2° edição da revista cinzas no café

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Agualusa “Muitos desses intelectuais conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil.” -Chápoético poesia urbana e concreta. -Teatro entrevista Yeda Pessoa, Agualusa e Aleilton Fon- seca. Aleilton “Falta às editoras o senso do investimento intelectual nos autores...” Yeda Pessoa “O ioruba e o banto são palavras que não fazem parte da nossa história...” As cinzas não caem à toa no café. Edição 2. Revista artístico-acadêmica. Agosto. 2012

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2° Edição da cinzas no Café

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Page 1: 2° Edição da Revista Cinzas no Café

Agualusa “Muitos desses intelectuais conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil.”

-Chápoético poesia urbana e concreta.

-Teatro entrevistaYeda Pessoa, Agualusa e Aleilton Fon-

seca.

Aleilton“Falta às editoras o senso do investimento intelectual nos autores...”

Yeda Pessoa “O ioruba e o banto são palavras que não fazem parte da nossa história...”

As cinzas não caem à toa no café.Edição 2. Revista artístico-acadêmica. Agosto. 2012

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Um metadiscurso acadêmico e literário costura o tecido pós-moderno da Cinzas no Café, nesta segunda edição. Algo como o desejo do cientista experimental, em busca da “Eureca” do conhecimento, nos impulsiona ousados para uma metaescrita criativa a refletir o processo de construção do saber científico atual. Como também a literatura em sua paginação tradicional nos livros impressos, ou em sua interação eletrônica, nos inovadores ciberespaços literários, nos dá a possibilidade de criação de uma metapoética acinzentada da época. Ao leitor virtual (indicativo, hipertextual, multidimensional) e ao leitor tradicionalista (impresso, gutenberguia-no, virtuoso), poderosos construtores e atribuidores de sentido, oferecemos o preto no bran-co, o retrato mediático, em zoom digital, que tiramos do mundo contemporâneo.

DAVI NUNES, EDITOR CHEFE

EDITORIAL

Ficha Catalográfica:

Revista artístico-acadêmica Cinzas no Café/ UNEB. ano 2, n. 2, (ago/nov. 2012). - Salvador, BA: Eduneb, 2012.

Ano.2, n.2 (ago/nov. 2012) Trimestral

Continuação de: Revista artístico-acadêmica Cinzas no Café. ISSN

1. Artes. 2. Produção científica. I. Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

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CINZAS NO CAFÉAno 02

Agosto de 2012

CONTO - De menina criança para mulher mãe.

CINZAS INDICA! (Aleilton Fonseca) – Conheça os segredos urbanos de Salvador pela escrita de Aleilton Fonseca.

CRÔNICA (Macacografia) – A angústia e os anseios de uma

estudante na produção de sua monografia.

ENTREVISTA (Agualusa) – O autor fala sobre África e Brasil, e como

alguns intelectuais brasileiros enxergam a África através de uma

imagem mítica. CAIU NA REDE É TEXTO (Ser ou não ser, eu?) – O não-ser nas redes sociais.

ARTIGO (Um olhar sobre a ce-gueira) – O universo narrativo da desconstrução da identidade do

homem em Saramago na visão de Vanessa Silva dos Santos.

QUE FIGURA (Yeda Pessoa) – “Ninguém na Bahia quer ser negro, embora todo

mundo seja.”TEATRO ENTREVISTA - Falas reais com ficcionalização teatral: No palco das Cinzas Yeda Pessoa, Agualusa e Aleilton Fonseca.

ENTORNOS (CAPSLOOK ENGO-MADEIRA) – O resgate da história

da Engomadeira em caixa alta.

PIMENTA NOS OLHOS (De Descartes ao descarte) – O Ctrl+C, Crtl+V na era da informação.

NU CIRCUITO (A ditadura da moda) – Um ensaio fotográfico sobre os gri-lhões da moda atual, por Carla Calixto.

FOTOGRAFIA (Testemunha do silêncio) – Rasgando o silêncio da realidade contemporânea pela fotografia de Michel Assis.

CHÁPOÉTICO – Poesias urbanas e concretas.

FOTOGRAFIA (Testemunha do silên-cio) – Rasgando o silêncio da realida-de contemporânea pela fotografia de Michel Assis.

CATA(E)VENTOS (Afrobeat) – A cultura Ioruba nas noites

de Salvador.

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O céu fechou a cara e as nuvens se embrulham. N´ outro, cai o pingo d’água na ponta da chuva. Corro a ladei-ra e vejo o morrinho de bar-ro. Olha lá mamãe sorrindo. Ela pula, cai de chinelo. Lá vai minha infância, subindo de pé descalço e meu bucho vai cheio de feijão colorido. Oh! Que minha vida era boa de jogar peteca, a me-ninada toda me chamava de tardezinha. Só tomava banho depois de uma boa sova. Não gostava de ir à escola. A rua era minha escola. Ninguém me considerava gente não, matei gato na lata de leite da bomba que fiz, era tudo inge-

nuidade dessa menina feliz. Lambuzei-me de lama da sar-jeta que desci. Lá vai minha infância chorando de bucho cheio das frieiras que meu pé quase caiu, cheio dos meus risos e de minhas danações, cheio de cabeças das bonecas que cor-tei. Fiz de tudo de uma me-nina feliz. Pulei corda foi pra chegar logo na vida. As curu-bas em mim arderam e do-eram viu?! Sempre me senti uma criança estranha, de uma criação rígida do vovô. Porém, atrás do morro, cresci menina moça. Só aos dezoitos anos conheci alguns lábios, que

quase morri. Num gostei da babação de troca de cuspi-nho. O menino fugiu, bicho do mato disse que sou! Espantei e até hoje espanto, os moços de perto de mim, Mas eu fiz cores na infância, eu me fiz e me criei de boa. Moleca de beira de rua que do queima brinquei. Salvei vidas, salvei latinhas, salvei pega-pega, salve-me! Em cada hora que eu soltei, ouvi sempre grito da vi-zinhança: é uma peste, segu-ra esse diabo dentro de casa. Cozinhei de tudo no fundo de casa. Fiz sopa com as lombri-gas no fundo do quintal de doente Sempre é meu nome

DE MENINA CRIANÇA PARA MULHER MÃE

CONTO

Por Inussa Manuel Gomes

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CONTO

e sempre fui. Não dava bre-cha pra febre. Eram bombons misturados com comprimidos Chupei. para saborear Sem-pre foram os livros. Ler foi o que fiz. Meu prato de todo dia comia. Hoje você acordou pá-lida, disse a minha mãe. Tudo estava alto para mim na vida, eram meus seios grandes e firmes no peito. Os sons me incomodavam. Quem diria eu que gosto da música. Tudo era motivo de estresse naquele dia. Não entendia nada, afinal era eu nascendo mulher, me sangrei, corri a casa toda, fui direto à cozinha. Mamãe, me cortei. Era chuva debaixo de minhas pernas...

Era eu nascendo como mulher para a vida receber. Minha mãe me viu com sor-riso no rosto, levantou a ca-beça, me beijou. Você já pode gerar uma vida, disse minha

mãe chorando aos olhos. Foi uma conversa séria, de mulher para mulher. Minha mãe me mostrou as sete e cinco dias de sangue. Me deu

absorvente, me falou de óvulo que veio, se não encontrar es-permatozóide se estoura para sair em forma de sangue. Me contou de fértil ... De quem me ver muitas histórias con-tei. Lá vai minha infância se distanciando de bons sabores. Não sentirei mais os mesmos cheiros e gostos da infância. Não jogarei a peteca que me marcou de surra as costas. Não viverei a infância que me roubaram do doce amargo de ser criança. Lá vou eu olhando para trás e ver aquelas brinca-deira de contar história, trin-ta e cinco, djuga bola, cabra cega, mininesa sabi de mass.

“Lá vai minha infância se

distanciando de bons sabores. Não

sentirei mais os mesmos cheiros e

gostos da infância.”

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CINZAS: Aleilton, para vários escritores a infância é o espaço temporal de retorno que os deixam inspirados para a criação literária. Como a sua infância, em Firmino Alves, e em Ilhéus se manifesta em sua obra? Aleilton Fonseca: De fato muitas vivências e expe-riências da infância podem constituir material de criação e motivação para a produção literária de um autor. É uma fase de descobertas e apren-dizagens intensas, marcantes para o resto da vida. Eu guar-do na memória e no meu ser diversas situações e cenas de minha infância em Firmino Alves e Ilhéus que são muito marcantes na minha sensi-bilidade e na minha visão de mundo. Essas experiências aparecem de maneira difusa

na minha escrita, manifes-tando-se ora na percepção de um narrador, ora no com-portamento de uma perso-nagem, ora em certos deta-lhes dos enredos. Sobretudo nas passagens narrativas que

evocam o imaginário cultural, há várias imagens de situa-ções vivenciadas ou observa-das nos processos de vida, de convivência e sociabilidade de grupos que vivem em cida-des pequenas, nas quais ainda permanecem traços de uma

vida comunitária.

CINZAS: O senhor fez parte da Geração 80, qual a contribuição desse grupo para a literatura baiana e na-cional, e qual o paralelo que o senhor faz deste com o dos dias atuais?

Aleilton Fonseca: Os autores que surgem nos anos 80 do século XX enfrentavam grandes dificuldades para editar seus livros. O acesso à edição era difícil, cara e pouco profissional. Não havia ainda o espaço enorme da internet. E as condições culturais no iní-cio da era pós-ditadura militar não eram ainda as melhores para a literatura. Para esses escritores, então iniciantes, uma das saídas encontradas foram as revistas universitá-rias, de grupos e de institui-

“A escrita literária é complexa, muito difícil”

CINZAS INDICA!

as condições culturais no início

da era pós-ditadura militar não eram

ainda as melhores para a

literatura.

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ções, e os cadernos literários dos jornais. E também os con-cursos e os editais de publica-ção das instituições culturais. Outra saída foi a associação de autores, em eventos e projetos de divulgação. Tam-bém havia uma aproximação grande com os autores mais velhos, sobretudo aqueles da geração 60, que já publicavam livros. Havia mais solidarieda-de, agregação e busca de so-luções em comum. Muitos de-sistiram, abandonaram a ideia de serem escritores. Outros se mantiveram firmes no ide-al e se firmaram no panorama da literatura contemporânea, com revistas, livros e ações, ocupando posições na vida cultural e literária. Esse grupo contribuiu com sua luta, sua resistência e sua persistên-cia, evitando a descontinui-dade do processo de renova-ção literária. Seus livros, suas revistas, suas contribuições estão aí para que os leitores, os críticos e os pesquisado-res possam conferir, analisar e compor o panorama dessa fase de nossa vida literária. Os dias atuais são bem mais generosos, pois o número de editoras só aumenta e as oportunidades de publicar se multiplicam, sejam pela ofer-ta de possibilidades, seja pelo barateamento da produção do livro, seja pelo imenso es-paço da internet, com os blo-gs, os sites e as redes sociais de divulgação instantânea da produção intelectual.

CINZAS: Como ocorre a relação do Aleilton escritor com o teórico da literatura? São processos que se diferem ou se assemelham?

Aleilton Fonseca: São dois processos distintos, mas contíguos e em contínuo di-álogo. Na verdade, não sou assim um “teórico”, mas ape-nas um ensaísta que lê, refle-te e analisa autores e obras, dentro de um recorte temá-tico. Essas leituras teóricas e o exercício crítico me dão um perfil que se transmite, natu-ralmente, à consciência do es-critor em processo de escrita. Uma prática não atrapalha a outra, mas sim contribuem mutuamente para o resultado dos textos ensaísticos e lite-rários. A experiência acumu-la-se, pois o ensaísta ajuda o escritor na hora da criação,

aguçando-lhe o senso auto-crítico e a consciência em tor-no daquilo que cria e escreve. Já a consciência do escritor oferece medidas e parâme-tros de compreensão da obra analisada, pelo viés da cria-ção, permitindo captar me-lhor a relação entre a intenção e o resultado da obra.

CINZAS: O senhor já mora em Salvador há algum tempo, como se manifesta o espaço urbano soteropolitano em sua literatura?

Aleilton Fonseca: O es-paço urbano soteropolitano se manifesta de modo cres-

cente, desde o livro de con-tos “O canto de Alvorada”, de 2003. Nesse livro há um con-to intitulado “As marcas do fogo”, que é uma viagem por Salvador e pela Baía de Todos--os-Santos. No meu livro mais recente, a ser lançado breve pela editora Caramurê, a pre-sença de Salvador é mais den-sa, desde o título, “As marcas da cidade”. Todos os contos se passam em cenários urbanos de soteropolitanos, que são indicados e nomeados, des-de o centro, o subúrbio e os bairros “chiques”, com seus problemas e suas movimen-tações humanas.

CINZAS: Sabe-se que o mercado editorial na atua-lidade prioriza a prosa, será que a poesia, que também é uma expressão artística que o senhor utiliza, possui lugar neste mercado?

Aleilton Fonseca: Essa discussão é antiga e sempre polêmica. A poesia, por sua própria natureza, não se ren-de ao gosto do mercado edi-torial. O seu público é mais específico, e portanto menor. Daí surge o mito de que po-esia não vende, que não des-perta interesse nos editores. Isso é relativo. Há uma comu-nidade de leitores e aprecia-dores de poesia. E os poetas mais velhos e consagrados tornam-se viáveis e vendem livros que são adotados em cursos e caem em exames di-versos. Para chegarem a essa condição foi necessário editar e lançar seus primeiros livros. Ou seja, falta às editoras o senso do investimento inte-lectual nos autores, de modo que possam, uma vez edita-

CINZAS INDICA!

A poesia, por sua própria natureza, não se rende ao

gosto do mercado editorial. O seu público é mais

específico, e portanto menor.

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dos, se firmar no mercado, dando retorno suficiente para remunerar os investimentos dos editores. Enfim, a poesia possui, sim, o seu lugar no mercado.

CINZAS: Como o senhor vê a influência da tecnologia da informação no processo de criação literária?

Aleilton Fonseca: Os su-portes influenciam o processo de criação, e isso é normal. Na pintura, a qualidade das tintas, dos pincéis, das telas e demais suportes proporcio-nam aos artistas novas possi-bilidades de explorar as suas habilidades criativas. Na lite-ratura também acontece isso, embora de forma mais sutil, menos visível. Os diferentes perfis de editoração, os novos designs editorias, os forma-tos dos livros, a natureza dos espaços eletrônicos, tudo isso acaba influenciando as for-mas dos textos produzidos e adaptados aos seus suportes. Cada vez mais a interação en-tre o editor e o autor se tor-na usual e normal, em busca de um projeto editorial mais consistente e definido. A de-pender do tipo de edição e de suporte, o editor às vezes até sente-se no direito de sugerir certas adaptações ou modifi-cações ao autor do texto.

CINZAS: A escrita em blog se caracteriza por ser uma escrita fluida e veloz, po-de-se prever que este supor-te servirá como um prelúdio para o surgimento de novos escritores?

Aleilton Fonseca: Sim, a escrita no suporte eletrôni-

co tem sua lógica própria. Da mesma forma que há um tra-tamento visual do texto nas edições normais, no suporte papel, também há um arranjo do texto para uma apresen-tação expressiva no suporte eletrônico. Há escritores quês e adaptam bem a um deter-minado gênero de texto, e por ele se caracteriza. Creio que já existem autores identificados de tal forma com o estilo de blog, que sua escrita demons-tra as suas preocupações com

a objetividade, a concisão, a fluidez e a velocidade que ca-racteriza a escrita em blog. E nada impede que essa escri-ta possa migrar para o papel, nos livros normais. CINZAS: Já enveredado pelos diversos gêneros literá-rios, há aquele que seja o de seu maior domínio?

Aleilton Fonseca: Creio que a ficção, – em suas moda-

lidades formais: crônica, con-to, novela, romance – cons-titui a minha área de maior domínio, com um número maior de livros escritos e pu-blicados. Depois disso, o en-saio tem sido o meu espaço de atuação acadêmica e inte-lectual, com algumas publica-ções relevantes. A poesia, ao final, completa o meu leque de produção literária.

CINZAS: Como o senhor vê sua influência na literatura contemporânea brasileira, já que o alcance de suas obras ultrapassou os limites territo-riais de nosso país, tendo até sido traduzido para o francês?

Aleilton Fonseca: O al-cance do meu trabalho vem se ampliando. É certo que, na Bahia, meu trabalho vem obtendo cada vez maior vi-sibilidade e meu nome vem crescendo positivamente. Em vários campi da UNEB, onde há cursos de Letras, meus li-vros vêm sendo bem estuda-dos. Também tenho notícias de leitura e de estudo de meus livros em alguns estados. Mas ainda é preciso trabalhar mui-to, e contar com um trabalho mais efetivo das editoras em torno de meus livros, a fim de conseguir um lugar mais efe-tivo no panorama nacional. Isso é difícil, é uma constru-ção lenta que se faz pedra a pedra, com paciência e perse-verança.

CINZAS: Quais são os autores de relevância para sua criação como escritor?

Aleilton Fonseca: Tudo que um autor lê auxilia na sua formação, no seu estilo, na

CINZAS INDICA!

Os suportes influen-ciam o processo

de criação, e isso é normal. Na pintu-

ra, a qualidade das tintas, dos pincéis, das telas e demais

suportes proporcio-nam aos artistas no-vas possibilidades de explorar as suas habilidades criati-vas. Na literatura também acontece

isso, embora de for-ma mais sutil, me-

nos visível.

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sua escrita. O autor é antes de tudo um leitor. Nesse pro-cesso ele se define e adota os seus autores preferidos para estabelecer com eles diálo-gos diretos e indiretos. Creio que autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, Adonias Filho, Her-berto Sales, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e tantos ou-tros contribuem sempre para a minha formação de escritor. Tudo que li é material de apoio no íntimo de minha consciên-cia de escritor.

CINZAS: Qual o conse-lho que você daria para os no-vos escritores que se envere-dam pelo campo complexo da escrita literária.

Aleilton Fonseca: Aos novos autores aconselho o exercício diário do sonho, do ideal, da persistência, da lei-tura e do trabalho. A escrita

literária é difícil, requer pre-paro, maturação e exercício. Nada que do que se escreve está logo pronto e acabado. É preciso escrever, ler, reler, ris-car, cortar, acrescentar, polir, reescrever. A obra é resultado de muito trabalho com o tex-to, com o estilo, com as técni-cas de escrita e os temas e os conteúdos da cultura. É preci-so viver, vivenciar e observar o mundo, a vida, a realidade. A escrita literária é complexa, muito difícil.

CINZAS: Para finalizar, uma pergunta que a Cinzas faz para todos os escritores e o senhor não pode escapar dela; a inspiração é preguiço-sa ou transpiração demais é para escritores de pouca ins-piração?

Aleilton Fonseca: As duas coisas fazem meio-sen-tido cada uma. O poeta Char-

les Baudelaire descobriu, no século XIX, que a inspiração não garantia mais a literatura para a modernidade. A escrita passou a ser uma luta de es-grima, travada nas ruas, nas entranhas das culturas em movimento. Para ele, a partir da modernidade fervilhan-te das ruas, o autor precisa-va sair de sua concha para ir em busca de seus motivos, seus temas, sua linguagem. Cada escrita impõe seu jeito e modo. Na criação de uma determinada obra a invenção e o talento podem até resol-ver; mas noutra obra pode ser preciso despender um traba-lho árduo de pesquisa, ade-quação de linguagem, e rees-critas do texto, até atingir o objetivo. Toda obra é aberta e pode receber algum reparo do próprio autor, na escrita, ou dos críticos, em seus en-saios. A perfeição é uma ideia platônica.

CINZAS INDICA!

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“Monografia” pala-vra quando dita ou lida pode despertar os mais terríveis pensamentos e provocar cen-tenas de náuseas incolores (As cores já se perderam há algum tempo), mas será que esta perturbação de nível atômico em nós é realmente necessária? (Perguntem para quem passou ou para quem está vivenciando esta experi-ência). Seu significado é sim-ples, podemos defini-lo com poucos mais de uma linha (“Anh-ran”): trabalho escrito que trata de um assunto es-pecífico – pronto! ponto. Vamos continuar ca-minhando, em seu sentido etimológico significa: mónos (um só) e graphein (escrever): dissertação a respeito de um assunto único. Simples não? Como algo simples pode nos fazer passar mal muitas ve-zes? Algo estava errado (pre-

cisava acreditar nisso), algu-mas peças estavam faltando para que a roda-gigante da vida pudesse entender o mo-tivo de está girando sempre. “Voilà” depois de algum tempo de pesquisa e sonhos sobre os mistérios que cir-cundavam esta “santa” pala-vra Monografia, pode criar e

entender o seu real(ternativo) significado e sua origem eti-mológica com mesma sim-plicidade, todavia com uma preocupação maior e mais ir-reverente. Etimologia: Na re-alidade este “móno” não é de “um só”, e sim “móno” é uma denominação dada aos maca-cos (símios) em geral, (e tam-bém) aos grandes primatas

sem cauda e com longos bra-ços (o chimpanzé, o orango-tango e o gorila) e grafia ad-vém (realmente) de graphein (escrever). Já imaginaram essa “mono/grafia”? Macacos (mesmo sendo um GRANDE PRIMATA) imitando uma escri-ta previamente escolhida, com um “chapéu” inversamente proporcional ao seu tamanho e seus sonhos e dançando de acordo com a música tocada (ditada pela academia)? Este é um dos significados etimo-lógicos dessa nova(antiga) palavra Monografia (nasci-da desde 1830), neste caso “Macacografia”(nascida des-de algum sonho), lembrando que esta origem não esgota as tantas outras hipóteses e te-oria que ainda hão de vir. Ah, bem lembrado... O significado dessa “Macacografia” segue nos sonhos reais escritos na

Macacografia

Por Biba Barreto

CRÔNICA

Como algo simples pode nos fazer pas-

sar mal muitas vezes?

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próxima página. Em um novo amanhe-cer, amanhecia nos braços (in)finitos da internet, dialogan-do com Word, artigos, ano-tações, livros, livretos, mais Word, artigos, anotações, livros, livretos. A confusão marcada como tatuagem, a rosa-dos-ventos murchou só deixando os ventos, nada de transver o mundo, precisáva-mos de algo concreto (Diz-se do que é sólido [e não fluido] [substância concreta]; CON-DENSADO; ESPESSO), água evapora, transcende, “não fluidos” não transcendem, são pesados, nos fazem tropeçar –. Entristecida, fera feri-da, os sentidos e significados estavam perdidos, escrever passou a ser know-how tor-tura o enquadramento acadê-mico ensina manuais de tortu-ra e torturadores (Tormentos aos contadores de história), circunstâncias de mortes para as ideias, desaparecimentos de consciências edas prisões arbitrárias para vida cometi-das nos anos de chumbo (con-creto?) e revivendo no hoje. “(...) O olho vê, a lembrança revê...” (Manoel de Barros) As falas escritas, his-tórias e estórias contatas, “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História.” Guimarães Rosa, não era sapiência e nem ciência, não há aprendiza-gem. Escrever no quadrado acadêmico – Perdão - no en-quadramento acadêmico tem mais valor (Preço atribuído a algo: o valor de um terreno/ Utilidade, valia/ Importância, qualidade, mérito/ Validade). Deve-se formatar aos poucos. 2 anos, 9 meses e 28

dias – Tempo, tempo, tempo - esses anos, meses e dias são as vivências na faculdade, 36 disciplinas (Significado/Ori-gem: “aquele que segue” – Outros sentidos: castigo que produz obediência) algumas tive o prazer e a sorte de ca-minhar ao lado, outras ver-dadeiras obediências, amea-

çados por faltas e notas, três anos passados em uma Ins-tituição de Ensino Superior e uma corriqueira monografia não se concretizava. Pensamentos e Ideias essas não faltavam, comecei a ficar com raiva disso, a não querer pensar tanto, pedir para as ideias ficarem quietas, elas não estavam me ajudan-

do, corria contra um tempo, que nem sei que tempo é esse, queria mostrar para mim que sabia escrever, como assim? Será que até hoje não escre-vo? E os contos? As poesias? Frases? Não é escrever? Não para linguagem acadêmica! Mas por que não? O erro pode ter sido meu, ao invés de ler muitos artigos, monografias, teses, me deliciava e fruía nos livros. Livros de Paulo frei-re, Maria Olypey, Rubem Al-ves, Gheralldeli, Edgar Morin, Manoel de Barros, Medina, João Batista Freire, Antônio L. Bahia, Alberto S. Tourinho, Tom Jobim, Madalena Freire, Lima Barreto, Lauro de Oli-veira Lima, Lev Vygotsky, Pe-dro Demo, Jean Piaget, Jean Jaques Rousseau, Vinícius de Morais, Platão... – Livros que são verdadeiras histórias, textos que lhe proporcionam prazer, em um cenário para descansar, uma terra imper-feitamente perfeita para nas-cer um pé de gente. Quando menos espero, meus pensamentos assumem o papel do treinador e questio-na-me: Como sempre Renata, se posicionando muito bem, mas quantas páginas têm a sua monografia? Automatica-mente a resposta chegava aos galopes: NENHUMA (uma ou duas e quem sabe três), mas uma vez as lágrimas regavam a flor do meu amanhecer. Download de artigos, procura-se por livros. Ler, ler, ler, ler, ler, ler, ler (Logo vira L.E.R.) Estava lendo Gherall-deli e me perguntei: Será que ele tem Facebook? Vou pro-curar. Fiquei nervosa quando vi o seu perfil, fiquei naquele dilema, mando um convite ou

CRÔNICA

2 anos, 9 meses e 28 dias – Tempo, tem-po, tempo - esses

anos, meses e dias são as vivências na faculdade, 36 disci-plinas (Significado/

Origem: “aquele que segue” – Outros

sentidos: castigo que produz obedi-

ência) algumas tive o prazer e a sorte de

caminhar ao lado, outras verdadeiras obediências, ame-açados por faltas e

notas, três anos pas-sados em uma Ins-tituição de Ensino

Superior e uma cor-riqueira monografia não se concretizava.

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não? Resolvi mandar. Entrei no site dele, estava nas par-tes dos livros (Por que será?!) nos links dos vídeos, tinha uma entrevista com o Jô – Mi-nha Curiosidade pedindo para assistir, certamente assisti. Gostei da conversa, uma boa conversa entre amigos, no en-tanto, o momento que iria me fazer chorar encontrava-se no final – Uma metáfora so-bre um ensinamento de Paulo Freire. A história: “Como fa-zemos para que um elefante possa descer da árvore? Ele senta em uma folha e espera o outono chegar”. Nesse pre-sente, meu passado misturou--se com o futuro, perdi a no-ção do tempo-espaço, meus olhos derramaram sentimen-tos derretidos. Tempo, esse tempo que corremos tanto contra ele, deve ser nosso amigo, “calma gafanhoto”, “a fruta só dá no tempo” (Mestre Bimba), mais uma vez parei para pensar na pressa. Algu-mas pessoas no “programa

do Jô” riram dessa aprendi-zagem vestida de conto, mas não as culpo, muitos foram formatados a entender: Es-paçamentos 1,5, letras Times New Roman ou Arial, fonte 12, Margem da página 3-3-2-2cm e tantas outras coisa (in)úteis para escrever um texto.

Logo que acabou o ví-deo acelerei os dedos para pesquisar sobre essa metáfo-ra, coração pulsava na espe-rança de encontrar, para feli-cidade dos sorrisos, o próprio Gheralldeli escreveu. Sabia que iria ler algo muito bom, não esperava que mais uma vez causasse uma desequili-

bração. Segundo parágrafo do texto: “Contar histórias é algo que Paulo Freire sabia bem. E nisso, ele fazia filosofia. Pois a filosofia que ele fazia, se qui-sermos algum enquadramen-to acadêmico, pode ser vista como na tradição de Montaig-ne e Pascal. Uma filosofia de ensaios e aforismos.” Esse foi o momento, exato, do cho-ro, a cada letra do texto, uma lágrima dançava, comecei a agradecer meus sorrisos e fa-zer poesias de desculpas para minhas ideias e pensamentos. Os autores que mais admiro são “contadores de histórias”, não é ciência con-tar história? Não há aprendi-zagem? “Quem sabe o con-teúdo, modifica a forma” (A. Bahia) Escrever é descrever o mundo. Escrever e Esculpir deveriam ser sinônimos. Es-crever eterniza a memória, Fotografa o tempo, Recria a vida. Inspiro vida... Expiro Po-esia.

Tempo, esse tempo que corremos tanto contra ele, deve ser

nosso amigo, “calma gafanhoto”,

“a fruta só dá no tempo”

(Mestre Bimba)...

CRÔNICA

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Na torrente comunica-tiva das redes sociais, em um fluxo de navegação cibernéti-ca, deu-se a entrevista da Cin-zas no Café com o premiado escritor, nascido em Huambo, Angola, José Eduardo Agua-lusa. Agualusa possui em sua trajetória literária mais de 20 livros publicados. Em 2007, com o livro, O Vendedor de Passados, foi o primeiro es-critor africano a ganhar o disputado Prêmio de Ficção Estrangeira, na Inglaterra; a partir daí, sua obra ganhou maior projeção internacional, chegando a ter os seus livros traduzidos para mais de 20 línguas.

CINZAS: A infância em Angola é o campo fértil da sua imaginação, ou um local po-ético que lhe deixa inspirado para a criação literária?

AGUALUSA: A Infân-cia é um tempo ao qual todo o escritor retorna. Acho que é esse tempo que alimenta tudo, que define o essencial do que irá depois ser um es-tilo. Evidentemente, todas as infâncias são reconstruídas depois da idade adulta. Todas as infâncias são míticas. Eu tive uma infância feliz, muito próximo da natureza. A casa onde cresci ficava no exato li-mite entre o asfalto e a sava-na – para lá da rua não havia nada, era só mato.

CINZAS: Em que mo-mento da sua vida o senhor falou de si-para-si: eu sou um poeta, ou um escritor?

AGUALUSA: Não penso muito nisso. Gosto da frase do Mia Couto – “não sou um es-

critor, estou escritor.”

CINZAS: A inspiração que o texto lhe provoca no processo de escrita determi-na se este vai se tornar um conto, uma novela ou um ro-mance?

AGUALUSA: Você não sente isso por via da inspira-ção, mas da respiração. Você sente pela maneira como um texto respira, nas primeiras frases, se aquilo é um conto ou um romance. São entida-des distintas, como um gato e um leão. Respiram de maneira diferente. Você sente logo. CINZAS: No livro, O Ano em que Zumbi Tomou o Rio de Janeiro, o senhor tratou de uma questão muito peculiar: de como uma grande parte dos brasileiros imaginam os escritores africanos (com

José Eduardo Agualusa

Entrevistador: Davi Nunes

ENTREVISTA

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bata e extremamente ne-gros). O senhor acredita que essa visão ocorra porque uma boa parte dos intelectuais do Brasil, que advoga em pró da causa negra, desconhece ou só possuem uma visão mítica da África?

AGUALUSA: Muitos desses intelectuais realmente não conhecem África na vitali-dade da sua cultura moderna. Conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil. Os africanos são modernos. De uma forma geral a juven-tude africana está muitíssimo atenta a tudo o que é contem-porâneo. Isso explica a força da música africana. Os africa-nos devoram tudo, retraba-lham esses produtos e dão--lhes novas cores. Por outro lado não existe uma África. Os países africanos são comple-tamente distintos uns dos ou-tros. Você atravessa a frontei-ra entre Angola e a Namíbia e está num outro planeta. Você tem países que foram coloni-zados por malaios ou por in-dianos, como a Madagáscar ou a Maurícia, e outros de for-te influência inglesa. As pes-soas vestem-se de maneira diferente. Há países islâmicos e países católicos. Não é pos-sível generalizar.

CINZAS: Um estudo aprofundado da história da transplantação de africanos escravizados para as colônias nas Américas demonstra que os traficantes ficaram extre-mamente ricos com o tráfi-co negreiro. Além disso, nos monstra que, com o fim das suas atividades e com a for-tuna adquirida desta, eles fundaram as grandes corpo-

rações bancárias do mundo. Sem dúvida, foi a maior lava-gem de dinheiro que já existiu na história da humanidade. Diante do panorama explici-tado, o senhor, que escreveu O Vendedor de Passados, teria um novo para vender à África e ao Brasil?

AGUALUSA: A África e o Brasil não precisam de um passado novo. Precisam de aprender as lições do passa-do, de forma a construir um novo futuro, mais justo, mais democrático. A escravatura foi um longo e abominável cri-me, mas desse crime resulta-ram novas culturas, de extra-ordinária exuberância – essa é grande lição a tirar: é possível transformar o horror em be-leza.

CINZAS: Agualusa você escreveu algumas peças de teatro, além daquelas que es-creveu com a parceria de Mia Couto. Em algumas entrevis-tas você falou de uma espécie de abismo representativo en-tre o que imaginou ao escre-ver o texto e a representação própria no palco. Será que isso ocorre devido à dificulda-de que o escritor ficcional tem em organizar os aspectos do artesanato cênico (disposição das cenas, dos personagens no palco, dos trejeitos drama-túrgicos) que se difere em de-masia da criação de uma cena de conto ou romance?

AGUALUSA: Uma peça de teatro devia ser reescri-ta à medida que fosse sendo representada. O que funciona no papel nem sempre funcio-na em palco – são linguagens distintas. Eu gostaria de tra-

balhar mais de perto com os atores.

CINZAS: Agualusa você prefere um dia de futebol, ne-gras, samba e kuduro, ou de atividades intelectuais numa feira literária?

AGUALUSA: Depende, há momentos para tudo. Além disso, acho que o livro deve ser uma festa.

CINZAS: Mia Couto uti-liza uma variação linguística, na criação deseus romances, peculiar à sua própria estilística, que não está relacionado direta-mente às variações faladas em Moçambique. O senhor já se aproxima mais à norma padrão da língua portuguesa com algumas pigmentações do Quimbundo. Seria essa ba-sicamente a estrutura linguís-tica da sua obra?

AGUALUSA: Cada ro-mance exige uma linguagem distinta. Os livros do Mia, ali-ás, estão hoje muito mais despojados. Nos seus últimos romances ele já utiliza basica-mente o português padrão.

CINZAS: Jorge Amado, com a sua obra literária pos-sibilitou, aos escritores afri-canos enxergarem poesia e li-teralidade em suas realidades vivenciais?

AGUALUSA: Jorge Ama-do deu-nos a ver que era pos-sível construir um universo li-terário a partir das tradições e de um pensamento africano. Esse foi o seu grande ensina-mento.

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“Tô me afastando de tudo de tudo que me atra-sa, me engana, me segura e me retém. Tô me aproximan-do de tudo que me faz com-pleto, me faz feliz e me quer bem” – Caio Fernando Abreu. Li esta frase algumas vezes nos últimos dias, aliás, tenho lido muito Caio F. Abreu ulti-mamente e devo agradecer, ou não, ao Facebook. Acredito que Caio tenha se tornado a maior figura pensante das redes sociais (o poeta das almas inquietas), sendo curtido e compar-tilhado incessan-temente nos mais diversos tipos de perfis que se po-dem encontrar vagando pelos ca-minhos tortuosos do Facebook. Pena ele não estar mais entre nós para ver quantos leitores ele adquiriu; ou o contrário, talvez ele não se rego-zijasse tanto ao se ver resumido à frases soltas de autoajuda e/ou apoio moral, as quais, mui-tas das vezes, não se podem atestar como sendo dele. É por essas e outras razões que às vezes sinto falta do bom e velho Orkut, de quan-do Caio F. Abreu era apenas um contista, romancista, te-atrólogo e um dos maiores

intelectuais contemporâneos. Sinto falta, também, da não obrigatoriedade, que está tão em voga hoje em dia, de se curtir ou compartilhar publi-cações ditas interessantes. Interessantes para quem? Indago-lhes. É como se não existíssemos dentro das re-des sociais se não interagir-mos nos compartilhamentos alheios.

Mas, devo confessar que, o que mais me chama atenção neste mundo das re-des sociais é como ninguém mais precisa se utilizar de suas próprias palavras para expressar seus pensamentos, por mais que estes não sejam do interesse geral da nação. Não é mais necessário que se-

jamos nós mesmos; podemos existir dentro desta enorme esfera borbulhante sem nun-ca nos utilizarmos de uma única palavra que seja real-mente nossa. Então, pergunto-lhes, para que ler algo de real con-sistência e absorver as ideias daquilo, quando existe uma ferramenta ao alcance de nossos dedos nervosos que

nos forne-ce informa-ções sobre tudo, tudo mesmo? Os c o m u n i s -tas podem “ g o o g l e -ar” por fra-ses de Che Guevara (e acabar es-b a r r a n d o em Mao Tsé Tung sem saber), os filósofos po-dem se de-liciar com citações de Nietzsche, R o u s s e a u , Descartes...

e os inúmeros poetas são li-vres para citar desde Arnal-do Antunes até Camões. Eles só precisam de alguém que os alerte que o Pensador UOL não é, realmente, o melhor lu-gar para se buscar por frases e citações, já que em muitas delas não é possível atestar, com certeza, a real autoria.

Ser ou não ser, eu?

Por Marcio Costa

CAIU NA REDE É TEXTO

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A expressão de um mundo em ruínas, eis Ensaio sobre a Cegueira. No romance em questão observa-se José Saramago construir o univer-so ficcional da narrativa na medida em que desconstrói a identidade do homem e os elementos que o caracterizam como um ser social. Assim, verifica-se como as represen-tações dos conflitos causados pela cegueira expressam a degradação e a fragmentação do sujeito recaindo num ques-tionamento acerca da identi-dade, além de evidenciar o quanto as pessoas perderam o sentido das coisas, as rela-ções interpessoais se trans-formaram em imediatismos e a falta de afeto, de solida-riedade e de princípios não é percebida neste mosaico de imagens criado por homens que, já sendo cegos, cegaram. O enredo tem início com uma confusão no trânsito e um grito desesperado: Estou cego. Um homem cega, re-pentinamente, ao volante de seu automóvel e um surto de cegueira incomum e inexpli-cável, o mal branco, começa a se desenvolver. Ao perceber a gravidade dos problemas que tal epidemia poderia causar, as autoridades decidem en-viar os novos cegos, e aqueles com quem eles tiveram algum contato, a um manicômio de-sativado, em regime de qua-rentena. Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos, pela obscuridade, a meros se-

res lutando por seus instintos. Somente uma mulher não é acometida por esse mal. Res-ta apenas a sua visão em meio à completa cegueira, moral e física, que assola os homens, tornando-se ela a única teste-munha da degradação a que chegou aquela comunidade absolutamente cega. Partindo do pressupos-to de que a alegoria da ce-gueira se configura como uma crítica social que encerra uma tentativa de resgatar aquilo que não está visível aos olhos e ressignificar a condição do homem na contemporanei-dade, percebe-se que toda a trama imerge o leitor em um questionamento acerca do quanto deste mundo é real. As reflexões em torno do mal branco remetem para uma questão importantíssima para o entendimento do que vem a ser cegueira branca: a noção amplamente difundida de que provavelmente tudo na era das técnicas da informação e da comunicação pode ser si-mulado, inclusive o homem, que fez de si algo supérfluo. Além disso, pode-se dizer que o avanço técnico-científico fa-voreceu um excesso de visibi-lidade e, contraditoriamente, levou a humanidade a um es-tado lamentável de cegueira. A obra em questão consiste em uma metáfora da condição humana que, como o próprio autor defende em entrevista ao Jornal de Le-tras (25 de outubro de 1995)

encontra-se cega em todas as circunstâncias, sobretudo, por ter sido acometida pela cegueira da razão - entendida como a responsável pela gran-de epidemia de cegueira que recai sobre as personagens. Saramago, enquanto mili-tante político e admirador da filosofia das Luzes, partilha-va um ideal de racionalidade herdado do Iluminismo e que, posteriormente, obteve con-sagração no marxismo. Para o escritor, esse entendimento da Razão não tem mais lugar na sociedade atual e é justa-mente quando se lhe afigura a possibilidade do fim da razão, “dada como falida, indefinida, partida em cacos e incapaz de se afinar com a própria reali-dade” (LOPES, 2010, p. 145), que surgem em Saramago as motivações para a criação das alegorias distópicas que cons-tituem Ensaio sobre a ceguei-ra e também Ensaio sobre a Lucidez. O entendimento da ce-gueira que acomete as per-sonagens consiste, então, na percepção da perda da racio-nalidade. A inclusão dos cegos em regime de quarentena no manicômio se manifesta não como uma anulação total do mundo, mas como um recuo, um distanciamento desse mundo labiríntico para me-lhor compreendê-lo. A degra-dação sofrida pelos cegos, que passam por um processo de animalização até a configura-ção daquele espaço enquanto

UM OLHAR SOBRE A CEGUEIRA

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um local em que predomina a “barbárie” ao invés da “ci-vilização” concretiza-se por meio da cegueira branca, que se configura como o elemen-to que exterioriza o caos e a crise dos valores mais básicos da sociedade. Neste labirinto, metáfora que se tornou co-mum quando se fala em con-texto urbano, irrompe a cena inusitada de uma trajetória de homens e mulheres cegos, que não deixaram de ter olhos sãos, mas, que não sabem ver, ou já não podem ver. Observa-se no plano narrativo que o mundo visível dilui-se numa brancura lumi-nosa.Esta imagem é recorrente no universo ficcional do roman-ce mostrando o contraste da cegueira típica, que se limita a cobrir a aparência dos seres e das coisas, com a ceguei-ra luminosa que se infiltrava aos poucos naquela socieda-de. Esta luminosidade acaba cegando aqueles que esta-vam acostumados com o jogo cotidiano de luz e sombra de um mundo que vivencia como verdade os embustes da vida contemporânea. Pode-se afir-mar, portanto, que o autor nos apresenta uma cegueira branca justamente porque a ideia de brancura está direta-mente associada à ideia de luz e, do mesmo modo, a ideia de luz associa-se à razão. No dicionário (FERREI-RA, 1975, p. 224) se encon-tram, entre muitas, as seguin-tes definições para o vocábulo branco: a) Impressão produzi-da no órgão visual pelos raios de luz não decomposta; e b) Claro, transparente, translú-cido. Com relação ao item a, quando aplicado ao entendi-

mento da alegoria em ques-tão, pode-se depreender que o branco que preenche a vis-ta dos cegos, consiste em um retorno ao mundo da razão. A luz que passa a substituir a percepção das coisas repre-senta a recuperação da racio-nalidade perdida, ou melhor, representa o resgate da razão como o elemento capaz de proporcionar a verdadeira vi-são e conhecimento. Por isso, ao se tornarem cegas, as per-sonagens passam a ver as coi-sas como elas realmente são. Daí a relação com a segunda definição, apresentada no item b. A razão clarifica, tor-na transparente a realidade, fazendo com o que o invisível torne-se visível, no caso em questão, as pessoas passam a enxergar a si mesmas e aos outros em sua essência. Por fim, a ceguei-ra apresenta-se ao longo de todo o percurso narrativo e é pelo viés dela que se discute o olhar como uma busca de sen-tido explícito e reconhecível para a sociedade em que se perderam quase por comple-to os princípios fundamentais que norteiam a visão, onde o campo visual está comprome-tido pelo pensamento moder-no que reduziu as coisas e os homens a bens de consumo, a mercadorias descartáveis e virtuais. Não é por acaso que em várias situações em que se refere ao Ensaio, Saramago aborda a completa irraciona-lidade em que se vive atual-mente e a possibilidade do fim da razão: Vivi durante anos afer-rado à crença de que, apesar de umas tantas contrarieda-des e contradições, esta espé-cie de que faço parte usava a

cabeça como escritório e apo-sento da Razão. Certo era que o pintor Goya, surdo e sábio, me protestava que é no sono dela que se engendram os monstros, mas eu argumen-tava que, não podendo ser negado o surgimento dessas avantesmas, tal só acontecia quando a razão, pobrezinha, cansada da obrigação de ser razoável, se deixava vencer pela fadiga e mergulhava no esquecimento de si própria. Chegado agora a estes dias, os meus e os do Mundo, vejo-me diante de duas possibilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também, o mais irracional entre todos eles (Cadernos de Lanzarote, 1997, anotação de 3 de maio de 1993). Nesta afirmação, Sa-ramago faz clara referên-cia a uma das mais célebres gravuras do artista plástico espanhol Francisco Goya: O sonho da razão produz mons-tros. Esta é considerada uma perfeita “alegoria da razão” (ROUANET. In: NOVAES, 1989, pp. 298-299). Percebe-se, pois, que como o próprio Sa-ramago reconhece, ao lhe fa-zer alusão, esta dialoga com a proposta do escritor de evi-denciar a crise da razão e do sujeito moderno.

Vanessa Silva dos Santos: Licenciada em Letras Verná-culas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e gra-duanda do curso de Ciências Sociais da Universidade Fede-ral da Bahia (UFBA).

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Ditatura da Moda

NUCIRCUITO

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Nesta sua segunda edi-ção, as Cinzas no Café trazem orgulhosamente para o Que Figura!, a professora Dou-tora Yeda Pessoa de Castro, especialista na área da Etno-linguística reconhecida mun-dialmente por seu trabalho, que em mais uma manhã de trabalho no Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros em Línguas e Culturas (Nge-alc) da Universidade do Es-tado da Bahia, nos concedeu um espaço em sua agenda, sempre cheia de compromis-sos, para uma conversa sobre África. Entre reminiscências da infância, relatos de estu-dos e críticas às formas de se enxergar a África, até mesmo no meio acadêmico, nos foi dada uma verdadeira aula de

línguas e culturas africanas.

Para conferir a en-trevista completa em vídeo, acesse a página da Cinzas no Café no facebook.

Cinzas no Café - Como se deu sua paixão pelas lín-guas e culturas africanas?

Professora Yeda de Castro -

Isso vem desde quando eu era criança, o que quer dizer que já tem muitos anos. Primeiro, eu passava muito tempo em Feira de Santana na fazenda da minha família. Eu nasci em Feira, mas fui criada aqui em Salvador, tanto que eu cos-tumo dizer que tenho dupla naturalidade, eu sou feiren-se e soteropolitana também. Lá na fazenda havia muitos pretos velhos, que cantavam cantigas e faziam aquelas me-sinhas e aquilo tudo me intri-gava; o que aquela gente es-tava falando? Quando eu tinha entre 11 e 12 anos, recebi de meu pai, de presente, um livro que se chamava o Aviãozinho Ver-melho, que contava a história de um menino que recebeu de

QUE FIGURA

Outra coisa que temos que corrigir é que os negros que foram trazidos para

cá não eram escravos africanos,

e sim, africanos escravizados.

Yeda Pessoa de Castro

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Era isso que eu queria saber. Aí eu tive a oportunidade de ir para Nigéria, para a Universi-dade de Ife. Lá me dediquei a estudar as línguas do Golfo do Benin, o Ioruba e o Fon. Fiz o mestrado nessa área de Ioru-ba e Fon e depois fui pro Zaire, atual República Democrática do Congo, para fazer o dou-toramento na área de línguas banto. Fiquei extremamente surpresa porque redescobri a presença banto no Brasil, a grande e marcante presença e influência dos povos banto no nosso país, pois até aquele

momento só se falava em Io-ruba; desde os anos sessenta tínhamos o curso de Ioruba no CEAO, e pensávamos que esta era a língua universal da Áfri-ca. O Ioruba é uma língua mais recente, do século XVIII, XIX, para cá. Enquanto que o povo banto foi trazido pro Brasil no século XVI, XVII. Outra coisa que temos que corrigir é que os negros que foram trazi-dos para cá não eram escra-vos africanos, e sim, africanos escravizados. Eles nasciam de ventre-livre e tornavam--se escravos porque o tráfico fazia isso. Resultado, desses

presente de aniversário esse aviãozinho vermelho e à noite ele dormindo, imaginou que estava viajando pelo mundo nesse avião e descia em vários lugares e um desses lugares foi a África. Ele desce, no meio de uma floresta, claro, porque só podia ser em uma floresta, e de repente aparecem vários negros cantando e falando. Eu viajei naquele sonho também, para saber que língua era aquela. Vivi na Barroquinha e no caminho para a escola co-nheci uma figura que me im-pressionou muito, o Procópio do Ogunjá; ele tinha uma qui-tanda e sempre que eu parava ganhava umas frutas e, tam-bém, falava umas coisas que eu não entendia. Quando ia passar férias em Feira de San-tana, tinha a Nega Fortunata que era a minha portadora. Ela era tida como feiticeira, tinha uma casa cheia de fo-lhas e, também, falava umas coisas que eu não entendia. Eu dizia que ainda ia descobrir que língua esse povo falava. No meu último ano de escola desisti da faculdade de direito e fiz vestibular para Letras. Na faculdade conheci o professor Nelson Góes que me colocou nos caminhos da dialectolo-gia. Me interessei por estudar e pesquisar o assunto, mas quando me formei fiquei um pouco decepcionada com ele, porque disse que queria estu-dar a questão da influência de línguas africanas no Brasil, e ele disse que não, que isso já estava esgotado. Mas eu que-ria isso e fui procurar. Queria saber que língua aqueles qua-tro milhões de negros africa-nizados falavam, não eram mudos, claro que não eram mudos, eles falavam o quê?

quatro milhões trazidos for-çosamente para o Brasil, pro-vavelmente ou certamente 75% eram provenientes das zonas do Congo, de Angola e depois de Moçambique.

Cinzas no Café – En-tão, o povo banto foi quem influenciou os diversos níveis do português brasileiro? E o Ioruba seria mais utilizado na linguagem litúrgica?

Professora Yeda de Castro - Sim, exatamente. E o Ioruba é, sim, mais no nível religio-so. Trazidos a partir do sécu-lo XVIII, o povo Ioruba ficou mais nas zonas urbanas, na costa, e quem foi levado para o interior foi o povo banto, tanto que todos os quilom-bos, a começar pelo nome “quilombo” que é um nome banto, eram todos de origem banto. E essa gente chegan-do aqui entrou em contato primeiro com os indígenas e desse contato dos indígenas com o povo banto das senza-las, criou-se uma religião que é autenticamente brasileira, o candomblé de caboclo, prova-velmente a religião brasileira mais antiga. Já o povo Ioruba que aqui chegou foi obriga-do a falar português, o qual não era aprendido na escola. Sabe-se que qualquer indivi-duo que começa a falar uma segunda língua naturalmente transmite para essa, traços linguísticos e articulatórios da sua língua materna. Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a maioria da população no Bra-sil era constituída de negros e crioulos, escravizados nasci-dos aqui. Eles aprenderam a falar português aqui, no con-tato com os outros. Segundo

QUE FIGURA

Repare só uma coisa: eu nunca

disse que a diferença que

separa o português brasileiro do de

Portugal foi provocada pelas

línguas africanas. As pessoas me

interpretam mal de propósito.

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a minha tese, que vem sofren-do uma resistência grande da academia em aceitá-la, o Bra-sil africanizou o português de Camões.

Cinzas - Scherre e Naro defendem a tese de que o português brasileiro se de-senvolveu a partir da deriva secular. Já Luchessi encontrou outra explicação teórica, a da transmissão linguística irre-gular. Qual seu pensamento em relação à posição destes teóricos que advogam a ideia de que a influência das línguas africanas se dá apenas no lé-xico?

Professora Yeda - Repare só uma coisa: eu nunca disse que a diferença que separa o por-tuguês brasileiro do de Por-tugal foi provocada pelas lín-guas africanas. As pessoas me interpretam mal de propósito. O que eu digo é: as coincidên-cias estruturais e linguísticas entre o português antigo e as línguas do grupo banto pro-vocaram o quê? A continuida-de da pronúncia do português arcaico no Brasil. Então, essa coincidência de estruturas provocou essa continuidade, não foi a sua causa. O portu-guês arcaico é muito vocali-zado, e o português de Por-tugal é muito consonantal. Então, por que essa estrutura consoante-vogal permane-ceu no português do Brasil e se afastou do português de Portugal? Porque, nas línguas de Angola, a estrutura é essa aí. Eu nunca disse que isso foi provocado pelas línguas de Angola. Apenas, que elas deram continuidade a essa pronúncia, a essa estrutura. Logo, essa deriva que Scher-

re e Naro falam contém essa continuidade por uma con-fluência de motivos. E qual é essa confluência de motivos? O isolamento que o Brasil vi-veu durante três séculos, até a abertura dos portos em 1808. Aqui dentro, uma maioria de falantes não-portugueses e falantes africanos, sobretu-do, falantes de Angola, com a estrutura muito próxima ao português arcaico contribuiu para que essa pronúncia do português do Brasil conser-vasse essa deriva de que eles falam.

Cinzas - Acerca do Se-minário Internacional Aco-lhendo as Línguas Africanas (SIALA). A senhora acha que seminários como esse vêm quebrando o preconceito e o desconhecimento sobre as línguas africanas? Professora Yeda - Claro que sim. Nós no SIALA estamos sempre procurando mostrar: primeiro, que os africanos trazidos para cá não eram mudos, falavam línguas arti-culadamente humanas. A im-pressão que dá, é que esses

milhões de indivíduos larga-dos aqui como escravos fica-ram tão contentes de serem escravizados no Brasil que co-meçaram a cantar de alegria e a gritar “candomblé, ma-cumba”, saltitando e dizendo palavras a esmo só de alegria por estarem sendo escraviza-dos. O que procuramos mos-trar no SIALA é isso. Não é um seminário de linguística, é um seminário em que a língua é o centro de tudo, para se dis-cutir história, antropologia, sociologia, linguística e tudo mais; e mostrar aspectos da história da África que são des-conhecidos no Brasil.

Cinzas - E como as lín-guas africanas são vistas no Brasil?

Professora Yeda - As línguas africanas são tão mal vistas e estereotipadas no Brasil que são chamadas de dialetos, no sentido pejorativo do ter-mo, mas cada língua tem um conjunto de dialetos regio-nais. O português do Brasil, por exemplo, tem o baianês, o pernambuquês, o paulistês... são os diversos falares, que são essas formas dialetais e regionais de se usar uma lín-gua. E as línguas africanas não fogem a isso, o quimbundo e o ioruba possuem uma série de dialetos; e tem outra coisa, o ioruba e o banto são palavras que não fazem parte da nos-sa história; foram palavras in-ventadas por linguistas no fi-nal do século XIX. Na verdade, não existe uma cultura e nem uma língua ioruba, o que exis-te é um conjunto de línguas, dialetos e falares de denomi-nação ioruba; e um conjunto de línguas que têm uma de-

QUE FIGURA

Na verdade, não existe uma cultura e nem uma língua

ioruba, o que existe é um conjun-

to de línguas, dialetos e falares de denominação ioru-ba; e um conjunto

de línguas que têm uma denominação

de banto.

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nominação de banto. Então, banto e ioruba não fazem par-te da nossa história.

Cinzas - A senhora vem lutando pela implantação da disciplina de Línguas Africa-nas na grade curricular do curso de Letras da UNEB. Qual a importância que essa disci-plina irá trazer para o curso? Professora Yeda - Primeiro, temos de reescrever tudo o que foi escrito até agora so-bre o português do Brasil e para fazermos isso temos de conhecer as línguas africanas. Principalmente as línguas de Angola. Essas línguas que va-mos ensinar aqui: o quicongo, o quimbundo, e o umbundo, também, que vai ser ensina-do em Minas Gerais. Segundo, mostrar que as línguas africa-nas que foram faladas no Bra-sil, são línguas estrangeiras da mesma maneira que são o inglês, o alemão, o espanhol e devem estar na mesma ca-tegoria, sem nenhuma distin-ção. Terceiro, mostrar para a própria Angola que essas lín-guas merecem crédito e não podem de maneira nenhuma ser aportuguesadas a ponto de desaparecerem. A UNEB se antecipou em introduzir na universidade o estudo dessas línguas, que em Angola ainda não foram introduzidas.

Cinzas - Essa resistên-cia do mundo acadêmico com relação aos estudos das ques-tões do negro advém do medo da desforra? Ou seja, esse medo tem a ver, por exemplo, com o acesso dos negros às estruturas de poder, e isso, de certa forma, fomenta o racis-mo aqui no Brasil?

Professora Yeda - Não é só no Brasil, mas no mundo todo. Porque sobre essa questão de racismo, temos que entender uma coisa; racismo não é só uma questão de branco con-tra preto, nem de preto con-tra branco. Por exemplo, na própria Europa, muitas lutas que lá tem são resultado do racismo; é um grupo étnico brigando contra o outro, é um religioso brigando contra o outro. O que precisamos en-tender é que essas questões de racismo vão muito da do-minação econômica. Na pró-pria África, é negro brigan-do com negro. Isso desde os tempos imemoriais até agora. Então, para acabar com isso é preciso acabar com essa índo-le humana de competição e de domínio, é preciso que a gen-te, como ser humano, se mo-difique; faça outro modelo de gente, que Deus ou Zambi, ou quem for, crie outras criatu-ras que não mais a gente, nós estamos cada vez mais detur-pados.

Cinzas - O trabalho da senhora é reconhecido em nível mun-dial. Qual a repercussão desse trabalho na Bahia, sendo que Salvador é a cidade que mais preserva as línguas e culturas africanas fora da África?

Professora Yeda - Ninguém na Bahia quer ser negro, embora todo mundo seja. Eu costumo dizer que não sou uma bra-sileira branca, sou uma bra-sileira de pele branca, o que é muito diferente. A reação, então, é a de não querer ad-

mitir. Primeiro, por medo de, no momento de admitir essa presença, ter que reescrever tudo o que já foi escrito até agora. Segundo, pelas gran-des vaidades, na academia, por exemplo. Você é dono do assunto de literatura ou do assunto de antropologia e não quer repartir, nem dis-cutir esse conhecimento com ninguém. Você faz aqueles guetos e fica ali dentro discu-tindo; são incapazes de traba-lhar e juntar, por exemplo, a antropologia com a linguísti-ca; existem as reuniões de lin-guistas e as de antropólogos, separadinhos, cada um em seu compartimento. Aí se chega ao ponto de não se conhecer nada do que seja africano porque está ligado ao que é escravidão, sempre, porque a história do Brasil é a história da escravidão, e antes dela não tinha nada da África, ela surgiu assim de repente; o europeu foi quem descobriu a África. Então, é isso que não queremos saber; por medo e temor de ter de reescrever tudo e sair dos pedestais, dis-cutir e aceitar essa penetra-ção e essa influência. É difícil.

Cinzas - Para terminar, quais as lições que a senhora tirou de suas andanças pela África?

Professora Yeda - Aprendi a ter sempre bom humor; o que aprendi na África foi a gostar de tudo. O que aprendi nes-se continente extraordinário foi a não ter medo da morte. Quando eu morrer, eu quero voltar uma árvore, pois é o único ser vivo que tem a dig-nidade de morrer em pé.

QUE FIGURA

O que aprendi na África foi a gostar

de tudo.

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Em uma comunidade nas redes sociais sobre lite-ratura e cultura africanas, encontram-se online para um bate-papo artístico-linguísti-co: o escritor angolano Agua-lusa, em Huambo, com um olhar expansivo à extensão da savana; a professora doutora Yeda Pessoa de Castro, com seu jeito soterofeirense, bus-ca no grande mapa da parede de sua sala, no GEAALC , os poucos países africanos que ainda não visitara; e o profes-sor e escritor Aleilton Fonse-ca, em estado ensaístico para a escrita, olha para a tela do computador se preparando para mais uma entrevista. O Entrevistador Cinzas fuman-do um cigarro e tomando um

café na cantina da faculdade, de seu tablet, se prepara para participar da conversa ciber-nética com essas três grandes figuras.(Todos diante do computador em seus diferentes espaços)

ENTREVISTADOR CINZAS: (Tentando ainda descobrir os macetes da sua nova aquisi-ção tecnológica) Qual a im-portância da infância na cons-trução de suas obras?

AGUALUSA: (Após atu-alizar o seu status facebook) A Infância é um tempo ao qual todo o escritor retorna.

ALEILTON: (enquanto prepara a ementa para a sua

disciplina) De fato muitas vi-vências e experiências da in-fância podem constituir ma-terial de criação e motivação para a produção literária de um autor.

E N T R E V I S T A D O R CINZAS:(tragando um cigar-ro) Humm, interessante...

AGUALUSA: (Olhando para janela e lembrando-se de sua infância) Eu tive uma in-fância feliz, muito próximo da natureza. A casa onde cresci ficava no exato limite entre o asfalto e a savana – para lá da rua não havia nada, era só mato.

ALEILTON: (Com remi-

TEATRO-ENTREVISTA

CENA ÚNICA

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niscência de Firmino Alves) Eu guardo na memória e no meu ser diversas situações e cenas de minha infância em Firmino Alves e Ilhéus que são muito marcantes na minha sensi-bilidade e na minha visão de mundo.

ENTREVISTADOR CINZAS: (Se distrai olhando uma bela ga-rota que passa) E a senhora professora Yeda, guarda algu-ma memória da infância que tenha influenciado os seus es-tudos?

YEDA: (Com olhar re-pleto de saudades da sua in-fância em Feira de Santana) Ah, isso aconteceu quando eu era criança, quer dizer que já

tem muitos anos rs. Na fazen-da em que eu morava tinham muitos pretos velhos, eles cantavam cantigas e faziam mesinha e aquilo me intriga-va. Eu queria saber que língua essa gente tava falando.

ENTREVISTADOR CINZAS: (Impaciente com a lentidão da internet) É... essa língua que foi trazida pelos escravos afri-canos...

YEDA: (Irritada) Isso é algo que devemos corrigir na nossa História, eles não eram escravos africanos, eram afri-canos escravizados. Nasciam de ventre livres e tornavam--se escravos, o tráfico fazia isso. Resultado: desses quatro

milhões trazidos forçosamen-te para o Brasil, provavelmen-te ou certamente, 75% eram provenientes da zona do Con-go, Angola e depois Moçambi-que. A impressão que dá é que esses milhões de indivíduos trazidos pra cá, largados aqui como escravos ficaram tão contentes de serem escra-vos no Brasil que começaram a pular de alegria e a gritar “Candomblé, macumba...”

AGUALUSA: (Impacien-te com a quantidade de e--mails em sua caixa de entra-da) A escravatura foi um longo e abominável crime, mas des-se crime resultam novas cul-turas, de extraordinária exu-berância – essa é grande lição

TEATRO-ENTREVISTA

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a tirar: é possível transformar o horror em beleza.

ENTREVISTADOR CINZAS: (Dando mais um trago no ci-garro já pela metade) Aleilton e Agualusa, vocês dois costu-mam trabalhar com gêneros diferentes e isso pode atrapa-lhar na hora de fazer literatu-ra. Por exemplo Aleilton, são processos distintos a produ-ção teórica e a literária?

ALEILTON: (empolga-do com a discussão) São dois processos distintos, mas con-tíguos e em contínuo diálogo. Na verdade, não sou assim um “teórico”, mas apenas um en-saísta que lê, reflete e analisa autores e obras, dentro de um recorte temático. Uma práti-ca não atrapalha a outra, mas sim contribuem mutuamente para o resultado dos textos ensaísticos e literários. A ex-periência acumula-se, pois o ensaísta ajuda o escritor na hora da criação, aguçando-lhe o senso autocrítico e a cons-ciência em torno daquilo que cria e escreve. Já a consciência do escritor oferece medidas e parâmetros de compreensão da obra analisada, pelo viés da criação, permitindo captar melhor a relação entre a in-tenção e o resultado da obra.

ENTREVISTADOR CINZAS: (Animando-se com a melhora no sinal da internet) E como se dá isso contigo Agualusa, em relação a sua produção literária que perpassa por di-versos gêneros?

AGUALUSA: (Afirmati-vo) Você não sente isso por via da inspiração, mas da respira-ção. Você sente pela maneira

como um texto respira, nas primeiras frases, se aquilo é um conto ou um romance. São entidades distintas, como um gato e um leão. Respiram de maneira diferente. Você sente logo.

ENTREVISTADOR CINZAS: (Bebendo um grande gole no café quase frio) Para terminar a nossa conversa, professora Yeda quais os ensinamentos que a senhora tenta passar nos seminários internacionais sobre as línguas e culturas africanas?

YEDA: (Menos irrita-

da) Tento tratar da história da África, que é desconhecida. Tem-se uma África mística, o que se fala dela no Brasil é sobre a escravidão. Quando cursei Letras, nos anos 1960, pensávamos que o yorubá era a língua universal da África e eu ficava pensando se só havia isso lá.

ENTREVISTADOR CINZAS: (Apreensivo com a eminente queda da conexão) Por fim, e no seu caso Agualusa, que já tem uma vivência com o Bra-sil e sua cultura, qual é a sua

impressão acerca da visão dos intelectuais brasileiros sobre a África. AGUALUSA: (receben-do uma mensagem instantâ-nea de Mia Couto, apressa-se em responder) Muitos desses intelectuais realmente não conhecem África na vitalida-de da sua cultura moderna. Conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil. Os africanos são modernos. De uma forma geral a juven-tude africana está muitíssimo atenta a tudo o que é contem-porâneo. Isso explica a força da música africana. Os africa-nos devoram tudo, retraba-lham esses produtos e dão--lhes novas cores. Por outro lado não existe uma África. Os países africanos são comple-tamente distintos uns dos ou-tros. Você atravessa a frontei-ra entre Angola e a Namíbia e está num outro planeta. Você tem países que foram coloni-zados por malaios ou por in-dianos, como a Madagáscar ou a Maurícia, e outros de for-te influência inglesa. As pes-soas vestem-se de maneira diferente. Há países islâmicos e países católicos. Não é pos-sível generalizar.

Enquanto o Entrevistador Cin-zas digita em seu tablet a úl-tima pergunta da entrevista, dirigida à Aleilton Fonseca, cai a conexão do wi-fi forne-cido pela universidade. Irrita-do, apaga o cigarro no fundo úmido do copo de café e vai assistir preguiçosamente a sua aula.

Muitos desses intelectuais

realmente não conhecem África na

vitalidade da sua cultura moderna.

Conhecem a África arcaica, aquela que modelou o Brasil. Os africanos são

modernos.

TEATRO-ENTREVISTA

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ALGUMAS estórias ESTÃO SEMPRE MINUSCU-LARIZADAS PELA CATARATA ORTOGRÁFICA DO DESCO-NHECIMENTO. TEM ALGUNS ASSUNTOS QUE SÓ GANHAM RELEVO EPISTEMOLÓGICO EM CAIXA ALTA. NÃO DIGO ISSO PARA GANHAR A ATEN-ÇÃO DO LEITOR PÓS-MO-DERNO, ATRAVÉS DE UMA ORGANIZAÇÃO ESCRITURAL INUSITADA, A TIRAR UM PE-QUENO RETRATO, UMA FOTO 3/4 DA HISTÓRIA DO BAIRRO ENGOMADEIRA. EXPONHO PORQUE SEI QUE DEPOIS DE OPERADA A VISÃO, PERDIDA EM TREVAS, VISLUMBRA-SE UM MUNDO TODO EM CAIXA ALTA. NGOMA É UMA PALA-

VRA DE ORIGEM BANTO, DE POSSÍVEL ETMO QUIMBUN-DO, QUE SIGNIFICA TAM-BOR, QUE COM O PROCESSO DE CONTATO LINGUÍSTICO OCORRIDO NO BRASIL, JUN-TOU-SE COM O SUFIXO POR-TUGUÊS EIRA, FORMANDO A PALAVRA QUE NOMEIA, HOJE, UM GRANDIOSO CON-GLOMERADO ARQUITETÔNI-CO DE CASAS, SUSTENTADAS POR VIGAS E BLOCOS NUS, FORMANDO AVENIDAS, RUAS E VIELAS, CONSTITUIDORAS DA ENGOMADEIRA. A ENGOMADEIRA SE LOCALIZA NA REGIÃO CON-SIDERADA “O MIOLO DE SAL-VADOR”, O CABULA. ALÉM DISSO, FAZ FRONTEIRA, EM SUA PARTE BAIXA, (CONHECI-

DA HISTORICAMENTE COMO ENGOMADEIRA PEQUENA) COM O CENTRO GEOGRÁFICO DO CABULA – O BEIRU; E EM SUA PARTE ALTA, DENOMI-NADA ENGOMADEIRA GRAN-DE, COM TODA A EXTENSÃO QUE MARGEA O FUNDO DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB. AS FRONTEIRAS DE-MARCADAS ENTRE ENGO-MADEIRA E BEIRU ERAM DE-TERMINADAS PELO RIO QUE DIVIDIA OS DOIS BAIRROS, E SERVIA PARA AS MULHERES ENGOMADEIRAS, CANTAN-DO AS CANTIGAS QUE EM-BALAVAM OS CORAÇÕES E FORMARAM A CULTURA DOS SAMBADORES ANTIGOS DO BAIRRO, LAVAREM E ENGO-

CAPSLOCK ENGOMADEIRA

Por Davi Nunes

ENTORNOS

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MAREM AS ROUPAS DOS CO-RONÉIS DO EXÉRCITO (PRO-PRIETÁRIOS DE FAZENDAS E DE CHÁCARAS NA REGIÃO ATÉ MAIS DA MÉTADE DO SÉCULO PASSADO), MAS QUE ANTES, NO SÉCULO XIX, TINHA SIDO O LOCUS DE RESITÊNCIA QUI-LOMBOLA AO SISTEMA ES-CRAVOCRATA BRASILEIRO. O RIO DAS ENGOMADEIRAS SE TRANSFIGUROU EM UM CONTÍNUO DE DETRITOS HU-MANOS, QUE SE ARROLA ATÉ HOJE PELAS JANELAS DOS MORADORES DA ENGOMA-DEIRA PEQUENA. A CONS-TRUÇÃO DA AVENIDA SIL-VEIRA MARTINS, EM 1965 À 1966, FOI O MARCO INICIAL DO PROCESSO DE URBANI-ZAÇÃO DO CABULA, ATRAIN-DO UM CONTIGENTE POPU-LACIONAL DO INTERIOR DA BAHIA (QUE FOI MORAR EM

HABITAÇÕES ESPONTÂNEAS, CASAS DE PAU-A-PIQUE E EM OUTRAS, QUE JÁ TINHA O EN-CADEAR SISTEMÁTICO DOS BLOCOS) PARA TRABALHAR NAS DIVERSAS OBRAS, MO-DELADORAS DO CABULA E DA ENGOMADEIRA EM SUA VI-TALIDADE MODERNA. TODO ESSE PROCESSO FOI O QUE OCASIONOU A DESTRUIÇÃO DE GRANDE PARTE DA MA-TA-ATLÂNTICA E NA MORTE DOS RIOS QUE EXPLANAVAM A BELEZA DE OXUM A INSPI-RAR O CANTO DAS ENGOMA-DEIRAS.UTILIZA-SE A TERMINOLOGIA MODERNA AQUI, AGREGAN-DO OS VALORES CONSTRA-TANTES QUE LHE DÃO SIGNI-FICAÇÃO. NO CABULA TÊM-SE LOCAIS E HABITAÇÕES QUE SE APROXIMAM DOS ÍNDICES DE VIDAS EUROPEAIS, COMO

TEM OUTROS, A EXEMPLO DOS INTRA-BAIRROS DA EN-GOMADEIRA, AS BAIXADAS E AS “BOCADAS”, QUE APRE-SENTAM, AO MÍNINO VOLTAR DE OLHAR, AO HORIZONTE DE ALGUM BECO DO BAIRRO, CONDIÇÕES DE MISERABI-LIDADE SEMELHANTES AOS DOS PAÍSES MAIS POBRES DO MUNDO. A CONSTRUÇÃO DO CONHE-CIMENTO TRANSPOSTO NES-TE BREVE ENSAIO ADVÉM DE UMA REDE DE TESTEMU-NHOS ORAIS, PASSADOS DO MAIS VELHO AO MAIS NOVO, DA BOCA PARA O OUVIDO, E QUE AGORA GANHA ESTATUS DE ESCRITA PELAS MÃOS QUE BUSCAM ESCREVER COMO SE ENGOMASSE O TECIDO TÊ-NUE DE UM POVO FEITO DE NGOMA, FEITO DE TAMBOR.

ENTORNOS

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na cidade, tudo é novoinclusive as tralhase as novas sucatas

cidade, sois tão velha!como as novas máquinas,(as mesmas velharias)

perto de ti,eu, máquina libertasou vida

perto da vida,és mais mortasuja,nova,bela,curta

urbana,é distraídaque passas por mim

distraído,confundo-lheentre céus e pés.

URBANICIDADE

Por Luisa Carolina

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andróginoNARCISISTAdevitrine.

NIILISTAde shoppingcenter TRANSHUMANO. ser netcibercultinformativo,

cérebrode hardwareamericano.

australopitecushomo-sapiensevoluídos?ao roboticusprotótipotecnológicoPÓS-HUMANO.

Humanimal-roboticus

Por Davi Nunes

Por Anderson Rabelo

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“Penso, logo existo...” é seguramente uma daquelas famosas frases que já nos de-paramos em algum momento da vida: ou num livro, ou nas aulas de História durante o colegial; talvez, na traseira de algum caminhão, numa con-versa filosófica de bar, na TV, no rádio, na caixa de e-mails, num blog ou, quem sabe, no facebook de algum filósofo de plantão. O certo é que essa se tornou uma das tiradas mais conhecidas de Descartes, fi-lósofo e matemático francês

do século XVII, que através do livro Discurso do Método de-senvolveu uma metodologia bastante sugestiva para o au-mento gradativo do conheci-mento. Antes que o caro lei-tor, com toda a razão, ima-gine “nossa, lá vem esse in-telectualóide fazer mais uma daquelas longas exibições de eruditismo!”, confesso que a minha intenção aqui não é a de explanar sobre o pensa-mento cartesiano já que se pouparia muito mais tempo e

paciência, realizando-se uma busca avançada no Google ou no Wikipédia. E é justamente sobre a utilização exaustiva da inter-net como ferramenta de pes-quisa nos tempos atuais que resolvi traçar estas linhas em diálogo com algumas refle-xões do notável filósofo. Pois, como diria o mesmo: “nin-guém pode conceber tão bem uma coisa e fazê-la sua, quan-do a aprende de um outro, em vez de a inventar ele próprio”. Será que Descartes já supu-

Por Pardal do Jaguaripe

De Descartes ao descarte: um breve ensaio sobre o método “Ctrl+C/Ctrl+V” na era da

informação.

PIMENTA NOS OLHOS

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nha profeticamente, há quase quatro séculos, a indistinção entre a autoria e o plágio, tão comum nas produções acadê-micas atuais?... Outro dia, quando me encontrava no Núcleo de Pesquisa de certa universi-dade, uma situação, no mí-nimo curiosa, chamou a mi-nha atenção. Uma professora doutora que orientava a sua aluna a escrever a monografia disparou em alto e bom tom: “não se preocupe, filhinha! Primeiro, termine a pesqui-sa. Depois, é só copiar e colar, copiar e colar”. Que absurdo, pensei. Afinal, uma professo-ra falando aquilo não me soou muito ético. Mas, como “quase nun-ca me fio nos primeiros pen-samentos que me vêm à men-te”, fui obrigado a reconhecer que a declaração da bem in-tencionada doutora apenas segue uma tendência cada vez mais corriqueira no espa-ço cartesiano da Academia: a arte do Ctrl+C/Ctrl+V como método de produção científi-ca. E como “não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis”, tomei a árdua decisão de tentar com-preender algo que parece ina-to à produção acadêmica nos tempos atuais, pois, a cada dia que passa, o plágio e a autoria se tornam praticamente gê-meos siameses na concepção de boa parte dos pesquisado-res. Afinal, quem nunca baixou uma música, um fil-me, uma foto ou um texto na internet pelo simples fato de ter acesso facilitado a tais conteúdos sem precisar sair do conforto de casa? Até aí,

tudo normal! As coisas se en-contram tão disponíveis na grande rede que a arte da có-pia se tornou praticamente irresistível, levando a crer que contrariar essa lógica se con-figura como uma grande falta de “inteligência”; pois, se até o próprio Descartes afirmava “... que o macaco é tão inte-ligente que não fala para que não o façam trabalhar”, por que alguns de nós, homo sa-

piens sapiens em plena era da informação, não aproveitaría-mos as facilidades da tecnolo-gia para evitarmos o trabalho de escrever um pouco mais? Com base nessas cons-tatações, surge aqui uma hi-pótese um tanto incômoda: a utilização do Ctrl+C/Ctrl+V não seria uma evolução da própria metodologia científi-ca legitimada pela Academia? Afinal, basta observar os tra-

balhos científicos aprovados pela censura acadêmica para perceber que o autor se vê obrigado a preencher seu tex-to com uma infinidade de cita-ções diretas e indiretas de ou-tros autores. Em meio a essa imensa colcha de retalhos, chamada de “aporte teórico”, qual o espaço reservado às suas próprias ideias? Apenas o de algumas linhas originais que servem para costurar co-nhecimentos já batidos. Não seria esse método de nature-za reprodutiva, uma espécie de “cópia estilizada”? Caso chegasse a essa óbvia conclusão, um acadêmi-co da geração Ctrl+C/Ctrl+V, em crise ética com sua pro-dução científica, talvez per-guntaria a si mesmo como outrora fez Descartes: “mas o que sou eu então? Uma coisa que pensa. E o que é uma coi-sa que pensa?”. Quem sabe, sua resposta não seria apenas mais uma reflexão cartesiana:“Tomei a decisão de fingir que todas as coisas que até en-tão haviam entrado na minha mente não eram mais verda-deiras do que as ilusões dos meus sonhos”. Porém, ele não teria mais tempo para reflexões cartesianas, pois os seus tra-balhos acadêmicos depois de aprovados teriam o mesmo destino das apostilas ao fi-nal de todo semestre: o des-carte. Afinal, a produção em série que dinamiza o ensino superior o levaria a reprodu-zir mais conhecimentos para munir o museu de grandes novidades em que se trans-formou a universidade.

PIMENTA NOS OLHOS

Mas, como “quase nunca me fio nos primeiros pensa-

mentos que me vêm à mente”, fui obri-

gado a reconhecer que a

declaração da bem intencionada

doutora apenas se-gue uma tendência cada vez mais cor-riqueira no espaço cartesiano da Aca-

demia: a arte do Ctrl+C/Ctrl+V como método de produção

científica.

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Se nos anos 60 as ban-deiras das nações africanas começaram a florir nos céus e a dar seu grito de liberdade em relação à política, a cultura não ficou para trás. Na mes-ma época, floresceu no solo nigeriano uma combinação de musica Yorubá, Jazz, Highlife, Funk, denominado Afrobeat.Ao voltar de uma turnê, na Eu-ropa, o músico multi-instru-mentalista Fela Kuti fundou o ritmo que, desde então, vem

esquentando o clima em to-dos os cincos cantos do mun-do. O Afrobeat tem como base a política; o músico pegou o estilo musical para reclamar das injustiças políticas, às cor-rupções e às violências que assolavam a Nigeria, na deca-da de 60. Em Salvador, todas as sextas feiras são animadas pelas batidas dos DJs Edbráss, Dudoo Caribe, Sankofa e Riffs. Eles juntam suas magias de

animação para disseminação de gêneros musicais oriundos da Àfrica. Situado na ladeira São Miguel, no Pelourinho, está o Sankofa Bar, o mais reno-meado da cidade quando se trata da cultura africana. Na festa a música se casa com as imgens, enquanto o som, a dança, os ritmos e a alegria se espalham pela casa. O preço é amigo de todos, só 10 reais para dançar das 22:00 às 3:30.

Por Inussa Manuel Gomes

CATA(E)VENTOS

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Michel Assis - colaborador da seção FOTOGRAFIA, é fotógrafo e Professor de Gestão ambiental.

Enio Saldanha - Ilustrador, da seção CRÔNICA, TEATRO-ENTREVISTA, ENTORNOS, PIMENTA NOS OLHOS, graduando de desenho industrial (design) pela Universidade do Estado da Bahia.

Cajila Caã - ilustradora da seção CONTO, CRÔNICA, graduada de desenho industrial (design) pela Uni-versidade do Estado da Bahia.

Biba Barreto - colaboradora da seção CRÔNICA, possui graduação em Educação Física (Licenciatura) pela União Metropolitana de Educação e Cultura (2011). Cursa Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

Luisa Carolina - colaboradora da seção CHAPOETICO, estudante de Letras Vernáculas pela UNEB, Cam-pus I , estudante de Psicologia pelo Instituto de Psicologia da UFBA.

Anderson Rabelo - colaborador da seção CHAPOETICO, formado em Letras Vernáculas pela Universida-de do Estado da Bahia. Professor de Língua Portuguesa.

Juliana Neri - colaboradora da seção NUCIRCUITO. Desenvolve trabalhos relacionados com fotografia de produtos, moda, e espetáculos. blog:www.juliananeri.blogspot.com.br

Lana Mendes - colaboradora para seções de fotografia da revista. Nessa edição: seção ENTORNOS

Pardal do Jaguaripe, revisor e co-lunista da Revista Cinzas no Café, é poeta , cordelista, prosador e gra-duando de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia no Campus I - Salvador.

Davi Nunes, editor chefe da Revis-ta Cinzas no Café, é poeta, con-tista, cordelista e graduando de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia.

Marcio Costa, colunista da revista Cinzas no Café, é cro-

nista e estudante de Letras Vernáculas da Universidade

do Estado da Bahia.

Lina Mendes designer da Revista, graduanda pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Realização: projeto gráfico e capa.

Inussa Manuel Gomes é Poeta e contista da Revista Cinzas no Café, guineense graduando de

Letras Vernáculas da Universida-de do Estado da Bahia.

COLABORADORES:

A EQUIPE

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