33º. encontro anual da anpocs gt – 24: marxismo e …

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1 33º. Encontro Anual da ANPOCS GT – 24: Marxismo e Ciências Sociais Ecossocialismo, romantismo e marxismo: crítica e autocrítica da modernidade em Michael Löwy Fabio Mascaro Querido

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33º. Encontro Anual da ANPOCS

GT – 24: Marxismo e Ciências Sociais

Ecossocialismo, romantismo e marxismo: crítica e

autocrítica da modernidade em Michael Löwy

Fabio Mascaro Querido

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Ecossocialismo, romantismo e marxismo: crítica e autocrítica da

modernidade em Michael Löwy.

Fabio Mascaro Querido1

1. Capitalismo e a emergência da (pós) modernidade

Há um certo consenso mínimo, hoje, em face da constatação de que as

transformações econômicas e políticas do capitalismo mundial a partir dos anos

70, além de ocasionarem importantes mudanças nas estruturas produtivas e

institucionais das sociedades contemporâneas, provocaram igualmente

modificações substanciais nas formas culturais e/ou ideológicas hegemônicas. O

esgotamento dos “anos dourados” do capitalismo, fundado no desmonte dos

alicerces fundamentais do welfare state e na emergência vertiginosa de uma

“crise ecológica” sem precedentes, impôs à teoria social a necessidade de se

pensar as novas configurações do capitalismo contemporâneo, processo que se

intensificou ainda mais com a queda definitiva das sociedades pós-capitalistas

do leste europeu, em 1989-1991.

Nesse contexto, Fredric Jameson sustenta a idéia de que a emergência

de uma lógica cultural pós-moderna, no espectro do terceiro estágio do

capitalismo (tardio), anuncia a completude histórica dos processos e das

ideologias “clássicas”, por assim dizer, da modernização capitalista –

assumidas, em suas características fundamentais, pelo assim chamado

socialismo realmente existente. Nas palavras de Jameson, “o pós-modernismo é

o que se tem quando o processo de modernização está completo e a natureza

se foi para sempre”2. Em certa medida, portanto, a ascensão histórica do pós-

modernismo é inversamente proporcional ao declínio das apoteoses do

“progresso” e da modernização, inclusive em suas versões à esquerda3. Daí a

1 Mestrando em Sociologia - UNESP/Araraquara. Bolsista CNPq. 2 Fredric Jameson, Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1996, p.13. 3 Para Paulo Arantes, a idéia geral do declínio das “grandes narrativas” e da “mudança de paradigma” constitui, a bem da verdade, uma estilização teórica do esgotamento real das ideologias evolucionistas do progresso e da modernização. Para ele, contudo, “seria interessante deixar um pouco de lado” os debates sobre as mudanças de paradigma “e procurar entender o esgotamento histórico real” da qual elas são “apenas a sintomática desconversa”. Paulo Arantes, Entrevista. In: NOBRE, Marcos; REGO, José Márcio. Conversas com filósofos brasileiros. São Paulo: Editora 34, 2000. p.367. Ora, ver-se-á que uma de nossas hipóteses

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proliferação, no âmbito da nova literatura social “pós-moderna”, das várias

tentativas de redefinição dos termos que até outrora definiam o “discurso

filosófico da modernidade”, seja para negá-lo ou ainda (como no caso de

Habermas, por exemplo) para revitalizar o seu “projeto inacabado”4.

O pós-modernismo constitui, para Jameson, a lógica cultural hegemônica

do terceiro estágio do desenvolvimento capitalista, definido por Ernest Mandel

como o capitalismo tardio. Para além do capitalismo de mercado e do

monopolista (primeiro e segundo estágios de desenvolvimento do capital), o

capitalismo tardio define-se por uma expansão global da forma mercadoria, que

agora se infiltra definitivamente em todas as dimensões da vida social.

Marcando uma expansão dialética com relação ao estágio anterior, o

capitalismo tardio constitui a “mais pura forma de capital que jamais existiu, uma

prodigiosa expansão do capital que atinge áreas até então fora do mercado”5.

Bem entendido, “o pós-modernismo não é a dominante cultural de uma ordem

social totalmente nova (sob o nome de sociedade pós-industrial, esse boato

alimentou a mídia por algum tempo), mas é apenas reflexo e aspecto

concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio capitalismo”6.

2. Michael Löwy: o marxismo e a atualização histórica da crítica da

modernidade

A obra de Michael Löwy, especialmente seus escritos voltados à crítica

do progresso e da modernidade, construiu-se, assim, em meio aos

desdobramentos da “crise” dos velhos modelos da “modernização”. A maior

parte de sua trajetória foi constituída sob o desenvolvimento terminal do que

centrais refere-se à proposição de que a crítica do “progresso” moderno, bem como a centralidade conferida à luta ecológica, em Michael Löwy, constituem tentativas de compreender este “esgotamento histórico real” da modernidade realmente existente. 4 Mesmo um defensor inequívoco das vicitudes do projeto moderno, como Habermas, também reafirma a necessidade de se repensar as novas conexões causais do capitalismo contemporâneo, admitindo a hipótese, inclusive, de que poderíamos estar vivendo uma nova ‘grande transformação’. Para Habermas, “se aquele ‘movimento duplo’ – de desregulamentação do mercado mundial no século XIX e de regulamentação no século XX – pudesse servir de modelo, então estaríamos novamente diante de uma ‘grande transformação’”, centrada na configuração contemporânea do que ele entende por “constelação pós-nacional”. Jürgen Habermas, A constelação pós-nacional. São Paulo: Littera Mundi, 2001. p.109. 5 Fredric Jameson, Pós-modernismo..., cit, p.61. 6 Idem, ibidem, p.16.

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Robert Kurz chamaria mais tarde de “colapso da modernização”7. Para Michael

Löwy, sob tal contexto, também o marxismo “[...] precisa, para enfrentar os

problemas atuais, radicalizar sua crítica da modernidade, do paradigma da

civilização ocidental, industrial, moderna, burguesa”8, propondo um novo

desfecho para a crise, historicamente necessária, da modernidade capitalista,

um desfecho capaz de reter, superando-as dialeticamente, as possibilidades

emancipatórias contidas nas correntes do Iluminismo revolucionário. Nas

palavras de Michael Löwy, em uma entrevista que nos concedeu em 2008:

A modernidade tem de ser vista dialeticamente, como já apontava a Escola de Frankfurt; por um lado, temos as conquistas da Filosofia das Luzes e da Revolução francesa, os valores modernos de liberdade, igualdade e fraternidade. Por outro lado, o “progresso” da civilização industrial capitalista moderna, que produziu Auschwitz e Hiroshima, e que está nos levando, com uma rapidez crescente, a um desastre ecológico de proporções inéditas.9

Assim, partindo da concreta manifestação da “crise ecológica” e das

transformações contemporâneas dos processos de acumulação capitalista, o

objetivo mais geral deste trabalho é versar algumas notas preliminares sobre a

configuração de uma crítica marxista da modernidade na obra de Michael Löwy.

Neste trajeto, busca-se, outrossim, uma aproximação em torno da valorização

löwyana tanto do Kulturpessimismus weberiano quanto da crítica benjaminiana

do “culto sonolento do progresso” moderno. Almeja-se assim compreender a

forma através da qual os textos de Michael Löwy respondem, a partir de uma

interpretação específica do legado destes autores, às profundas transformações

da (pós) modernidade capitalista contemporânea, com uma ênfase particular

7 Na perspectiva de Robert Kurz, a derrocada do socialismo realmente existente no Leste europeu, longe de sugerir a vitória definitiva do capitalismo e do Ocidente, manifestou, na verdade, os sintomas mais evidentes da crise global do moderno sistema produtor de mercadorias, anunciadas pelo esgotamento absoluto das famigeradas ideologias da “modernização”. Robert Kurz, O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. São Paulo: Paz e Terra, 1993. (tradução: Karen E. Barbosa). 8 Michael Löwy, “Marxismo, resistência e utopia”. In: Daniel Bensaïd & Michael Löwy, Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo, Xamã, 2000. p.242. 9 Fabio Mascaro Querido, “Utopias indisciplinadas de um marxismo para o século XXI: o marxismo como crítica da modernidade”. Entrevista com Michael Löwy. Revista Lutas Sociais. São Paulo, Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais, PUC-SP, n.21/22, 2009. p.183.

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sobre um argumento central que atravessa toda a sua trajetória, qual seja: a

defesa da necessidade de que o marxismo radicalize a crítica da modernidade

capitalista e de seu paradigma produtivo correspondente, argumento que o

levaria, já em meados da década de 1980, a valorizar as potencialidades

“revolucionárias” subjacentes à crítica “romântica” da modernidade. Busca-se,

por fim, verificar como essas proposições teóricas manifestam-se na perspectiva

teórica e política do ecossocialismo (da forma com que ele é especificamente

concebido por Löwy), “corrente de pensamento e de ação” cuja resposta à crise

ecológica, a um só tempo romântica e socialista, constitui também uma crítica

das potencialidades destrutivas contidas no interior do paradigma societário e

produtivo da modernidade.

2.1. A valorização do Kulturpessimismus weberiano

Em sua leitura crítica da modernidade, Michael Löwy incorpora, desde

uma perspectiva inconfundivelmente marxista, algumas temáticas e tópicos do

pensamento de Max Weber, almejando interpretá-los como instrumento de

crítica – conquanto negativa e resignada – da racionalidade moderna. Para

Michael Löwy, as análises de Weber e de Marx do capitalismo “são, se não

convergentes, ao menos complementares”, como bem demonstrou Lukács no

ensaio central de História e Consciência de Classe (HCC)10, redigido em 1922, e

considerado pelo próprio Löwy como a obra fundante de uma corrente

substancial do marxismo ocidental, a saber: o “marxismo weberiano”11.

Em Weber, especialmente, Löwy vislumbra, malgrado a neutralidade

requerida pelo autor alemão, elementos de um protesto de inspiração “mais ou

menos” romântica contra a modernidade, os quais estariam subjacentes à

herança do Kulturpessimismus alimentada pelo sociólogo de Heidelberg.

Conforme Löwy:

10 Georg Lukács, História e consciência de classe. São Paulo, Martins Fontes, 2003. 11 “Fusionando a categoria weberiana de racionalidade formal – caracterizada pela abstração e quantificação – com as categorias marxianas de trabalho abstrato e de valor de troca, Lukács reformulou a temática do sociólogo alemão na linguagem teórica marxista”, consumando uma tentativa de “radicalização anticapitalista” das análises – “livres de julgamento de valor” - do sociólogo alemão. Michael Löwy. “Figuras do marxismo weberiano”. Disponível em: http://anti-valor2.vilabol.uol.com.br/textos/outros/lowy_01.html. Traduzido por Edmundo Lima de Arruda do original: Figures du marxisme wébérien. In: Weber et Marx. Actuel Marx n.II: PUF, 1995.

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A crítica da Gesellschaft moderna, de seu racionalismo impessoal e calculista, de sua mercantilização e mecanização brutal, de sua submissão ao poder totalitário do dinheiro, é um dos leitmotive da sociologia alemã na passagem do século. Esta tendência anticapitalista tinha uma coloração mais ou menos romântica, na medida em que continha, implícita ou explicitamente, uma atitude nostálgica com relação à Gemeinschaft pré-capitalista, às formas mais ‘orgânicas’ da vida comunitária do passado12.

No limite, tal legado teria fornecido a Weber subsídios para uma

percepção – resignada, é bem verdade – das contradições e dos limites da

racionalidade moderna, do seu caráter formal/instrumental, e, tão importante

quanto, da “[...] sua tendência a produzir efeitos que levam à derrubada das

aspirações emancipatórias da modernidade”13. Segundo Löwy, pode-se

encontrar na obra do sociólogo alemão um apurado diagnóstico da crise da

modernidade, projeto amplamente retomado pela primeira geração da Escola de

Frankfurt (principalmente nas figuras de Adorno, Horkheimer e Marcuse14). Para

o autor franco-brasileiro:

“O conceito weberiano de ‘racionalidade instrumental’ (Zweckrationalität), reinterpretado em termos marxistas por Adorno e Horkheimer, permite uma crítica radical da civilização capitalista [...] De distintas formas, Lukács, Ernst Bloch, Erich Fromm e a Teoria Crítica souberam utilizar os conceitos de Weber para desenvolver uma crítica marxista da reificação, burocratização e alienação que resultam da racionalidade capitalista moderna”15.

Nessa chave interpretativa, as tentativas de Jürgen Habermas de

reformular o conceito weberiano de racionalização - lançando mão de uma

forma alternativa de racionalidade (“comunicativa” e não-instrumental) –

expressariam, em última análise, um esvaziamento das potencialidades críticas

contidas nas análises de Weber, na medida em que sinalizariam uma 12 Michael Löwy, Romantismo e messianismo. São Paulo, EDUSP, 1990, p.70 – grifos nossos. 13 Michael Löwy. “Habermas e Weber”. In: Daniel Bensaïd & Michael Löwy. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo, Xamã, 2000, p.216. 14 Aliás, a crítica marcusiana à “sociedade industrial avançada”, exposta em O Homem Unidimensional, inspirou-se amplamente no conceito de racionalidade formal de Weber e, igualmente, na apropriação que dele é feita por Adorno e Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento. Isabel Loureiro, “Repensando o progresso”. Revista Praga. São Paulo, Hucitec. 1999. 15 Fabio Mascaro Querido, “Utopias indisciplinadas...”, cit., p.183, 184.

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reconciliação definitiva “[...] com as normas da modernidade ‘realmente

existente’”16. Almejando tornar a sociedade burguesa mais fiel à sua própria

“utopia racionalista”, Habermas abandona qualquer forma de Kulturpessimismus

“e acredita na possibilidade de restabelecer o projeto inicial das Luzes, graças a

uma forma de racionalidade descurada tanto por Weber como pela Escola de

Frankfurt: a razão comunicativa”17.

Bem entendido, mesmo de uma perspectiva marxista (que Löwy

reivindica para si), “a constatação brutal de Weber a respeito da contradição

irredutível dos valores”, assim como a “sua análise dos resultados alienantes da

racionalidade instrumental”, constituem-se em um “[...] ponto de partida mais

fecundo para a análise da sociedade moderna [do] que os sonhos de

reconciliação lingüística dos valores de Habermas”18. “Há palavras que ferem e

palavras que matam”, diria Daniel Bensaïd19. Afinal, “o mundo moderno parece

muito mais com a ‘guerra dos deuses’ weberiana [do] que com uma amável

‘discussão pública’ dos interesses e valores opostos”20.

Desde o período imediatamente posterior ao final da segunda grande

guerra, a caracterização weberiana da modernidade elevou-se ao centro do

debate teórico, influenciando de forma crescente o desenvolvimento ideológico

da época. Para István Mészáros, teria havido naquele momento uma “conjunção

favorável” entre as prerrogativas weberianas sobre a modernidade “e as

necessidades ideológicas da ordem sócio-política internacional em mutação”21.

Segundo Mészáros, a forte presença de Weber no ambiente teórico e ideológico

daquele quadro histórico decorria, em grande medida, da estabilidade aparente

dos chamados “anos dourados” do capital, a qual possibilitara o surgimento de

16 Michael Löwy, “Habermas e Weber”, cit., p.218. 17 Idem, ibidem. p.217. 18 Idem, ibidem. p.222,223. “Dissociando-se de Weber, Habermas afasta-se também de Marx, para quem a dominação generalizada do valor de troca, a submissão de todas as relações sociais ao pagamento direto em moeda, a dissolução de todos os sentimentos humanos nas ‘águas geladas do cálculo egoísta’ são conseqüências necessárias e inevitáveis da economia capitalista de mercado”. Idem, ibidem. p.220. 19 Daniel Bensaïd, Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente. São Paulo, Boitempo, 2008, p.44. 20 Löwy, “Habermas e Weber”, cit., p.223. 21 Istán Mészáros, O poder da ideologia. São Paulo: Editora Ensaio, 1996 (tradução: Magda Lopes). p.123.

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inúmeros discursos sobre o fim das ideologias ou sobre a racionalidade absoluta

e insuperável do horizonte estabelecido.

No âmbito do pós-2ª guerra, a assimilação de alguns tópicos weberianos

teria sido instrumentalizada, portanto, para a elaboração de um repertório

teórico capaz de atribuir um significado racional aos processos societais

vigentes. Buscava-se em Weber subsídios para a legitimação da modernidade

realmente existente, perspectiva retomada mais tarde por Habermas, a fim de

revitalizar o “projeto inacabado” da civilização moderna. No caso de Michael

Löwy, a acentuação da dimensão romântica da obra weberiana constitui, ao

contrário, uma tentativa de incorporá-la como parte de uma crítica negativa da

modernidade, já em um momento – a partir de meados da década de 1970 - de

congestionamento histórico do progresso e da modernização.

2.2. Walter Benjamin e a crítica ao “progresso” moderno

A crítica da modernidade, em Michael Löwy, atinge sua plenitude teórica

e política com a incorporação da obra de Walter Benjamin, especialmente a

arguta crítica, realizada pelo filósofo alemão, das ideologias do progresso e das

concepções lineares da história. A obra de Walter Benjamin, principalmente

suas famosas teses sobre o conceito de história, impulsionou o que seria, talvez,

a maior inflexão no percurso teórico de Michael Löwy. Em suas próprias

palavras, em um livro inteiramente dedicado a uma “análise talmúdica – palavra

por palavra, frase por frase” - das teses benjaminianas22, o intelectual franco-

brasileiro assevera que seu “itinerário intelectual” pode ser dividido “em antes e

depois da descoberta das teses Uber den Begriff der Geschichte de Benjamin”23.

Escapando aos lugares-comuns da história das idéias, o pensamento de

Benjamin, segundo a leitura realizada por Löwy, “não é [...] nem ‘moderno’ (no

sentido habermasiano) nem ‘pós-moderno’ (no sentido de Lyotard)”. Antes de

22 Michael Löwy, Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses sobre o conceito de história. São Paulo, Boitempo, 2005. A propósito, permitimo-nos citar a resenha, de nossa autoria: Fabio Mascaro Querido, “Alarme de incêndio: romantismo, messianismo e marxismo em Walter Benjamin”. Estudos de Sociologia. Faculdade de Ciências e Letras, UNESP/Araraquara, v.13, n.24, 2008. pp.233-238. 23 “Acima de tudo, a leitura das ‘teses’ (em 1979) afetou minhas certezas, transformou minhas hipóteses, inverteu (alguns de) meus dogmas; em resumo, ela me obrigou a refletir de outra maneira, sobre uma série de questões fundamentais: o progresso, a religião, a história, a utopia, a política. Nada saiu imune desse encontro capital”. Michael Löwy, Walter Benjamin..., cit., p.39.

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tudo, a trajetória benjaminiana deve ser compreendida como “uma crítica

moderna à modernidade (capitalista/industrial), inspirada em referências

culturais e históricas pré-capitalistas”24. Ao modo marxista, a crítica da

modernidade, na obra de Benjamin, não poderia abrir mão de algumas

conquistas do mundo moderno e da tradição iluminista. O seu legado romântico

– presente desde seus escritos de juventude – combinava-se com uma

perspectiva revolucionária apontada para o futuro. Trata-se, então, de um

“romantismo revolucionário”, cujo retorno ao passado transmuta-se em um

desvio para o futuro, na contramão da modernidade do presente.

Em Benjamin, a crítica da modernidade e do progresso desdobra-se,

além do mais, em uma concepção radicalmente aberta da história, na qual a

possibilidade objetiva do socialismo convive com a iminência da barbárie. Para

Löwy, “a história aberta quer dizer, então [...], considerar a possibilidade – e não

inevitabilidade – das catástrofes, por um lado, e de grandes movimentos

emancipadores, por outro”25. Escolha dos possíveis, o presente define-se pela

luta social exaustiva, horizonte sob o qual se desenham os caminhos de um

porvir ainda indefinido. A defesa da necessidade revolução como ato político e

processo social coexiste, assim, com a proclamação melancólica de um “alarme

de incêndio” em face da catástrofe que se anuncia. Diz Benjamin, em A Rua de

Mão Única:

A história nada sabe da má infinitude na imagem dos dois combatentes eternamente lutando. O verdadeiro político só calcula em termos de prazos. E se a eliminação da burguesia não estiver efetivada até um momento quase calculável do desenvolvimento econômico e técnico, tudo está perdido. Antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso que o pavio que queima seja cortado26.

Destaca-se daí, conforme a leitura de Löwy, uma “visão dialético-crítica

do progresso”, cujos desdobramentos denunciariam a existência de uma

24 Idem, ibidem, p.15. 25 Idem, ibidem, p.151, 152. 26 Walter Benjamin, Rua de mão única. Obras escolhidas II. São Paulo, Brasiliense, 2000, p.45,46 – grifos nossos. Nas palavras de Michael Löwy: “Ao contrário do marxismo evolucionista vulgar – que pode se referir evidentemente a alguns escritos dos próprios Marx e Engels – Benjamin não concebe a revolução como o resultado ‘natural’ ou ‘inevitável’ do progresso econômico e técnico, mas como a interrupção de uma evolução histórica que leva à catástrofe” (LÖWY, 2005, p.23).

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barbárie eminentemente moderna, “da qual a Primeira Guerra dá um exemplo

surpreendente, bem pior em sua desumanidade assassina que as práticas

guerreiras dos conquistadores ‘bárbaros’ do fim do Império Romano”27. Supera-

se assim, de um ponto de vista dialético, a oposição entre civilização e barbárie,

consagrada pelo racionalismo iluminista. Mesmo porque,

“Se nós nos referimos ao segundo sentido da palavra ‘bárbaro’ – atos cruéis, desumanos, a produção deliberada de sofrimento e a morte deliberada de não-combatentes (em particular, crianças) – nenhum século na história conheceu manifestações de barbárie tão extensas, tão massivas e tão sistemáticas quanto o século XX”28.

Desta perspectiva, poder-se-ia encontrar, na obra de Benjamin, os

indícios de uma concepção dialética da cultura. Integrada à luta de classes, a

história cultural revela-se ao mesmo tempo como uma história da barbárie, do

triunfo eloqüente dos vencedores e de sua escrita da história. Na VII tese sobre

o conceito de história, Benjamin afirma: “Nunca houve um monumento da cultura

que não fosse também um monumento da barbárie”29. Comentando essa

célebre passagem, Michael Löwy assevera que, no limite,

“Ce principe est la clé d’une conception dialectique de la culture. Au lieu d’oposer la culture (ou la civilisation) et la barbarie comme deux pôles s’excluant mutuellement, ou comme des étapes différentes de l’évolution historique – deux leitmovs classiques de l’Aufklärung (la philosophie des lumières) – Benjamin les presente comme une unité contradictoire”30.

Não por acaso, Benjamin teria sido responsável por uma das primeiras

intervenções marxistas no século XX a colocar decisivamente em questão o

ímpeto potencialmente destrutivo da dominação capitalista da natureza. Ao

27 Michael Löwy, “Barbárie e modernidade no século XX”. In: Daniel Bensaïd & Michael Löwy. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo, Xamã, 2000, p.48. 28 Idem, ibidem, p.47. 29 Walter Benjamin, “Sobre o conceito da história”. In: Magia e Técnica. Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. 30 “Este princípio é a chave de uma concepção dialética da cultura. Em vez de opor a cultura (ou a civilização) e a barbárie como dois pólos opostos que se excluem mutuamente, ou como duas etapas diferentes da evolução histórica – dois leitmovs clássicos da Aufklãrung (a filosofia das luzes) – Benjamin as apresenta como uma unidade contraditória” – tradução livre. Michael Löwy, “A Rebrousse-poil”. La conception dialectique de la culture dans les thèses de Walter Benjamin (1940). Les Temps Modernes. N.575. Juin 1994. p.66.

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efetuar uma crítica ao conceito de trabalho que “só quer se aperceber dos

progressos da dominação da natureza, mas não dos retrocessos da

sociedade”31, o filósofo alemão antecipou, segundo Löwy, algumas das

preocupações ecológicas da segunda metade do século XX, reafirmando, por

contraste ao marxismo vulgar - de inspiração tecnocrática e positivista -, a

necessidade de um novo pacto entre os seres humanos e seu meio ambiente.

Em A Rua de Mão Única32, da mesma forma, Benjamin condena como um

“ensino imperialista” a idéia da dominação da natureza, propondo um novo

conceito de técnica como “dominação da relação entre natureza e humanidade”.

Nesse sentido específico, a crítica benjaminiana do progresso e da modernidade

capitalista constitui-se em um ponto de partida bastante fecundo para a

constituição contemporânea de uma perspectiva ecossocialista, tal como sugere

Löwy.

2.3. O ecossocialismo como (auto) crítica – romântico-revolucionária - da

modernidade

Nessa toada, a recente aposta de Michael Löwy no movimento

ecossocialista pode ser pensada como um passo adiante na sua busca pela

renovação radical e anticapitalista do pensamento marxista, na contramão das

ideologias do progresso e da modernização. Conforme Michael Löwy, o

ecossocialismo constitui uma “corrente de pensamento e de ação ecológica que

faz suas as aquisições fundamentais do marxismo – ao mesmo tempo que o

livra das suas escórias produtivistas. Para os ecossocialistas a lógica do

mercado e do lucro – assim como a do autoritarismo burocrático de ferro e do

‘socialismo real’ – são incompatíveis com as exigências de preservação do meio

ambiente natural”. Almejando “articular as idéias fundamentais do socialismo

marxista com as aquisições da crítica ecológica”, os ecossocialistas, “ainda que

critiquem a ideologia das correntes dominantes do movimento operário [...],

sabem que os trabalhadores e as suas organizações são uma força essencial

31 Apud Löwy, Walter Benjamin..., cit., p.100. 32 Walter Benjamin, A Rua de Mão Única. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.68.

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para qualquer transformação radical do sistema, e para o estabelecimento de

uma nova sociedade, socialista e ecológica” 33.

Acompanhando o despertar da “consciência ecológica” ocorrido na

década de 1970, o ecossocialismo se desenvolveu sobretudo nas últimas três

décadas, graças aos trabalhos de vários intelectuais, dentre os quais se pode

destacar os precursores Manuel Sacristan, Raymond Williams, René Dumont,

Rudolf Bahro e André Gorz34, assim como as contribuições de James O’Connor

(atual diretor da revista Capitalism, Nature, Socialism), Barry Commoner, John

Bellamy Foster, John Clark e Joel Kovel35 nos EUA, Francisco Fernandez

Beuy36, Jorge Riechman e Juan Martinez-Allier37 na Espanha, Jean-Paul

Déléage38 e Jean Marie Harribey39 na França, Elmar Altvater e Frieder Otto

Wolf40 na Alemanha, dentre muitos outros, além, é claro, do próprio Michael

Löwy41.

33 Michael Löwy, Ecologia e Socialismo. São Paulo, Cortez, 2005, p.47,48. 34 Em Ecologie et politique, livro redigido na década de 1970 em companhia de Michel Bosquet, André Gorz sustentou alguns argumentos que mais tarde se tornaram elementares para a perspectiva ecossocialista. Para os autores, “la lutte écologique n’est pás une fin en soi, c’est uma étape” (p.9), o que significa que ela deve, necessariamente, vislumbrar a superação das atuais formas de (re)produção econômica e social, na contramão das “ideologias do crescimento” então preponderantes. Segundo eles, “la crise actuelle du capitalism a pour causes um surdéveloppement de capacites de production et la destructivité, génératrice de raretés insurmontables, dês techniques employées. Cette crise ne peut être dépassée que par um mode de production nouveau qui, rompant avec la rationalité économique, se fonde sur le ménagement dês ressoucers renouvelables, la consommation décroissante d’énergie et de matiéres”. Michel Bosquet & André Gorz. Ecologie et politique. Paris: Éditions du Seuil. 1977. p.51. 35 Joel Kovel, “Un socialisme pour les temps nouveaux”. In: HARRIBEY, J-M. & LÖWY, M (orgs.). Capital contre nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2003. pp.149-154. 36 Francisco Fernandez Buey, “En paix avec la nature: éthique, politique et écologie”. In: HARRIBEY, J-M. & LÖWY, M (orgs.). Capital contre nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2003. pp. 165-178. 37 Juan Martinez-Allier, “La confluence dans l’éco-socialisme”. In: BIDET, J. & JACQUES, T. (orgs). L’idée de socialisme a-t-elle un avenir?. Paris: PUF, 1992a. pp.181-193. 38 Jean-Paul Déléage, Histoire de l’écologie: une science de l’homme et de la nature. Paris: La Découverte, 1992. Jean-Paul Déléage, L’ecologie, humanisme de notre temps. In: Ecologie politique, n.5, hiver, 1993. pp.1-14. 39 Jean Marie Harribey, “Le regime d’accumulation financière est insoutenable socialement et écologicament”. In: HARRIBEY, J-M. & LÖWY, M (orgs.). Capital contre nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2003. pp.109-122. Jean Marie Harribey, Marxisme écologique ou écologie politique marxienne. In: Bidet, j. & Kouvélakis E. (orgs.). Dictionnaire Marx contemporain. Paris: PUF, Actuel Marx Confrontation, 2001. pp.183-200. Jean Marie Harribey, “Rapports sociaux et écologie: hierarchie ou dialectique?”. Congrès Marx International IV: Université Paris X-Nanterre. Actuel Marx, 2004. 40 Frieder Otto Wolf, “Crise écologique et théorie marxiste. Pour une problématique renouvelée”. In: HARRIBEY, J-M. & LÖWY, M (orgs.). Capital contre nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2003. pp.191-202. 41 No Brasil, verificou-se a emergência de militantes ecossocialistas desde pelos menos 1982, organizados seja no âmbito dos movimentos ambientalistas e ecopolíticos tradicionais, seja na

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A despeito da sensível heterogeneidade entre eles, esses autores

reúnem em comum uma crítica contundente ao modelo produtivo e civilizatório

capitalista-moderno, crítica que se combina, em geral, com a afirmação da

necessidade de se articular algumas das idéias centrais do marxismo “clássico”,

por assim dizer, com as contribuições contemporâneas dos movimentos

ecológicos. Nos termos de André Gorz42, a ecologia política manifesta uma

continuidade em relação às lutas operárias em dois planos: a reivindicação de

justiça social e a contestação da racionalidade econômica capitalista,

recusando, todavia, qualquer forma de adesão ao mito do progresso infinito.

Não por acaso, Jean-Marie Harribey insiste na necessidade de uma

relação dialética entre a crítica marxista das relações sociais e a crítica

ecológica ao produtivismo capitalista. Mesmo porque,

“se afirmamos que a simultaneidade dos desastres sociais e ecológicos não é fortuita, quer dizer, se eles são o produto do desenvolvimento econômico impulsionado pela acumulação do capital à escala planetária, e, pior ainda, se eles são seu produto necessário, então se coloca a questão do encontro da crítica marxista do capitalismo e da crítica do produtivismo cara aos ecologistas”43 (tradução livre do original francês).

Para Harribey44, “nossa única chance de avançar em direção a uma

sociedade mais justa e mais ecológica é conceber uma articulação inédita entre

esses dois pólos que são o social e o ecológico”. Desastre ecológico e crise

social possuem, enfim, uma origem comum: o capitalismo45, estimulando,

construção do Partido dos Trabalhadores. Mais recentemente. formou-se, na terceira edição do Fórum Social Mundial, em 2003, a “Rede Brasil de Ecossocialistas”, em oficina – intitulada “A Sustentabilidade pelo Ecossocialismo” – promovida pelo Centro de Estudos Ambientais de Pelotas (RS) e pelo Instituto TERRAZUL, de Fortaleza (CE), com a participação de mais de 250 pessoas, de 16 estados brasileiros. 42 André Gorz, Capitalisme, Socialisme, Ecologie: Désorientations, Orientations. Paris: Galilée, 1991. 43 Jean Marie Harribey, “Rapports sociaux et écologie: hierarchie ou dialectique?”., cit. 44 Idem, ibidem. p.3. 45 Em palavras do Primeiro Manifesto Ecossocialista Internacional (redigido conjuntamente por Michael Löwy e Joel Kovel): “Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão profundamente relacionados e deveriam ser vistos como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais. As primeiras derivam, de uma maneira geral, da industrialização massiva, que ultrapassou a capacidade da Terra absorver e conter a instabilidade ecológica. O segundo deriva da forma de imperialismo conhecida como globalização, com seus efeitos desintegradores sobre as sociedades que se colocam em seu caminho. Ainda, essas forças subjacentes são essencialmente diferentes aspectos do mesmo movimento, devendo ser

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portanto, a necessidade de um questionamento conjunto tanto das atuais

relações sociais entre os homens quanto da relação predatória destes com a

natureza - aspecto pouco explorado pelo “marxismo clássico”46.

Nesse sentido específico, a busca pela junção entre socialismo e ecologia

(ou “questão social” e “questão ecológica”) constitui parte de um projeto mais

abrangente, a saber: a elaboração de uma perspectiva anticapitalista capaz de

questionar diretamente a feição destrutiva do paradigma tecnológico e industrial

da civilização moderna. Nas palavras de Michael Löwy47, um ecossocialismo do

século XXI deveria, “contra uma certa vulgata marxista, que concebe a mudança

unicamente como a supressão das relações de produção capitalistas”

(compreendidas como obstáculos ao livre desenvolvimento das forças

produtivas), “questionar a própria estrutura do processo de produção” 48. Para

Joel Kovel49, na mesma perspectiva, mais do que simplesmente intensificar o

desenvolvimento das forças “produtivas” existentes,

“é preciso reestruturar totalmente o sistema industrial, tendo por objetivo uma reestruturação radical das necessidades dos homens e uma transformação da relação com os bens de consumo, de tal modo que o valor de uso material ponha fim ao regime de troca – enfim, uma transformação social chamada ecossocialismo” (tradução livre do original francês).

No limite, tal proposição ressalta a necessidade de uma transformação

qualitativa dos paradigmas de desenvolvimento da modernidade capitalista,

seguidos à risca até mesmo pelo antigo socialismo realmente existente. Assim,

da perspectiva de Michael Löwy – alimentando-se de muitas das análises

desses autores – o ecossocialismo seria concebido, sobretudo, como uma

tentativa de restituir os elementos de crítica à civilização moderna/industrial que

identificadas como a dinâmica central que move o todo: a expansão do sistema capitalista mundial”. apud Michael Löwy, Ecologia e Socialismo, cit., p.85. 46 Para Ted Benton, a ausência de uma percepção dos “limites naturais”, em Marx e Engels, constitui-se no grande obstáculo a ser superado para uma “reconstrução ecológica” do marxismo. Ted Benton, “Marxisme et limites naturelles: critique et reconstruction écologiques”. In: HARRIBEY, J-M. & LÖWY, M (orgs.). Capital contre nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2003. pp.23-56. 47 Michael Löwy, Ecologia e Socialismo, cit., p.76. 48 Idem, ibidem, p.76. Cf. também Michael Löwy, “Rouge e vert: la perspective écosocialiste”. Éditions La Brèche numérique. Disponível em: http://www.preavis.net/breche-mumerique/article 1562.html. 49 Joel Kovel, “Un socialisme pour les temps nouveaux”, cit., p.153.

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se encontram no interior do socialismo marxista e da ecologia política (ou, pelo

menos, de algumas de suas correntes), aspectos que lhes prescrevem a

condição de “herdeiros da crítica romântica”50. Para o intelectual franco-

brasileiro, “o movimento ecológico constitui, neste final de século XX, a mais

importante forma de renovação da crítica romântica contra a civilização industrial

moderna”51.

2.4. Marxismo e romantismo na contramão da modernidade

Muito além de uma escola literária do século XIX, como se acostumou a

pensar, o romantismo constitui, para Löwy, uma “visão social de mundo”, uma

estrutura básica de sentimento que, desde meados do século XVIII até os dias

atuais, atravessa as mais diferentes manifestações socioculturais, da arte à

política, passando pela filosofia, pela historiografia e pela teologia52. Com efeito,

em que pese seu caráter fabulosamente contraditório, sua diversidade, sua

acomodação às particularidades históricas nacionais, o anticapitalismo

romântico define-se por uma “fonte luminosa comum”, a saber: a oposição ao

mundo burguês moderno. Nas palavras de Michael Löwy,

a característica essencial do anticapitalismo romântico é uma crítica radical à moderna civilização industrial (burguesa) – incluindo os processos de produção e de trabalho – em nome de certos valores sociais e culturais pré-capitalistas”. Todavia, “a referência a um passado (real ou imaginário) não significa necessariamente que tenha uma orientação reacionária ou regressiva: pode ser revolucionária tanto quanto conservadora.53

Sob a ótica romântica, o mundo moderno constitui a expressão de uma

perda de valores qualitativos outrora preponderantes. Reproduz-se assim a

50 Em uma pesquisa anterior, financiada pela FAPESP (bolsa de Iniciação Científica), buscamos compreender o estatuto teórico da relação entre marxismo e romantismo na obra de Michael Löwy, tomando como mediação precisamente o ideário ecossocialista. Aprofundando as hipóteses erigidas desde então, a pesquisa de mestrado ora apresentada (mantendo a ênfase no ecossocialismo como uma mediação fundamental), almeja apreender a idéia mais ampla de crítica da modernidade em Michael Löwy, crítica que tem no romantismo tão-somente uma de suas facetas. 51 Michael Löwy & Robert Sayre, Revolta e Melancolia: o romantismo na contramão da modernidade. Rio de Janeiro, Vozes, 1995, p.255. 52 Michael Löwy, Romantismo e messianismo. São Paulo, EDUSP, 1990, p.35. 53 Idem, ibidem, p.36 – grifos do original.

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sensação, ou a experiência, de que,

“no real moderno, algo de precioso foi perdido, simultaneamente, ao nível do indivíduo e da humanidade. A visão romântica é caracterizada pela convicção dolorosa e melancólica de que o presente carece de certos valores humanos essenciais que foram alienados”54.

O passado, como um “paraíso perdido”, corresponde a um período em

que as alienações modernas ainda não impostavam a vida social de forma

significativa. O romantismo manifesta, portanto, uma aspiração pela reconquista

de valores humanos usurpados pela modernidade capitalista55. Em

conseqüência, o romantismo, nos termos de Löwy56,

“apodera-se de um momento do passado real – no qual as características nefastas da modernidade ainda não existiam e os valores humanos, sufocados por esta, continuavam a prevalecer – transforma-o em utopia e vai modelá-lo como encarnação das aspirações românticas. É nesse aspecto que se explica o paradoxo aparente: o ‘passadismo’ romântico pode ser também um olhar voltado para o futuro; a imagem de um futuro sonhado para além do mundo em que o sonhador vive inscreve-se, então, na evocação de uma era pré-capitalista”.

Ao buscar redefinir o próprio conceito de romantismo, Löwy leva adiante,

com novos desdobramentos, uma premissa central de sua obra: a necessidade

de se “escovar a história a contrapelo”, enxergando o passado não como a

expressão factual do progresso e da “necessidade” histórica (como o fazem os

“historiadores prisioneiros do fetichismo das forças produtivas”57), mas sim como

54 Michael Löwy e Robert Sayre, O romantismo na contramão da modernidade, cit., p.40. 55 “De maneira geral, seria possível distinguir, nesse sistema, várias grandes faces suscetíveis de concentrar a crítica: por um lado, tudo o que diz respeito às relações de produção (centradas, em regime capitalista, no valor de troca, nas relações quantitativas de dinheiro); por outro, os meios de produção (meios tecnológicos que se apóiam em bases científicas); e, enfim, o Estado e o aparelho político moderno que administra (e é administrado por) o sistema social. Se a nebulosa romântica compreende críticas dirigidas a uma dessas faces (e também, por vezes, para aspectos mais ou menos secundários, superficiais, derivados destas), deve-se dizer que aqueles que manifestam, da forma mais íntegra, a visão romântica do mundo, fazem incidir sua crítica sobre todas ou muitas dessas faces e suas características mais essenciais”. Michael Löwy & Robert Sayre, O romantismo na contramão..., cit., p.38 – grifos do original. 56 Idem, ibidem, p.41. 57 Michael Löwy, Do capitão swing a Pancho Villa: resistências camponesas ao capitalismo na historiografia de Eric Hobsbawn. In: Politeia. História e Sociedade. Vitória da Conquista, v.2, n.1. 2002, p.27. O núcleo desta concepção economicista da história foi muito bem resumido por Edward Palmer Thompson, com sua franca ironia: “Qualquer que seja o nome daqueles que o

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17

um “paraíso perdido” que é “iluminado pela luz dos combates de hoje, pelo sol

que se levanta no céu da história”58. “História aberta” significa, aqui, não

somente a abertura das possibilidades do futuro, senão também uma nova

escrita da história, desta vez do ponto de vista dos oprimidos, de onde se supõe

o imperativo de reescrever a própria crítica romântica da modernidade

capitalista. Assim, tratar-se-ia, ainda hoje, de se “enriquecer a cultura

revolucionária com todos os aspectos do passado portadores de esperança

utópica”, uma vez que o socialismo moderno perde seu sentido mais profundo e

radical “se não for também o herdeiro e executante testamentário de vários

séculos de lutas e de sonhos de emancipação”59.

Sob tal perspectiva, haveria no próprio Marx, em sua crítica radical à

moderna civilização industrial (burguesa), “uma dimensão romântica inegável,

mesmo que este não seja o aspecto dominante de seu pensamento”. Melhor

dizendo, “o anticapitalismo romântico é a fonte esquecida de Marx, fonte tão

importante para o seu trabalho quanto o neo-hegelianismo alemão ou o

materialismo francês”60. Não por acaso, desenvolveu-se mais tarde uma

corrente “marxista-romântica”, dentro do qual poderiam ser incluídas figuras tão

importantes do marxismo dialético: de Walter Benjamin até Raymond Williams,

do jovem Lukács até Ernst Bloch, Henri Lefebvre e André Breton, passando

pelos mais contemporâneos E.P.Thompson, Raymond Williams, além, é claro,

do próprio Michael Löwy.

Fundamentando-se na célebre caracterização gramsciana do marxismo

como um “humanismo absoluto”, Löwy61 atribui a Marx o trabalho de redefinição,

sob o ponto de vista do proletariado moderno, dos valores ético-morais do

humanismo clássico, os quais também se fazem presentes na crítica romântica

da “desumanidade desencantada” do mundo moderno. É justamente no

espectro dessa crítica “humanista” ao capitalismo, que marxismo e romantismo

imperador massacrou, o historiador científico (sempre fazendo anotar a contradição) afirma que as forças produtivas aumentaram”. Apud Michael Löwy, A Dialética Marxista do Progresso. In: BENSAÏD, Daniel; LÖWY, Michael. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã, 2000, p.79. 58 Michael Löwy, Walter Benjamin: alarme de incêndio. Uma leitura das ‘teses sobre o conceito de história’. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. p.60. 59 Idem, ibidem, p.57. 60 Michael Löwy, Romantismo e Messianismo, cit., p.43 – grifos do original. 61 Michael Löwy, Método Dialético e Teoria Política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

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18

podem engendrar algumas afinidades eletivas.

Henri Lefebvre define o romantismo como uma resposta, explosiva e

apaixonada, em face da contradição vital entre o ideal de razão universal

apregoado pela modernidade burguesa e a realidade econômica e social

realmente existente, por assim dizer. Em suas palavras, “no emaranhado das

contradições vividas pelos românticos, uma delas pode passar por fundamental:

a contradição entre a ideologia da burguesia e sua realidade prática”62. Em

Michael Löwy, igualmente, a sensibilidade romântica apresenta-se como uma

forma de autocrítica da modernidade. “Assim, ao reagirem afetivamente, ao

refletirem, escreverem contra a modernidade, [os românticos] estão reagindo,

refletindo e escrevendo em termos modernos”63.

O historiador britânico Raymond Williams sustenta a hipótese, em uma

resenha sobre uma obra do próprio Löwy64, de que uma das grandes lacunas do

pensamento socialista foi a sua rejeição, muitas vezes sumária, de inúmeros

aspectos decisivos para se pensar os contornos da crítica e, mais importante, da

superação do capitalismo, taxando-os como prerrogativas típicas de um

“idealismo romântico”. Conforme parece sugerir Williams, a relevância maior de

História e consciência de classe (HCC), primeira grande expressão do marxismo

de Gyorg Lukács, reside justamente na capacidade demonstrada pelo autor

húngaro em congregar alguns destes temas “românticos” ao arcabouço teórico

marxista. Nas palavras de Raymond Williams65, “em especial na análise da

‘reificação’, ele (Lukács) encontrou maneiras de restabelecer a crítica da

consciência quantitativa e instrumental e das relações sociais em termos que

genuinamente se vinculavam à luta em prol do socialismo”. Rebatendo as

62 Henri Lefebvre, Introdução à modernidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969, p.340. Lefebvre valoriza o romantismo como uma forma de manter acesa a vocação revolucionária total do projeto socialista, opondo-se a toda tentativa de justificação “neoclássica” do poder e da norma histórica. Henri Lefebvre, Introdução à modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. 63 Löwy & Sayre, Revolta e Melancolia..., cit., p.39. 64 A resenha de Williams refere-se ao livro A Evolução política de Lukács: 1909-1929, ao cabo do qual Löwy analisa com muita acuidade a trajetória do jovem Lukács até a sua adesão singular ao marxismo. Intitulada O que é anticapitalismo?, a resenha do historiador britânico foi reproduzida como anexo no livro, publicado em 2007 pela Boitempo Editorial, sobre As utopias de Michael Löwy, expressão textual de um Seminário, realizado em 2005 pela Revista Margem Esquerda, sobre a obra indisciplinada de Michael Löwy. 65 Raymond Williams, O que é o anticapitalismo?. In: Ivana Jinkings & João Alexandre Peschanski (orgs.). As utopias de Michael Löwy. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007. p.58.

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críticas de Lucio Colletti à HCC, Michael Löwy também parece alimentar

perspectiva semelhante. Para ele66,

“Lukács não é um seguidor de Tönnies ou Simmel, mas realiza uma Aufhebung de suas concepções no seio de uma problemática que é essencialmente marxista. Por outro lado, como o sugerem alguns ‘lukácsianos’, a associação com Rickert, Simmel etc., antes de ser um argumento para diminuir Lukács, não poderia estimular um reexame das relações entre o marxismo e o romantismo e uma reavaliação da tradição romântica?”.

Mais do que uma opção ética e/ou política, o conceito de visão social de

mundo romântica - tal como construído por Löwy - almeja visualizar as

características centrais de uma tendência sociocultural que, longe de ter se

esgotado, continua a percorrer muitas das manifestações sociais, culturais e

ideológicas existentes, projetando-se em vários momentos e acontecimentos do

século XX67. Deste modo, a compreensão das potencialidades revolucionárias

do romantismo seria um pressuposto absolutamente necessário para a análise

de muitos dos processos de lutas sociais e culturais que se sucederam no

século passado - uma vez que, ao longo do século XX, elementos do

romantismo mantiveram sua “chama acesa” ora sob o signo dos “movimentos

culturais de vanguarda”, ora nos assim chamados “novos movimentos sociais”,

ou mesmo ao redor do aclamado “maio de 68” francês. Nas palavras de Löwy,

“Certos fenômenos culturais dos mais recentes – notadamente as revoltas político-culturais dos jovens dos países industrializados avançados, nos anos 60 e 70, como também o movimento ecológico que delas resultou – são dificilmente explicáveis sem referencia à visão de mundo romântica anticapitalista” 68.

Em texto recentemente publicado no Brasil sobre “o romantismo

66 Michael Löwy, A evolução política de Lukács. 1909-1929. São Paulo: Cortez Editora, 1998. p.217. 67 A formulação da visão de mundo romântica, tal como ela se apresenta em Löwy e Sayre, pretende ser um conceito (Begriff) em sentido marxista, “traduzindo” – por assim dizer – o movimento da realidade, e ao mesmo tempo revelando as contradições e a diversidade do fenômeno. Michael Löwy & Robert Sayre, Revolta e Melancolia, cit., p.31. 68 Michael Löwy & Robert Sayre, Romantismo e política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993, p.20.

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revolucionário nos movimentos de maio” de 1968, Michael Löwy69 (2008, p.37)

destaca o que ele compreende por “fusão única entre as críticas romântica e

marxista da ordem capitalista”, tal como levada a cabo não só pelos movimentos

de 68 mas também pelos recentes “movimentos anti-globalização”, no interior

dos quais insurgiram com grande peso as demandas e reivindicações

ecológicas. Para ele:

“Hoje, no início do século XXI, a ecologia social se tornou um dos ingredientes mais importantes do vasto movimento contra a globalização capitalista neoliberal que está em processo de desenvolvimento, tanto no Norte, quanto no Sul do planeta”70.

3. O marxismo de Michael Löwy: crítica e autocrítica da modernidade

Como bem alertou Perry Anderson algumas décadas atrás, qualquer

estudo sobre o marxismo (ou sobre o pensamento marxista) implica a

necessidade, mais do que de uma análise das possibilidades e dos bloqueios

internos da própria teoria em si, de uma investigação mais ampla sobre a

trajetória da prática popular e da história a qual esta teoria está vinculada.

Teoria da história, o marxismo projeta também uma história da teoria, construída

a partir da apreensão das características e transformações concretas do

capitalismo. Ao definir suas conquistas teóricas como expressões cognitivas do

“movimento real das coisas”, e não de um “estado ideal de coisas”, Marx e

Engels já haviam sugerido que o destino de suas formulações teóricas ligava-se

intimamente aos desdobramentos da “intrincada trama da luta de classes

nacionais e internacionais que o caracterizam”71. Como teoria crítica do

capitalismo que busca oferecer uma inteligibilidade reflexiva do seu próprio

desenvolvimento (e por isso inclui uma concepção autocrítica), o marxismo

reconhece a importância das explicações extrínsecas de suas grandezas e 69 Michael Löwy, “O romantismo revolucionário dos movimentos de maio de 1968”. In: Revista Margem Esquerda, n.11. São Paulo: Boitempo Editorial. 2008. p.37. 70 “A presença maciça dos ecologistas foi uma das características chocantes da grande manifestação de Seattle contra a Organização Mundial do Comércio em 1999. No Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2001, um dos atos simbólicos fortes do evento foi a operação, levada a cabo pelos militantes do Movimento dos Sem-Terra brasileiros (MST) e pela Confederação Camponesa francesa de José Bové, de arrancar uma plantação de milho transgênico da multinacional Monsanto”. Michael Löwy, Ecologia e Socialismo, cit., p.65. 71 Perry Anderson, A crise da crise do marxismo. 2ª. ed., São Paulo: Brasiliense, 1985. p.16.

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misérias reais. A análise interna de uma teoria relaciona-se, então, com a

história do seu desenvolvimento externo, cuja compreensão elucida as

condições de possibilidade do pensamento social crítico.

No caso aqui em questão, a opção pelo estudo desta dimensão

específica da obra de Michael Löwy assenta-se na hipótese teórica - e

metodológica - de que suas análises respondem, ainda que muitas vezes não

explicitamente, às novas formas de reprodução das relações sociais capitalistas,

caracterizadas pelo “colapso da modernização” e pela emergência de inúmeros

questionamentos em relação aos grandes tópicos do pensamento moderno. A

exigência de que o marxismo se constitua, em última análise, como crítica

moderna da modernidade (ou como uma forma de autocrítica da modernidade),

parece compor parte de uma tentativa mais ampla de renovação do pensamento

marxista frente às atuais formas de realização do capitalismo e dos seus

impactos sobre as “narrativas” da modernidade, iniciadas após a Segunda

Guerra Mundial e intensificadas em meados da década de 1970. Conforme

sugeriu certa vez Fredric Jameson:

Os marxismos (os movimentos políticos, bem como as formas de resistência intelectual e teórica) que emergirem do atual sistema capitalista, da pós-modernidade, da terceira fase do capitalismo informacional e multinacional de Mandel, serão necessariamente diferentes dos que se desenvolveram no período moderno, no segundo estágio, a era do imperialismo. Eles terão um relacionamento radicalmente diferente com a globalização e também, em contraste com o marxismo mais antigo, parecerão ter caráter mais cultural, girando fundamentalmente em torno de fenômenos até então conhecidos como reificação da mercadoria e consumismo.72

Ora, em certa medida, o reconhecimento da atualidade histórica de

alguns aspectos da crítica cultural/romântica, e a centralidade conferida à crítica

do fenômeno especificamente moderno da reificação, manifestam a inserção de

Michael Löwy no interior deste “marxismo da terceira fase do capitalismo”, tal

como o concebe Jameson. Mais do que uma crítica da economia política, o

72 Fredric Jameson, “Cinco teses sobre o marxismo realmente existente”. In: Ellen Wood & John Bellamy Foster (orgs.), Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999, p.193.

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marxismo é concebido como crítica radical das bases da civilização moderna,

como uma sombra projetada que acompanha criticamente a modernidade

capitalista73. Este parece ser o fundo teórico e político (que unifica e fornece

expressão coerente) da valorização, em Löwy, do pessimismo sociológico

weberiano, da crítica do progresso em Benjamin, do anticapitalismo romântico

ou, mais recentemente, da perspectiva ecossocialista, como momentos

profícuos para a retomada da dimensão radicalmente anticapitalista do

marxismo contemporâneo, cuja crítica do presente deve se completar com uma

perspectiva emancipatória orientada para o futuro.

Michael Löwy reúne e sintetiza vários aspectos da tradição do “marxismo

ocidental”74, apropriando-se não só das obras de pensadores como Lukács,

Gramsci, Ernst Bloch, Benjamin, Lucien Goldmann, dentre outros, senão

também de algumas contribuições da ciência social acadêmica não-marxista,

como Weber ou Karl Mannheim. No entanto, diretamente influenciado pelo

trotskismo renovado e heterodoxo de Ernst Mandel, Michael Löwy buscou ir

além dessa tradição, como de resto mostra fa indissociabilidade, na sua obra,

da teoria e da prática, seja como imperativo teórico (uma teoria ou filosofia da

práxis), seja na sua militância nas fileiras da IV Internacional. Assim, a sua

incorporação da tradição dialética do marxismo ocidental combina-se com a

tentativa de atualizar o marxismo em face das transformações do capitalismo

contemporâneo. Como não poderia deixar de ser, a leitura dos autores do

passado orienta-se pelas necessidades do presente, do “tempo-de-agora” –

como diria Benjamin. Exatamente por isso, o marxismo é compreendido, na obra

do intelectual franco-brasileiro, como uma teoria aberta, que se reiventa nas

lutas sociais, um marxismo crítico que, mais do que “um edifício monumental, de

arquitetura impressionante, cujas estruturas se articulam harmoniosamente”,

73 Em linhas gerais, essa perspectiva se aproxima em diversos aspectos da obra de Daniel Bensaïd, cuja busca pelo “atual ainda ativo” de Marx também assinala uma tentativa de redefinir o projeto socialista frente às configurações contemporâneas do capitalismo (pós) moderno. Cf. Daniel Bensaïd, Marx intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999. Daniel Bensaïd, La discordance des temps. Paris, Éditions de la Passion, 1995, dentre outros. Sobre a idéia de crítica da modernidade em Löwy e Bensaïd, cf. Fabio Mascaro Querido, “Michael Löwy e Daniel Bensaïd: o marxismo e a crítica da modernidade”. Revista Aurora. Programa de pós-graduação em Ciências Sociais, UNESP – Marília, n.3, 2008. 74 Perry Anderson, Considerações sobre o marxismo ocidental. Nas trilhas do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

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apresenta-se como um “canteiro de obras, sempre inacabado”75.

75 Michael Löwy, “Por um marxismo crítico”. In: BENSAÏD, Daniel; LÖWY, Michael. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã, 2000. p.67.