3 os textos de is 52,13-53,12 aludidos em rm 5,12-21 no

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3 Os textos de Is 52,13-53,12 aludidos em Rm 5,12-21 no contexto histórico-literário veterotestamentário 3.1. Contexto histórico do texto aludido 3.1.1. Da história da redação de Is 40-55 à identificação do contexto histórico de Is 52,13-53,12 Tendo presente a complexidade da história redacional de Isaías, faz-se necessário como pressuposto para se determinar o contexto histórico de Is 52,13- 53,12, levar em consideração algumas questões quanto à unidade redacional do Dêutero-Isaías. A primeira delas, à qual se fez referência quando se aplicou o critério do Volume, é se todo esse bloco tem como contexto histórico o exílio da Babilônia ou se parte dele tem sua redação no pós-exílio. Outra questão fundamental no que se refere ao contexto histórico da perícope isaiana estudada, é se os assim chamados “Quatro Cânticos do Servo” fazem parte originalmente do bloco formado por Is 40-55 ou se teriam seu processo inicial de composição separado do dito bloco. Para a maioria dos estudiosos de Is 40-55 até os anos 1980 todo esse conjunto de capítulos era fruto do trabalho de um profeta anônimo que desenvolveu seu ministério no exílio da Babilônia, com exceção das disputas nas quais se zomba da fabricação dos ídolos e, para alguns, dos “Quatro Cânticos do Servo” 422 . Esta visão mais simples da história redacional do Dêutero-Isaías passou a ser questionada nos anos sucessivos, dando lugar a modelos mais elaborados, os quais constam de várias camadas redacionais e, muitos estudiosos que adotam esse novo modelo, percebem, a partir dessa nova perspectiva, os “Cânticos do Servo” como parte do processo de produção do referido bloco isaiano 423 . 422 Cf. CONROY, C. The “Four Servant Poems” in Second Isaiah in the light of recent redaction- historical studies. In: Mccarthy, C. - Healey, J. F. (ed.), Biblical and Near Eastern Essays. Studies in Honour of Kevin J. Cathcart. JSOTS 375. London: Continuum, 2004, p. 80. 423 Cf. CONROY, C. The “Four Servant Poems” in Second Isaiah in the light of recent redaction- historical studies, p. 80. Para um panorama destes estudos mais recentes cf. HERMISSON, H.-J. Neue Literatur zu Deuterojesaja (I) & (II), TRu 65: 237-84, 379-430.

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3 Os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 no contexto histoacuterico-literaacuterio veterotestamentaacuterio 31 Contexto histoacuterico do texto aludido 311 Da histoacuteria da redaccedilatildeo de Is 40-55 agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico de Is 5213-5312

Tendo presente a complexidade da histoacuteria redacional de Isaiacuteas faz-se

necessaacuterio como pressuposto para se determinar o contexto histoacuterico de Is 5213-

5312 levar em consideraccedilatildeo algumas questotildees quanto agrave unidade redacional do

Decircutero-Isaiacuteas

A primeira delas agrave qual se fez referecircncia quando se aplicou o criteacuterio do

Volume eacute se todo esse bloco tem como contexto histoacuterico o exiacutelio da Babilocircnia ou

se parte dele tem sua redaccedilatildeo no poacutes-exiacutelio

Outra questatildeo fundamental no que se refere ao contexto histoacuterico da

periacutecope isaiana estudada eacute se os assim chamados ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo

fazem parte originalmente do bloco formado por Is 40-55 ou se teriam seu processo

inicial de composiccedilatildeo separado do dito bloco

Para a maioria dos estudiosos de Is 40-55 ateacute os anos 1980 todo esse

conjunto de capiacutetulos era fruto do trabalho de um profeta anocircnimo que desenvolveu

seu ministeacuterio no exiacutelio da Babilocircnia com exceccedilatildeo das disputas nas quais se zomba

da fabricaccedilatildeo dos iacutedolos e para alguns dos ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo422

Esta visatildeo mais simples da histoacuteria redacional do Decircutero-Isaiacuteas passou a

ser questionada nos anos sucessivos dando lugar a modelos mais elaborados os

quais constam de vaacuterias camadas redacionais e muitos estudiosos que adotam esse

novo modelo percebem a partir dessa nova perspectiva os ldquoCacircnticos do Servordquo

como parte do processo de produccedilatildeo do referido bloco isaiano423

422 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies In Mccarthy C - Healey J F (ed) Biblical and Near Eastern Essays Studies

in Honour of Kevin J Cathcart JSOTS 375 London Continuum 2004 p 80 423 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 80 Para um panorama destes estudos mais recentes cf HERMISSON H-J

Neue Literatur zu Deuterojesaja (I) amp (II) TRu 65 237-84 379-430

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C Conroy propotildee uma siacutentese dos pontos em comum do que ele considera

as principais contribuiccedilotildees no que se refere a esta nova maneira de se ver o processo

histoacuterico-redacional de Is 40-55 ou seja as propostas de R G Kratz J van

Oorschot U Berges e J Werlitz424 Observa que tais estudos mesmo devendo ser

encarados com um certo ceticismo quanto aos pormenores de suas propostas

quando traccedilam as linhas gerais do processo histoacuterico-redacional do Decircutero-Isaiacuteas

esse esforccedilo deve ser considerado ldquocomo plausiacutevel e provaacutevelrdquo425

Entre os diversos pontos em comum a essas pesquisas acima citadas haacute um

acordo compartilhado por muitos outros estudiosos nos uacuteltimos anos de que o

material atribuiacutedo ao profeta exiacutelico denominado Segundo Isaiacuteas deve ser

encontrado quase exclusivamente nos capiacutetulos 40-48 de Isaiacuteas

Concordam ainda que a maioria do material encontrado em Is 49-55 eacute fruto

de vaacuterias redaccedilotildees realizados em Jerusaleacutem apoacutes o comeccedilo do retorno dos exilados

em algum momento entre os anos 530 e 520 aC426 Em siacutentese C Conroy diz que

agrave luz desses de outros estudos histoacuterico-redacionais agora parece provaacutevel que

devemos pensar na gecircnese de Is 40-55 como um processo complexo que comeccedilou

com uma coleccedilatildeo babilocircnica-exiacutelica seguida de adaptaccedilotildees e expansotildees de Siatildeo

cujos estaacutegios posteriores se estendem ateacute ao contato editorial com 56-66 e com 1-

39 (ou seja a chamada ldquogroszligjesajanische Redaktionrdquo ou ldquoredaccedilatildeo pan-isaianardquo)427

Quanto aos ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo mesmo persistindo a diferenccedila

entre aqueles que defendem a existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por estes e o fato

de que soacute em um momento posterior foram inseridos no Decircutero-Isaiacuteas e aqueles

que negam a existecircncia de tal coleccedilatildeo e dispotildeem os ldquoCacircnticosrdquo no processo de

redaccedilatildeo do referido bloco os estudiosos acima citados concordam que se deu uma

interpretaccedilatildeo coletiva da figura do ldquoServordquo mesmo que para alguns tal

interpretaccedilatildeo teria ocorrido somente nos uacuteltimos estaacutegios redacionais do Decircutero-

Isaiacuteas o que representa um distanciamento das pesquisas anteriores na sua maioria

424 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 24-48

KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu

Entstehung und Theologie von Jes 40-55 FAT 1 Tuumlbingen Mohr Siebeck 1991 OORSCHOT J

van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche Untersuchung BZAW

206 Berlin de Gruyter 1993 BERGES U Das Buch Jesaja Komposition und Endgestalt HBS

16 Freiburg Herder 1998 WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die

Endgestalt von Jesaja 40-55 BBB 122 Berlin Philo 1999 425 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 426 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 427 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43

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sendo que para estas a compreensatildeo ldquoautobiograacuteficardquo da figura do ldquoServordquo era

predominantemente defendida428

No entanto depois de se tomar consciecircncia da complexidade do processo

redacional de Is 40-55 permanece em aberto a questatildeo a respeito do contexto

histoacuterico do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo

R G Kratz repete as ideias comuns agrave pesquisa anterior ou seja que os trecircs

primeiros ldquoCacircnticos do Servordquo (Is 421-4 491-6 504-9) foram produzidos por um

profeta exiacutelico natildeo sendo poreacutem incorporados pelos seus primeiros disciacutepulos nos

estaacutegios iniciais de composiccedilatildeo do Deutero-Isaiacuteas no estrato baacutesico mas somente

em estaacutegios sucessivos formando assim uma coleccedilatildeo separada na qual o ldquoServo

de YHWHrdquo se referia ao proacuteprio profeta anocircnimo Quanto ao ldquoQuarto Cacircnticordquo

teria sido provavelmente segundo R G Kratz adicionado agrave coleccedilatildeo preexistente

pelos disciacutepulos apoacutes a morte violenta do referido profeta No entanto o ldquoServordquo

que inicialmente era identificado como sendo o proacuteprio profeta exiacutelico em estaacutegios

de composiccedilatildeo sucessivos passa a ser identificado como Ciro (no primeiro e no

segundo ldquoCacircnticordquo) como Siatildeo-Jerusaleacutem (no terceiro e no quarto ldquoCacircnticosrdquo

provavelmente) ou como o povo de Israel que retornara do exiacutelio e o que ainda

estava disperso429

Como representante de uma nova perspectiva sobre a histoacuteria da redaccedilatildeo de

Isaiacuteas tem-se o trabalho realizado por U Berges430 o qual foi capaz de colher os

resultados dessas novas contribuiccedilotildees em um estudo que contempla tanto a forma

final do livro quanto faz uma anaacutelise diacrocircnica do mesmo autointitulado por este

como uma ldquoabordagem siacutencrona que reflete a diacrocircnicardquo431

Quanto aos ldquoCacircnticos do Servordquo U Berges rejeita a ideia de uma coleccedilatildeo

preexistente sendo que para ele estes foram elaborados para o contexto no qual

estatildeo inseridos Tal redaccedilatildeo teria ocorrido concomitantemente agraves vaacuterias etapas de

formaccedilatildeo do material do qual hoje Is 40-55 eacute composto

428 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 429 Cf KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu

Entstehung und Theologie von Jes 40-55 pp 144-147 430 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form Sheffield Sheffield

Phoenix Press 2012 cf tambeacutem BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues

In SHARP C (ed) The Oxford Handbook of the Prophets Oxford Oxford University Press 2016

pp 153-170 BERGES U The Book of Isaiah as Isaiahrsquos Book OTE 233 (2010) 549-573

BERGES U Isaiacuteas El profeta y el libro Estudios biacuteblicos 44 Estella Verbo Divino 2011 431 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 503-504

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A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio

de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o

anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo

fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original

deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um

oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico

do Servordquo432

A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado

por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um

grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e

521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este

a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno

Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do

estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a

Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434

A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a

ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta

redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52

os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435

Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do

Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos

repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de

esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o

acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais

tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497

Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como

Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque

o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a

Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios

entre Is 1-32 e Is 40-52436

432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o

natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e

portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual

teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das

profecias437

Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material

contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52

inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos

pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9

posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438

No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue

cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado

pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por

estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com

seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que

tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo

deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se

identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is

5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo

considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo

a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para

uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o

qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito

interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442

Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo

ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave

ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o

437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora

que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its

Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377

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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma

interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de

se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo

coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de

esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos

reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta

esperanccedila

Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute

confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem

poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano

de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos

exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do

Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie

de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas

considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta

individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela

referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que

a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo

Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da

ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico

estaacute bem documentada por Ez 37

Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito

entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586

aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a

casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo

aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo

o povo de Deus444

Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por

G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo

recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para

uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo

dos trecircs primeiros

No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da

existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por

um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto

posteriormente por outros autores

443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die

Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck

2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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124

31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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154

Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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161

como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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162

Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

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C Conroy propotildee uma siacutentese dos pontos em comum do que ele considera

as principais contribuiccedilotildees no que se refere a esta nova maneira de se ver o processo

histoacuterico-redacional de Is 40-55 ou seja as propostas de R G Kratz J van

Oorschot U Berges e J Werlitz424 Observa que tais estudos mesmo devendo ser

encarados com um certo ceticismo quanto aos pormenores de suas propostas

quando traccedilam as linhas gerais do processo histoacuterico-redacional do Decircutero-Isaiacuteas

esse esforccedilo deve ser considerado ldquocomo plausiacutevel e provaacutevelrdquo425

Entre os diversos pontos em comum a essas pesquisas acima citadas haacute um

acordo compartilhado por muitos outros estudiosos nos uacuteltimos anos de que o

material atribuiacutedo ao profeta exiacutelico denominado Segundo Isaiacuteas deve ser

encontrado quase exclusivamente nos capiacutetulos 40-48 de Isaiacuteas

Concordam ainda que a maioria do material encontrado em Is 49-55 eacute fruto

de vaacuterias redaccedilotildees realizados em Jerusaleacutem apoacutes o comeccedilo do retorno dos exilados

em algum momento entre os anos 530 e 520 aC426 Em siacutentese C Conroy diz que

agrave luz desses de outros estudos histoacuterico-redacionais agora parece provaacutevel que

devemos pensar na gecircnese de Is 40-55 como um processo complexo que comeccedilou

com uma coleccedilatildeo babilocircnica-exiacutelica seguida de adaptaccedilotildees e expansotildees de Siatildeo

cujos estaacutegios posteriores se estendem ateacute ao contato editorial com 56-66 e com 1-

39 (ou seja a chamada ldquogroszligjesajanische Redaktionrdquo ou ldquoredaccedilatildeo pan-isaianardquo)427

Quanto aos ldquoQuatro Cacircnticos do Servordquo mesmo persistindo a diferenccedila

entre aqueles que defendem a existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por estes e o fato

de que soacute em um momento posterior foram inseridos no Decircutero-Isaiacuteas e aqueles

que negam a existecircncia de tal coleccedilatildeo e dispotildeem os ldquoCacircnticosrdquo no processo de

redaccedilatildeo do referido bloco os estudiosos acima citados concordam que se deu uma

interpretaccedilatildeo coletiva da figura do ldquoServordquo mesmo que para alguns tal

interpretaccedilatildeo teria ocorrido somente nos uacuteltimos estaacutegios redacionais do Decircutero-

Isaiacuteas o que representa um distanciamento das pesquisas anteriores na sua maioria

424 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 24-48

KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu

Entstehung und Theologie von Jes 40-55 FAT 1 Tuumlbingen Mohr Siebeck 1991 OORSCHOT J

van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche Untersuchung BZAW

206 Berlin de Gruyter 1993 BERGES U Das Buch Jesaja Komposition und Endgestalt HBS

16 Freiburg Herder 1998 WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die

Endgestalt von Jesaja 40-55 BBB 122 Berlin Philo 1999 425 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 426 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 427 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43

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sendo que para estas a compreensatildeo ldquoautobiograacuteficardquo da figura do ldquoServordquo era

predominantemente defendida428

No entanto depois de se tomar consciecircncia da complexidade do processo

redacional de Is 40-55 permanece em aberto a questatildeo a respeito do contexto

histoacuterico do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo

R G Kratz repete as ideias comuns agrave pesquisa anterior ou seja que os trecircs

primeiros ldquoCacircnticos do Servordquo (Is 421-4 491-6 504-9) foram produzidos por um

profeta exiacutelico natildeo sendo poreacutem incorporados pelos seus primeiros disciacutepulos nos

estaacutegios iniciais de composiccedilatildeo do Deutero-Isaiacuteas no estrato baacutesico mas somente

em estaacutegios sucessivos formando assim uma coleccedilatildeo separada na qual o ldquoServo

de YHWHrdquo se referia ao proacuteprio profeta anocircnimo Quanto ao ldquoQuarto Cacircnticordquo

teria sido provavelmente segundo R G Kratz adicionado agrave coleccedilatildeo preexistente

pelos disciacutepulos apoacutes a morte violenta do referido profeta No entanto o ldquoServordquo

que inicialmente era identificado como sendo o proacuteprio profeta exiacutelico em estaacutegios

de composiccedilatildeo sucessivos passa a ser identificado como Ciro (no primeiro e no

segundo ldquoCacircnticordquo) como Siatildeo-Jerusaleacutem (no terceiro e no quarto ldquoCacircnticosrdquo

provavelmente) ou como o povo de Israel que retornara do exiacutelio e o que ainda

estava disperso429

Como representante de uma nova perspectiva sobre a histoacuteria da redaccedilatildeo de

Isaiacuteas tem-se o trabalho realizado por U Berges430 o qual foi capaz de colher os

resultados dessas novas contribuiccedilotildees em um estudo que contempla tanto a forma

final do livro quanto faz uma anaacutelise diacrocircnica do mesmo autointitulado por este

como uma ldquoabordagem siacutencrona que reflete a diacrocircnicardquo431

Quanto aos ldquoCacircnticos do Servordquo U Berges rejeita a ideia de uma coleccedilatildeo

preexistente sendo que para ele estes foram elaborados para o contexto no qual

estatildeo inseridos Tal redaccedilatildeo teria ocorrido concomitantemente agraves vaacuterias etapas de

formaccedilatildeo do material do qual hoje Is 40-55 eacute composto

428 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 429 Cf KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu

Entstehung und Theologie von Jes 40-55 pp 144-147 430 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form Sheffield Sheffield

Phoenix Press 2012 cf tambeacutem BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues

In SHARP C (ed) The Oxford Handbook of the Prophets Oxford Oxford University Press 2016

pp 153-170 BERGES U The Book of Isaiah as Isaiahrsquos Book OTE 233 (2010) 549-573

BERGES U Isaiacuteas El profeta y el libro Estudios biacuteblicos 44 Estella Verbo Divino 2011 431 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 503-504

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A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio

de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o

anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo

fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original

deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um

oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico

do Servordquo432

A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado

por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um

grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e

521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este

a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno

Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do

estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a

Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434

A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a

ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta

redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52

os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435

Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do

Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos

repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de

esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o

acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais

tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497

Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como

Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque

o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a

Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios

entre Is 1-32 e Is 40-52436

432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o

natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e

portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual

teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das

profecias437

Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material

contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52

inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos

pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9

posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438

No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue

cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado

pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por

estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com

seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que

tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo

deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se

identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is

5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo

considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo

a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para

uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o

qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito

interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442

Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo

ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave

ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o

437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora

que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its

Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377

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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma

interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de

se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo

coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de

esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos

reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta

esperanccedila

Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute

confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem

poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano

de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos

exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do

Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie

de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas

considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta

individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela

referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que

a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo

Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da

ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico

estaacute bem documentada por Ez 37

Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito

entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586

aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a

casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo

aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo

o povo de Deus444

Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por

G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo

recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para

uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo

dos trecircs primeiros

No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da

existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por

um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto

posteriormente por outros autores

443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die

Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck

2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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150

Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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159

3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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sendo que para estas a compreensatildeo ldquoautobiograacuteficardquo da figura do ldquoServordquo era

predominantemente defendida428

No entanto depois de se tomar consciecircncia da complexidade do processo

redacional de Is 40-55 permanece em aberto a questatildeo a respeito do contexto

histoacuterico do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo

R G Kratz repete as ideias comuns agrave pesquisa anterior ou seja que os trecircs

primeiros ldquoCacircnticos do Servordquo (Is 421-4 491-6 504-9) foram produzidos por um

profeta exiacutelico natildeo sendo poreacutem incorporados pelos seus primeiros disciacutepulos nos

estaacutegios iniciais de composiccedilatildeo do Deutero-Isaiacuteas no estrato baacutesico mas somente

em estaacutegios sucessivos formando assim uma coleccedilatildeo separada na qual o ldquoServo

de YHWHrdquo se referia ao proacuteprio profeta anocircnimo Quanto ao ldquoQuarto Cacircnticordquo

teria sido provavelmente segundo R G Kratz adicionado agrave coleccedilatildeo preexistente

pelos disciacutepulos apoacutes a morte violenta do referido profeta No entanto o ldquoServordquo

que inicialmente era identificado como sendo o proacuteprio profeta exiacutelico em estaacutegios

de composiccedilatildeo sucessivos passa a ser identificado como Ciro (no primeiro e no

segundo ldquoCacircnticordquo) como Siatildeo-Jerusaleacutem (no terceiro e no quarto ldquoCacircnticosrdquo

provavelmente) ou como o povo de Israel que retornara do exiacutelio e o que ainda

estava disperso429

Como representante de uma nova perspectiva sobre a histoacuteria da redaccedilatildeo de

Isaiacuteas tem-se o trabalho realizado por U Berges430 o qual foi capaz de colher os

resultados dessas novas contribuiccedilotildees em um estudo que contempla tanto a forma

final do livro quanto faz uma anaacutelise diacrocircnica do mesmo autointitulado por este

como uma ldquoabordagem siacutencrona que reflete a diacrocircnicardquo431

Quanto aos ldquoCacircnticos do Servordquo U Berges rejeita a ideia de uma coleccedilatildeo

preexistente sendo que para ele estes foram elaborados para o contexto no qual

estatildeo inseridos Tal redaccedilatildeo teria ocorrido concomitantemente agraves vaacuterias etapas de

formaccedilatildeo do material do qual hoje Is 40-55 eacute composto

428 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 429 Cf KRATZ R G Kyros im Deuterojesaja-Buch Redaktionsgeschichtliche Untersuchungen zu

Entstehung und Theologie von Jes 40-55 pp 144-147 430 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form Sheffield Sheffield

Phoenix Press 2012 cf tambeacutem BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues

In SHARP C (ed) The Oxford Handbook of the Prophets Oxford Oxford University Press 2016

pp 153-170 BERGES U The Book of Isaiah as Isaiahrsquos Book OTE 233 (2010) 549-573

BERGES U Isaiacuteas El profeta y el libro Estudios biacuteblicos 44 Estella Verbo Divino 2011 431 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 503-504

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A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio

de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o

anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo

fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original

deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um

oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico

do Servordquo432

A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado

por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um

grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e

521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este

a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno

Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do

estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a

Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434

A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a

ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta

redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52

os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435

Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do

Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos

repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de

esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o

acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais

tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497

Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como

Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque

o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a

Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios

entre Is 1-32 e Is 40-52436

432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o

natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e

portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual

teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das

profecias437

Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material

contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52

inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos

pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9

posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438

No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue

cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado

pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por

estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com

seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que

tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo

deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se

identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is

5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo

considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo

a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para

uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o

qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito

interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442

Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo

ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave

ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o

437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora

que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its

Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377

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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma

interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de

se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo

coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de

esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos

reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta

esperanccedila

Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute

confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem

poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano

de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos

exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do

Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie

de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas

considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta

individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela

referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que

a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo

Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da

ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico

estaacute bem documentada por Ez 37

Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito

entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586

aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a

casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo

aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo

o povo de Deus444

Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por

G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo

recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para

uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo

dos trecircs primeiros

No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da

existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por

um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto

posteriormente por outros autores

443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die

Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck

2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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122

senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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124

31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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129

Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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146

538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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158

Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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159

3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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162

Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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111

A primeira das etapas de formaccedilatildeo se limitaria agrave coleccedilatildeo fruto do ministeacuterio

de um profeta anocircnimo exiacutelico entre 550 e 539 aC e teria como tema central o

anuacutencio de Ciro como instrumento do Senhor para a libertaccedilatildeo dos exilados natildeo

fazendo parte deste estrato nenhum dos ldquoCacircnticos do Servordquo O material original

deste periacuteodo se encontraria em Is 4012-4611 Faria parte deste estrato baacutesico um

oraacuteculo dirigido a Ciro (Is 425-9) que depois seria inserido no ldquoPrimeiro Cacircntico

do Servordquo432

A segunda etapa do processo de formaccedilatildeo do Decircutero-Isaiacuteas eacute denominado

por U Berges de ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo Tal redaccedilatildeo teria sido realizada por um

grupo de exilados dispostos a retornar a Jerusaleacutem e dataria do periacuteodo entre 539 e

521 aC433 Aleacutem da inserccedilatildeo de alguns textos no estrato baacutesico adicionaram a este

a maioria do material contido em Is 47-48 e uma conclusatildeo convidando ao retorno

Is 4820-21 Neste periacuteodo ter-se-ia inserido Is 421-4 reinterpretando o oraacuteculo do

estrato baacutesico (Is 425-9) atraveacutes da transferecircncia das funccedilotildees neste atribuiacutedas a

Ciro aos exilados dispostos a retornar agrave Jerusaleacutem434

A terceira etapa da formaccedilatildeo de Is 40-55 segundo U Berges teria sido a

ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo O tema principal de que se teria ocupado esta

redaccedilatildeo seria a restauraccedilatildeo de Siatildeo e isto se refletiria em muitos textos de Is 49-52

os quais seriam uma expansatildeo da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo435

Essa expansatildeo comeccedilaria com o assim chamado ldquoSegundo Cacircntico do

Servordquo (Is 491-6) Neste ldquoCacircnticordquo o Servo seria identificado com o grupo dos

repatriados os quais querem atraveacutes da pregaccedilatildeo transmitir a mensagem de

esperanccedila do profeta exiacutelico aos habitantes de Jerusaleacutem Is 491-6 teria sofrido o

acreacutescimo dos vv 8-12 que a partir de Is 421-9 comentariam os vv 1-6 Mais

tarde apoacutes a inserccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo ter-se-ia acrescentado Is 497

Esta redaccedilatildeo anuncia tambeacutem o kerygma do retorno a Jerusaleacutem dos exilados como

Servo que tem por finalidade proclamar aos que ainda estatildeo na diaacutespora que porque

o Senhor fez o seu retorno a Siatildeo (cf Is 528) tambeacutem estes devem voltar a

Jerusaleacutem e seria responsaacutevel pelo estabelecimento dos primeiros contatos literaacuterios

entre Is 1-32 e Is 40-52436

432 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 315-334 433 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 335 434 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 335-336 435 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 344 436 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o

natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e

portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual

teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das

profecias437

Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material

contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52

inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos

pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9

posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438

No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue

cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado

pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por

estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com

seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que

tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo

deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se

identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is

5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo

considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo

a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para

uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o

qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito

interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442

Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo

ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave

ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o

437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora

que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its

Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377

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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma

interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de

se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo

coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de

esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos

reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta

esperanccedila

Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute

confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem

poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano

de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos

exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do

Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie

de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas

considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta

individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela

referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que

a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo

Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da

ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico

estaacute bem documentada por Ez 37

Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito

entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586

aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a

casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo

aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo

o povo de Deus444

Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por

G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo

recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para

uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo

dos trecircs primeiros

No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da

existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por

um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto

posteriormente por outros autores

443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die

Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck

2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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120

comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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122

senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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124

31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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125

Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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150

Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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156

constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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158

Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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162

Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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Na quarta etapa tendo se passado algumas deacutecadas ter-se-ia verificado o

natildeo cumprimento dos esplendidos anuacutencios das vozes profeacuteticas anteriores e

portanto ter-se-ia feito necessaacuterio uma ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo a qual

teria tentado responder aos transtornos causados pelo atraso no cumprimento das

profecias437

Tal redaccedilatildeo seria responsaacutevel pela composiccedilatildeo da maior parte do material

contido em Is 54-55 e pela inserccedilatildeo de alguns textos novos nos capiacutetulos 40-52

inclusive o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) que teria tentado dar voz aos

pregadores em dificuldades pela natildeo realizaccedilatildeo do seu anuacutencio Is 504-9

posteriormente teria sido expandido pelo acreacutescimo dos vv 10-11438

No que se refere ao ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo para U Berges este ldquosegue

cronologicamente ambas as lsquoRedaccedilotildees de Jerusaleacutemrsquordquo439 Isto seria comprovado

pelo fato de sua redaccedilatildeo pressupor a composiccedilatildeo dos outros trecircs ldquoCacircnticosrdquo e por

estar essencialmente ligado ao seu contexto ou seja o texto de Is 5210-12 com

seus contatos semacircnticos com o primeiro Ecircxodo e o convite a ldquosairrdquo440 e Is 54 que

tem como tema principal a repovoaccedilatildeo de Siatildeo o que mostraria que esse ldquoCacircnticordquo

deve ser lido como uma expressatildeo da restauraccedilatildeo de Siatildeo com quem o ldquoServordquo se

identificaria tanto no seu futuro triunfo descrito nas ldquopassagens estruturaisrdquo (Is

5213-15 5311ab-12) como nos seus sofrimentos do passado descrito na seccedilatildeo

considerada central por U Berges ou seja Is 531-11aa441 Deste modo

a sua colocaccedilatildeo entre a ordem agrave Diaacutespora para partir e os oraacuteculos de salvaccedilatildeo para

uma Siatildeo que deve ser restaurada indica o foco do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo o

qual estaacute essencialmente relacionado com a restauraccedilatildeo de Siatildeo tanto no acircmbito

interno de Israel como em relaccedilatildeo agraves naccedilotildees do mundo442

Outra afirmaccedilatildeo de U Berges que corrobora a dataccedilatildeo poacutes-exiacutelica do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo diz respeito agrave interpretaccedilatildeo da figura do Servo Segundo

ele a quase inexistecircncia no periacuteodo anterior ao II seacutec aC de referecircncias agrave

ressurreiccedilatildeo do indiviacuteduo (cf Is 5310) frustraria a tentativa de se preencher o

437 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360 438 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360-366 439 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377 440 ldquoO comando do ecircxodo em 5211-12 eacute dirigido natildeo agrave Golah mas a todos os judeus da diaacutespora

que devem imitar os grupos de exilados que jaacute retornaramrdquo BERGES U The Book of Isaiah - Its

Composition and Final Form p 507 441 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 377-378 442 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 377

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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma

interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de

se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo

coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de

esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos

reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta

esperanccedila

Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute

confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem

poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano

de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos

exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do

Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie

de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas

considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta

individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela

referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que

a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo

Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da

ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico

estaacute bem documentada por Ez 37

Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito

entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586

aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a

casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo

aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo

o povo de Deus444

Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por

G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo

recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para

uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo

dos trecircs primeiros

No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da

existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por

um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto

posteriormente por outros autores

443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die

Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck

2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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120

comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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122

senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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146

538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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158

Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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159

3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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ldquovaacutecuo biograacuteficordquo443 do profeta anocircnimo exiacutelico no Decircutero-Isaiacuteas com uma

interpretaccedilatildeo individual da figura do Servo e como consequecircncia a tendecircncia de

se situar a redaccedilatildeo do ldquoCacircnticordquo logo apoacutes da morte do profeta Uma interpretaccedilatildeo

coletiva situada no poacutes-exiacutelio seria muito mais adequada tendo em vista o clima de

esperanccedila de restauraccedilatildeo que perpassa o povo nesse periacuteodo e a convicccedilatildeo dos

reportados que retornam agrave terra de serem os instrumentos da realizaccedilatildeo desta

esperanccedila

Quanto mais o Servo daacute testemunho do plano de salvaccedilatildeo de YHWH mais ele eacute

confrontado com uma oposiccedilatildeo maciccedila uma vez que a situaccedilatildeo em SiatildeoJerusaleacutem

poacutes-exilica natildeo correspondia de maneira alguma ao clamor do Servo Este eacute o pano

de fundo do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo (Is 5213-5312) Eacute certo que a maioria dos

exegetas ainda interpreta o texto como testemunho do sofrimento e do martiacuterio do

Decircutero-Isaiacuteas (cf Blenkinsopp 2002 79 que vecirc esta passagem como ldquouma espeacutecie

de panegiacuterico ou oraccedilatildeo fuacutenebre logo apoacutes a morte do profetardquo) Mas

considerando a imprecisatildeo da identificaccedilatildeo de Decircutero-Isaiacuteas como profeta

individual essa leitura torna-se cada vez mais improvaacutevel O que se entende pela

referecircncia ao Servo morto que vecirc a sua primavera (cf Is 5310) dado o fato de que

a esperanccedila da ressurreiccedilatildeo individual dificilmente ocorre na literatura do Segundo

Templo antes do II seacutec aC Por outro lado uma compreensatildeo coletiva da

ressurreiccedilatildeo que implica a esperanccedila da restauraccedilatildeo do Israel exiacutelicopoacutes-exiacutelico

estaacute bem documentada por Ez 37

Neste contexto Is 53 constitui possivelmente uma reflexatildeo literaacuteria sobre o conflito

entre os que retornaram da Golah e os residentes que natildeo foram deportados em 586

aC (cf ldquoAbraatildeordquo em Is 51 2 e Ez 3324) E no entanto o Servo que regressa a

casa expressa sua fervorosa esperanccedila de que os judeus poupados da deportaccedilatildeo

aceitem o seu sofrimento como redenccedilatildeo pelos pecados dos ldquomuitosrdquo ou seja todo

o povo de Deus444

Em suma verifica-se uma constante nas pesquisas a respeito do ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo anteriores aos anos 1990 cujos resultados satildeo repropostos por

G Kratz e naquelas que representam as novas perspectivas cujos resultados satildeo

recolhidos no trabalho de U Berges ou seja em ambos os casos aponta-se para

uma redaccedilatildeo do dito ldquoCacircnticordquo independente e em um periacuteodo posterior agrave redaccedilatildeo

dos trecircs primeiros

No primeiro caso os estudiosos concordam em grande parte a respeito da

existecircncia de uma coleccedilatildeo formada por trecircs cacircnticos compostos provavelmente por

um profeta anocircnimo no exiacutelio agrave qual se teria somado o ldquoQuarto Cacircnticordquo composto

posteriormente por outros autores

443 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 166 KRATZ R G Die

Propheten Israels Munich Beck 2003 p 98 LEVIN C Das Alte Testament 2ordf ed Munich Beck

2003 p 85 444 BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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150

Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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J Werlitz por exemplo concorda com R G Kratz no que diz respeito agrave

existecircncia de uma coleccedilatildeo separada dos ldquoCacircnticos do Servordquo como tambeacutem fala de

uma redaccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo independente dessa coleccedilatildeo No entanto defende

sua inclusatildeo no periacuteodo poacutes-exiacutelico no assim chamado ldquoPrimeiro Livro dos

Repatriadosrdquo apoacutes 5210445

Nas pesquisas que tecircm uma postura mais de acordo com as novas

perspectivas sobre o processo redacional do Decircutero-Isaiacuteas como U Berges mas

tambeacutem J van Oorschot para quem Is 5213-5312 faz parte da primeira expansatildeo

da ldquoEdiccedilatildeo de Siatildeordquo446 insere-se a composiccedilatildeo do ldquoQuarto Cacircnticordquo entre as

diversas redaccedilotildees realizadas apoacutes o retorno

Aleacutem disso a tendecircncia atual a uma interpretaccedilatildeo coletiva da figura do

Servo447 poderia corroborar a afirmaccedilatildeo que encontra o contexto histoacuterico do

uacuteltimo ldquoCacircntico do Servordquo no poacutes-exiacutelico no qual uma ldquoressurreiccedilatildeordquo coletiva

enquanto restauraccedilatildeo de todo o povo encontraria um ambiente muito mais propiacutecio

Tudo isto somado agrave tendecircncia atual em se situar a redaccedilatildeo dos ldquoCacircnticos do

Servordquo nas uacuteltimas fases do longo processo redacional de Is 40-55 conduz a uma

dataccedilatildeo tardia da redaccedilatildeo ou ao menos da composiccedilatildeo final do ldquoQuarto Cacircntico

do Servordquo mais precisamente no periacuteodo persa

A isto deve-se acrescentar o fato de que no ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo pode-

se perceber os conflitos proacuteprios desse periacuteodo ou seja nele estaacute delineada

a relaccedilatildeo entre o Judaiacutesmo de Siatildeo e o da diaacutespora por um lado (parte central) e

entre Siatildeo e o mundo das naccedilotildees por outro (marcos estruturais) Os judeus da

diaacutespora reconhecem na Siatildeo que estaacute doente mas natildeo morta que este Ebed pagou

pela culpa dela e agrave medida que fazem o caminho para casa os reis das naccedilotildees

reconhecem que YHWH protege seu Ebed para sempre

A revitalizaccedilatildeo antecipada e desejada de Jerusaleacutem pelo retorno dos judeus do

exiacutelio da Babilocircnia - tanto mais pessoas de sua proacutepria religiatildeo que ainda

estivessem nas terras da diaacutespora quanto os justos das naccedilotildees seguindo seus passos

- levantou a questatildeo da posiccedilatildeo soacutecio-religiosa da populaccedilatildeo de Siatildeo quais

requisitos de admissatildeo deveriam ser aplicados e quais natildeo deveriam estar vigentes

Desde o iniacutecio a perda da condiccedilatildeo de Estado e o fim da monarquia tornou

impossiacutevel um delineamento estritamente eacutetnico das fronteiras especialmente

porque a administraccedilatildeo central persa provavelmente natildeo teria interesse em tal

ldquonacionalizaccedilatildeordquo448

445 Cf WERLITZ J Redaktion und Komposition Zur Ruumlckfrage hinter die Endgestalt von Jesaja

40-55 p 282 446 Cf OORSCHOT J van Von Babel zum Zion Eine literarkritische und redaktionsgeschichtliche

Untersuchung p 239 447 Cf CONROY C The ldquoFour Servant Poemsrdquo in Second Isaiah in the light of recent redaction-

historical studies p 92 448 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 386

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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154

Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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158

Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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160

em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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161

como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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162

Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

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312

Da queda da Babilocircnia aos conflitos em Yehud

Depois da morte de Nabucodonosor em 562 aC deu-se iniacutecio a um periacuteodo

conturbado e cheio de conflitos internos na Babilocircnia no qual em apenas sete anos

sucederam-se ao trono quatro reis O uacuteltimo desses reis foi Nabonido (555ndash539

aC) que tambeacutem foi com a sua derrota por Ciro o uacuteltimo monarca do impeacuterio

neobabilocircnico Pela sua predileccedilatildeo pelo deus Sin que tinha como centro de culto a

cidade Haran entrou em conflito com os sacerdotes de Marduk que controlavam a

cidade da Babilocircnia e representavam uma verdadeira potecircncia econocircmica no

impeacuterio449

O assim chamado ldquoCilindro de Cirordquo450 justifica a queda de Nabonido e o

ingresso de Ciro em Babilocircnia como sendo vontade de Marduk o qual pocircs-se contra

Nabonido por este ter transcurado o seu culto e entregue o governo da capital do

impeacuterio nas matildeos de Baldassar seu primogecircnito451

(1) [Quando Mar]duk rei da totalidade do ceacuteu e da terra o que no

seu torna desolado o seu (2) rico () de inteligecircncia

aquele que controla () as extremidades (da terra) (3)

ao primo[gecircnito()] (de Nabonido = Baldassar) uma pessoa iacutenfima

foi confiada a senhoria do seu (= de Marduk) paiacutes (4) e

[uma imi]taccedilatildeo (das estaacutetuas dos deuses()) colocou no seu lugar (5) Ele

fez uma imitaccedilatildeo do templo de Esaguil para a

cidade de Ur e o resto dos centros cultuais (6) [Ele fez] rituais natildeo apropriados aos

seus (= aos deuses) todos os dias recitou [oraccedilotildees

() natildeo] reverentes e como insulto (7) cessou com as ofertas regulares In[terferiu

no culto e] colocou no interior das cidades cultuais Pocircs fim

agraves reverecircncias para com Marduk rei dos deuses no seu iacutentimo (8) Cada dia fazia

repetidamente o mal contra a sua (= di Marduk) cidade [Os seus

449 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre Vol 1 Achaemenid History

10 Leiden Netherlands Institute voor het Nabije OostenParis Librairie Arthegraveme Fayard 1996 pp

51-53 450 ldquoO cilindro eacute portanto um documento ideoloacutegico encomendado por Ciro ou pelos seus

colaboradores agrave elite dos escribas babilocircnicos para legitimar seu poder na Babilocircnia O texto segue

os modelos literaacuterios de inscriccedilotildees reais mesopotacircmicas especialmente as do rei Neo-Assiacuterio

Assurbanipal (668-627 aC) encontrando paralelos tambeacutem naqueles dos reis neobabilocircnios

Nabonido inclusiverdquo BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese In Prato

G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455) lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra

richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari

(Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013

pp 251-252 451 [ ] Texto reconstruiacutedo

Texto perdido (O espaccedilo na traduccedilatildeo eacute equivalente agrave lacuna no texto)

Texto atestado nos fragmentos recentemente identificados

( ) Texto integrativo ou explicativo acrescentado pelo tradutor em liacutengua italiana

() Traduccedilatildeo duvidosa

(1) Nuacutemero da linha

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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120

comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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125

Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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150

Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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156

constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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158

Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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162

Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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habitantes] todos arruinou com um jugo (= trabalho gratuito prestado aos

senhores) que natildeo dava repouso (9) Por causa dos seus lamentos o deus dos deuses

(= Marduk) encheu-se de furor e raiva e os seus confins Os deuses que

viviam entre eles deixaram os seus tabernaacuteculos (10) cheios de ira porque ele (=

Nabonido) (os) tinha levado para o interior de Shuana (= Babilocircnia) Marduk o

Al[tissiacutemo o deus dos deuses] se voltou para todas as suas instalaccedilotildees nas quais

as suas (= dos deuses) habitaccedilotildees estavam em ruina (11) e (para) todos os povos de

Sumer e Akkad que se tornou como um corpo sem vida Ele aplacou (o frecircmito

d)as suas viacutesc[eras] e teve piedade A totalidade de todos os paiacuteses examinou

controlou e (12) buscou (= para buscar) o governante justo (conforme) o desejo de

seu coraccedilatildeo Tomou a sua matildeo de Ciro rei da cidade de Anshan decretou o seu

chamado (e) proclamou o seu nome para o governo da totalidade do todo452

De fato alguns anos antes Ciro que em 550 aC tornou-se tambeacutem rei dos

Medos deu iniacutecio a uma seacuterie de ofensivas para conquistar territoacuterios em torno da

Babilocircnia Depois de ter vencido a batalha de Opis localizada agraves margens do Tigre

a 10 de outubro de 539453 Ciro entrou na cidade de Babilocircnia a 12 de outubro

aclamado pelos sacerdotes de Marduk como libertador tendo-se deste modo o fim

do impeacuterio neobabilocircnico Para os babilocircnios por sua vez

a vitoacuteria de Ciro poderia significar a reconstituiccedilatildeo do antigo impeacuterio O priacutencipe

herdeiro Cambise foi reconhecido por alguns meses como ldquoRei da Babilocircniardquo e

talvez ele tenha presidido a festa de Ano Novo Mas para o rei vitorioso a queda

de Babilocircnia marcou a consagraccedilatildeo de um novo impeacuterio que jaacute se estendeu do mar

Egeu ateacute a Aacutesia Central454

Natildeo devem passar desapercebidos os contatos lexicais entre o ldquoCilindro de

Cirordquo e Is 45 onde Ciro eacute chamado de ldquomessiasrdquo De modo especial pode-se

destacar as linhas 10 e 12 do cilindro e Is 4514455 onde o texto isaiano demonstra

que

para os poetas e teoacutelogos da comunidade dos exiliados de Judaacute quem atuou na

entrada triunfal de Ciro natildeo foi Marduk mas YHWH que jaacute tinha chamado a

Abraatildeo do Oriente e desse modo a chamada de Ciro representava a maior

continuidade possiacutevel entre a promessa e seu cumprimento (cf 411-425-29 459-

13 469-11 4812-16)456

452 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese pp 253-255 453 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 51 454 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 55 455 Cf FRIED LS Cyrus the Messiah The Historical Background to Isaiah 451 HThR 95 (2002)

4 373-393 LINCOLN B The Cyrus Cylinder The Book of Virtues and the ldquoLiberationrdquo of Iraq

On Political Theology and Messianicm Pretensions In Makrides VN - Ruumlpke J (edd)

Religionen im Konflikt Vom Buumlrgerkrieg uumlber Oumlkogewalt bis zur Gewalterinnerung im Ritual

Muumlnster Aschendorf 2004 pp 248-264 456 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011

p 40

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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124

31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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153

32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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154

Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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155

dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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158

Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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160

em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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161

como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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162

Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

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Digna de menccedilatildeo eacute a segunda parte da linha 32 do texto do cilindro que

muitas vezes foi compreendida como sendo uma referecircncia aos hebreus deportados

na Babilocircnia e utilizado para confirmar os dados biacuteblicos a respeito da intervenccedilatildeo

de Ciro em favor da reconstruccedilatildeo do Templo de Jerusaleacutem (cf Esd 11-4 e 63-5)457

Tal compreensatildeo vem enfraquecida quando se tem presente o fato de que as

inscriccedilotildees do cilindro tecircm como puacuteblico-alvo os babilocircnios e quando se percebe

pelo contexto anterior mais precisamente nas linhas 30 e 31 do cilindro que o que

segue satildeo referecircncias agraves aacutereas a oriente do rio Tigre458

(27) Eu Ciro o rei que o venera e Cambise o filho (que eacute) a [minha] descendecircncia

[e] todo o meu exeacutercito (28) generosamente ele abenccediloou para que pudeacutessemos

[andar] alegremente na sua presenccedila em bem-estar

[Ao seu comando] supremo todos os reis que estatildeo sobre os tronos (29) em todas

as extremidades (da terra) do mar superior ao mar inferior que estatildeo em re[giotildees

distantes] os reis do Ocidente que estatildeo em tendas todos quantos (30) me

trouxeram os seus pesados tributos e no interior de Shuanna (= Babilocircnia) beijaram

os meus peacutes Desde [Shuanna (= Babilocircnia)] ateacute as cidades de Ashshur e Susa (31)

Akkad a regiatildeo de Eshnunna a cidade de Zamban a cidade de Meturnu Der ateacute

o limite do pais dos Guteus (ou seja () nos) centros cultuais sobre a outra margem

do Tigre cujas habitaccedilotildees foram abandonadas faz tempo (32) restituiacute agraves suas sedes

os deuses que habitavam no seu interior e (os) entronizei nas (suas) habitaccedilotildees

eternas Toda a sua gente reuni e dei a eles de volta as suas povoaccedilotildees459

No entanto mesmo natildeo sendo uma referecircncia aos judeus deportados na

Babilocircnia tal texto pode ser uma confirmaccedilatildeo indireta do que eacute afirmado em Esdras

quando demonstra que tal comportamento de Ciro em relaccedilatildeo ao culto e agrave

restituiccedilatildeo aos exilados das suas antigas povoaccedilotildees natildeo era privileacutegio pretendido

pelos judeus mas fazia parte da poliacutetica imperial persa460 De fato

estando a religiatildeo e a poliacutetica estreitamente ligadas nas sociedades do antigo

Oriente Meacutedio eacute loacutegico que as fontes judaicas apresentam a histoacuteria sob seus

aspectos religiosos Mas qualquer decisatildeo ldquoreligiosardquo tem tambeacutem implicaccedilotildees e

objetivos poliacuteticos Toda cidade ou todo povo tendo deuses que os protejam eacute

normal que eles os adorem e construam para eles santuaacuterios que constituem ao

mesmo tempo locais de culto e siacutembolos de uma entidade poliacutetica independente ou

autocircnoma Natildeo eacute menos compreensiacutevel que um conquistador deporte os deuses

isto eacute estaacutetuas de culto e objetos cultuais juntamente com a famiacutelia real e as elites

poliacuteticas e militares eliminado assim qualquer auxiacutelio a uma possiacutevel revolta

contra a sua dominaccedilatildeo isso foi precisamente o que fez Nabucodonosor apoacutes a

captura de Jerusaleacutem Por outro lado a restauraccedilatildeo poliacutetica e religiosa de uma

cidade ou comunidade eacute acompanhada pelo retorno - considerado indispensaacutevel

pelos repatriados - das estaacutetuas dos deuses que haviam sido deportados

457 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 458 Cf BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 252 459 BASELLO G P Il Cilindro di Ciro tradotto dal testo babilonese p 257 460 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre pp 55-58

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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148

tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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150

Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

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anteriormente para a capital do conquistador precedente Isso eacute exatamente o que

fez Ciro em Babilocircnia O caraacuteter ldquoexcepcionalrdquo das medidas tomadas por Ciro em

favor de Jerusaleacutem portanto procede apenas de uma perspectiva estreitamente

judeocecircntrica de nossas fontes Recolocando-as no contexto ideoloacutegico e poliacutetico

do Oriente Meacutedio tornam-se tais medidas novamente o que eles realmente eram

um episoacutedio certamente importante para os judeus mas um episoacutedio banal e

comum que muitos povos do Oriente Meacutedio jaacute tinham experimentado no curso das

dominaccedilotildees assiacuteria e babilocircnica 461

Ainda que restem duacutevidas a respeito da exatidatildeo das versotildees do assim

chamado ldquoEdito de Cirordquo (cf Esd 11-4 e 63-5) haja vista as contradiccedilotildees e

incertezas a respeito dos pormenores a autenticidade das medidas nelas relatadas

devem ser admitidas462

Isto vem confirmado pelos fatos ou seja mesmo natildeo existindo um retorno

maciccedilo de judeus pelo fato de a maioria ter nascido na Babilocircnia e ali terem

conquistado um certo grau de prosperidade um pequeno nuacutemero guiado por

Sesbassar um descendente de Davi fez o seu retorno a Jerusaleacutem Chegando

encontram uma cidade quase toda em ruinas e uma populaccedilatildeo com poucas

possibilidades econocircmicas aleacutem de terem de enfrentar a oposiccedilatildeo da Samaria

contra qualquer tentativa de se restabelecer o antigo esplendor de Jerusaleacutem e do

Templo Uma das primeiras iniciativas foi o reestabelecimento do culto sacrificial

pela construccedilatildeo de um novo altar sobre os fundamentos do antigo e a restauraccedilatildeo

das festas religiosas Mesmo tendo-se iniciado a reconstruccedilatildeo do Templo

posteriormente lanccedila-se a pedra fundamental do segundo Templo ato de imenso

valor simboacutelico463

Em 520 aC um outro grupo que eacute liderado por Zorobabel priacutencipe

daviacutedico e pelo sacerdote Josueacute faz o seu retorno Nesse periacuteodo tem iniacutecio de fato

a construccedilatildeo do ldquoSegundo Templordquo muito mais simples do que Templo de

461 BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 58 462 ldquoContra a ideia do cronista a respeito do lsquoedito de Cirorsquo em Esd 11-4 no sentido de que a

permissatildeo para reconstruir o santuaacuterio de Jerusaleacutem e para o retorno agrave Judeia foram concedidos ao

mesmo tempo no ano de 538 aC eacute necessaacuterio ter presente que uma repatriaccedilatildeo em larga escala

deu-se apenas sob o reinado de Dario I (521-489) Provavelmente o estopim da medida foram as

revoltas que comeccedilaram a explodir na Babilocircnia depois da morte de Cambise II e que foram

sufocadas com toda forccedila por Dario I nos anos 522-521 aC Isso poderia ter sido avaliado entre

membros da Golah como um sinal para arriscar o retorno agrave paacutetriardquo BERGES U Isaiacuteas - El profeta

y su libro Estudios Biacuteblicos 44 Estrella Verbo Divino 2011 p 40 463 Cf BRIANT P Histoire de lempire perse de Cyrus agrave Alexandre p 57

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Salomatildeo poreacutem carregado de valor simboacutelico enquanto fulcro da identidade dos

judeus de Judaacute e da Diaacutespora o qual seraacute dedicado em 515 aC464

Oficialmente Judaacute neste periacuteodo eacute denominada Yehud Quanto ao seu status

poliacutetico discute-se se desde os seus primoacuterdios enquanto entidade do impeacuterio persa

constituiacutea-se uma Proviacutencia separada da Samaria e governada por Sesbassar e

depois por Zorabobel ou se passa a ser uma Proviacutencia por volta de 445 aC tendo

como governador Neemias465

Poreacutem longe de um retorno paciacutefico o repatriamento dos exilados eacute cheio

de embates principalmente com as populaccedilotildees que permaneceram na terra Este eacute o

contexto do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo466 Tal embate poreacutem preparava-se desde

o tempo do exiacutelio

O livro de Ezequiel mostra a oposiccedilatildeo entre os que ficaram na terra que

eram a maioria esmagadora e os deportados em 597 aC (cf Ez 1115) Por seu

afastamento do Templo justo castigo pelos seus pecados os deportados ter-se-iam

afastado do proacuteprio Deus e portanto natildeo mais pertenciam ao seu povo perdendo

assim o direito de posse da terra que se tornou posse exclusiva dos que nela

permaneceram (cf Ez 3324) os quais se consideravam o verdadeiro Israel467

Outros textos biacuteblicos no entanto apontam para uma outra interpretaccedilatildeo

dos acontecimentos Por exemplo os textos de 2Rs 2522-26 e Jr 41-43 falam do

total abandono de Judaacute quando os que tinham permanecido na terra se refugiaram

no Egito Jr 421-437 interpreta esse fato como desobediecircncia a uma ordem do

Senhor Depois de o ter consultado e se comprometido a fazer o que ele decretasse

(cf Jr 421-6) todo o povo se recusa a permanecer em Judaacute como o Senhor mandara

que permanecesse (cf Jr 431-4) Portanto

a comunidade judaica do Egito a qual na loacutegica dos relatos reuacutene todos os Judeus

que natildeo tinham sido deportados nasceu de uma desobediecircncia formal a YHWH Eacute

filha de um pecado original De um traccedilo Jr 4116-437 risca assim do mapa todas

as comunidades judaicas que natildeo tiveram origem na deportaccedilatildeo particularmente a

464 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos pp 49-50 BRIANT P Histoire de lempire perse de

Cyrus agrave Alexandre p 57 465 Cf MAIER J Entre os dois Testamentos p 50 Para pormenores da administraccedilatildeo persiana de

Yehud cf SETTEMBRINI M Lrsquoattivitagrave letteraria ebraico-giudaica di epoca persiana e la sua

compatibilitagrave con la situazione politica In Prato G L (ed) Ciro chiamato per nome (Is 455)

lepoca persiana e la nascita dellIsraele biblico tra richiamo a Gerusalemme e diaspora perenne

Atti del XVII Convegno di Studi Veterotestamentari (Assisi 5-7 settembre 2011) Ricerche storico-

bibliche 251 Bologna Edizioni Dehoniane 2013 pp 158-159 466 Cf BERGES U Isaiah - Structure Themes and Contested Issues p 163 467 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda Cadmo

10 (2000) 183

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comunidade da Palestina que era de longe a mais numerosa e deslegitima a

comunidade do Egito que declara aliaacutes condenada ao extermiacutenio Por exclusatildeo

fica a comunidade da Babilocircnia como uacutenica herdeira legiacutetima de Judaacute Os Judeus

exilados na Babilocircnia ou os seus herdeiros na Judeia - e soacute eles - satildeo Judaacutelsrael468

Contrariamente a isto F Gonccedilalves chega a defender uma ideia pouco

convencional ou seja a continuidade da monarquia em Judaacute durante o periacuteodo da

dominaccedilatildeo babilocircnica

Esd 514 daacute o tiacutetulo de governador a Sesbassar Ag 1114 e 2221 faz o mesmo a

Zorobabel Seguindo essas informaccedilotildees a maioria dos autores pensa que Sesbassar

e Zorobabel eram governadores e que a Judeia tinha o estatuto de proviacutencia Pelo

contraacuterio baseando-se no tiacutetulo de ldquoPriacutencipe de Judaacuterdquo que Esd 18 daacute a Sesbassar

Liver opina que este era rei e que a Judeia ainda era um reino vassalo da Peacutersia

O seu estatuto teria mudado com Zorobabel Outros pensam que a mudanccedila se deu

mais tarde O proacuteprio Zorobabel ainda teria sido rei O desaparecimento da

monarquia teria sido fruto de uma evoluccedilatildeo interna agrave Judeia e natildeo de uma

imposiccedilatildeo por parte do poder babilocircnico ou persa

Numa soacute palavra a maioria dos indiacutecios que se podem extrair dos relatos sobre a

conquista babilocircnica de Judaacute assim como dos textos relativos agrave reorganizaccedilatildeo de

Judaacute sob os Persas parecem supor que contrariamente agrave opiniatildeo comum Judaacute

conservou o estatuto de reino durante o periacuteodo babilocircnico469

Tais concepccedilotildees sobre quem seria o verdadeiro ldquoIsraelrdquo as quais surgiram

como resultado das lutas pela supremacia entre as comunidades judaicas que se

formaram a partir da conquista de Judaacute pelos babilocircnios470 satildeo a preparaccedilatildeo para o

confronto entre os que permaneceram na terra e os que retornaram do exiacutelio a partir

do ano 538 aC

No entanto aquela que se impocircs foi a proposta pelos que foram exilados

isto na maioria dos textos biacuteblicos e ateacute mesmo entre os historiadores modernos os

quais ao situar o centro da vida judaica entre 597-538 aC na Golah ldquonatildeo fazem

senatildeo glosar a propaganda da comunidade judaica da Babilocircnia e dos seus

herdeiros omitindo a ideia do despovoamento total de Judaacute o elemento dessa

propaganda mais inverossiacutemil do ponto de vista histoacuterico e sem duacutevida o mais

caricaturalrdquo471

468 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 184 469 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 179

Cf tambeacutem P SACCHI Lrsquoesilio e la fine della monarchia davidica Henoch 11 (1989) 131-148 F

BIANCHI Zorobabele re di Giuda Henoch 13 (1991) 133-150 F BIANCHI Le rocircle de Zorobabel

et de la dynastie davidique en Judeacutee du Vie siegravecle au Ile siegravecle av J-C Transeuphrategravene 7 (1994)

153-165 470 Cf GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p

185 471 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 187

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121

Esse conflito encontra sua forma literaacuteria em Jr 37-43 bloco com uma

histoacuteria redacional bastante complexa a qual ter-se-ia iniciado em Judaacute continuado

na Babilocircnia entre os exilados passado por uma redaccedilatildeo deuteronomista e que ter-

se-ia concluiacutedo com uma redaccedilatildeo final ldquopatriacuteciardquo472 expressa nas suas diversas

camadas tanto do ponto de vista dos que permaneceram na terra473 quanto o dos

que foram exilados tornando-se na sua forma final um dos maiores instrumentos

de propaganda dos membros da Golah enquanto defende que os que permaneceram

em Judaacute deixaram de ser Israel pela sua proacutepria culpa em definitivo tornando-se

ldquoo relato da vitoacuteria poliacutetica e ideoloacutegica dos benecirc haggocirclacirc contra os seus

compatriotas que ficaram em Judaacute aquando das conquistas babilocircnicasrdquo474

A razatildeo do conflito encontrar-se-ia nas disputas pela posse da terra segundo

Ez 1115 e 3324 textos provavelmente escritos por um representante da concepccedilatildeo

dos membros da Golah Tal conflito envolveria a posse das terras dos ricos

proprietaacuterios redistribuiacutedas apoacutes a sua deportaccedilatildeo entre os que permaneceram (cf

2Rs 2512 Jr 5216)475

O embate ter-se-ia agravado com as primeiras levas que fizeram seu retorno

as quais apesar de serem uma minoria detinham a supremacia a eles conferida pelo

poder persa e pela propaganda contraacuteria aos que natildeo foram deportados da qual se

utilizavam para assim legitimar a sua pretensatildeo ao direito exclusivo agrave terra e agrave

reorganizaccedilatildeo da antiga Judaacute agora Yehud promovida pelos persas476 Em siacutentese

para fundar a sua supremacia os Judeus da Babilocircnia e os seus herdeiros

declararam as restantes comunidades sobretudo a comunidade da Judeia

inexistentes e a comunidade do Egito ilegiacutetima e condenada agrave aniquilaccedilatildeo Quando

os benecirc haggocirclacirc tomaram o poder na Judeia graccedilas agrave autoridade persa a sua versatildeo

da histoacuteria impocircs-se Integraram nela elementos da versatildeo rival que davam os

Judeus da Palestina mas passaram-nos pelo molde da sua ideologia Por isso soacute

temos acesso agrave versatildeo palestinense dos acontecimentos atraveacutes dos olhos dos benecirc

haggocirclacirc Isso explica o fato de que natildeo existe uma ldquohistoacuteriardquo de Judaacute que abarque

todo o periacuteodo babilocircnico Se existiu tal histoacuteria os benecirc haggocirclacirc natildeo podiam

permiti-la pois um dos seus dogmas fundamentais era que Judaacute esteve entatildeo

totalmente despovoado Nessas circunstacircncias o periacuteodo babilocircnico natildeo podia ser

472 Cf H-J STIPP Die Hypothese einer schafanidischen (patrizischen) Redaktion des

Jeremiabuches Zum Beitrag von Harald Martin Wahl in ZAW 31998 ZAW 111 (1999) 416-418

SEITZ C R Theology in Conflict Reactions to the Exile in the Book of Jeremiah BZAW 176

BerlinNew York Walter de Gruyter 1989 pp 203-296 473 ldquoO comportamento e a mensagem que os relatos de Jr 40-43 atribuem a Jeremias o porta-voz de

YHWH expressam a convicccedilatildeo de que nos primeiros tempos apoacutes as deportaccedilotildees de 5876 a C o

paiacutes de Judaacute continuava a ser o centro da vida judaicardquo GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de

ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 183 474 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 475 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186 476 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda p 186

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122

senatildeo o buraco negro de que se queixam os historiadores mas natildeo como supotildeem

porque natildeo havia entatildeo na Palestina quem soubesse escrever a histoacuteria477

313

Relaccedilatildeo literaacuteria e histoacuterica da alusatildeo com outros textos das

Escrituras de Israel

Tendo-se analisado conforme os passos metodoloacutegicos propostos por G K

Beale a possiblidade de que Is 5213-5312 tenha relaccedilatildeo com um texto biacuteblico

mais antigo do qual seja uma reinterpretaccedilatildeo natildeo identificou-se nenhuma relaccedilatildeo

intertextual que seguisse esse padratildeo No entanto aponta-se para a possiblidade de

que o texto isaiano tenha sofrido releituras por parte de pelo menos dois textos

veterotestamentaacuterios478 Zc 1210-131 e Dn 121-4

3131

Zc 1210-131

31311

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Zc 1210-131

Em Zc 121 com a expressatildeo ldquoOraacuteculo Palavra de YHWHrdquo expressatildeo

utilizada tambeacutem em Zc 91 tem-se o iniacutecio de uma nova seccedilatildeo do Decircutero-

Zacarias com a qual se conclui o livro de Zacarias Tal seccedilatildeo tem como finalidade

utilizando-se de uma linguagem escatoloacutegica a descriccedilatildeo dos eventos que teratildeo

lugar ~AYB ldquonaquele diardquo expressatildeo que apareceraacute vinte vezes no Decircutero-

Zacarias das quais dezoito vezes nessa nova seccedilatildeo inclusive no uacuteltimo versiacuteculo

do livro em Zc 1421479

A periacutecope na qual estatildeo as alusotildees a Is 5213-5312 eacute formada por Zc 121-

136 Os seus primeiros versiacuteculos ou seja Zc 121-9 pressupotildeem um contexto de

falta de perspectiva de mudanccedila na esfera social e poliacutetica que gera uma profunda

477 GONCcedilALVES F J Exiacutelio babilocircnico de ldquoIsraelrdquo realidade histoacuterica e propaganda pp 186-

187 478 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 479 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 p 1087

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falta de esperanccedila Nesse contexto a uacutenica possibilidade de salvaccedilatildeo estaacute em uma

intervenccedilatildeo do proacuteprio YHWH que se levanta contra os povos para defender as

uacutenicas entidades politicas reconheciacuteveis nesse contexto Jerusaleacutem e Judaacute480

Em um novo quadro que se afasta do cenaacuterio de guerra escatoloacutegica

precedente em Zc 1210 fala-se da regeneraccedilatildeo ritual dos habitantes de Jerusaleacutem

fruto do martiacuterio de um homem que foi traspassado sobre quem se lamentaratildeo como

a um primogecircnito481 A menccedilatildeo a Meguido no versiacuteculo seguinte poderia sugerir

que se pensasse na morte de Josias No entanto tal menccedilatildeo poderia indicar a morte

de um personagem contemporacircneo ao escrito o qual teria tentado empreender uma

reforma semelhante agravequela realizada por Josias (cf 2Rs 22-23) que entre outras

coisas buscava combater a idolatria tambeacutem difundida no seu contexto (cf Zc

102132)482 Em Zc 131 fala-se de uma fonte que se abre para purificar os

habitantes de Jerusaleacutem dos seus pecados inclusive da idolatria (cf Zc 132) Assim

sendo ldquoa conversatildeo dos moradores de Siatildeo eacute essencialmente um dom de YHWH

e natildeo apenas resultado dum maacutertir trespassado acerca do qual se lamentaratildeordquo483

estando deste modo Zc 131 relacionado intimamente com Zc 1210484

O descreacutedito em que haviam caiacutedo os profetas (cf Zc 132-6) e a ecircnfase na

escatologia e no ldquodia de YHWHrdquo como um batalha travada por Deus em favor do

seu povo ldquosituam o material como um nexo com a literatura apocaliacuteptica ()rdquo

Sendo assim ldquopodemos designar para os capiacutetulos 9-14 uma eacutepoca tardia que vai

desde os finais do seacutec IV e se prolonga durante o seacutec IIIrdquo485 ou seja uma eacutepoca

de certa estabilidade poliacutetico-teoloacutegica em que Judaacute estava sob o domiacutenio dos

Ptolomeus do Egito486 e ldquodurante a qual se iratildeo apagando as vozes dos profetas e

comeccedilaraacute a crescer a expectativa messiacircnica e a linguagem apocaliacuteptica como

forma de expressatildeo da nova realidade social e teoloacutegicardquo487

480 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53

e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo 145 481 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

145 482 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1087 483 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 484 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

146 485 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079 486 CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie Source Biblique Paris Gabalda amp Cie 1969 p 137 487 Cf ANDINtildeACH P R Zacariacuteas p 1079

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31312

Contatos entre Zc 1210-131 e Is 5213-5312

Quanto as contatos literaacuterios e temaacuteticos tanto em Is 5213-5312 como em

Zc 1210-131 tem-se uma lamentaccedilatildeo coletiva a respeito de algueacutem que foi

traspassado e cujo sacrifiacutecio eacute transformado em becircnccedilatildeo para o povo que tambeacutem

em ambos os textos eacute purificado de seus pecados488

Tanto Is 5213-5312 como Zc 1210-131 tecircm um contexto semelhante ou

seja um contexto de restauraccedilatildeo O primeiro a restauraccedilatildeo de Jerusaleacutem no poacutes-

exiacutelio e o segundo o contexto da vitoacuteria escatoloacutegica de Jerusaleacutem sobre as naccedilotildees

pagatildes489 a qual poderia ser uma leitura de Is 5213-15490

Como diferenccedila entre os textos pode-se identificar a perspectiva

universalista de Isaiacuteas a qual se opotildee ao nacionalismo exacerbado de Zacarias

frutos de seus respectivos contextos491

Quanto aos personagens de que falam os dois textos o anonimato destas

figuras natildeo permite que seja realizada uma comparaccedilatildeo entre eles sob uma

perspectiva teoloacutegica no entanto alguns aspectos em comum podem ser apontados

Is 535a usa a raiz verbal llx enquanto Zc 1210c usa a raiz verbal rqd

sinocircnimo de llx para referir-se ao personagem desconhecido os quais tecircm o

sentido de ser traspassado492

Em ambos os textos os personagens tecircm um importante papel na purificaccedilatildeo

dos pecados do povo quer seja pela accedilatildeo do Servo sofredor que carrega sobre si os

seus pecados (cf Is 5311-12) quer seja pela abertura de uma fonte salutar que

purifica os habitantes de Jerusaleacutem (cf Zc 131) apoacutes a liturgia penitencial ou

lamentaccedilatildeo pelo traspassado (cf Zc 1210)493

488 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 89 489 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

148 490 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 89 491 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

149 492 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 88 493 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Tendo como base os elementos acima postos os quais demonstram mais um

contato teoloacutegico que propriamente literaacuterio entre o texto isaiano e aquele de

Zacarias pode-se afirmar ser o texto mais recente uma releitura do texto precursor

uma releitura teoloacutegica da humilhaccedilatildeo do Servo sofredor de Is 5212-5312494

sendo este o modelo teoloacutegico do traspassado de Zc 1210s495

3132

Dn 121-4

31321

Contexto histoacuterico e literaacuterio de Dn 121-4

O Livro de Daniel apresenta-se como uma obra complexa na qual se pode

encontrar tanto um conteuacutedo sapiencial quanto o estilo apocaliacuteptico aleacutem da

variaccedilatildeo linguiacutestica e de uma distribuiccedilatildeo nem sempre loacutegica do material496 Tal

complexidade poderia refletir o desenvolvimento do Livro de Daniel em diferentes

etapas redacionais497

Nesse contexto Dn 121-4 eacute a conclusatildeo da grande visatildeo apocaliacuteptica

iniciada em Dn 10 Tal visatildeo faz parte do bloco formado por Dn 1140-1213 com

o qual se conclui o livro Esse bloco por sua vez provavelmente teve sua redaccedilatildeo

antes da morte de Antiacuteoco Epiacutefanes por volta do ano 164 aC498

Com efeito segundo o oraacuteculo de Dn 1140-45 a morte de Antiacuteoco se daria

apoacutes ter vencido o Egito a Liacutebia e a Etioacutepia e acampado ldquoentre o mar e o monte

santo e gloriosordquo de Siatildeo No entanto ele morreu natildeo entre o Mediterracircneo e

Jerusaleacutem como descreve a visatildeo apocaliacuteptica mas sim na Peacutersia Deste modo a

imprecisatildeo da descriccedilatildeo da morte de Antiacuteoco encontrada no livro de Daniel aponta

para que tenha sua composiccedilatildeo anterior ao fato Note-se tambeacutem que o autor natildeo

menciona as vitoacuterias dos macabeus a reconquista de Jerusaleacutem e a purificaccedilatildeo do

494 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

151 495 Cf CHARY T Ageacutee Zacharie Malachie p 205 496 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel Hermeneia Minneapolis

Fortress 1993 pp 12-24 497 Cf COLLINS J J Daniel A Commentary on the Book of Daniel pp 24-38 498 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

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Templo indiacutecio de que escreveu antes desses acontecimentos que antecederam a

morte de Antiacuteoco em novembro ou dezembro de 164 aC499

O autor do livro de Daniel encontra-se provavelmente entre os hasidim

grupo de judeus piedosos mencionado em 1Mc 242 e 712 Estes em Dn 1133

satildeo chamados de saacutebios poreacutem mais do que isso satildeo os que ldquoinstruiratildeo a muitosrdquo

Satildeo tambeacutem os maacutertires (cf Dn 1133-35) de que se falaraacute tambeacutem em Dn 121-3

Os que perseguem os hasidim por sua vez satildeo aqueles que ldquotransgridem a alianccedilardquo

(cf Dn 1132) expressatildeo que se pode encontrar tambeacutem na literatura do Mar Morto

(cf 1QM 12) para designar os apoiadores do processo de helenizaccedilatildeo promovido

por Antiacuteoco500 o qual se autodiviniza (cf Dn 1136) e realiza a ldquoabominaccedilatildeo

desoladorardquo (cf Dn 1131 1Mc 15459) ou seja profana o Templo de Jerusaleacutem

com o sacrifiacutecio de animais impuros e o culto de divindades pagatildes501 desastre que

no entendimento dos contemporacircneos do autor do livro de Daniel ldquosupera ateacute

mesmo a destruiccedilatildeo do templo em 587 aC e que foi entendido como a essecircncia

das lsquodificuldades do final dos temposrsquo o que poderia ter como uacutenica consequecircncia

a imediata manifestaccedilatildeo do reino de Deusrdquo502 Neste contexto

A evocaccedilatildeo da prova final toma a forma de um combate (cf Dn 1140-45) que se

conclui com a vitoacuteria de Deus sobre as forccedilas do mal Entatildeo se abre o ldquomundo que

deve virrdquo do qual participaratildeo aqueles que morreram pela feacute eles ressurgiratildeo dos

abismos para encontrar um lugar no povo novo As estruturas religiosas do povo

focadas na praacutetica da Lei e no culto no Templo tornam muito claro o objeto da

alusatildeo nota-se o lugar essencial que aiacute ocupam os ldquodoutoresrdquo que instruem o povo

e o conduzem agrave justiccedila Os justos perseguidos satildeo postos agrave morte e o autor lhes

aplica aquilo que foi dito sobre o ldquoServo sofredorrdquo no oraacuteculo de Is 5310-13

(sic)503

499 Cf LACOCQUE A Daniel In Farmer W R (org) Comentario Biacuteblico Internacional -

Comentario catoacutelico y ecumeacutenico para el siglo XXI Fonasa Verbo Divino 1999 pp 1008-1009

MAIER J Entre os dois Testamentos p 160 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and

the Drama of Taking Anotherrsquos Place p 90 500 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 501 Cf LACOCQUE A Daniel p 1008 502 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

p 90 503 GRELOT P LEspeacuterance juive agrave lheure de Jeacutesus - Eacutedition nouvelle revue et augmenteacutee

Collection ldquoJeacutesus et Jeacutesus-Christrdquo 62 Paris Descleacutee 1994 p 42 No entanto ao contraacuterio do que

ocorre com o texto isaiano ldquoexiste um consenso praticamente unacircnime entre os estudiosos modernos

de que Daniel estaacute se referindo agrave ressurreiccedilatildeo real de indiviacuteduos dos mortos isto por causa da

linguagem expliacutecita utilizada quando fala da vida eterna Esta eacute de fato a uacutenica referecircncia

geralmente aceita agrave ressurreiccedilatildeo na Biacuteblia hebraicardquo COLLINS J J Daniel With an Introduction

to Apocalyptic Literature Forms of the OT Literature Grand Rapids Eerdmans 1984 pp 391-392

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31322

Contatos entre Dn 121-4 e Is 5213-5312

De fato pode-se identificar como tema central de Dn 121-4 um importante

elemento presente nas alusotildees isaianas aqui estudadas ou seja a retribuiccedilatildeo dos

justos que justificam os muitos ים yqeyDIcm (Dn 123)504 הרב

Ainda que o debate sobre a interpretaccedilatildeo de ים yqeyDIcm seja amplo505 הרב

pode-se afirmar com M Hengel que ldquoexiste espaccedilo para a possibilidade da expiaccedilatildeo

vicaacuteria - cautelosamente aludida - na referecircncia de Daniel ao sofrimento dos

KifMלי~ e agrave sua funccedilatildeo como lsquoaqueles que justificam os muitosrsquo (ים yqeyDIcm הרב

Dn 123)rdquo506

De fato a raiz verbal qdc no hifil tem o significado de ldquojustificar conduzir

agrave justiccedilardquo Em Dn 123 este hifil eacute um particiacutepio no status constructus que precede

ים o que pode-se traduzir como ldquoos que justificam os muitosrdquo Tal sintagma הרב

condiciona como ocorre com o Servo em Is 5213-5312 a exaltaccedilatildeo dos ~ליKifM

agrave sua accedilatildeo em favor dos ים os que justificam os muitos [resplandeceratildeo]ldquo 507רב

como as estrelas para sempre eternamenterdquo (Dn 123cd) No entanto no texto de

Daniel como o contexto de perseguiccedilatildeo exige esse tema eacute apresentado com uma

linguagem fortemente escatoloacutegica508

Outro contato a ser tomado em consideraccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo do termo ים רב

em Dn 12234 sendo que em Dn 123 eacute precedido do artigo Neste uacuteltimo caso

ao contraacuterio do texto isaiano no qual estes permanecem indeterminados identifica-

se os que satildeo beneficiados pelo sofrimento dos ~ליKifM ou seja o Israel fiel

aqueles que tecircm seus nomes inscritos no livro (cf Dn 121) aqueles que procuram

504 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 505 Cf HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place

pp 90-98 506 HENGEL M The Effective History of Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

98 507 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 163 508 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160

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ser instruiacutedos nos preceitos da Lei e a eles buscam ser fieacuteis (cf Dn 1132-35)509

Para A Lacocque a relaccedilatildeo entre ~ליKifM e ים aqui apresentada eacute uma רב

reminiscecircncia de Is 5213-5312 e constitui um midrash do ldquoQuarto Cacircntico do

Servordquo510

Por sua vez ~ליKifM apresenta contatos com o hifil כיל de Is 5213 o יש

qual tem como possibilidade de traduccedilatildeo agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia511

Em suma pode-se afirmar que os dois textos mesmo sendo fruto de

contextos e tendo gecircneros literaacuterios bem distintos apresentam contatos entre si que

podem ser identificados na utilizaccedilatildeo de termos ldquoque estatildeo no centro da temaacutetica

que lhes eacute proacutepriardquo512 sendo deste modo o texto de Daniel uma das mais antigas

interpretaccedilotildees do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo513

32 Contexto literaacuterio de Is 5213-5312 321 Contexto literaacuterio anterior e posterior de Is 5213-5312 3211 Contexto literaacuterio anterior

Tendo-se discutido a questatildeo da unidade redacional do Decircutero-Isaiacuteas no

item anterior como pressuposto agrave identificaccedilatildeo do contexto histoacuterico da periacutecope

isaiana estudada passa-se agora a analisar o bloco do qual Is 5213-5312 faz parte

ou seja Is 49-55514

509 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 510 LACOCQUE A Le livre de Daniel Commentaire de LrsquoAncien Testament XVb

NeuchacirctelParis DelachauxNiestleacute 1976 p 170 LACOCQUE A Daniel p 1009 511 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 161 512 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 160 513 Cf LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo

p 162 514 Cf SMITH G V The New American Commentary - Isaiah 40-66 pp 336-337 CONROY C

The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 43 Cf BERGES U The Book

of Isaiah - Its Composition and Final Form p 303 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e

silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 901 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 1 pp 19-21

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129

Este bloco trata basicamente de como apoacutes o fim do exiacutelio o Servo

cumpriraacute sua missatildeo profeacutetica em favor do povo de Deus e ao mesmo tempo de

ser luz das naccedilotildees missatildeo essa que lhe foi confiada pelo Senhor como se pode ver

no ldquoPrimeiro Cacircntico do Servordquo (cf Is 421-9)515

Conforme o bloco anterior o resgate de Jacoacute jaacute se realizou o que se pode

verificar pela utilizaccedilatildeo do qal qatal laG ldquoresgatarrdquo em Is 4820 No entanto a

manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor atraveacutes de Israel o seu Servo ainda eacute uma

promessa o que se constata pelo uso da raiz verbal rap no hifil yiqtol ldquoglorificar-

se a si mesmordquo em Is 493516

O instrumento dessa manifestaccedilatildeo da gloacuteria do Senhor eacute exatamente o

Servo o qual eacute chamado apesar do rechaccedilo ao seu ministeacuterio profeacutetico (cf Is 504-

9) a ser fiel agrave sua missatildeo Deste modo a resistecircncia ao seu anuacutencio torna-se um

meio para que ele decirc um testemunho cada vez mais eloquente de sua fidelidade a

qual tem como consequecircncia a glorificaccedilatildeo do Senhor atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

seu Servo Israel (cf Is 5213-5312) o que se manifesta literariamente atraveacutes do

uso da raiz verbal rap no qatal no final do bloco em Is 555 ldquoEis que uma naccedilatildeo

que natildeo conheces chamaraacutes e naccedilotildees que natildeo te conheceram para ti correratildeo pelo

Senhor teu Deus e pelo Santo de Israel pois ele te glorificourdquo517

O primeiro capiacutetulo (Is 49) desta expansatildeo poacutes-exiacutelica da ldquoRedaccedilatildeo da

Golahrdquo comeccedila com o ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo o qual foi aiacute interpolado Na

sua forma primitiva era composto por Is 491-6 Este primeiro extrato sofreu

provavelmente duas expansotildees uma primeira onde eacute comentado a partir do

ldquoPrimeiro Cacircnticordquo e de textos subjacentes em Is 498-12 e a incorporaccedilatildeo de Is

497 a partir da reflexatildeo realizada no ldquoQuarto Cacircnticordquo518

Poreacutem ao contraacuterio do ldquoPrimeiro Cacircnticordquo no qual o Servo tem a sua

missatildeo apresentada pelo Senhor no segundo eacute o proacuteprio Servo a descrevecirc-la aos

povos (cf Is 491)519 Eacute a Golah que se dispotildee a ser testemunha da accedilatildeo salviacutefica

515 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 516 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 517 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 518 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 pp 145-146 BERGES U

The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 345 A respeito do debate sobre a histoacuteria

redacional do ldquoSegundo Cacircntico do Servordquo cf CHILDS B S Isaia Brescia Queriniana 2005 pp

415-416 WATTS J D W Isaiah 34 - 66 WBC 25 Waco Word 1987 pp 730-731

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 The International Critical Commentary

LondonNew York Bloomsbury 2014 p 154 519 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154

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de Deus para com todas as naccedilotildees e imediatamente apoacutes a ordem para que se decirc

iniacutecio ao novo ecircxodo em Is 4820 se apresenta como o Servo chamado desde o seio

materno disponiacutevel para realizar as ordens do Senhor e pelo qual o seu nome seraacute

glorificado (cf Is 491-12)520

Essa continuidade entre a ordem para partir e a disponibilidade do Servo

para fazer o que o Senhor diz521 faz com que Is 491-13 seja o ponto de interseccedilatildeo

entre a ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo (Is 40-48) tambeacutem identificada como ldquoSeccedilatildeo da

Libertaccedilatildeo de Jacoacuterdquo e a ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 49ndash55) que pode ser

nomeada tambeacutem como ldquoSeccedilatildeo da Restauraccedilatildeo de Siatildeordquo Isso vem confirmado

pelos contatos entre Is 411 ldquoCalai-vos perante mim oacute ilhas e povos reprendam as

forccedilasrdquo e Is 491 ldquoOuvi oacute ilhas e voacutes povos longiacutenquos escutairdquo aos quais se

podem somar as rejeiccedilotildees agraves queixas de Israel (cf Is 4027) e de Siatildeo (cf Is 4914)

Esses pontos de contato demonstram que ldquoo iniacutecio da lsquoSeccedilatildeo de Siatildeorsquo depende

estruturalmente da lsquoSeccedilatildeo da Babilocircniarsquordquo522

Os contatos entre Is 411 e 491 demonstram tambeacutem que os repatriados tecircm

consciecircncia de serem os continuadores da missatildeo do profeta anocircnimo exiacutelico pois

como o profeta de YHWH estimulou a comunidade exilada a uma nova esperanccedila

na accedilatildeo salvadora de Ciro em uacuteltima anaacutelise levando agrave emergecircncia do Ebed fiel eacute

o Servo agora que em seu retorno procura comunicar a certeza de um futuro

glorioso agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem Contra toda a desilusatildeo ele quer convencer a

Jerusaleacutem poacutes-exiacutelica a aceitar seu chamado como central para o movimento de

retorno da diaacutespora do qual seu proacuteprio regresso agrave casa eacute apenas o comeccedilo ()

No entanto o esperado retorno dos judeus da diaacutespora eacute apenas um trampolim para

o objetivo real a realizaccedilatildeo da salvaccedilatildeo de Deus (yti[Wvy gt) ateacute os confins da terra

(496b)523

A funccedilatildeo de ponte de Is 491-13 entre o fim da ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo e o

iniacutecio da produccedilatildeo literaacuteria da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo eacute confirmada ainda

em Is 4913 Esse versiacuteculo hiacutenico que conclui a interseccedilatildeo faz referecircncia a Is 4423

que convida ao louvor e ao juacutebilo porque o Senhor ldquoremiu Jacoacute e glorificou-se por

meio de Israelrdquo Em 4913 tambeacutem existe um convite ao louvor e ao juacutebilo poreacutem

muda a motivaccedilatildeo ldquoporque o Senhor consolou o seu povo e tem compaixatildeo dos

520 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 100 521 Cf WATTS J D W Isaiah 34 - 66 p 730 SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio

di Dio nellAntico Testamento e nella letteratura del Vicino Oriente antico p 183 522 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 305 523 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 344-345

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seus aflitosrdquo introduzindo assim um tema que perpassaraacute toda a segunda parte do

Decircutero-Isaiacuteas ou seja a compaixatildeo524

Esse juacutebilo universal pela accedilatildeo consoladora e misericordiosa de Deus (cf Is

4913) se opotildee agraves duacutevidas daqueles que creem que o Senhor abandonou e esqueceu

o seu povo (cf Is 4914) Deste modo em Is 4914-26 o Servo que retornou do

exiacutelio dedica-se a persuadir Jerusaleacutem a qual perdeu toda a esperanccedila numa

intervenccedilatildeo do Senhor a voltar a confiar no seu amor A combinaccedilatildeo de lamento

(v14) disputa (v 15) anuacutencio de salvaccedilatildeo (v18) e paradoxo (vv 20-21) contidos

nessa periacutecope deve ser entendida a partir do contexto de desilusatildeo e ceticismo

provocado pelo grande trauma que foi para o povo a queda de Jerusaleacutem Tal

cataclismo por suas proporccedilotildees fez com que um simples anuacutencio de salvaccedilatildeo natildeo

pudesse convencer o povo que perdeu a perspectiva de um futuro melhor Deste

modo ldquoo trabalho persuasivo do Ebed dirigido agrave populaccedilatildeo de Jerusaleacutem eacute anaacutelogo

ao do Decircutero-Isaiacuteas com a comunidade exiacutelica Como JacobIsrael reclamou que

YHWH havia desconsiderado seu direito (4027) Siatildeo agora se queixa de que

YHWH a esqueceu (4914)rdquo525

No entanto o trabalho de convencimento do Servo natildeo se conclui em Is

4914-26 Pelo contraacuterio as acusaccedilotildees contra o Senhor agora por parte dos filhos

de Siatildeo se intensificam implicitamente em Is 501-3526 o Senhor natildeo soacute teria

esquecido de sua matildee mas a repudiou O Exiacutelio e suas consequecircncias seriam a

comprovaccedilatildeo deste fato Poreacutem o Senhor mesmo responde a essa acusaccedilatildeo ao pedir

que se apresente um documento de divoacutercio que no entanto natildeo existe

demonstrando assim que essa acusaccedilatildeo natildeo se sustenta527

Deste modo natildeo havendo ningueacutem que pudesse produzir tal documento

dever-se-ia encontrar outro motivo para a queda de Jerusaleacutem e do Exiacutelio sendo

que estes natildeo poderiam ser interpretados como um divoacutercio imposto pelo Senhor a

sua esposa Siatildeo Igualmente natildeo se sustenta a ideia de que o Senhor se desfez de

Jerusaleacutem a qual teria sido vendida a um credor natildeo havendo tambeacutem neste caso

nenhum documento que possa provar tal venda Natildeo existindo tais situaccedilotildees na

524 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 348 525 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 348-349 526 Cf MELUGIN RF The Formation of Isaiah 40-55 BZAW 141 Berlin W de Gruyter 1976

p 156 527 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas pp 901-902 BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition

and Final Form p 350

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relaccedilatildeo entre o Senhor e Siatildeo deve-se encontrar o que provocou a deportaccedilatildeo nos

pecados e transgressotildees dos proacuteprios filhos de Jerusaleacutem528

Em seguida o ldquoTerceiro Cacircntico do Servordquo (Is 504-9) o qual vem seguido

de um comentaacuterio (Is 5010-11) apresenta-se como um salmo de confianccedila O

vocaacutebulo dWMli (ldquoalunordquo ldquodisciacutepulordquo) que aparece duas vezes no plural no v 4

corrobora a interpretaccedilatildeo coletiva da figura do Servo Tais disciacutepulos ao contraacuterio

dos disciacutepulos de Isaiacuteas que esperavam o cumprimento das ameaccedilas de castigo (cf

Is 816-18) aguardam o cumprimento das promessas de salvaccedilatildeo para que se

demonstre a eficaacutecia das palavras profeacuteticas sobre a restauraccedilatildeo diante do ceticismo

de muitos529

No comentaacuterio ao ldquoTerceiro Cacircnticordquo dos vv 10-11 diz-se que o temor do

Senhor consiste em ouvir a voz do seu Servo que se dirige aos que mesmo andando

nas trevas satildeo convidados a confiar no Senhor530 Os seus adversaacuterios seratildeo

exterminados na luz de suas tochas (cf Is 5011 rWa) imagem contraposta ao Servo

que eacute a luz (rAa) das naccedilotildees (cf Is 426 496 514)531

O bom ecircxito da missatildeo do Servo estaacute relacionado a quanto mais filhos de

Siatildeo ouvirem a sua voz sendo que

sua luz resplandeceraacute com tanto maior fulgor quanto mais filhos de Siatildeo

colocarem-se em marcha para a paacutetria desde as trevas das naccedilotildees nas quais estatildeo

dispersos Os interpelados devem entender a partir dos seus ancestrais Abraatildeo e

Sara que o pequeno nuacutemero daqueles que ateacute entatildeo voltaram natildeo eacute motivo de

ceticismo porque YHWH os abenccediloou e os tornou muito numerosos (511-3)532

Deve-se sublinhar o fato de que em Is 514 o Senhor se dirige agrave ldquominha

naccedilatildeordquo (yM iWal ) sendo que em Isaiacuteas o uso de ~aol se refere sempre agraves naccedilotildees

estrangeiras (cf Is 341 411 4349 491 602) Esse uso pode sugerir que os

destinataacuterios devem ser encontrados entre aqueles que ainda estatildeo na diaacutespora533

Em Is 514-8 porque do Senhor procedem uma instruccedilatildeo (hrAT) e o seu

direito como luz para os povos anuncia-se que logo se manifestaratildeo a sua justiccedila e

a sua salvaccedilatildeo que perduram para sempre Por isso o povo que conhece a justiccedila e

528 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 350-351 529 Cf PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 530 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 531 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 102 532 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 102-103 533 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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leva a instruccedilatildeo do Senhor no seu coraccedilatildeo natildeo deve temer os insultos e as injuacuterias

dos seus inimigos pois se os destinataacuterios da mensagem do Servo compartilharem

o seu mesmo destino tambeacutem compartilharatildeo a promessa a ele feita ou seja seus

inimigos seratildeo comidos pelas traccedilas (cf Is 509)534

A-M Pelletier enfatiza ao discutir a identidade do Servo que

a designaccedilatildeo frequente em passagens anteriores de Jacoacute-Israel jaacute natildeo apareceraacute

mais a partir de agora encontraremos uma seacuterie de categorias espirituais tais como

ldquoos que buscam a salvaccedilatildeordquo (5111) os que ldquoconheceis o que eacute retordquo (517) ou

inclusive ldquoo povo que guarda a minha Lei em seu coraccedilatildeordquo535

Em Is 519 tem-se o iniacutecio de um ldquopoema imperativordquo (Is 519-5212) no

qual se pode perceber a incorporaccedilatildeo da Teologia do Ecircxodo pela Teologia de

Siatildeo536 perpassado de chamadas (cf Is 51917 521) Diante das promessas de que

a justiccedila do Senhor natildeo tardaraacute a se manifestar pois seus braccedilos julgaratildeo os povos

(cf Is 515) tem-se o primeiro desses apelos dirigido exatamente ao braccedilo do

Senhor para que desperte e se revista de poder apelo esse que se inicia com uma

dupla repeticcedilatildeo da raiz verbal rw[ ldquodespertarrdquo no imperativo a qual se daraacute

tambeacutem em Is 5117 e 521 Nestes uacuteltimos dois versiacuteculos poreacutem eacute o Senhor quem

chama Siatildeo para que desperte ela que tomou o caacutelice da ira (cf Is 5117) e se

revista de fortaleza e de vestimentas gloriosas (cf Is 521)537

Em Is 5210 constata-se o cumprimento das promessas feitas anteriormente

pois o poder do Senhor se fez visiacutevel a todas as naccedilotildees atraveacutes da reconstruccedilatildeo de

Jerusaleacutem e na consolaccedilatildeo do seu povo ldquoo Senhor revelou o seu santo braccedilo diante

dos olhos de todas as naccedilotildees e veratildeo todas as extremidades da terra a salvaccedilatildeo do

nosso Deusrdquo538

A resposta do Senhor ao apelo a ele feito em Is 519 no entanto se faz sentir

no oraacuteculo de salvaccedilatildeo de Is 5112-16 o qual inicia-se com um duplo ykinOa que

provavelmente estaacute relacionado aos duplos imperativos de Is 51917 521 Com

534 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 535 PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 536 A utilizaccedilatildeo destas tradiccedilotildees para a elaboraccedilatildeo destes escritos confirmaria para J Kiesow a

hipoacutetese de que a composiccedilatildeo destes textos teria lugar em Jerusaleacutem Cf KIESOW K Exodustexte

im Jesajabuch Literarkritische und motivgeschichtliche Analysen OBO 24 FreiburgSchweiz

Universitaumltsverlag 1979 pp 110-111122 537 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103 Para os contatos entre Is 51917 521 cf

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 235-236 537 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 538 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 103

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esta construccedilatildeo quer-se sublinhar que o Senhor natildeo eacute um Deus que dorme um Deus

inerte (cf Sl 115) mas um Deus que age consolando o seu povo ldquoEu sou eu sou

aquele que vos consolardquo539

O sufixo da segunda pessoa do masculino plural que acompanha a raiz

verbal ~xn ldquoconsolarrdquo no piel particiacutepio masculino singular no status constructus

no v 12a refere-se aos ldquoresgatados do Senhorrdquo do versiacuteculo precedente que com

alegria voltam para Siatildeo (cf Is 5111) Por sua vez o fato de que para referir-se ao

coletivo dos que retornam ou agravequeles que estatildeo dispostos a retornar em v 12b

utilize-se o pronome da segunda pessoa do feminino singular Ta estaacute a indicar que

tal pronome refere-se a Siatildeo a qual natildeo deve temer as resistecircncias540 Poreacutem logo

haacute uma mudanccedila

o tratamento no feminino muda para um ldquoturdquo masculino541 A medida em que

coloca suas palavras em seus laacutebios (v 16) YHWH confere ao grupo dos que

retornam a dignidade profeacutetica O carisma do servo JacoacuteIsrael na Babilocircnia passa

agravequeles que em Siatildeo seguiram seu chamado Em 5921 esta capacitaccedilatildeo profeacutetica

eacute transmitida agrave descendecircncia daqueles que retornaram Deste modo eles afirmam

ser o Moiseacutes de seu tempo (cf Dt 1818) afirmaccedilatildeo que no momento no qual se

formava a Torah de Moiseacutes natildeo deve ter permanecido sem reacuteplicas542

O ldquopoema imperativordquo conclui-se com o regresso glorioso do Senhor a

Jerusaleacutem (cf Is 527-12) Os que retornaram da Babilocircnia e de toda a diaacutespora satildeo

ao mesmo tempo prova do poder de Deus e os que proclamam a boa nova (rFebm )

a Siatildeo de que o Senhor reina (cf Is 527)543 O convite agraves ruinas (tAbrgtx) de

Jerusaleacutem em Is 529 para que prorrompam em gritos de juacutebilo eacute uma indicaccedilatildeo de

que a sua restauraccedilatildeo estaacute soacute no comeccedilo ou de que a comunidade como um todo

ainda necessita de restauraccedilatildeo544

Por fim em Is 5211 um apelo eacute dirigido a todos que ainda natildeo voltaram

para que retornem A ausecircncia de referecircncias agrave Babilocircnia ao contraacuterio de Is 4820

eacute um indiacutecio de que o convite eacute a toda a diaacutespora e natildeo soacute aos que ainda se

539 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 540 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 p 240 541 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 241 541 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 154 542 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 543 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 pp 264-266 544 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-

55 Vol 2 268

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encontram na Babilocircnia545 Poreacutem ao contraacuterio do que ocorreu no Egito (cf Ex

1235) estes natildeo devem trazer nada de impuro pois se dirigem agrave cidade santa de

Jerusaleacutem Aqui

o profeta fala como o rei egiacutepcio que pede que os israelitas saiam do meio do seu

povo (Ex 1231) mas tambeacutem retoma as palavras de Ezequiel sobre a ameaccedila de

YHWH de vir a purificar a comunidade (20710) - seria melhor tomar medidas

para purificar-se a si mesmo (cf tambeacutem 492)546

Em Is 5212 ao contraacuterio da saiacuteda do Egito de onde os hebreus deviam sair

agraves pressas (Ex 1211 Dt 163) e teriam o Senhor somente agrave sua frente no novo

ecircxodo o povo natildeo deve sair apressadamente como que em fuga pois o Senhor iraacute

agrave sua frente e agrave sua retaguarda547 Poder-se-ia aqui estar diante de um merismo

sempre e em toda parte o Senhor acompanharaacute o seu povo No entanto tal

interpretaccedilatildeo poderia enfraquecer a metaacutefora militar-real contida em Is 527-10 ldquoEacute

o rei que lidera o povo na batalhardquo548

3212 Contexto literaacuterio posterior

Agrave semelhanccedila da ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-48) que eacute

emoldurada por um proacutelogo em Is 401-5 9-11 e um epiacutelogo em Is 527-12 a

ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo (Is 40-55) que compocircs a maioria dos textos de

Is 49-55 e os incorporou ao material precedente tambeacutem apresenta um proacutelogo em

Is 403aa6-8 e um epiacutelogo que comeccedila em Is 5510-11 onde o tema eacute a eficaacutecia

da palavra de Deus e se conclui com os vv 12-13 que tecircm como tema a libertaccedilatildeo

Estes dois uacuteltimos versiacuteculos tecircm correspondentes na ldquoRedaccedilatildeo da Golahrdquo em Is

4820-21 e na ldquoPrimeira Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo em Is 5211-12549

Quanto a Is 54 no que se refere ao uso de vaacuterios motivos aparentemente

sem conexatildeo nesse capiacutetulo fala-se de uma ldquotensatildeo integradardquo para descrever a

integraccedilatildeo de elementos heterogecircneos em uma uacutenica estrutura O resultado dessa

integraccedilatildeo natildeo eacute a homogeneidade que se pretende ao utilizar-se repetidamente o

mesmo elemento nem o caos produzido ao se agrupar ao acaso elementos

545 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 104-105 546 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 269 547 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form pp 354-355

PELLETIER A-M Isaiacuteas p 902 548 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 270 549 Cf BERGES U The Book of Isaiah - Its Composition and Final Form p 360

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heterogecircneos mas produz-se ldquoum todo vital com tensotildees integradas em uma

harmonia mais amplardquo550

Este eacute o resultado da utilizaccedilatildeo da figura da esteacuteril (cf Is 541) da viuacuteva (cf

Is 545) e da mulher abandonada (cf Is 546) as quais teriam como elemento que

as amalgamasse a funccedilatildeo de atingir qualquer pessoa que tenha sofrido algum desses

dramas pessoais e fazecirc-los ldquoidentificar-se imediatamente a niacutevel profundo com as

viacutetimas dessas desgraccedilas da vidardquo551 No entanto apresentam-se algumas

dificuldades inerentes a estes motivos e agrave realidade que representam o que poderia

mudar a sorte de Jerusaleacutem apresentada como esteacuteril abandonada e viuacuteva ldquose Deus

eacute a causa da calamidaderdquo552 Mais ainda como pode ser o mesmo Deus que

permitiu o seu sofrimento a solicitar que ela exulte de alegria

Este eacute o aspecto terrificante que assume a teodiceia em uma religiatildeo monoteiacutesta

Nesta moldura quando se desce a um niacutevel mais profundo existe uma soacute resposta

agrave pergunta sobre como se podem transformar a vergonha e a desolaccedilatildeo em

restauraccedilatildeo e benccedilatildeo A metamorfose deve proceder de Deus No centro de tudo

estaacute a intenccedilatildeo Por este motivo os vv 7-8 satildeo o eixo sobre o qual roda a inteira

estrutura do capiacutetulo 54 Aqui Deus descreve a mudanccedila intencional que fornece a

pedra angular de todo o edifiacutecio compositivo construiacutedo sobre relaccedilotildees em

tensatildeo553

A partir dessa mudanccedila intencional pode-se entender o tema central de todo

esse bloco que eacute fruto da ldquoSegunda Redaccedilatildeo de Jerusaleacutemrdquo isto eacute a restauraccedilatildeo de

Siatildeo ldquoPor um momento insignificante te abandonei mas com grande compaixatildeo te

reunirei Em um transbordamento de ira escondi a face por um momento de ti mas

com bondade eterna terei piedade de ti diz o Senhor teu Redentorrdquo (Is 547-8)

Sendo assim Jerusaleacutem esteacuteril viuacuteva e abandonada entra em cena como

esposa do Senhor e matildee de muitos filhos Eacute clara a alusatildeo a Sara esteacuteril e sem filhos

(cf Gn 1130) que a partir de uma intervenccedilatildeo do Senhor torna-se fecunda

Jerusaleacutem poreacutem supera em dignidade a matriarca pois o proacuteprio Senhor seraacute o

seu esposo Eacute superior tambeacutem a promessa feita a Siatildeo em relaccedilatildeo agravequela feita a

Abraatildeo de que teria numerosa descendecircncia e se apoderaria das portas dos seus

inimigos (cf Gn 2217) No caso de Siatildeo a sua numerosa descendecircncia herdaraacute os

povos (cf Is 543)554

550 Cf HANSON P D Isaia Instrumenti 29 Torino Claudiana 2006 p 185 551 HANSON P D Isaia pp 185 552 HANSON P D Isaia pp 186 553 Cf HANSON P D Isaia pp 186 554 Cf CHILDS B S Isaia p 467 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109

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Em Is 544 Siatildeo eacute convidada a natildeo temer a crer nas promessas e a esquecer

a vergonha pois o Deus do mundo inteiro eacute o seu marido e o Senhor dos Exeacutercitos

o Santo de Israel o seu Redentor (cf Is 545)555

Em 547 deve-se sublinhar a utilizaccedilatildeo da raiz verbal bq no piel que

conteacutem a ideia de ldquoreunirrdquo sendo a reuniatildeo dos seus filhos dispersos condiccedilatildeo

fundamental para a restauraccedilatildeo de Siatildeo Em Is 549-10 como se tinha feito recurso

das figuras de Abraatildeo e Sara agora remonta-se a tempos mais antigos aos tempos

do diluacutevio para afirmar que da mesma forma que Deus prometeu nos tempos de

Noeacute natildeo mais aniquilar a terra (cf Gn 916) da mesma forma promete a sua esposa

Siatildeo que dela natildeo mais se apartaraacute o seu amor de modo que a sua alianccedila de paz

com ela jamais seraacute removida Assim conclui-se esta primeira parte de Is 54556

A segunda periacutecope que forma Is 54 ao descrever a esplecircndida reconstruccedilatildeo

daquela que seraacute a nova Jerusaleacutem (cf Is 5411-12) afirma que os seus filhos seratildeo

como disciacutepulos do Senhor (hwhy ydEWMli Is 5413) de modo que teratildeo a mesma

atitude de disciacutepulos do Servo do Senhor (cf Is 504) e gozaratildeo de grande paz pois

seratildeo protegidos pelo Senhor (cf Is 5413-17)

Esta comunidade de disciacutepulos estaacute sob a segura proteccedilatildeo que Deus garante a Siatildeo

Porque YHWH tambeacutem eacute o criador das armas inimigas que podem trazer desgraccedila

(5416 cf 457) somente ele pode impedir que elas mais uma vez tenham sucesso

contra Siatildeo Como o uacutenico fundador da perdiccedilatildeo YHWH tambeacutem eacute o uacutenico que

garante a salvaccedilatildeo A promessa de apoio agrave seguranccedila de Siatildeo eacute a heranccedila dos servos

de YHWH (5417 cf 498 5814) Assim como os levitas natildeo recebiam nenhuma

parte na conquista da terra mas viviam completamente de seu serviccedilo a YHWH

(Nm 1820ss Dt 1212 1427 entre outros lugares) assim tambeacutem os servos que

nos dois uacuteltimos capiacutetulos de Isaiacuteas desempenham um papel central

(6589131415 6614) devem poder confiar exclusivamente na proteccedilatildeo de

Deus557

Deste modo segundo B S Childs Is 5417 seria a conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o presente capiacutetulo sendo que ldquoa vida do inocente sofredor do

capiacutetulo 53 eacute aqui apresentada de alguma maneira como dilatada e incorporada

atraveacutes do seu sofrimento por aqueles que agora satildeo chamados lsquoservos do

Senhorrsquordquo558

555 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 556 Cf CHILDS B S Isaia p 468 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 109 557 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 558 CHILDS B S Isaia p 469

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No entanto natildeo se esgota aqui o papel deste versiacuteculo sendo que ldquoIs 5417b

tem a funccedilatildeo de ser a coligaccedilatildeo orgacircnica com o capiacutetulos sucessivos do Terceiro

Isaiacuteas e demonstra que estes capiacutetulos estatildeo integralmente em relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes com a visatildeo profeacutetica dos capiacutetulos 40-55rdquo559 De fato pode-

se verificar que no Terceiro Isaiacuteas ldquoa questatildeo de como a salvaccedilatildeo prometida por

Deus foi acolhida e realizada eacute afrontada com referecircncia aos herdeiros comuns do

servordquo560

A este respeito J Blenkinsopp tambeacutem observa que o plural ldquoservosrdquo ocorre

normalmente apenas no Trito-Isaiacuteas enquanto que no Decircutero-Isaiacuteas privilegia-se

o singular ldquoServo do Senhorrdquo Deste modo percebe-se que a exceccedilatildeo ldquoservos do

Senhorrdquo de Is 5417b tem a funccedilatildeo de introduzir um dos temas principais de Is 56-

66 ou seja a separaccedilatildeo da comunidade entre aqueles que satildeo e aqueles que natildeo satildeo

fieacuteis ao Senhor e ao mesmo tempo funciona como enlace editorial entre o Decircutero

e o Trito-Isaiacuteas Nesta perspectiva Is 55 deve ser lido como uma transiccedilatildeo entre as

duas seccedilotildees561 Deste modo J Blenkinsopp afirma que se pode perceber a partir

dos capiacutetulos finais de Isaiacuteas que os ldquoservos do Senhorrdquo

tambeacutem conhecidos como ldquoaqueles que tremem em sua palavrardquo (haredicircm 665)

formam uma minoria rejeitada pelas autoridades na comunidade e porque muito

foi dito sobre o destino dos servos e de seus oponentes (ver a referecircncia agrave nahalah

dos servos de YHWH em 5417b) Is 5417b pode ser a conclusatildeo da nossa

passagem e portanto a conclusatildeo de 40-54 como um todo tendo como origem a

mesma fonte do ldquoservordquo Ao adicionar este coacutedigo os servos se apropriam da

salvaccedilatildeo prometida a Jerusaleacutem562

Comeccedilando com um yAh que aqui natildeo tem a funccedilatildeo de introduzir uma

lamentaccedilatildeo como por exemplo em Is 58111820 1015 459-10 mas de

encorajar trazendo em si o sentido de ldquoeiardquo ldquovamosrdquo como em Zc 210-11 Is 551

convida os seus destinataacuterios a virem agraves fontes de aacutegua (cf Is 123 Sl 465 6510

877 Ez 47 Jl 418 Zc 148) que em uacuteltima anaacutelise eacute a Torah (cf Sl 1) que tambeacutem

alimenta os seres humanos (cf Is 552b Dt 83) e a tomarem a decisatildeo de se unir

aos servos com os quais e somente com eles o Senhor faraacute uma ~lA[ tyrIB

ldquoalianccedila eternardquo sendo agora estes os destinataacuterios das promessas inquebrantaacuteveis

559 CHILDS B S Isaia p 469 560 CHILDS B S Isaia p 470 561 Cf BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 The Anchor Yale Bible Commentaries 19A New York

2002 p 366 562 BLENKINSOPP J Isaiah 40-55 p 366

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feitas a Davi (cf Is 553) A esse grupo o Senhor constituiu como ldquotestemunha das

naccedilotildeesrdquo como ldquopriacutencipe e governador dos povosrdquo (cf Is 554) que tem como

principal muacutenus convocar povos ateacute entatildeo por eles desconhecidos os quais a eles

acorreratildeo por causa do Senhor seu Deus o Santo de Israel (cf Is 555) dando

seguimento assim agrave funccedilatildeo do Servo (cf Is 426 496) Como testemunha a

comunidade dos servos chama os seus ouvintes a abandonar a iniquidade e a se

voltar para o Senhor que os perdoa (cf Is 557-9 22-4)563

Fazendo referecircncia a Is 406-8 mas tambeacutem aos versiacuteculos precedentes o

Decircutero-Isaiacuteas encerra-se com uma expressatildeo de confianccedila na eficaacutecia da palavra

transformadora e vivificante de Deus (cf Is 5510-11 557-9) e com uma referecircncia

ao novo ecircxodo (cf Is 5512-13 555)564

322

O texto de Is 5213-5312 no seu contexto

O contexto imediatamente anterior de Is 5213-5312 eacute caracterizado por

uma situaccedilatildeo de profunda mudanccedila nas condiccedilotildees da vida de Siatildeo-Jerusaleacutem De

fato aos tons sombrios de Is 504-11 seguem-se passagens que suscitam em Siatildeo

motivos de esperanccedila e alento

A boa nova da salvaccedilatildeo de YHWH eacute anunciada agraves naccedilotildees e agraves terras costeiras em

514-8 em termos que recordam os capiacutetulos 41-42 Seguem-se trecircs passagens

(519-1617-23 521-2) cada uma com um duplo imperativo (ldquoacordardquo ldquoacordardquo

ou ldquodesperta-terdquo ldquodesperta-terdquo) Toda a ecircnfase desta seccedilatildeo eacute renovar a esperanccedila

na restauraccedilatildeo de Siatildeo apesar do atraso na realizaccedilatildeo das promessas A cidade se

tornaraacute esplecircndida novamente pelo poder de YHWH diante de todos os seus

opressores O cliacutemax da sequecircncia aparece em 527-12 A imaginaccedilatildeo do poeta

profeacutetico eacute acentuada e somos transportados para o futuro cenaacuterio do reinado de

YHWH em Siatildeo anunciado por mensageiros (527) e visto chegar pelas sentinelas

(528) Segue-se uma explosatildeo de alegria por parte da Jerusaleacutem humilhada O

convite final para abandonar as terras de sua deportaccedilatildeo e renovar a viagem do

Ecircxodo conclui a passagem (5211-12) Em suma o contexto imediatamente

anterior do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute dominado pela ideia de uma grande

transformaccedilatildeo para Siatildeo do sofrimento e a humilhaccedilatildeo para a vida nova e

alegriardquo565

No que se refere agrave relaccedilatildeo de Is 5213-5312 com o contexto anterior mesmo

sendo claro que Is 5213 eacute o comeccedilo de uma nova periacutecope deve-se ter presente

563 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 564 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 110 565 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 37

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que a partiacutecula hNEhi com a qual tem iniacutecio o texto nunca daacute iniacutecio a algo totalmente

novo mas tem a funccedilatildeo de enlace com o que precede como em Is 421 e 5411

Deste modo natildeo eacute de se admirar que existam contatos como o tema da revelaccedilatildeo

do braccedilo do Senhor agraves naccedilotildees presente em Is 5210 mas tambeacutem em Is 5215-

531566

De fato percebe-se que o ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo conteacutem a mesma ideia

de transformaccedilatildeo do contexto anteriore Passa-se de uma situaccedilatildeo de sofrimento e

humilhaccedilatildeo ao prorromper da vida e da alegria Na primeira parte do ldquoCacircnticordquo (Is

5213-15) assim como na terceira (Is 5311-12) a voz do Senhor descreve essa

mudanccedila que se daacute com a exaltaccedilatildeo inesperada do Servo567

No que se refere ao contexto anterior esse motivo de passagem da

humilhaccedilatildeo para a exaltaccedilatildeo se encaixa perfeitamente na situaccedilatildeo de Siatildeo

anteriormente descrita No que diz respeito a Is 5213-15 a referecircncia a muitos

povos e reis coloca o discurso em um plano nacional e isso tambeacutem corrobora a

afirmaccedilatildeo da existecircncia de contatos entre a situaccedilatildeo de Siatildeo e a do Servo568

A situaccedilatildeo de humilhaccedilatildeo sofrimento e morte eacute descrita e interpretada na

parte central em Is 531-10 onde o texto estaacute na primeira pessoa do plural De uma

atitude inicial de incompreensatildeo (cf Is 533b) em Is 534-6 passa-se a entender

que a humilhaccedilatildeo do Servo foi por ldquonossosrdquo pecados e que o castigo que a ele

sobreveio era devido a ldquotodos noacutesrdquo No contexto dos capiacutetulos precedentes isso

pode ser lido como apontando para o papel do Servo sofredor enquanto grupo

profeacutetico que atua em Siatildeo cujos esforccedilos para persuadir seus concidadatildeos a

respeito do propoacutesito salvador de Senhor provou ser uma tarefa difiacutecil como se

pode ver em Is 49 e 50569

Em Is 5311-12 a voz do Senhor retorna para concluir o cacircntico retomando

o motivo da ldquoreversatildeo da situaccedilatildeordquo motivo este que tambeacutem domina a proclamaccedilatildeo

das boas novas para Siatildeo no contexto anterior mas tambeacutem no que segue570

No que diz respeito a Is 54 texto imediatamente posterior ao ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo debate-se intensamente sobre qual seria a sua relaccedilatildeo com os

capiacutetulos precedentes e qual o seu papel na forma atual do Livro de Isaiacuteas O tema

566 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 567 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 38 568 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 569 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 570 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39

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da descriccedilatildeo de Siatildeo como mulher antes abandonada faz com que se ligue

estreitamente com Is 4914-26 e Is 5117-5212 destacando-se a perfeita

continuidade entre Is 54 e esta uacuteltima periacutecope o que leva a se presumir que o

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo eacute uma inserccedilatildeo posterior No entanto natildeo se deve

desconsiderar os contatos temaacuteticos existentes entre Is 5213-5312 e Is 54 tais

como o tema da ldquodescendecircnciardquo presente em Is 5310 e em 543 dos ldquomuitosrdquo em

Is 5214-15 5311-12 e em 541 e o da ldquojusticcedilardquo que se encontra em Is 5311 e em

5414571 Poreacutem partindo de tais contatos seria difiacutecil determinar a natureza exata

dessa continuidade mesmo reconhecendo-se que

se deve notar especialmente em relaccedilatildeo ao contexto a referecircncia aos

ldquodescendentesrdquo que YHWH promete ao Servo no v 10 ldquo ele veraacute sua

descendecircncia ([rzlt) e prolongaraacute seus diasrdquo Isso se encaixa muito bem no contexto

das promessas de novos filhos a Siatildeo abandonada que vimos no contexto anterior

(cf 512) e que se desenvolveratildeo extensamente no capiacutetulo seguinte onde se

encontraraacute o mesmo termo para ldquoprole descendentesrdquo em 543 ldquo seus

descendentes ([ergtz) possuiratildeo as naccedilotildeesrdquo572

No entanto para uma melhor compreensatildeo da conexatildeo entre o ldquoQuarto

Cacircntico do Servordquo e o que o segue deve-se levar em conta Is 5417b que ldquoconstitui

o nexo decisivordquo e ao mesmo tempo ldquofornece a motivaccedilatildeo expliacutecita dessa

conexatildeordquo573

Em Is 5311 o Senhor promete ao Servo ver o fruto do seu esforccedilo e que por

meio dele muitos seriam justificados De fato Is 5417b eacute formulado sobre essa

promessa a missatildeo do justo do ldquoQuarto Cacircnticordquo eacute estendida atraveacutes dos

sofrimentos dos ldquoservos do Senhorrdquo os quais satildeo responsaacuteveis pela transmissatildeo da

verdadeira feacute agraves geraccedilotildees futuras Is 5010 exorta que se escute pressurosamente a

voz do Servo pois nisso consiste o temor do Senhor Os que responderam a este

apelo o fizeram confessando em Is 53 que graccedilas ao sofrimento do Servo foram

salvos Em Is 5417b estes recebem o que lhes espera da parte do Senhor pela sua

obediecircncia ldquoEsta eacute a heranccedila dos servos do Senhor e a sua justiccedila procede de mim

diz o Senhorrdquo574 Esta eacute a uacuteltima ocorrecircncia do termo ldquoServordquo no Decircutero-Isaiacuteas e

eacute significativo que se decirc

no final do esplecircndido capiacutetulo 54 que retrata a feliz inversatildeo da miseraacutevel situaccedilatildeo

de Siatildeo Significativamente esta menccedilatildeo estaacute no plural ldquoEsta eacute a heranccedila dos

571 Cf CHILDS B S Isaia p 464 572 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 39 573 CHILDS B S Isaia p 469 574 CHILDS B S Isaia p 469

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servos do Senhor rdquo (5417) o que significa que todas as promessas feitas a Siatildeo

nos versiacuteculos anteriores satildeo em o benefiacutecio dos ldquoservos de YHWHrdquo Isso parece

identificar os ldquoservos de YHWHrdquo de alguma forma com Siatildeo talvez sugira-se que

os ldquodescendentesrdquo de 5310 e 543 satildeo os ldquoservos de YHWHrdquo575

Tais afirmaccedilotildees enfatizam a estreita relaccedilatildeo existente entre o ldquoQuarto

Cacircnticordquo e o seu contexto posterior como tambeacutem o anterior sendo que

a figura do Servo sofredor e da mulher sofredora Siatildeo estatildeo intimamente

entrelaccedilados fato que pode ser visto jaacute a partir da posiccedilatildeo de 53 entre os capiacutetulos

52 e 54 ambos dedicados a Siatildeo Aqueles que professam expressando-se como

ldquonoacutesrdquo pertencem agrave descendecircncia do Servo e de Siatildeo que a partir de 5417 satildeo

chamados de ldquoservosrdquo Quanto mais numerosos eles satildeo tanto mais numerosos

(rabbicircm) tambeacutem satildeo filhos de Siatildeo a mulher devastada que ldquonatildeo tinha dores de

partordquo (lōrsquo-halacirc) (541) () Do mesmo modo como o servo apoacutes os golpes e os

insultos eacute exaltado ao mais alto niacutevel tambeacutem Siatildeo eacute exaltada como esposa real

apoacutes a mais profunda humilhaccedilatildeo Quando isso acontecer os reis das naccedilotildees

fecharatildeo suas bocas veratildeo o que natildeo lhes tinha sido contado e entenderatildeo o que

natildeo ouviram (5215)576

Em suma quando se lecirc Is 5213-5312 no seu contexto imediato anterior e

posterior percebe-se uma perfeita conexatildeo entre a figura do servo humilhado e

glorificado do ldquoQuarto Cacircnticordquo e aquela de Siatildeo-Jerusaleacutem que tambeacutem depois da

humilhaccedilatildeo foi exaltada Essa transformaccedilatildeo eacute anunciada por aqueles que voltaram

do Exiacutelio e foram investidos do muacutenus profeacutetico do Servo Jacoacute-Israel (cf Is 5116)

Agrave medida que estes cumprem a sua missatildeo de proclamar aos seus compatriotas a

mudanccedila realizada pelo Senhor e ao mesmo tempo de levar todos os habitantes de

Siatildeo a aceitar o seu chamado para que tambeacutem eles sejam servos do Senhor

aumentaraacute o nuacutemero dos descendentes de Siatildeo e do Servo577

Quanto ao papel do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo no seu contexto deve-se

mais uma vez sublinhar que ele estaacute situado logo apoacutes a parte do Decircutero-Isaiacuteas na

qual eacute mais frequente a temaacutetica do novo ecircxodo exceccedilatildeo feita a Is 5512-13 que

como natildeo eacute possiacutevel deixar de perceber tem a sua correspondecircncia com o iniacutecio do

Decircutero-Isaiacuteas em Is 401-5 9-11 Como tambeacutem jaacute se destacou apoacutes Is 5213-

575 CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 40 576 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro pp 109-110 577 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 39-40

GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su

libro p 104

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5312 passa-se a falar da repovoaccedilatildeo e da reconstruccedilatildeo de Jerusaleacutem pelo Senhor

(cf Is 54)578 a qual em Is 529 ainda estava em ruinas (tAbrgtx)579

Tal colocaccedilatildeo de Is 5213-5312 poderia sugerir que a accedilatildeo salvadora de

Deus se daacute atraveacutes da accedilatildeo e das atitudes do Servo sofredor aiacute apresentadas

Corroborando essa ideia estaacute o fato de que no contexto anterior apesar de o povo

ter sido resgatado (cf Is 4820) a gloacuteria do Senhor ainda natildeo se tinha manifestado

(cf Is 493)580 A manifestaccedilatildeo da sua gloacuteria soacute se daraacute atraveacutes da glorificaccedilatildeo do

Servo (cf Is 555 5213-5312) a qual estaacute estreitamente ligada agrave glorificaccedilatildeo de

Siatildeo-Jerusaleacutem581

323 Anaacutelise do contexto imediato da alusatildeo

3231 Segmentaccedilatildeo e traduccedilatildeo de Is 5213-5312582

5213a Eis que seraacute bem sucedido583 o

meu servo

5213aכיל הנה די יש עב

5213b seraacute grande 5213b ירום

5213c elevar-se-aacute 5213cנשא ו

5213d e seraacute muito exaltado584 5213dגבה אד ו מ

5214a Como pasmaram por causa de

ti muitos

5214a ר מו כאש יך שמ על

רבים 5214b de tal modo estava desfigurado

que natildeo585 era de homem seu aspecto

5214b חת ן־מש איש כ הו מ א מר

5214c e a sua aparecircncia natildeo era a dos

filhos de Adatildeo

5214c תארו ני ו אדם מב

578 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study pp 38-40 579 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 104 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah

40-55 Vol 2 268 580 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 581 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 99 582 A presente traduccedilatildeo leva em conta as opccedilotildees realizadas na criacutetica textual 583 A raiz verbal lkf no hifil traz consigo tanto a conotaccedilatildeo de agir com inteligecircncia com sabedoria

com prudecircncia quanto a de ser bem sucedido 584 A raiz hbg mesmo na forma qal significa ser exaltado 585 ldquoQue natildeordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para a preposiccedilatildeo mi

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5215a assim586 se maravilharatildeo

muitos povos

5215aן רבים גוים יזה כ

5215b Por causa dele reis fecharatildeo

sua boca

5215b צו עליו פ לכים יק מם פיה

5215c porque o que natildeo lhes foi

narrado

5215c ר כי א־ספר אש ם ל לה

5215d viram 5215dראו

5215e e o que natildeo ouviram 5215eר עו ואש לא־שמ

5215f entenderam 5215f בוננו הת

531a Quem deu creacutedito ao nosso

relato

531a אמין מי נו ה מעת לש

531b E o braccedilo do Senhor a quem se

revelou

531b רוע הוה וז לתה על־מי י נג

532a Ele cresceu como rebento diante

dele

532a פניו כיונק ויעל ל

532b e como raiz de terra seca 532b ש כשר ץ ו ר א ציה מ

532c Natildeo tinha aparecircncia nele 532c לו לא־תאר

532d nem formosura 532d לא הדר ו

532e Noacutes o vimos 532e הו א נר ו

532f e natildeo tinha aspecto 532f ה א לא־מר ו

532g que nos atraiacutesse a ele 532g הו ד מ נח ו

533a Era desprezado 533a זה נב

533b e rejeitado pelos homens 533b אישים וחדל

533c Era homem das dores 533c אבות איש מכ

533d e conhecedor da enfermidade 533d חלי וידוע

533e e como algueacutem de quem se

esconde a face

533e ר ת מס נו פנים וכ ממ

533f era desprezado 533f זה נב

533g e natildeo o consideramos 533g לא נהו ו חשב

534a No entanto nossas enfermidades

ele levou

534aן נשא הוא חלינו אכ

586 Tal traduccedilatildeo de ן diversa da opccedilatildeo feita em Is 5314b justifica-se pois se estabelece neste כ

segmento uma relaccedilatildeo antiteacutetica com Is 5314a

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534b e as nossas dores ele carregou 534b ינו אב בלם ומכ ס

534c Mas noacutes o consideramos um

golpeado

534c נהו נו חשב נגוע ואנח

534d ferido por Deus 534d ה אלהים מכ

534e e afligido 534e ענה ומ

535a Mas ele foi traspassado por

causa de nossas transgressotildees

535a הוא חלל ו נו מ שע מפ

535b foi esmagado por causa das

nossas iniquidades

535b דכא ינו מ עונת מ

535c O castigo de nossa paz estava

sobre ele

535c נו לומ עליו מוסר ש

535d e pelas suas feridas fomos

curados

535d פא־לנו ובחברתו נר

536a Todos noacutes como rebanho

erraacutevamos

536a תעינו כצאן כלנו

536b cada um se voltava para o seu

caminho

536b כו איש דר פנינו ל

536c mas o Senhor descarregou nele

as iniquidades de todos noacutes

536c גיע ויהוה ת בו הפ א כלנו עון

537a Foi oprimido 537a נגש

537b humilhou-se a si mesmo587 537b הוא נענה ו

537c e natildeo abriu sua boca 537c לא תח־פיו ו יפ

537d como carneiro foi levado para o

matadouro

537d ה בח כש יובל לט

537e e como ovelha diante dos

tosquiadores silenciou

537e ל רח ני וכ זיה לפ גז נאלמה

537f e natildeo abriu sua boca 537f לא תח ו פיו יפ

538a Por coerccedilatildeo e por julgamento

ele foi tomado

538a ר עצ פט מ לקח וממש

538b de sua geraccedilatildeo quem lembraraacute 538b ת־דורו א ח מי ו שוח י

587 A raiz verbal hn[ no nifal tem um sentido reflexivo aleacutem do passivo Cf JOUumlON P Grammaire

de lrsquoHeacutebreu Biblique Rome Institut Biblique Pontifical 1996 sect 51

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146

538c Pois foi cortado da terra dos

vivos

538c זר כי ץ נג ר א חיים מ

538d pela transgressatildeo do meu povo

foi golpeado de morte

שע למו נגע עמי מפ 538d

539a Seu tuacutemulo foi colocado com os

malfeitores

539a ן שעים וית ת־ר רו א קב

539b e com o rico na sua morte 539b ת־עשיר א מתיו ו ב

539c ainda que natildeo praticou violecircncia 539c עשה לא־חמס על

539d e natildeo houve engano em sua

boca

539d לא מה ו פיו מר ב

5310a Mas ao Senhor aprouve

esmagaacute-lo

5310a ץ ויהוה או חפ דכ

5310b fazecirc-lo sofrer 5310b חלי ה

5310c Se ele coloca em reparaccedilatildeo sua

vida

5310c שו אשם אם־תשים נפ

5310d veraacute descendecircncia 5310d ה א זרע יר

5310e prolongaraacute os dias 5310e ימים יאריך

5310f e o que apraz ao Senhor na sua

matildeo prosperaraacute

5310f ץ פ ח הוה ו ידו י לח ב יצ

5311a Pelo esforccedilo da sua vida ele

veraacute a luz

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b seraacute satisfeito 5311b בע יש

5311c Por seu conhecimento o justo

meu servo justificaraacute a muitos

5311c תו דע דיק ב יצדי צדיק לרבים עב

5311d e suas iniquidades carregaraacute 5311d בל הוא ועונתם יס

5312a Por isso lhe darei uma parte

entre muitos

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b e com os poderosos partilharaacute

o saque

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c porquanto fez despojar a si

mesmo588 ateacute a morte

5312c ר תחת ערה אש למות השו נפ

588 ldquoA si mesmordquo eacute uma possiacutevel traduccedilatildeo para Avpn

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5312d e com os transgressores foi

contado

5312d עים ת־פש א נה ו נמ

5312e No entanto os pecados de

muitos ele levou

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f e pela transgressatildeo deles

intercederaacute589

עים לפש גיע ו 5312f יפ

3232 Criacutetica textual de Is 5213-5312

Em Is 5213b o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia mostra que

o correspondente grego da raiz verbal intransitiva ~wr na forma qal yiqtol na

terceira pessoa do masculino singular eacute omitido pela Septuaginta Poder-se-ia

explicar tal omissatildeo como fruto de uma interferecircncia consciente do tradutor para

remediar o que ele poderia ter considerado uma redundacircncia na construccedilatildeo pelo uso

sequencial das raiacutezes verbais ~wr afn e hbg as quais exprimem a mesma ideia

ou seja a glorificaccedilatildeo do Servo Opta-se contudo pela leitura proposta pelo Codex

Leningradensis que vem acompanhada por 1QIsa com o acreacutescimo de um ו antes

de ירום e 1QIsb

No versiacuteculo 5214a o aparato critico sugere que se leia o sufixo da segunda

pessoa do masculino singular que acompanha a preposiccedilatildeo l[ como um sufixo de

terceira pessoa do masculino singular apoiando-se em dois manuscritos hebraicos

na versatildeo siriacuteaca e no Targum

Poder-se-ia explicar a variante como uma tentativa de harmonizar o sufixo

ao contexto no qual predomina o uso da terceira pessoa do singular No entanto na

linguagem poeacutetica como tambeacutem na profeacutetica eacute comum uma mudanccedila abrupta da

terceira para a segunda pessoa como ocorre no texto em questatildeo590

Portanto utilizando-se o criteacuterio de criacutetica textual interna da lectio difficilior

e pela pouca atestaccedilatildeo da variante opta-se pela leitura do Codex Leningradensis

589 A raiz verbal [gp no hifil significa tanto atacar assaltar descarregar como em Is 536c quanto

interceder 590 Cf GENESIUS W ndash KAUTZSCHM E (eds) Gesenius Hebrew Grammar Oxford

Claredeon Press 1980 sect144 p

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tambeacutem porque tal leitura eacute apoiada por todos os demais manuscritos inclusive a

Septuaginta 1QIsa e 1QIsb

Em 5214b 1QIsa acrescenta um י final ao substantivo comum masculino

singular no status constructus txvmi o que provavelmente denota a formaccedilatildeo do

status constructus plural ou sugere que se deveria ler aiacute a raiz verbal xvm na forma

qal qatal na primeira pessoa do singular (yTixvm)591 O aparato criacutetico apresenta

ainda trecircs leituras com meras variaccedilotildees na vocalizaccedilatildeo uma baseada em um

manuscrito hebraico outra na tradiccedilatildeo babilocircnica e uma proposta do editor

Apresenta ainda uma outra leitura retirada da versatildeo siriacuteaca Nas trecircs primeiras se

deveria ler um particiacutepio singular masculino hofal No entanto parece

desnecessaacuterio tal modificaccedilatildeo na leitura do Codex Leningradensis pois o uso de

um substantivo ou um adjetivo no lugar de um particiacutepio eacute uma das caracteriacutesticas

dessa periacutecope (cf 533)592 Opta-se portanto como preferiacutevel pela leitura

proposta pelo Codex Leningradensis que vem acompanhada pela Septuaginta e por

1QIsb

Em Is 5215a a Septuaginta traduz hzy como o verbo qaumazw no indicativo

futuro meacutedio na terceira pessoa do plural O aparato criacutetico propotildee duas variantes

para a raiz verbal hzn a qual no Codex Leningradensis estaacute no hifil yiqtol na terceira

pessoa do masculino singular Em ambas o verbo estaria na forma qal yiqtol na

primeira leitura proposta poreacutem estaria na terceira pessoa do masculino singular e

na segunda estaria na terceira pessoa do masculino plural Apresenta ainda como

variantes textuais a raiz verbal zgr na forma qal yiqitol terceira pessoa do masculino

plural e a raiz verbal hzb no qal yiqtol na terceira pessoa do masculino plural com

sufixo de terceira pessoa do masculino singular

A quantidade de variantes as quais na sua maioria natildeo satildeo sinocircnimos de

hzn exceccedilatildeo feita agraves propostas do editor que satildeo mudanccedilas na forma verbal pode

colocar em duacutevida a exatidatildeo da leitura do Codex Leningradensis aleacutem de nas

outras ocorrecircncias da raiz verbal hzn nas Escrituras de Israel o objeto do verbo ser

591 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 In Bonney G - Vicent R Sophia

- Paideia Sapienza e Educazione (Sir 127) Miscellanea di studi offerti in onore del prof Don Mario

Cimosa Roma Libreria Ateneo Salesiano 2012 p 156 592 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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o liacutequido com que se asperge e a coisa ou pessoa a ser aspergida ser quase sempre

precedida pela preposiccedilatildeo l 593ע

Natildeo obstante hzn encontrar uma ressonacircncia no sacrifiacutecio expiatoacuterio de

5310 no contexto proacuteximo no entanto parece mais aceitaacutevel a leitura proposta

pela Septuaginta que constroacutei um paralelismo antiteacutetico com a raiz verbal ~mv do

versiacuteculo anterior ldquoComo pasmaram a respeito dele muitosrdquo (5214a) ldquoassim se

maravilharatildeo muitos povosrdquo (5215a) O tradutor da versatildeo grega provavelmente

teria lido aiacute o raiz verbal zgr

Em 533d substitui-se a raiz verbal [dy na forma qal particiacutepio passivo

masculino singular no status constructus pela forma qal particiacutepio ativo masculino

singular no status constructus em 1QIsa e pelo correspondente na Septuaginta na

Peshita e na Vulgata ou pela forma qal qatal na terceira pessoa do masculino

singular precedida da conjunccedilatildeo ו em 1QIsb No entanto o editor sugere que se

acompanhe a leitura do Codex Leningradensis Poreacutem pela quantidade e qualidade

dos manuscritos que testemunham a forma qal particiacutepio ativo masculino singular

a qual adapta-se melhor ao contexto opta-se por tal leitura

Em 538d em lugar do substantivo comum masculino singular absoluto [gn lt

o aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia sugere que se leia a raiz verbal

[gn no pual qatal na terceira pessoa do masculino singular ou no nifal tambeacutem qatal

na terceira pessoa do masculino singular O aparato criacutetico pede que se confira

1QIsa onde se tem [gwn o que provavelmente deve-se ler como um verbo qal

particiacutepio masculino singular absoluto (cf Dn 85) e a Septuaginta a qual traduz o

vocaacutebulo em questatildeo com o verbo agw no indicativo aoristo passivo terceira pessoa

do singular restando assim a construccedilatildeo avpo twn avnomiwn tou laou mou hcqh

eivj qanaton

Levando-se em conta a falta de concordacircncia entre as tradiccedilotildees textuais e o

contexto ao qual se adapta muito mais um verbo na voz passiva (pual ou nifal) que

um substantivo prefere-se como mais atendiacuteveis as leituras propostas pelo aparato

criacutetico as quais implicariam em uma mera mudanccedila na vocalizaccedilatildeo no que diz

respeito agrave leitura proposta pelo Codex Leningradensis

593 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 156

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Aqui entra-se poreacutem um outro problema textual apresentado pelo aparato

criacutetico no mesmo segmento a leitura testemunhada pelo Codex Leningradensis que

vecirc no fim do segmento a preposiccedilatildeo l com um sufixo da terceira pessoa do

masculino plural vem substituiacuteda pela leitura eivj qanaton na Septuaginta O aparato

criacutetico sugere que aiacute se leia o substantivo absoluto twltm precedido pela preposiccedilatildeo

l e pelo artigo O contexto proacuteximo onde se pode ler ldquopois foi cortado da terra dos

vivosrdquo (538c) e ldquoseu tuacutemulo foi colocado com os malfeitoresrdquo (539a) sugere como

mais atendiacutevel a leitura proposta pela Septuaginta Portanto tendo presente o

contexto e o testemunho da Septuaginta opta-se pela leitura proposta pelo aparato

criacutetico Deste modo o segmento 538d dever-se-ia traduzir assim ldquoPela

transgressatildeo do meu povo ele foi golpeado de morterdquo

Em Is 539b o Codex Leningradensis lecirc o substantivo comum twltm na forma

masculina plural no status constructus precedido pela preposiccedilatildeo B e seguido de

um sufixo da terceira pessoa do masculino singular Tal leitura poreacutem apresenta

dificuldades para se adequar ao contexto Por sua vez 1QIsa conteacutem a variante

wtmwb ou seja ldquosua tumbardquo o que no entanto poderia ser explicado pelo

deslocamento de uma mater lectionis594 Na Septuaginta na Peshita e na Vulgata o

correspondente de twltm estaacute no singular O aparato criacutetico propotildeem que se leia

AtmB sepulchum sum

Pela maior quantidade de testemunhas que leem twltm no singular pela

Septuaginta e a Vulgata encontrarem-se entre estas e por esta leitura melhor

adaptar-se ao contexto prefere-se tal variante Portanto deve-se ler em Is 539b

AtAmB ou seja o substantivo comum twltm no masculino singular no status

constructus precedido da preposiccedilatildeo B e seguido de um sufixo da terceira pessoa

do masculino singular

Em 5311a os manuscritos do Mar Morto 1QIsa e 1QIsb depois de ה א יר

adicionam e a Septuaginta o equivalente fwj Tal vocaacutebulo poreacutem vem אור

omitido pelo Codex Leningradensis e o equivalente pela Vulgata de modo que as

duas tradiccedilotildees textuais deixam a raiz verbal har e o equivalente latino sem

594 Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 161

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complemento enquanto 1QIsa e 1QIsb potildeem אור e a Septuaginta fwj como objeto

direto do verbo O aparato criacutetico aponta para uma omissatildeo ocasionada pela

semelhanccedila entre estas palavras

Pode-se dizer que os textos de 1QIsa 1QIsb e a Septuaginta satildeo testemunhas

de grande peso pela sua antiguidade e portanto constituem uma forte evidecircncia da

atendibilidade da variante que trazem Aleacutem disso se deve ter presente o fato de

testemunharem tradiccedilotildees textuais diferentes

No que se refere agrave criacutetica interna pode-se afirmar que assume um lugar אור

apropriado no seu contexto natildeo apresentando problemas estiliacutesticos sintaacuteticos ou

semacircnticos No entanto o princiacutepio da lectio brevior mas tambeacutem da lectio

difficilior poderiam ser aqui tomados em consideraccedilatildeo para se escolher o texto

leningradense como mais atendiacutevel Mesmo assim o peso de tradiccedilotildees textuais

diferentes e antigas que trazem uma variante que se adapta tatildeo bem ao contexto leva

a optar por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta

A variante do texto leningradense pode ser explicada pela semelhanccedila entre

a forma das consoantes finais de ה א e יר no hebraico antigo como se pode ver אור

por exemplo em 1QIsa a qual provocou a omissatildeo de אור por um copista por

homoioteacuteleuton

Provavelmente para que natildeo se decirc a justaposiccedilatildeo de nomes o aparato criacutetico

sugere que em Is 5311c se transponha צדיק para depois de תו דע -Poreacutem poder ב

se-ia entender esta construccedilatildeo na forma que se encontra como uma aposiccedilatildeo

explicativa Sendo assim די um adjetivo צדיק seria o termo principal e עב

No entanto alguns estudos apresentam צדיק como sendo uma ditografia

produzida pela repeticcedilatildeo das uacuteltimas consoantes de דיק e preferem omiti-lo יצ

Poreacutem צדיק estaacute presente em todas as versotildees595

Em suma pode-se dizer quanto agrave proposta do aparato criacutetico que em

nenhum manuscrito צדיק se encontra apoacutes תו דע Sendo assim trata-se de uma ב

mera conjectura e portanto pela falta de testemunhos a favor da transposiccedilatildeo

595 Cf GELSTON A Knowledge Humiliation or Suffering A Lexical Textual and Exegetical

Problem in Isaiah 53 JSOTSup 162 (1993) 129

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proposta pelo aparato criacutetico opta-se pela leitura contida no texto leningradense

Pelo mesmo motivo rejeita-se a proposta de omissatildeo de צדיק

Em 5312e observando-se as diferentes tradiccedilotildees textuais percebe-se que o

substantivo comum masculino singular no status constructus ajxe testemunhado

pelo Codex Leningradensis se apresenta em 1QIsa e 1QIsb como um substantivo

comum masculino plural no status constructus pelo acreacutescimo de um y final o que

vem traduzido pela Septuaginta com o acusativo feminino plural amartiaj Poder-

se-ia explicar a diferenccedila pela omissatildeo natildeo intencional do y pelo copista do Codex

Leningradensis o que natildeo seria difiacutecil de ocorrer pela dimensatildeo da consoante

Tendo presente que testemunhas antigas e representantes de diferentes tradiccedilotildees

textuais conteacutem a forma plural considera-se tal leitura mais atendiacutevel

Em Is 5312f tendo como base os escritos do Mar Morto 1QIsa 1QIsb os

quais conteacutem pequenas variaccedilotildees e a Septuaginta que aiacute lecirc taj a`martiaj auvtw o

aparato criacutetico da Biblia Hebraica Stuttgartensia propotildee que se possa ler em lugar

do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis o substantivo comum masculino singular no status constructus

com sufixo da terceira pessoa do masculino plural עם Os testemunhos de 1QIsa פש

1QIsb e da Septuaginta satildeo suficientes para que se possa preferir a variante ao texto

leningradense

3233

Anaacutelise semacircntica

A metodologia empregada nesta pesquisa pede que se execute agora natildeo

uma anaacutelise lexicograacutefica propriamente dita mas que se verifique a existecircncia de

algum problema de caraacuteter semacircntico que possa ter influenciado o uso

neotestamentaacuterio do texto isaiano596 Alguns vocaacutebulos utilizados nessa periacutecope

por sua ambivalecircncia semacircntica ou pela sua especificidade pedem uma anaacutelise

mais aprofundada

596 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44

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32331

A raiz verbal lkf

Quanto agrave sua etimologia a raiz verbal lkf da mesma raiz do termo lkf

ldquocompreensatildeordquo eacute atestado nas Escrituras de Israel quase de modo exclusivo no

hifil com exceccedilatildeo de 1Sm 1830 e traz o sentido de ldquoser perspicazrdquo597

Por sua vez em 1Sm 1830 a raiz verbal lkf estaacute na forma qal e com base

no seu contexto deve ser entendido como ldquoter sucessordquo No entanto K Koenen

sugere uma possiacutevel correccedilatildeo do texto para o particiacutepio masculino singular hifil

lyKifm ldquoprudenterdquo sendo que em 1Sm 1814-15 David vem definido com este

termo duas vezes e pelo fato de que ldquoa queda de um m se explica facilmente como

haplografiardquo598

Em Gn 4814 tem-se a raiz verbal lkf na forma piel a qual poderia ser

um outro verbo com a raiz homocircnima a lkf sendo que traz o sentido de

ldquoencruzarrdquo No entanto provavelmente natildeo se trataria de duas raiacutezes distintas mas

de uma mesma raiz a qual conteria o sentido tanto de ldquoencruzarrdquo como de

ldquocompreenderrdquo599

No que diz respeito agraves liacutenguas semiacuteticas a raiz lkf existe tambeacutem no

aramaico e no siriacuteaco No aramaico biacuteblico600 lkf na forma ativa hitpeel traz o

significado de ldquoobservarrdquo ldquoverrdquo ldquocontemplarrdquo (cf Dn 78) O substantivo Wntlkf

presente em Dn 5111214 exprime a perspicaacutecia de Daniel a qual se demonstraria

pela sua capacidade de interpretar os sonhos601

Em aramaico judaico a raiz lkvlkf na forma ativa haphel significa ldquoser

perspicazrdquo ldquotornar atentordquo e na forma tambeacutem ativa hitpeel ldquotornar perspicazrdquo e

ldquocompreenderrdquo602

597

Cf KOENEN K lkf In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol VIII Brescia Paideia 1988 col 751 598 KOENEN K lkf col 753 599 Cf KOENEN K lkf col 751 600

Para as formas verbais aramaicas cf GOMES DE ARAUacuteJO R Gramaacutetica do Aramaico Biacuteblico

Satildeo Paulo Targumim 2005 p 83 601 Cf KOENEN K lkf col 767 602 Cf KOENEN K lkf col 752

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Em siriacuteaco603 o verbo equivalente agrave raiz verbal hebraica lkf significa na

forma ativa pael ldquotornar atentordquo ldquoanunciarrdquo e na forma etpael que corresponde agrave

forma passiva ou reflexiva do pael ldquocompreenderrdquo604

Nas Escrituras de Israel a raiz lkf ocorre noventa e uma vezes sendo que

sessenta e uma delas na forma verbal hifil dezesseis na forma do substantivo lkf

e quatorze na forma do termo teacutecnico lyKifm no praescriptum dos Salmos605 Das

ocorrecircncias no hifil vinte duas vezes apresentam-se no particiacutepio e quatorze vezes

no infinitivo sendo que no infinitivo eacute na maioria das vezes usado como

substantivo correspondendo portanto a lkf 606

Na Septuaginta a raiz lkf eacute traduzida de vinte seis modos diferentes

Destes os que mais se destacam satildeo sunienai ldquocompreenderrdquo ldquoperceber

claramenterdquo quarenta e uma vezes noein ldquoreflexatildeo racionalrdquo ldquocompreensatildeordquo

dezessete vezes e como evpistasqai ldquoapreensatildeo intelectualrdquo ldquoentendimentordquo seis

vezes O termo teacutecnico lyKifm que ocorre no praescriptum dos Salmos vem

traduzido como sunesij ldquocompreensatildeordquo ldquointeligecircnciardquo Eacute digno de menccedilatildeo o fato

de que ldquoexceto em Pr 178 os Setenta natildeo traduzem nunca a raiz lkf no sentido

de lsquoter sucessorsquo Aacutequila traduz lkf quase sempre com formas da raiz evpist-rdquo607

Deve-se dizer para concluir que a raiz lkf natildeo diz respeito agrave mera

capacidade intelectual conceito ligado agrave raiz ~kx poreacutem trata-se de uma

faculdade humana geneacuterica mais precisamente do uso do bom senso que exige de

quem o possui accedilotildees condizentes como a praacutetica do direito e da justiccedila (cf Jr 235

Sl 364 1012) Desta combinaccedilatildeo depende o sucesso ldquopor isso lkf pode denotar

sucesso e fortuna Isto eacute pode significar uma vida realizada ou um sucesso singular

(hellip)rdquo608 No contexto em que eacute usado lkf eacute Deus a conceder ao ser humano lkf

(cf 1Cr 2212) ou a transmitir-lhe o conhecimento (cf Dn 912 Ne 920 Sl 328)

603 Para as formas verbais siriacuteacas cf ROBSON T Paradigms and Exercises in Syriac Grammar

Oxforf Claredon 1962 p 52 604 Cf KOENEN K lkf col 752 605 Cf KOENEN K lkf col 753 606 Cf KOENEN K lkf col 753-754 607 Cf KOENEN K lkf col 755 608 Cf KOENEN K lkf col 756

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dando-lhe a capacidade de reconhececirc-lo agraves suas obras e agrave sua Lei ldquopor isso Deus

estaacute com ele (1Sm 1814 2 Rs 187) e ele tem sucessordquo609

32332

O substantivo t[D

A raiz [dy ldquo(re) conhecer saberrdquo a mesma do substantivo t[D estaacute

presente em todas as liacutenguas semitas610 e contando-se com os seus derivados

aparece 1109 vezes nas Escrituras de Israel das quais cinquenta e uma vezes nos

textos em aramaico O substantivo t[D por sua vez ocorre noventa vezes em

Proveacuterbios quarenta vezes em Joacute onze vezes em Eclesiastes oito vezes Eacute

poreacutem mais rara em Isaiacuteas onde aparece nove vezes em Oseias quatro vezes e em

Malaquias uma vez611

O substantivo t[D na Septuaginta vem traduzido de vinte uma maneiras

diferentes das quais citam-se como exemplo as mais utilizadas gnwsij

ldquoconhecimentordquo vinte nove vezes evpignwsij ldquoconhecimentordquo ldquoverdadeiro

conhecimentordquo cinco vezes aisqhsij ldquopercepccedilatildeordquo dezenove vezes sunesij

ldquointeligecircnciardquo ldquosagacidaderdquo seis vezes evpisthmh ldquoconhecimentordquo

ldquocompreensatildeordquo ldquoexperiecircnciardquo cinco vezes boulhboulhma ldquodecisatildeordquo trecircs vezes

sofia ldquosabedoriardquo ldquoperspicaacuteciardquo duas vezes Para a traduccedilatildeo de termos derivados

da raiz [dy a Septuaginta permanece nos limites desse mesmo campo semacircntico612

Nas Escrituras de Israel a raiz [dy vem utilizada em paralelo com uma

experiecircncia sensorial visiacutevel (cf Nm 2416-17 Dt 22) experiecircncia esta que agraves

vezes eacute condiccedilatildeo para que esse conhecimento se decirc (cf Gn 1821 Ex 225)

Tambeacutem a experiecircncia auditiva precede [dy (cf Ex 37) sendo ambos os sentidos

609 Cf KOENEN K lkf col 756 610 Cf SCHOTTROFF W [dy In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del

Antiguo Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 942 Cf BERGMAN J [dy In

Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia

Paideia 1988 col 560-561

611 Cf BERGMAN J [dy col 562-563 Na contagem de J Bergmann a raiz [dy ocorre 1119 vezes

nas Escrituras de Israel Cf SCHOTTROFF W [dy col 946

612 Cf BERGMAN J [dy col 563-564

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constitutivos do processo cognitivo (cf Ex 37 Lv 51 Nm 2416-17 Dt 293 339

ls 323) podendo [dy ter uma funccedilatildeo sintetizadora do conhecimento sensorial (cf

Ex 37)613

Aleacutem disso a raiz [dy pode se referir ao saber que proveacutem da percepccedilatildeo da

experiecircncia e do conhecimento o qual pode ser apreendido e transmitido (cf Gn

1211 1513) No entanto o sentido de [dy natildeo se limita ao aspecto cognitivo

devendo-se levar em consideraccedilatildeo o aspecto de contato praacutetico ou seja o

conhecimento tal como expresso por [dy se daacute no contato praacutetico com o que se

conheceraacute614

No entanto a extensatildeo semacircntica de [dy ultrapassa os limites do

conhecimento puramente sensitivo e vai em direccedilatildeo de ldquoprestar atenccedilatildeordquo ldquodirigir-

se com primorrdquo Isto fica claro quando a raiz [dy vem utilizada em paralelo com

ble ~yfi ldquopocircr o coraccedilatildeordquo (cf Is 4122) e com a raiz verbal lkf ldquoser prudenterdquo

(cf Is 4120 4418) por exemplo615

Na literatura sapiencial o termo hmkx ldquosabedoriardquo natildeo denota soacute a

sabedoria de Israel o que se pode perceber pela associaccedilatildeo com outros termos

como em Proveacuterbios onde o substantivo t[D ocorre quarenta vezes e ocupa um

grande espaccedilo ao lado de hmkx o qual ocorre trinta e nove vezes 616

Pode-se dizer que neste livro existem duas concepccedilotildees de t[D Uma que

proveacutem de material proverbial mais antigo (Pr 10-29) e outra mais recente (Pr 1-

9) Na mais antiga t[D estaacute mais ligado a realidades relativas agrave convivecircncia

humana enquanto na mais recente se verifica um processo de ldquoteologizaccedilatildeordquo do

termo Eacute do Senhor que vem a hmkx e da sua boca procede a t[D (Pr 26) e

quando o ser humano as recebe elas o afastam do mau caminho (Pr 210-12) O

Senhor pela hmkx e pela t[D fundou e ordenou o ceacuteu e a terra (Pr 319-20)617

613 Cf BOTTERWECK G J [dy In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico

dellrsquoAntico Testamento Vol III Brescia Paideia 1988 col 571-572 SCHOTTROFF W [dy col

947-950

614 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572 SCHOTTROFF W [dy col 972-975

615 Cf BOTTERWECK G J [dy col 572

616 Cf BOTTERWECK G J [dy col 576

617 Cf BOTTERWECK G J [dy col 577

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157

Destaca-se tambeacutem no Livro dos Proveacuterbios o uso de hwhy targtyI ldquotemor do

Senhorrdquo e de ~yhila t[D ldquoconhecimento de Deusrdquo como sinocircnimos em Pr 25 (cf

tambeacutem Pr 129 910) termos que indicam em que consiste a verdadeira

religiosidade Enquanto o primeiro expressa a reverecircncia devida a Deus o segundo

ldquosignifica o conhecimento de Deus e o caminhar nas suas vias (Is 112)rdquo618

32333

A raiz verbal qdc

A raiz qdc com a mesma concepccedilatildeo que tem em acircmbito

veterotestamentaacuterio encontra termos correspondentes em egiacutepcio em acaacutedico em

aacuterabe em feniacutecio e em aramaico619

Destaca-se entre eles o termo egiacutepcio Maat que natildeo obstante seja traduzido

como ldquoverdaderdquo conteacutem o significado de ldquoordem do mundordquo ou seja de estado de

justiccedila fixado na natureza e na sociedade no ato da criaccedilatildeo podendo significar de

acordo com o contexto aquilo que eacute justo que eacute o bem o direito a ordem a

verdade620

Na Mesopotacircmia existem dois termos acaacutedicos que correspondem agrave raiz

hebraica qdc O primeiro designa a justiccedila de uma sentenccedila a verdade que vem

expressa e a ordem no paiacutes O segundo por sua vez a atendibilidade de um sinal

premonitoacuterio mas tambeacutem a fidelidade de um servo e a verdade que se diz621

Em aacuterabe a raiz correspondente a qdc na sua forma verbal significa ldquoser

verdadeirordquo mas tambeacutem ldquocrer ter como verdadeirordquo enquanto que na forma de

substantivo natildeo significa somente ldquoverdaderdquo mas tambeacutem na poesia eacute a expressatildeo

do ideal beduiacuteno do homem ldquocoragem atendibilidade bravura etcrdquo622

618 BOTTERWECK G J [dy col 578 O tema do ~yhila t[D seraacute retomado no item que trata da

AnaacuteliseTeoloacutegica 619 Cf KOCK K qdc In Jenni E - Westermann C Diccionario Teologico Manual del Antiguo

Testamento Vol I Madrid Cristiandad 1978 col 639 RINGGREN H qdc In Botterweck J -

Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col

513 620 Cf KOCK K qdc col 642 RINGGREN H qdc col 513 621 Cf KOCK K qdc col 641-642 RINGGREN H qdc col 514 622 Cf RINGGREN H qdc col 516

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Nas Escrituras de Israel o raiz qdc aparece 523 vezes sendo mais

recorrente na literatura profeacutetica sobretudo no Decircutero-Isaiacutea e na literatura

sapiencial623

A raiz verbal qdc ocorre com mais frequecircncia na forma qal piel e hifil

constatando-se uma exceccedilatildeo quando aparece no nifal em Dn 814 e no hitpael

em Gn 4416624

No debate sobre a concepccedilatildeo veterotestamentaacuteria de justiccedila tem-se de um

lado uma interpretaccedilatildeo juriacutedica dos termos que provecircm da raiz qdc onde este

vem entendido basicamente como conformidade com as normas A partir dessa

interpretaccedilatildeo o papel de quem administra a justiccedila em uacuteltima anaacutelise o proacuteprio

Deus eacute distribuir a recompensa ou a puniccedilatildeo de acordo com a observacircncia ou

natildeo das normas625

Em uma outra concepccedilatildeo entende-se qdc como sinocircnimo de salvaccedilatildeo e

libertaccedilatildeo estando em relaccedilatildeo natildeo com as normas estabelecidas por Deus mas

em relaccedilatildeo ao proacuteprio Deus Nesse contexto

a intervenccedilatildeo salviacutefica e libertadora de Deus natildeo estaacute em contraste com a sua

justiccedila mas sim eacute uma expressatildeo da mesma Uma justiccedila divina punitiva pode

manifestar-se somente como um efeito secundaacuterio que atinge quem procura

impedir a intervenccedilatildeo salviacutefica de Deus 626

Quanto agrave forma hifil da raiz verbal qdc esta ocorre doze vezes nas

Escrituras de Israel e significa ldquodeclarar justordquo ldquoauxiliar a obter justiccedilardquo ou

ldquoabsolverrdquo Destaca-se aleacutem desses significados aquele de ldquolibertarrdquo ldquosalvarrdquo

ldquosocorrerrdquo que o termo assume em Is 508 5311 Sl 823 Dn l23 quando expressa

o direito do pobre e do oprimido de obter justiccedila Quanto ao sujeito agente da justiccedila

tem-se o juiz ou aquele que tem o poder de fazer valer a justiccedila ou o direito (cf Ex

237 Dt 251 2Sm 154 1Rs 832 Is 523 Joacute 275 Pr 1715)627

623 Cf KOCK K qdc col 644 JOHNSON B qdc In Botterweck J - Ringgren H (edd)

Grande Lessico dellrsquoAntico Testamento Vol VII Brescia Paideia 1988 col 516 624 Cf KOCK K qdc col 640 625 Cf JOHNSON B qdc col 516 626 JOHNSON B qdc col 516 627 Cf JOHNSON B qdc col 524

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3234

Criacutetica lexical e gramatical

Nesse etapa busca-se de acordo com a proposta metodoloacutegica de G K

Beale identificar as particularidades lexicais e gramaticais do texto e o papel

desempenhado pelos versiacuteculos aludidos no fluxo interno da periacutecope isaiana628

Na primeira parte da periacutecope Is 5312-15 Deus como orador apresenta o

seu Servo que depois de ser humilhado eacute exaltado sobremaneira Destaca-se a

dupla funccedilatildeo da interjeiccedilatildeo hNEh i de Is 5213a a qual tem o papel de ser a ligaccedilatildeo

com o que precede629 e ao mesmo tempo de marcar o iniacutecio de uma nova periacutecope

chama a atenccedilatildeo para o que segue630 ou seja a exaltaccedilatildeo do Servo que eacute apresentada

com uma seacuterie de verbos que formam frases assindeacuteticas aditivas O primeiro e o

segundo verbos estatildeo no yiqtol (cf Is 5213ab) e os dois uacuteltimos no weqatal (cf Is

5213cd) forma que ldquose emprega sobretudo para uma accedilatildeo futura posterior a uma

outra accedilatildeordquo631 Esse primeiro conjunto de frases tem como sujeito o proacuteprio Servo

Em Is 5314a introduz-se com um רכ a primeira de duas frases אש

comparativas a qual tem como sujeito רבים (cf Is 5214a) Essa frase tem a funccedilatildeo

de proacutetase632 e vem seguida de duas oraccedilotildees nominais subordinadas causais

explicativas em 14b e 14c as quais se referem ao sujeito de Is 5213a ou seja ao

Servo Em Is 5315a tem-se a segunda frase comparativa cujo sujeito eacute רבים גוים

a qual se inicia com um ן constituindo-se uma apoacutedose633 e estabelecendo uma כ

relaccedilatildeo antiteacutetica com a primeira

Quanto agrave posiccedilatildeo da preposiccedilatildeo seguida do sufixo da terceira pessoa do

masculino singular עליו natildeo existe unanimidade entre os tradutores a qual eacute

entendida agraves vezes como complemento de Is 5215a e agraves vezes da proposiccedilatildeo

seguinte (cf Is 5215b) Nesta pesquisa optou-se pela segunda possibilidade tendo

628 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 44 629 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 273 630 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 105d 631 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 119c 632 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174a 633 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 174b

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em vista o uso da mesma proposiccedilatildeo em Is 5214a frase com a qual Is 5215a estaacute

relacionada com um sufixo diverso634

A partir de Is 5215a muda o sujeito que em todo o v 15 seratildeo os לכים מ

Em 5315c-f tem-se duas frases verbais relativas objetivas ambas introduzidas com

ר as quais tecircm a funccedilatildeo de explicar a admiraccedilatildeo dos reis de Is (cf Is 5215ce) אש

5315a fazendo para tanto referecircncia agrave exaltaccedilatildeo do Servo

Em Is 531a percebe-se uma mudanccedila da terceira pessoa do plural para a

primeira pessoa do plural o que denota o iniacutecio de um discurso feito por um ldquogrupordquo

(Is 531-10) o qual eacute introduzido por duas frases verbais interrogativas retoacutericas

Pode-se perceber a ecircnfase dada ao sujeito das frases o pronome interrogativo635מי

na primeira e o hwhy [Arzgt na segunda pela sua disposiccedilatildeo sujeito-predicado636

O ldquogrupordquo fala explicitamente como orador da seccedilatildeo na primeira pessoa do

plural ateacute o v 6a e referindo-se ao Servo na terceira pessoa do singular descreve

(cf Is 531-3) e interpreta a sua humilhaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o ldquogrupordquo (Is 534-

5)

Em Is 536ab tendo como sujeito כלנו descreve a situaccedilatildeo de pecado do

ldquogrupordquo a qual foi aludida em Is 535ab ao se interpretar o porquecirc do sofrimento

do Servo interpretaccedilatildeo esta que vem retomado em Is 536c onde o ldquogrupordquo

considera o Senhor como aquele que lanccedila as suas iniquidades sobre o Servo

Tendo como sujeito a terceira pessoa do singular em Is 537a retoma-se a

descriccedilatildeo do sofrimento do Servo com a predominacircncia da accedilatildeo verbal ativa com

duas frases despidas ou seja onde o sujeito e o predicado satildeo desprovidos de um

atributo ou complemento (Is 537ab)637 duas comparativas (Is 537de) e duas

negativas (Is 537cf) em uma sequecircncia que se conclui em Is 537f

Is 538a-9b continua a descriccedilatildeo da humilhaccedilatildeo do Servo poreacutem agora com

a predominacircncia da accedilatildeo verbal passiva e o uso no v 8 da preposiccedilatildeo mi a qual eacute

utilizada quatro vezes as duas primeiras para indicar como o Servo foi tomado (v

8a) a terceira de onde (v 8c) e agrave quarta deve-se atribuir o sentido instrumental

634 Cf item que trata da criacutetica textual de Is 5213-5312 635 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 37a 636 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 154g161 637 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 153

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como pede a presenccedila na construccedilatildeo de uma forma passiva638 pela qual se optou

na criacutetica textual e natildeo aquele de causa principal como em Is 535ab

A isto seguem-se duas frases negativas em Is 539cd sendo a primeira

precedida pela preposiccedilatildeo על que aqui tem um sentido concessivo639 Tais frases

observam a forma poeacutetica de inversatildeo de termos exprimindo um juiacutezo sobre o

Servo

Por sua vez Is 5310 eacute composto por seis proposiccedilotildees que descrevem o

sofrimento do Servo A primeira (Is 5310a) e a uacuteltima (Is 5310f) utilizando a raiz

px ldquoaprazerrdquo revelam a finalidade do sofrimento do Servo fazer prosperar na

sua matildeo o que apraz ao Senhor (cf Is 5310f)

Com esta uacuteltima frase conclui-se a descriccedilatildeo do sofrimento do Servo Nela

o sujeito eacute seguido pelo objeto instrumental o que daacute ecircnfase ao sujeito O uso da

preposiccedilatildeo B640 seguido do termo dy indica que o Servo sofredor se torna

instrumento da realizaccedilatildeo do que apraz ao Senhor

No entanto na estrutura do v 10 o segmento Is 5310f em conjunto com Is

5310de constituem apoacutedoses da proacutetase a qual eacute a proposiccedilatildeo condicional

precedida pela partiacutecula ~ai que estaacute em Is 5310c641 Sendo assim a realizaccedilatildeo das

afirmaccedilotildees de Is 5310def estaacute condicionada pela proacutetase

Em Is 5311ab resume-se tudo o que foi dito pelo ldquogrupordquo tanto no que diz

respeito agrave descriccedilatildeo do sofrimento do Servo (Is 531-10b) com a locuccedilatildeo genitiva

ldquopelo esforccedilo da sua vidardquo quanto no que se refere ao resultado desse sofrimento

(Is 5310def) com os sintagmas ldquoele veraacute a luzrdquo e ldquoseraacute satisfeitordquo

Em Is 5311c-12 inicia-se a segunda fala do Senhor com a afirmaccedilatildeo de que

ldquopelo seu conhecimentordquo o justo ldquojustificaraacute a muitosrdquo (Is 5311c) Deve-se

salientar que o segmento 11c inicia-se com o predicado enfatizando a accedilatildeo verbal e

ainda o fato de que o verbo nesse segmento encontra-se no hifil indicando o sujeito

como causa de tal accedilatildeo

638 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 132d 639 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 171e 640 ldquoQuando o objeto eacute um instrumento tem-se agraves vezes a construccedilatildeo com B no lugar do acusativordquo

JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m 641 Cf JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 167c

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Com a conjunccedilatildeo causal ן inicia-se Is 5312a Esse fato demonstra que לכ

no presente versiacuteculo pode-se comtemplar o resultado de todo o sofrimento do

Servo Nesta seccedilatildeo somente nessa frase aparece o sujeito na primeira pessoa do

singular explicitando que eacute o proacuteprio Senhor quem daraacute a recompensa ao Servo

pelo seu sofrimento compreendido como oferenda de expiaccedilatildeo pelos pecados dos

muitos (cf Is 5310c)

Quanto aos segmentos 12a e 12b deve-se destacar que os verbos estatildeo no

piel o que sublinha a mesma intensidade na accedilatildeo do Senhor (12a) e naquela do

Servo (12b)

O segmento Is 5312c estaacute ligado ao precedente pela locuccedilatildeo prepositiva

indicadora de causalidade ר תחת אש Nele a raiz verbal hr[ estaacute na forma hifil

tendo o sentido de ldquofazer despojarrdquo e vem seguido de שו que aqui tem o sentido נפ

de ldquoa si mesmordquo o que reforccedila a ideia da entrega voluntaacuteria que o Servo fez da sua

proacutepria vida presente tambeacutem em Is 5310c As frases ldquoporquanto fez despojar a si

mesmo ateacute a morterdquo (Is 5312c) e ldquocom os transgressores foi contadordquo (Is 5312d)

satildeo um resumo do sofrimento do Servo feito pelo proacuteprio Senhor enquanto locutor

da seccedilatildeo

Is 5312e como nos segmentos 12c e 12d traz o verbo no qatal fazendo

referecircncia assim a algo jaacute consumado ao contraacuterio de Is 5312f onde o verbo estaacute

no yiqtol apontando para a missatildeo futura do Servo Nesse segmento o Senhor

como locutor da seccedilatildeo interpreta o sentido do seu sofrimento como אשם

ldquosacrifiacutecio de expiaccedilatildeordquo (Is 5310c) ao afirmar que apesar de ser contado entre os

transgressores (cf Is 5312d) ldquoos pecados de muitos ele levourdquo e ao mesmo tempo

que ele aceitou tal sacrifiacutecio como estaacute subentendido pela interpretaccedilatildeo dada

3235

Criacutetica do gecircnero literaacuterio

No que se refere ao gecircnero literaacuterio daquele que vem convencionalmente

chamado ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo apesar das inuacutemeras tentativas de se resolver

a questatildeo natildeo haacute consenso entre os estudiosos Muitos comentadores chegam ateacute

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mesmo a renunciar agrave tentativa de classificaccedilatildeo por consideraacute-lo uacutenico tanto na

forma quanto no conteuacutedo642

Para C R North tal dificuldade de se classificar quanto ao gecircnero a

periacutecope isaiana ldquonatildeo eacute surpreendente para uma passagem em que se evoca tal gama

de emoccedilotildees humanasrdquo bastando em um primeiro momento dizer que ldquoo Cacircntico

consiste nas palavras de um orador humano ou oradores posto em meio a uma

estrutura formada por pronunciamentos feitos por YHWHrdquo Faz esta afirmaccedilatildeo

poisldquonatildeo haacute acordo entre os criacuteticos da forma quanto agrave categoria (gecircnero) a que os

versiacuteculos lsquonoacutesrsquo mais se aproximam por exemplo se a um salmo penitencial ou a

um salmo de accedilatildeo de graccedilasrdquo 643

J Begrich concorda com C R Noth quanto agrave forma do ldquoQuarto Cacircnticordquo

poreacutem defende que a parte central de Is 5213-5312 ou seja em Is 531-11a seja

a imitaccedilatildeo de um Salmo individual de accedilatildeo de graccedilas emoldurado por dois discursos

do Senhor (52 13-15 53 11b-12) Contudo J Begrich destaca uma diferenccedila

essencial entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e um salmo de

lamentaccedilatildeo ou de accedilatildeo de graccedilas ou seja no centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo o orador

natildeo eacute aquele que sofre ou aquele que eacute salvo como ocorre nos gecircneros saacutelmicos

mencionados mas o Servo sofredor eacute aquele do qual o ldquogrupordquo fala O propoacutesito

dos oraacuteculos que comeccedilam e concluem a periacutecope seria o de dar autoridade agravequilo

que considera a imitaccedilatildeo de um salmo individual de accedilatildeo de graccedilas com a intenccedilatildeo

de convencer os leitores de que se trata de uma verdadeira profecia a respeito da

morte e ressurreiccedilatildeo do profeta e a sua explicaccedilatildeo644

Tambeacutem C Westermann percebeu indiacutecios de um salmo individual de accedilatildeo

de graccedilas poreacutem em Is 532-11a No entanto chegou agrave conclusatildeo de que pelas

caracteriacutesticas proacuteprias do texto isaiano tal gecircnero literaacuterio seria somente o seu

pano de fundo sendo que na forma que se apresenta existem basicamente duas

diferenccedilas entre a parte central do ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo e o gecircnero salmo de

accedilatildeo de graccedilas em primeiro lugar como jaacute havia notado J Begrich o narrador natildeo

642

WHYBRAY R N Thanksgiving for a Liberated Prophet An Interpretation of Isaiah Chapter

53 In Clines D J A - Davies P R - Gunn D M (edd) Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series Vol 4 Sheffield University of Sheffield Department of Biblical

Studies 1978 p 112 643

NORTH C R The Second Isaiah Introduction Translation and Commentary to Chapters XL-

LV Oxford Clarendon Press 1964 p 234 644

Cf BEGRICH J Studien zu Deuterojesaja Theologische Biicherei 20 Muumlnchen Kaiser 1963

pp 62-66

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eacute a proacuteprio pessoa que experimentou a libertaccedilatildeo sendo que se estaacute diante de uma

narraccedilatildeo em terceira pessoa e em segundo lugar os que narram a anguacutestia e a

libertaccedilatildeo do Servo satildeo aqueles que foram salvos por aquilo que lhe aconteceu

sendo o Servo o instrumento dessa salvaccedilatildeo645 Sendo assim a narraccedilatildeo de Is 531-

11a

conteacutem uma segunda vertente que estaacute intimamente ligado a ela ou seja a narraccedilatildeo

tambeacutem eacute uma confissatildeo por parte daqueles que experimentaram a salvaccedilatildeo Esta

segunda vertente eacute particularmente clara nos vv 4ss onde aqueles que relatam a

humilhaccedilatildeo e a exaltaccedilatildeo do Servo confessam que o sofrimento do mesmo foi

causado por sua culpa646

Em suma diante dessa falta de consenso a respeito do gecircnero literaacuterio do

ldquoQuarto Cacircntico do Servordquo opta-se por afirmar a originalidade da sua composiccedilatildeo

De fato para O Steck o texto isaiano natildeo foi composto a partir de um determinado

gecircnero literaacuterio nem pela junccedilatildeo de diferentes gecircneros pelo fato de que se fosse

entendido como lamentaccedilatildeo individual um oraacuteculo de YHWH natildeo o deveria

preceder Por outra parte se fosse entendido como um cacircntico de accedilatildeo de graccedilas

um oraacuteculo natildeo o poderia seguir Deste modo deve-se concluir que a novidade

apresentada pelo locutor divino e pelo humano no texto isaiano contida na figura

do Servo que atraveacutes do seu sofrimento trouxe a justificaccedilatildeo aos ldquomuitosrdquo deveria

ser expressa a partir de uma peccedila literaacuteria que figurasse tal novidade natildeo soacute no seu

conteuacutedo mas tambeacutem na sua forma647

Tendo-se concluiacutedo a impossibilidade de definir o gecircnero literaacuterio do texto

isaiano estudado deve-se indagar ao menos a respeito do seu estilo literaacuterio

Quanto agrave afirmaccedilatildeo de que os quatro assim chamados ldquoCacircnticos do Servordquo seriam

poemas hiacutenicos M Trevis declara que

nem no estilo nem nos conteuacutedos eles devem ser classificados como liacutericos ()

Eles tecircm de fato o paralelismo solto que se encontra na maioria das paacuteginas

profeacuteticas Mas o argumento do qual tratam torna improvaacutevel que tenham sido

compostos para serem configurados para a muacutesica e cantados Eles natildeo faziam

parte da liturgia do Templo natildeo eram canccedilotildees privadas natildeo eram marchas

militares Eles eram - como a maioria das paacuteginas profeacuteticas - sermotildees avisos

anuacutencios e oraacuteculos648

645

Cf WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary The Old Testament Library

Philadelphia Westminster Press 1969 pp 256-257 646 WESTERMANN C Isaiah 40-66 A Commentary p 257 647

Cf STECK O H Gottesknecht und Zion FAT 4 Tuumlbingen JCB Mohr 1992 pp 24-25 648 TREVES M Isaiah LIII VT 24 (1974) 98

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Do mesmo parecer eacute C Conroy para quem natildeo existe nenhuma indicaccedilatildeo

nos ldquoCacircnticos do Servordquo que demonstre que eles tecircm como caracteriacutestica proacutepria o

fato de terem sido compostos para serem executados como cacircnticos preferindo

referir-se a eles como ldquoPoemas do Servordquo649

Poreacutem diante da ausecircncia de uma meacutetrica regular na periacutecope isaiana

estudada650 poder-se-ia levantar um questionamento quanto ao seu estilo poeacutetico

No entanto J Goldingay e D Payne respondem a esse questionamento afirmando

que tal ausecircncia

natildeo levanta qualquer duacutevida sobre se a seccedilatildeo eacute poesia Ela possui a densidade e a

alusividade da poesia e um papel chave eacute nela exercido pela analogia e pela

metaacutefora particularmente as analogias dos vv 2 6 e 7 e as metaacuteforas sacramentais

e poliacutetico-militares em 5213-15 e 5310-12 Sua ordem de palavras geralmente natildeo

eacute a da prosa (por exemplo 5215ab 531b) Existem muitos exemplos de

paralelismo (por exemplo cada um dos treze pares de linhas de 5214ab a 536a)

o que eacute uma caracteriacutestica formal da poesia hebraica Os versiacuteculos 4-6 em

particular satildeo especialmente caracterizados por paralelismo ldquosinteacuteticordquo enquanto

em muitas outras linhas a segunda parte difere bastante acentuadamente da

primeira na sua meacutetrica (veja por exemplo vv 13 15a la 7a 8a 10a 11abb

12agd) Estes dois aspectos da retoacuterica do poema no uso que faz do paralelismo

diz respeito ao seu conteuacutedo as repeticcedilotildees sublinham pontos as diferenccedilas

inesperadas sublinham a natureza inesperada de seu conteuacutedo651

3236

Anaacutelise teoloacutegica

O centro do ldquoQuarto Cacircnticordquo natildeo eacute a humilhaccedilatildeo e o sofrimento do Servo

como poderia parecer pela ecircnfase dada a esses temas mas sim uma mudanccedila total

no que tange ao proacuteprio Servo e aos ldquomuitosrdquo Tal mudanccedila ocorre pela

compreensatildeo que ele tem do seu sofrimento e pelo seu ldquoconhecimento de Deusrdquo

que o leva agrave oferta de sua vida em favor da multidatildeo652 A partir disso ocorre a

mudanccedila na sua proacutepria situaccedilatildeo a qual passa de um rechaccedilo completo ao

reconhecimento do seu sofrimento vicaacuterio da humilhaccedilatildeo agrave exaltaccedilatildeo Ocorre

tambeacutem uma mudanccedila na situaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo cujas transgressotildees satildeo

ldquocarregadasrdquo por ele653 Estes satildeo os temas fundamentais do texto isaiano estudado

649 Cf CONROY C The Enigmatic Servant texts in Isaiah in the Light of recent study p 24 650 Cf GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 277 651 GOLDINGAY J - PAYNE D Isaiah 40-55 Vol 2 p 278 652 Cf FEUILLET A LrsquoEpicirctre aux Romains col 819 653 Cf BERGES U Isaiacuteas - El profeta y su libro p 105

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que ao mesmo tempo apresenta a dificuldade de ser nas Escrituras de Israel como

jaacute foi dito a uacutenica afirmaccedilatildeo de que algueacutem morreu pelos pecados dos ldquomuitosrdquo654

Essa relaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo o ldquoconhecimentordquo a ldquoexaltaccedilatildeordquo e a

ldquojustificaccedilatildeo dos muitosrdquo vem salientada por H Simian-Yofre o qual discutindo a

traduccedilatildeo da forma hifil yiqtol da raiz verbal lkf que estaacute em Is 5213a a relaciona

com o substantivo t[D derivado de [dy presente em Is 5311c onde se afirma que

ldquopor seu conhecimento o justo meu servo justificaraacute muitosrdquo preferindo a

traduccedilatildeo ldquocompreenderaacuterdquo para כיל 655יש

De fato por traacutes da raiz verbal lkf como observa K Koenen existe uma

concepccedilatildeo que vai muito aleacutem do que vem destacado pela maioria das traduccedilotildees

modernas a qual une em si os aspectos de ldquoser sensatordquo ldquoagir com sagacidaderdquo

ldquoconhecer a Deusrdquo ldquoobservar os seus mandamentosrdquo o que tem como

consequecircncia o ldquoconduzir uma vida plena de sucessordquo e o ldquoser superiorrdquo K

Koenen chama a atenccedilatildeo para o fato de que todos esses aspectos estatildeo presentes

cada vez que a raiz lkf eacute usada mesmo que somente um desses aspectos esteja

em primeiro plano656

Portanto como se percebe pode-se estar diante do uso intencional de um

lexema que desde o iniacutecio do ldquoQuarto Cacircnticordquo destacaria a sua ideia central ou

seja a profunda ligaccedilatildeo entre a ldquocompreensatildeordquo e o ldquoconhecimento de Deusrdquo do

Servo e a sua exaltaccedilatildeo e o oferecimento de sua vida pelos ldquomuitosrdquo

Quanto ao termo t[D na criacutetica profeacutetica feita por Oseias a sua falta ou o seu

rechaccedilo eacute muitas vezes utilizada em paralelo agrave ldquoapostasiardquo (cf Os 57 67) ldquorebeliatildeordquo

(cf Os 714 915) ldquoinfidelidaderdquo (cf Os 67) agrave falta de tma e de dsx (cf Os

41)657

O significado de t[D na literatura profeacutetica se faz perceber particularmente

em Os 66 onde o Senhor afirma que prefere o conhecimento de Deus (~yhila t[D)

ao holocausto (hl[ o) Tambeacutem na literatura profeacutetica a falta de t[D e o sofrimento

654 Cf item 225 quando foi aplicado o criteacuterio da ldquoPlausibilidade Histoacutericardquo 655 Cf SIMIAN-YOFRE H Sofferenza delluomo e silenzio di Dio nellAntico Testamento e nella

letteratura del Vicino Oriente antico p 224 656 Cf KOENEN K lkf col 756 657 Cf BOTTERWECK G J [dy col 590

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tecircm muitas vezes uma relaccedilatildeo causal ldquoPor isso o meu povo foi para o exiacutelio por

falta de conhecimentordquo (Is 513)658

Nos tempos da salvaccedilatildeo prometida por Deus (cf Os 21) o ~yhila t[D

seraacute concedido a todo o povo deste modo ldquotoda a terra seraacute cheia do conhecimento

do Senhorrdquo (Is 119) Tambeacutem sobre o rei ungido estaraacute o espiacuterito de conhecimento e

de temor do Senhor (cf Is 112 336) 659

Nesse contexto do anuacutencio do reino de paz na literatura profeacutetica (cf Is 1129

336 5311)

a concepccedilatildeo profeacutetica de t[D destaca-se de modo particular sobre o pano de

fundo dos anuacutencios de desgraccedila que satildeo descritos o t[D eacute um esforccedilar-se por

YHWH pedido ao ser humano um comportamento eacutetico religioso a falta ou a

posse do t[D decidem a salvaccedilatildeo ou a ruiacutena de toda a comunidade de modo que

esta constitui uma responsabilidade reciacuteproca que cessaraacute somente no tempo da

salvaccedilatildeo ldquoTodos eles me conheceratildeo () Entatildeo perdoarei as suas culpas e natildeo me

recordarei mais do seus pecadosrdquo (Jr 3134) Soacute a remissatildeo dos pecados torna

possiacutevel o definitivo ldquoconhecimento de Deusrdquo (cf Is 5311) e leva a uma mais

estreita comunhatildeo com ele ()660

Deste modo confirma-se a estreita relaccedilatildeo entre os conceitos de lkf e t[D

defendida por H Simian-Yofre e o papel que estes conceitos jogam na exaltaccedilatildeo do

Servo e na justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo enquanto o conhecimento eacute a causa instrumental

dessa justificaccedilatildeo em Is 5311c661 sendo que esse conhecimento o levou a colocar sua

vida em sacrifiacutecio de expiaccedilatildeo

Chega-se assim a outro tema fundamental da periacutecope isaiana em estudo agrave

condiccedilatildeo sine qua non para a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo do que apraz ao

Senhor por meio de sua matildeo tema este presente na proposiccedilatildeo condicional de Is

5310c ldquoSe ele coloca em reparaccedilatildeo sua vidardquo

Portanto a exaltaccedilatildeo do Servo e a realizaccedilatildeo da vontade do Senhor que natildeo

eacute em uacuteltima anaacutelise o sofrimento do Servo mas a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo

dependem da compreensatildeo que o Servo tem do seu sofrimento e da sua capacidade

de movido pelo seu conhecimento de Deus pela sua fidelidade entregar a sua vida

como reparaccedilatildeo pelos pecados

658 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

659 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591

660 Cf BOTTERWECK G J [dy col 591 661 JOUumlON P Grammaire de lrsquoHeacutebreu Biblique sect 125m

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No entanto surge a questatildeo a respeito de como o sofrimento do Servo pode

ser capaz de justificar a multidatildeo Deve-se recordar que se estaacute no periacuteodo poacutes-

exiacutelico no qual existe uma profundo interesse no que diz respeito agrave reflexatildeo sobre

como reparar os pecados sendo que nesse periacuteodo se vecirc a relaccedilatildeo entre Deus e o

seu povo como que abalada pelo pecado A confirmaccedilatildeo por tal interesse apresenta-

se nos escritos sacerdotais do Pentateuco onde pode-se notar ldquoa particular dedicaccedilatildeo

com a qual eram oferecidos os sacrifiacutecios pela culpa e pelo pecadordquo662

No ldquoQuarto Cacircnticordquo no qual o Servo vem comparado a um carneiro levado

ao matadouro (cf Is 537d) potildee-se como condiccedilatildeo para a sua exaltaccedilatildeo que ele

ofereccedila a sua vida como ~va Deste modo segundo D Kellermann ldquoo sofrimento

substitutivo do justo eacute o sacrifiacutecio pela culpa dos muitos A morte do Servo como

no caso de um sacrifiacutecio por uma culpa salva os pecadores da morterdquo663 Poreacutem

como poder-se-ia entender essa entrega do Servo

Segundo G Fohrer tentou-se apontar a origem da ideia do sofrimento

substitutivo em algumas praacuteticas e ideias das antigas religiotildees meacutedio-orientais tais

como a apariccedilatildeo do rei babilocircnico na festa do ano novo como portador dos pecados

do povo e o rito de substituiccedilatildeo do rei por um rei de fachada durante eclipses lunares

ou solares Mas para ele natildeo existe praticamente nada nesse contexto que contribua

de modo significativo para esclarecer a oferta vicaacuteria da vida do Servo de Is 5213-

5312 que levou agrave justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo para assim elucidar algo que jamais

foi narrado e ouvido um pensamento expresso de modo ineacutedito pelo autor do

ldquoQuarto Cacircnticordquo664

Por esse motivo G Fohrer recorreu para explicar a entrega da vida do Servo

entendida como sacrifiacutecio a um conceito proacuteprio do campo semacircntico sacrificial

judaico ou seja ao conceito de ~va665 o qual estaacute presente em Is 5310c Para ele

de fato ~va

designa um sacrifiacutecio oferecido por um sacerdote quando um indiviacuteduo

involuntariamente transgrediu um dos mandamentos divinos O ritual do sangue

662 KELLERMANN D ~va In Botterweck J - Ringgren H (edd) Grande Lessico dellrsquoAntico

Testamento Vol I Brescia Paideia 1988 col 944

663 KELLERMANN D ~va col 944-945 664

FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 In Fohrer G Studien zu

alttestamentlichen Texten und Themen (1966-1972) BZAW 155 Berlin-New York Walter de

Gruyter 1981 pp 36-40 665 KELLERMANN D ~va col 931-950

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no qual o sangue do animal sacrificado eacute derramado sobre todo o altar eacute o mais

importante ato do procedimento sacrificial Agora o sangue do ldquoServo de YHWHrdquo

foi tambeacutem derramado na sua execuccedilatildeo e essa execuccedilatildeo eacute igualada ao

procedimento sacrificial em Is 5310 O servo eacute o animal do sacrifiacutecio que Deus

como sacerdote oficiante ldquoesmagourdquo ou seja abateu porque isso lhe ldquoaprouverdquo -

em outras palavras porque ele aceitou o Servo como adequado para o sacrifiacutecio666

No entanto para B Janowski a equiparaccedilatildeo do Servo ao animal do

sacrifiacutecio eacute insustentaacutevel pois no texto isaiano natildeo existe menccedilatildeo ao sangue

derramado do Servo Aleacutem disso akd ldquoesmagarrdquo (Is 535b10a) natildeo faz parte do

campo semacircntico sacrificial e um vocabulaacuterio cuacuteltico eacute ausente do restante da

periacutecope667

B Janowski recorda que ~va originalmente natildeo pertencia ao vocabulaacuterio

referente ao sacrifico mas a um contexto no qual se tinha como tema a

ldquotransgressatildeordquo e o ldquodelitordquo (cf Gn 2610) Tal termo tendo sofrido um longo

processo de evoluccedilatildeo passa a significar uma obrigaccedilatildeo de reparar uma

transgressatildeo Tal obrigaccedilatildeo nessa perspectiva surge a partir de uma situaccedilatildeo de

transgressatildeo na qual o transgressor deve prover uma compensaccedilatildeo material para

reparar a sua transgressatildeo668

Aplicando-se esse conceito a Is 5310c percebe-se no contexto o povo

incapaz de reparar sua proacutepria culpa o qual lanccedila essa ldquoobrigaccedilatildeordquo sobre um outro

para que assim obtenha a salvaccedilatildeo Deste modo

essa libertaccedilatildeo vem de um inocente que entregou sua vida de acordo com o plano

de YHWH (v 10c) e como consequecircncia de seu proacuteprio ministeacuterio (vv7-9) A

ldquoentrega de sua proacutepria vida como meio de limpar a transgressatildeordquo eacute deste modo

idecircntico a ldquoassumir as consequecircncias das accedilotildees dos outrosrdquo669

Assim sendo o Servo ldquocarregourdquo as transgressotildees dos outros sobre si

assumindo a ~va que pesava sobre eles ou seja a sua obrigaccedilatildeo de reparaccedilatildeo pelas

suas proacuteprias culpas e o fez pelo modo como compreendeu o seu sofrimento e pelo

seu conhecimento de Deus em uma oferenda de toda a sua vida e ministeacuterio como

666 FOHRER G Stellvertretung und Schuldopfer in Jes 5213-5312 p 27 667 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place In

Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 pp 67-68 668 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place pp

68-69 669 Cf JANOWSKI B He Bore Our Sins - Isaiah 53 and the Drama of Taking Anotherrsquos Place p

69

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sacrifiacutecio de reparaccedilatildeo (Is 5310c) despojando-se a si mesmo ateacute a morte (cf Is

5312c) para a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo (cf (Is 5311c)

33

Comparaccedilatildeo das tradiccedilotildees textuais de Is 5213-5312

TEXTO LENINGRADENSE SEPTUAGINTA

5311a עמל שו מ ה נפ א יר

5311b בע יש

5311c תו דע דיק ב יצ

די צדיק לרבים עב

5311d ל הוא ועונתם ב יס

5312a ן ק־לו לכ ברבים אחל

5312b ת־עצומים א ק ו חל שלל י

5312c ר תחת ערה אש ה

שו ת נפ למו

5312dעים ת־פש א נה ו נמ

5312e הוא א־רבים ו ט נשא ח

5312f עים לפש גיע ו יפ

5311a ἀπὸ τοῦ πόνου τῆς ψυχῆς

αὐτοῦ δεῖξαι αὐτῷ φῶς

5311b καὶ πλάσαι

5311c τῇ συνέσει δικαιῶσαι δίκαιον

εὖ δουλεύοντα πολλοῖς

5311d καὶ τὰς ἁμαρτίας αὐτῶν αὐτὸς

ἀνοίσει

5312a dia touto auvtoj klhronomhsei

pollouj

5312b kai twn ivscurwn meriei skula

5312c avnqV w-n paredoqh eivj qanaton

5312d kai evn toij avnomoij evlogisqh

5312e kai auvtoj amartiaj pollwn

avnhnegken

5312f kai dia taj amartiaj auvtwn

paredoqh

Deve-se na presente etapa metodoloacutegica destacar a partir dos dados da

criacutetica textual as diferenccedilas entre as tradiccedilotildees textuais de Is 5311-12 textos

aludidos nos versiacuteculos de Rm 512-21 que foram considerados nessa pesquisa

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como contendo alusotildees ao texto isaiano670 Sublinha-se tambeacutem nessa passo as

possiacuteveis influecircncias de tais variantes no uso paulino do texto isaiano671

A primeira diferenccedila seria a omissatildeo do lexema אור de Is 5311a no Codex

Leningradensis o qual estaacute presente em 1QIsa e 1QIsb e na Septuaginta Pode-se

dizer com seguranccedila que tal omissatildeo natildeo influencia em nada o uso que Rm 512-21

faz do texto isaiano sendo que Paulo natildeo faz nenhuma referecircncia a essa palavra

Em 5312e percebe-se que a raiz ajx no Codex Leningradensis estaacute na

forma de substantivo comum masculino singular no status constructus enquanto

que em 1QIsa e 1QIsb se apresenta como substantivo comum masculino plural no

status constructus A Septuaginta por sua vez concordando com os escritos do Mar

Morto traduz o lexema com o substantivo feminino no acusativo plural amartiaj

Tambeacutem nesse caso a variante natildeo influencia em nada o uso que Paulo faz dos

textos de Is 5213-5312 sendo que consiste somente numa mudanccedila do singular

para o plural

Em Is 5312f os exemplares de Isaiacuteas do Mar Morto em melhor estado no

lugar do particiacutepio qal plural masculino absoluto עים testemunhado pelo Codex פש

Leningradensis leem um substantivo masculino plural672 com pequenas variaccedilotildees

1QIsa (hmhycvp) e 1QIsb (hmycvp) A Septuaginta por sua vez tambeacutem lecirc aiacute um

substantivo plural taj amartiaj

Neste caso a variante poderia ter alguma influecircncia no uso paulino de Isaiacuteas

sendo que em Rm 515ab o vocaacutebulo to paraptwma vem utilizado duas vezes o

qual sendo um substantivo estaacute gramaticalmente mais proacuteximo de 1QIsa 1QIsb e

da Septuaginta Chama a atenccedilatildeo o fato de que a Septuaginta em Is 5312d traduza

עים por toij avnomoij e em Is 5312f prefira a leitura taj amartiaj o que poderia פש

sugerir a confirmaccedilatildeo da leitura proposta por 1QIsa 1QIsb e pela Septuaginta a qual

provavelmente foi utilizada por Paulo por influecircncia da traduccedilatildeo grega

Em outros casos poreacutem haacute quem sugira a utilizaccedilatildeo do texto hebraico por

Paulo como J Jeremias ao afirmar que o uso de polloi em Rm 516 e de oi` polloi

670 Cf item 22 671 Pede-se tambeacutem que se destaque a repeticcedilatildeo de padrotildees semacircnticos e sintaacuteticos no Codex

Lenigradensis na Septuaginta e no texto neotestamentaacuterio em estudo poreacutem isto foi feito ao se

aplicar o criteacuterio do ldquoVolumerdquo no item 222 Cf BEALE G K Handbook on the New Testament

Use of the Old Testament pp 49-50 672

Cf ITIKWIRE V T The Textual Criticism of Is 5213 - 5312 p 163

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em Rm 519 seriam alusotildees a Is 5213-5312 em Rm 512-21 as quais refletiriam

tradiccedilotildees preacute-paulinas proacuteximas ao hebraico673

34

Tradiccedilotildees interpretativas de Is 5311-12

Segundo G K Beale o propoacutesito desse passo metodoloacutegico eacute identificar

como as passagens especiacuteficas utilizadas no texto neotestamentaacuterio estudado foram

compreendidas no judaiacutesmo anterior e posterior a esse uso e determinar se essa

compreensatildeo poderia ter alguma importacircncia para a apropriaccedilatildeo do texto das

Escrituras de Israel realizada pelo texto do Novo Testamento674

Tendo-se verificado os escritos do Qumran que contecircm alusotildees a Is 5213-

5312 (Hodayot Regra da Guerra)675 natildeo se encontraram interpretaccedilotildees especiacuteficas

do texto isaiano aludido em Rm 512-21 ou seja do texto de Is 5311-12 podendo-

se dizer o mesmo da literatura apoacutecrifa (Paraacutebolas de Henoc Jubileus e 4 Esdras)676

e daquela rabiacutenica que jaacute foi analisada nesta pesquisa ao se aplicar o criteacuterio da

ldquoPlausibilidade histoacutericardquo no item 225 Portanto limitar-se-aacute esta pesquisa a

aprofundar um texto o qual mesmo sendo posterior agrave Carta aos Romanos pode

trazer em si tradiccedilotildees mais antigas ou seja o Targum de Isaiacuteas tambeacutem chamado

de Targum de Joacutenatas677

Sendo que para aleacutem de ser uma traduccedilatildeo destinada agrave liturgia da sinagoga

ldquoo targum eacute tambeacutem uma interpretaccedilatildeo que visa explicitar o sentido oculto da

Escriturardquo678 e ao mesmo tempo ldquouma lsquorecomposiccedilatildeo do textorsquo que tem uma loacutegica

673

JEREMIAS J παῖς Θεού p 409 674

Cf BEALE G K Handbook on the New Testament Use of the Old Testament p 46 Para tanto

utilizou-se como bibliografia de apoio aleacutem das fontes as seguintes obras JANOWSKI B -

STUHLMACHER P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian Sources

Grand Rapids Eerdmans 2004 LOURENCcedilO J Sofrimento e Gloacuteria de Israel - Is 53 e sua

interpretaccedilatildeo no Judaiacutesmo Antigo Lisboa Didaskalia 1996 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-

5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios Didaskalia 20 (1990) 155-166 674 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr CWH Pauli

London London Societyrsquos House 1871 675

Testi di Qumran MARTINEZ F G (ed) Supplemento allo studio della Bibbia 10 Brescia

Paideia 2003 676

Apoacutecrifos do Antigo Testamento SPARKS H F D (ed) Revista Biacuteblica Brasileira Vol 2

Ano 17 ndeg 1-2-3 Fortaleza Nova Jerusaleacutem 2000 677 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL Tr C W H Pauli

London London Societyrsquos House 1871 678

LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155

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e uma coerecircncia proacuteprias fruto das circunstacircncias histoacutericas ()rdquo679 situou-se a sua

anaacutelise entre as tradiccedilotildees interpretativas e natildeo entre as tradiccedilotildees textuais Essas

caracteriacutesticas satildeo vistas com mais forccedila poreacutem ldquonas periacutecopes mais polecircmicas

especialmente naquelas que foram objeto de disputa entre a comunidade judaica e

a comunidade cristatilderdquo680 como eacute o caso de Isaiacuteas 5213-5312

De fato logo no seu comeccedilo a versatildeo targuacutemica desse texto identifica o

Servo de Is 5213 com o Messias exaltado e glorificado ldquoEis o meu servo o

Messias ele prosperaraacute seraacute exaltado elevado e seraacute muito forterdquo A partir da

versatildeo de Is 5214 passa a se referir ao sofrimento natildeo do Messias mas de figuras

as quais agraves vezes satildeo identificadas com o povo de Israel agraves vezes com os gentios

(Is 5214 533-9) Na parte final do ldquoCacircnticordquo poreacutem torna a falar a respeito da

figura do Messias glorioso e de seu papel na sua versatildeo de Is 5311-12681

Quanto agrave dataccedilatildeo do Targum de Isaiacuteas situa-se a sua composiccedilatildeo entre os

anos 70 e 135 dC682 Nesse ambiente pode-se perceber como um primeiro

condicionamento exercido pelo contexto na hermenecircutica do texto targuacutemico a

polecircmica judaico-cristatilde a respeito do Messias Essa polecircmica foi motivada pelo fato

de a comunidade cristatilde primitiva ter utilizado o texto isaiano como chave de leitura

da vida da morte e da ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo

O reconhecimento de Jesus crucificado como Servo sofredor e de Jesus

ressuscitado como Servo glorioso e messias de Israel constitui o princiacutepio de

divergecircncia entre as duas hermenecircuticas a judaica e a cristatilde Para a comunidade

judaica reorganizada agora sobre a fidelidade agrave Torah e depois da destruiccedilatildeo do

Templo e das derrotas impostas pelos Romanos era impossiacutevel manter intacta a

tradiccedilatildeo e a esperanccedila messiacircnica a partir dum texto como Is 53 especialmente no

que concerne ao sentido do sofrimento e humilhaccedilatildeo Assim importava que a

leitura cristatilde do poema fosse combatida no seu proacuteprio terreno por uma outra leitura

que constituiacutesse ela mesma uma resposta efetiva agraves inquietaccedilotildees do povo de Israel

Antes de mais impunha-se por um lado o abandono da traduccedilatildeo dos LXX jaacute que

ela se tinha tornado a Biacuteblia da comunidade cristatilde e por outro encontrar uma chave

679 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158 680 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

155 681 Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah The Reception

of isaiah 5213-5312 in the Targum of Isaiah with especial attention to the Concept of the Messiah

In Janowski B - Stuhlmacher P (eds) The Suffering Servant Isaiah 53 in Jewish and Christian

Sources Grand Rapids Eerdmans 2004 p 189 682

Cf ADNA J The Servant of Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah p 189 Segundo

J Lourenccedilo ldquoa dataccedilatildeo do targum dos profetas natildeo eacute paciacutefica remontando provavelmente agrave eacutepoca

dos Amoraiacutemrdquo LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos

literaacuterios p 158

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de leitura messiacircnica que natildeo entrasse em contradiccedilatildeo com a imagem ldquoortodoxardquo

do messias daviacutedico no que concerne agrave sua dimensatildeo gloriosa683

Como segundo fator a influenciar a hermenecircutica targuacutemica do ldquoQuarto

Cacircnticordquo tem-se as derrotas dos judeus no seu combate contra os romanos nos anos

70 e 132 dC com a consequente destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem e do Templo a cessaccedilatildeo

do culto oficial e a diaacutespora684

No entanto a polecircmica judaico-cristatilde sobre a identidade do Messias e as

cataacutestrofes ocasionadas pelas intervenccedilotildees militares dos romanos estatildeo entrelaccediladas

no que diz respeito agrave sua influecircncia sobre a hermenecircutica targuacutemica do texto isaiano

estudado

De fato esperando o judaiacutesmo na sequecircncia das revoltas contra Roma uma

libertaccedilatildeo nacional a qual tinha sido tentada em desespero de causa por Bar

Kokbah natildeo era possiacutevel conceber agora que a mesma fosse alcanccedilada atraveacutes dum

messias sofredor ou reduzida apenas a uma dimensatildeo meramente espiritual Mais

do que nunca a esperanccedila dum messias guerreiro e vencedor dos inimigos

impunha-se e era a uacutenica forma de manter viva a identidade nacional face agrave

diaacutespora imposta pelo imperador Adriano na sequecircncia da derrota de Bar

Kokbah685

Nesse contexto os textos de Is 5213-5312 aludidos em Rm 512-21 potildeem

em destaque a figura do Messias glorioso o qual tem como principal funccedilatildeo

conduzir os rebeldes e pecadores agrave observacircncia da Lei686 Essa funccedilatildeo do Messias

soacute poderaacute ser compreendida a partir da perspectiva da teologia rabiacutenica sobre a

centralidade da Lei687

Percebe-se nestes versiacuteculos a mudanccedila daquilo que era no texto hebraico a

recompensa do Servo pelos seus sofrimentos e os frutos desse sofrimento ou seja

a sua glorificaccedilatildeo e a justificaccedilatildeo dos ldquomuitosrdquo pelo papel funcional do Messias

enquanto seraacute ele a impor a observacircncia da Lei a qual eacute na compreensatildeo judaica a

683 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

159 684 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 159 685 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

160 686 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 pp 82-83 687Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164

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uacutenica mediadora da salvaccedilatildeo688 a castigar os pagatildeos e a interceder pelos pecados

dos muitos689

Esta uacuteltima funccedilatildeo poderia ser segundo alguns uma referecircncia ao papel do

Sumo Sacerdote no Dia da Expiaccedilatildeo o qual seria exercido pelo Messias e eacute

provavelmente algo que remete agrave reconstruccedilatildeo do Templo que deve ser feita pelo

Messias690 sendo essa a condiccedilatildeo para a celebraccedilatildeo do Dia da Expiaccedilatildeo e portanto

para o perdatildeo dos pecados691

Partindo-se dessas observaccedilotildees pode-se ler a versatildeo targuacutemica dos textos

isaianos aludidos no texto paulino estudado Eis o texto

Ele livraraacute as suas almas da servidatildeo das naccedilotildees veratildeo a vinganccedila sobre os seus

inimigos ficaratildeo satisfeitos com o despojo de seus reis Por sua sabedoria ele

justificaraacute os justos a fim de a muitos fazer guardarem a Lei e intercederaacute pelos

seus pecados Por isso dividirei para ele o despojo de muitos povos e os tesouros

de fortes fortificaccedilotildees Ele dividiraacute o despojo porque entregou a sua vida ateacute a morte

e faraacute os rebeldes guardarem a Lei Ele intercederaacute pelos pecados de muitos e

quanto aos transgressores cada um seraacute perdoado por causa dele692

Quanto a uma possiacutevel contribuiccedilatildeo dessa interpretaccedilatildeo para a leitura

paulina a hermenecircutica targuacutemica parece natildeo ter exercido nenhuma influecircncia

sobre a interpretaccedilatildeo que Paulo faz de tal texto enquanto ao menos na forma atual

do texto esta afirmaccedilatildeo seria um anacronismo mesmo que esta forma atual possa

estar baseada em tradiccedilotildees anteriores a Paulo e que possam ter sido conhecidas por

ele693 aleacutem do que eacute uma antiacutetese da apresentaccedilatildeo que o Apoacutestolo faz de Jesus

Cristo como uacutenico mediador da salvaccedilatildeo

688 Cf RUIZ DE LA PENtildeA J L O Dom de Deus - Antropologia Teoloacutegica Petroacutepolis Vozes

1997 p 83 689 Cf LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios

p 164 690 ldquoEle edificaraacute a casa do santuaacuterio que foi profanada por causa dos nossos pecados Ele foi

entregue por causa de nossas iniquidades Atraveacutes da sua doutrina a paz se multiplicaraacute sobre noacutes e

atraveacutes do ensinamento de suas palavras nossos pecados seratildeo perdoadosrdquo The Chaldee Paraphrase

on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL p 183 691

A respeito do debate sobre o papel do Messias como intercessor cf ADNA J The Servant of

Isaiah 53 as Triunphant and Interceding Messiah pp 214-222 692 The Chaldee Paraphrase on the Prophet Isaiah JONATHAN BEN UZZIEL pp 184-185 693 LOURENCcedilO J Targum de Is 5213-5312 Pressupostos histoacutericos e processos literaacuterios p

158

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