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1 A REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA DOS ARQUÉTIPOS: COMO O DISCURSO PUBLICITÁRIO REPRESENTA OS SUJEITOS CONSUMIDORES A PARTIR DA PROJEÇÃO IDENTITÁRIA Vinícius Corrêa Bicalho (UFSJ) Márcia Barreto Berg (UFSJ) INTRODUÇÃO Este artigo faz parte de uma ampla pesquisa científica, que foi iniciada em 2005, com a primeira Iniciação Científica, em que hoje avançamos e damos continuidade aos trabalhos. Pretendemos aqui traçar alguns dos pressupostos teóricos que servirão de base bibliográfica para a análise do corpus selecionado. A saber, o corpus selecionado é o de publicidades im- pressas de Operadores de Telefonia Celular (OTC) veiculadas em revistas Veja durante o ano de 2006. Pelo caráter limitado do número de páginas do artigo, apresentaremos aqui a análise de 3 (três) publicidades, não nos exaurindo em uma análise quantitativa, mas sim qualitativa, suficiente para dar-nos base para as conclusões. Inicialmente, exploramos a noção de arquétipo enquanto imagens que representam esta- dos de realidade interior do sujeito, em que se estabilizam suas tensões emocionais, tanto in- dividuais quanto coletivas, e dirigem a energia da pessoa para a realização de um desejo. As- sim, o arquétipo é toda a representação mental que um sujeito faz de si e do mundo que o ro- deia, sejam essas manifestações conscientes e racionais ou de orientação emocional- psicológica ou inconsciente. Nosso objetivo nesse trabalho é entender como o sujeito/consumidor almejado pela pu- blicidade se vê representado nesse meio de comunicação e como os arquétipos que a publici- dade cria para representar seu consumidor-modelo levam esse sujeito ao consumo do produto ou serviço veiculado. Para isso, apresentaremos um estudo teórico em que perpassaremos teorias que nos aju- darão a entender como é representada essa relação sujeito/arquétipo/publicidade e como essas imagens evocam o desejo de consumo nesse destinatário. Nossa hipótese, que desenvolvemos desde o início das pesquisas, é a de que a veicula- ção da imagem publicitária, e conseqüentemente da representação do arquétipo, tem menor força persuasiva (de gerar uma projeção e identificação de identidade com o consumidor al-

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A REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA DOS ARQUÉTIPOS:

COMO O DISCURSO PUBLICITÁRIO REPRESENTA

OS SUJEITOS CONSUMIDORES A PARTIR DA PROJEÇÃO IDENTITÁRIA

Vinícius Corrêa Bicalho (UFSJ)

Márcia Barreto Berg (UFSJ)

INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte de uma ampla pesquisa científica, que foi iniciada em 2005, com a

primeira Iniciação Científica, em que hoje avançamos e damos continuidade aos trabalhos.

Pretendemos aqui traçar alguns dos pressupostos teóricos que servirão de base bibliográfica

para a análise do corpus selecionado. A saber, o corpus selecionado é o de publicidades im-

pressas de Operadores de Telefonia Celular (OTC) veiculadas em revistas Veja durante o ano

de 2006. Pelo caráter limitado do número de páginas do artigo, apresentaremos aqui a análise

de 3 (três) publicidades, não nos exaurindo em uma análise quantitativa, mas sim qualitativa,

suficiente para dar-nos base para as conclusões.

Inicialmente, exploramos a noção de arquétipo enquanto imagens que representam esta-

dos de realidade interior do sujeito, em que se estabilizam suas tensões emocionais, tanto in-

dividuais quanto coletivas, e dirigem a energia da pessoa para a realização de um desejo. As-

sim, o arquétipo é toda a representação mental que um sujeito faz de si e do mundo que o ro-

deia, sejam essas manifestações conscientes e racionais ou de orientação emocional-

psicológica ou inconsciente.

Nosso objetivo nesse trabalho é entender como o sujeito/consumidor almejado pela pu-

blicidade se vê representado nesse meio de comunicação e como os arquétipos que a publici-

dade cria para representar seu consumidor-modelo levam esse sujeito ao consumo do produto

ou serviço veiculado.

Para isso, apresentaremos um estudo teórico em que perpassaremos teorias que nos aju-

darão a entender como é representada essa relação sujeito/arquétipo/publicidade e como essas

imagens evocam o desejo de consumo nesse destinatário.

Nossa hipótese, que desenvolvemos desde o início das pesquisas, é a de que a veicula-

ção da imagem publicitária, e conseqüentemente da representação do arquétipo, tem menor

força persuasiva (de gerar uma projeção e identificação de identidade com o consumidor al-

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mejado) quando veiculada isoladamente, sem a presença do texto. Como disse Barthes (1964:

31), as imagens são ambíguas e polissêmicas, enquanto as mensagens verbais são (ou podem

ser) não-ambíguas e monossemias. A presença do discurso escrito corrobora a imagem e con-

tribui para a conseqüente identificação do sujeito/consumidor com o arquétipo ou modo de

vida representados na publicidade.

Os autores presentes em nosso recorte teórico são Barthes (2003), Morin (1977) e Ran-

dazzo (1996). Esses autores, à primeira vista heterogêneos, se complementam por estarem in-

seridos no Campo de Estudos da Comunicação e da Linguagem. Cada um defende um olhar

do modo como o sujeito é representado na publicidade: eles retratam o sujeito que o consumi-

dor almeja ser numa peça publicitária. Os trabalhos das estudiosas Ribeiro (2002) e Mazuc-

chi-Saes (2003) nos ajudarão a entender como as teorias desses autores são imbricadas umas

as outras e, além disso, são abertas a estudos interdisciplinares.

A mídia publicitária foi selecionada por ser a que nos dá uma demonstração mais efeti-

va de como o destinatário busca, nos meios de comunicação, modelos de vida que anseia re-

presentar. Já o meio impresso foi escolhido pela facilidade no trato da pesquisa, tanto na cole-

ta como na qualidade de ser um meio estático de análise.

ABORDAGEM TEÓRICA

A Linguagem Não-Verbal

Barthes: Arquétipo enquanto parte da Linguagem Mitológica

Para Barthes (2003: 199) “o mito é um sistema de comunicação, uma mensagem”; as-

sim, o mito é um modo de significação ao qual é necessário impor limites históricos, revesti-

lo na sociedade e impô-lo a condições de funcionamento. Por ser inserido em um determinado

tempo e contexto históricos e estar na interação entre sujeitos sociais e ideológicos, o mito se

manifesta enquanto discurso.

Para Barthes tudo pode ser mito, pois o universo é infinitamente sugestivo e cada objeto

do mundo está aberto à apropriação da sociedade. Por exemplo, quando Barthes fala da árvo-

re: ela é apenas um objeto, mas quando dito por alguém, em um determinado momento e com

determinada pretensão, já não é simplesmente uma árvore, pois é adaptada à um certo consu-

mo, investida de imagens, em suma, de um uso social que se acrescenta à pura matéria.

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Nesse sentido, a publicidade pode servir de apoio à fala mítica, pois transforma certos

objetos de matéria pura em algo que possa servir a um determinado uso social, o consumo. A

fala mítica é formada por uma matéria já trabalhada (o produto) em vista de uma comunicação

apropriada (o consumo).

Para Barthes, “... a mitologia é uma concordância com o mundo, não como ele é, mas

como pretende sê-lo (...)” (op. cit., p. 249). Assim, a publicidade vai funcionar como um meio

pelo qual a mitologia participa da construção do mundo, ou seja, retratando aspectos culturais

e ideológicos que estão inseridos na coletividade. Uma publicidade pode retratar tanto sujei-

tos, quanto lugares, momentos, situações ou fatos, sendo que tudo isso está arraigado em uma

memória coletiva da qual os sujeitos, de um modo consciente ou inconscientemente, acabam

assumindo um lugar de pertencimento ao que é representado.

Assim, podemos ver uma publicidade assimilando-nos aos sujeitos que ali estão dispos-

tos, vendo-nos agindo da maneira como eles agem, situando-nos naquele lugar e enxergando-

nos como se fôssemos aquelas pessoas. A partir disso, depreendemos que a publicidade tanto

representa meios de vida que temos ou meios de vida que gostaríamos de ter.

Por fim, Barthes diz que “os mitos não são nada mais do que essa solicitação incessante,

infatigável, essa exigência ansiosa e inflexível que obriga os homens a se reconhecerem nessa

imagem de si próprios, eterna e, no entanto, datada, que um dia se constitui como se fora para

todo o sempre.” (op. cit., p. 248). Nesse sentido, Barthes entende que como a Cultura, os valo-

res, ordens e crenças de uma sociedade são mutáveis, os mitos também acompanham essas

mudanças, pois eles estão imbricados na Cultura e Ideologia de uma coletividade. Assim, as

representações de uma sociedade e de seus sujeitos mudam do mesmo modo como muda a

presença dos mitos.

Morin: A representação Olimpiana na Cultura de Massa

Morin (1977) afirma que existe uma Cultura de Massa predominante no século XX cu-

jos meios de comunicação são alguns dos alicerces de sustentação dessa cultura. Para Morin,

uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que pene-

tram na intimidade do indivíduo, estruturando seus instintos, suas emoções e suas vontades.

Essa intimidade se completa a partir de trocas mentais de projeção e de identificação de per-

sonagens míticos. Esses indivíduos se projetam enquanto sujeitos desejantes de um determi-

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nado modo de vida a partir da identificação com imagens míticas veiculadas cotidianamente

nos meios de comunicação, e em especial, nas publicidades.

Assim, a “Cultura de Massa é uma cultura, pois constitui um corpo de símbolos, mitos,

e imagens concernente à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identi-

ficações específicas.” (op. cit., p. 15). Essa projeção e identificação dos indivíduos partem da

própria estrutura do imaginário de um Homem Universal, que em toda parte responde às ima-

gens apresentadas. Esse imaginário se estrutura segundo arquétipos: “existem figurinos-

modelos do espírito humano que ordenam os sonhos e, principalmente, os sonhos racionaliza-

dos.” (op. cit., p. 26). Dessa forma, o imaginário individual constrói, a partir dos sonhos, figu-

rinos-modelos de sujeitos que concretizam, na publicidade, a representação sujeito real/sujeito

imaginário.

Para o autor, a representação dos arquétipos na Cultura de Massa se dá através da vede-

tização da grande imprensa, ou seja, de uma mitologia que projete e identifique aquilo que in-

tervém em todas as relações humanas e se acha comprometida com o tecido cotidiano de nos-

sas vidas. A vedetização projeta vedetes que se encontram no ímpeto do imaginário para o re-

al e do real imaginário. Para Morin (op. cit., p. 75), essas vedetes são os verdadeiros olimpia-

nos modernos: “Esses olimpianos propõem o modelo ideal (...). Vivem segundo a ética da fe-

licidade e do prazer, do jogo e do espetáculo. Essa exaltação da vida privada é aquela mesma

da cultura de massa.”

E assim, por representarem um modelo de vida ideal, que os sujeitos interpretantes – no

caso, os destinatários da mensagem publicitária – almejam e se projetam naquilo que vêem,

toda a exaltação da vida de um olimpiano é, na verdade, toda uma exaltação do modelo de vi-

da que está arraigado no imaginário de indivíduos culturais. Os olimpianos representam, nada

mais, do que mitos de auto-realização da vida privada.

Já a publicidade usa a imagem de olimpianos cotidianamente. Como diz Morin (op. cit.,

p. 108), “A publicidade, apoderando-se das estrelas para fazer delas modelos de beleza, con-

firma explicitamente seu papel exemplar.”

Os olimpianos são todos os astros e estrelas que veiculam cotidianamente os meios de

comunicação, como na publicidade. Dessa forma, os olimpianos, por meio de sua dupla natu-

reza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mun-

do da identificação. Tornam-se, como afirma o autor, “modelos de vida. São heróis modelos.”

(op. cit., p. 107)

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Como exemplo, na publicidade, Morin fala da injeção de erotismo na representação de

uma mercadoria não erótica (as publicidades que juntam a atraente figura feminina a um apa-

relho tecnológico ou a um gênero alimentício). Para Morin (op. cit.), isso tem por função não

apenas provocar diretamente o consumo masculino, mas de “... estetizar, aos olhos das mulhe-

res, a mercadoria de que elas se apropriarão; ela – a publicidade – põe em jogo junto ao even-

tual cliente a magia da identificação sedutora.” (op. cit., p. 121)

Por fim, percebemos que a Cultura de Massa se constitui em função das necessidades

individuais que emergem do imaginário social. Ela vai fornecer à vida privada as imagens e

os modelos que dão forma às suas aspirações. Assim, a publicidade não faz nada mais do que

representar algo que os destinatários almejam ter ou ser e um meio pelo qual eles possam se

projetar e se identificar.

Projeção e Identificação pelos Arquétipos Mitológicos

Randazzo (1997) parte do princípio de que a publicidade é uma parte importante da

nossa cultura, um meio extremamente poderoso de moldar nossos valores individuais e cultu-

rais. Já os mitos, são projeções que emanam da alma e dos sonhos desses indivíduos. Eles re-

presentam “sonhos coletivos, aspirações, sentimentos e padrões de pensamento da humanida-

de, que parecem estar implantados nos seres humanos e que de alguma forma funcionam co-

mo instintos ao moldarem o nosso comportamento” (op. cit., p. 11). Os mitos são valores e

crenças sociais projetadas no imaginário individual e coletivo representantes de uma determi-

nada cultura.

Assim como os mitos, as marcas de produtos ou serviços também funcionam como por-

tadoras de projeção. A publicidade da marca é o meio pelo qual há a projeção de valores e

crenças; ela espelha as mitologias culturais coletivas e os valores e sensibilidades que moldam

a vida. Como diz o autor “a publicidade é uma forma de criar mitos” (op. cit., p. 11).

À essas mitologias culturais são fornecidas bases – as imagens arquetípicas (universais)

– que sustentam os alicerces de inúmeras imagens usadas nas publicidades. Por exemplo, a

imagem universal da Grande mãe, que aparece em todas as mitologias culturais e que repre-

senta o instinto nutricional presente em todos nós, também serve como o fundamento materia-

lizado por muitas peças publicitárias de gêneros alimentícios e vestuário infantil.

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Quando há esse tipo de emprego de imagem na publicidade, tem-se o que Randazzo

chama de “imagem do usuário”, ou seja, toda uma descrição do tipo de pessoa que o anunci-

ante deseja retratar como usuária de seus produtos.

Dessa forma percebemos que a identificação produto/consumidor se dá a partir da ima-

gem que cada um deseja de si próprio.

Para Randazzo, a imagem do usuário criada pela publicidade pode ser uma imagem de

usuário real ou uma imagem de usuário idealizado (mitologizado). A imagem de usuário real

é uma imagem que é coerente com a auto-imagem, os valores e o estilo de vida do consumi-

dor. Nesse caso, temos a representação de uma imagem que o consumidor já possui, e ele se

identifica com ela porque ele se enquadra nela.

A imagem de usuário mitologizado é uma imagem que espelha o tipo de pessoa quer o

consumidor gostaria de ser. Representa aquilo que está intrínseco a sua imaginação, tudo o

que ele almeja representar. A imagem de usuário mitologizado tem ligação com a noção de

Olimpiano dada por Morin (1977), pois como a publicidade enaltece pessoas que freqüentam

cotidianamente a mídia, o usuário mitologizado será esse olimpiano que, quando astro ou ar-

tista, é projetado a fim de idealizar uma identificação por parte dos consumidores.

Essas imagens-modelo de usuários são também imagens arquetípicas. Randazzo cita

JUNG (1968), ao explicitar que as imagens arquetípicas contidas no inconsciente de indiví-

duos e da coletividade estão profundamente arraigados na espécie humana e, de alguma for-

ma, funcionam como instintos que influenciam e controlam o nosso comportamento. O que

pode-se perceber são expressões do arquétipo na forma de imagem e símbolos arquetípicos.

Em outras palavras, todo o arquétipo pode se manifestar em um número infinito de formas.

Por exemplo, o arquétipo do Guerreiro 1, que está ligado a valores como independência, for-

ça, e coragem, pode ser representado em um caubói, um jogador de futebol, um homem de

negócios, um policial, um operário, etc. Assim, toda imagem que contemple valores ligados

ao arquétipo do Guerreiro, pode ser usada para espelhar sujeitos e modos de vida, à medida

que essa imagem seja identificada pelos consumidores.

Dessa forma, a publicidade é uma forma de criar mitos e representar arquétipos, projetar

sujeitos e mundos simbólicos nos quais os seres humanos possam projetar os seus sonhos e

anseios.

No âmago das mitologias criadas pelas marcas publicitárias existe um símbolo, uma i-

magem arquetípica que dá rumo a essas mitologias, que por sua vez moldam a vida das pes-

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soas. Essas marcas criam mitologias que servem para refletir e reafirmar a identidade do con-

sumidor. Nesse caso, como afirma Randazzo, “o que se deseja é que o consumidor se identifi-

que com a imagem do usuário (o tipo de pessoa apresentada usando o produto) criada pela

publicidade.” (op. cit., p. 96)

Essa mitologia publicitária, envolta de arquétipos, pressupõe que todos nós consumido-

res passamos conscientes ou inconscientes por uma série de arquétipos e de experiências ar-

quetípicas que definem e moldam nossas vidas. Assim, a grande fascinação exercida por uma

imagem publicitária arquetípica está no fato de as pessoas responderem à ela não em nível

consciente – assumindo racionalmente seus desejos e anseios e suas vontades - como também

em nível emotivo, mais profundo, partindo do inconsciente ou do imaginário do indivíduo. O

autor afirma que as mitologias publicitárias, que criam no consumidor poderosas imagens ba-

seadas em arquétipos, procuram muitas vezes despertar sentimentos associativos ao seu con-

sumidor alvo. Essas mitologias proporcionam um sentido de identidade, tanto individual

quanto cultural, refletindo a reafirmando os valores e sensibilidades do consumidor.

Randazzo faz um estudo das imagens arquetípicas que moldam as mitologias publicitá-

rias. Ele assevera que as imagens femininas usadas nas mitologias de marca baseiam-se nor-

malmente na Grande Mãe ou na Donzela (Virgem, Tentadora) e as imagens masculinas usam

os arquétipos do Grande Pai ou do Guerreiro. Mas ele chega ao consenso de que os arquétipos

transcendem os gêneros: homens e mulheres têm ambos, instintos carinhosos e instintos a-

gressivos. Essa transcendência de gêneros e valores é um reflexo da mutação da cultura, como

afirmaram Morin (op. cit.) e Barthes (2003). Com essa mudança, consequentemente, as mito-

logias e a representação dos arquétipos também mudam, pois acompanham os valores, cren-

ças e conceitos arraigados na coletividade cultural.

Por fim, Randazzo afirma que “Todos nós temos um instinto agressivo, um instinto

guerreiro, que é universalmente representado pelo arquétipo do Guerreiro. E todos nós temos

um instinto de amor e de afago, universalmente representado pelo arquétipo da Grande Mãe”

(op. cit., p. 335). Por isso, quando a publicidade faz o uso correto de imagens arquetípicas, o

sucesso é bem maior, pois vão ter um impacto significativo na identificação do sujeito-

consumidor.

A Linguagem Verbal

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Como vimos na seção anterior, o recurso da linguagem não-verbal (icônica) constitui

importante instrumento para despertar o desejo pela representação e projeção do sujeito

no/pelo discurso publicitário.

Nessa seção, visaremos demonstrar como os signos verbais, atrelados aos não-verbais,

são desenvolvidos no processo persuasivo e como eles se organizam para o envio da mensa-

gem e conseqüentemente para despertar o desejo de identificação no sujeito almejado pela

publicidade.

Os arquétipos e mitos publicitários são representados pelas imagens, já a linguagem

verbal vem ao encontro da representação desses arquétipos, auxiliando na identificação do su-

jeito a partir daquele determinado, e desambigüisando qualquer sentido contrário ao que a i-

magem tenha gerado.

Naquilo que assevera Mazucchi-Saes (2003: 53)

Podemos observar que todas as produções textuais apresentam, no nível profundo, imagens e valo-res arquetípicos como segurança, nutrição, conhecimento, reconhecimento, proteção. Por meio da re-petição de esquemas narrativos há uma reiteração das imagens e conseqüente ênfase nos valores. Co-mo resultado, ocorre a vivificação dos sentidos, tornando os mitos, aparentemente originais, para o re-ceptor da mensagem.

Assim, a linguagem verbal corrobora as imagens a partir de determinados esquemas

narrativos que enfatizam o sentido dos mitos e arquétipos.

A partir desse ponto, percebemos que as unidades de linguagem são portadoras de de-

terminadas significações, e o processo de compreensão dessas significações consiste no modo

como a comunicação verbal se identifica com o receptor. Desse modo, todos os recursos que a

publicidade lança mão devem estar em comum acordo, para que o objetivo almejado seja al-

cançado. Os recursos verbais devem corroborar os não-verbais, e esses últimos devem repre-

sentar iconicamente o que é descrito, narrado ou argumentado no texto publicitário.

Como disse Ribeiro (2002: 6) “Toda estrutura publicitária sustenta uma argumentação

icônico-lingüística que leva o receptor a convencer-se consciente ou inconscientemente de al-

guma coisa.” Nossa tarefa, nesse artigo aqui apresentado, é desvendar quais os arquétipos que

estão arraigados no consciente e no inconsciente do sujeito almejado pela publicidade, e como

os recurso verbais e não-verbais estão atrelados na representação desse sujeito pelo arquétipo

ou pelo mito.

Assim, quando analisarmos o texto e a imagem presentes na publicidade, deveremos le-

var em consideração o receptor ideal da mensagem. Assim como a imagem usada na publici-

dade, a linguagem verbal também representa sujeitos. Como assevera Ribeiro (2002: 7), “o

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vocabulário é escolhido de acordo com seus usos e a mensagem deve fazê-lo perceber que lhe

falta algo para se realizar completamente: prestígio, amor, sucesso, vitória, etc.”. O texto pu-

blicitário, assim como os recursos icônicos, são meios lingüísticos pelos quais não só o sujeito

destinatário é representado, mas também toda a sociedade de consumo e a cultura circunscrita

a esse sujeito. Lembrado, é um representante da coletividade a qual está inserido, uma coleti-

vidade densa de valores, crenças e ordens culturais.

Desse modo, para analisarmos as publicidades coletadas, deveremos relacionar os sig-

nos lingüísticos (verbais e icônicos) aos contextos sócio-culturais dos interpretantes, bem co-

mo as condições de produção de sentidos do discurso publicitário analisado. O sujeito almeja-

do pela representação arquetípica, assim como seu repertório de informação (concepção, refe-

rência e conhecimento de mundo), também deve ser percebido e levado em questão no mo-

mento da decodificação da mensagem publicitária.

ANÁLISE DO CORPUS COLETADO

Nextel e o mito do “sucesso”

FIGURA 01: Publicidade da Nextel (Veja, Ed. 1952, ano 39, nº 15, 19 de abril de 2006

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A publicidade da Nextel representa uma figura feminina e narra a sua trajetória até a

chegada ao sucesso nos negócios. Nessa representação, é possível esquematizarmos a cons-

trução de uma imagem que projeta um estado de realidade interior que rodeia todos os sujei-

tos: a busca pelo sucesso. De acordo com a linguagem icônica e verbal expressa na publicida-

de, esse “sucesso” só é conseguido quando da utilização dos serviços de conexão telefônica

Nextel.

De acordo com Barthes (2003), cada objeto do mundo pode ser um mito pois está aberto

à apropriação da sociedade (como quando ele cita do objeto “árvore”). Na publicidade anali-

sada, percebemos que o serviço de telefonia Nextel é um mito e se manifesta enquanto/pelo

discurso, pois passa de apenas um objeto de consumo, que presta-se a um determinado servi-

ço, para ser um modo de significação ao qual é necessário impor limites históricos, revesti-lo

na sociedade e impô-lo a condições de funcionamento. Quanto aos limites históricos do dis-

curso publicitário analisado, percebemos que ele é proferido em um momento em que a busca

de agilidade na comunicação entre sujeitos (principalmente no meio empresarial) é cada vez

mais buscada, pois essa agilidade é uma das fórmulas para alcançar o sucesso na atualidade.

Como no esquema apresentado, o sucesso do sujeito “Marta”, dona de uma pousada, só foi

conseguido com o uso da telefonia Nextel, pela agilidade de comunicação que ela obteve jun-

to aos seus funcionários, o que quantificou o número de hóspedes em seu estabelecimento.

O discurso manifesto desse mito Nextel também pode ser revestido na sociedade, pois

possui condições de funcionamento que determinam a interação de sujeitos sociais, no caso,

pessoas que trabalham na área empresarial e que buscam incessantemente o sucesso nos ne-

gócios. Na publicidade analisada, o sujeito “Marta” é a representação da imagem de sucesso

profissional que é almejada pelos empresários. É nesse sujeito que os destinatários da mensa-

gem publicitária vão se projetar enquanto desejantes daquele determinado modo de vida. Esse

discurso publicitário é um meio pelo qual os interlocutores almejados (empresários) exercem

interação com aquilo que é apresentado (serviços Nextel) e aquilo que é representado (o sujei-

to “Marta” e seu modo de vida). O consumo, ou o uso, do determinado serviço ocorre quando

a interação entre esses sujeitos se completa satisfatoriamente, ou seja, quando a identificação

dos empresários é concretizada com aquilo que é representado na publicidade; como o modelo

de sucesso nos negócios é almejado por todos do meio empresarial, a persuasão na publicida-

de Nextel alcança seus interlocutores-modelo com facilidade.

A publicidade analisada também serve de apoio à fala mítica dos serviços Nextel, pois

transforma um produto (Nextel) em algo que possa servir a um determinado uso social, a bus-

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ca pelo sucesso. Como essa busca é algo que está arraigado na coletividade, e nos sujeitos que

nela estão inseridos, a mitologia em volta dos serviços e produtos Nextel participa da constru-

ção do mundo, pois retrata sujeitos (a empresária bem sucedida “Marta”), lugares (uma pou-

sada, que a partir de uma estratégia bem sucedida se transformou em um Resort) e uma de-

terminada situação (o uso da telefonia Nextel na agilidade de comunicação e conseqüente-

mente no sucesso dos negócios) que exercem nos sujeitos almejados (empresários), conscien-

te ou inconscientemente, um lugar de pertencimento ao que é representado (um modelo de su-

cesso).

Assim, o uso social do produto Nextel presta-se a assimilar os sujeitos “Marta” e os

empresários almejados pela publicidade, no sentido de que esses últimos hajam da mesma

maneira que a empresária representada, situem-se no mesmo lugar de busca pelo sucesso que

ela e enxerguem-se como se fossem essa pessoa bem sucedida. Por isso, temos na publicidade

Nextel a representação de um meio de vida que os empresários almejam ter.

Como visto em Barthes (op.cit), o mito não é nada mais que uma solicitação e uma exi-

gência pessoal que obriga os homens a se reconhecerem nessa imagem de si próprios. O su-

cesso é algo almejado, não só por empresários, mas também por todas as pessoas, e todos têm

a necessidade de ser aquilo que vêem nos outros, e a partir disso se representarem e construí-

rem suas próprias imagens. Ser bem sucedido é uma solicitação incessante e infatigável que

está condicionada a mudanças culturais, assim como todas as ordens, valores e crenças de

uma sociedade estão condicionados a essas mudanças. O sucesso é um mito imbricado na cul-

tura e as imagens construídas a partir dele (no caso apresentado, da empresária bem sucedida)

acompanham as mudanças da sociedade. Hoje essa empresária é representada como modelo

de sucesso, amanhã pode ser que não seja mais ela, mas outro sujeito que seja o representante

ideal desse mito. Assim, as representações dos sujeitos de uma sociedade, expressas nos dis-

cursos que a rodeiam (como o publicitário), mudam do mesmo modo como mudam os valores

e pretensões dos sujeitos que almejam projetar-se nessas representações.

É imprescindível notar que a imagem de sucesso empresarial representada pela perso-

nagem “Marta”, hoje é possível pois a inserção das mulheres no mercado de trabalho já é algo

consolidado, o que reafirma nossa posição de que os discursos e os mitos mudam como muda

a sociedade. Há anos atrás, a imagem de uma mulher bem sucedida nos negócios não teria a

mesma aceitação pela classe empresarial (almejada pela publicidade), como hoje tem. Assim,

a identificação dos sujeitos interlocutores com a imagem representada ficaria comprometida,

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pois a projeção não se concretizaria, o que traria malefícios ao uso e a aceitação dos serviços

de telefonia Nextel por tais sujeitos.

Esse discurso reafirma que a posição da mulher no mercado de trabalho em postos mais

elevados é cada vez mais constante, e essa posição representada por discursos que estão car-

regados de valores como o de bem sucedida, tende a reafirmar cada vez mais a posição da

mulher no mercado de trabalho e que esse lugar já é aceito e passível de projeção e de identi-

ficação pela sociedade como um todo.

Assim como os produtos e serviços de telefonia Nextel são um mito que se manifesta

pelo discurso publicitário, que por sua vez serve de apoio à fala mítica dos próprios produtos

e serviços Nextel, percebemos que a construção textual apresentada na publicidade analisada

também desempenha papel primordial na apresentação e representação de valores e imagens

mitológicas, isso por meio do seguinte esquema narrativo:

• Marta tinha uma pousada. Era pouco conhecida.

• Perdia clientes para os grandes hotéis.

• Até que chamou um consultor Nextel.

• Colocou um funcionário com um aparelho no aeroporto. Ele fazia as reservas

com apenas um toque.

• Mais um aparelho para o garçom, e a água-de-coco chegava rapidinho.

• A pousada é hoje um resort. Quem corre atrás de clientes são os hotéis.

Percebemos que esse esquema narrativo reitera a imagem de sucesso representada pelo

sujeito “Marta” e dá ênfase à sua trajetória de conquista de clientes (responsável pelo sucesso

nos negócios). Desse modo, notamos que o mito do “sucesso” é captado pelos destinatários da

mensagem publicitária como algo original, moderno e novo, sendo que o valor cultural de

“sucesso” é um mito que a muito está arraigado na memória cultural da coletividade. O que a

presente publicidade faz é dar uma nova roupagem a esse mito, revestindo-o com novos con-

ceitos e signos que, para aqueles que interpretam, passa como algo original e único.

Os novos conceitos marcados textualmente são “um funcionário com um aparelho no

aeroporto”, “fazia as reservas com apenas um toque”, “um aparelho para o garçom”, “a pou-

sada hoje é um resort” e “quem corre atrás dos clientes são os hotéis”. Esses conceitos são da-

dos novos para os empresários almejados pela publicidade e apenas os produtos e serviços

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Nextel têm a propriedade de atribuir esses novos conceitos. É como se apenas a Nextel pudes-

se oferecer a agilidade na comunicação e o conseqüente sucesso.

Esses conceitos verbais não são representados iconicamente na publicidade (apenas um

ângulo fotográfico interno da pousada cortado em partes). No entanto, a representação do su-

jeito “Marta”, de ângulo aproximado (em close), com semblante feliz e sereno faz a interlocu-

ção com esses novos recursos verbais assinalados, pois a cadeia de significação acarreta que

ela (“Marta”) está contente por ter usado os produtos e serviços Nextel e que esses lhe pro-

porcionaram uma maior agilidade de comunicação com seus funcionários e lhe possibilitou o

alcance do sucesso.

Por fim percebemos que o esquema narrativo apresentado pela publicidade analisada

escolhe um vocabulário específico (que estão representados nos novos conceitos) para de-

monstrar ao destinatário da mensagem que lhe falta algo para se realizar completamente (o

sucesso).

A relação mãe/filho na VIVO e na LG

FIGURA 02: Publicidade da Operadora Vivo e dos Aparelhos LG (Veja, Ed. 1953, ano 39, nº 16, 26 de abril de 2006)

A publicidade dos celulares LG da Operadora de Telefonia Celular VIVO é carregada

de emoção, estruturando vontades e instigando sentidos. Por ser veiculada em favor do Dia

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das Mães, sua estratégia comunicativa é voltada para a sensibilização muito mais do que para

a racionalização. Essa publicidade toca na intimidade dos indivíduos sociais, pois representa

personagens que são passíveis de trocas mentais de projeção e de identificação, assim como

asseverou Morin (1977). Esses indivíduos se projetam enquanto sujeitos desejantes de um de-

terminado modo de vida – no caso, a boa relação mãe/filho – a partir da identificação com

imagens que são veiculadas cotidianamente na mídia – no caso, a relação da mãe Regia Duar-

te com a filha Gabriela Duarte representada na publicidade dos serviços VIVO e dos produtos

LG.

Essa projeção e identificação parte da estrutura do imaginário do Homem Universal,

que responde em toda parte as imagens a ele apresentadas. Na publicidade analisada, a repre-

sentação da relação mãe/filha é uma imagem que corresponde aos anseios desse imaginário do

Homem Universal, pois todos nós pretendemos nos identificar com aquilo que desejamos: a

boa relação com nossos pais, principalmente com as mães. Esse imaginário se estrutura a par-

tir de arquétipos, que são figurinos-modelo que representam os anseios dos sujeitos e da hu-

manidade. O arquétipo representado na publicidade é o da Grande-Mãe, que carrega valores

comuns a propostas de calor, alimentação, fortaleza, abrigo, segurança e nutrição.

FIGURA 03: Modelo Arquetípico da Grande-Mãe representado na Publicidade da Operadora Vivo

E alguns desses valores, por aproximação, também são projetados nos produtos veicula-

dos bem ao lado das personagens: os celulares. Um celular que possua segurança, proteção e

seja completo, assim como a relação mãe/filho, atende muito mais as expectativas dos con-

sumidores que outros que não carregam esses valores.

De acordo com Morin, a representação de arquétipos, como o da Grande-Mãe, se dá a-

través da vedetização da grande imprensa da Cultura de Massa. Essa vedetização projeta ve-

detes que representam aquilo que intervêm em todas as relações humanas. Na publicidade,

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percebemos como as personagens Regina Duarte e Gabriela Duarte fazem o papel dessas ve-

detes, pois representam a relação de amor existente entre mãe e filha, comum as relações hu-

manas. Essas vedetes, de acordo com Morin, são verdadeiros olimpianos, pois propõem um

modelo ideal de vida que todos os interpretantes almejam. Assim, quando os destinatários-

modelo requeridos pela publicidade VIVO e LG interpretam a mensagem publicitária, eles i-

dentificam aquele modelo de vida ideal de boa relação mãe/filho que almejam.

Assim, quando a publicidade exalta a vida de um olimpiano, como as atrizes Regina

Duarte e Gabriela Duarte, ela não exalta apenas essas vedetes, mas também o modelo de vida

que está arraigado no imaginário de indivíduos culturais, que é a relação mãe/filho. Assim, as

atrizes representam nada mais do que os mitos de auto-realização de bem estar entre mãe e fi-

lho, presente na própria vida privada das pessoas comuns.

Como as personagens da publicidade analisada são atrizes que veiculam cotidianamente

a mídia, o valor de olimpiano atribuído a elas se confirma ainda mais, pois além de represen-

tarem a boa relação mãe/filho, representam também modelos de vida que desempenham um

papel profissional exemplar.

Por fim, percebemos como a publicidade da operadora VIVO e dos produtos LG se

constrói em função das necessidades individuais e coletivas do imaginário social, a boa rela-

ção mãe/filho, e os valores que são condicionados a essa necessidade: segurança, proteção e

conforto. Assim, a publicidade fornece as imagens das atrizes e o modelo de vida mãe e filha

que dão forma as aspirações dos destinatários interpretantes da publicidade, e que não é nada

mais que aquilo que eles desejam ser e representar.

Quanto à análise do conteúdo verbal do discurso publicitário proveniente da publicidade

analisada, percebemos como o enunciado destacado vivifica os valores oriundos da imagem

analisada.

• Sua mãe está torcendo para falar em dobro.

Na imagem apresentada temos Gabriela Duarte, grávida, com sua mãe, Regina Duarte.

Ou seja, o valor materno da imagem está em dobro, tanto por Regina Duarte ser mãe duas ve-

zes (mãe e avó) quanto pelas duas personagens passarem pela experiência de serem mães. As-

sim, o valor de duplicidade tanto é dado as Mães quanto aos celulares da Vivo e LG (dobro de

franquias de minutos ou de recargas).

Desse modo, o enunciado destacado usa do recurso semântico da ambigüidade para vi-

vificar o sentido duplo da mensagem publicitária: sentido 1) a personagem Regina Duarte,

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que torce para atuar em um papel de mãe em dobro quando seu neto nascer, e sentido 2) todas

as mães estão torcendo para ganhar de seus filhos em celular VIVO LG para falarem em do-

bro (de franquias).

Dessa forma, as unidades de linguagem são portadoras de significados duplos, e tanto os

recursos verbais quanto os visuais estão de comum acordo, alcançando o objetivo almejado

(persuadir o sujeito destinatário da mensagem publicitária de que toda mãe, assim como as

mães representadas, deseja falar em dobro, e isso só é possível pelo uso dos produtos LG pela

prestadora VIVO).

Os arquétipos representados pela VIVO

FIGURA 04: Publicidade da VIVO (Veja, Ed. 1952, ano 39, nº 15, 19 de abril de 2006)

De acordo com Randazzo (1997), as imagens arquetípicas sustentam os alicerces de i-

númeras imagens usadas nas publicidades. Quando há o uso de arquétipos nas publicidades,

tem-se o que se chama “imagem do usuário”. No caso da publicidade analisada, há descrição

do tipo de quatro pessoas que o anunciante do produto VIVO deseja retratar como usuária de

seus produtos.

As imagens representadas na publicidade da VIVO são imagens de usuários reais, ou

seja, aquelas que são coerentes com a auto-imagem, os valores e o estilo de vida dos consu-

midores. Esses sujeitos representados já existiam antes da publicação das imagens e das pu-

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blicidades, por isso são representadas imagens de usuários reais e não mitologizados, pois se

fosse esse último, a publicidade teria instaurado novas identidades para que os sujeitos desti-

natários pudessem se projetar no novo. O enunciado que corta verticalmente a publicidade

denota isso: “Agora, na Vivo, você escolhe o seu celular de acordo com o seu perfil.”, o que

denota que os perfis de usuários pré-existiam antes da representação das formas Descompli-

cado, Multifuncional, Fashion e High Tech. “Você torceu, e a Vivo Fez”.

Essas imagens-modelo de usuários são imagens arquetípicas pois condicionam uma de-

terminada identidade (influenciam e controlam o comportamento). No caso analisado, os in-

terlocutores da publicidade da VIVO se identificam com os modelos de sujeitos que são re-

presentados arquetipicamente. As expressões dos sujeitos presentes nessa publicidade (Des-

complicado, Multifuncional, Fashion e High Tech) são, na verdade, formas de determinados

arquétipos. Por exemplo, o arquétipo do Guerreiro, que está ligado a valores como indepen-

dência, força e coragem é representado pelos sujeitos Multifuncional e Hih Tech. Já o arqué-

tipo da donzela (que está ligado a valores como a beleza, a sedução, o feitiço e a perdição) é

representado pelos sujeitos Descomplicado e Fashion.

FIGURA 05: Representação do sujeito Multifuncional do arquétipo do Guerreiro

A representação “Multifuncional” do arquétipo do Guerreiro associa valores como in-

dependência, aventura, força, coragem e adrenalina. Isso é possível de ser depreendido tanto

pelo texto que compõe a publicidade (“Ser Multifuncional é aproveitar tudo o que seu celular

pode oferecer (...) Escolha o celular com os serviços que você prefere para facilitar sua vida

e seu trabalho”) como pela representação da imagem de usuário-ideal do produto: um espor-

tista aventureiro. Tem-se, portanto, que os valores utilizados para representar esse determina-

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do usuário desloquem para propriedades que representem os produtos (celulares) com a fina-

lidade de agilizar e facilitar a vida e o trabalho cotidianos.

FIGURA 06: Representação do sujeito High Tech do arquétipo do Guerreiro

A representação “High Tech” do arquétipo do Guerreiro associa valores como: futuris-

mo, inovação, modernidade e inovação. A representação icônica do sujeito-modelo consumi-

dor do produto “celular Vivo”, expressa na publicidade, denota o estereótipo do consumidor

almejado. Da mesma forma, o enunciado “Ser High Tech é já estar no futuro” situa o sujeito

em um lugar de pertencimento no qual valores como os descritos acima são atribuídos ao des-

tinatário almejado pela publicidade. Assim, os valores utilizados para descrever o arquétipo

do Guerreiro de representação High Tech são relacionados aos celulares: um produto que te-

nha as mesmas características do consumidor que o usa.

FIGURA 07: Representação do sujeito Descomplicado do arquétipo da Donzela

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O arquétipo da Donzela é representado na publicidade da Vivo de duas formas: “Des-

complicado” e “Fashion”. A representação “Descomplicado” traz a imagem de uma mulher

clama em posição de meditação, com as pernas entrecruzadas. O modo de vestir dessa mulher

e sua expressão facial denotam serenidade, calma e simplicidade. Apoiada sob o enunciado

“Ser Descomplicado é viver o lado simples das coisas” e o modo imperativo da frase “Simpli-

fique sua vida” mostra como os valores simplicidade, serenidade, calma, agilidade, feitiço e

economia estão arraigados à representação “Descomplicado” do arquétipo da Donzela. Dessa

forma a Vivo criou aparelhos celulares que sejam simples e fáceis de usar para pessoas que

são objetivas, simples e “descomplicadas”. Isso mostra como o discurso publicitário instituiu

o lugar de um sujeito que não está tão preocupado com os avanços tecnológicos na telefonia

móvel, e que prefere o lado simples e direto da vida.

FIGURA 08: Representação do sujeito Fashion do arquétipo da Donzela

O arquétipo da Donzela também é representado sob a forma de um sujeito “Fashion”. A

representação desse sujeito carrega valores que diferem dos valores arraigados à representa-

ção “Descomplicado” analisada acima. Essa representação se preocupa com as tendências do

momento, está atenta as inovações que surgem no mercado e dá valor à modernidade da vida.

Dessa forma, os valores a ela atribuídos são: beleza, modernidade, sedução e modernidade.

Os celulares destacados se adequam, então, ao estilo do modelo-consumidor almejado pela

publicidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos que a representação do sujeito consumidor almejado por determinadas pro-

pagandas muda do mesmo modo como muda os valores culturais circunscritos a esse sujeito.

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Assim, o discurso publicitário acompanha as mudanças culturais de uma dada sociedade, pois

projeta representações arquetípicas cada vez mais diferentes para sempre alcançar seu público

alvo.

Depreendemos a idéia de que a mitologia e suas representações arquetípicas constituem

uma dada cultura, em que as imagens, os símbolos, as crenças e os mitos estão presentes e são

mutáveis. Eles mudam para acompanhar os sentimentos inconscientes dos sujeitos e para su-

prir as necessidades impostas pela vida cotidiana. Como a cultura e a mitologia mudam por

acompanharem uma coletividade, toda uma representação arquetípica/imagética dos indiví-

duos dessa sociedade também muda.

Todo esse reflexo de mudança é possível de ser percebido nos meios de comunicação

que veiculam cotidianamente, e, principalmente, na publicidade é possível verificar como as

representações dos indivíduos mudam cada vez mais velozmente, o que denota que não só as

projeções que cada indivíduo tem de si mesmo está mudando, mas também, toda uma cultura

que esta em volta desse sujeito. Afinal, esse sujeito individual é apenas um ponto na coletivi-

dade em que está inserido.

Quanto a Barthes e Randazzo, esses autores assimilam-se por considerarem que na mi-

tologia não só sujeitos-modelos são representados, mas também lugares e situações míticos.

Enquanto para Barthes esses lugares, contribuindo para uma construção de significação do/no

mundo, retratam aspectos culturais e ideológicos inerentes ao consciente ou ao inconsciente

dos consumidores alvo da publicidade, Randazzo segue a mesma linha de afirmar que esses

lugares míticos retratam imagens universais e que sustentam nos sujeitos-interpretantes sensa-

ções emocionais de identificação e projeção.

No sentido de que Barthes afirma que os mitos são uma solicitação aos homens de se

reconhecerem nas imagens mitológicas, Randazzo assevera que a identificação pela imagem

do usuário mitologizante é o meio mais efetivo de se alcançar uma representação do consumi-

dor ao que ele almeja ser, pois essa imagem é nada mais do que uma projeção arquetípica do

inconsciente emocional dos sujeitos, ou seja, do que eles querem ter/ser mas não têm/são.

Ao analisarmos as propagandas selecionadas, por fim, percebemos como os recursos

que o discurso publicitário lança mão para persuadir seu interlocutor-modelo estão de comum

acordo. Na representação do sujeito consumidor almejado, os elementos icônicos e verbais es-

tão de tal forma interligados que os valores atribuídos aos destinatários são os mesmos dos

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valores atribuídos aos produtos. Assim, os aparelhos celulares ofereceriam a esses consumi-

dores uma determinada identidade, carregada de valores e representações.

BIBLIOGRAFIA

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