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 Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCH Departame nto de Sociologia Laboratório Didático - USP ensina Sociologia   ______ 1 Maquiavel e a Autonomia da Política   Aut or : J oão Ar tur Camargo de Oli vei ra  2º semestre / 2012 Introdução Pretendo apresentar parte da visão política presente na obra de Nicolau Maquiavel, tendo como foco principal da discussão a relação entre Política e Religião. Como veremos, para Maquiavel, a política deveria ser autônoma, ou seja, não deveria prestar contas a nenhuma outra esfera de poder, como a esfera religiosa. Porém, apesar da ideia ter sido apresentada há mais de cinco séculos, ao longo do tempo, sempre houve a mistura religião-política, e não existem sinais próximos de que essa mistura um dia deixará de existir. A questão se materializa quando olhamos para o cenário político paulistano na última eleição municipal: na campanha à prefeitura, vimos a imensa força de um candidato “nanico” apresentado pelo PRB, partido político em que dois terços de seus dirigentes são ligados a uma única instituição religiosa neopentecosta l, a Igreja Universa l do Reino de Deus. Mas isso não deveria nos surpreender, pois no Brasil, em todas as campanhas eleitorais que presenciamos, os candidatos formam fila para tentar apoio  junto aos principais líderes religios os, participam de diversos cultos e se dizem fiéis, mesmo quando não costumam frequentar nenhum culto no período não eleitoral. Esses fatos nos chamam a atenção para algumas questões, como por exemplo: vale tudo na busca pelo voto, inclusive misturar diferentes esferas de poder? Nesse sentido, revisitar um clássico como Maquiavel é essencial para abrir caminho na reflexão sobre esses temas. A partir do entendimento do que diz Maquiavel, nas atividades práticas, poderemo s refletir bastante sobre a relação atual entre política e religião.  

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Pretendo apresentar parte da visão política presente na obra de NicolauMaquiavel, tendo como foco principal da discussão a relação entre Política e Religião.Como veremos, para Maquiavel, a política deveria ser autônoma, ou seja, não deveriaprestar contas a nenhuma outra esfera de poder, como a esfera religiosa. Porém, apesarda ideia ter sido apresentada há mais de cinco séculos, ao longo do tempo, semprehouve a mistura religião-política, e não existem sinais próximos de que essa mistura umdia deixará de existir.

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Maquiavel e a Autonomia da Política 

 Autor: João Ar tur Camargo de Oli veira 

2º semestre / 2012 

Introdução

Pretendo apresentar parte da visão política presente na obra de Nicolau

Maquiavel, tendo como foco principal da discussão a relação entre Política e Religião.

Como veremos, para Maquiavel, a política deveria ser autônoma, ou seja, não deveria

prestar contas a nenhuma outra esfera de poder, como a esfera religiosa. Porém, apesar

da ideia ter sido apresentada há mais de cinco séculos, ao longo do tempo, sempre

houve a mistura religião-política, e não existem sinais próximos de que essa mistura um

dia deixará de existir.

A questão se materializa quando olhamos para o cenário político paulistano na

última eleição municipal: na campanha à prefeitura, vimos a imensa força de um

candidato “nanico” apresentado pelo PRB, partido político em que dois terços de seus

dirigentes são ligados a uma única instituição religiosa neopentecostal, a Igreja Universal

do Reino de Deus. Mas isso não deveria nos surpreender, pois no Brasil, em todas as

campanhas eleitorais que presenciamos, os candidatos formam fila para tentar apoio

 junto aos principais líderes religiosos, participam de diversos cultos e se dizem fiéis,

mesmo quando não costumam frequentar nenhum culto no período não eleitoral.

Esses fatos nos chamam a atenção para algumas questões, como por exemplo:vale tudo na busca pelo voto, inclusive misturar diferentes esferas de poder? Nesse

sentido, revisitar um clássico como Maquiavel é essencial para abrir caminho na reflexão

sobre esses temas. A partir do entendimento do que diz Maquiavel, nas atividades

práticas, poderemos refletir bastante sobre a relação atual entre política e religião. 

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Maquiavel: Vida, Obra e Contexto Histórico 

É impossível dissociar a história de vida de Nicolau Maquiavel (1469-1527) da

história da República de Florença, nesse período. Essa cidade, em que ele nasceu e

morreu, é considerada o centro do Renascimento italiano, já que abrigou o

desenvolvimento das ciências e das artes, por meio de figuras ilustres como Leonardo da

Vinci (1452-1519) e Michelangelo (1475-1564), além do próprio Maquiavel. 

Durante sua infância e juventude, Maquiavel vivenciou um dos períodos maisimportantes da história da cidade, sob a regência de Lorenzo de Médici, o Magnífico

(1449-1492). Com a queda do poder monárquico e a instauração da república, em 1494,

Maquiavel, então com 25 anos, adentra a vida pública. 

Como funcionário da burocracia florentina, Maquiavel participou de inúmeras

viagens em missões oficiais, que lhe permitiriam dialogar com autoridades, como os reis

Luís XII e Fernando II de Aragão, os papas Alexandre VI e Júlio II, além do imperador do

Sacro Império Romano Germânico, Maximiliano I. Esse intenso contato com a política de

seu tempo, aliado aos seus vastos estudos sobre a história, seria a base para a escrita

de sua obra.

Com o retorno dos Médici ao poder, Maquiavel, acusado de conspiração, foi

torturado e obrigado a se exilar da capital. Nesse período de isolamento, escreveu suas

principais obras: O Príncipe (concluída em 1513, mas publicada apenas em 1532) e os

Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (escrita entre 1513 e 1517). O Príncipe

foi uma obra escrita para o monarca, orientando-o como agir com vista a manter e

ampliar o seu poder, afim de que o Estado prosperasse. 

Em 1520, foi permitido a Maquiavel o retorno a sua cidade natal, onde foi

contratado por Juliano de Médici (futuro papa Clemente VI) para escrever a História deFlorença, que o ocupou durante cinco anos. O autor adoeceu pouco tempo após a

conclusão da obra, vindo a falecer em 22 de junho de 1527.  

Esse contexto histórico em que viveu Maquiavel corresponde à passagem da

Idade Média à Idade Moderna. Em toda Europa, assiste-se à superação do comércio

monopolizado e local, e a passagem a um comércio de livre circulação entre as cidades,

com a emergência de rotas comerciais que cruzam as grandes concentrações urbanas

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europeias. Com a ascensão de uma nova classe de comerciantes, a burguesia, nasce

também o interesse em que haja governos fortes, centralizados e com maior alcance do

que o governo das cidades. 

Tais governos centralizados seriam necessários para instituir condições mais

propícias ao novo fluxo comercial, como a regulação dos preços, a generalização do uso

da mesma moeda e, de um modo geral, o advento de uma instituição capaz de

centralizar o controle econômico.

Em busca de tais benefícios, a burguesia passa a apoiar o fortalecimento do

poder real nos diversos Estados europeus. A partir desse impulso, os reis puderam,

então, exercer um poder amplo e absoluto, submetendo a força das nobrezas esuprimindo algumas das instituições medievais, em geral, apelando para o uso da força.

Esse longo processo político-econômico é, em linhas gerais, o de formação dos Estados

nacionais, um dos aspectos que caracteriza a entrada da Europa na Idade Moderna. 

Entretanto, essas mudanças ainda não haviam se concretizado na Itália. À época

de Maquiavel, ela ainda se dividia em diversos principados ou cidades-estados

independentes, em competição permanente, sujeitas a ataques bélicos frequentes e

interessadas em expandir seus territórios. Essa situação de intensa disputa política e

bélica deu ocasião para que Maquiavel refletisse a respeito das técnicas que os

governantes deveriam empregar para manter seus territórios e, se possível, ampliá-los.

Era um príncipe forte que Maquiavel esperava ver surgir para que a Itália pudesse se

reunir num Estado único, centralizado e soberano em todo território da Península Itálica

 — unificação que só ocorreria entre 1861 e 1870.

Essas mudanças, vivenciadas por Maquiavel, foram determinantes para que ele

pudesse empreender um novo tipo de pensamento político, que orientava os governantes

 justamente à centralização do poder, à monopolização do poderio militar e à priorização

dos interesses do Estado, frente a todas as demais instituições. Por esse motivo,

Maquiavel é visto pela posteridade como uma figura ímpar, já que “nenhum outro homemviu com tanta clareza a direção que estava tomando, em toda Europa, a evolução

política” (SABINE, 1978, p. 252).

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Sua obra mais conhecida: O Príncipe 

O principal esforço de Maquiavel em O Príncipe é apresentar as “causas do auge

e decadência dos Estados e os meios pelos quais os estadistas podem fazer com que

perdurem” (SABINE, 1978, p. 254). Quer dizer, trata-se de apresentar ao monarca quais

regras devem ser seguidas para que ele possa manter e, de preferência, ampliar o seu

poder de forma a fazer com que o Estado, sob seu domínio, prospere. O cerne do

pensamento de Maquiavel pode ser resgatado de uma das ideias centrais de Platão: a

noção de que o bom governante é capaz de adotar os remédios necessários no momento

certo, tal como o médico na terapêutica do corpo (CHAUÍ, 2002).

Mas o que faz de O Príncipe, de Maquiavel, uma obra única é o teor e a novidade

das regras de governo por ele propostas. Sua tese fundamental é a ideia de que a

política não deve prestar contas a nenhuma outra esfera de poder. Isso significa que

Maquiavel pretende garantir a autonomia da política, quer dizer, fazer com que o poder

político seja independente, livre da ingerência de outros âmbitos de controle, como a

religião ou a moral. No que segue, observaremos como a autonomia da política se

manifesta nesses dois casos. 

1. Autonomia da Política perante a Relig ião 

Pode parecer estranho, nos dias de hoje, que a autonomia da política em relação

à religião seja uma conquista. Mas, para que esse ideal de um Estado laico pudesse ser

alcançado, foram necessários enfrentamentos de diversas ordens, inclusive intelectual.

Nessa disputa, a obra de Maquiavel foi de fundamental importância. A ideia de que o

governo dos Estados só é legítimo quando atribuído pelos representantes de Deus naTerra foi bastante comum, antes e depois de Maquiavel. A religião cristã, em particular,

valia-se da autoridade de ninguém menos que São Paulo para sustentar essa posição.

Nas Epístolas aos Romanos (cap. 13, vers. 1-2, Bíblia Sagrada), o apóstolo prega: 

Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não háautoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas porDeus. Assim, aquele que resiste à autoridade, opõe-se à ordemestabelecida por Deus; e os que a ela se opõem, atraem sobre si acondenação. 

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Ao contrário do que possa a princípio parecer, é dos poderes terrenos que trata

essa passagem das Escrituras. Sua primeira consequência direta é que só pode exercer

o poder político legítimo, aquele que tiver a sanção dos representantes do poder divino

na Terra. Em segundo lugar, o laço que obriga os súditos a se submeterem à autoridade

do governante é dado pela ameaça da condenação (supostamente ao inferno) a todo

aquele que não reconhece o poder atribuído, pela autoridade divina, ao governante

secular.

Ora, o princípio de autonomia que orienta o pensamento de Maquiavel é contrário

a esse tipo de legitimação da autoridade, que sustenta que todo poder provém

unicamente de Deus. Na verdade, Maquiavel simplesmente ignora esse tipo deexplicação da origem do poder. Em sua obra, ele assume como princípio metodológico a

ideia de que só são válidas as explicações que partam de fatos históricos, e jamais

aquelas que pressupõem ideais teóricos a respeito de como a política deveria ser.

Em matéria de política, ganha o jogo quem souber as regras reais e não as regras

imaginadas pelos filósofos. É esse princípio metodológico que o orienta à recusa de

explicações teológicas no âmbito da política. Se forem de fatos que se deve partir, é

forçoso concluir, pela observação, que não há nada de divino no modo como o poder

funciona, especialmente na Itália renascentista. Do ponto de vista de Maquiavel, “pensar

que o poder desses novos principados provinha de Deus era não somente absurdo comoaté blasfemo” (CASSIRER, 1961, p.175).

Mas, para colocar-se contra a influência da teologia na política, era preciso que

Maquiavel se colocasse um passo além do modo de pensar de seu tempo. É por isso que

somente “um pagão que não conhecia o medo do inferno” (MEINECKE, 1959, p.31)

poderia se levantar contra a ideia de que somente o poder divino pode legitimar o poder

na Terra. Foi justamente essa característica de Maquiavel que o permitiu criar uma nova

ciência: a ciência política. 

2. Autonomia da Política perante a Moral 

Outra consequência da atribuição de autonomia à política é que, quando se trata

de conservar ou ampliar seu poder, o governante não precisa se submeter a qualquer

princípio ético. Nesse sentido, O Príncipe  é recheado de páginas que orientam os

estadistas quanto à melhor maneira de quebrar promessas, quanto ao bom uso da

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crueldade, em que casos inimigos devem ser assassinados, etc. É por conta de

prescrições como essas que o termo “maquiavélico” pode ser esclarecido como no

Dicionário Houaiss: “... 2. que envolve perfídia, falsidade; doloso, pérfido (...); 3. Que se

caracteriza pela astúcia, duplicidade, má-fé; ardiloso, velhaco”. Esse é, na verdade, o

modo como a contribuição de Maquiavel penetrou na cultura popular, desde há alguns

séculos. Mas, antes de fazer essas censuras ao autor de O Príncipe, é preciso entender

qual a função que prescrições tão contrárias à ética desempenham em seu pensamento.

Notemos, em primeiro lugar, que Maquiavel não atacava os princípios éticos e

morais. Se em sua obra nós encontramos aparentes transgressões dessas regras, é

porque Maquiavel simplesmente “não encontrava uso adequado para [os princípios damoralidade] quando se ocupava de problemas da vida política” (CASSIRER, 1961,

p.182). Isso fica mais claro quando pensamos que, para ele, as regras morais

simplesmente não fazem parte das regras do jogo político. E, num certo sentido, é assim

que Maquiavel trata a política: ele estudava as suas regras sem criticá-las, “sua única

preocupação era descobrir o melhor lance — o lance que ganha a partida” (CASSIRER,

1961, p.182). É por esse motivo que é pouco adequado dizer que o autor d’ O Príncipe é

imoral (ou pérfido, ou ardiloso etc.).

Na medida em que Maquiavel “se limita a abstrair a política de toda outra

consideração e escreve acerca dela como se fosse um fim em si” (SABINE, 1978, p.255),o melhor é dizer que Maquiavel é amoral. Ele não é imoral porque ele não infringe as

regras morais; ele é, contudo, amoral, porque ele não se compromete com a moralidade

instituída quando apresenta as regras que o príncipe deve seguir para alcançar seus

objetivos.

Republicanismo e Virtù 

1. Formas de governo e sua relação com a Virtù 

Uma apresentação completa do pensamento político de Maquiavel não pode se

limitar, no entanto, aos seus aspectos anticlericais e amorais. Se nos restringíssemos a

esses aspectos, nós teríamos uma imagem apenas parcial, que mostraria Maquiavel

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como um defensor resoluto da Monarquia, como se ele estivesse comprometido com o

Absolutismo que dominaria a Europa mais tarde.

Por um lado, é inegável que sua obra influenciou decisivamente os teóricos do

absolutismo. Mas um passeio por outras de suas obras, em especial os  Discursos sobre

a Primeira Década de Tito Lívio, mostra que há um aspecto republicano em seu

pensamento, avesso, portanto, às ideias absolutistas. Nesse livro, vemos um Maquiavel

fortemente comprometido com a ideia de República, definida pelo autor como aquele

regime em que os cidadãos gozam plenamente de sua liberdade.

Mas essas ideias não entram em conflito com aquelas apresentadas em O

Príncipe, em que Maquiavel parece defender o regime monárquico. Observando comcuidado sua obra, o que notamos é que, para cada povo, certo regime de governo é o

mais indicado. E a pergunta natural a se fazer é: como, então, se decide qual regime?

Iremos concluir que “a virtù que vive em um povo é o elemento decisivo para sentenciar

se é a monarquia ou a república a forma de governo mais adequada para ele” (SABINE,

1978, p. 45).

Mas o que é a virtù  de que fala Maquiavel? Este conceito (tradicionalmente

grafado em italiano) não equivale a nosso conceito de “virtude”. Isso porque, para as

sociedades influenciadas pela religião cristã, virtude significa humildade, bondade,

temperança, parcimônia. Virtù significa algo bastante diferente. Esse termo quer dizer

“heroísmo e força para grandes façanhas políticas e guerreiras, e, sobretudo, para a

fundação e manutenção de Estados florescentes, especialmente os Estados baseados na

liberdade” (MEINECKE, 1959, p. 34).

Ora, quando somamos as considerações feitas até aqui, podemos extrair uma

conclusão importante. Se, como vimos acima, é a maior ou menor presença da virtù  o

que vai definir qual a forma de governo mais adequada a um povo; e se essa

característica está especialmente presente nos Estados baseados na liberdade — nas

Repúblicas, portanto — então, podemos concluir que os povos ricos em virtù  adotarãoregimes republicanos, enquanto os povos aos quais falta essa característica serão

monárquicos.

O que faz de Maquiavel um pensador mais próximo do republicanismo é o fato de

que, para ele, o objetivo de todo Estado é a criação e o desenvolvimento de um povo

com virtù. Se (e somente se) esse objetivo for alcançado, independentemente dos meios

usados para isso, então esse povo está pronto para viver a liberdade garantida pela

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República. É por isso que, tanto em O Príncipe quanto no Discurso, Maquiavel ensina

como essa qualidade pode ser cultivada. 

2. Virtù vs. Fortuna 

A virtù pode ser caracterizada como a capacidade de lutar contra o que Maquiavel

chama de fortuna. Para Maquiavel, a palavra “fortuna” diz algo muito próximo do que nós

chamamos de “acaso”. Assim, ele afirma, no capítulo XXV de O Príncipe, que os homens

costumam acreditar que todas as coisas são governadas pela fortuna e que ahumanidade está à mercê de um destino hostil, cujas razões e motivos eles

desconhecem e sempre desconhecerão.

Mas Maquiavel afirma que, na verdade, apenas metade de nossas ações está

submetida desse modo à fortuna. A outra metade está plenamente sob o controle

humano. Para ilustrar essa sua tese, Maquiavel compara a fortuna a um rio impetuoso

que, ao inundar, destrói tudo o que encontra à frente. Mas ele não tarda em notar que,

embora o poder de devastação do rio seja tremendo, assim que ele volta ao seu leito, os

homens podem construir reparos e barragens que impedirão que o rio lhes cause o

mesmo dano caso volte a inundar.

O que ocorre no mais das vezes é que os homens não se preparam para lidar

com os ataques do acaso, culpando a má-sorte, quando um evento os pega

despreparados. Desse modo, eles agem como aqueles que se queixam diante de uma

nova cheia do rio ao lado de sua casa, mas não se preocupam em evitar que o mesmo

volte a ocorrer. Estes preferem contar com a sorte. Mas a sorte é algo variável e

traiçoeiro. Por isso ela deve ser dominada. As regras presentes n`O Príncipe são para

ajudar o governante a "domar" a fortuna. Desse modo, podemos concluir que somente o

possuidor de virtù pode dominar o acaso.

Mas como possuí-la? Segundo Maquiavel, somente a força de um príncipe

virtuoso pode incuti-la em seus súditos. É por isso que ele deseja tal príncipe para a

Itália. Retomando a metáfora da fortuna como um rio e a virtù como a capacidade para

controlá-lo, Maquiavel afirma: a Itália é, em seus dias, como uma região à margem do rio,

mas sem diques e sem nenhuma barreira. Quer dizer, falta aos italianos a capacidade de

se tornarem senhores de seus destinos; falta a eles a virtù, necessária para erigir um

Estado forte e livre — uma República.

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É por conta dessa situação que, aos olhos de Maquiavel, os italianos precisam de

um príncipe virtuoso que possa conduzir cada cidadão à mesma virtù, ao domínio da

fortuna. Não é por outro motivo que O Príncipe é dedicado a Lorenzo II, o Médici que

governava Florença na época de sua escrita. E justamente porque precisa desse líder, a

Itália (e qualquer povo ao qual falte a virtù) deve assumir como sua forma de governo a

monarquia. A partir dessa liderança e desse comando — que está autorizado a seguir as

regras editadas em O Príncipe — será possível cultivar a virtù no povo italiano. Só então

eles estarão prontos para construir um Estado que lhes garanta a liberdade, que dizer,

um Estado para o qual um príncipe (Como César Bórgia ou Lorenzo de Médici) e a

monarquia não sejam mais necessários. 

Referências Bibli ográficas 

CASSIRER, E. (1961). O Mito do Estado. Lisboa: Publicações Europa-América.

CHAUÍ, M. (2002). Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São

Paulo: Companhia das letras. 

MAQUIAVEL, N. (1973). O Príncipe. São Paulo: Editora Abril. 

MEINECKE, F. (1959). La Idea de la Razón de Estado en la Edad Moderna . Madrid:

Instituto de Estudios Políticos. 

SABINE, G. (1978). Historia de la Teoria Politica. México-Madrid-Buenos Aires: Fondo de

Cultura Economica. 

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Maquiavel e a Autonomia da Política

 Auto r: João Artur Camargo de Oliveira

2º semestre/ 2012

Roteiro de Atividades Didáticas (5 aulas de 45 minutos)

 At ividade 1 – Apresentação do pensamento pol ítico de Nicolau Maquiavel

 Apresentar aos estudantes do ensino médio as ideias dos pensadores

clássicos é uma forma interessante de introduzi-los no universo das Ciências Sociais.

 Apesar de muitos considerarem que exigir a leitura direta da fonte original seja muito

pesado para estudantes desse nível, pode-se apresentar resumidamente as ideias (ou

exigir a leitura de comentadores com linguagem mais simplificada). Porém, deve-se

sempre sugerir a leitura na fonte para os alunos que se interessarem.

Objetivo: Introduzir para os alunos parte do pensamento político de Nicolau

Maquiavel, sobretudo as noções de autonomia da política frente a outras esferas de

poder, como a religião e a moral, e os conceitos de virtú e fortuna.

Previsão de desenvolvimento: uma aula de 45 minutos.

Recursos necessários: computador com acesso a internet e projeção de PowerPoint.

Dinâmica uti lizada:

Por meio de ferramentas eletrônicas, como o programa PowerPoint, pode-se

preparar uma aula dinâmica e atrativa. A ferramenta permite a projeção de textos,

fotos e vídeos, com múltiplos efeitos digitais para prender a atenção dos alunos.

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O professor deve iniciar a aula apresentando brevemente o tema e o autor.

Para isso, já pode utilizar-se de slides projetados. Seguem exemplos:

Slide 1:

Slide 2:

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Slide 3:

O professor deve apresentar os slides e ir detalhando o conteúdo de cada

tópico. Para evitar somente a apresentação de textos durante a aula, que pode vir a

deixa-la monótona, sugiro que o quarto slide contenha uma apresentação de algum

recurso audiovisual. Como sugestão, coloquei um vídeo, cujo conteúdo, público, está

disponível no site Youtube. Trata-se de uma apresentação da cidade de Florença, com

duração de 7 minutos. O vídeo pode ser acessado por esse link:

http://www.youtube.com/watch?v=ZEr5VAbrRlA.

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Slide 4:

 Ao término do vídeo, deve-se fazer a contextualização, comentando que o ele

nos mostrou a atual cidade de Florença, porém com resquícios da arquitetura da

cidade na época de Maquiavel, as obras dos principais pensadores e artistas citados

no vídeo, etc. Então, pode-se entrar, nos 20 últimos minutos de aula,

aproximadamente, no pensamento político de Maquiavel exposto em O Príncipe. Para

tal, continuamos com a apresentação de slides.

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5

Slide 5:

Slide 6:

Com esses poucos slides e a apresentação de um vídeo curto, conseguimos

apresentar resumidamente o tema da aula e preparar os alunos para as discussões

que virão nas aulas seguintes.

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 At ividade 2 - Análise de edito rial de jornal

 As atividades de ensino de Ciências Sociais para alunos do Ensino Médio não

podem estar separadas de questões ditas “atualidades”, de forma que os debates

sejam contextualizados com questões cotidianas, pelas quais o país está passando.

Dessa forma, uma boa maneira de chamar a atenção dos alunos para questões atuais

é estimulá-los à leitura de jornais, principalmente a sessão de editoriais, que estimula

o senso crítico e auxilia no desenvolvimento de capacidades argumentativas.

Objetivo:  Apresentar uma visão atual sobre o cenário político paulistano (que pode

ser considerado um espelho do cenário político brasileiro) tentando estimular os

alunos a refletir sobre tal cenário, com base em conhecimentos teóricos pré-

estabelecidos a partir da leitura prévia de um pensador político clássico, Nicolau

Maquiavel.

Previsão de desenvolvimento : duas aulas de 45 minutos, sendo a primeira

reservada para leitura comentada do editorial por parte do professor, e a segunda para

a realização de uma dinâmica em grupo.

Recursos necessários: Cópia do editorial a ser discutido.

Dinâmica utilizada

O ponto de partida da aula é a distribuição, para os alunos, de cópia do

editorial a ser analisado. Após isso, o professor deve realizar a leitura em voz alta,

comentando os trechos que considerar relevante para a discussão a ser realizada em

sala.

Com relação ao tema proposto no texto teórico, a relação entre política e

religião, com base no pensamento de Maquiavel, proponho o seguinte editorial,publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, de outubro de 2012 (disponível em:

http://www.diplomatique.org.br/editorial.php?edicao=63):

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Uma eleição que disputa valores

Um dos fundamentos da democracia moderna é a separação entre a Igreja e o Estado e a

garantia de que o exercício da cidadania política independe das crenças religiosas de cada um.

Em contrapartida, o Estado assegura a imparcialidade no trato com as diferentes Igrejas, a

liberdade religiosa e a convivência respeitosa entre as diferentes religiões.

Curiosamente, estamos vivendo uma situação singular nestas eleições, no Brasil. Uma situação

que desafia esse fundamento da democracia. Uma Igreja disputa as eleições: a Igreja Universal

do Reino de Deus (Iurd) quer eleger prefeitos e vereadores através de sua sigla partidária, o

Partido Republicano Brasileiro (PRB). Essa afirmação requer duas coisas: primeiro, sua

comprovação; segundo, uma reflexão sobre suas implicações. O que significa uma Igreja à

frente do poder político? E por que uma Igreja quereria eleger um prefeito?

Já no final dos anos 1980, a Iurd era uma potência. Tinha adquirido a Rede Record de televisão

e possuía, segundo seu fundador, Edir Macedo, milhares de pastores e obreiros e milhões de

fiéis espalhados por quatro continentes. A Iurd cresce também no Brasil e adentra o mundo da

 política, integrando o PRB, que tinha como presidente de honra o vice-presidente da República,

José Alencar, um católico fervoroso. Em 2006, na primeira eleição disputada pelo PRB, o único

deputado federal eleito foi o pastor da Iurd, Léo Vivas. Nas eleições de 2010, o número dedeputados federais eleitos passou para oito e foram eleitos dezessete deputados estaduais.

Atualmente, a bancada do PRB no Congresso tem nove deputados federais, sete dos quais

 pastores da Iurd.

 No plano da vida partidária, em 2011, com a morte de José Alencar, a Iurd consolidou seu

controle sobre o partido. Marcos Pereira, da Iurd e da TV Record, assumiu sua presidência; pelo

menos dez dos dezoito membros da Executiva Nacional do PRB são da Iurd ou da Record; os

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sete cargos mais importantes da Executiva estão nas mãos de pastores da Iurd; 23 dos 27

 presidentes estaduais têm vínculos formais ou com a Iurd, ou com a Record.

Esses dados tentam demonstrar que, mesmo se os eleitores do PRB forem para além do mundo

de seus fiéis, que estão entre os 16 milhões de evangélicos brasileiros, quem se fortalece nesse

 processo, elegendo seus pastores ou seus representantes, é a Iurd.

Se o PRB é controlado pela Igreja Universal do Reino de Deus, sua Executiva Nacional e seus

 presidentes estaduais são da Iurd, as bancadas federal e estaduais eleitas pelo PRB são em sua

esmagadora maioria de pastores da Iurd, podemos e devemos colocar em questão se esses

candidatos, quando eleitos, defenderão os interesses públicos ou os interesses de sua Igreja.

 Nestas eleições municipais, o PRB tem candidaturas próprias em quatro capitais: São Paulo,

com Celso Russomano; Salvador, com o bispo Márcio Marinho; Maceió, com Galba Novaes; e

Boa Vista, com Mecias de Jesus. A legenda pretende eleger de sessenta a oitenta prefeitos e

dobrar a bancada de deputados federais em 2014.

Tomemos o exemplo de São Paulo. Como um prefeito que é umbilicalmente ligado à Iurd e à

Record vai tratar a diversidade sexual, a Parada Gay? Como serão geridas as relações da

 prefeitura com as entidades assistenciais que prestam serviços às comunidades? Serão

 privilegiadas as entidades assistenciais afins com a Iurd? Haverá proselitismo religioso? E a

questão do aborto? Da gravidez precoce?

 Não se trata de criminalizar esta ou aquela Igreja. Essas questões, aliás, não se referem

unicamente aos evangélicos, mas apontam para uma necessária distinção entre a natureza da

 política pública, que deve se orientar pela garantia de direitos para todos, e a natureza das

religiões, que afirmam valores morais e regras de conduta que, em muitos casos, se chocam com

a necessária pluralidade cultural e de valores que são riqueza e patrimônio de cidades como São

Paulo. Afinal, qual é a cidade que a gente quer?

Silvio Caccia Bava

Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

 Após a leitura comentada do editorial, o professor deve propor que a sala se

divida em grupos, para debater temas específicos presentes no editorial. O professor

pode permitir que os grupos formulem suas próprias questões, ou então, pode ele

mesmo propor as questões a serem debatidas por cada grupo. Nos últimos 20 minutos

da aula, as conclusões de cada grupo devem ser debatidas no coletivo.

Sugestão de questões a serem apresentadas para os alunos:

1. Quais são os possíveis interesses que uma instituição religiosa pode ter ao

se aproximar de grupos políticos?

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2. O Estado brasileiro realmente trata com imparcialidade as diferentes

instituições religiosas ou há casos de favorecimento de alguma delas em

alguma questão?

3. As votações de leis no Congresso Nacional são influenciadas pela religião?

Se essas questões forem utilizadas no debate, o professor deve estar

preparado para falar de possíveis respostas, como isenção de impostos ou facilidades

 jurídicas para construção de novos templos, no caso da questão 1; a presença maciça

de símbolos religiosos cristãos em órgãos públicos, na questão 2; e, na questão 3, o

medo de se tratar de temas polêmicos, como aborto ou descriminalização de drogas,

com medo de perder votos; entre outros exemplos possíveis para as três temáticas.

 At ividade 3 – Mostrar a aplicação do tema nos exames “ vestibulares”

Em se tratando de alunos do Ensino Médio, não podemos ignorar a aplicação

prática do tema estudado nos exames de admissão para os cursos superiores.

Embora o foco do aprendizado de Ciências Sociais no Ensino Médio não seja

prioritariamente voltado para os vestibulares, deve-se mostrar que a matéria vem

aparecendo nos exames de admissão da maioria das grandes universidades públicas.

Objetivo: Trabalhar em sala de aula a resolução de questões nos moldes cobrados

pelos vestibulares de instituições públicas de ensino superior.

Previsão de desenvolvimento : duas aulas de 45 minutos, sendo a primeira

reservada para a resolução da lista de exercícios, por parte dos alunos, e a segunda

para a correção oral perante toda a sala, por parte do professor.

Recursos necessários: lista de exercícios previamente elaborada.

Dinâmica util izada:

O professor deve levar cópias da lista de exercícios para serem distribuídas

para os alunos. Então, deve-se deixar que eles reflitam sobre as questões e tentem

respondê-las, pelo tempo de uma aula, ficando o professor a disposição em sala de

aula para tirar eventuais dúvidas pontuais que surgirem. Na segunda aula, o professor

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deve realizar a correção oral das questões, apresentando as respostas corretas e

explicando o porquê de cada alternativa estar certa ou errada.

 A seguir, uma sugestão de exercícios a serem trabalhados em sala de aula:

(UNICAMP – 1999) Sobre o governo dos príncipes, Nicolau Maquiavel, um pensador italiano

do século XVI, afirmou:

O príncipe não precisa ser piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso, bastando que aparente

 possuir tais qualidades. (...) Um príncipe não pode observar todas as coisas a que são

obrigados os homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para manter o

governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade, a religião (...). O príncipe não deve se

desviar do bem, se possível, mas deve estar pronto a fazer o mal, se necessário.  (Adaptado de

 Nicolau Maquiavel, O Príncipe, em Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1996.)

A partir do texto, responda:

a) Qual o maior dever do príncipe?

 b) Como o príncipe deveria governar para ter êxito?

c) De que maneira as ideias de Maquiavel se opunham à moral cristã medieval?

Resposta:

a) O maior dever do príncipe era manter o governo ou o Estado.

 b) O príncipe, segundo Maquiavel: (1) não precisa ser bom (ou piedoso, fiel, humano, íntegro),

(2) ele aparenta ser bom (ou seja, usa da hipocrisia), e (3) deve estar pronto a fazer o mal.

c) Maquiavel rompe com os princípios morais cristãos ao justificar a hipocrisia, a violência e a

dissimulação em função dos interesses do Estado (ou do príncipe). A esses interesses estavam

subordinados até mesmo a fé e a religião. Ao contrário do que pregava a moral cristã,

Maquiavel propunha que os atos políticos fossem julgados pelas suas consequências e não por

 princípios éticos predeterminados ou preocupação com a punição divina.

(UEL – 2004)  “O maquiavelismo é uma interpretação de O Príncipe de Maquiavel, em

 particular a interpretação segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada para a

conquista e conservação do Estado, é uma ação que não possui um fim próprio de utilidade e

não deve ser julgada por meio de critérios diferentes dos de conveniência e oportunidade.”

(BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant . Brasília: Editora da

UNB, 1984.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, para Maquiavel o poder político é:

a) Independente da moral e da religião, devendo ser conduzido por critérios restritos ao âmbito

 político.

 b) Independente da conveniência e oportunidade, pois estas dizem respeito à esfera privada da

vida em sociedade.

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c) Dependente da religião, devendo ser conduzido por parâmetros ditados pela Igreja.

d) Dependente da ética, devendo ser orientado por princípios morais válidos universal e

necessariamente.

e) Independente das pretensões dos governantes de realizar os interesses do Estado.

Resposta: A – Como vimos no exercício anterior, Maquiavel propunha que os atos políticos

fossem julgados pelas suas consequências e não por princípios éticos (ou morais)

 predeterminados ou preocupação com a punição divina.

(UEM – 2008) Maquiavel inaugura o pensamento político moderno. Seculariza a política,

rejeitando o legado ético-cristão. Maquiavel tem uma visão do homem e da política como elas

são e não como deveriam ser. A política deve ater-se ao real, deve preocupar-se com a eficiênciada ação e não teorizar, como fazia Platão, sobre a forma ideal de governo. Assinale o que for

correto.

01) Para Maquiavel, o príncipe virtuoso é aquele que governa com justiça, estabelecendo, entre

seus súditos, a igualdade social e uma participação político-democrática.

02) Maquiavel redefine as relações entre ética e política, não julga mais as ações políticas em

função de uma hierarquia de valores dada de antemão, mas em função da necessidade dos

resultados que as ações políticas devem alcançar.

04) Maquiavel faz a apologia da tirania, pois considera ser a forma mais eficiente de o príncipe

manter-se no poder e garantir a segurança da ordem social e política para seus súditos.

08) Na concepção política de Maquiavel, não há uma exclusão entre ética e política, todavia a primeira deve ser entendida a partir da segunda. Para ele, as exigências da ação política

implicam uma ética cujo caráter é diferente da ética praticada pelos indivíduos na vida privada.

16) Para Maquiavel, a sociedade é dividida entre os grandes, isto é, os que possuem o poder

 político e econômico, e o povo oprimido. A sociedade é cindida por lutas sociais, não pode,

 portanto, ser vista como uma comunidade homogênea voltada para o bem comum.

Resposta: Estão corretos os itens 02, 08 e 16. Maquiavel estabelece a autonomia da política,

refutando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política. Ele não avalia as

ações em função de uma hierarquia de valores dados a priori, mas sim em vista das

consequências, dos resultados das ações políticas, sendo essa a ideia expressa na afirmativa 02.

A afirmativa 08 nos leva à reflexão sobre a situação dramática e ambivalente do homem de

ação: se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida

 política, sem dúvida acolherá fracassos sucessivos, tornando-se um príncipe incompetente, o

que acaba por aplicar-se na afirmativa 16 cujos critérios da ética política precisam ser revistos

conforme as circunstâncias e sempre tendo em vista os fins coletivos.

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(UEL 2009) [...] como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-

me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa

imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem jamais

 foram reconhecidos como verdadeiros. Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por

que se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz

aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer

 profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus. Assim, é necessário a

um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se

disso segundo a necessidade.  (MAQUIAVEL, N. O Príncipe cap. XV. “Coleção Os

 pensadores”. São Paulo: Abril Cultural 1973. p. 69.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Maquiavel acerca da relação

entre poder e moral, é correto afirmar:a) Maquiavel se preocupa em analisar a ação política considerando tão somente as qualidades

morais do Príncipe que determinam a ordem objetiva do Estado.

 b) O sentido da ação política, segundo Maquiavel, tem por fundamento originário e, portanto,

anterior, a ordem divina, refletida na harmonia da Cidade.

c) Para Maquiavel, a busca da ordem e da harmonia, em face do desequilíbrio e do caos, só se

realiza com a conquista da justiça e do bem comum.

d) Na reflexão política de Maquiavel, o fim que deve orientar as ações de um Príncipe é a ordem

e a manutenção do poder.

e) A análise de Maquiavel, com base nos valores espirituais superiores aos políticos, repudia

como ilegítimo o emprego da força coercitiva do Estado.

Resposta: D - Maquiavel pode ser considerado como o primeiro cientista político moderno,

 justamente por pensar a política a partir de suas demandas internas, e não por um julgamento

moral ou religioso. Nesse sentido, na obra O Príncipe, ele analisa como a política deve ser

orientada no sentido da conquista e da manutenção do poder.

(UEL 2010) Leia o texto de Maquiavel a seguir:

Todo príncipe prudente deve não só remediar o presente, mas prever os casos futuros e

 preveni-los com toda a perícia, de forma que se lhes possa facilmente levar corretivo, e não

deixar que se aproximem os acontecimentos, pois deste modo o remédio não chega a tempo,

tendo-se tornado incurável a moléstia. [...] Assim se dá com o Estado: conhecendo-se os males

com antecedência o que não é dado senão aos homens prudentes, rapidamente são curados [...] 

(MAQUIAVEL, N. O Príncipe: Escritos políticos. São Paulo: Nova cultural, 1991, p.12.)

 Nas ações de todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para recorrer, o

que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, um príncipe, vencer e conservar o Estado. Os

meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é

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levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados.   (MAQUIAVEL, N. O

Príncipe: Escritos políticos. São Paulo: Nova cultural, 1991, p.75.)

Com base nos textos e nos conhecimentos sobre o pensamento de Maquiavel acerca da

 polaridade entre virtú  e fortuna na ação política e suas implicações na moralidade pública,

considere as afirmativas a seguir:

I. A virtú refere-se à capacidade do príncipe de agir com astúcia e força em meio à fortuna, isto

é, à contingência e ao acaso nas quais a política está imersa, com a finalidade de alcançar êxito

em seus objetivos.

II. A fortuna manifesta o destino inexorável dos homens e o caráter imutável de todas as coisas,

de modo que a virtú do príncipe consiste em agir consoante a finalidade do Estado ideal: a

felicidade dos súditos.

III. A virtú implica a adesão sincera do governante a um conjunto de valores morais elevados,

como a piedade cristã e a humildade, para que tenha êxito na sua ação política diante da fortuna.IV. O exercício da virtú diante da fortuna constitui a lógica da ação política orientada para a

conquista e a manutenção do poder e manifesta a autonomia dos fins políticos em relação à

moral preestabelecida.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmativas I e IV são corretas.

 b) Somente as afirmativas II e III são corretas.

c) Somente as afirmativas II e IV são corretas.

d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.

e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas.

Resposta: A (as afirmativas I e IV são corretas) - Por virtú, Maquiavel entende a capacidade

 pessoal de dominar os eventos, de alcançar um fim objetivado, por qualquer meio; por fortuna,

entende o curso dos acontecimentos que não dependem da vontade humana. O critério

maquiavélico para distinguir a boa política da má é o seu êxito. O êxito é medido pela

capacidade de manter o estado em estabilidade. Para Maquiavel, o bom governante é aquele

que, embora possa ter conquistado o poder por meios criminosos, consegue depois mantê-lo.

(UNESP 2011) “Três maneiras há de preservar a posse de Estados acostumados a serem

governados por leis próprias; primeiro, devastá-los; segundo, morar neles; terceiro, permitir

que vivam com suas leis, arrancando um tributo e formando um governo de poucas pessoas,

que permaneçam amigas. Sucede que, na verdade, a garantia mais segura da posse é a ruína.

Os que se tornam senhores de cidades livres por tradição, e não as destroem, serão destruídos

 por elas. Essas cidades costumam ter por bandeira, em suas rebeliões, tanto a liberdade quanto

suas antigas leis, jamais esquecidas, nem com o passar do tempo, nem por influência dos

 favores que receberam. Por mais que se faça, e sejam quais forem os cuidados, sem promover

desavença e desagregação entre os habitantes, continuarão eles a recordar aqueles princípios e

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Universidade de São PauloFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - FFLCHDepartamento de Sociologia 

Laboratório Didático - USP ensina Sociologia  ____________________________________________________________________a estes irão recorrer em quaisquer oportunidades e situações”. (Nicolau Maquiavel. Publicado

originalmente em 1513. Adaptado.)

Partindo de uma definição de moralidade como conjunto de regras de conduta humana que se

 pretendem válidas em termos absolutos, responda se o pensamento de Maquiavel é compatível

com a moralidade cristã. Justifique sua resposta, comentando o teor prático ou pragmático do

 pensamento desse filósofo.

Resposta: O pensamento de Maquiavel é célebre por ter rompido com a moralidade cristã da

época – é bom lembrar que estamos falando da época do Renascimento, quando as explicações

religiosas começam a ceder espaço para o pensamento racional, baseado na capacidade humana

de explicar o mundo. Deste modo, Maquiavel é racional e totalmente pragmático, elaborando

um tratado político – “O príncipe”, do qual provavelmente foi retirado esse excerto – quefunciona como uma espécie de manual, com conselhos extremamente práticos e realistas para se

obter e manter o poder, sem menção a qualquer restrição de ordem moral.