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POEME-SE
Ângela Barbosa de [email protected]
GT 11 Leitura da Crise ou Crise da Leitura: Discutindo a Literatura na/da Educação Básica.
SEDUC – PE
Resumo: A leitura é um processo complexo que envolve a capacidade simbólica e de interação do ser humano por meio da palavra, signo variável e flexível marcado pela mobilidade contextual, principalmente no texto poético. Já a leitura-mundo trata da recriação dos sentidos existentes no texto, quer sejam expressos ou simplesmente intuídos a partir da experiência de vida do leitor, ampliando e enriquecendo o sentido imediato daquilo que é lido. Uma leitura-mundo para despertar o sujeito-leitor adormecido em cada um deles, leitores competentes que continuam a aprender durante a vida através da leitura, instrumentalizando-se para um protagonismo comunicativo. A relação de cambio estimulada pela escola deixa pouco espaço para a gratuidade da leitura (GEBARA, 2002). O texto poético ajuda a extrapolar a leitura utilitária e\ou de decodificação ainda trabalhada na escola. Este trabalho pretende discutir os resultados obtidos com a experimentação/fruição de leituras significativas de poemas, levando os alunos a apropriarem-se do sentido, da linguagem e dos mecanismos do fazer poético de tal maneira que os habilite a se expressarem com poemas. O objetivo é aproximar o jovem do poema desafiando-o a ver as palavras por outros ângulos. “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces sob a face neutra. E te pergunta, sem interesse pela resposta pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?” (DRUMMOND, 1945). Através de ações interdisciplinares de fruição leitora e escrita (roda de leitura, palestra, debate, pesquisa, exposição e sarau), culminando com uma mostra literária para socialização das produções estudantis, é possível diagnosticar nos estudantes um encantamento com as palavras que extrapola as leituras obrigatórias e utilitárias do cotidiano.
Palavras-chaves: Leitura. Poema. Sujeito-leitor.
Introdução
De acordo com os PCNs do Ensino Médio (2000, p. 19) “o texto é único como
enunciado, mas múltiplo enquanto possibilidade aberta de atribuição de significados,
devendo, portanto, ser objeto também único de análise\síntese.” E que melhor texto se
aplica para permitir a multiplicidade de interpretações que o texto poético?
Esta experiência se propõe a fomentar a leitura de poemas entre os estudantes
como uma forma de apurar o senso estético e permitir-lhes a fruição literária com textos
mais concisos. Outro objetivo da experiência é permitir a expressão do eu subjetivo dos
estudantes através da linguagem poética que bem se adéqua a este propósito. Ao
incentivar a leitura e expressão escrita dos estudantes em linguagem carregada de
plurissignificados como é a linguagem poética, pretende-se trabalhar uma leitura mais
ampla de mundo e realidade. As figuras de linguagem, conotação, jogos de palavras que
caracterizam a opacidade da linguagem poética exigem do leitor uma atitude ativa e
interativa de compreensão, exige ativar conhecimentos, emoções e experiências prévias
para elaborar uma compreensão possível do texto. Cito “uma compreensão” porque
existem várias compreensões possíveis, o texto poético permite essa multiplicidade de
interpretações.
Ou seja, a proposta é através da poesia convidar o leitor a ser sujeito de suas
leituras do mundo. Despertar o sujeito-leitor para apropriar-se da leitura-mundo.
A experiência foi realizada com duas turmas de alunos do primeiro ano do
ensino médio da rede pública, totalizando oitenta e dois alunos. Através de atividades
diversas como roda de leitura, varal de poesias, palestras, oficinas de produção textual e
recital foi possível oportunizar aos estudantes o contato significativo com este gênero
textual. Ao final, eles foram convidados a criar seus próprios textos poéticos e pode-se
constatar a afinidade para composição por parte de alguns estudantes com o poema e o
encantamento de outros com o mesmo.
A leitura de poemas mostrou-se como uma alternativa válida e viável de
fomento a leitura entre jovens adolescentes pelos textos abordarem temas de interesse
dos mesmos e expressarem anseios que compartilham nesta etapa de vida: ansiedade,
amor, paixão, aceitação, fé, medo, etc.
O projeto “Poeme-se!” trata-se de um convite para mobilizar os jovens a leitura
e produção de poesia, porque seu enunciado simplesmente convida: Expresse-se!
Desenvolvimento
1. Poema = poesia
A poesia é descrita em diversos dicionários como a arte de compor versos,
entusiasmo criador, inspiração ou uma composição poética. Já para o poema a definição
frequentemente encontrada é obra em versos ou aquilo que contém poesia. Para o termo
poeta há duas definições, uma de caráter objetivo e outra, subjetivo: é aquele que faz
versos, que se dedica a poesia; ou é aquele que devaneia, um tipo de idealista –
definição icônica, não? Considerando o poeta um fazedor de versos sonhador e idealista
a definição dos dicionários aproxima e ao mesmo tempo afasta o fazer poético da
maioria das pessoas. Aproxima porque a poesia as encanta, porque se identificam com
os sentimentos expressos nos poemas. E as afasta porque elas passam a considerar o
versejar como uma habilidade inata, um dom para poucos e atividade reservada aos
sonhadores. Talvez por esse motivo, definir poesia, poema e todos os elementos que
compõem o universo poético trata-se de uma tarefa um pouco complexa porque as
explicações não permitem uma definição conclusiva.
Pode ser difícil explicar a poesia para estudantes, mas ela é fácil de entender,
principalmente entre adolescentes que anseiam poder se expressar. A poesia permite
essa expressão do ser subjetivo que todos somos. A poesia está impregnada em nós
mesmo que não nos percebamos dela. Isso explica porque qualquer pessoa,
independente de grau de escolaridade é capaz de compreender e apreciar poesia mesmo
que não seja capaz de defini-la. Segundo Sorrenti (2009, p.101) “a poesia vem
acompanhando o ser humano desde a sua mais remota infância, a exemplo dos jogos de
ninar, jogos de palavras, fonemas e canções folclóricas, preservando a magia natural do
ser humano e libertando-o das convenções.”
Uma das melhores definições para poesia nos é apresentada por José Paulo Paes
em seu poema Convite. E esta definição será o nosso ponto de partida e referência para
a discussão de uma leitura significativa e geradora, leitura-mundo, que desperte o
sujeito-leitor inerente a cada usuário da língua:
Convite Poesia é brincar com palavrascomo se brinca com bola, papagaio e pião.
Só que bola, papagaio e piãode tanto brincar se gastam.
As palavras não:Quanto mais se brinca com elasMais novas ficam.
Como a água do rio que é água sempre nova.Como cada dia que é sempre um novo dia.Vamos brincar de poesia? (PAES, José Paulo. In: Poemas para brincar)
Segundo o poeta, a poesia envolve o manejar de forma lúdica e criativa as
palavras e a descoberta de que elas sempre se renovam e podem ser reinventadas em
seus múltiplos sentidos. Trata-se de uma experimentação com a linguagem que todos
nós entendemos bem quando estamos aprendendo o valor fonético e semântico das
mesmas. Infelizmente, há um processo de desencantamento à medida que avançamos na
aquisição da linguagem formal no processo escolar. Com a aquisição e consolidação das
estruturas da linguagem e ao ir assimilando as normas de uso da língua, nós aprendizes,
vamos deixando de fazer experimentações com a linguagem pela simples fruição da
descoberta. Esquecemos-nos de questionar as regras pragmáticas da língua, de testar
novas composições. Perdemos o encantamento e curiosidade que tínhamos pelas
palavras e seus sentidos quando as estávamos aprendendo enquanto crianças.
A poesia é uma ferramenta capaz de exercitar a imaginação, de resgatar o lúdico
da leitura pela riqueza de recursos presentes no texto poético. O poema explora a
palavra como matéria-prima carregada de sonoridade e ritmo criando novos sentidos,
experimentando novas possibilidades:
O poema reúne os elementos que nos rodeiam se valendo de palavras que revelam emoções. Por vezes, as palavras já dicionarizadas “não dão conta do recado” e acabam “exigindo” que o poeta crie novas ou reabilite uma palavra antiga com sentido novo. Ele sabe que é preciso aventurar-se
para trazer uma nova possibilidade de enunciar o que se quer. (SORRENTI, 2009, p. 46)
A leitura-mundo a qual nos referimos neste trabalho trata de letramentos sociais
múltiplos e dinâmicos que acontecem a todos os momentos na interação entre sujeitos
nas mais diversas situações cotidianas. Engana-se quem considera a leitura uma
atividade de decodificação de textos escritos. Quem observa uma imagem ou pintura a
lê, quem escuta uma canção a lê independente de ser alfabetizado ou não. Conforme
Gebara (2002) ler é viver imerso num mundo de signos que exigem a tarefa infindável
da busca do sentido. E nesta busca nos aproximamos do outro, do escritor, tentando
compreendê-lo. Lemos porque procuramos entender a nós mesmos.
Mas para que essa busca de sentido seja exitosa é preciso habilitar o leitor a
desenvolver e ampliar suas habilidades leitoras, sua proficiência. Desenvolver hábitos
de leitura praticando-a constantemente, de maneira diversificada e reflexiva. É preciso
dedicar tempo à leitura e ir aprofundando sua complexidade aos poucos. Para fomentar
a leitura entre os jovens é necessário exemplos e abordagens diferentes daquelas que a
escola costumeiramente utiliza(va). Os tempos são outros. A celeridade da era da
informação digital parece não se alinhar com a tarefa reflexiva de leituras mais
complexas:
A atitude em relação à leitura hoje mudou, os apelos são outros e a valorização de um hábito solitário e de reflexão parece ser incongruente com tempos em que o consumo estabelece os períodos que podemos gastar com cada atividade, cuja aplicação prática deve ser imediata. Assim se algum texto é escolhido, provavelmente terá como função primordial a informação e será condensado para que a interação ocorra num período reduzido de tempo, garantindo produtividade certa. (GEBARA, 2002, p. 21)
Quando a questão é praticar a leitura volta-se a atenção e a exigência para a
escola. A missão de educar e inspirar nos futuros cidadãos o amor pela leitura. Na
escola repousa as expectativas de construir uma sociedade mais culta e consciente. No
entanto, a escola ainda utiliza mecanismos e adota procedimentos que não estão
alinhados com essa nova realidade e ao mesmo tempo em que precisa adaptar-se a esse
novo público sem perder suas diretrizes, precisa reformular-se. No caso específico do
fomento a leitura, a escola necessita torná-la uma atividade natural e espontânea no
ambiente escolar. Sem cobranças impositivas e desproporcionais que acabam
desencadeando o processo inverso: a ojeriza dos alunos pela leitura:
A relação de cambio estimulada pela escola deixa pouco espaço para a gratuidade. Se não se determina uma meta, o que se propõe causa certo incômodo. Essa valoração dos fins promove a qualificação da leitura como um trabalho imposto e pelo qual se recebe certo reconhecimento. (GEBARA, 2002, p. 23)
A questão central a ser resolvida pela escola volta-se então para o “Como
aproximar a leitura dos estudantes de forma que os cative?” Que os transforme em
sujeitos-leitores: reflexivos, conscientes e amantes da leitura?
2. Poesia na escola: Poeme-se!
Poema - substantivo comum, simples, abstrato, primitivo, singular, gênero
masculino. Etimologia latina: poēma, ătis = poema, composição em verso. Mas e se o
poema ao invés de conceber-se como realidade abstrata, subjetiva e enigmática, fosse
considerado como uma ação transitiva reflexiva? Um acontecimento que inicia com o
emissor, espalha-se ao seu redor tocando seus interlocutores e ao retornar a mensagem
transforma-o e sensibiliza-o. Uma enunciação que desnuda seu próprio enunciador. É ao
mesmo tempo sujeito ativo e passivo de sua própria enunciação. Poema verbo, poema
ação.
A proposta deste trabalho é convidar o estudante a viver a poesia, resgatar a
poesia que vive nele, despertá-la com um convite imperativo que não aceita recusas:
Poeme-se! Ou de acordo com Andrade (2012, p.12) “Chega mais perto e contempla as
palavras. Cada uma tem mil faces secretas sobre a face neutra e te pergunta, sem
interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?”
A proposta retoma a questão: Como fomentar a leitura na escola e transformar os
alunos em sujeitos-leitores?
Existem várias metodologias, teorias, projetos e ações voltadas para o incentivo
à leitura, seja de textos em geral ou textos literários. E todas são válidas. E existem
tantas outras ainda a serem descobertas e\ou reinventadas. O ideal é não haver um
modelo único. Públicos diferentes exigem soluções e estratégias diferentes.
A escolha do gênero poético neste trabalho deve-se a observação do público
pesquisado e a identificação do interesse de alguns indivíduos pelo gênero poético.
Alguns alunos já ensaiam versos, com singelas coletâneas autorais. Outro fator,
observado e considerado ao escolher o tema do trabalho foi constatar a pouca
visibilidade e alcance que infelizmente o poema tem merecido nos meios de
comunicação e na sociedade, privando os futuros leitores da fruição da poesia. Basta
observar comparativamente a quantidade de lançamentos das editoras de títulos em
prosa e em versos.
A linguagem poética permite ao leitor um reconhecimento e identificação mais
autêntico e subjetivo por focar em questões fundamentais para o ser humano: suas
emoções, sentimentos e ideias utilizando uma linguagem metafórica repleta de
possibilidades. Quem ao escutar uma canção (que possui similaridades com linguagem
poética, não a toa que os primeiros poemas se chamavam cantigas) já não pensou:
parece que foi escrita para mim?
... a linguagem poética é tão única que se renova e se constitui a cada texto, com cada autor – uma universalização de particularidades. Porém, com isso não se deseja limitar a compreensão do objeto poético; há em sua estrutura intersecções com o uso comum da língua que fazem com que o conhecimento prévio do leitor seja recuperado, promovendo o movimento do encontro. (GEBARA, 2002, p.33)
3. Letramento literário
Um dos eixos propostos para a abordagem curricular de língua portuguesa é o de
letramento literário. O conceito de letramento vem sendo muito discutido e apresentado
como uma alternativa mais adequada para contrapor o conceito de alfabetização,
entendido aqui como um estudo e aquisição dos mecanismos que permitem a aquisição
de leitura pretensamente sem a necessidade de um contexto social, de forma
descontextualizada. Já o letramento implica uma compreensão do uso da língua em seu
contexto social superando a leitura decodificada das palavras alheias a um contexto de
uso real. Trata-se da apropriação dos sentidos presentes em cada interação comunicativa
durante o processo de aquisição da língua enquanto código compartilhado por uma
comunidade.
O letramento literário considera a apreciação e aquisição de competências
leitoras no âmbito dos textos literários, os quais exigem habilidades específicas para
compreensão devido à linguagem mais subjetiva e metafórica que utilizam. De acordo
com os Parâmetros para a educação básica de Pernambuco, documento orientador do
currículo de língua portuguesa, essa proposta de letramento literário:
(...) ajuda-nos a pensar a formação do leitor de literatura como um processo que inclui mais do que a construção de habilidades de leitura e interpretação de gêneros literários. Leitores de literatura são leitores que aprenderam a gostar de ler literatura e o fazem por escolha, pela descoberta de uma experiência de leitura distinta, associada ao prazer estético. São leitores que descobriram também o valor da literatura. (CAED, 2012, p. 86)
Metodologia
A proposta deste projeto foi fomentar a leitura de poesia entre os estudantes do
primeiro ano do ensino médio. Uma leitura significativa de poesias que os instigasse a
também escrever poemas. O público alvo da experiência foram duas turmas de alunos
do primeiro ano do ensino médio, totalizando oitenta e dois estudantes de uma escola da
rede estadual de Pernambuco, localizada na cidade de Surubim, mesorregião do agreste
pernambucano. A escola faz parte do programa de escolas de referência em ensino
médio em tempo integral tendo seu tempo de aula ampliado em dois contraturnos. A
carga horária de língua portuguesa é de seis horas aulas semanais.
A proposta curricular é trabalhar a língua materna a partir dos seguintes eixos:
oralidade, escrita, letramento literário e a análise linguística permeando os demais eixos.
Ou seja, o foco do trabalho metodológico são os textos, a análise do discurso. Em torno
do texto giram as abordagens de análise, compreensão e produção textual tanto oral
quanto escrita. O letramento literário se dá na escolha de gêneros literários que
compõem o conjunto de textos em análise envolvendo sua contextualização histórica. O
eixo de análise linguística não é trabalhado isoladamente, ele perpassa os demais eixos
como complementação para a melhor compreensão do gênero textual. Os parâmetros da
educação básica do estado de Pernambuco orientam e normatizam esta prática curricular
que prescreve o deslocamento da prática de metalinguagem para um segundo plano e
que a ênfase seja o desenvolvimento de competências leitoras para a formação de
usuários proficientes na língua.
Em substituição aos exercícios de nomeação e classificação dos recursos da língua, em lugar dos estudos normativos, os estudantes são envolvidos em atividades de análise e reflexão sobre o seu uso e funcionamento em textos e contextos diversos, tendo em vista seu aprimoramento como leitor, ouvinte, falante e escritor. As práticas de ensino de linguagem articulam, portanto, atividades que contemplam os usos da língua e atividades de reflexão sobre esses usos. (CAED, 2012, p.16)
A atividade de leitura é indispensável ao trabalho e desenvolvimento de todos os
eixos curriculares. Está na base de muitas habilidades e competências que necessitam
ser desenvolvidas nos educandos. No entanto, as dificuldades encontradas para
aproximar o jovem aprendiz dos textos e desenvolver-lhe o hábito da leitura são
inúmeras. Ainda mais por se almejar uma leitura proficiente que ultrapasse e supere a
simples decodificação das palavras.
A linguagem poética por seu caráter polissêmico permite uma prática de leitura
descentralizada de questões interpretativas nas quais a tônica gira em torno do certo ou
errado. A partir de um texto como o poema é possível traçar com o sujeito-leitor
possibilidades de interpretação que não se esgotam, cada uma delas baseada nas
próprias experiências prévias. A proposta foi apresentar poemas aos educandos e
convidá-los a expressarem-se utilizando os mesmos recursos poéticos, incentivando-os a
superarem suas dificuldades linguísticas e orientando-os quanto às adequações
necessárias. Segundo Sorrentine (2009, p. 52) “O fazer poético pode estar ao alcance de
todos... A poesia é um espaço de liberdade. Entre tantas formas de poesia, certamente
haverá uma que vai fascinar o nosso aluno.”
O desafio inicial foi apresentar o poema como uma alternativa de leitura que
possibilitasse a fruição leitora e a aproximação desse público do universo poético,
cativando-o. Em visita a biblioteca escolar eles tiveram contato com livros de poesias
para experimentar e degustar livremente. As visitam ocorriam durante as aulas de língua
portuguesa e contavam com a orientação e acompanhamento da bibliotecária na
sugestão de títulos.
Iniciaram-se as atividades em classe com a construção dos conceitos
pertencentes ao universo poético. Os estudantes foram questionados e instigados a
descobrir os conceitos de termos como poema, poesia, verso, estrofe, rima, ritmo, poeta,
eu lírico. Depois de pesquisa preliminar, os conceitos foram construídos coletivamente
com a socialização dos resultados das pesquisas e debates.
Poemas foram analisados de acordo com a técnica e temática, comentando-os
em debates durante as aulas.
Seguiram-se algumas oficinas: leitura de poemas, recital, composição de quadras
poéticas. As quadras eram posteriormente socializadas com a declamação pelo autor
para apreciação dos colegas. A cada atividade os educandos eram convidados a expor
sua descoberta e\ou criação com os colegas. A leitura-declamação foi uma das
atividades que mais os desafiou devido ao receio de se expor. Ler ou recitar para os
colegas é algo difícil para alguns estudantes. Com paciência, incentivos e argumentação
foi possível vencer a resistência da maioria dos estudantes. À medida que conseguiam
superar esta dificuldade, sentiam-se mais confiantes.
Para desafiar-lhes o fazer poético, uma proposta simples, mas
significativa à medida que propõe uma reflexão sobre si mesmo: escrita de acrósticos. O
acróstico é um tipo de poema no qual as primeiras letras de cada verso (ou as do meio)
formam verticalmente uma palavra ou conceito. Primeiramente os alunos participaram
de uma palestra com o escritor Luiz Antonio Medeiros1 versando sobre poesia e
acrósticos. O referido escritor é conhecido na cidade por sua habilidade em acrósticos e
seu carisma como professor. Introduziu os estudantes no universo lúdico dos acrósticos,
improvisando vários com os nomes dos estudantes presentes. Após a palestra os alunos
foram convidados a criar um acróstico com seu próprio nome ou nome de alguém muito
próximo que quisessem homenagear. A proposta era descrever-se ou a uma pessoa
querida de forma inusitada, refletindo sobre suas características mais marcantes. A
proposta era expressar a si mesmo poeticamente. A atividade foi bem recebida pela
maioria e realizada por todos. À medida que cada um construía sua descrição poética
arrebatava os mais relutantes em realizá-la também. A atividade mostrou-se muito
1 Luiz Antonio Medeiros professor, escritor e palestrante. Radicado em Surubim. Foi secretário de educação municipal entre 1989 a 1992. Na área de poesia publicou “Se eu não tivesse que falar” (1983) e Acrósticos (2006) e I Antologia de poetas surubinenses (2009).
enriquecedora por permitir à professora e aos colegas conhecer nuances de cada
estudante que muitas vezes estavam encobertas.
Com as produções dos alunos construiu-se um varal de poesias que foi exposto
por ocasião do II Sarau Literário da escola com o tema “A poesia está no ar”. Neste
sarau realizado no dia 31 de outubro, dia nacional da poesia, vários alunos declamaram
poemas de sua própria autoria. As composições poéticas dos estudantes
impreterivelmente versavam sobre os temas que mais os instigam nesta fase que estão
vivenciando: amor, solidão, descoberta, aceitação.
Segue exemplo de um dos acrósticos produzidos:
Numa madrugada silenciosaAcordamos de sonhosTentando relembrar um passado recenteHoje sei o que sinto por vocêA suavidade do seu caminharNas manhãs dos meus dias
O estudante revela de forma singela seu sentimento por alguém, esse sentimento
é descrito como algo que o inunda de paz e serenidade com termos como: “madrugada
silenciosa e suavidade do seu caminhar”
Outra atividade vivenciada foi a participação de alguns estudantes num evento
promovido pela ALA (Associação de Letras e Artes de Surubim) e a Câmara Municipal
chamado Café com Poesia. Trata-se de um sarau literário periódico que sempre
homenageia um escritor conterrâneo. Nesta ocasião o escritor homenageado foi Ailton
Elisiário de Sousa, atualmente radicado em Campina Grande – Paraíba. Os alunos
participaram do evento recitando poemas de sua própria autoria e encantando os
presentes. A participação no evento proporcionou aos alunos um reconhecimento de si
mesmos como escritores aprendizes com limitações e potencialidades.
O projeto finalizou-se com a participação dos estudantes que se destacaram na
produção poética e aqueles que já possuíam poemas autorais no II Sarau Literário da
EREM Severino Farias com o tema “A poesia está no ar.” Eles recitaram seus poemas
para um público composto por colegas, convidados, funcionários e estudantes de outras
escolas. O evento também contou com apresentações musicais e teatro. Realizado no dia
trinta e um de novembro, o evento trata-se de uma iniciativa da escola, coordenado
pelos professores da área de linguagens para vivenciar o dia nacional da poesia. A
escolha da data homenageia o poeta e escritor modernista Carlos Drummond de
Andrade. A lei foi promulgada pela então presidente Dilma Rousseff em três de junho
de dois mil e quinze.
Os poemas autorais foram recitados pelos próprios alunos tendo como público
seus colegas, professores e escritores convidados.
Como ilustração, segue um dos poemas recitados de autoria de uma estudante
do 1º ano do ensino médio envolvida no projeto.
Lembranças Boas(Yantcha Cordeiro Barbosa)
E as tristezas dessa vida, quero esquecer.Esquecer meu passado e o presente viver,
Pois o passado para trás deve ficar,E só lembranças boas no meu coração permanecerão.
Sei que a vida não é fácil para ninguém,Mas nada é por acaso e você vai além,
Além dos seus sonhos sei que vai conseguirAquilo que o destino lhe reservou, ninguém vai impedir.
Você não está sozinho, eu estou aqui,Sempre que precisar vou estar ali,
Ali perto de você,Vou estar presente para te dizer.
Que as tristezas dessa vida devemos esquecer,Esquecer o passado e o presente viver,
Pois o passado para trás deve ficar, E só lembranças boas devemos guardar.
Comentando a temática do poema “Lembranças boas”: o eu lírico cita dissabores
e dificuldades vivenciados durante a vida, mas assume um tom positivo e otimista sobre
o presente e o futuro. Acredita ser possível escrever a própria história, atribui valor as
dificuldades vivenciadas como parte do processo de crescimento “Sei que a vida não é
fácil para ninguém, mas nada é por acaso e você vai além.” Numa primeira leitura
poderíamos dizer que o eu lírico dirige-se a um interlocutor imaginário situado na
pessoa do leitor: “Você não está sozinho, eu estou aqui.” No entanto, conhecendo a
jovem escritora é possível perceber traços autobiográficos no poema e em realidade ela
poderia estar aconselhando e animando a si mesma.
As declamações provocavam a plateia que ovacionava a cada poema. Isso
permitiu consolidar um sentimento de pertencimento dos estudantes participantes assim
com um incremento em sua autoestima.
As composições poéticas dos estudantes são simples, sem grande complexidade
na abordagem do tema. Estilisticamente há um longo caminho a ser percorrido, mas o
mérito aqui se trata de permitir essas experimentações aos alunos, dar-lhes voz e vez.
Fazê-los sentirem-se protagonistas.
E assim a linguagem poética cumpre seu papel de permitir dizer, de expressar-se
de forma plurissignificativa; o poema nunca estará completo de sentido para o leitor,
sempre caberá mais uma interpretação.
Considerações Finais
O trabalho com poesia para fomentar a leitura de estudantes oferece algumas
dificuldades a mais que o trabalho com textos em prosa. Uma delas é decorrente da
linguagem poética que não permite mensurar adequadamente a compreensão do
educando através de perguntas fechadas de tipo certo ou errado. O professor deverá
estar mais atento não à resposta em si, mas em como o estudante construiu aquela
interpretação; sua argumentação baseada em conhecimentos prévios fornecerá os
elementos para avaliar sua compreensão leitora. A linguagem poética permite essa
liberdade interpretativa. De acordo com Gebara (2002) o texto literário torna-se mais
difícil de compreender devido à opacidade da linguagem, mas isso promove no leitor
uma atenção maior as pistas e inferências que permitam a interpretação, a cooperação
entre texto e leitor. O leitor do livro de poesia pode estar separado do autor pelo tempo,
pelo espaço o que define diferentes perspectivas de interpretação e compreensão.
Outra dificuldade é vencer a resistência dos estudantes em falar, exporem-se,
participarem. Ler um simples poema em voz alta para os colegas pode ser considerado
uma façanha para muitos alunos por diversos fatores (timidez, dificuldade de leitura,
insegurança, bullying, etc), mas quando superada produz uma sensação de satisfação
visível.
Outro ponto difícil de mensurar é o incremento do hábito de leitura neste tipo de
texto. Quando a leitura é em prosa é mais facilmente constatável o incremento e
assiduidade de leitura. Leem-se os capítulos de um romance, termina-se e inicia-se outro
e outro... Mas com o poema é um pouco diferente. Lê-se um poema, talvez dois ou três
e reflete-se sobre eles, sobre suas mensagens, memoriza-se para trazê-los sempre como
citação ou fonte de inspiração. Não se costuma ler um livro de poemas, depois outro e
depois outro. Trata-se de uma leitura mais subjetiva, reflexiva, descompassada.
Os estudantes estão lendo mais poemas? Difícil responder com certeza. Além
dos livros impressos, existem outros suportes digitais que permitem a fruição de poemas
e seu uso escapa a percepção do professor no ambiente escolar.
Mas existem outros indicadores que motivam e atestam a pertinência e êxito
deste trabalho e puderam ser constatados pela professora pesquisadora em seu contato
constante com as turmas:
*Os estudantes não exibem mais expressões de caretas ou temor quando se menciona
poesia em sala de aula;
* Os estudantes exibem um vocabulário repleto de expressões como: verso, rima,
estrofe, metáfora, eu lírico com certa propriedade;
* Os estudantes leem para os colegas e compartilham poemas de sua preferência e\ou
autoria com mais desenvoltura e naturalidade;
* E aquele que me parece o mais gratificante de todos os resultados: eles escreveram e
escrevem versos, quadrinhas e se expressam utilizando a linguagem poética. Uns com
mais propriedade, outros nem tanto. Mas o importante é que sabem que podem fazê-lo,
que são capazes. Isto é o mais significativo: mostrar-lhes as possibilidades, provocá-los
a se expor, a acreditarem em suas potencialidades.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Carlos Drummond. Procura da poesia. In. A rosa do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Disponível em:https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13222.pdfAcesso em 12 nov. 2017
CAED. Parâmetros para a educação básica do estado de Pernambuco – Língua Portuguesa. 2012. Disponível em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/upload/galeria/4171/lingua_portuguesa_ef_em.pdfAcesso em 08 out. 2017.
GEBARA, Ana Elvira Luciano. A poesia na escola – leitura e análise de poesia para crianças. São Paulo: Cortez, 2002.
PAES, José Paulo. Convite. Disponível em: http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/pinf/pinf0118.phpAcesso em 07 set. 2017
PCNs – Ensino Médio, Parâmetros Curriculares Nacionais. 2000. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdfAcesso em 12 nov. 2017
SORRENTI, Neusa. A poesia vai à escola – Reflexões, comentários e dicas de atividades. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.