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    ETD Educao Temti ca Digi tal,Campinas, v.11, n.2, p.188-203, jan./jun. 2010ISSN: 1676-2592. 188

    CDD: 372.21

    Petrpolis com olhos de crianas:o retrato do espao urbano como

    suporte didtico

    Ana Ceclia Machado Dias

    RESUMOCompreender a cidade a partir do que as crianas nos mostram

    por meio de seu olhar fotogrfico se faz objeto de estudo nestetrabalho, questes como: Quais imagens ao nosso redordespertam a ateno das crianas? Como elas se apropriam doespao da cidade? O que percebem ao observar a geografialocal? As crianas aprendem interagindo com o meio cultural esocial em que vivem, quando a escola utiliza a cidade como umgrande laboratrio de pesquisa para observao e investigaodas imagens, est contribuindo para a aprendizagem deconceitos representados no dia-a-dia onde espao e culturas seentrecruzam nas mais variadas linguagens revelando ascaractersticas do cotidiano. Essa ao confere credibilidade auma criana capaz, curiosa, que experimenta o mundo, que

    competente e ativa, portanto, algum que no somenteconsumidor de cultura e de valores, mas que com suas idas evindas pela cidade se torna responsvel pela produo epreservao do espao urbano.

    PALAVRAS-CHAVE

    Infncia; Cultura; Imagens; Cidade

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    Petrpolis with the eyes of children:the picture of urban space as a

    didatic support

    ABSTRACT

    Understanding the city from what children show us by the waythey see with their photographic eyes, makes it an object ofstudy in this work, questions like: What kind of images call thechildrens attention? How do children appropriate the space ofa city? What do children notice by observing the localgeography? Children learn by interecting whith the culturaland social environment they live in. When the school uses thecity as a big research laboratory for observation andinvestigation of the images, it is contributing for the learning ofconcepts represented in a day-to-day routine where spaces andculture working together meet themselves in a society in avariety of languages, revealing the characteristics of the timepeople are living in the city. Acting this way we are givingcredibility to a child who has many different abilities and iscurious to experience a world that is competent and active,

    therefore this child is somebody who does not only see cultureas a consumer, but by living in the city becomes aresponsability for the production and preservation of the urbanspace.

    KEYWORDS

    Childhood; Culture; Images; City

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    Um tempo em que uma imagem vale mais do que mil palavras.Um dos desafios de se viver neste tempo desenvolver

    a capacidade de ter olhos para ver e entender...Ver alm do que est visvel s possvel

    quando compreendemos o que vemos(ALCNTARA)

    Imagens fazem parte do nosso cotidiano e nos convidam a ver e perceber tudo ao

    nosso redor, imagens tambm compem o universo infantil, constituem cenrios para

    brincadeiras, retratam o imaginrio de crianas e apresentam o cotidiano e o mundo a olhos

    atentos de meninos e meninas que exploram e conhecem tudo ao seu redor.

    O tema da cultura no espao escolar e a relao da criana com seu universo

    social tm sido pouco exploradosnas prticas cotidianas da maioria das escolas, alm disso, a

    maioria das instituies de ensino no tmutilizado o conhecimento adquirido no dia-a-dia do

    aluno, no tm valorizado seu saber, seu olhar e o que ela percebe no seu cotidiano. Surge

    ento a necessidade de aproveitar o locus escolar para explorar este tipo de conhecimento.

    Dessa forma, a reflexo sobre uma questo percorre este trabalho: como as crianas se

    apropriam do espao da cidade?

    Nesse sentido, ouvir as crianas diante de suas expresses em suas mltiplas

    linguagens, formas de entender e ressignificar o contexto em que vivem faz-se presente em

    nossa sociedade sendo tambm um desafio atual a pesquisadores e educadores que buscam

    romper com a viso de uma infncia marcada por aquele que no fala, significado etimolgico

    da palavra infante.

    Ao longo dos sculos a criana foi considerada sem direito a voz: construes

    histricas e sociais que merecem serem rompidas buscando respeitar e fazer valer os direitos

    das crianas em nossa sociedade. Cruz (2008, p.13) defende a participao da criana como

    colaboradora direta na pesquisa ao afirmar que a busca em ouvir as crianas, por meio de suas

    mltiplas linguagens, vem do desejo de conhecer o ponto de vista delas e da crena de que

    elas tm algo a nos dizer.

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    Compreender a cidade de Petrpolis, localizada na regio serrana do estado do

    Rio de Janeiro, a partir do que as crianas nos mostram por meio de seu olhar fotogrfico se

    faz objeto de pesquisa neste trabalho. Com o intuito de valorizar a infncia em seus diferentes

    contextos, questes como: Quais imagens ao nosso redor despertam a ateno das crianas? O

    que percebem ao observar a geografia local?Iniciaram esse estudo

    Foi com este ideal, pretendendo ouvir as crianas a respeito de sua apropriao do

    espao urbano, que surgiu o projeto Petrpolis com olhos de crianas visando um trabalhoque conciliasse o fazer artstico e as vozes das crianas com o estudo sobre a histria e

    geografia petropolitana. Os dados contidos nesse trabalho fazem parte do projeto posto em

    prtica, em uma escola da rede particular de ensino de Petrpolis, Escola Oficina Criativa

    durante os meses de agosto e setembro de 2006, repetindo-se a cada ano compondo o

    currculo do ensino de Histria e Geografia para o 3 ano do Ensino Fundamental. O objeto de

    estudo a prpria geografia da cidade. Durante esse perodo dez alunos fotografaram a cidade

    e em rodas de conversas relataram suas expectativas e experincias em ir a campo e mostrar oque percebiam ao escolherem as paisagens.

    A escola desta pesquisa foi fundada em 1999, atende a alunos da Educao

    Infantil e do primeiro segmento do Ensino Fundamental, tem dentre suas principais

    caractersticas uma proposta pedaggica com abordagem scio-interacionista concebendo a

    aprendizagem como uma ao que se realiza na interao com o outro e com o meio social.

    Neste sentido a aprendizagem concebida como um processo que acontece por meio da

    internalizao, isto , a utilizao de marcas externas que se transformam em processos

    internos de mediao. Na concepo Vygotskyniana, a aprendizagem deflagra vrios

    processos internos de desenvolvimento mental, que se constroem somente quando o sujeito

    interage com objetos e demais sujeitos ao seu redor. Uma vez internalizados, esses processos

    tornam-se parte das aquisies do desenvolvimento. Dessa forma, a criana reconhecida

    como ser ativo que interage culturalmente com seu meio, assim sendo, ela consumidora e

    produtora constante de prticas e saberes sociais.

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    A abordagem scio-interacionista adotada nessa escola considera o meio em que a

    criana est inserida, seu papel enquanto sujeito e agente transformador da sociedade a partir

    da interao com o conhecimento. Apoiando-se nessa concepo de aprendizagem, o projeto

    Petrpolis com olhos de crianas consistiu em promover condies para o aluno agir

    ativamente na produo de saberes acerca da histria e da geografia de sua prpria cidade. As

    imagens resultantes do projeto, relatado a seguir, teve como base fotos tiradas pelos alunos,

    que posteriormente fizeram parte de uma exposio pblica, em um centro comercial do

    bairro.

    Em Petrpolis percebe-se uma forte valorizao do carter imagtico

    constantemente ligado s cidades tursticas, seu acervo histrico est estreitamente associado

    permanncia de D. Pedro I e posteriormente D. Pedro II na cidade durante o Imprio.

    Petrpolis em sua bela paisagem serrana, situada na mata atlntica, desenvolveu a arte da

    fotografia desde o sculo XIX.

    A proposta ancorou-se na valorizao do olhar das crianas para as situaes do

    cotidiano, ligadas ao registro fotogrfico a partir dos seguintes questionamentos:

    Como Petrpolis por meio do olhar das crianas?

    O que elas percebem da cidade em que vivem?

    Quais imagens despertam a ateno das crianas pelas ruas em que circulam?

    Tais perguntas desencadearam o desejo de desenvolver o projeto cujo objetivoprincipal era valorizar a criana, deix-la expressar o que percebia da cidade em que vive

    estabelecendo relaes significativas e ampliando as oportunidades de experincias culturais.

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    Os alunos foram convidados, com o auxlio das lentes de uma mquina

    fotogrfica, a expressarem o que perceberam da cidade e tambm a conhecerem o espao

    urbano por meio da observao in loco, no se limitando, somente ao texto dos livros

    didticos ou reproduo iconogrfica como nicas fontes de informao na sala de aula para

    a aprendizagem da geografia local.

    Conversando com as crianas durante as aulas de geografia, convidamos a todos a

    fotografarem a cidade. Para tal atividade nos organizamos, dividindo os alunos em pequenosgrupos que discutiram e escreveram o roteiro de ruas e locais a serem fotografados. Os alunos

    relataram lugares prximos de suas casas e da escola com muita propriedade, resultado de

    uma observao diria ao transitarem pela cidade.

    A cada dia essas imagens citadinas eram enriquecidas compondo um novo cenrio

    para a criana que curiosamente observa e descobre o meio em que vive, por meio de um

    olhar mais atento para detalhes no observados pelo olhar do adulto, pois a criana demonstra

    observar mais o espao urbano enquanto que o adulto muitas vezes passa pela cidade em

    direo a algum lugar.

    Aps muitas conversas entre os alunos, o roteiro de ruas escolhido foi escrito sem

    a interferncia dos adultos. No dia combinado samos no transporte escolar para fotografar e

    conforme as crianas solicitavam amos parando e descendo aos lugares. As crianas estavam

    muito envolvidas com a atividade e levaram inclusive mquinas pessoais para um registro

    individual.

    Nesse sentido, o projeto procurou valorizar a funo mediadora da escola na

    aprendizagem e na formao esttica dos alunos por viabilizar a presena das crianas no

    local fotografado, ou seja, uma aula passeiopossibilitando aos pequenos estudantes uma

    aprendizagem em campo. Bittencourt (2004, p.200), ressalta que a contribuio que a

    imagem traz ao registro etnogrfico no se resume, portanto, na valorizao da tcnica, que

    gera imagens similares ao mundo sensvel, mas reside no fato de que estas imagens so

    produtos de uma experincia humana.

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    Com o apoio de uma loja de revelao as fotografias foram reveladas e recebidas

    com muito entusiasmo pelos alunos que observaram e teceram novos comentrios as imagens.

    As fotografias dos espaos urbanos tiradas pelas crianas nos levam a rever

    conceitos e valores referentes cidade pela tica infantil, como a vegetao presente na

    cidade, paisagens vistas pelas crianas a partir de suas moradias e outras imagens cotidianas.

    Contrariando as imagens que so constantemente associadas a Petrpolis, ou seja, as

    fotografias dos pontos tursticos marcados pelos fatos histricos.

    As crianas aprendem interagindo com o meio cultural e social em que vivem.

    Quando a escola utiliza a cidade como um grande laboratrio de pesquisa para observao e

    investigao das imagens est contribuindo para a aprendizagem de conceitos representados

    no dia-a-dia. Espao e cultura se entrecruzam nas mais variadas linguagens revelando as

    caractersticas de uma poca e a identidade de seus autores, permitindo uma reflexo que

    englobe aspectos da contemporaneidade, como nos confirma Leite (2001, p.99):

    Uma fotografia revela muito mais que as imagens do instante fotografado [...] elaindica os vnculos e relaes presentes nos textos imagticos e revela, tambm, o seuautor: a inteno do fotgrafo e at, quem sabe, seus desejos, suas caractersticas,suas artes de fazer e de ser.

    Essa ao confere credibilidade a uma criana capaz que experimenta o mundo,

    que competente e ativa, portanto, algum que no somente consumidor de cultura e de

    valores, mas algum que com suas idas e vindas pela cidade se torna responsvel pela

    produo e preservao do espao urbano.

    Projetos como Petrpolis com olhos de crianas, nos quais os alunos tm a

    possibilidade de protagonizar a experincia da imagem fotogrfica, constituem conforme a

    tica scio-interacionista, alternativas educacionais mais criativas, ou seja, uma atividade que

    rene o fazer artstico, a ampliao da viso dando vazo interpretao valorizando assim, a

    criana como agente do saber.

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    Benjamim (1994, p.105) assim se expressou ao traar o percurso histrico da

    fotografia:

    J se disse que o analfabeto do futuro no ser quem no sabe escrever, e sim quemno sabe fotografar. Mas um fotgrafo que no sabe ler suas prprias imagens no pior que um analfabeto? No se tornar a legenda a parte mais essencial dafotografia?

    Esse pensamento permite deduzir que o universo infantil no corre este risco

    aparente: a produo de sentido passa obrigatoriamente pela interpretao do autor, dessa

    forma, espera-se das manifestaes infantis um resultado que expresse os sentidos construdospela criana.

    Para o desenvolvimento do projeto, foi necessrio inicialmente oportunizar s

    crianas um estudo sobre a histria da cidade enriquecido com fotografias e gravuras antigas,

    de modo a compar-las com imagens atuais. O objetivo era observar e investigar

    transformaes ocorridas na cidade ao longo dos anos. A fotografia como suporte didtico

    tambm ressaltada por Lopes (1998 p.79), pois nos aproxima da importncia de ler a histria

    e a geografia local por meio de imagens, alcanando a realidade vivida, entendendo como era

    e porque se transformou.

    Passeios por locais significativos da historiografia local, tambm fizeram parte

    das atividades desenvolvidas, como a visita ao Centro Histrico, ao Palcio de Cristal e ao

    Museu Imperial. Ao transitarem por esses espaos os alunos tiveram liberdade de escolha para

    utilizarem o registro fotogrfico, nesse caso uma oportunidade para mostrar o que percebem

    da cidade em que vivem, afinal, conforme analisa Flusser (2002), o olhar vai estabelecendorelaes significativas, dessa forma, a criana ao observar o meio em que vive o ressignifica

    com base em seus conhecimentos.

    Ao vaguear pela superfcie, o olhar vai estabelecendo relaes temporais entre oselementos da imagem: um elemento visto aps o outro. O vaguear do olhar circular, tende a voltar para contemplar elementos j vistos. Assim, o antes se

    torna depois, e o depois se torna o antes. O tempo projetado pelo olhar sobre aimagem o eterno retorno. (FLUSSER, 2002, p.08)

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    O autor ao afirmar que o olhar tende a voltar sempre para elementos preferenciais

    confirma a escolha das crianas quanto definio dos locais a serem fotografados. As falas

    das crianas entrecruzavam-se citando locais prximos s suas residncias, portanto tais

    relatos apontavam para a valorizao dos arredores de suas prprias casas e tambm outros

    locais da cidade. Reflexo provvel da perspectiva que construram de dentro de suas moradias

    quando olhavam a cidade ou, possivelmente, vises sobre seu prprio dia-a-dia, como no

    percurso cotidiano entre a casa e a escola, por exemplo:

    Tem uma casa antiga que eu sempre vejo quando vou para a escola.(Jlia)

    FIGURA 1Casa fotografada pela Jlia

    Eu vou fotografar o Parque Cremerie, na frente da minha casa, eu vou l sempre.

    (Gabriel)

    Vou fotografar a rua da escola, eu moro aqui do lado.(Matheus)

    Na minha casa tem uma rua muito assim (a criana fez um gesto com a mo em

    posio de inclinao)e l a gente pode ir caixa dgua.(Pedro)

    L da minha casa d praver a cidade, muito alto.(Bruno)

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    FIGURA 2Bairro Alto da Serra, fotografado por Bruno

    A escolha das crianas a respeito desses lugares que desejavam retratar vai ao

    encontro do que nos diz Benjamin (1994, p.103): Nenhuma obra de arte contemplada to

    atentamente em nosso tempo como a imagem fotogrfica de ns mesmos, de nossos parentes

    prximos, de nossos seres amados.

    A vegetao presente na cidade destaca-se entre as crianas, sendo objeto das

    lentes de vrios alunos, como podemos ver:

    Nossa essa rvore bonita.Ah! o sol que d essa cor as folhas. (Rafaela)

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    FIGURA 3rvore fotografada por Rafaela

    Como alta essa montanha.(Clara)

    FIGURA 4Vista panormica da cidade, fotografia tirada por Clara

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    Tecnicamente, o resultado manifestado nas fotografias se difere do foco adulto,

    pois muitas fotos deste projeto partem de uma angulao do plano inferior, para o superior, de

    acordo com a estatura do prprio fotgrafo-criana. As imagens da cidade nessas

    fotografias revelam casas, prdios, igrejas, rvores e ruas explicitando o recorte que cada um

    faz da realidade evidenciando aspectos subjetivos, que no caso dessas imagens, relacionam-se

    com os interesses infantis.

    Benjamin (1994, p.104) ressalta que: Cada um de ns pode observar que umaimagem, uma escultura e principalmente um edifcio so mais facilmente visveis na

    fotografia que na realidade.A partir desta anlise, podemos deduzir que um prdio histrico

    presente na rotina da criana passava a ser um novo prdio, posto que submetido a um

    novo olhar. Essa nova representao da cidade, por essas imagens, perpassa a viso

    cotidiana. Esse aspecto foi observado tambm durante a exposio das fotografias no saguo

    de um centro comercial, onde os visitantes se surpreenderam com as imagens de determinados

    lugares comuns e prximos a suas residncias, mas ignorados no dia-a-dia.

    FIGURA 5Um avio Fotografado por Matheus

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    O inesperado como um avio deixando marcas pelo cu, o detalhe de uma flor,

    nuvens escuras ou um belo registro do cu azul, tambm foram alvos das lentes fotogrficas

    das crianas. Alcntara (2001, p.87) nos diz que: O cotidiano de nossas vidas constitudo

    de mltiplas e variadas imagens. A cada manh, essas imagens que emergem de nosso

    cotidiano nos convidam a ver, ouvir, cheirar, provar, sentir. Como diz Camus, pensamos por

    imagens.

    CONCLUINDO COM ALGUMAS IMAGENS...

    FIGURA 6Torre de telefonia celularFIGURA 7Jlia fotografando

    FIGURA 8Praa D. Pedro, no centro histrico da cidade

    O ambiente escolar deve propiciar momentos de expresso e observao

    transformando e criando novos saberes, possibilitando um dilogo com o que j existe.

    Acreditar no potencial infantil nos leva a delinear caminhos que contribuam para aparticipao das crianas enquanto colaboradoras no processo de ensino-aprendizagem,

    ressaltando e valorizando a infncia considerando as especificidades das crianas em suas

    mltiplas linguagens, ou seja, uma possibilidade de viver uma cultura escolar que respeite e

    valorize o pensamento infantil. Cabe escola mediar aquisio desses conhecimentos

    redirecionando seu foco para a capacidade de interao dos alunos com o objeto de estudo,

    neste trabalho as imagens da cidade pelos olhos das crianas.

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    A escola necessita redirecionar o seu foco para a criana como algum que

    interage com o meio social, que produz cultura, experimenta, observa e curiosa, capaz de

    aprender por diferentes caminhos. Rinaldi (1999, p.76), explicita tais inquietaes ao citar

    que:

    ...cada sociedade pode criar a sua prpria imagem do que so as crianas. A imagem uma conveno cultural... Algumas concentram-se no que as crianas so, no queelas tm e no que elas podem fazer, enquanto que outras, infelizmente, concentram-se no que as crianas no so, no que elas no tm e no que elas no podem fazer.

    Quem produz algo, produz para algum e para um dilogo com o mundo.O

    desenvolvimento deste projeto na escola possibilitou conferir credibilidade s crianase neste

    caso reconhecer suas potencialidades ao contemplar e dialogar a respeito das imagens

    captadas em suas lentes fotogrficas. As produes infantis tero mais valor quando

    ultrapassarem os limites do contexto escolar e puderem ser apreciadas por outros olhares,

    como a exposio dessas fotografias que foi realizada em um espao pblico da cidade.

    Ao trabalhar com os alunos atividades que buscam uma aprendizagem maissignificativa aproximando-o do objeto em estudo, colaboramos no s para a aquisio de

    novos conceitos e para o desenvolvimento de valores sociais como a preservao e uso

    consciente de lugares pblicos. Acreditamos que durante suas idas e vindas pelo espao

    urbano esses alunos se tornaro cidados que respeitam e preservam o espao pblico

    melhorando cada vez mais sua qualidade de vida.

    Esses registros fotogrficos comunicam algo mais que somente representao da

    realidade, essas imagens nos mostram os olhares atentos de meninos e meninas que nos

    encantam ao descortinarem outras vises da cidade a partir de sua identidade, sua

    subjetividade e sua infncia. As produes infantis, neste caso as fotografias, merecem serem

    vistas, contempladas e valorizadas, escrevendo uma nova cidade retratada pelas mos das

    crianas, uma geografia pelo olhar da infncia.

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    REFERNCIAS

    ALCNTARA, A. V. Espaos e imagens na escola. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2001. 132 p.

    BENJAMIN, W. Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria dacultura. So Paulo, SP: Brasiliense, 1994. 253 p.

    BITTENCOURT, L. A. Algumas consideraes sobre o uso da imagem fotogrfica napesquisa antropolgica. In:FELDMAN-BIANCO, B. LEITE M. L. M. (Org.) Desafios da

    imagem: Fotografia, iconografia e vdeo nas cincias sociais. Campinas: Papirus, 1998.319 p.

    CRUZ, S. H. V. (Org.). A criana fala: a escuta de crianas em pesquisas.So Paulo, SP:Cortez, 2008. 388 p.

    DUBOIS, P. O ato fotogrfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. 362 p.

    EDWARDS, C.; GANDINI, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criana: a abordagemde Reggio Emlia na educao da primeira infncia. Porto Alegre: Artmed, 1999. 319 p.

    ELIAS, M. D. C. Pedagogia Freinet. So Paulo, SP: Papirus, 2002. 207 p.

    FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Riode Janeiro, RJ: Relume Dumar, 2002. 82 p.

    FREINET, C. As tcnicas Freinet da escola moderna. Lisboa: Editorial Estampa, 1975.171 p.

    KRAMER, S. (Org.) Infncia e produo cultural. Campinas: Papirus, 1998. 215 p.

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    DOSSI

    ETD Educao Temti ca Digi tal,Campinas, v.11, n.2, p.188-203, jan./jun. 2010ISSN: 1676-2592. 203

    Ana Cecilia Machado Dias

    Mestranda em Educao pelaUniversidade Catlica

    de Petrpolis;Pedagoga com especializao

    em Arte Educao

    e Educao Infantil;Orientadora pedaggica da EscolaOficina Criativa em Petrpolis - RJ

    [email protected]

    Recebido e revisado pelo organizado em: 11/05/10Publicado em: 17/06/10

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]