jesus cristo e seu discurso acerca da incredulidade...
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Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
JESUS CRISTO E SEU DISCURSO ACERCA DA INCREDULIDADE JUDAICA: UMA REPRESENTAÇÃO DIALÓGICO-DISCURSIVA A
PARTIR DO RELATO DO EVANGELISTA JOÃO
Wilder Kleber Fernandes de Santana1 UFPB/Proling/Gplei
Introdução
Uma das premissas de base do pensamento bakhtiniano é o de que a
linguagem é uma atividade que tem sua situação histórica e social concreta no
momento da atualização dos enunciados, sendo essencialmente heterogênea. Além
disso, essa concepção de linguagem é centrada nos interlocutores, apresentando,
dessa forma, seu caráter ativo no ato verbal em que o discurso é produzido.
Trazendo a afirmação de que “a enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV 2012, p. 116),
concordamos com o fato de que todo e qualquer texto, seja ele verbal ou não-verbal,
tem uma natureza social interativa, pois quem o produz tem uma intenção
comunicativa. Como afirma Bakhtin (2011, p. 282), “A vontade discursiva do falante
realiza-se antes de tudo na escolha de um certo gênero de discurso.” (grifos do autor).
Assim, é se inserindo e se aprofundando em um projeto de investigação a
respeito dos discursos humanos e da interação entre esses seres no processo de
comunicação que surge(m) o(s) conceito(s) de dialogismo, para Bakhtin. De acordo
com este teórico,
1 Wilder Kleber F. Santana é Licenciado em Letras-Português (UFPB) e Bacharel em Teologia (Faculdade
Nacional Teológica). Atualmente faz mestrado em Linguística e em Teologia. Participa do Gplei, grupo de Estudos da Interação que tem como base os estudos de Bakhtin.
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A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo
o discurso. Trata-se da orientação natural a qualquer discurso vivo.
Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o
discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de
participar, com ele, de uma interação viva e intensa. (BAKHTIN, 1988,
p. 88)
Analisando o texto acima, percebemos que a língua, em seu vivenciamento, e
em sua totalidade concreta, tem propriedade de ser dialógica. Dessa forma, quando
reportamos nossa centralidade para o(s) sujeito(s) dialógico(s), percebemos que seus
discursos só existem na forma de enunciações concretas, por serem constitutivamente
os sujeitos do discurso. Para Santana,
Os enunciados concretos, como unidade real da comunicação,
ocorrem a partir da alternância dos sujeitos dos discursos, isto
porque o sujeito termina seu enunciado para passar a palavra ao
outro, tornando-se um ser responsável e participativo pelo que
enuncia, um agente produtor de sentidos dos discursos produzidos
socialmente em situações concretas. (SANTANA, 2014, p. 2)
Dentro de uma perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem, esta análise
pretende investigar a representação do sujeito a partir do uso que faz do discurso de
outrem, analisado sob a forma de diferentes esquemas sintático-semânticos de sua
recepção/transmissão, e dos usos de enunciados em uma situação enunciativa
específica, como a do gênero discursivo exposição oral. Procuramos observar as
possibilidades de sentido presentes em seu discurso, na busca de averiguar como
ocorre a apreensão das vozes sociais pelo sujeito e observando os efeitos discursivos a
partir dos enunciados que se atualizam. Sob o viés do dialogismo, buscamos, assim,
discorrer sobre o discurso religioso.
Desse modo, buscamos compreender como se dá o processo de construção do
discurso do sujeito no desenvolvimento do evento enunciativo expositivo, procurando
traçar o percurso dialógico da produção de sentidos, que se traduz em uma sequência
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de sobreposição de vozes. Estas últimas, articuladas sob as mais variadas formas,
constituem o autor e seu discurso.
A pesquisa é de caráter bibliográfico e documental e o corpus constitui-se de 4
(quatro) versículos bíblicos relatados por João, em seu evangelho, acerca de palavras
de Jesus Cristo. A exposição oral geralmente se realiza numa situação de comunicação
específica em que o expositor une-se, pela interação verbal, ao(s) seu(s)
destinatário(s). Dessa forma, a exposição oral é caracterizada por conter diferentes
formas de presença do outro, ou seja, presença de diversas vozes sociais, estas
resultantes de relações interdiscursivas. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de cunho
qualitativo-interpretativo.
A análise deste trabalho tem como base a Teoria da Enunciação de Bakhtin e o
Círculo (2011, 2012) e os postulados da Análise Dialógica do Discurso, representada
por trabalhos de alguns estudiosos em terreno brasileiro como Faraco (2003), Brait
(2005), Fiorin (2006) e Sobral (2009). A princípio, abordaremos acerca do conceito de
dialogismo bakhtiniano caracterizado como princípio constitutivo da linguagem. Em
seguida, discorreremos sobre o discurso do sujeito Jesus Cristo para, posteriormente,
analisar a sua representação no gênero em questão.
1. O dialogismo: princípio constitutivo da linguagem
A natureza dialógica da linguagem, como definição teórica, desempenha papel
de imenso valor nas obras de Bakhtin e do Círculo. Para Brait (2005, p. 87), “A busca da
compreensão das formas de produção do sentido, da significação e as diferentes
maneiras de surpreender o funcionamento discursivo impeliram Bakhtin na direção de
uma ética e de uma estética da linguagem”. No olhar desta autora, essas questões
surgem nas reflexões de Bakhtin, a partir de conceitos que comportam o que
definimos, atualmente, de dialogismo, interdiscurso, heterogeneidade e polifonia
(dentre outros), ainda que essas nem sempre correspondam a palavras estabelecidas
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pelo autor. Esses conceitos compõem, de certa forma, as sínteses das ideias que estão
presentes nos trabalhos do filósofo russo.
O dialogismo, no olhar dos integrantes do Círculo, é considerado o princípio
constitutivo da linguagem, em sua dimensão concreta, real, viva. Nesta perspectiva,
segundo Sobral (2009, p. 32),
essa concepção é chamada de dialógica porque propõe que a
linguagem (e os discursos) têm seus sentidos produzidos pela
presença constitutiva da intersubjetividade (a interação entre
subjetividade) no intercâmbio verbal, ou seja, as situações concretas
do exercício da linguagem. (SOBRAL, 2009, p. 32)
Assim, Bakhtin/Volochinov (2012), ao abordarem a língua em sua natureza
real/viva, consideram que esta não é um sistema abstrato de formas linguísticas
(fonéticas, gramaticais e lexicais), mas a entendem a partir desses elementos
linguísticos num contexto concreto preciso, numa enunciação particular.
Neste viés interpretativo, diferentemente de Saussure (e dos que se vinculam à
perspectiva do objetivismo abstrato), que desconsidera a fala e apenas vê a língua
como um sistema fechado de formas normativas imutáveis, Bakhtin/Volochinov (2012)
prestam valor ao aspecto social da fala, estando esta última intimamente ligada à
enunciação, abordando a intersubjetividade e, consequentemente, a interação verbal.
Para os teóricos russos,
Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado,
ele será determinado pelas condições reais da enunciação em
questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata.
Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos
socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor
real, este pode ser substituído por um representante médio do grupo
social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um
interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo
social ou não... (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2012, p. 116) (Grifos do
autor).
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Em outras palavras, são as situações concretas e reais na esfera comunicativa
de interação que determinarão o aspecto e o sentido de toda a palavra lançada,
direcionada, dirigida.
É nosso interesse específico compreender o processo de representação do
sujeito discursivo, fundado o fato de que existam divergentes maneiras de se
representar o discurso de outrem no plano enunciativo. Dessa forma, iremos adentrar
no entendimento de como se constitui e de como se re(a)presenta o sujeito discursivo
Jesus Cristo em seu discurso acerca da incredulidade judaica.
Nesse direcionamento, Sobral (2009, p. 54) afirma que, segundo o Círculo, “(...)
o sujeito é essencialmente um agente responsável pelo que faz, agente que, em suas
relações sociais e históricas com outros sujeitos igualmente responsáveis (inclusive
apesar de si mesmos), constitui a própria sociedade sem a qual ele mesmo não existe”.
“O sujeito, dessa forma, constitui um agente mediador entre os sentidos socialmente
possíveis e os discursos produzidos em situações concretas”. (SANTANA, 2015, p. 592).
Centrados na afirmativa de que um texto sempre dialoga com outro texto,
compreendemos a linguagem como o meio de interação comunicativa pela qual se
estabelece a produção de efeitos de sentidos entre interlocutores, em uma dada
situação comunicativa e em um contexto sócio-histórico e ideológico. Assim, podemos
conceituar os gêneros discursivos como fenômenos históricos, profundamente unidos
à vida cultural e social, que cooperam para que as atividades comunicativas sejam
concretizadas. (Grifos nossos).
Nessa perspectiva, elencamos a exposição oral como gênero discursivo a ser
estudado e analisado. Vejamos o que consta no trabalho de Teixeira, Blasque e Santos
sobre este gênero:
A exposição oral deve ser tratada como objeto de ensino de
expressão oral... Em alguns casos a exposição vem de uma longa
tradição e é constantemente praticada... Assim, a exposição
permanece como uma atividade tradicional... Ao citar as
características gerais do gênero pode-se dizer, segundo Dolz,
Schneuwly et alli (2004), que a exposição é um discurso que se realiza
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numa situação de comunicação especifica chamada de “bipolar”,
unindo o orador ou expositor e seu auditório, assim, a exposição
pode ser qualificada como um espaço-tempo de produção onde o
enunciador vai ao encontro do destinatário, através de uma ação de
linguagem que veicula um conteúdo referencial. Mas, se esses dois
atores encontram-se reunidos nessa troca comunicativa particular
que é a exposição, a assimetria de seus respectivos conhecimentos
sobre o tema da exposição os separam: um representa o
“especialista”, o outro, se caracteriza como alguém disposto a
aprender algo (TEIXEIRA et al. 2008, p. 1-2).
Refletindo sobre o exposto, selecionamos aqui o discurso de Jesus sobre a
incredulidade dos judeus.
2 O sujeito Jesus Cristo e sua exposição oral sobre o a Incredulidade Judaica
Vejamos primeiramente o contexto em que se encontrava Jesus Cristo, no
momento em que começou a expor, oralmente, seu discurso acerca da incredulidade
judaica. Conta-nos a narrativa joanina que o sujeito, o qual chamavam Mestre, havia
ido próximo à porta das ovelhas, junto aos seus discípulos, quando subiu a Jerusalém,
lugar em que ocorrera a cura de um paralítico de Betesda (Jo 5). Pelo fato de Jesus
curar no dia de sábado, começou a ser perseguido pelos judeus (Jo 5,16), que
procuravam mata-lo (Jo 5,17). Em meio a um grande sermão que Jesus começou a
proferir para aqueles, acerca de dependência de Deus, respeito ao Pai, ressurreição e
glória humana, adentra a falar acerca da falta de crença no Divino:
V. 44_ Como podeis vós crer2, recebendo honra3 uns dos outros, e
não buscando a honra que vem só de Deus?
2 A partir de um amplo estudo realizado por Vine/ Unger/ White Jr. (2013, p. 518), “pisteuõ, “crer”,
também “ser persuadido de” e, por conseguinte, “por a confiança em, confiar”, significa, nesse sentido de palavra, confiança e não mera crença. É muito frequente nos escritos do apóstolo João sobretudo no Evangelho”. Então, acerca dessa passagem específica, F. F. Bruce (2011, p. 128) nos esclarece que “o
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Analisando o construto, enxergamos que o sujeito Jesus Cristo repreende os
judeus, apresentando razões para o fracasso destes últimos. Inicia Jesus o seu discurso
indagando aquele grupo judaico sobre a sua crença. Como poderiam crer no Pai, se
prestavam e recebiam honra uns dos outros? Os termos “como podem crer,
recebendo honra”, nesse sentido, provém do grego doxa, e ganha significação com
relação a aprovação. Em outras palavras, o enunciado de Jesus soaria como vocês
podem aprovar essa atitude de crer uns nos outros?
Na verdade, as próprias atitudes dos referentes revelavam que seria impossível
eles crerem em Deus, pois estavam todos os judeus confundidos4 em sua crença. De
acordo com o apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos, “...todo aquele que nele
crer não será confundido” (Romanos 10,11). Por sua vez, os judeus “amavam mais a
glória dos homens que a glória de Deus” (João 12, 43), e isso acarretava más
consequências para eles, ao ponto de não serem considerados filhos do Pai. A partir do
relato de João, em seu Evangelho, ser filho de Deus é uma posteriori da crença: “a
todos quanto o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se
tornarem filhos de Deus” (João 1,12). [Grifos nossos]. Então o emissor continua:
V. 45_ Não cuideis que eu vos hei de acusar para com o Pai5. Há um
que vos acusa, Moisés, em quem vós esperais.
tempo do verbo crer é aoristo (pisteusai, aoristo infinitivo); por isso pode ser que o ato inicial de crer esteja aqui: “Como vocês podem por sua fé (em mim)?” 3 Do grego time (τιμή), primariamente “avaliação, apreço, valorização”... nesse caso usado em
atribuições de valoração ou importância prestada aos homens, num ato de centralização humana, antropo. De acordo com Vine/ Unger/ White Jr. (2013, p. 695), nesse caso, o termo provém de “doxa (δόξα), “glória”, traduzido por “honra” em Jo 5, 44, assim como em II Coríntios 6, 8”. 44
Havia um grande motivo para que os Judeus estivessem confundidos: a desobediência. Desde o Antigo Testamento Deus falara muitas vezes acerca de obedecer, e estes procuravam outro caminho. Em um breve percurso Bíblico podemos enxergar que Deus enviou o seu terror confundindo a todo o povo (Êx. 23,27), e muitas vezes anunciava antecipadamente (Sl 2,5/ Sl 83,17). O salmista anuncia que seriam confundidos todos o que servissem a imagens (Sl 97,7). Porém, o apóstolo Paulo nos direcionará para o fato de que a Esperança em Deus não confunde (Rm 5,5), e todo aquele que crer na Pedra de Sião – representação do próprio Jesus – não será confundido (Rm 9,33). 5 Para Bruce (2011, p. 128), “... a descrença deles acarretaria juízo certeiro, mas o Filho do homem não
seria seu acusador, nem a testemunha principal. Se decidisse sê-lo, seria muito mal para eles; mas ele tinha vindo para salvar, e não para julgar”.
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A partir desta enunciação do sujeito, compreendemos que não há uma
obrigatoriedade, nem muito menos uma preocupação/predisposição por parte de
Jesus em denunciar os judeus. Cristo, como sujeito falante, não precisaria acusar
aquela massa judaica, apontando os seus erros (pela lei da graça), pois a própria
doutrina Mosaica, que eles carregavam em suas pregações, trataria de acusá-los.
No primeiro instante do período, quando é anunciado Não cuideis que eu vos
hei de acusar para com o Pai, esse termo “Pai” traz consigo toda uma carga de
autoridade, revestimento de “poder”, liberdade na (re)ação. Ou seja, Jesus – na
posição de homem/filho em que se encontrava – não precisaria invocar/convocar
nenhum tipo de autoridade, porque a própria doutrina de seguimento dos judeus iria
denunciá-los. “A principal testemunha de acusação seria alguém que eles veneravam
profundamente. Moisés, através de quem Deus lhes tinha dado a lei na qual se
baseavam... é quem testemunharia contra eles” (BRUCE, 2011, p. 128). Paulo,
mediante sua carta aos Romanos, nos conferirá que “Todos os que sob a lei pecaram,
sob a lei serão julgados” (Rm 2,12).
Também acerca de julgar, o próprio Jesus nos declara, a partir da escritura de
João, que quem haveria de julgar seria a Palavra (Jo 12, 47-48) e não ele mesmo (na
posição de Pai), porque ao Filho fora dado todo o juízo (Jo 5, 22) – através do ato de
enunciar e proclamar as escrituras sagradas (a Lei).
É então que se coloca a segunda parte da enunciação: Há um que vos acusa,
Moisés, em quem vós esperais. A partir dessa linha expositiva, compreendemos que, o
fato de os judeus gloriarem uns aos outros, ao invés de prestarem honra a Deus, fazia
com que eles estivessem transgredindo a própria lei através da qual se pronunciavam,
da qual erguiam a bandeira. O termo Moisés, nesse caso, por representar e significar a
Lei dada ao povo de Israel, trata-se de uma metonímia, pois para Rocha Lima (1996, p.
506), “metonímia consiste em considerarmos o efeito pela causa; o autor pela obra”.
Bechara (2009, p. 397) nos dirá, acerca dessa figura de linguagem, que “ocorre uma
translação de significado pela proximidade de ideias” entre as palavras, “não porque
são sinônimas, mas porque uma evoca a outra” (SEGALLA, 2008).
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O enunciador, ao colocar Moisés como figura central diante da falsa crença
judaica, recupera toda a lei a qual este último havia escrito, na maior parte do
pentateuco, e lança para os judeus: a própria lei que pregavam os condenaria. Ao fazer
isso Jesus reconstrói uma perspectiva judaico-cristã retomando e reconfigurando
aspectos existentes no Antigo Testamento.
...Moisés, em quem vós esperais. Quanto ao uso dessa palavra
esperais, ao elenca-la, Jesus embebe todo um discurso provindo de
Deus (cf. Fiorin6), para construir o seu. Em grande parte do Antigo
Testamento, e também do Novo, percebemos que a ordem de Deus,
e seus conselhos, seriam para que todo o povo de Israel esperasse
nele, ou seja, descansasse em suas Palavras, cresse/confiasse em
suas promessas. Podemos recuperar isso em exemplos notórios nos
salmos e em algumas epístolas neotestamentárias: Esforçai-vos, e ele
fortalecerá vosso coração, vós todos que esperais no Senhor (Sl
31,24)/ Descansa no Senhor, espera nele... (Sl 37,6)/ ...Espera em
Deus... (Sl 42,5/ 43,5)./ Esperai inteiramente na graça que se vos
ofereceu na revelação de Jesus Cristo (I Pe 1, 13).
Portanto, o fato de os judeus esperarem apenas em Moisés entra em
contraponto com a crença em Deus, e a partir disso se enraíza se propaga a
enunciação proferida pelo sujeito agente.
V. Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de
mim escreveu ele.
V. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas
palavras? (João 5: 46-47)
De acordo com as palavras do Cristo, se verdadeiramente os judeus seguissem
e vivessem a lei Mosaica (instituída por Deus), creriam também nele, emblema do
Deus na terra (cf. João 1,1). Entre todas as escrituras antigas que os judeus
6 dirá Fiorin (2006, p. 19): “...o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de
outrem, que está presente no seu. Por isso, todo o discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio. O dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados.” (FIORIN: 2006, p. 19)
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examinavam, na crença em que encontrariam a Vida Eterna, as que mais davam
atenção eram ao conjunto do Pentateuco, conteúdo pleno da Lei Mosaica. Porém, se
buscassem praticar o conteúdo existente nos papiros referidos – instituídos por Moisés
–, aceitariam o testemunho de Cristo, que vinha cumprindo toda a Lei. Conforme se
nos evidencia no interdiscurso bíblico, como os judeus rejeitavam a prática de Cristo,
estavam também mostrando repudia pelas práticas de Moisés e dos profetas, os quais
o haviam prenunciado. Nisto reside a sua própria condenação: em pregar e não
cumprir o que se pregou.
Porque de mim escreveu ele. Acerca de Jesus, Moisés havia falado
muitas vezes, prenunciando a sua vinda à terra, em enunciados que
elencam inimizade (Gn. 3,15), bênção familiar em Jesus (12,3), poder
eterno conferido ao Cristo (49,10) e o levante de um grande profeta
(Dt 18, 15-18).
V. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas
palavras? (João 5: 46-47) Como poderiam crer no libertador do povo
de Israel do Egito, e não crer naquele que o fez libertar? Por esse
motivo eram incrédulos.
Nessa linha interpretativa, os testemunhos de Moisés e de Jesus estão tão
inter-relacionados (cf. Bruce) que a crença em um acarreta na fé no outro. A rejeição a
um significa estar se opondo ao outro. Jesus Cristo, como símbolo da Aliança
sempiterna, não veio para anular as leis (neste caso, instituídas por Moisés) e os
profetas, mas para cumpri-las (Mt 5,17). As promessas que Deus fizera através de
Moisés cumprira em Jesus. Ao abnegarem as palavras proferidas pelo sujeito
enunciador Jesus, automaticamente os judeus excluíram os ditos outrora outorgados
pela legislação mosaica, pois aquelas palavras consistem nesses ditos (ressignificados).
Acerca disso, podemos nos transpor para o último enunciado proferido por Abraão ao
homem rico, de acordo com o relato de Lucas (16,31): “Se não ouvem a Moisés nem
aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”. Ou seja,
se a massa judaico-farisaica nem a sua própria lei de segmento (mosaica) cumpre,
muito menos prestaria ouvidos aos milagres realizados por Cristo.
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3. Uma breve concepção dialógica do sujeito Jesus Cristo
Jesus, como enunciador, para constituir seu discurso, leva em conta o discurso
de outrem, utilizando-o no seu. Essa nova enunciação confere caráter de valoração
para a vivência da lei da Graça, em que Cristo reage responsiva e responsavelmente a
outros discursos fortes e hegemônicos que reinavam naquele contexto sócio-histórico.
Jesus não estava apenas querendo ser claro e ser entendido, mas ‘desfazer’ mesmo
um outro discurso que estava em ‘alta’ ali. Isso é arena, lugar de conflito dialógico-
ideológico.
Para Sobral (2009, p. 51), o sujeito, dentre outras características que o
constituem, é aquele que
Age sempre (o que inclui todos os seus atos: cognitivos, verbais etc.)
segundo uma avaliação/ valoração daquilo que faz ao agir/falar, e
pela qual se responsabiliza, e o faz a partir tanto da identidade que
forma e vê reconhecida como das coerções que suas relações sociais
lhe impõem ao longo da vida e que vão alterando essa identidade
que ele veio a formar. (SOBRAL, 2009, p. 51).
Neste instante, o sujeito falante teve o intuito de enunciar através de
repreensão porque era necessário, alguns daqueles interlocutores precisavam escutar
para que compreendessem, pois estavam sob descrença e desobediência. Isso é ser
responsável pelo seu falar enunciar responsavelmente, existindo um querer-dizer por
parte do enunciador, e ao mesmo tempo um querer-ocultar através de seu dizer. Vale
ainda dizer que, neste momento em que Jesus enunciou seu sermão, vários
enunciados ficaram permeáveis à sua expressividade, ou seja, seu discurso poderia ter,
para os judeus, mais de um sentido ou significado.
Acerca deste aspecto, afirmará Bakhtin (1997):
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Enquanto falo, sempre levo em conta o plano aperceptivo sobre o
qual a minha fala será recebida pelo destinatário; o grau de
informação que ele tem da situação, seus conhecimentos
especializados na área de determinada comunicação cultural, suas
opiniões e suas convicções... pois é isso que condicionará sua
compreensão responsiva do meu enunciado (BAKHTIN 1997, p. 321).
Por fim, podemos afirmar que a individualidade de Jesus, como sujeito
dialógico, é marcada na expressão de seu querer-dizer, de sua projeção discursivo-
ideológica, ressignificando seu discurso sob embasamento histórico-social e jurídico
(no que concerne à Lei Mosaica), assim materializando sua potencialidade para o
diálogo.
4. Considerações finais
Vez que a fala do emissor é externada e saturada de enunciação, o discurso
sobre a incredulidade Judaica é refabricado por Jesus Cristo no contato que estabelece
com a realidade sócio-histórico-ideológica dos interlocutores que o recebem. Assim,
entendemos como Jesus se projeta responsável e responsivamente (sob aspectos
linguístico-enunciativos) pelo seu discurso, configurando-se e constituindo-se
dialogicamente.
Conforme se demonstra, compreendemos como se manifesta a dialogicidade
do discurso de Jesus a partir do instante em inicia-se o conflito (arena) entre a doutrina
da graça e o sistema religioso predominante em Jerusalém. Após dizer-se Filho de
Deus, e embasar seu imenso discurso, Jesus adentra a falar acerca da incredulidade
dos Judeus. Para Bakhtin/Volochinov (1997), por parte do sujeito, são deixados rastros
e pistas padronizados e variáveis. Percebemos isso principalmente na identificação da
representação de Jesus Cristo, que se caracteriza pela forte tensão entre suas palavras
e o dizer (o silêncio é uma forma de dizer algo) do outro.
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5. Referências
BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). 2012. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira; com a colaboração de Lúcia Texeira Wisnic e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 13. ed. São Paulo: Hucitec. _________. Estética da criação verbal. 1997. Tradução feita a partir do francês por Maria Ermantina Galvão; revisão da tradução Marina Appenzeller. —2ª ed. — São Paulo Martins Fontes. — (Coleção Ensino Superior). BÍBLIA SAGRADA. Antigo e Novo Testamento. Português. 2012. Belo Horizonte: Editora Atos, 2012.
BRAIT, Beth. Bakhtin e a Natureza Constitutivamente dialógica da Linguagem. In: BRAIT, Beth. Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. 2 ed. rev. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2005. BRUCE, F.F. João – Introdução e comentário. Série Cultura Bíblica; Tradução de Hans Udo Fuchs. Editora Vida Nova; São Paulo, 2011. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª edição revisada, ampliada e atualizada conforme novo acordo ortográfico. Ed. Nova Fronteira; Rio de Janeiro, 2009. FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática Normativa. 33ª edição. José Olympio editora; Rio de Janeiro, 1972. SANTANA, Wilder Kleber Fernandes de. A autoria e a responsabilização linguística, enunciativa e discursiva de Jesus Cristo em “a parábola do semeador”, a partir do Evangelho segundo Mateus. In: XVII Congresso Internacional Associación de Lingüística y Filología de América Latina (ALFAL) – Anais. Organização: CCHLA. Universidade Federal da Paraíba. – João Pessoa, 2014. p. ____________. A autoria e a responsividade linguística e discursiva de Jesus Cristo em sua exposição acerca do Sal da terra e da Luz do mundo, a partir do evangelho segundo Mateus. In: II Congresso Nacional de Literatura (CONALI) – Anais. Organização: ARAGÃO, Maira do Socorro Silva de. et al. Universidade Federal da Paraíba. – João Pessoa, 2015. p. 591 – 600.
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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 14
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
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