividades religiosas e

sociais percorre por diversos caminhos do território da Costa do Dendê para promover

ações de afirmação da identidade afro-brasileira, promovendo educação, cultura e

formação de novas alinhaças a cada dia.

Cerca de cem (100) membros da Comunidade Caxuté, em Maricoabo, Valença-

BA, entre bebes de colo, crianças, jovens, adultos e idosos participaram, neste dia 02 de

fevereiro, de um dos mais importantes rituais do Candomblé Angola - Kongo da Costa

do Dendê, o presente a Mametu Samba Kalúnga. O presente ecológico de balaio de palha

de dendê e cipó, contendo alimentos (raízes, frutos e grãos) destinados à Nkise, flores e

perfumes naturais marca a retomada do ritual, após quase uma década. A decisão foi de

toda a comunidade que caminhou do km 11, onde fica o Kunzo Nkisi Caxuté Kitembo

Mvila Senzala Dendê até a ponte de Graciosa -, divisa entre os municípios de Valença e

Taperoá-BA, às margens do Rio Vermelho, onde tomaram os barcos até o alto mar para

realização do ritual. O local marca o aporte de negrxs bantus escravizados naquela

região.

2 O Mutirão das Comunidades dos Territórios do Baixo Sul é um movimento composto de diversos atores

da sociedade civil organizada, como militantes sociais, povo de terreiros, quilombolas, pescadores e

pescadoras, professores, pesquisadores, estudantes, ativistas, negros, indígenas que se juntaram em rede

coletiva para atuarem em questões de defesa e proteção dos povos e comunidades tradicionais do Baixo Sul

da Bahia.

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Este festejo religioso celebra a luta pela auto afirmação da identidade Bantu,

congo-angola presente no Baixo Sul da Bahia. A entrega do presente de Samba Kalúnga,

da Comunidade Caxuté é a expressão de um macro planejamento de autonomia e

soberania dos terreiros e a marca da resistência ancestral da memória histórica, política,

cultural e intelectual. A militância política institucional da Comunidade Caxuté tem

prezado pela luta contra violência religiosa na Costa do Dendê, por meio de militância e

trabalho com educação.

Para esta comunidade religiosa este é um momento de afirmação da tradição do

candomblé de matriz africana Bantu e também indígena. Esta festa simboliza o encontro

da África com o Brasil, em estado de solidariedade e integração, num jamberesu (culto as

divindades do candomblé angola). Por estes motivos a comunidade decidiu optar pela

autonomia de caminhar contra a violência religiosa, pela afirmação dos rituais, em crítica

ao uso feito costumeiramente pelo Estado e suas instituições dos cultos afro-brasileiros.

“A comum utilização das tradições como vitrine de uma suposta democracia racial que

não existe tem nos incomodado” afirma Kafurengá, Mam´etu no Kunzo Caxuté, “o que

vemos mesmo é nossa identidade violada por várias opressões coloniais”, continua ela.

Mesmo numa data onde em vários países ocorrem celebrações que fazem referencia à

memória ancestral histórica das tradições de Matriz Africana (Kaiala e Iemanjá),

notamos que o “protagonismo” dos candomblés é substituído por um discurso

hegemônico que considera dia dois de fevereiro como uma “festa” popular, onde as

vozes do povo de terreiro são suplantadas por reportagens midiáticas, palanque político

eleitoral, ações pontuais do poder público, dentre outros, que quase nunca debatem temas

estruturais com a comunidade negra, mas, que nesse momento encenam apoios a partir

dos órgãos oficiais de Cultura e Turismo. Ou seja, muito barulho e pouca ação efetiva,

concreta e continuada. Exatamente por isso a Comunidade Caxuté voltou a sua antiga e

tradicional forma de comemoração. Usualmente, depois dessa data, os cultos de Matriz

Africana só aparecem no sincretismo religioso de lavagens das escadarias das igrejas

católicas, ou como, alegorias.

As questões das comunidades negras de terreiro perduram o restante do ano: o

racismo, a violência religiosa – violência da bancada evangélica congressista , violação

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de terreiros e filhxs de santo e nkises - e a ausência do estado laico. O ano de 2017

iniciou mostrando que as dificuldades vividas historicamente pelo povo negro só tendem

a aumentar. Com a implantação e consolidação do golpe parlamentar, jurídico e

midiático, produto de um sistema político que é submisso aos interesses econômicos,

todas as medidas propostas pelo governo ilegítimo reduzem ou exterminam direitos

conquistados com a luta do povo. A estas dificuldades a resposta é a afirmação das

tradições, rituais e festa conforme a escolha da comunidade, construindo a identidade

bantu.

Durante o mês de fevereiro, historicamente se celebra Kaiala, essência das águas

salgadas, Nkise do mar e seus elementos. Mas, em nome do chamado sincretismo

religioso, essa comemoração é vista como um espaço diversificado, muitas vezes

ecumênico, contudo o que observamos é uma tentativa de apropriação cultural, onde a

ancestralidade dos povos de matrizes africanas são subjugados à perspectiva que

transforma nossos valores em folclore, diversão para turistas ou alegoria para legitimar

ações do estado. O mesmo estado que exclui e intencionalmente inviabiliza a vida do

povo negro, tenta de maneira oportunista se apropriar das nossas celebrações. Como

sinaliza a sacerdotisa do Terreiro Caxuté “A tarefa dos terreiros é lutar por autonomia,

preservação da memória ancestral e resistir junto ao povo negro e indígena”.

A Comunidade Caxuté é um espaço de resistência negra e indígena, configurada na

ancestralidade dos povos pretos e vermelhos que se uniram para a constituição da Nação

de Candomblé Kongo-Angola no Brasil. Nesse trabalho, por meio de entrevistas, análise

de imagens e observação participante, é analisada a participação de jovens na

organização da Comunidade Caxuté, território religioso de afirmação dos valores,

saberes e fazeres, que luta em prol de políticas públicas voltadas às comunidades de

terreiro. Conclui-se que a formação e o protagonismo da juventude se destacam nos

diálogos travados dentro do âmbito da comunidade. (BLOG OFICIAL COMUNIDADE

CAXUTÉ, 2017)

ÁGUA

Kalúnga é divindade eminente do Candomblé Angola, representação insigne da

tradição Bantu. A grande mãe é incomensurável, ela é infinita, é a própria massa

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líquida que circunda os continentes. É o oceano, o mar. Kalunga é o próprio vácuo, o

abismo, infortúnio, a desgraça, a peste, a calamidade, morticínio, Kalúnga é a morte.

É a excelência, a eminência senhorial. É a representação da grandeza. Kalúnga é a

eternidade, é o além, é uma das divindades que é responsáveil pela construção e a

destruição do fio da vida. Kalúnga é a deusa da família, Samba é a vida. Para nós

Kalunga é também a senhora das águas, ela é o oceano. Amaze ou menha são nomes

que são nomes de água que são usados dentro da liturgia do candomblé kongo-ngola.

Dentro do culto das águas vários minkisi se manifestam a exemplo de Nzumbaranda,

Ndanda-Nlunda, Terekonpensu, Kisimbi, Narrari, Kokuetu, Kaitumba, Mikaiá, e

outras Kiandas (sereias). Água é princípio ativo da vida. A água está presente

geralmente em todos os rituais sagrados do povo bantu-indígena. É marcante a

Kizoomba Maionga, grande festa da Comunidade Caxuté, onde celebra Kitembu e ele

vem abençoar seus filhos por meio do banho de jinsabas com amaze, ou seja o banho

de água com as folhas de culto ancestral. Tem fundamentos que não podemos revelar

em nossos escritos porém é sabido da importância de vários elementos naturais

dentro do culto aos minkisi.

FOGO:

O fogo é um elemento natural que está presente a todo o momento dentro de uma

casa de candomblé, principalmente da nação angola, que geralmente são terreiros

localizados em zonas rurais e nestes espaços sagrados vemos, como pro exemplo,

o elemento fogo se fazendo presente nas fogueiras composta de madeiras e paus

secos retirados da mata mas o fogo não está preso somente em um espaço, ele

está geralmente presente em tudo que necessite de vida. É dentro do terreiro do

campo que se prepara a culinária dos minkisi, essa culinária se chama kuria ou

muitas vezes ngwedia. Falar do elemento fogo é também citar alguns minkisi a

exemplo de Nzaze, Matamba, Kaiangu, Lwangu, Kiluminu, Kabaranguanje,

Bamburucema, divindades que se manifestam não pela presença do fogo em suas

diversas faces mas por serem eles essas próprias faces do divino, o fogo não é

somente fogo é um conjunto de energias que o compõe como elemento natural,

por isso que nkisi não viveu na terra, o nkisi são os elementos da natureza.

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AR:

Trazer o ar para discussão é trazer os minkisi Nlemba e Kitembu ambas as

divindades, dentro do Terreiro Caxuté, estão ligados ao elemento ar, apesar do

que Kitembu é tudo que si manifesta no planeta, sendo ele no Brasil o rei da

Nação Angola, esses dois minkisi compõem o elemento ar que juntamente com o

vento se manifesta na terra compondo o ciclo da vida dos seres vivos. O ar é o

sopro da vida de Ngana Nzambi, a potência máxima criadora dos seres vivos e de

tudo que há no mundo. O ar nos possibilita trânsito em várias dimensões, é por

isso que muitos caboclos quando chegam nos terreiros para fazer seu awê ou seu

toré chegam invocando a natureza e tudo que nela existe, pois Candomblé de

Angola, e na cosmovisão Bantu-indígena vemos tudo enquanto manifestação do

sagrado que nada mais é quem está ao nosso lado a natureza, corrigindo a

natureza é tudo que no mundo existe na dimensão natural para o povo bantu-

indígena do Caxuté. São esses os ensinamentos que são transmitidos dentro das

giras de saberes da Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do

Baixo Sul da Bahia – Escola Caxuté, dirigida pela Mam´etu Kafurengá, que se

afirma mulher negra e indígena.

TERRA

Neste elemento falamos de Nsumbu, o senhor da terra, o responsável de sustentar

tudo aquilo que existe sobre o domínio da terra, a este na comunidade Caxuté e também

no Terreiro Diandelê, de Mãe Mira, desde os tempos de vida de Mametu Kasanji, a

Mam´etu Kafurengá nos relata que para pisarmos na terra desde nosso nascimento é

preciso que alguém autorize, este alguém é o próprio Nzambi, que nos envia para a terra

elementar para vivermos sobre o domínio de Nsumbu. Kavungu que é um nkisi do

panteão de Nsumbu ele é o médico dos médicos capaz de dar a cura e a enfermidade, ele

é a poção de domínio dos corpos humanos, quando no terreiro se quer saúde logo se

recorre a esse nkisi. No mundo de Nzambi ou Tupã vivem outras divindades a exemplo

de Katendê, que é o responsável pelas folhas, as jinsaba, que vivem sobre também o

domínio Nsumbu. Mpanzu é um nkisi da saúde ele é um grande cuidador dos enfermos,

segundo os ensinamento que são passados dentro da Escola Caxuté é que todo ser

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humano tem seu nkisi e todos os outros minkisi também têm regência sobre nossas vidas,

já que os minkisi são a própria natureza.

VIDA

Outro elemento que existe é a vida sem ela seria impossível o seres vivos conhecerem

estes outros elementos da natureza. Sem a vida não seria possível sentir o fogo, a agua, a

terra, o nguzu, a morte, o ar elementos que justificam a própria existência da vida. Se não

existe vida não existe natureza, se não existe a natureza não existe a vida. Isso só iremos

compreender se mergulharmos nos ensinamentos da comunidades tradicionais, é na

vivencia com nossos mais velhos, anciãos, em contato com os espíritos, energias, saberes

e fazeres que vamos compreender o que é a vida. A vida é o fio condutor da existência

humana. São os nkisi que são responsáveis pela condução deste fio, que é tecido,

remendado, fortalecido, as vezes enfraquecido, mas sempre conduzindo por Nzambi.

MORTE

Para os bantu a morte não é o fim da vida mas sim o começo de uma nova era na

Kalunga. A Kalunga é a morada dos seres que não vivem dentro do mesmo espaço que o

humano, é um outro espaço sagrado, a morada dos bakulos, os ancestrais. A morte na

sociedade cristã que vivemos é tida como geralmente o fim da existência humana, sendo

eles os responsáveis pelas suas atitudes do bem ou do mal. Para a comunidade bantu-

indigena o ser humano não morre mas ele transcende o espaço físico da terá, por isso ele

segue para a Kalunga, lugar onde Samba Kalunga mora, o grande oceano. Kavungu e

Matamba são dois nkisi dialoga com os bakulos, sendo Matamba a responsável pela

condução da alma dos mortos. Tupã e Nzambi enquanto potencias supremas do Caxuté,

eles são os responsáveis pelo nascimento e pela passagem dos seres vivos. Quando

morremos num corpo iremos sustentar outros corpos naturais e nossa alma habita agora

na Kalunga.

NGÚZU:

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Falar da luta ecológica e territorial do Caxuté se faz necessário, primeiramente

sabermos o que é Ngúzu, para compreendermos o porquê nós povos de Candomblé, com

ênfase na nação angola, adoramos a natureza sem “medo e sem dó” e o porquê ela é o

nosso infinito espaço de resistência religiosa em meio aos atuais ataques que nosso

seguimento vem sofrendo no país com a chamada intolerância religiosa, a que prefiro

chamá-la de violência religiosa. Ngunzu, palavra do Kimbundu, é a essência da

vitalidade, a resistência, o vigor, a força, que mantêm a vida e estrutura as relações

humanas para os povos de matrizes africanas, do Candomblé, que remete a construção,

significação, e coexistência do ser vivo que está em contato com o meio ancestral. Na

cosmogonia banta esse fenômeno justifica que há uma noção de que não existiria ngúzu

sem a existência do ser vivo e não existiria o ser vivo sem o ngúzu, pois estas duas

dimensões se integram e se deglutem. Ngúzu é a totalidade de todas as forças sagradas

que vêm do universo, como por exemplo, a força sobrenatural que a terra transmite aos

seres humanos, às forças das águas, do ar atmosférico, dos movimentos das plantas, a

harmonia, a paz, a justiça, o amor, a partilha, o respeito, onde já se cria vários adjetivos

que designam boas condutas e pensamento morais, tudo isso é Ngúzu. Ngúzu é o ser que

se manifesta como energias dois outros seis elementos naturais que compõe a identidade

bantu-indigena da nação angola na Costa do Dendê.

A COMUNIDADE DE TERREIRO DO CAMPO BANTU INDÍGENA CAXUTÉ

EM DIÁLOGO TERRITORIAL NA COSTA DO DENDÊ

Um dos espaços de preservação da tradição identitária de nação angola no

território do Baixo Sul da Bahia foi a criação do Museu da Costa do Dendê de Cultura

Afro-Indígena, pois o Museu é uma iniciativa da Comunidade Caxuté, que tem se

firmado como um corpo de referência na defesa do legado ancestral Bantu-Indígena no

território, buscando construir iniciativas e parcerias que fortaleçam a ancestralidade, a

produção do conhecimento das comunidades tradicionais de matriz africana Bantu-

indígena, enquanto instrumento de preservação dos saberes e fazeres e fortalecimento

identitário.

Segundo o Mapeamento dos Espaços de Religiões de Matrizes Africanas do

Recôncavo e Baixo Sul, feito em parceria do governo federal com a Sepromi, em 2015

Page 17: 41º Encontro Anual da ANPOCS SPG29 Religiões e fronteiras

havia registro de 64 remanescentes de Quilombos no Baixo Sul, alem de 116 templos

religiosos, subdivididos em 26 nações diferentes. Valença é o município da região com o

maior número de terreiros, 34 ao todo.

A Costa do Dendê é um recorte litorâneo do Baixo Sul, situada entre a foz do Rio

Jaguaripe e a Baía de Camamu, a região é um mosaico de praias, baías, manguezais,

costões rochosos, restingas, nascentes, lagoas, rios, cachoeiras e estuários. Seus 115 km

de litoral abrangem as localidades de Valença, Morro de São Paulo, Boipeba, Igrapiúna,

Cairu, Camamu, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá e Maraú. Portanto a grande legitimidade

do Museu da Costa do Dendê, está na voz das comunidades tradicionais, visibilizadas

neste espaço, fortalecendo um grande tecido sócio ambiental, constituído pela tessitura

cultural, ambiental, histórica e arquitetônica abordadas neste Museu.

O museu tem como diretor Taata Luangomina, que é membro da comunidade

Caxuté e possui posto de taata bakisi, o cuidador do quarto do segredo da comunidade,

autor da pesquisa sobre a trajetória histórica de mãe Mira e Mam´etu Kafurengá, um dos

temas da abordagem expositiva, a iniciativa conta ainda com a parceria acadêmica da

UFRB, do IFBAIANO, da UNEB, da Teia dos Povos, na busca pela inserção da pesquisa

científica.

É dentro deste museu que a cultural bantu-indígena tem espaços expositivos,

como os espaços sagrados da comunidade Caxuté, onde se abordada a cosmogonia

Bantu, presente as casas dos minkisi, nas árvores sagradas, como a Gameleira de Soba

Kitembu, conduz o visitante a viver a complexa experiência dos sentidos físico e

espiritual do universo Bantu-indígena, levando ao processo de difusão dos saberes

fundamentais desta cultura, enquanto elemento educacional oferecido principalmente aos

seus membros, mas também ao público externo.

A difusão dos saberes Bantu indígena é o alicerce da pedagogia do Terreiro

Caxuté, criado por Mam´etu Kafurengá Bárbara e utilizada pela Escola Caxuté, a

Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo Sul da Bahia –

reconhecida com o Prêmio de Cultura Afro-brasileira, oferecido pela Fundação Palmares

Page 18: 41º Encontro Anual da ANPOCS SPG29 Religiões e fronteiras

no ano de 2014 e de Patrimônio da Salvaguarda Cultural concedido pelo IPHAN em

2015.

O planejamento curatorial de Taata Luangomina, é voltado para a educação,

identificando e contextualizando cada elemento presente no Museu da Costa do Dendê,

trazendo informações ricas sobre a cultura afro aborígene, de forma acessíveis ao

visitante, proporcionando uma experiência de visitação de trilhas e vivências.

O Museu, receberá nos seus diversos espaços, a exposição fotográfica de Almir

Bindilatti, que aborda o patrimônio material, imaterial e ambiental da região, numa

pesquisa iconográfica sobre as comunidades tradicionais da Costa do Dendê, trazendo a

diversidade ambiental, arquitetônica, suas manifestações culturais como o Zambiapunga,

Capoeira, Burrinha, Marujada, samba de roda e a pesquisa sobre os quilombos e

irmandades negras.

A Costa do Dendê detém um numero expressivo de comunidades tradicionais,

com um grande legado histórico e cultural, de extrema importância pro fortalecimento da

identidade do território.

Rodão de Dendê – Um dos espaços expositivos do Museu é o tradicional rodão

de dendê, onde o visitante poderá conhecer a extração artesanal do óleo de dendê.

A região leva o nome de Costa do Dendê, porque é ali que concentra a plantação

de palmeiras que produzem o Dendê e é onde acontece também a maior produção de

Azeite de Dendê na Bahia. Históricamente, o processo da produção do Azeite era feita

por uma pedra enorme movida por bois que rodavam para que a pedra prensasse o

Dendê, era um processo artesanal e com produção limitada.

A Comunidade Caxuté, se constitui em um espaço que dialoga com o conjunto de

aspectos elecados acima. O Terreiro Caxuté possui mais de duas décadas de

funcionamento e é coordenado pela sacerdotiza Afro, Mame'etu Kafurenga (Mãe

Barbára), o espaço está situado em uma comunidade do campo conhecida como Cajaíba,

no distrito de Maricoabo, município de Valença – BA. Além de ser um local destinado a

Page 19: 41º Encontro Anual da ANPOCS SPG29 Religiões e fronteiras

celebração dos Mikisi e Caboclos, a Comunidade de matriz africana Caxuté é

mantenedora da primeira Escola de Matriz Africana do Baixo Sul da Bahia – Escola

Caxuté que foi reconhecida com o Prêmio de Culturas Afro-brasileiras oferecido pela

Fundação Palmares no ano de 2014.

É justamente por entender a importância da auto-afirmação como estratégia

básica para manutenção da identidade e superação das desigualdades que o terreiro se

constitui em um território que resguarda e atualiza um conjunto de sabedorias produzidas

por sujeitos historicamente excluídos dos lugares oficiais de “poder”, onde se resguarda a

ordem verticalizada a sociedade de consumo vigente. A Comunidade Caxuté vem ao

longo dos últimos anos, construindo junto a uma série de parceiros, um conjunto de

iniciativas que possibilite uma prática social e cultural para além da colonialidade,

enraizada em uma cosmovisão construída e compartilhada pelos Povos e Comunidades

de Terreiro oriundos da tradição Bantu, é neste sentido que propomos a realização da III

Vivência Internacional na Comunidade Caxuté (PROJETO VIVER TERREIRO).

O Coletivo Koiaki Sakumbi é o coletivo de estudos e pesquisas de matriz africana

que está vinculado a Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo

Sul da Bahia – Escola Caxuté, ele é resultado do Terreiro e da escola, um espaço que se

propõe a pensar teoria e relações práticas da comunidade. É o Koiaki, enquanto espaço

de estudar o movimento, que organiza as Vivencias do projeto Viver Terreiro bem como

elabora diretrizes sistematizadoras da produção de conhecimento da comunidade sócio-

religiosa.

A Mam’etu Ndenge Odemina, que é mãe biológica de Mam´etu Kafurengá, conta sua

experiência:

“A minha bisavó foi “pegada a dente de cachorro”. Tenho isso no sangue.

Bisavó, a avó... Sempre me desenvolvi nesse meio, mas não tinha muito

conhecimento porque não podia pesquisar, ver o que estava passando lá fora

com nossos parente indígenas. “Uma andorinha só não faz verão”. Mesmo que

os nossos antepassados morram, eles ficam no nosso sangue. Trouxe o

conhecimento de berço porque foi herança da minha família. Eu já fui uma

pessoa muito triste por não saber ler e escrever, achando que não tinha

conhecimento nenhum. Hoje me sinto alegre, porque as sei que tem muita gente

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da faculdade, já formada, que precisa do meu conhecimento no terreiro. Hoje

dentro da Comunidade Caxuté sou uma professora, mestra dos saberes e fazeres.

Me sinto feliz porque dentro do meu espaço sou reconhecida, me sinto uma

pessoa valorizada, o que não sentia antigamente”.

.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cotidiano de terreiros de cancomblé, tenho observado uma movimentação diária para

a realização de alguns rituais que preenche o ciclo diário do terreiro de nação angola, é

constante ver a preparação do amasi,, o sakulupemba, a limpeza de corpo, a ida à

cachoeira, ir ao mar, ao rio, ao manguezal, os presentes de Samba Kalunga, o presente de

Kisimbi, os awê-samba-toré de caboclo, a preparação e oferta do ngwedia, a preparação

de artesanatos, a extração de azeite de ndende, o catar lenha para fazer fogo, o fazer a

construção de casas nkisi, o acender das velas às divindades, o pegar água na fonte, o

cozinhar o chá da nengwa de nkisi, o capinar, o catar nsabas nas matas, o cheiro de

animais andando pelas ruas da comunidade, o plantar das sementes e a colheita de frutos

orgânicos, o dormir com o cantar no telhado da chuva, o amanhecer do sol, o pôr do sol,

o subir nas árvores, a limpeza e arrumação dos espaços sagrados, o acordar no terreiro, o

sukurankiki, tudo isso faz parte de nossa vivência no terreiro.

A identidade bantu-indígena do candomblé de nação angola é constituída por

elementos da natureza e do processo cultural da “razão” humana. O cotidiano das casas

de angola sempre foi intenso, as agendas de compromisso dos sacerdotes estão sempre

ativa pois o sagrado se manifesta em todos esses elementos, um bom sacerdote precisa

está atento a todos esses elementos que transformam sua identidade e que constitui a

identidade dessa nação de candomblé.

O cotidiano dos povos e comunidades de matriz africana, é constituído por um

intenso e rico processo de construção e socialização de saberes, no entanto a circulação

destes conhecimentos não seguem um modelo rígido, nem se baseia em uma mera

transmissão de conteúdos com base no limitado modelo convencional de ensino-

aprendizagem. Nem, por isso a sabedoria ancestralmente compartilhada nos terreiros

Page 21: 41º Encontro Anual da ANPOCS SPG29 Religiões e fronteiras

deixa de expressar como uma importante experiência educativa, no entanto, ela se difere

profundamente do formato escolar formal, pois, no sistema de saberes/fazeres práticados

nas comunidades de matriz africanas, a educação é trabalhada como uma práxis holística

que está alicerçada em uma ética que conecta um conjunto de dimensões (culturais,

sociais, políticas, ecológicas, econômicas e filosóficas) todas amparadas no paradigma da

ancestralidade.

Dentro da minha vivência religiosa e de pesquisador a nação de candomblé, de

matriz bantu, dentro de um universo maior o qual denominamos, antropologicamente de

religião de matriz africana, que seria o candomblé em sí, não se de definiria como uma

religião de molde ocidental, europeu, pois sua forma de culto e sua liturgia não têm nada

a ver com o termo latino religare (religar), o que seria a palavra religião para a língua

portuguesa. Religare tem haver com o que estava ativo - depois interrompido e depois

ativado novamente.

Para nos ajudar a compreender esta noção de religiosidade vemos o que diz a

sacerdotisa Makota Valdina Pinto nos diz:

O que eu acho errado, e isso a academia fez, foi valorizar as lendas

e mitos, mostrando que um Orixá é mais forte que o outro. São as

lendas. Quando eu vejo o Orixá, o Vodun, o Inkisi enquanto essas

energias,vejo que uma completa a outra, interage com a outra.

Nenhuma é mais ou menos que outra. é digo que estão ensinando

isso. A gente reverencia um orixá, no caso Oxalá, mas Oxalá

depende de todos. O meu Inkisi é Kavungo, que é a Terra. É

temido por causa das doenças. Mas a essência dele, de Kavungo,

de Obaluaê vai interagir com quem é da água. Nenhum é maior

que o outro e ele depende de todos. Isso é muito do que a gente

deve ser. Esses saberes devem ser vividos. Vejo que a sabedoria de

vida passada pelos Orixás como bastante atual ( PINTO, 2005, p

.81).

Na minha experiência dentro do candomblé angola não tem apenas um modo de

fazer um determinado ritual, o que para muito é preciso seguir um único dogma. No

Candomblé tudo é consultado aos seus ancestrais, encantados, divindades, que podemos

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chamá-los de Orixás, minkisi, Voduns e também dos próprios Caboclos agregados

também no Brasil com os de origem africana.

O Candomblé é a grande dança coletiva e sagrada dos espíritos elevados, é a

cantiga sagrada, é a comida para o corpo e para a alma, é o toque de cada ngoma, de cada

agogô, de cada instrumento percussivo nas mãos de pessoas que receberam postos

sacerdotais nas diversas linhas hierárquica. O Candomblé é o respeito pelas diferenças. É

o acolher bem, é o amar com ou sem interesses. É o ato de assumir a dualidade, assumir

forças positivas e negativas que paira sobre o mundo. É o perigo, é a morte, é a vida, é a

confiança e a desconfiança.

Apesar de cada nkisi possuir seus elementos que muitas das vezes o caracteriza

dentro do terreiro, na nação angola tudo se comunica de uma forma ou de outra, os

minkisi são dependentes das energias dos seus pares, e eles próprios são os elementos

que compõem o mundo, a mama utukilu, a Terra. Tem-se vários tipos de culto para cada

nkisi, cada nkisi revela-se por meio da manifestação no corpo do ser humano ou não, mas

eles, os minkisi, estão presentes em toda a vida do ser humano.

REFERÊNCIAS

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ENTREGA PRESENTE ECOLÓGICO DA COSTA DO DENDÊ A SAMBA

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<https://comunidadecaxuteblog.wordpress.com/2017/02/06/comunidade-caxute-entrega-

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