laura ingalls wilder - 3 - nas

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  • 7/29/2019 Laura Ingalls Wilder - 3 - Nas

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    NAS MARGENS DO LAGO DA PRATA

    Laura Ingalls Wilder

    COLECO UMA CASA NA PRADARIA n 3

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    NDICE

    Captulo I - Visita inesperada ................. 7Captulo II - Crescida ........................ 12Captulo III - Viajando nas carruagens ........ 16Captulo IV - Fim da linha .................... 25Captulo V - Acampamento dos caminhos-de-ferro 30

    Captulo VI - Os pneis pretos ................ 35Captulo VII - Comea o Oeste ................. 42Captulo VIII - Lago da Prata ................. 51Captulo IX - Ladres de cavalos .............. 57Captulo X - A tarde maravilhosa .............. 63Captulo XI - Dia de pagamento ................ 74Captulo XII - Asas sobre o lago da Prata ..... 82Captulo XIII - Desfazer do acampamento ....... 86Captulo XIV - A casa dos agrimensores ........ 94Captulo XV - O ltimo homem a partir ........ 100Captulo XVI - Dias de Inverno ............... 106Captulo XVII - Lobos no lago da Prata ....... 109Captulo XVIII - O pai encontra a reserva .... 113

    Captulo XIX - Vspera de Natal .............. 117Captulo XX - A noite antes do Natal ......... 123Captulo XXI - Feliz Natal ................... 128Captulo XXII - Felizes dias de Inverno ...... 137Captulo XXIII - No caminho do peregrino ..... 145Captulo XXIV - A corrida da Primavera ....... 152Captulo XXV - A aposta do pai ............... 158Captulo XXVI - A febre da construo ........ 162Captulo XXVII - Vivendo na cidade ........... 167Captulo XXVIII - Dia de mudana ............. 175Captulo XXIX - A cabana na reserva .......... 180Captulo XXX - Onde crescem violetas ......... 187Captulo XXXI - Mosquitos .................... 192Captulo XXXII - Sombras do anoitecer ........ 194

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    CAPTULO I - VISITA INESPERADA.

    Uma manh, Laura estava a lavar a loua quando o velho Jack, deitado aosol no degrau da porta, rosnou a avis-la de que vinha algum. Laura foiespreitar e viu um buggy a atravessar o vau saibroso de Plum Creek.- Ma - avisou -, vem a uma mulher desconhecida.A me suspirou. Tinha vergonha da casa desarrumada, e Laura tambm. Mas a

    me estava to fraca e Laura to cansada que no se preocuparamexcessivamente.Maria, Carrie, a beb Graa e a me tinham todas tido escarlatina. Comoos Nelsons, que viviam do outro lado do ribeiro, tambm tiveram a doena,no houvera ningum para ajudar o pai e Laura. O mdico fora l a casatodos os dias e o pai no sabia como pagaria a conta. Mas pior do quetudo, muito pior, era o facto de a febre se ter concentrado nos olhos deMaria e a ter deixado cega.Agora j se conseguia levantar, embrulhada em mantas, e sentar -se navelha cadeira de balano de nogueira da me. No chorara ao longo dassemanas e semanas em que ainda conseguira ver um pouco, mas menos de diapara dia. Agora no conseguia ver nem a luz mais forte, mas continuavapaciente e corajosa.

    O seu bonito cabelo louro desaparecera. O pai cortara-lho por causa dafebre e a sua pobre cabea rapada parecia a de um rapaz. Os seus olhosazuis ainda eram bonitos, mas no sabiam o que se passava frente delese Maria nunca mais poderia utiliz-los para dizer a Laura, sem proferiruma palavra, o que estava a pensar.- Quem poder ser, a esta hora da manh? - perguntou a me, de ouvidovirado na direco do buggy.- uma mulher desconhecida, sozinha num buggy. Traz uma touca castanha econduz um cavalo baio - disse Laura, a quem o pai dissera que deveria seros olhos de Maria.- Consegues lembrar-te de alguma coisa para o almoo? - perguntou a me,referindo-se ao almoo com uma visita, no caso de a mulher se demorar atl.Havia po, melao e batatas. Mais nada. Era Primavera, cedo de mais para

    haver vegetais na horta, e alm disso a vaca estava seca e as galinhasainda no tinham iniciado a postura do Vero. No Plum Creek s restavamalguns peixes pequenos, e at os coelhitos de cauda branca foram tocaados que rareavam.O pai no gostava de uma regio to velha e explorada ao ponto de a caaescassear. Queria ir para oeste. Havia dois anos que queria ir para oestee reservar um lote de terreno, mas a me no desejava abandonar a regioj povoada. E, para mais, no havia dinheiro. Depois da praga dosgafanhotos, o pai fizera apenas duas fracas colheitas de trigo. Sdificilmente conseguira no se endividar, mas agora havia a conta domdico.Laura respondeu, em tom firme, me:- O que bom para ns tambm bom para qualquer pessoa! O buggy parou e

    a desconhecida ficou sentada nele, a olhar paraLaura e para a me, paradas entrada da porta. Era uma bonita mulher, debonito vestido castanho estampado e touca. Laura sentiu-se envergonhadados seus ps descalos, do vestido sem graa e das tranas por fazer.Depois a me exclamou, devagar:- Oh, Dcia!- Estava com curiosidade de saber se me reconhecerias - observou amulher. - Aconteceram tantas coisas desde que vocs partiram doWisconsin!Era a bonita tia Dcia, que usara o vestido com botes que pareciam

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    amoras, havia muito tempo, no baile do acar em casa do av, na FlorestaGrande do Wisconsin.Agora era uma senhora casada. Casara com um vivo com dois filhos, umempreiteiro que trabalhava na nova via frrea, no Oeste. A tia Dciaconduzira o buggy sozinha do Wisconsin at ali e dali seguiria para osacampamentos do caminho-de-ferro no Territrio do Dacota.Vinha saber se o pai queria ir com ela. O seu marido, o tio Hi precisava

    de um bom homem para encarregado do armazm, guarda-livros e apontador, eesse emprego estava ao dispor do pai.- O ordenado so cinquenta dlares por ms, Charles - informou a tiaDcia.A tenso das faces magras do pai diminuiu e os seus olhos azuisiluminaram-se. Disse, devagar:- Parece que poderei ganhar um bom ordenado e ao mesmo tempo procurar otal lote, Carolina.A me continuava a no querer ir para oeste. Olhou em redor da cozinha epara Carrie e Laura, que tinha Graa ao colo.- No sei, Charles - murmurou. - Parece providencial, cinquenta dlarespor ms. Mas aqui estamos instalados. Temos a quinta...- D ouvidos razo, Carolina - rogou o pai. - Podemos obter oitenta

    hectares no Oeste, pela simples razo de vivermos neles, e a terra toboa como esta, ou melhor. Se o Tio Sam est disposto a dar-nos uma quintapara substituir aquela de que nos expulsou, no Territrio dos ndios, eus posso dizer que a aceitemos. A caa boa no Oeste, um homem pode tertoda a carne que quer.Laura desejava tanto ir que tinha dificuldade em manter-se calada.- Como poderamos ir agora? - perguntou a me. - A Maria ainda no estsuficientemente forte para viajar.- Isso verdade - admitiu o pai, e perguntou tia Dcia: - O empregono poderia esperar?- No. No, Charles. O Hi precisa de um homem agora, imediatamente. Tersde pegar ou largar.- So cinquenta dlares por ms, Carolina - insistiu o pai. - E terrapara nos instalarmos.

    Pareceu passar muito tempo antes de a me responder, suavemente:- Bem, Charles, deves decidir como achares melhor.- Aceito, Dcia! - O pai levantou-se e ps o chapu. - Quando se quer,tudo se arranja. Vou falar com o Nelson.Laura ficou to agitada que nem conseguia fazer o trabalho da casa comodevia ser. A tia Dcia ajudou-a e, enquanto trabalhavam, foi dandonotcias do Wisconsin:A irm, a tia Ruby, casara e tinha dois rapazes e uma bonita bebezinhachamada Dolly Varden. O tio Jorge era lenhador, derrubava rvores etransportava-as no Mississipi. A famlia do tio Henrique estava toda beme Charley estava a revelar-se melhor do que prometera, atendendo ao modocomo o tio Henrique o poupara e estragara com mimos. O av e a avcontinuavam a viver no mesmo stio, na sua grande casa de troncos. Agora

    j poderiam fazer uma casa de tbuas, mas o av dizia que bons e sostroncos de carvalho davam melhores paredes do que tbuas finas, serradas.At a Susana Preta, a gata que Laura e Maria abandonaram aopartir da sua casinha na floresta, l continuava ainda a viver. A casinhade troncos mudara de dono diversas vezes e agora era um celeiro de milho,mas nada convencia a gata a ir viver noutro lado. Continuava a viver noceleiro, gorda e lustrosa dos ratos que apanhava, e praticamente nohavia uma famlia em toda aquela regio que no tivesse um gatinho seu.Eram todos bons caadores de ratos, de orelhas grandes e cauda compridacomo a Susana Preta.

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    Quando o pai voltou, o almoo estava pronto na casa varrida e arrumada.Vendera a quinta. Nelson dava-lhe duzentos dlares, em dinheiro, por ela,e o pai estava jubiloso.- Chega para pagarmos tudo quanto devemos e ainda sobra qualquer coisita- disse. - Que te parece, Carolina?- Espero que seja para o melhor, Charles - respondeu a me. - Mas como...- Espera, que eu digo-te. Tenho tudo planeado - interrompeu-a o pai. -

    Parto amanh de manh com a Dcia e tu ficas aqui com as pequenas, at aMaria estar boa e forte. Digamos, uns dois meses. O Nelson prometeu quelevava as nossas coisas estao e vocs iro todas de comboio.Laura fitou-o. E Carrie e a me. Maria perguntou:- De comboio?Nunca pensaram em viajar de comboio. Laura sabia, claro, que as pessoasviajavam de comboio, mas era frequente haver desastres e morrer gente.No se podia dizer que a ideia a assustasse, mas excitava-a. Os olhos deCarrie, esses, estavam arregalados e medrosos no seu rosto pequeno epontiagudo.Viram o comboio passar velozmente pela pradaria, com grandes rolos defumo negro a sair da mquina e a ficar para trs. Conheciam o seu rugidoe o seu apito assustador e penetrante. Os cavalos fugiam, se o condutor

    no conseguia det-los, quando viam aproximar-se um comboio.A me disse, com a serenidade habitual:- Estou certa de que nos haveremos de arranjar bem, com a Laura e aCarrie a ajudar-me.

    CAPTULO II - CRESCIDA.

    Havia muito que fazer, pois o pai partiria cedo, na manh seguinte. O paicolocou os arcos do velho carroo e estendeu-lhe a cobertura de lona porcima; estava muito gasta, mas serviria para a curta viagem. A tia Dcia eCarrie ajudaram-no a carregar o carroo, enquanto Laura lavava e passavaa ferro e cozia biscoitos especiais para a viagem.

    Jack olhava para tudo aquilo. Andava toda a gente to atarefada que noreparava no velho buldogue, at que, de sbito, Laura o viu parado entrea casa e o carroo. No pulava, de cabea inclinada e a rir, como eraseu costume. Estava especado nas pernas hirtas, pois agora sofria dereumatismo. Tinha o focinho tristemente franzido e o coto da caudapendente.- Meu bom velho Jack - disse-lhe Laura, mas a cauda no abanou e elelimitou-se a olh-la tristemente.- P, olhe para o Jack - disse Laura.Inclinou-se e afagou a cabea do animal. Os seus plos tornaram-secinzentos. Primeiro tinham sido os do nariz, depois os das mandbulas eagora j nem as orelhas eram castanhas. Jack encostou a cabea a Laura esuspirou.

    Bastou aquele momento para ela compreender que o velho co estavacansado, to cansado que no conseguiria percorrer todo o caminho at aoTerritrio do Dakota debaixo do carroo. Sentia-se perturbado, porquevia o carroo pronto para viajar de novo e ele estava to velho ecansado.- P, o Jack no pode andar uma distncia to grande! - exclamou Laura. -Oh, P, no podemos abandon-lo!- L isso verdade, ele no aguentaria a viagem a p - concordou o pai.- Esquecera-me dele. Mudo o saco da rao para outro lado e arranjo lugarpara ele, aqui dentro. Que dizes a viajar de carroo, hem, meu velho?

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    Jack acenou uma vez com a cauda, delicadamente, e desviou a cabea. Noqueria ir, nem mesmo no carroo.Laura ajoelhou-se e abraou-o como costumava fazer quando era pequena.- Jack, Jack, vamos para o Oeste! No queres ir outra vez para o Oeste?Anteriormente, mostrara-se sempre ansioso e brincalho quando via o paipr a cobertura no carroo. Ocupara o seu lugar debaixo dele, quandopartiam, e percorrera a trotar todo o caminho do Wisconsin para o

    Territrio ndio, e de novo para ali, sombra do veculo e atrs daspatas dos cavalos. Atravessara ribeiros a vau e rios a nado e guardara ocarroo todas as noites, enquanto Laura dormia no seu interior. Todas asmanhs, mesmo quando tinha as patas doridas de tanto andar, se alegravacom ela ao ver o Sol nascer e os cavalos serem atrelados. Estivera semprepronto para um novo dia de viagem.Mas naquele momento limitou-se a apoiar a cabea em Laura e a meter ofocinho debaixo da sua mo, a pedir-lhe que o afagasse devagarinho. Lauraafagou-lhe a cabea grisalha e as orelhas e sentiu quanto ele estavacansado.Desde que Maria e Carrie, e depois a me, adoeceram com escarlatina,Laura prestara menos ateno a Jack. Anteriormente, ele ajudara-a sempreem todos os problemas, mas no podia ajud-la quando havia doena em

    casa. Talvez durante todo esse tempo se tivesse sentido solitrio eesquecido.- No foi com inteno, Jack - disse Laura, e ele compreendeu. sempre secompreenderam.Jack tomara conta dela quando era pequenina e ajudara-a a tomar conta deCarrie quando esta era o beb da famlia. Sempre que o pai se ausentara,Jack ficara com Laura, para tomar conta dela, da me e das irms. Jackera, especialmente, o co de Laura.No sabia como explicar-lhe, agora, que devia ir no carroo com o pai edeix-la. Talvez ele no compreendesse que ela ia depois, no comboio.No pde ficar muito tempo com ele, em virtude de haver tanto que fazer.Mas durante toda a tarde foi-lhe dizendo, sempre que podia: Bom co,Jack. Deu-lhe um bom jantar e, depois de lavada a loua e posta a mesapara o pequeno-almoo, que teria de ser muito cedo, fez-lhe a cama.

    A cama de Jack era uma velha manta de cavalo, num canto do alpendre, naporta das traseiras. Dormia ali desde que se mudaram para aquela casa,pois Laura dormia no sto e ele no podia subir a escada. Durante cincoanos dormira l e Laura encarregara-se de lhe arejar a cama e de a manterlimpa e confortvel. Mas ultimamente ela esquecera-se. Ele tentaraendireit-la com as unhas, mas o cobertor estava cheio de altos e baixose rugas duras.Jack observou-a, enquanto ela o sacudia e o dobrava de modo que ficasseconfortvel. Sorriu e deu ao rabo, contente por lhe estar a fazer a cama.Laura fez uma espcie de ninho redondo e deu-lhe palmadinhas, para lhemostrar que estava pronta.Jack entrou no ninho e andou uma vez roda. Parou, para descansar aspernas rgidas, e virou-se outra vez, lentamente. Jack dava sempre trs

    voltas antes de se deitar para dormir, noite. Fizera-o quando era umcozinho novo, na Grande Floresta, e fizera-o na erva debaixo docarroo, todas as noites. uma coisa que os ces costumam fazer.Por isso, fatigado, deu uma terceira volta e deixou-se cair, a suspirar.Mas conservou a cabea levantada, a fim de olhar para Laura.Ela afagou-lha, no stio dos plos finos, e pensou que ele fora sempremuito bom. Ela estivera sempre em segurana, no tocante a lobos oundios, porque Jack estava presente. E quantas vezes a ajudara a levar asvacas para o estbulo, noite! Como foram felizes a brincar ao longo dePlum Creek e na lagoa onde morara o velho caranguejo feroz! E quando ela

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    andara na escola encontrara-o sempre espera, no vau, quando regressaraa casa.- Bom Jack, bom co - murmurou.Ele virou a cabea, para lhe tocar na mo com a ponta da lngua. Depoisafundou o pescoo nas patas, suspirou e fechou os olhos. Queria dormir.De manh, quando Laura desceu a escada luz do candeeiro,

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    o pai ia sair, para tratar dos animais. Falou a Jack, mas o co no semexeu.S o corpo de Jack, hirto e frio, se encontrava enroscado na manta.Enterraram-no na encosta baixa que ficava acima do campo do trigo, juntodo carreiro que ele costumava descer to alegremente quando ia buscar asvacas com Laura. O pai deitou pazadas de terra por cima da caixa e alisouo montinho. Cresceria ali erva, depois de terem partido todos para oeste.Jack nunca mais aspiraria o ar da manh nem saltaria por cima da ervabaixa, com as orelhas espetadas e a boca a rir. Nunca mais meteria ofocinho debaixo da mo de Laura, a pedir-lhe festas. Ela poderia t-loafagado tantas vezes sem ele pedir, e no afagara!

    - No chores, Laura - disse o pai. - Ele foi para os Felizes Campos deCaa.- Srio, P? - conseguiu Laura perguntar.- Os bons ces tm a sua recompensa, Laura.Talvez, nos Felizes Campos de Caa, Jack andasse a correr alegremente aovento, nalguma alta pradaria, como costumava correr nas bonitas pradariasselvagens do Territrio ndio. Talvez conseguisse, finalmente, apanharuma lebre. Tentara tantas vezes apanhar uma daquelas lebres de orelhas epatas compridas, sem o conseguir!Nessa manh, o pai partiu no ruidoso e velho carroo, atrs do buggy datia Dcia. Jack no estava ao lado de Laura, a v-lo partir. Agora shavia vazio onde das outras vezes houvera os olhos de Jack a dizer-lheque estava ali, para tomar conta dela.Laura compreendeu, ento, que j no era uma menina pequena. Agora estava

    s e tinha de olhar por si. Quando tem de se fazer isso, faz-se e j se crescida. Laura no era muito grande, mas tinha quase treze anos e notinha ningum de quem pudesse depender. O pai e Jack partiram e a meprecisava de ajuda para cuidar de Maria e das pequenitas e de, fosse comofosse, as levar em segurana para oeste.

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    CAPTULO III - VIAJANDO NAS CARRUAGENS.

    Quando chegou a altura, Laura teve dificuldade em acreditar que fosse

    verdade. As semanas e os meses pareceram interminveis, mas agora, desbito, tinham passado. Plum Creek, a casa e todas as en costas e todosos campos que conhecera to bem ficariam para trs e nunca mais os veria.Passaram os ltimos dias atarefados, em que o tempo fora ocupado a fazermalas, limpar, esfregar, lavar e passar a ferro, assim como a azfama dosltimos momentos, de tomarem banho e vestirem-se. Limpas e com asmelhores roupas bem engomadas na manh de um dia de semana, sentaram-seao lado umas das outras no banco da sala de espera, enquanto a mecomprava os bi lhetes.Dali a uma hora viajariam nas carruagens do comboio.

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    Os dois sacos estavam no cais soalheiro, fora da sala de espera. Laurano os perdia de vista, nem a eles nem a Graa, como a me lhe dissera.Graa estava imvel, de vestidinho e touca de fino tecido brancoengomado, com os ps metidos dentro de sapatinhos novos, estendidos suafrente. No guich dos bilhetes, a me tirou o dinheiro da carteira econtou-o cuidadosamente.Viajar de comboio custava dinheiro. Para viajar de carroo nunca

    precisaram de pagar nada, e aquela manh estava muito bonita para viajarde carroo ao longo de estradas novas. Estava-se em Setembro e no cucorriam, apressadas, pequenas nuvens. quela hora, todas as meninasestavam na escola e veriam o comboio passar ruidosamente e saberiam queLaura viajava nele. Os comboios andavam mais depressa do que os cavalos.Andavam to terrivelmente depressa que s vezes havia desastres. Umapessoa nunca sabia o que lhe podia acontecer num comboio.A me meteu os bilhetes na carteira de madreprola e, cuidadosamente,apertou os pequenos fechos de ao. Estava to bonita, no seu vestido del fina com gola e punhos de renda branca! O seu chapu de palha pretatinha uma aba estreita virada para cima e um raminho branco de lrios-do-vale espetado num dos lados da copa. Sentou-se e passou Graa para o seucolo.

    Agora s lhes restava esperar. Foram uma hora mais cedo para terem acerteza de que no perderiam o comboio.Laura alisou o vestido. Era de tecido castanho salpicado de florinhasencarnadas. O cabelo pendia-lhe pelas costas em duas compridas tranascastanhas, presas por um nico lao de fita encarnada. O seu chaputambm tinha, volta da copa, uma fita encarnada.O vestido de Maria era de tecido cinzento com raminhos de flores azuis. Oseu chapu de palha de aba larga tinha uma fita azul. E, debaixo dochapu, o seu pobre cabelo curto estava afastado da cara por uma fitaazul, atada volta da cabea. Os seus lindos olhos azuis no viam nada.Mas isso no a impediu de dizer:- Est quieta, Carrie. Assim amarrotas o vestido todo.Laura estendeu o pescoo para olhar para Carrie, que estava sentada dooutro lado de Maria. Pequenina e magra, Carrie vestia um vestido cor-de-

    rosa e tinha fitas da mesma cor nas tranas castanhas e no chapu. Coroutristemente, por Maria achar que no estava a comportar-se bem, e Lauraesteve quase a dizer: Vem para o meu lado, Carrie, e poders mexer-te vontade!Mas nesse momento o rosto de Maria iluminou-se de alegria e ela disse:- Ma, a Laura tambm est toda desassossegada! Sei que est, mesmo semver!- Pois est, Maria - disse a me, e Maria sorriu, satisfeita. Lauraenvergonhou-se de, mentalmente, se ter irritado com Maria. Por isso, nodisse nada. Levantou-se e ia a passar defronte da me sem dizer palavra.A me teve de lhe recordar:- Pede licena, Laura.- Com licena, Ma. Com licena, Maria - disse Laura, delicadamente, e

    sentou-se ao lado de Carrie. Esta sentiu-se mais segura entre Laura eMaria. Carrie tinha realmente medo de viajar de comboio. Claro que nuncao confessaria, mas Laura sabia.- Ma - perguntou Carrie, timidamente -, o P vai esperar-nos com certeza,no vai?- Vir ao nosso encontro - respondeu a me. - Ter de vir de carroo doacampamento, o que levar um dia inteiro, e ns teremos de esperar porele em Tracy.- Ele chegar... ele chegar antes de ser noite, Ma? - insistiu Carrie, ea me respondeu esperar que sim.

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    Nunca se sabia o que podia acontecer quando se viajava de comboio. Noera como partirem todos juntos num carroo. Por isso, Laura disse,corajosamente:- Talvez o P j tenha escolhido o nosso lote de terreno. Imagina comoser, Carrie, e depois imagino eu.No podiam conversar muito bem, pois estavam sempre espera e escutado comboio. Por fim, Maria disse parecer-lhe que o ouvia. Depois Laura

    ouviu como que um zumbido tnue e distante. O seu corao comeou a baterto depressa que mal ouviu a me.A me levantou-se com Graa ao colo e com a outra mo apertou bem a deCarrie.- Laura, vem atrs de mim com a Maria. Mas tem cuidado! O comboioaproximava-se e j se ouvia melhor. Pararam juntodos sacos, no cais, e viram-no chegar. Laura no sabia como meteriam ossacos no comboio. A me tinha as duas mos ocupadas e Laura tinha desegurar Maria. A janela redonda da frente da mquina brilhou ao sol comoum olho enorme, A chamin subia e alargava, a lanar golfadas de fumopreto. Nisto, subiu atravs do fumo uma golfada branca e depois o apitosoltou uma espcie de grito longo e penetrante. O monstro rugidor avanoudireito a elas, cada vez maior, enorme, a fazer tremer tudo com o seu

    barulho.O pior terminou: o comboio no as atingiu: passou, ruidoso, por elas, comas suas grandes rodas. Choques e entrechoques percorreram toda a extensodos vages de carga e dos vages-plataformas, at pararem. O comboiochegara e elas tinham de embarcar.- Laura! - disse a me, vivamente. - Tu e a Maria tenham cuidado!- Sim, Ma.Laura conduziu ansiosamente Maria, um passo de cada vez, atravs dastbuas do cais, logo atrs da saia da me. Quando a saia parou, Laura fezMaria parar.Chegaram ltima carruagem, do fim do comboio, para a qual se subia pormeio de degraus. Um desconhecido, de facto escuro e bon, ajudou a me asubir com Graa ao colo.- Upa! - exclamou, e levantou Carrie no ar e colocou-a ao lado da me. -

    Depois perguntou: - Aqueles sacos so seus, minha senhora?- Sim, por favor - respondeu a me. - Venham, Laura e Maria.- Quem ele, Ma? - perguntou Carrie, enquanto Laura ajudava Maria asubir os degraus. Estavam comprimidas num espao reduzido. O homempassou-lhes alegremente pela frente, com os sacos, e abriu a porta dacarruagem com o ombro.Seguiram-no entre duas filas de lugares de veludo encarnado, cheios degente. Os lados da carruagem eram quase totalmente compostos por janelas;a carruagem era quase to clara como se estivessem no exterior e raios desol atravessavam obliquamente as pessoas e o veludo encarnado.A me sentou-se num dos lugares de veludo e ajeitou Graa no colo. Dissea Carrie que se sentasse a seu lado e acrescentou:- Laura, tu e Maria sentem-se nesse banco minha frente. Laura conduziu

    Maria para o banco e sentaram-se. O lugar erafofo e Laura teve vontade de saltar nele, mas conteve-se, pois deviacomportar-se convenientemente. Segredou:- Maria, os lugares so de veludo encarnado!- Estou a ver - respondeu Maria, a passar as pontas dos dedos pelo banco.- Que temos nossa frente?- So as costas altas de outro lugar, tambm de veludo encarnado.A mquina apitou e deram ambas um pulo. O comboio preparava-se parapartir. Laura ajoelhou-se no lugar, para ver a me. Estava muito calma emuito bonita no seu vestido escuro com gola de renda branca e com as

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    lindas florinhas brancas no chapu.- Que , Laura? - perguntou a me.- Quem era aquele homem?- Era o ajudante do condutor. Agora senta-te e...O comboio deu um solavanco, que empurrou a me para trs. O queixo deLaura bateu com fora nas costas do lugar e o chapuescorregou-lhe da cabea. Novo solavanco, menos violento, e o comboio

    comeou a estremecer e a estao a dar a impresso de que andava paratrs.- Est a andar! - gritou Carrie.O estremecimento tornou-se mais rpido e mais ruidoso, a estao ficoupara trs e as rodas da carruagem comearam a mover-se, ritmadamente:-pouca terra, pouca terra-, cada vez mais depressa. A serrao, astraseiras da igreja e a parte da frente da escola tambm ficaram paratrs e no se viu mais nada daquela cidade.Toda a carruagem oscilava a compasso com o movimento das rodas e o fumopreto passava pelas janelas, em rolos que se desintegravam. Viram surgire desaparecer, do lado de fora da janela, um fio telegrfico, que pareceusubir e descer. No subiu e desceu, realmente, mas pareceu faz-lo porqueestava bambo entre os postes. Encontrava-se preso a uma espcie de

    maanetas de vidro verde que brilhavam ao sol e escureciam quando osrolos de fumo lhes passavam por cima. Para l do fio, desfilavampastagens, campos e casas de lavoura e celeiros.Iam to depressa que Laura praticamente no tinha tempo de ver essascoisas, que mal surgiam logo desapareciam. Numa hora, o comboiopercorreria mais de trinta quilmetros - tanto quanto os cavalos num diainteiro.A porta abriu-se e entrou um homem alto. Usava um fato azul com botes delato e um bon onde se lia: condutor.Parou em todos os lugares e pediu os bilhetes. Abriu pequenos !buraquinhos redondos nos bilhetes, com uma mquina que tinha na mo. Ame entregou-lhe trs bilhetes: Carrie e Graa eram to pequeninas quepodiam viajar no comboio sem pagar.O condutor seguiu e Laura disse, em voz baixa:

    - Oh, Maria, tem tantos botes de lato a brilhar no casaco! E na frentedo bon l-se: condutor!- E alto - observou Maria. - A sua voz soou l muito de cima.Laura tentou explicar irm a que velocidade desfilavam os postestelegrficos:- O fio bambeia entre eles e depois sobe. - E contou-os: - Um... upa!Dois... upa! Trs! assim, com esta rapidez.- Eu percebo que rpido, sinto-o - disse Maria, contente. Na terrvelmanh em que Maria deixara de ver o sol a bater-lheem cheio nos olhos, o pai dissera que Laura deveria ver por ela: Os teusdois olhos e a tua lngua so muito rpidos, poders us-los para aMaria.E Laura prometera que o faria. Por isso, tentava ser os olhos da irm e

    raramente Maria precisava de lhe pedir: V em voz alta para mim, Laura,por favor.- Ambos os lados da carruagem tm janelas, muito chegadas umas s outras- prosseguiu Laura. - Cada janela uma grande chapa de vidro e at astiras de madeira entre elas brilham como vidro, de to polidas.- Sim, eu vejo - disse Maria, e apalpou o vidro e passou as pontas dosdedos pela madeira brilhante.- O sol entra obliquamente pelas janelas do lado sul, em faixas largasque se reflectem nos lugares de veludo encarnado e nas pessoas. Tambmbatem no cho pontas de sol, as quais ora se estendem, ora se retraem.

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    Por cima das janelas, a madeira reluzente encurva a partir das paredes deambos os lados, e ao longo de todo o meio do tecto h um lugar mais alto,feito de paredes pequenas de janelinhas minsculas, compridas e baixas,atravs das quais se v o cu azul. Do lado de fora das janelas grandes,de ambos os lados, a regio desfila, rpida. Os campos de restolho estoamarelos, h medas de feno junto dos estbulos e arvorezinhas amarelas evermelhas, em pequenos macios, volta das casas.

    Agora vou ver as pessoas - continuou Laura a murmurar. - nossa frentevai uma cabea com uma calva em cima e suas. O homem l um jornal e noolha pelas janelas. Mais adiante vo dois homens novos, de chapu nacabea. Seguram um grande mapa branco, olham para ele e falam a seurespeito. Creio que tambm vo reservar um lote de terreno. Tm as mossperas e calejadas, sinal de que so bons trabalhadores. Mais adiante,ainda, vai uma' mulher de cabelo amarelo-vivo e, oh, Maria, umberrantssimo chapu de veludo encarnado com rosas cor-de-rosa...Nesse momento passou algum e Laura levantou a cabea. Depois prosseguiu:- Passou mesmo agora um homem magro, de sobrancelhas farfalhudas, bigodecomprido e ma-de-ado. O comboio vai to depressa que ele no conseguecaminhar direito. Pergunto a mim mesma... Oh, Maria, est a girar umpequeno manpulo, ao fundo da carruagem, e a fazer sair gua!

    A gua cai direitinha num pcaro de folha. Agora est a beber e a suama-de-ado sobe e desce. Est outra vez a encher o pcaro. Basta-lhegirar o manpulo e a gua sai. Como julgas que... Maria! Ps o pcaronuma prateleirinha e vem a de novo.Depois de o homem passar, Laura tomou uma deciso: perguntou me sepodia ir beber gua e a me disse que sim. Ps-se, por isso, a caminho.No conseguiu caminhar direita. O movimento da carruagem obrigou-a aoscilar e a agarrar-se s costas dos lugares, durante todo o caminho. Maschegou ao fim da carruagem e olhou para o reluzente manipulo, para a bicae para a prateleira que ficava por baixo e onde se encontrava o areadopcaro de folha. Girou o manpulo s um bocadinho e saiu gua pela bica.Girou o manpulo em sentido contrrio e a gua deixou de correr. Debaixodo pcaro havia um pequeno buraco, destinado a esgotar qualquer gua quese entornasse. Laura nunca vira nada to fascinante. Era tudo to

    perfeito e maravilhoso que lhe apeteceu encher e tornar a encher opcaro. Mas seria um desperdcio de gua. Por isso, depois de beber,encheu o pcaro apenas parcialmente e levou-o me, com muito cuidado.Carrie e Graa beberam e no quiseram mais, e a me e Maria no tinhamsede. Laura foi, pois, repor o pcaro no seu lugar. Entretanto, o comboioia avanando velozmente e a regio ficando para trs. A carruagemcontinuava toda sacudida, mas desta vez Laura no precisou de tocar emnenhum banco, ao passar. Era capaz de andar quase to direita como ocondutor. Com certeza ningum desconfiava de que nunca pusera,anteriormente, os ps num comboio.Depois passou um rapaz, na coxia, com um cesto no brao. Parava emostrava o cesto a toda a gente e algumas pessoas tiravam certas coisas edavam-lhe dinheiro em troca. Quando chegou junto de Laura, ela viu que o

    cesto estava cheio de caixas de chupas e de compridos paus de pastilhaelstica. O rapaz mostrou as guloseimas me e ofereceu:- Bons chupas, minha senhora? Pastilha elstica?A me abanou a cabea, mas o rapaz abriu uma caixa e mostrou os chupascoloridos. A respirao de Carrie produziu um som sibilante, sem que elase apercebesse.O rapaz sacudiu um bocadinho a caixa, mas sem entornar os chupas. Erambonitos chupas de Natal, uns vermelhos, outros amarelos e alguns sriscas encarnadas e brancas.- S dez cntimos, minha senhora - insistiu o rapaz.

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    Laura e Carrie, tambm, sabiam que no podiam ter aquela guloseima.Estavam s a olhar. De sbito, porm, a me abriu a bolsa e tirou umnquel e cinco cntimos, que colocou nas mos do rapaz. Depois pegou nacaixa e deu-a a Carrie.Quando o rapaz se afastou, a me disse, a justificar-se por ter gastotanto:- No fim de contas, devemos celebrar a nossa primeira viagem de comboio.

    Graa dormia e a me disse que os bebs no deviam comer chupas. Tirou sum bocadinho, para si, e depois Carrie foi para o banco de Maria e Laurae repartiu o restante. Couberam dois chupas a cada uma. Resolveram comerum e guardar o outro para o dia seguinte; mas, algum tempo depois decomido o primeiro, Laura resolveu provar o segundo. Depois Carrie provouo dela e, por fim, Maria cedeu, tambm. Chuparam-nos todos, pouco apouco.Ainda estavam a lamber os dedos quando a mquina apitou, ruidosa edemoradamente. Depois a carruagem comeou a andar mais devagar e astraseiras das cabanas do caminho foram ficando para trs, tambm maisdevagar. As pessoas comearam a reunir as suas coisas e a pr os chapus,ouviu-se um grande estrondo e o comboio parou. Era meio-dia e tinhamchegado a Tracy.

    - Espero que no tenham perdido o apetite para o almoo com os chupas -observou a me.- Ns no trouxemos almoo, Ma - lembrou-lhe Carrie. A me respondeu,distrada:- Vamos almoar no hotel. Laura, tu e Maria tenham cuidado.

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    CAPTULO IV - FIM DA LINHA.

    O pai no estava naquela estao desconhecida. O ajudante do condutorcolocou os sacos no cais e ofereceu:

    - Se a senhora esperar um momento, levo-a ao hotel. Tambm vou para l.- Obrigada - agradeceu a me, sinceramente.O ajudante do condutor ajudou a desengatar a mquina do comboio. Omaquinista, todo vermelho e mascarrado de fuligem, debruou-se damquina, para observar. Depois puxou a corda de uma campainha. A mquinaavanou sozinha, a fazer puf! puf! e chug! chug!, enquanto a sinetatocava. A distncia que percorreu foi curta. Em seguida parou e Laura nopde acreditar no que via. Os carris de ao, debaixo da mquina, e aschulipas de madeira, entre os carris, deram uma volta completa.Descreveram um crculo, ali no cho, at as extremidades dos carris seajustarem de novo, desta vez com a frente da mquina virada para trs.Laura estava to estupefacta que nem sabia explicar a Maria o que sepassava. A mquina voltou ao puf! puf!, chug! chug.', mas noutra linha,

    ao lado da do comboio. Passou pelo comboio e ultrapassou-o um bocadinho.A sineta tocou, homens gritaram e fizeram gestos com os braos, a mquinarecuou e, bump!, chocou com a retaguarda do comboio. Todos os vages seentrechocaram por ali fora. E pronto, o comboio e a mquina estavamvoltados para leste.Carrie estava boquiaberta de espanto. O ajudante do condutor sorriu-lheamigavelmente e explicou:- Aquilo a plataforma giratria. Como aqui o fim da linha, temos devirar a mquina ao contrrio, para ela poder levar o comboio em sentidoinverso.

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    Claro, tinha de ser mesmo assim, mas Laura nem pensara nisso. Compreendiaagora o que o pai queria dizer quando falava dos tempos maravilhosos queestavam a viver.

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    Nunca existiram tais maravilhas na histria do mundo, afirmava. Agora,

    numa manh, fizeram uma viagem que de outro modo duraria uma semanainteira e Laura vira o Cavalo de Ferro virar-se( para percorrer o mesmocaminho, em sentido contrrio, numa nica tarde.Por momentos, fugazes momentos, apenas, quase desejou que o pai fosseferrovirio. No havia nada to maravilhoso como os caminhos-de-ferro eos ferrovirios eram grandes homens, capazes de conduzir as grandeslocomotivas de ferro e os comboios velozes e perigosos. Mas, claro, nemmesmo os ferrovirios eram maiores ou melhores do que o pai e, narealidade, ela no queria que ele fosse diferente do que era.Havia uma comprida composio de vages de carga noutra via, para l daestao, e homens estavam a descarreg-los para carroes. Nisto, pararamtodos e saltaram dos carroes. Alguns gritaram e um homem novo e fortecomeou a cantar o hino preferido da me, mas com palavras diferentes:

    H uma pensoNo muito longeOnde servem presunto com ovosTrs vezes por dia.Oh, como os pensionistas gritamQuando ouvem a sineta do almoo!Ah, que bem os ovos cheiramTrs vezes por dia!O jovem estava a cantar estas palavras profanas, e com ele outros homens,quando viram a me e se calaram. A me seguiu calmamente o seu caminho,com Graa ao colo e a dar a mo a Carrie. O ajudante do condutor,embaraado, disse muito depressa:- melhor apressarmo-nos, minha senhora. A sineta do almoo est atocar.

    O hotel ficava ao fundo de uma pequena rua, a seguir a alguns armazns eterrenos desocupados. Um letreiro, no passeio, anunciava: Hotel.Debaixo do letreiro, um homem agitava uma campainha manual. A campainhano parava de tocar e as botas dos homens faziam um barulho sincopado narua poeirenta e no passeio de tbuas.- Oh, Laura, visto como se ouve? - perguntou Maria, a tremer.- No - respondeu-lhe a irm. - O aspecto no mau. Trata-se apenas deuma cidade e eles so apenas homens.- Parece tudo to grosseiro - insistiu Maria.- Chegmos porta do hotel - disse-lhe Laura.O ajudante de condutor entrou frente e pousou os sacos. O cho estava aprecisar de ser varrido. As paredes estavam forradas de papel castanho enuma delas via-se um calendrio com o retrato grande e reluzente de uma

    bonita rapariga num trigal maduro. Os homens entraram todos e dirigiram-se para uma grande sala onde se encontrava uma mesa comprida com umatoalha branca e posta para o almoo.O homem que tocara a campainha disse me:- Sim, minha senhora, temos um quarto para si. - Arrumou os sacos naportaria e perguntou: - Talvez desejem lavar-se antes de comer?Num quartinho pequeno havia um lavatrio: um grande jarro de loua estavadentro de uma grande bacia de loua e da parede pendia uma toalha semfim. A me molhou um leno limpo e lavou a cara e as mos de Graa e assuas prprias. Depois despejou a bacia num balde que estava ao lado do

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    lavatrio e voltou a deitar gua para Maria e de novo para Laura. A guafria causou-lhes uma sensao agradvel na cara suja de poeira e fuligeme, depois de se lavarem, ficou preta. S dispuseram de uma pouca de guapara cada uma e o jarro ficou vazio. A me voltou a p-lo com cuidado nabacia, quando Laura acabou. Limparam-se todas toalha sem fim. Umatoalha sem fim era muito prtica: as suas extremidades estavam cosidasuma outra e girava num rolo, de forma que todos encontravam um espao

    seco para se limparem.Chegara a altura de irem para a sala de jantar. Laura receava essemomento e sabia que Maria sentia o mesmo. Era difcil encarar tantosdesconhecidos.- Esto todas com um ar lavado e agradvel - disse a me. - No seesqueam de ter maneiras mesa.A me entrou primeiro, com Graa ao colo, depois seguiu-se Carrie e porfim Laura, a conduzir Maria. O rudo de comer abrandou, quando entraramna sala de jantar, mas praticamente nenhum homem levantou a cabea. Haviacadeiras vagas e puderam sentar-se todas em fila, grande mesa.Espalhados por toda a mesa, por cima da toalha branca, havia umas coisasde rede fina, do feitio de cortios, e debaixo de cada uma delas umatravessa de carne ou um prato de vegetais. Havia

    27pratos de po com manteiga e de picles, jarros de melao e de natas eaucareiros. Ao lado de cada prato encontrava-se uma grande fatia detarte, num prato mais pequeno. As moscas passeavam e zumbiam por cima dastampas de rede, mas no conseguiam chegar comida que se encontrava embaixo.Foram todos amveis e estenderam os pratos de comida me, de uma pontae outra da mesa. Ningum falava, a no ser para murmurar um no tem dequ, minha senhora, em resposta ao obrigada da me. Uma raparigatrouxe-lhe uma chvena de caf-Laura cortou a carne de Maria aos bocadinhos e ps-lhe manteiga no po.Os dedos sensitivos de Maria permitiram-lhe servir-se do garfo e da facaperfeitamente, sem entornar nada.Era uma pena que a excitao lhes tirasse o apetite. O almoo custava

    vinte e cinco cntimos e poderiam comer o que quisessem; a comida eraabundante. Mas comeram pouco. Passados instantes, os homens acabaramtodos de comer a tarte e foram-se embora, e a rapariga que trouxera ocaf comeou a empilhar os pratos e a lev-los para a cozinha. Era fortee bem-humorada e tinha cara larga e cabelo amarelado.- Creio que vm reservar um lote de terra? - perguntou me.- Vimos - respondeu a me.- O seu homem trabalha nos caminhos-de-ferro?- Trabalha. Vem aqui ao nosso encontro, esta tarde.- Foi o que calculei - disse a rapariga. - engraado que tenham vindopara c nesta poca do ano, quando a maioria das pessoas vm naPrimavera. A sua menina mais crescida cega, no ? Que pena! Bem, asala fica do outro lado do escritrio. Podem sentar-se l, se quiserem,

    at ao seu homem chegar.A sala tinha uma alcatifa no cho e papel florido nas paredes. Ascadeiras eram estofadas de pelcia encarnado-escura. A me deixou-se cairnuma cadeira de balano, a suspirar de alvio.- A Graa est a ficar pesada. Sentem-se, filhas, e fiquem quietas.Carrie subiu para uma grande cadeira, ao lado da me, e Maria e Laurasentaram-se no sof. Ficaram todas quietas e caladas, para que Graaadormecesse e dormisse a sua sesta da tarde.Em cima da mesa do centro estava um candeeiro com a parte de baixo delato. As pernas curvas da mesa terminavam em bolas de vidro, na

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    alcatifa. A janela tinha cortinas de renda, presas aos lados, e atravsdela Laura podia ver a pradaria e uma estrada que a atravessava. Talvez opai viesse por essa estrada. Se viesse, partiriam todos tambm por ela ealgures, muito para l do fim da estrada que Laura distinguia, um diaviveriam todos no novo lote de terra.Laura preferiria no parar em lado nenhum, preferiria seguir para afrente, at ao fim da estrada, fosse ele onde fosse.

    Passaram a tarde toda sentadas, quietas, na sala, enquanto Graa dormia.Carrie tambm dormiu um bocadinho e at a me passou pelo sono. O Solestava quase a pr-se quando uma pequena parelha e um carroo surgiramna estrada e se foram tornando, pouco a pouco, maiores. Graa j estavaacordada e foram todas espreitar pela janela. O carroo adquiriu otamanho normal e viram que era o do pai, que o conduzia.Como estavam num hotel, no puderam ir a correr ao seu encontro. Mas ummomento depois ele entrou e exclamou:- Viva, c esto as minhas pequenas!

    CAPTULO V - ACAMPAMENTO DOS CAMINHOS-DE-FERRO.

    Na manh seguinte, cedinho, iam todos no carroo, para oeste. Graa iasentada entre a me e o pai, no banco, e Carrie e Laura sentavam-se comMaria atrs deles, numa tbua que atravessava a caixa do carroo.Viajar nas carruagens do comboio era rico e rpido, mas Laura preferia ocarroo. Como a viagem seria s de um dia, o pai no pusera a coberturade lona. Cobria-os o cu todo e a pradaria estendia-se para todos oslados, com quintas aqui e ali. O carroo ia devagar e, por isso, haviatempo para verem tudo. E tambm podiam conversar naturalmente uns com osoutros.Os nicos rudos eram o clip-clop dos cavalos e os pequenos estalidos docarroo.O pai disse que o tio Hi acabara o seu primeiro contrato e ia para umacampamento novo, mais para oeste. E acrescentou:

    - Os homens j se foram embora, s ficaram dois carroceiros ao lado dafamlia da Dcia. Tero de deitar abaixo as ltimas barracas e de levar amadeira, daqui a uns dias.- Ento tambm vamos partir? - perguntou a me.- Sim, daqui a uns dias.O pai ainda no procurara um lote de terreno; arranjaria um mais paraoeste.Laura no encontrou muitas coisas que valesse a pena ver para Maria. Oscavalos percorriam a estrada que atravessava a pradaria a direito. Aolado da estrada ficava sempre o aterro dos caminhos-de-ferro, de terranua e solta. A norte, os campos e as casas eram como as donde vinham, coma diferena de serem mais novas e mais pequenas.A frescura da manh passou. Sentiam constantemente atravs da tbua onde

    estavam sentadas os pequenos solavancos do carroo-parecia que o Sol nunca subira to devagar. Carrie suspirou. A suacarinha pontiaguda estava plida. Mas Laura no podia fazer nada por ela.Laura e Carrie tinham de ir sentadas nas extremidades da tbua dura, ondese sentiam mais os solavancos, porque Maria tinha de ir no meio.Por fim, o Sol ficou a pino e o pai parou os cavalos junto de umribeirinho. Soube-lhes bem sentirem-se paradas. O ribeirinho falavasozinho, os cavalos mastigavam a sua aveia na manjedoura, atrs docarroo, e a me estendeu uma toalha na erva quente e abriu a caixa doalmoo. Havia po com manteiga, bons ovos cozidos e um papel com sal e

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    pimenta, para mergulharem os ovos medida que os comiam.O meio-dia passou muito depressa. O pai levou os cavalos a beber aoribeiro, enquanto a me e Laura apanhavam as cascas dos ovos e os bocadosde papel, para deixarem tudo limpo. O pai voltou a atrelar os cavalos egritou:- Toca a subir!Laura e Carrie gostariam de ir um bocado a p, mas no o disseram. Sabiam

    que Maria no conseguia acompanhar o carroo e elas no a podiam deixarficar sozinha e cega. Ajudaram-na, por isso, a subir e sentaram-se natbua, uma de cada lado.A tarde foi mais comprida do que a manh. A certa altura, Laura disse:- Julgava que amos para oeste.- E estamos a ir para oeste, Laura - confirmou o pai, surpreendido.- Pensei que fosse diferente - explicou Laura.- Espera que passemos o terreno povoado e vers! - replicou o pai.A certa altura, Carrie suspirou:- Estou cansada. - Mas endireitou-se logo e acrescentou: - No muito. -Carrie no queria queixar-se.Uma sacudidelazinha no era nada. Elas quase no deram por cincoquilmetros de sacudidelazinhas quando iam de Plum Creek cidade. Mas

    todas as sacudidelazinhas do nascer do Sol ao meio-dia, mais todas assacudidelazinhas do meio-dia ao pr do Sol, eram estafantes.Escureceu, mas os cavalos continuaram a andar, e as rodas a girar e atbua dura a absorver e a comunicar-lhes os solavancos do carroo.Nasceram as estrelas. O vento arrefeceu. Se no fosse a tbua sempre asaltar, teriam adormecido todas. Durante muito tempo ningum falou.Depois o pai disse:- L est a luz da cabana.Muito ao longe, via-se um pequeno piscar de luz na terra escura. Asestrelas eram maiores, mas a sua luz era fria, ao contrrio da do pequenopiscar.- uma centelhazinha amarela, Maria - disse Laura. - Brilha muito aolonge, na escurido, e diz-nos que continuemos a avanar, que nos esperaml uma casa e gente.

    - E jantar - disse Maria. - A tia Dcia conserva o jantar quente parans.A luz foi-se tornando maior, mas muito devagarinho. Depois comeou abrilhar firmemente e redonda. Passado muito tempo, viu-se que formavangulos rectos.- Agora v-se que uma janela - disse Laura a Maria. - uma casacomprida e baixa. Na escurido h duas outras casas compridas e baixas. tudo quanto consigo ver.- tudo quanto resta do acampamento - disse o pai, e depois gritou aoscavalos: - A-!Os cavalos pararam imediatamente, sem darem outro passo sequer. E ossolavancos e as sacudidelas pararam tambm. Parou tudo; s se via oescuro parado e frio. Depois saiu luz de uma porta e a tia Dcia disse:

    - Entrem, Carolina e meninas! E tu despacha-te com a parelha, Charles. Ojantar est espera!A escurido gelada infiltrara-se nos ossos de Laura. Maria e Carrietambm andavam todas hirtas e a tropear e bocejar. Na sala comprida, ocandeeiro iluminava uma longa mesa, bancos e paredes de tbuas noafeioadas. Estava quente, ali dentro, e cheirava ao jantar que esperavano forno. A tia Dcia perguntou:- Ento, Lena e Joo, no dizem nada s primas?- Como esto? - cumprimentou Lena, e Laura, Maria e Carrie perguntaram omesmo.

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    Joo era um rapazinho de onze anos, mas Lena tinha mais um ano do queLaura. Os seus olhos eram pretos e vivos e o seu cabelo era o mais pretopossvel e naturalmente ondulado. As madeixas curtas encaracolavam-se volta da testa, o alto da cabea era ondulado e as pontas das tranastambm eram formadas por caracis. Laura gostou dela.- Gostas de andar a cavalo? - perguntou Lena a Laura. - Temos dois pneispretos e andamos neles. Eu tambm os sei conduzir.

    O Joo no sabe, ainda muito pequeno. O pai no o deixa sair com obuggy. Mas a mim deixa-me e amanh vou buscar a roupa lavada. Sequiseres, podes ir. Queres?- Quero! Se a me me deixar. - Tinha tanto sono que nem lhe perguntoupara que era preciso ir buscar a roupa de buggy; at lhe custou manter-seacordada para jantar.O tio Hi era gordo e bonacheiro. A tia Dcia falava muito depressa. Otio Hi tentava acalm-la, mas as suas tentativas s serviam para que elaainda falasse mais depressa. Estava zangada porque ele trabalharaduramente todo o Vero e no tinha nada que se visse, como recompensa.- Trabalhou como um burro de carga todo o Vero! - afirmava ela. - Atconduziu as suas prprias parelhas no aterro e passmos o tempo todo apoupar e a economizar, para termos alguma coisa quando o trabalho

    acabasse, e agora que chegou ao fim a companhia diz que lhe devemosdinheiro! Estamos em dvida para com ela pelo nosso trabalho duro de todoo Vero! E, ainda por cima, querem que aceitemos outro contrato, e o Hivai aceitar! isso que ele vai fazer: aceitar!O tio Hi tentou de novo acalm-la e Laura tentou manter-se acordada. Osrostos tornavam-se vagos e a voz distante, at que, num sobressalto, opescoo a fazia levantar a cabea. Quando o jantar acabou, levantou-se,mal segura nas pernas, para ajudar a lavar a loua, mas a tia Dciadisse-lhe, e a Lena, que fossem deitar-se.Nas camas da tia Dcia no havia espao para Laura e Lena nem Para Joo.Ele ia ficar no barraco com os homens e Lena disse:- Anda, Laura! Vamos dormir na tenda do escritrio!C fora era tudo muito grande, escuro e frio. O barraco estendia-se,baixo e escuro, debaixo do cu vasto, e a pequena tenda do escritrio

    parecia fantasmal, luz das estrelas. E muito longe da cabana iluminada.A tenda estava vazia. S havia erva, no cho, e paredes de lona Quesubiam, inclinadas, at se juntarem em cima, em bico. Laura sentiu-seperdida e solitria. No se importaria de dormir no carroo, mas nogostava de dormir no cho num lugar desconhecido, e que o pai e a meestivessem ali.Lena achava muito divertido dormir na tenda. Deixou-se logocair num cobertor aberto no cho.- No nos despimos? - perguntou Laura, ensonada.- Para qu? S para termos de nos vestir outra vez de manh? Alem disso,no temos com que nos tapar.Por isso, Laura deitou-se no cobertor e no tardou a adormecerprofundamente. De sbito, acordou muito assustada. Da imensa escurido da

    noite erguia-se uma espcie de uivo selvagem e agudo.No era um ndio. Tambm no era um lobo. Laura no sabia o que era. Oseu corao parou de bater.- Ora, no nos assustas! - gritou Lena, e depois explicou a Laura: - oJoo, a tentar assustar-nos.Joo gritou de novo, mas Lena volveu-lhe:- Vai-te embora, rapazinho! No fui criada na floresta para me deixarassustar por um mocho!Joo voltou a gritar, mas Laura tornou-se menos tensa e o sono voltou.

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    CAPTULO VI - OS PNEIS PRETOS.

    O sol que entrava pela lona bateu na cara de Laura e acordou-a. Abriu osolhos ao mesmo tempo que Lena abria os seus, olharam uma para a outra eriram-se.

    - Despacha-te, temos de ir buscar a roupa lavada! - disse Lena, enquantose levantava de um pulo.Como no se despiram, no precisaram de se vestir. Dobraram o cobertor ea arrumao do quarto ficou pronta. Saltaram para o exterior, para amanh clara e alegre.As cabanas eram pequenas, sob o cu cheio de sol. A leste e a oestecorriam o aterro da via frrea e a estrada; para norte, a erva agitavaplumas de sementes acastanhadas. Homens deitavam abaixo uma das cabanas,com um rudo alegre de tbuas a cair. Na erva ondulada pelo ventopastavam os dois pneis pretos, de crina e cauda pretas ao vento.- Primeiro temos de tomar o pequeno-almoo - disse Lena. - Anda, Laura!Depressa!Toda a gente estava mesa - menos a tia Dcia, que fritava panquecas.

    - Lavem-se e penteiem-se, dorminhocas! O almoo est na mesa, mas no graas a ti, menina preguiosa.A rir, a tia Dcia deu uma palmada a Lena, quando ela passou. Naquelamanh estava to bonacheirona como o tio Hi.O pequeno-almoo foi agradvel. A grande gargalhada do pai vibrou comomsica. Mas depois, que rimas de pratos para lavar!Lena disse que aqueles pratos no eram nada comparados com o que tinhamsido: pratos de 46 homens trs vezes por dia e, nos intervalos, cozinhar.Ela e a tia Dcia no paravam do nascer do Sol at alta noite, e mesmoassim no conseguiam trazer o trabalho em dia.

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    Fora por isso que a tia Dcia mandara lavar a roupa fora. Era a primeira

    vez que Laura ouvia falar em semelhante coisa. A mulher de um colonolavava a roupa da tia Dcia, mas como morava a cinco quilmetros dedistncia representava uma viagem de dez quilmetros, ida e volta.Laura ajudou Lena a levar os arreios para o buggy e a ir tirar os pacatospneis das cordas. Ajudou a pr-lhes os arreios, o freio na boca, e acoelheira no pescoo quente e preto, e a passar-lhes o rabicho por baixoda cauda. Depois, as duas, empurraram-nos para trs, com o varal do buggyno meio, e prenderam os tirantes de couro rgido aos balancins. Subirampara o buggy e Lena pegou nas rdeas.O pai nunca deixara Laura conduzir os seus cavalos. Dizia que ela no erasuficientemente forte para os conter, se eles se espantassem.Assim que Lena pegou nas rdeas, os pneis pretos comearam a trotaralegremente. As rodas do buggy giravam, velozes, e soprava um vento

    fresco. Adejavam e cantavam pssaros por cima da erva agitada pelo vento.Os pneis iam cada vez mais depressa, e mais velozes as rodas. Laura eLena riam de contentamento.Os pneis trotadores tocavam com o focinho um no outro, soltavam umpequeno relincho e l iam.O buggy ia to depressa que Laura tinha a impresso de que o banco iasaltar de baixo dela. A sua touca voava, atrs, presa ao pescoo pelasfitas tensas, ela agarrava-se borda do banco. Os pneis esticavam-setodos, a correr quanto podiam.- Vo disparados! - gritou Laura. '}

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    - Deixa-os ir! - gritou Lena, a bater-lhes com as rdeas. - No podemchocar com coisa nenhuma, a no ser com erva! - gritou aos animais.As compridas crinas e caudas pretas ondulavam ao vento, os cascosmartelavam o cho e o buggy ia de vento em popa. Passava tudo todepressa que no se via nada. Lena comeou a cantar:Conheo um bonito moo amvel, Toma cuidado, oh, toma cuidado! Capaz deser muito prestvel. Toma cuidado, oh, toma cuidado!

    Laura nunca ouvira a cantiga, mas em breve cantava o estribilho com todasas foras.Cuidado, linda pequena, ele anda de m-f! Toma cuidado, oh, tomacuidado! No confies, pois vers, sincero no . Toma cuidado, oh, tomacuidado!- Ih-iipi! Iipi! - gritavam, mas os pneis no podiam ir mais depressa doque j iam.Com um lavrador no casaria, Pois anda na terra sempre a mexer. Casar comum ferrovirio preferiria, De camisa s riscas, como deve ser!Oh, um ferrovirio, um ferrovirio, Um ferrovirio para mim, j sei! Voucasar com um ferrovirio. De um ferrovirio noiva serei!- Acho que melhor deix-los tomar flego - disse Lena, e puxou asrdeas at os pneis passarem do galope ao trote e depois ao

    passo.Pareceu tudo sereno e lento.- Quem me dera saber conduzir! - disse Laura. - Sempre o desejei, mas omeu pai no deixa.- Podes conduzir um bocado - ofereceu Lena, generosamente. Nesse precisomomento, os pneis tocaram de novo com o focinho um no outro, relincharame partiram outra vez disparados.- Podes conduzir no regresso a casa - prometeu Lena.A cantar e aos gritos, foram galopando atravs da pradaria. Todas asvezes que Lena puxava as rdeas, para os pneis tomarem flego, elesabrandavam um pouco e depois lanavam-se outra vez a toda a velocidade.Assim, chegaram num instante cabana do colono, no lote por elereservado.Era uma casinha pequena, de tbuas para cima e para baixo e com o telhado

    inclinado s de um lado, de modo que parecia apenas metade de umacasinha. Era mais pequena que as medas de trigo que alguns homens estavama debulhar mais adiante, com uma debulhadora ruidosa. A mulher do colonodirigiu-se para o buggy carregada com o cesto da roupa. A sua cara, osseus braos e os seus ps descalos estavam tisnados, da cor de couro, dosol. Estava despenteada e usava um vestido pingo e pouco limpo.- Desculpem o meu aspecto. A minha filha casou-se ontem, os debulhadoresvieram esta manh e eu com esta roupa para lavar. No paro desde antes deo Sol nascer, ainda mal comecei o trabalho do dia e j no tenho a minhapequena para me ajudar.- O qu, a Lizzie casou-se? - perguntou Lena.- Sim, casou-se ontem - respondeu a me de Lizzie, toda orgulhosa. - Opai dela disse que com treze anos era muito nova, mas ela arranjou um bom

    homem e eu respondi-lhe que era melhor arrumar-se cedo. Eu tambm caseinova.Laura e Lena entreolharam-se. No regresso, no disseram nada durantealgum tempo. Depois falaram simultaneamente:- Ela era apenas um pouco mais velha do que eu - disse Laura.- Eu sou um ano mais velha do que ela - disse Lena. Entreolharam-se denovo, com uma expresso quase assustada.Depois Lena sacudiu a cabea morena e encaracolada e declarou:- Foi uma idiota! Agora nunca mais se pode divertir. Laura concordou,muito sria:

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    - Pois no, agora j no pode brincar.At os pneis trotavam gravemente. Passado um bocado, Lena disse que, dequalquer modo, Lizzie no devia ter de trabalhar mais do que trabalhavaantes.- Pelo menos agora far o seu prprio trabalho, na sua prpria casa, eter meninos.- Bem - observou Laura -, eu gostaria de ter a minha prpria casa, gosto

    de meninos e no me importaria de trabalhar, mas no quero tantaresponsabilidade. Prefiro que a responsabilidade seja da minha me,durante ainda muito tempo.- Alm disso - declarou Lena -, eu no me quero arrumar. Nem sequercasarei, nunca, ou ento ser com um ferrovirio e passarei a vida toda aviajar mais para oeste.- Posso conduzir agora? - perguntou Laura, que queria esquecer osproblemas de ser crescida.Lena deu-lhe as rdeas e explicou:- Tens apenas de as segurar. Os pneis sabem o caminho. Nesse momento, ospneis tocaram com o focinho um no outro erelincharam.- Agarra-as bem, Laura! Agarra-as bem! - gritou Lena, esganiadamente.

    Laura apoiou bem os ps e agarrou as rdeas com toda a sua fora. Sentiaque os pneis no faziam aquilo por mal. Galopavam porque lhes apeteciagalopar ao vento; e fariam o que lhes apetecia e mais nada. Laura seguroubem as rdeas e gritou:- Ih! Ih! Iipi!Tanto ela como Lena se tinham esquecido do cesto da roupa. Foram todo ocaminho de regresso a gritar e a cantar pela pradaria fora, enquanto ospneis galopavam, trotavam e galopavam de novo. Quando pararam junto dascabanas a fim de desatrelarem os animais e de os prenderem s cordas,repararam que as camadas superiores da roupa lavada estavam no cho dobuggy, debaixo dos bancos.Com ar culpado, apanharam-na e endireitaram-na e levaram o cesto pesadopara a cabana, onde a tia Dcia e a me estavam a pr o almoo nospratos.

    - Vm com um ar de quem no quebra um prato - observou a tia Dcia. - Queandaram a fazer, hem?- Nada, fomos s buscar a roupa no buggy.Essa tarde foi ainda mais emocionante do que a manh. Assim que a louaficou lavada, Lena e Laura voltaram a correr para junto dos pneis. Joomontara um deles e atravessava velozmente a pradaria.- No justo! - gritou Lena.O outro pnei galopava num crculo, preso pela corda. Lena agarrou-lhe nacrina, soltou a corda e saltou do cho para a garupa do animal.Laura ficou a ver Lena e Joo correrem em crculos e gritarem comondios. Cavalgavam estendidos, com o cabelo ao vento, e as mos bempresas crina esvoaante dos animais e as pernas tisnadas a apertarem-lhes os flancos. Os pneis curvavam e desviavam-se, a galopar um atrs do

    outro na pradaria como pssaros a voar no cu. Laura nunca se teriacansado de os observar.Os pneis regressaram a galope, pararam perto dela e Lena e Joo saltarampara o cho.- Anda, Laura - disse Lena, generosamente. - Podes montar o pnei doJoo.- Quem disse? - perguntou o rapaz. - Deixa-a montar o teu!- melhor portares-te bem, se no queres que eu diga que tentasteassustar-nos a noite passada - aconselhou-lhe a irm.Laura agarrou a crina do pnei, mas o animal era muito maior do que ela,

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    era forte e tinha a garupa alta.- No sei se sou capaz - disse. - Nunca andei a cavalo.- Eu ajudo-te a subir - prontificou-se Lena, e, com uma dasmos, agarrou-se ao topete do pnei, ao mesmo tempo que se baixava eestendia a outra mo para servir de degrau a Laura.O pnei de Joo parecia maior de minuto a minuto. Era suficientementegrande e forte para matar Laura, se lhe desse para isso, e to alto que

    ela quebraria os ossos se casse dele abaixo. Tinha tanto medo de omontar que no podia deixar de tentar.Apoiou o p na mo de Lena, subiu pela massa quente e escorregadia doanimal, enquanto Lena empurrava para cima, e depois passou uma perna porcima da garupa do pnei e comeou tudo a mover-se rapidamente. Ouviu Lenadizer, vagamente:- Agarra-te crina!Estava agarrada crina do pnei, estava agarrada com toda a gana agrandes punhados de crina. Ao mesmo tempo, os seus cotovelos e os seusjoelhos fincavam-se no pnei, o que no a impedia de saltar e ressaltarde tal maneira que no conseguia pensar. O cho estava l to em baixoque nem se atrevia a olhar. Tinha a todos os instantes a impresso de queestava a cair, mas antes de cair realmente parecia-lhe que ia cair do

    outro lado e os solavancos faziam-lhe entrechocar os dentes. Muito aolonge, ouvia Lena gritar:- Agarra-te, Laura!Depois tudo se acalmou no mais suave dos movimentos ondulantes, nummovimento que se transmitia do pnei a Laura e os mantinha como que anavegar sobre ondas de ar fustigante. Os olhos fechados de Laura abriram-se e ela viu, debaixo de si, a erva que o vento puxava para trs. Viu acrina preta ondulante do animal e as suas mos ferradas nela. Iamdemasiado depressa, ela e o pnei, mas iam como msica e nada lhe poderiaacontecer enquanto a msica no parasse.O pnei de Lena apareceu ao lado dela. Laura quis perguntar como separava em segurana, mas no conseguiu falar. Viu as cabanas, muito aolonge, e compreendeu que, no sabia como, os animais se tinham voltado nadireco do acampamento. Depois os solavancos recomearam. Pararam de

    repente, com ela sentada na garupa do pnei.- Eu no te disse que era divertido? - perguntou-lhe Lena.- Porque d tantos solavancos?- o trote. No trotar que te interessa, o que te interessa fazer oteu pnei galopar. Basta gritar-lhe, como eu gritei. Anda, vamos andarmuito tempo, desta vez, queres?- Quero - respondeu Laura.- Bem, agarra-te. Agora grita!

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    Foi uma tarde maravilhosa. Laura caiu duas vezes e de outra a cabea dopnei bateu-lhe no nariz e f-lo sangrar, mas ela nunca largou a crina.

    As suas tranas desfizeram-se, enrouqueceu de tanto rir e gritar e ficoucom as pernas arranhadas de correr atravs da erva spera, a tentarsaltar para a garupa enquanto o pnei corria. Quase o conseguia, mas nototalmente, e isso enfurecia o animal. Lena e Joo punham sempre ospneis a correr e s depois saltavam. Faziam corridas, a ver qual dosdois conseguia montar mais depressa e chegar a certo local.No ouviram a tia Dcia cham-los para jantar. O pai veio porta egritou:- Jantar!Quando entraram em casa, a me olhou para Laura, cheia de espanto, e

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    disse:- Francamente, Dcia, no me lembro de a Laura se parecer tanto com umndio selvagem!- Ela e a Lena formam um rico par - redarguiu a tia Dcia. - Enfim, aLena no tinha uma tarde livre, para fazer o que lhe apetecesse, desdeque viemos para aqui, e no ter outra antes de acabar o Vero.

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    CAPTULO VII - COMEA O OESTE.

    No dia seguinte, de manh muito cedo, estavam de novo todos no carroo.Este no fora descarregado e, por isso, estava tudo pronto para partirem.No ficou nada no acampamento alm da cabana da tia Dcia. Na erva gastae nos locais de terra vista, onde existiram cabanas, agrimensorescravavam estacas e faziam medies, para a construo de uma nova cidade.- Partiremos assim que o Hi resolver os seus assuntos - disse a tiaDcia.

    - Voltaremos a ver-nos no lago da Prata! - gritou Lena a Laura, enquantoo pai gritava aos cavalos para partirem e as rodas comeavam a girar.O Sol batia, forte, no carroo descoberto, mas o vento estava frio e eraagradvel viajar daquele modo. Aqui e ali, homens trabalhavam nos seuscampos e de vez em quando passava um carroo puxado por uma parelha.Pouco depois, a estrada curvou para baixo, atravs de terra ondulada, e opai disse:- Em frente fica o Grande Rio Sioux.Laura comeou a ver em voz alta para Maria:- A estrada desce por um aterro baixo para o rio, mas no h rvores. Sse v o cu enorme, terra coberta de erva e um ribeirinho baixo. s vezes um rio grande, mas agora est to seco que no maior do que PlumCreek. Corre num fio de lagoa em lagoa, atravs de extenses de saibroseco e plancies lodosas secas e gretadas. Os cavalos vo parar para

    beber.- Bebam o mais que puderem - disse o pai aos cavalos. - No haver maisgua numa distncia de uns cinquenta quilmetros-Para l do rio, a terra ervosa era constituda por curva baixa atrs decurva baixa e a estrada parecia um promontrio curto.- A estrada empurra a terra ervosa e acaba a pouca distncia. Termina -disse Laura.- No pode ser - discordou Maria. - A estrada prolonga-se at ao lago daPrata.- Bem sei - concordou Laura.- Ento acho que no devias dizer coisas dessas - observou Maria,brandamente. - Devemos ter sempre o cuidado de dizer exactamente o quepretendemos.

    - Eu estava a dizer o que pretendia dizer - protestou Laura, embora nofosse capaz de se explicar; havia tantas maneiras de ver as coisas etantas maneiras de as dizer!Para l do Grande Sioux no voltaram a ver mais campos, nem casas, nempessoas. Na realidade, no havia nenhuma estrada, mas sim, apenas, umavaga trilha aberta pelos carroes. E tambm no havia aterroferrovirio. Aqui e ali, Laura vislumbrava uma pequena estaca de madeira,quase oculta pela erva. O pai disse que eram estacas colocadas pelosagrimensores, para o aterro ferrovirio que ainda no fora iniciado.- Esta pradaria como um enorme prado - disse Laura a Maria -, estende-

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    se numa grande distncia em todas as direces, mesmo at beira domundo.As ondas infindveis de erva florida, sob o cu sem nuvens, causavam-lheuma estranha sensao, que no sabia explicar. Todos quantos iam nocarroo, o prprio carroo e a parelha, e at o pai, pareciam pequenos.O pai conduziu toda a manh ao longo da trilha quase invisvel sem quenada mudasse. Quanto mais penetravam no Oeste, mais pequenos pareciam e

    menos impresso tinham de estarem a dirigir-se para qualquer lado. Ovento imprimia sempre a mesma ondulao interminvel erva e os cascosdos cavalos e as rodas faziam sempre o mesmo som, ao passarem por cima daerva. As sacudidelas da tbua que servia de banco tambm eram sempre asmesmas. Laura pensou que podiam continuar assim eternamente, sem nuncasarem daquele lugar imutvel, que nem sequer saberia da sua presena.S o Sol se movia. Sem o parecer, o Sol subia firmemente no cu. Quandoestava a pino, pararam para dar de comer aos cavalos e comerem tambm umalmoo de piquenique na erva limpa.Era bom descansar no cho depois de viajarem toda a manh no carroo.Laura pensou nas muitas vezes que comeram debaixo do cu,

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    durante a longa viagem do Wisconsin para o Territrio ndio e depois denovo para trs, para o Minesota. Agora estavam no Territrio do Dacota eviajavam mais para oeste. Mas esta vez era diferente de todas as outras,no s porque o carroo no tinha cobertura nem camas, mas tambm porqualquer outra razo. Laura no saberia dizer como, mas aquela pradariaera diversa.- P, quando encontrar o lote para nos instalarmos ser como o quetivemos no Territrio ndio? - perguntou ao pai.Ele pensou, antes de responder:- No. Esta regio diferente. No te sei dizer exactamente em qu, masesta pradaria diferente. Causa uma sensao diferente.- Eu acho-a muito semelhante - disse a me, sensatamente. - Estamos aoeste do Minesota e a norte do Territrio ndio e, por isso,

    naturalmente, as ervas e as flores no so as mesmas.Mas no era a isso que o pai e Laura se referiam. Na realidade, noexistia quase diferena nenhuma nas flores e nas ervas. No entanto, alihavia mais qualquer coisa que no existia em nenhum outro lado. Era umsilncio enorme, que os fazia sentirem-se silenciosos. E quando estavamsilenciosos sentiam o grande silncio aproximar-se mais.Todos os pequenos rudos das ervas agitadas pelo vento e dos cavalos amastigar, atrs do carroo, e at os rudos de todos eles a comer e afalar, no conseguiam perturbar o enorme silncio daquela pradaria.O pai falou do seu novo trabalho. Seria o gerente do armazm e oapontador da companhia no acampamento do lago da Prata. Dirigiria oarmazm e escrituraria nos livros a conta de cada homem do acampamento, esaberia ao certo quanto dinheiro era devido a cada um deles pelo seu

    trabalho, depois de subtradas as despesas de alojamento e a conta noarmazm. E quando o tesoureiro levasse o dinheiro, nos dias de pagamento,o pai pagaria a cada um dos homens. Seria tudo quanto teria a fazer e poresse trabalho receberia cinquenta dlares todos os meses.- E o melhor de tudo, Carolina, ser que nos contaremos entre osprimeiros a virem para aqui! - acrescentou o pai. - Poderemos escolher vontade o nosso lote de terra. Felizmente a nossa sorte mudou, enfim!Oportunidade de primeira escolha numa terra nova e, ainda por cima,cinquenta dlares por ms durante todo o Vero!- maravilhoso, Charles - concordou a me.

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    Mas toda a conversa deles no significava nada perante o enorme silnciodaquela pradaria.

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    Continuaram a viajar durante toda a tarde, quilmetro atrs dequilmetro, sem nunca verem uma casa ou qualquer sinal de gente, sem

    verem mais do que erva e cu. A trilha que seguiam estava assinaladaapenas por erva dobrada e partida.Laura viu antigos caminhos ndios e carreiros de bfalos, abertos bemfundo no solo e agora cobertos de erva. Viu estranhas depresses,grandes, de lados direitos e fundo plano, que foram charcos de chafurdode bfalos e onde agora tambm crescia a erva. Laura nunca tinha visto umbfalo e o pai disse ser improvvel que viesse a ver algum.No havia ainda muito tempo, pastaram naquela regio imensas manadas demilhares de bfalos. Eram o gado dos ndios e os Brancos tinham-nosabatido todos.De todos os lados, a pradaria estendia-se, deserta, para o horizontedistante e lmpido. O vento nunca parava de soprar e de tornar onduladasas ervas da pradaria, que o Sol acastanhara. Durante toda a tarde,

    enquanto conduzia, o pai foi cantando ou assobiando. A cantiga que maisvezes cantou foi:Oh, venham para esta terra E no tenham medo nenhum, Que o Tio Sam torico Que d uma quinta a cada um!At a beb Graa se juntava ao coro, embora no se importasse com amelodia para nada:Oh, venham-se embora, venham-se embora!Sou eu que lhes digo, venham-se embora!Oh, venham-se embora, venham-se embora!Venham-se j, j embora!Venham para esta terraE no tenham medo nenhum.Que o nosso Tio Sam to ricoQue d uma quinta a cada um!

    O Sol baixava, a ocidente, quando apareceu um cavaleiro na pradaria,atrs do carroo. Seguiu-os no muito depressa, mas a aproximar-se mais,quilmetro aps quilmetro, enquanto o Sol descia lentamente.- A que distncia estamos do lago da Prata, Charles? - perguntOu a me.

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    - Cerca de quinze quilmetros - respondeu o pai.- No vive ningum mais perto?- No, Carolina.A me no disse mais nada. Nem ningum disse mais nada. Olhavamconstantemente para trs, para o cavaleiro que os seguia, e de todas asvezes que olhavam ele estava um bocadinho mais perto. Seguia-os, com

    certeza, e no tencionava alcan-los enquanto o Sol se no pusesse. OSol j descera tanto que cada curva baixa, entre as ondas da pradaria,estava cheia de sombras.De cada vez que o pai olhava para trs, a sua mo fazia um pequenomovimento e batia nos cavalos com as rdeas, para os apressar. Masnenhuma parelha poderia puxar um carroo carregado to depressa quantoum homem podia cavalgar.O homem j se encontrava to perto que Laura lhe podia ver duas pistolasem coldres de couro, nos quadris. Tinha o chapu puxado para os olhos eum leno encarnado frouxamente atado ao pescoo.

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    O pai trouxera a espingarda para o Oeste, mas no a levava no carroo.Laura sentiu curiosidade em saber onde estaria, mas no perguntou ao pai.Olhou outra vez para trs e viu outro cavaleiro aproximar-se, montado numcavalo branco e de camisa encarnada. Ele e o cavalo branco ainda estavammuito longe e pareciam muito pequenos, mas vinham depressa, a galope.Alcanou o primeiro cavaleiro e avanaram os dois juntos.A me disse, em voz baixa:

    - Agora so dois, Charles.- Que ? - perguntou Maria, assustada. - Que se passa. Laura?O pai olhou rapidamente para trs e depois pareceu tranquilo- Agora j est tudo bem - afirmou. - Aquele o Jerry Grande.- Quem o Jerry Grande? - perguntou a me.- um mestio, francs e ndio - respondeu o pai, despreocupadamente. -Jogador e, segundo alguns, ladro de cavalos, mas um tipo excelente.Jerry Grande no deixar ningum assaltar-nos.A me olhou-o, estupefacta. Abriu a boca para falar, mas depois fechou-ae no disse nada.Os cavaleiros alcanaram o carroo e o pai levantou a mo e saudou:- Ol, Jerry!

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    - Ol, Ingalls! - respondeu Jerry Grande.O outro homem envolveu-os a todos num olhar furioso e continuou agalopar, mas Jerry Grande ficou ao lado do carroo.Parecia ndio. Era alto e forte, mas sem ponta de gordura, e tinha o seurosto magro acastanhado. A sua camisa era de um vermelho flamejante e ocabelo preto e escorrido caa-lhe para os zigomas salientes, enquantocavalgava, pois no usava chapu. E o seu cavalo, branco como a neve, notinha sela nem rdeas. O cavalo era livre, podia ir para onde quisesse, equeria ir com Jerry Grande aonde quer que este desejasse. O cavalo e ohomem movimentavam-se como se fossem um s.Permaneceram ao lado do carroo apenas um momento. Depois afastaram-senum belo e suave galope para um pequeno vale, do qual emergiram de novo

    como se fossem direitos ao ofuscante sol redondo, no horizonte longnquo.A flamejante camisa vermelha e o cavalo branco desapareceram na forte luzdourada.Laura respirou fundo.- Oh, Maria! - exclamou. - O cavalo branco de neve e o homem alto emoreno, com um cabelo to preto e uma camisa to vermelha! A pradariacastanha a toda a volta e eles a cavalgarem para o Sol mesmo quando elese afundava no ocaso! Cavalgaro no Sol, volta do mundo!Maria pensou um momento, antes de dizer:- Laura, sabes que ele no podia cavalgar para o Sol. Cavalga no cho,como toda a gente.Mas Laura no achou que tivesse mentido. O que dissera era verdade. Nosabia porqu, mas aquele momento em que o belo cavalo livre e o homem

    selvagem mergulharam no Sol duraria eternamente.A me receava que o outro homem estivesse emboscado, para os roubar, maso pai tranquilizou-a:-No te preocupes! O Jerry Grande foi frente para o encontrar e ficarcom ele at chegarmos ao acampamento. O Jerry encarregar-se- de evitarque algum nos moleste.A me olhou para trs, para ver se as filhas estavam bem, e aconchegouGraa no colo. No disse nada, porque nada do que pudesse dizer fariaalguma diferena. Mas Laura sabia que a me nunca quisera sair de PlumCreek e no gostava de se encontrar ali, onde estavam. No gostava de

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    viajar naquela regio erma com a noite a aproximar-se e homens como osque passaram a cavalgar na Pradaria.Do cu a esbater-se vinham chamamentos selvagens de aves.

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    Eram cada vez em maior nmero as linhas escuras que riscavam o ar azul-

    claro, por cima deles - formaes perfeitas de patos selvagens ecompridas cunhas de gansos selvagens. Os que voavam na frente chamavam osbandos que os seguiam e cada ave respondia por seu turno. Todo o cuvibrava. Honk? Honk! Honk! Quank? Quank! Quank!- Esto a voar baixo - disse o pai. - Preparam-se para pousar e passar anoite nos lagos.Havia lagos, em frente. Uma fina linha prateada mesmo, mesmo beirinhado cu era o lago da Prata e as cintilaes que se viam a sul dele eramos lagos Gmeos, Henry e Thompson. Um pontinho escuro, entre eles, era arvore Solitria. O pai disse que era um grande choupo-do-canad, a nicarvore existente entre o Grande Rio Sioux e o rio Jim. Erguia-se numapequena elevao de terreno que no tinha mais largura do que umaestrada, entre os lagos Gmeos, e tornara-se grande porque as suas razes

    chegavam gua.- Arranjaremos algumas sementes dela para pr na nossa terra - disse opai. - O lago Spirit no se v daqui; fica quinze quilmetros a noroestedo lago da Prata. Ests a ver que rica regio de caa esta , Carolina?Abundncia de gua e bom solo para alimentar aves selvagens.- Sim, Charles, estou a ver - respondeu a me.O Sol ps-se. Transformado numa bola de luz lquida e latejante,desapareceu em nuvens escarlates e prateadas. Ergueram-se no orientefrias sombras purpreas que alastraram lentamente atravs da pradaria edepois se transformaram em alturas e alturas de trevas, das quais asestrelas pendiam, baixas e brilhantes.O vento, que durante todo o dia soprara com fora, amainou com odesaparecer do Sol e passou a murmurar entre a erva alta. A terra pareciaestar deitada, a respirar suavemente, sob a noite estival.

    O pai continuou a conduzir debaixo das estrelas. Os cascos dos cavalosbatiam suavemente no solo ervoso. Muito, muito ao longe algumas luzinhasminsculas furavam a escurido. Eram as luzes do acampamento do lago daPrata.- No preciso de ver a trilha nos prximos treze quilmetros - disse opai me. - Basta um homem conduzir sempre na direco das luzes. Entrens e o acampamento no h nada de permeio, a no ser pradaria plana ear.Laura estava cansada e tinha frio. As luzes estavam muito longe. No fimde contas, at podiam ser estrelas. A noite toda era uma cintilao deestrelas. Por cima deles, baixas e por todos os lados,

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    cintilavam grandes estrelas que pareciam fazer desenhos no escuro. A ervaalta roagava contra as rodas em movimento, roagava, roagava sem pararcontra as rodas que tambm no paravam.De sbito, Laura abriu os olhos, sobressaltada. Viu uma porta aberta, daqual jorrava luz. Na ofuscao da luz do candeeiro, o tio Henriqueaproximava-se, a rir. Aquela devia ser, portanto, a casa do tio Henriquena Floresta Grande, onde Laura fora quando era pequena, pois era l que otio Henrique morava.- Henrique! - exclamou a me.

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    - uma surpresa, Carolina - disse o pai, todo contente. - Achei melhorno te dizer que o Henrique estava c.- Palavra, a surpresa foi to grande que me tirou a respirao! -exclamou a me.Depois um homem forte riu-se... e era o primo Charley! Tratava-se dorapaz que atormentara o tio Henrique e o pai no campo de aveia e forapicado por milhares de vespas.

    - Ol, Meia Canequinha! Ol, Maria! E esta a beb Carrie, agora umamenina crescida! Deixaste de ser a beb, hem? - O primo Charley ajudou-asa descer do carroo, enquanto o tio Henrique pegava em Graa e o paiajudava a me a descer pela roda; depois apareceu a prima Lusa, todaazafamada, a falar e a convid-los todos a entrar.A prima Lusa e Charley j eram ambos adultos. Tomavam conta da cabana-cantina e cozinhavam para os homens que trabalhavam no nivelamento. Masos homens tinham jantado havia muito tempo e estavam todos a dormir nobarraco-dormitrio. A prima Lusa falou de tudo isso enquanto servia ojantar que mantivera quente no fogo.Depois do jantar, o tio Henrique acendeu uma lanterna e levou-os cabanaque os homens tinham construdo para o pai.- toda de madeira nova, Carolina, fresca e limpinha - disse o tio

    Henrique, a levantar a lanterna para que pudessem ver as paredes demadeira nova e os beliches feitos encostados a elas. De um lado havia umbeliche para o pai e para a me e do outro dois beliches estreitos, umpor cima do outro, para Maria, Laura, Carrie e Graa. As camas j estavamfeitas nos beliches; a prima Lusa encarregara-se disso.Num abrir e fechar de olhos, Laura e Maria ficaram aconchegadas nocolcho de palha nova e ruidosa, com o lenol e as mantas Puxados para onariz, e o pai apagou a lanterna.

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    CAPTULO VIII - LAGO DA PRATA.

    O Sol ainda no nascera, na manh seguinte, quando Laura meteu o balde nopoo pouco fundo, junto do lago da Prata. Para l da margem oriental dolago, o cu plido parecia debruado de faixas carmesim e ouro. O brilhodessas faixas estendia-se volta da margem sul e brilhava na margemalta, que se erguia da gua dos lados leste e norte.No noroeste ainda persistiam sombras da noite, mas o lago da Prataestendia-se como um lenol de prata na sua moldura de erva alta e bravia.Ouviam-se patos entre a erva densa do lado sudoeste, onde comeava oPntano Grande. Gaivotas voavam, aos gritos, sobre o lago, a bater asasas contra o vento do alvorecer. Um ganso selvagem ergueu-se da gua,com um grito vibrante, e uma aps outra as aves do seu bando responderam-lhe, levantaram voo e seguiram-no, o grande tringulo de gansos selvagens

    ergueu-se, com um enorme molho de asas fortes a bater, na majestade donascer do Sol.Lanas de luz dourada subiam cada vez mais alto no cu oriental, em que asua luminosidade tocou na gua e se reflectiu nela.Depois a bola dourada do Sol surgiu por cima do horizonte oriental domundo.Laura respirou fundo, demoradamente. Depois encheu o balde, 'apressada, elevou-o a correr para a cabana. A nova cabana erguia-se isolada junto damargem do lago, a sul do aglomerado de cabanas que constituam oacampamento dos niveladores. Brilhava, amarela, ao sol, era uma casinha

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    quase perdida no meio da erva, e o seu pequeno telhado descia s para umlado, como se fosse s meio telhado.- Temos estado espera da gua, Laura - disse a me, quandochegou.

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    - Oh, Ma, o nascer do Sol! S queria que visse! - exclamou Laura. - Tivede ficar a v-lo.Comeou apressadamente a ajudar a me a preparar o pequeno-almoo e,enquanto trabalhava, foi dizendo como o Sol subia do outro lado do lagoda Prata e inundava o cu de cores maravilhosas, enquanto os bandos degansos selvagens voavam recortados nelas, milhares de patos selvagensquase cobriam a gua e gaivotas voavam, a gritar, contra o vento, porcima do lago.- Eu ouvi - disse Maria. - Era um tal clamor de aves que parecia ummanicmio. E agora estou a ver tudo. Tu fazes quadros quando falas,Laura.A me sorriu a Laura, mas disse simplesmente:- Bem, filhas, temos um dia atarefado nossa frente - e destinou-lhes o

    trabalho.Havia que desentrouxar tudo e arrumar a cabana antes do meio-dia. Oscolches da prima Lusa tinham de ser arejados e devolvidos e os da mecheios de palha seca nova. Entretanto, a me comprou no armazm dacompanhia uma quantidade de metros de tecido estampado alegre, paracortinas. Fez uma cortina e penduraram-na atravessada na cabana, aocultar os beliches. Depois fez outra e penduraram-na entre os beliches,a fim de formar dois quartos: um dela e do pai e outro das filhas. Acabana era to pequena que as cortinas tocavam nos beliches, mas quandoestes ficaram prontos com os colches de palha e de penas da me, e comas mantas, pareceu tudo fresco, bonito e acolhedor.O espao frente da cortina passou a ser a sala de estar. Era muitopequena, com o fogo de cozinhar junto da porta. A me e Laura colocarama mesa de abas encostada parede lateral, defronte da porta aberta, e

    puseram do outro lado da sala a cadeira de balano da me e a de Maria. Ocho era de terra nua, com altos de razes de erva obstinadas, masvarreram-no muito bem. O vento fraco entrava pela porta aberta e a cabanado caminho-de-ferro tinha um ar muito agradvel e aconchegado.- Esta outra espcie de casinha s com meio telhado e sem janela -observou a me. Mas o telhado estanque e ns no precisamos de janela,pois pela porta entra muito ar e muita luz.Quando chegou para almoar, o pai ficou satisfeito ao ver tudo to bemarrumado e arranjado. Deu um beliscozinho na orelha de Carrie e levantouGraa no ar - no a podia atirar ao ar, debaixo daquele telhado to poucoalto.- Onde est a pastora de porcelana, Carolina? - perguntou.

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    - No desembrulhei a pastora, Charles - respondeu a me. - No vamosficar a viver aqui, estamos s de passagem, at conseguires o teu lote deterra.O pai riu-se.- Disponho de muito tempo para escolher o que mais me agradar! Olha paraesta grande pradaria, sem ningum a no ser os niveladores dos caminhos-de-ferro, que partiro antes de o Inverno chegar. Poderemos escolher omelhor.

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    - Depois do almoo, a Maria e eu vamos dar um passeio e ver oacampamento, o lago e tudo - disse Laura, ao mesmo tempo que pegava nobalde e ia, em cabelo, buscar gua fresca ao poo, para o almoo.O vento soprava, constante e forte. No havia nem uma nuvem no cu imensoe numa grande distncia, na vasta planura, s se via luz trmula passarsobre a erva. E o vento trazia o som de muitas vozes de homens, a cantar.As parelhas estavam a chegar ao acampamento. Os cavalos vinham lado a

    lado pela pradaria, numa fila comprida, escura e serpenteante, e oshomens caminhavam de cabea e braos nus, tisnados do sol e de camisas sriscas azuis e brancas, cinzentas ou simplesmente azuis, todos a cantar amesma cantiga.Pareciam um pequeno exrcito a atravessar a terra imensa, debaixo do cuvasto e deserto, e a cantiga era a sua bandeira,Laura parou, batida pelo vento forte, a olhar e a escutar, at o fim dacoluna se reunir multido que alastrava volta das cabanas baixas e acantiga se confundir com o som vago das suas vozes fortes. Depoislembrou-se do balde que tinha na mo. Encheu-o no poo o mais depressaque pde e regressou a correr, a entornar gua pelas pernas nuas abaixo.- Tive... de ver... as parelhas chegar ao campo - explicou, ofegante. -So tantas, P! E os homens todos a cantar!

    - Recupera o flego, traquininhas! - disse o pai, a rir. - Cinquentaparelhas e setenta e cinco ou oitenta homens constituem apenas um pequenoacampamento. Devias ter visto o acampamento de Stebbins, a oeste daqui!Duzentos homens e parelhas a condizer.- Charles - disse a me.Geralmente toda a gente sabia o que a me pretendia quando dizia, no seumodo sereno: Charles. Mas desta vez Laura, Carrie e o Pai olharam-na,curiosos. A me abanou s um bocadinho a cabea ao pai, mais nada.Ento o pai olhou bem para Laura e disse:- Afastem-se do acampamento. Quando forem passear, no se aproximem doslugares onde estiverem homens a trabalhar e no se esqueam de voltarsempre aqui antes de eles virem para passar a noite. H toda a espcie dehomens grosseiros a trabalhar no caminho-de-ferro, e a usar linguagemimprpria, e quanto menos os virem e ouvirem, tanto melhor. No te

    esqueas, Laura. E tu tambm, Carrie - frisou o pai, com uma cara muitosria.- Sim, P - prometeu Laura, e Carrie repetiu, quase num murmrio:- Sim, P.Os olhos de Carrie estavam muito abertos e assustados. No queria ouvirlinguagem imprpria, embora no soubesse bem o que isso era. Laura teriagostado de ouvir alguma, ao menos uma vez, mas, claro, tinha de obedecerao pai.Por isso, quando nessa tarde saram para passear, mantiveram-se afastadasdas cabanas. Partiram ao longo da margem do lago, na direco do PntanoGrande.O lago ficava sua esquerda, a luzir ao sol. medida que o ventosoprava na gua azul, pequenas ondas prateadas subiam e desciam e

    desfaziam-se na margem, Esta era baixa, mas firme e seca, com erva curtaat beira-d'gua. Atravs do lago cintilante, Laura via a margemoriental e a margem sul, que subiam at sua altura. Um pequeno pntanodesembocava no lago, vindo do nordeste, e o Pntano Grande seguia parasudoeste, numa extensa curva de erva alta e bravia. Sentiam a erva quentee macia nos ps. O vento batia-lhes nas saias, que lhas comprimia contraas pernas nuas, e despenteava Laura. Maria e Carrie tinham as toucas bemapertadas debaixo do queixo, mas a de Laura estava cada, suspensa pelasfitas. Milhes de roagantes folhas de erva produziam um som murmurante emilhares de patos e gansos selvagens, garas, grous e pelicanos

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    tagarelavam viva e ruidosamente no vento.Todas aquelas aves se alimentavam entre a erva dos pntanos. Levantavamvoo, a bater as asas, e pousavam de novo, a gritar novidades umas soutras, a conversar entre a erva e a comer azafamadamente razes, tenrasplantas aquticas e peixinhos.A margem do lago tornava-se cada vez mais baixa na direco do PntanoGrande, at no haver, realmente, margem nenhuma. O lago fundia-se com o

    pntano e formava pequenos charcos rodeados pela erva spera e viosa dopntano, que se erguia a metro e meio e um metro e oitenta de altura.Brilhavam pequenas poas entre a erva e na gua abundavam as avesselvagens. medida que Laura e Carrie avanavam atravs da erva do pntano, asasrspidas batiam subitamente e olhos redondos cintilavam. Todo o arexplodia numa confuso de grasnidos, cus e quonks. Com as patasespalmadas esticadas debaixo da cauda, patos e gansos passavam velozmentesobre a erva e descreviam uma curva para descerem para o charco seguinte.Laura e Carrie estavam imveis. A erva do pntano, de hastes speras,erguia-se acima das suas cabeas e produzia um som spero, ao vento. Osseus ps descalos mergulhavam lentamente no lodo.- Oh, o cho todo mole! - exclamou Maria, e virou-se muito depressa

    para trs, pois no gostava de ter lama nos ps.- Volta para trs, Carrie! - gritou Laura. - Ainda te afundas! O lagoest aqui, e