2 breve histÓrico da previdÊncia social no brasil · 14 É de suma importância, antes de...

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13 2. BREVE HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL A Previdência Social no Brasil passou por várias transformações até chegar ao atual sistema. Abordar-se-á, então, de forma sucinta, a evolução das organizações relacionadas à Previdência Social no Brasil desde os seus primórdios, buscando dessa forma compreender como iniciou tal instituto, o porquê das constantes mudanças, das várias Emendas inseridas na Constituição Federal, e a criação do Regime Próprio da Previdência. No dizer de Afonso 1 : “As principais alterações sofridas pela previdência estão relacionadas com as mudanças econômicas do país”. Conforme interpretação de Batich 2 , as mudanças ocorridas na previdência social estão relacionadas aos seguintes fatores: Os sistemas previdenciários podem diferir de uma sociedade para outra, pois fatores de ordem política, econômica, social e cultural interferem na história de sua formação e desenvolvimento, mas em todas possuem uma função comum: assistir com recursos financeiros a população adulta quando afastada do mercado de trabalho, por motivos alheios à sua vontade, com doença, invalidez e idade avançada. 1 AFONSO, Luís Eduardo. Um estudo dos aspectos distributivo da previdência social no Brasil. São Paulo: FEA/USP, 2003. p.4. (Tese doutorado) 2 BATICH, Mariana. Previdência do trabalhador: uma trajetória inesperada. São Paulo Perspec. Vol.18 nº.3 São Paulo July/Sept. 2004. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300004 . Acessado em 25 jan.2008.

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13

2. BREVE HISTÓRICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

A Previdência Social no Brasil passou por várias transformações até chegar

ao atual sistema. Abordar-se-á, então, de forma sucinta, a evolução das

organizações relacionadas à Previdência Social no Brasil desde os seus primórdios,

buscando dessa forma compreender como iniciou tal instituto, o porquê das

constantes mudanças, das várias Emendas inseridas na Constituição Federal, e a

criação do Regime Próprio da Previdência.

No dizer de Afonso1: “As principais alterações sofridas pela previdência estão

relacionadas com as mudanças econômicas do país”.

Conforme interpretação de Batich2, as mudanças ocorridas na previdência

social estão relacionadas aos seguintes fatores:

Os sistemas previdenciários podem diferir de uma sociedade para outra, pois fatores de ordem política, econômica, social e cultural interferem na história de sua formação e desenvolvimento, mas em todas possuem uma função comum: assistir com recursos financeiros a população adulta quando afastada do mercado de trabalho, por motivos alheios à sua vontade, com doença, invalidez e idade avançada.

1 AFONSO, Luís Eduardo. Um estudo dos aspectos distributivo da previdência social no Brasil. São Paulo: FEA/USP, 2003. p.4. (Tese doutorado) 2 BATICH, Mariana. Previdência do trabalhador: uma trajetória inesperada. São Paulo Perspec.

Vol.18 nº.3 São Paulo July/Sept. 2004. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300004. Acessado em 25 jan.2008.

14

É de suma importância, antes de adentrar-se ao histórico da previdência,

fazer uma diferenciação do que é Previdência Social, Assistência Social e Saúde. A

previdência social, na visão de Afonso, tem por objetivo assegurar aos indivíduos,

por meio de um fluxo continuado de pagamentos, as condições necessárias para a

sua manutenção e a de seus dependentes, dessa feita, aduz o autor a mesma

possuir características de seguro social3.

A assistência social, segundo o autor, vem a referir-se aos programas de

cunho distributivo, seja por meio de recursos ou por meio de espécie. Prossegue

Afonso4:

Seu objetivo é transferir renda dos grupos mais ricos para os menos privilegiados. Neste caso, o vínculo entre as contribuições efetuadas e os benefícios recebidos é bastante tênue, podendo até mesmo não existir. Desta forma, o ônus do financiamento deve recair sobre as pessoas de renda mais elevada.

Já a saúde, prossegue, “é caracterizada pelas ações cujo foco é o bem-estar

físico e mental dos indivíduos”. Levando-se em conta que toda população fará uso

dos serviços médicos, nada mais justo do que todos participarem do seu

pagamento, ainda que compulsoriamente por meio de impostos.

Feitas estas breves considerações, partir-se-á para a evolução histórica da

previdência social no Brasil, observando-se o progressivo aumento no elenco de

benefícios, sem contudo haver uma contrapartida pelo lado das receitas, o que tem-

se tornado um problema para as finanças públicas.

2.1.PRIMÓRDIOS DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO: DAS PRIMEIRAS ORGANIZAÇÕES AO INÍCIO DA INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL EM 1930

Várias foram as transformações do Sistema Previdenciários no Brasil, e, dentre

elas, várias foram as Organizações surgidas com fins de aprimoramento e de

extensão para alcançar variadas classes de trabalhadores.

3 AFONSO, Luís Eduardo. op.cit. p.3-4

4 Idem, ibidem.

15

No dizer de Afonso5, são bastante antigas as organizações no Brasil ligadas

às questões sociais:

O trabalho da EPGE/FGV (1992) assinala que já no início do período colonial existiam organizações de caráter assistencial, como a Casa de Misericórdia de Santos em 1543. Faro (1993a) classifica o Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado (Mongeral) fundado em 1835 como a primeira instituição previdenciária do Brasil. Seus segurados eram os funcionários funcionários do Ministério da Economia. Mediante suas contribuições, eram proporcionados benefícios de ordem previdenciária. Antes porém, em 1821, havia sido concedida aos professores, aposentadoria após 30 anos de serviço, havendo ainda a opção de um abono de 25% para aqueles que continuassem em atividade (similar ao abono-permanência, por vários anos disponível aos trabalhadores do setor privado, cuja concessão foi extinta em 1988). No entanto, segundo Sousa (2002) não há registro que tal medida tenha sido de fato implementada. Em Brasil (2002) lista-se um plano assistencial para órfãos e viúvas de oficiais da Marinha em 1795, replicado para o Exército em 1827.

Eduardo6 descreveu as diversas fases da Evolução Legislativa da Previdência

Social no Brasil, citando dentre as primeiras a criação de Montepio e da Caixa de

Socorro:

As formas de Montepios são as manifestações mais antigas de Previdência Social. Montepios são instituições em que, mediante o pagamento de cotas, cada membro adquire o direito de, por morte, deixar pensão pagável a alguém de sua escolha. O primeiro montepio surgiu em 22 de junho de 1835, o Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral), que funcionou através de mutualismo, ou seja, um grupo de pessoas associou-se e contribuiu, a fim de que fosse formado um fundo para a cobertura de determinados infortúnios. No período do Império, foi autorizado pelo Governo, através da Lei nº 3.397, de 24/11/1888, a criação de uma “Caixa de Socorro” para os trabalhadores de cada uma das estradas de ferro estatais. A partir daí, em 1889, foram regulamentados um montepio para os funcionários dos Correios e um fundo de pensões para os empregados das Oficinas da Imprensa Régia. Outra norma importante foi a Lei nº 3.724 de 15/01/1919, que instituiu a responsabilidade dos empregadores pelas conseqüências dos acidentes de trabalho.

No Séc. XIX, conforme interpretação de Afonso7, o número de organizações

previdenciárias aumentou rapidamente e estavam centradas em empresas e

5 AFONSO, Luís Eduardo. op.cit. p.5

6 EDUARDO, Ítalo Romano; EDUARDO, Jeane Tavares Aragão; TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de

direito previdenciário: teoria, jurisprudência e mais de 900 questões – 3.ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p.7.

16

organizações ligadas ao governo, financiadas por contribuições de empregados e os

benefícios consistiam em assistência médica e auxílio em caso de desemprego,

invalidez ou morte:

“Através da atuação do Estado, por meio de legislação específica, começam-se a erigir alguns mecanismos de amparo a grupos de funcionários públicos. Em março de 1888, um decreto definiu os critérios de aposentadoria para os funcionários dos Correios. Os trabalhadores deveriam ter no mínimo 30 anos de serviço e 60 anos de idade. No mesmo ano foram criadas Caixas de Socorros nas estradas de ferro. No ano seguinte foi criado o Fundo de Pensões dos trabalhadores da Imprensa Nacional. Em 1890, somam-se à nascente rede de proteção social os funcionários da Central do Brasil e do Ministério da Fazenda. Dois anos depois, os operários do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro passam a contar com aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Já no século XX, em 1911, é criada a Caixa de Pensões da Casa da Moeda e em 1912 os beneficiados são os funcionários da Alfândega do Rio de Janeiro.”

Conforme Eduardo8 e Batich9, o Brasil teve o marco inicial da Previdência

Social no início do Séc. XX, quando da decretação da Lei Eloy Chaves em 1923.

Buscar-se-á compreender o que esta lei significou para o Sistema Previdenciário no

Brasil mediante entendimento de alguns autores.

Afonso10 afirma que:

Apesar da importância das organizações voltadas aos funcionários públicos, há consenso entre os autores quanto ao marco inicial da previdência social no Brasil. Este foi a Lei Eloy Chaves (Decreto 4682) de 24 de janeiro de 1923, que determinou a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) em cada empresa ferroviária. Eram oferecidos quatro tipos de benefícios: aposentadoria (normal ou por invalidez), assistência médica ao segurado e seus dependentes, medicamentos com preços especiais e pensão aos dependentes em caso de morte. Para ter direito à aposentadoria, o trabalhador deveria ter pelo menos 50 anos de idade e 30 anos de serviço. O sistema previdenciário já nasceu limitado, por beneficiar apenas os ferroviários; não-focado, por ofertar benefícios médicos e assistenciais e generosos, por proporcionar aposentadorias por invalidez e pensões.

7 AFONSO, Luís Eduardo. op.cit p.6.

8 EDUARDO, Ítalo Romano et al op.cit. p.7

9 BATICH, Mariana. op.cit.

10 AFONSO, Luís Eduardo. op.cit p.7

17

Batich11 também coaduna com o entendimento de Afonso:

A assunção do Estado na gerência do sistema previdenciário brasileiro foi lenta e gradual. O primeiro ato governamental de intervenção nesta área ocorreu em 1923, com a promulgação da Lei Eloy Caves, determinando a criação de uma Caixa de Aposentadorias e Pensões – CAP, para os trabalhadores de ferrovias. Entretanto, eram sociedades civis em que a ingerência do setor público era mínima, cabendo sua administração a um colegiado composto de empregados e empregadores.

Neste mesmo pensar, leciona Eduardo12:

Foi com a Lei Eloy Chaves, na verdade o Decreto Legislativo nº 4.682, de 24/01/1923, que se implantou em nosso país a Previdência Social. Através deste diploma legal, foram criadas as “caixas de aposentadorias e pensões” para os empregados da empresas ferroviárias, contemplando-os com os benefícios de aposentadoria por invalidez, aposentadoria ordinária (que seria atualmente nossa aposentadoria por tempo de contribuição), a pensão por morte e a assistência médica. Vale ressaltar que existe uma caixa de aposentadoria e pensão por empresa ferroviária. A Lei Eloy Chaves é considerada o marco inicial da Previdência Social no Brasil, pois, a partir dela, surgiram dezenas de caixas de aposentadorias e pensões, sempre por empresa. Assim, os benefícios da Lei Eloy Chaves foram estendidos aos empregados das empresas portuárias, de serviços telegráficos, de água, energia, transporte aéreo, gás, mineração, entre outras, chegando a atingir o total de cento e oitenta e três caixas de aposentadorias e pensões, que, posteriormente, foram unificadas na Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos.

Em princípio, com a Lei Eloy Chaves, as CAPs (organizada no âmbito das

firmas) foram criadas para os trabalhadores ferroviários e que posteriormente

expandiram-se para outras categorias funcionais assalariadas, chegando a serem

instaladas cerca de 180 caixas de aposentadorias no Brasil13.

Por ser o Estado alheio a esse tipo de organização, sua atuação ficava

restrita aos casos de conflitos, pois “cada CAP era administrada por uma comissão

composta por representantes dos empregadores e empregados, sendo utilizado o

regime de capitalização14”, e por esse motivo algumas coisas ocorreram:

11

BATICH, Mariana. op.cit. 12

EDUARDO, Ítalo Romano; et al.op.cit.p.7. 13

BATICH, Mariana. op. cit. 14

AFONSO, Luís Eduardo. op.cit. p.8

18

[...] o número de associados por CAP era reduzido, havendo em contrapartida grande número de instituições. Em abril de 1923, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, cujas atribuições incluíam as questões ligadas à previdência social. O número de indivíduos cobertos era bastante limitado frente ao total da população e em pouco tempo o sistema já dava mostras de sua fragilidade. Segundo Stephanes (1993:26) já em 1930 se verifica a primeira crise do sistema, com casos de “fraude, corrupção e descalabro”, abrindo as portas de uma longa história de atos ilícitos ligados à previdência social.

Apesar dos trabalhadores de ferrovia terem inaugurado o sistema

previdenciário, e que a importância maior estava baseada na exportação de

produtos primários do que propriamente na capacidade de mobilização para

reivindicações de natureza trabalhista, os trabalhadores da zona rural, produtores de

café, principal produto de exportação do país, ainda não tinham sido contemplados

pelas caixas de aposentadorias e pensões15.

2.1.1. Período 1930-1945: Consolidação da interferência governamental e criação do IAPs

Este período corresponde ao primeiro governo Vargas, no qual importantes

mudanças sociais e econômicas ocorreram16: “[...] a partir de 1930 o sistema

previdenciário começou a assumir características bastante diversas da fase anterior,

principalmente na organização das entidades previdenciárias [...].”

Conforme leciona Eduardo17, a partir de 1933 iniciou-se uma nova fase com a

criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, entidades de proteção social

que reuniam categorias profissionais.

Com as transformações que estavam ocorrendo, houve a expansão da

previdência social, principalmente na área urbana18:

Como resultado, a partir de 1930 o sistema previdenciário começou a assumir características bastante diversas da fase anterior, principalmente

15

BATICH, Mariana. op. cit 16

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.10 17

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.8. 18

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.10

19

na organização das entidades previdenciárias, com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, as mudanças provocadas pela crise de 1929 e as dificuldades enfrentadas pelo setor cafeeiro, a relação de forças no país começava a se alterar. Com a expansão da produção doméstica, a representatividade do mercado interno aumentou e os trabalhadores assalariados começaram a ter maior peso no cenário político-econômico.

Conforme preleciona Batich19, na década de 30, devido às transformações

econômicas que ocorriam e à crise no mercado internacional do setor de exportação

cafeeira, grandes mudanças ocorreram no cenário brasileiro, nas relações

trabalhistas e previdenciárias.

[...] toma corpo um processo de crescimento industrial intenso, em que é marcante a presença das classes assalariadas urbanas reivindicando melhores condições de vida, o que levou o Estado a iniciar um processo de interferência nas relações trabalhistas, de forma a conciliar conflitos entre capital e trabalho. Nesse contexto, o poder público expandiu sua interferência como responsável pela proteção social dos trabalhadores, determinando que as CAPs, baseadas em vínculos de trabalhadores por empresa, fossem substituídas por outro tipo de instituição, aglutinando categorias profissionais e abrangendo todo o território nacional.

As Caixas de Aposentadorias e Pensões eram organizadas por empresa;

assim os institutos, ao serem organizados por categorias profissionais, passaram a

ter uma abrangência maior, nacional20.

Neste mesmo entendimento coaduna Afonso21:

Esta fase teve como característica fundamental o fato de a vinculação passar a ser feita não mais através de empresas, mas sim através de categorias profissionais, ou profissões relacionadas, em âmbito nacional. Com esse intuito foram criados os IAPs e a cobertura previdenciária estendeu-se para quase todos assalariados e boa parte dos trabalhadores autônomos urbanos. A intenção do governo de interferir e nortear o funcionamento do sistema previdenciário se manifesta de modo inequívoco com a criação, em novembro de 1930, por meio do Decreto 19433, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que agregou vários órgãos já existentes. Uma de suas funções era regulamentar e supervisionar a previdência social.

19 BATICH, Mariana. op. cit 20

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.7. 21

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.11

20

Na década de 30, vários Institutos foram criados. O primeiro deles foi o

Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM), através do Decreto nº

22.872, em 29/06/1933, 22 e destinava-se a agregar as CAPs dos Marítimos, que

tinham como “afiliados os trabalhadores de empresas da marinha mercante23”.

Em seguida surgiram vários outros, como leciona Eduardo24:

• Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC),

através do Decreto nº 24.273, de 22/05/1934;

• Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB), através

do Decreto nº 24.615, de 09/07/1934;

• Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), através

da Lei nº 367, de 31/12/1936;

Ainda neste raciocínio, prossegue Afonso25:

Em 1938, um ano após a decretação do Estado Novo, o Decreto-Lei 288 criou o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), mesmo ano de criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETEC). Outro ato importante é o Decreto-Lei 5452 de 1943, que criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamenta a legislação previdenciária social. [...] Além do número de institutos ter crescido, no final da década de 30 e início da década seguinte também são criados vários órgãos de cunho assistencialista. Em 1938, é criado o Serviço Central de Alimentação do IAPI, que seria absorvido pelo Serviço de Alimentação da Previdência Social. Em 1941 cria-se o Serviço de Assistência a Menores (SAM). No ano seguinte, têm início as atividades da Legião Brasileira de Assistência (LBA), voltada a questões relacionadas à maternidade, infância, amparo aos idosos e À assistência médica aos necessitados. Em 1944 cria-se o Serviço de Assistência Domiciliar e de Urgência (SAMDU).

Pode-se observar então que, com a criação dos vários Institutos o Estado

passou a responsabilizar-se pela administração das CAPs, instituiu os recursos

22

EDUARDO, Ítalo Romano; et al.op.cit. p.8. 23

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.12 24

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.8. 25

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.12

21

necessários para desempenhar as novas tarefas e mostrou necessária e legítima

sua intervenção sobre a arrecadação e gestão das entidades previdenciárias.

2.1.2 Período 1945-1966: O caminho rumo à uniformização da legislação e unificação administrativa.

Como visto anteriormente, vários foram os institutos de aposentadorias e

pensões criados, porém, surgiram de diplomas legais diferentes, operando de forma

distinta e necessitando de uma uniformização da legislação aplicável à Previdência

Social e à sua unificação administrativa, criando-se um instituto único para todos.26

Para Afonso27 este período se caracteriza pelas iniciativas governamentais de

uniformizar as regras do sistema previdenciário:

[...] é notável a tendência à deterioração da situação financeira dos IAPs. Esta situação é resultado de fatores que impactaram tanto as despesas, quanto as receitas do sistema. Em 1945 criou-se o Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB). Sua função seria substituir todos os IAPs, acabando assim com as disparidades existentes e impondo normas únicas ao sistema previdenciário. No entanto, a saída de Getúlio Vargas do poder abortou essa tentativa de uniformização, e este órgão (que deveria também ter atribuições nas áreas assistencial e de saúde) não chegou a funcionar.

A criação do Instituto dos Serviços Sociais do Brasil, mediante o Decreto-Lei

nº 6.526, de 07/05/1945, foi mais uma tentativa de ser implantado um plano de

contribuições e benefícios, porém, não deu certo. Somente com a criação da Lei

Orgânica da Previdência Social é que realmente harmonizou-se a ordem legislativa.

Eduardo28 afirma que:

Somente em 28/08/1960, com a Lei nº 3.807, chamada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), houve a uniformização da legislação previdenciária, incluindo benefícios como o auxílio-reclusão, o auxílio-

26

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.9. 27

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.14 28 EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.9.

22

funeral e o auxílio natalidade, e abrangendo um maior número de segurados, como os empregadores e os profissionais liberais. A fim de beneficiar os trabalhadores rurais, foi criado em 1963, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL).

A uniformização da legislação previdenciária ocorreu com a criação da LOPs,

porém, restava a unificação administrativa, o que só veio a ocorrer em 21/11/1966,

por meio do Decreto nº 72, que fundiu os IAPs, originando o Instituto Nacional de

Previdência Social29.

Com a fusão de todos os IAPs no INPS aumentou-se em muito o número de

categorias cobertas (trabalhadores rurais, por exemplo), bem como o elenco de

benefícios, exemplo disso foi a criação do seguro de acidentes pessoais.

Batich30, ainda em relação à unificação dos IAPs, esclarece que:

“[...] INPS, agregando todos os IAPs e deixando definitivamente de existir diferenças entre os segurados do setor privado da economia quanto à instituição previdenciária que os assistia. Lembra-se que, naquele ano, (1966), o país era dominado por uma ditadura militar, iniciada em 1964, quando foram suprimidos os direitos políticos e civis dos cidadãos, perdurando até 1985.” (grifo nosso).

A demora para a unificação foi tão grande que, para Afonso31 este é mais um

exemplo de que mudanças na área previdenciária (com perda de privilégios detidos

por alguns grupos) tendem a ser de lenta tramitação, difícil execução e, por vezes,

parcos resultados.

29 EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.9. 30

BATICH, Mariana. op. cit 31

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.14

23

2.1.3 Período 1966-1988: unificação, reestruturação, expansão e crise.

A unificação iniciada em 1960 com a LOPs teve a sua efetivação pelo

Decreto-Lei nº 66 de 21/11/1966, o qual trouxe uma série de modificações na

legislação: “E, dando continuidade à tendência de uniformização, o Decreto-Lei

agregou os 6 institutos de aposentadoria e pensões remanescentes e criou o [...]

(INPS)32.”

Em 1977 foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

(SINPAS), subordinado ao Ministério da Previdência Social – MPS, com o objetivo

de reestruturar a Previdência Social, conforme leciona Eduardo, revendo as formas

de concessão e manutenção de benefícios e serviços, e reorganizando a gestão

administrativa, financeira e patrimonial33.

No dizer de Afonso34 o objetivo era a formação de uma estrutura na qual os

órgãos seriam especializados por função. Para atender a este direcionamento,

novos órgãos foram criados e outros tiveram suas funções redefinidas.

Conforme Eduardo35, os órgãos ligados ao SINPAS e as funções são:

INPS – Função: conceder e controlar a manutenção de benefícios; IAPAS – Função: arrecadar, fiscalizar e cobrar as contribuições previdenciárias; INAMPS – Função: prestar assistência médica; FUNABEM – Função: prestar assistência ao bem estar do menor; LBA – Função: prestar assistência às pessoas carentes; CEME – Função: distribuir medicamentos às pessoas carentes; DATAPREV – Função: prestar o serviço de processamento de dados.

32 AFONSO, Luís Eduardo op.cit, p.17. 33

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.9. 34

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.20 35

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.10.

24

Na década de 70 vários diplomas legais foram editados, os quais trouxeram

grandes inovações na legislação previdenciária. Neste entendimento leciona

Batich36:

“[...] foi criado, ainda, um benefício de natureza assistencial, à custa dos recursos da previdência, pois, para recebê-lo, não havia a necessidade de ter contribuído para a manutenção do sistema, mas sim ter idade superior a to anos ou ser inválido, desde que fosse comprovado que o solicitante não tinha recursos para sua subsistência. Além disso, a previdência assumiu a responsabilidade pela prestação da assistência médica, para os trabalhadores contribuintes do INPS e depois para os trabalhadores não contribuintes em casos de urgência, utilizando largamente a rede privada.”

Eduardo37 destacou, entre as inovações ocorridas na década de 70: “[...] a

criação do salário-família, os empregados domésticos tornaram-se segurados

obrigatórios e o salário-maternidade passou a constar no rol dos benefícios

previdenciários.”

No início dos anos 80, o INPS entrou em grave crise, que já se configurava

desde o final da década anterior, dada a sensível redução na relação entre receitas

e despesas38.

Para Batich39, a crise previdenciária ocorreu devido a vários fatores, quais

sejam:

Os recursos previdenciários, [...] também serviram para alimentar o ideal de construção de um “Brasil grande”. Assim, a previdência financiou a construção da Usina Hidroelétrica de Itaipu, Ponte Rio-Niterói, Transamazônica e usinas nucleares de Angra dos Reis. Estes empreendimentos, somados aos recursos da previdência que foram utilizados inclusive para a construção de Brasília, segundo cálculos da professora da UFMG, Eli Gurgel, equivalem a 69,7% do PIB, em 1997 (UNAFISCO-SINDICAL, 2003). E, como ocorreu com os recursos utilizados no início do século para propiciar a industrialização do país, o dinheiro utilizado nunca voltou para os cofres da previdência.

36

BATICH, Mariana. op. cit. 37

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.9. 38 Idem, p.21 39 BATICH, Mariana. op. cit

25

O déficit nas contas da Previdência carrega uma história de desmandos e

liberalidade com o dinheiro dos contribuintes, é o que afirma Sérgio Gobetti, e

prossegue dizendo40:

No início, quando o número de trabalhadores contribuintes era quatro vezes superior ao de inativos, a arrecadação da Previdência cobria com folga as despesas. A fartura de dinheiro alimentou o processo de “universalização dos benefícios, iniciado na década de 60 com a eliminação da exigência de idade mínima das regras de aposentadoria e a incorporação dos trabalhadores rurais à legislação previdenciária”. – Ninguém se preocupava porque a Previdência estava funcionando bem – diz o ex-deputado Floriceno Paixão, lembrando da inauguração de Brasília, uma das tantas obras construídas com o dinheiro da Previdência. Na maioria das vezes, direitos eram criados ou ampliados sem a menor preocupação com a finalidade do sistema ou seu equilíbrio financeiro. Em 1974 Ernesto Geisel instituiu a renda mensal vitalícia para todos os brasileiros maiores de 70 anos ou inválidos.

Vê-se que o desmando com os recursos da Previdência era tamanho a ponto

de financiar a construção de várias obras, direitos eram criados ou ampliados, não

tinha a sua finalidade respeitada, porém, começou a mudar esta situação quando da

inclusão da Seguridade Social na Constituição Federal de 1988 que se verá a

seguir.

2.1.4 Período Pós Constituição de 1988: Seguridade Social, universalização e reforma.

A Constituição Federal (CF) de 1988, também conhecida como Constituição

cidadã41, no Capítulo II, Título VIII, artigo 194, traz a definição da Seguridade Social:

Compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (EC nº 20). 42

40

BIBLIOTECA on-line. Disponível em: http://www.aconscienciadivina.org.br/cartas/zhvolume.htm Acesso em 20.01.08. 41

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.24 42 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:Senado, 1988.

26

A Seguridade Social passou a ser organizada para atingir tais objetivos, o

qual gerou inequívocos ganhos de bem-estar para vários grupos, como a população

rural43:

Desse modo, a Seguridade Social deve se instrumentalizar para o

atendimento à população observando:

• Universalidade da cobertura e do atendimento; • Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbana e rural; • Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; • Irredutibilidade do valor dos benefícios; • Equidade na forma de participação no custeio; • Diversidade na base de financiamento; • Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a

participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

Para Eduardo44 a Seguridade Social é composta do seguinte tripé: saúde,

previdência e assistência social, seguindo a doutrina majoritária.

Neste pensar, prossegue Batich45 lecionando que os constituintes tinham

concordado que, quanto à proteção social, ela deveria abranger as áreas da

previdência, saúde e assistência social, definindo ainda, que:

[...] no capítulo da Seguridade Social não só os princípios que deveriam pautar as ações a serem desenvolvidas pela sociedade brasileira sobre esses aspectos, mas também os recursos financeiros a serem utilizados, de forma a garantir que estivessem a salvo de restrições de possíveis opositores a sua aplicação e que também não fossem afetados por variações cíclicas da economia.

Para alcançar os objetivos propostos na CF foi criado em 27/06/1990,

mediante o Decreto nº 99.350, o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, o

qual surgiu da cisão do INPS e do IAPAS, e tem como atribuições46:

43

Apud AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.24 44

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.10. 45

BATICH, Mariana. op. cit 46

EDUARDO, Ítalo Romano; et al. op.cit. p.10.

27

Promover a arrecadação, a fiscalização e a cobrança das contribuições sociais destinadas ao financiamento da Previdência Social,, na forma da legislação em vigor;

Promover o reconhecimento, pela Previdência Social de direito ao recebimento de benefícios por ela administrados, assegurando agilidade, comodidade aos seus usuários e ampliação do controle social.

Já no governo Collor foi extinto o Ministério da Previdência e Assistência

Social, conforme leciona Afonso47, com a extinção, a previdência e a assistência

assim foram direcionadas:

A previdência, na forma de secretaria, foi incorporada ao recém-criado Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS). A área assistencial passou para o âmbito do Ministério da Ação Social e a área médica para o Ministério da Saúde, assim como o INAMPS.

Dessa forma, após a Promulgação da CF/88 surgiram imensas dificuldades

para atender o que estava ali previsto. O número de beneficiários e benefícios

concedidos aumentou, o número de contribuintes diminuiu, tendo a previdência

alcançado a maturidade.

Segundo Batich48, um dos fatores para a diminuição das contribuições

previdenciárias foram as elevadas taxas de desemprego, posto que constituíam uma

das principais fontes de recursos destinados ao pagamento dos benefícios, do

mesmo modo que o aumento das aposentadorias agravou ainda mais a crise

previdenciária.

Preleciona Afonso49 que várias medidas foram tomadas com fins de aumentar

as receitas, tanto para a recém-criada seguridade quanto para a previdência social:

[...] No mês de dezembro de 1988 a Lei 7689 criou CSLL, com alíquota de 8% que, menos de 1 ano depois seria elevada para 10%. Em 1989, a alíquota de contribuição patronal foi elevada de 18,2% para 20% e impôs-se uma sobrealíquota de 2,5 pontos percentuais sobre as instituições

47

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.25 48 BATICH, Mariana. op. cit 49 AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.25

28

financeiras. E, em novembro do mesmo ano, no ocaso do governo Sarney, a alíquota do Finsocial foi elevada de 0,5% para 1%da receita bruta das empresas comerciais, instituições financeiras e seguradoras. [...] as dificuldades de financiamento da seguridade social motivaram a criação de mais uma fonte de financiamento. Em dezembro de 1991, a Lei Complementar criou o Cofins. Com alíquota de 2%, incide sobre o faturamento mensal das empresas.

Entretanto, as dificuldades financeiras não só perduraram como se

agravaram.

Em 1990, a Lei 8112 instituiu o regime único dos servidores da União,

autarquias e fundações federais, como mais uma tentativa de coibir a crise.

Não pretende-se aqui esgotar o tema, haja vista que muito há que ser tratado

ainda sobre a referida Lei, por isso, ressalta-se o que Afonso50 leciona:

[...] Foi o passo inicial de uma série de medidas destinadas a disciplinar o sistema previdenciário dos servidores públicos. Este ponto, que até então havia recebido pouca atenção, iria se constituir nos anos seguintes em um dos mais relevantes temas para as finanças públicas do Brasil.

Não pode-se aqui, deixar de mencionar a Lei 8212 criada em 24 de julho de

1991, a qual instituiu o plano de custeio da seguridade social do RGPS, e que tem

como base o financiamento da seguridade social pela sociedade (direta ou

indiretamente),51 através de recursos alocados da União, do Distrito Federal, dos

Estados, dos Município e das contribuições sociais.

Também em 24 de julho de 1991 foi criada a Lei 8213, a qual estabelece o

plano de benefícios da previdência social.

Ambas as Leis são resultantes de Reforma Previdenciária que se

complementou com a sanção do Dec. Nº 3.048/99.

50

AFONSO, Luís Eduardo op.cit. p.26 51 Idem, ibidem.

29

Tais legislações se tornaram base para a implementação do Regime Próprio

de Previdência Social.

2.2. DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Previdência Social é tratada na Constituição Federal, 52 primeiramente, no

art.6º, na seguinte redação:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de. 14/02/20000).

Ademais, encontra-se definida no art. 201 do mesmo Diploma, o qual

menciona a sua natureza contributiva e compulsória, bem como expõe a

obrigatoriedade do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

Observa-se que no art. 201, da CF/88, após a Emenda Constitucional nº

20/98, ficou clara a preocupação com a busca permanente do equilíbrio financeiro e

atuarial do sistema securitário.

Para Ibrahim53 o equilíbrio financeiro é o saldo positivo do encontro entre

receitas e despesas do sistema, e o equilíbrio atuarial diz respeito à estabilização,

ao controle e prevenção de variações graves no perfil da clientela.

Ainda nesse sentido, para o financiamento da Previdência Social, leciona

Ibrahim54: “pode-se identificar dois regimes básicos e opostos: a repartição simples e

a capitalização”.

Segundo o autor, o regime de repartição tem sido muito criticado por ser

influenciado pelo envelhecimento da população, pois nele, os segurados contribuem

52 BRASIL. Constituição (1988). Op.cit. 53 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Resumo de Direito Previdenciário – 2. ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p.74. 54 Idem. p.75

30

para um fundo único, o qual é o responsável pelo pagamento de todos os

beneficiários do sistema. É o conhecido “pacto intergeracional”, isto é, os

trabalhadores de hoje custeiam os benefícios dos aposentados atuais, dentro do

mesmo exercício, e que a correção geralmente ocorre com o incentivo à taxa de

natalidade, o aumento do limite de idade para receber o benefício ou a redução dos

valores pagos desses benefícios55.

Diferentemente ocorre com a capitalização, em que “os recursos arrecadados

com contribuições são investidos pelos administradores do fundo, tendo em vista o

atendimento das prestações devidas aos segurados no futuro56”.

Tem sido o entendimento da corrente majoritária a estabilidade do saldo

positivo entre receitas e despesas do sistema, haja vista que garante e assegura o

equilíbrio financeiro dos segurados na medida em que vão usufruindo os benefícios

da previdência. Para tanto, exige-se respeito aos Direitos Fundamentais, à igualdade

entre os homens, o não privilegiar uns em detrimento de outros.

2.2.1. Os Direitos Fundamentais

Para falar dos Direitos Fundamentais, necessário se faz um passeio ao

passado, nos idos do Séc. XII. Encontrar-se-á lá traços “das primeiras declarações

de direitos nos forais e nas cartas de franquia da Idade Média, que continham uma

enumeração de direitos57.”

Na Revolução Francesa de 1789 foi editada a declaração dos “Direitos do

Homem e do Cidadão”, considerada a mais influente e imprescindível das

Declarações, resultante de um movimento de constitucionalização, vindo a se

expandir, posteriormente, tornando-se a base da mudança das instituições políticas

55 IBRAHIM, Fábio Zambitte. op.cit. p.74. 56 Idem, ibidem. 57 GSCHWENDTNER, Loacir. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075. Acesso em 15 jan. 2008.

31

e estatais, embora, como observa Manoel Gonçalves Filho58,: “[...] Destas a primeira

foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que serviu de modelo para as

demais na América do Norte [...]”, que acabou sendo incorporada à Constituição dos

Estados Unidos.

Com o passar dos anos houve mudanças na nomenclatura das Declarações

dos Direitos do Homem e do Cidadão. As expressões usadas para nomeá-los eram

variadas: direitos do homem, direitos naturais, direitos individuais, direitos humanos,

liberdades fundamentais etc.59

Como assevera Berro60, em sua dissertação de mestrado:

[...] atualmente não se fala mais em “Direitos do Homem” e sim em “Direitos Fundamentais”, que visa garantir, principalmente a integridade da qualidade de vida do Homem, bem como a preservação e expansão dos Direitos da Dignidade.

No dizer de Pérez Luño61:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. (grifo nosso)

O Cristianismo em muito contribuiu para a efetiva formação dos Direitos

fundamentais, haja vista partir do princípio de que cada pessoa é criada à imagem e

semelhança de Deus, portanto, a igualdade fundamental natural entre todos os

homens.

58 Apud GSCHWENDTNER, Loacir. op.cit. 59 ABREU, Neide Maria Carvalho. Disponível em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Neide%20Maria%20Carvalho%20Abreu_Direitos%20Humanos%20e%20Teoria%20da%20Democracia.pdf. Acesso em 09 fev..2008. 60

BERRO, Maria Priscila Soares. Da exigência da contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas. Dissertação (Mestrado em Direito) – ITE/SP, Bauru, ano 2002. 61 Apud ABREU, Neide Maria Carvalho. op.cit.

32

É o que nos relata a Bíblia em Gênesis 1.26: “Então disse Deus: façamos o

homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança62.”

Mister se faz entender que os direitos fundamentais decorrem dos dogmas

cristãos, havendo inspiração religiosa influenciada na lição de Sto. Tomás de Aquino

(século XIII), acerca do Direito Natural.

Acrescenta Abreu em relação a Sto. Tomás de Aquino63:

[...], cujo mérito se consubstancia no fato dele ter se reportado a real função do direito, relativamente ao que se refere à justeza na distribuição dos bens terrestres e no papel da jurisprudência enquanto disciplina autônoma, seguindo os critérios da razão natural. Na “Lex Naturalis” ele ressalta a autonomia do direito como tema naturalmente humano, ao invés de um simples apêndice da teologia moral. Tomás de Aquino jamais duvidou do direito corporativo com todos os privilégios de sua época, mas defendia que os direitos humanos seriam o princípio dos direitos naturais.

Neste pensar é a lição de Canotilho64:

As concepções cristãs medievais, especialmente o direito natural tomista, ao distinguir entre lex divina, lex natura e lex positiva, abriram o caminho para a necessidade de submeter o direito positivo às normas jurídicas naturais, fundadas na própria congruência do direito positivo com o direito divino; colocava-se sempre o problema do conhecimento das leis justas e das entidades que, para além da consciência individual, sujeita a erros, captavam a conformidade da lex positiva com a lex divina.

Observa-se que algumas Declarações surgiram no séc. XVII, como resultado

de conflitos entre o poder real e os estamentos do país. Pode-se citar a de 1628,

Petition of Rights (Petição de Direito), a de 1629, que foi a Ata de Hábeas Corpus e

a de 1689, conhecida como Bill of Rights (Declaração de Direitos).

62 A BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. rev. e corrig. ed.1995. Barueri: São Paulo. Sociedade Bíblica do Brasil. 63 ABREU, Neide Maria Carvalho. op.cit. 64 Apud GSCHWENDTNER, Loacir. op.cit.

33

Tais documentos não eram considerados “como declarações de direitos

humanos, mas apenas como a restauração e confirmação de liberdade dos ingleses

e não de todos os homens65.”

Os direitos fundamentais, contemporaneamente, são os produtos de

conquistas sociais e históricas, através das lutas pela afirmação de direitos,

esclarece Berro66 afirmando que:

Tal historicidade é de grande importância na sua evolução – especialmente por causa dos anseios e interesses da sociedade, bem como das transformações técnicas e das classes que estejam no poder – para que possa ficar garantida a estabilidade na tutela dos direitos essenciais à condição do ser humano.

Ainda, neste diapasão, o prof. Lamêgo Bulos67:

Por isso é que eles são, além de fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado. Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade, fraternidade e liberdade entre os homens. Homens não no sentido de sexo masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os direitos fundamentais do homem nascem, morrem e extinguem-se. Não são da obra da natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fato social cambiante. (grifo nosso)

Conforme leciona Abreu68, o compromisso ideológico e doutrinário desses

direitos fundamentais que serve de pilar básico ao Estado Democrático de Direito,

aparece logo a partir do preâmbulo da Lei Maior:

[...] para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...].

65 ABREU, Neide Maria Carvalho. op.cit. 66

BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit. 67 Apud ABREU, Neide Maria Carvalho. op.cit. 68

ABREU, Neide Maria Carvalho. op.cit.

34

A Constituição deve ser interpretada levando-se em conta as características

históricas, políticas, ideológicas, mormente a constitucionalização dos Direitos

Fundamentais, com a finalidade de se localizar o sentido mais apropriado da norma

jurídica em questão, “confrontando-a com a real situação sócio-político-econômica,

para que se alcance a harmonia da Constituição, inserindo aos direitos e garantias

maior eficácia69”.

O tema Direitos Fundamentais não é uníssono, traz divergências, pontos

polêmicos em sua interpretação, no que se refere ao seu fundamento e natureza

jurídica. Como bem distingue Berro70: “para alguns são direitos naturais, portanto,

inatos; para outros, entretanto, são direitos positivos; outros mais os reconhecem

como direitos históricos.”

Não há como falar de Direitos Fundamentais sem adentrar-se na Declaração

Universal dos Direitos Humanos. Pelo prisma da Declaração de 1948, reafirmada

pela Declaração de Viena de 1993, tem-se que os direitos fundamentais são

universais, indivisíveis e interdependentes, sem deixar de ser inerentes à pessoa

humana, tendo incluso em seu elenco tanto os direitos civis e políticos quanto os

direitos sociais, econômicos e culturais, harmonizando os valores da liberdade e da

igualdade.

Segundo Gschwendtner71, os direitos individuais, pela sua transcendência, já

extrapolaram os limites de cada Estado para se tornar uma questão de interesse

internacional.

Para Bastos72, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948

preocupou-se basicamente com quatro ordens de direitos individuais:

69 BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit. 70 Idem, ibidem. 71 GSCHWENDTNER, Loacir. op.cit. 72 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 21 ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 174-175.

35

Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Num quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação.

Vê-se que existe uma evolução nas necessidades do homem, inerentes à sua

pessoa, ao meio em que vive, que devem ser acompanhadas e protegidas pelo

legislador, são as gerações dos direitos fundamentais.

2.2.2. Das Gerações Dos Direitos Fundamentais

Com a evolução da humanidade, suas necessidades pessoais, suas

particularidades, o convívio em sociedade, com outros povos etc., os direitos

fundamentais também se desenvolveram através dos tempos.

Gschwendtner73 traz a seguinte observação de Norberto Bobbio acerca dos

direitos fundamentais, que os classifica em três:

Bobbio também comenta acerca da transformação e ampliação dos direitos, uma vez que, diz ele, basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos; Hobbes conhecia apenas um deles, o direito à vida, e complementa: “como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade do poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novo valores -, como os de bem estar e da liberdade através ou por meio do Estado. (grifo nosso).

73 Apud GSCHWENDTNER, Loacir. op.cit.

36

Vários são os autores que têm buscado explicar a evolução dos direitos

fundamentais, nomeando-os didaticamente de “gerações”.

Ainda neste pensar, segue Gschwendtner74 com a seguinte afirmação:

[...] já se fala hoje nos direitos de quarta geração, que consiste no direito à autodeterminação, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito a um ambiente saudável e sustentável, direito à paz e ao desenvolvimento.(grifo nosso)

Abreu75 explica que os doutrinadores defendem a existência de quatro

gerações de direitos fundamentais, quais sejam:

Os direitos à liberdade, conhecidos como direitos de 1ª geração, são os direitos civis e políticos do homem, que se opunham ao direito estatal. [...] os direitos econômicos, culturais e sociais, assim como os direitos coletivos, já que diferentes formas de Estado social tinham sido introduzidas, são conhecidas como direitos de 2ª geração, surgiram logo após a Primeira Grande Guerra Mundial. [...] No final do século XX, observou-se uma 3ª geração de direitos fundamentais, com a finalidade de tutelar o próprio gênero humano, direitos transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente. [...] Com o novo milênio ora vivenciado, o comportamento dos homens sofre alterações, começa a desabrochar a 4ª geração dos direitos fundamentais, com as clonagens, alimentos transgênicos, a informática, direito à informação, à democracia, ao pluralismo etc. (grifo nosso)

Berro76 descreveu um paralelo do valor da classificação dos direitos

fundamentais com a denominada “geração de direitos fundamentais”, e trouxe

melhor clareza concernente às respectivas gerações:

[...] os direitos pessoais e políticos fazem parte da primeira geração dos direitos fundamentais, ou ainda, dos direitos das liberdades do indivíduo em relação ao Estado. Os direitos sociais, a segunda geração dos direitos fundamentais, relacionam-se à necessidade de cobrar do Estado não apenas a sua abstenção em determinadas matérias, mas também a sua atuação em áreas específicas, a fim de assegurar maior dignidade à humanidade em geral. [...] Pode-se deduzir, assim, que os direitos de primeira geração (fundamentais) são os direitos e garantias individuais e políticos –

74 GSCHWENDTNER, Loacir. Op.cit. 75 ABREU, Neide Maria Carvalho. Op.cit. 76 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit.

37

enquanto que os de segunda geração são os direitos econômicos, sociais (também relativos ao trabalho, seguro social, doença, velhice) e culturais. [...] Os de terceira geração seriam os direitos de fraternidade, diretamente ligados aos direitos difusos – como o equilíbrio do meio ambiente, a qualidade de vida, a paz, o progresso, dentre outros. São os direitos que têm como titular não o indivíduo, mas grupos humanos (família, povo, nação, coletividade regional ou étnica), ou seja, a própria humanidade. Também são conhecidos como "Direitos Difusos" e trazem à baila direitos concernentes à evolução biogenética e tecnológica e ao meio ambiente. [...] Há ainda, os que mencionam os direitos de quarta geração – incidindo os direitos de terceira geração em grupos primários e grandes formações sociais – tidos como sendo o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, pois visam concretizar uma sociedade aberta ao futuro na máxima dimensão da universalidade, deles dependendo o futuro da cidadania e a liberdade dos povos. Nestes não caberia mera interpretação, mas sim, efetiva concretização.

Observa-se que há uma constante evolução dos direitos fundamentais,

reconhecendo-se hoje tais direitos até a quarta geração, como demonstra uma

jurisprudência do STF77:

JURISPRUDÊNCIA: EMENTA: Enquanto os direitos de 1ª geração (direitos civis e políticos)- que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de 3ª geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

Assim, pode-se observar que os direitos fundamentais não têm um fim em si

mesmo, são inesgotáveis, haja vista que, à medida que ocorre a evolução da

sociedade, surgem novas necessidades e novos interesses para a coletividade. Daí,

o porquê de já existirem os direitos de 4ª geração, e porque não daqui a alguns anos

os de 5ª e 6ª geração, como entende Bobbio78, que, futuramente irão surgir direitos

novos, que a civilização dos nossos dias desconhece.

77 BRASIL. STF, Pleno, MS 22164/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ1, de 17.11.1995, p.39206. 78 Apud ABREU, Neide Maria Carvalho. Op.cit.

38

2.2.3. O Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana

Dentre os diversos princípios que fundamentam o Estado Democrático de

Direito, no art. 1º, inciso III, tem-se o princípio da dignidade da pessoa humana, o

qual será objeto de nosso estudo.

A Constituição, na moderna doutrina constitucional, é uma norma jurídica,

considerada, e é realmente, a primeira entre todas. Está acima das demais normas

jurídica do sistema, possui um alto padrão de validez, sendo que suas cláusulas não

estão revestidas de ociosidade, simplesmente com valor de conselhos, avisos ou

lições, mas, sim, de segurança jurídica para o seu fiel cumprimento.

Para uma melhor análise deste princípio, mister se faz entender que a

dignidade é inerente à pessoa humana, e neste sentido Moraes79 leciona:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.

O significado de dignidade, segundo Ferreira80, é a qualidade de digno

(merecedor); função, título etc., que confere posição graduada; honestidade; brio.

A dignidade da pessoa humana está ligada intrinsecamente à pessoa, ao

homem, expressando seu valor absoluto, devendo ser respeitada, reconhecida,

promovida e protegida. É inerente a cada ser humano, não podendo dele ser

retirada, pois não foi criada e nem concedida pelo ordenamento jurídico.

Para a filosofia grega, o homem era um animal político ou social, para

Aristóteles, o ser era a cidadania, o fato de pertencer ao Estado, e, a pessoa que

79 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 15. ed. – São Paulo: Atlas, 2004, p. 52. 80 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4. ed.rev. ampliada. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 236

39

possui valor em si mesmo, possuidor de direitos subjetivos ou fundamentais e de

dignidade, surge com o cristianismo81.

Neste diapasão, Berro82, em sua dissertação de mestrado descreveu o

pensamento do filósofo Immanuel Kant, o qual relata que o sujeito torna-se o

elemento decisivo na elaboração do conhecimento:

[...] uma mudança de método no ato de conhecer, isto é, em vez de o sujeito cognoscente girar em torno dos objetos, são estes que giram em redor daquele, devendo, portanto, os objetos ajustarem-se ao conhecimento do homem. [...] transcendental, a consciência enquanto tal, a razão universal – é uma armação oca, que separada da sensibilidade, nada pode conhecer. O pensamento humano, então, é dependente da sensibilidade. Assim, o que caracteriza o ser humano e o dota de dignidade especial é que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo. Para Kant, pois a razão prática possui primazia sobre a razão teórica. A moralidade é a libertação do homem e o constitui como ser livre. O ser humano pertence, pela práxis, ao reino dos fins, que faz da pessoa um ser de dignidade própria. O homem é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, tem dignidade, é pessoa, não podendo, por conseguinte, ser usado como instrumento para algo.

Santos83, em sua obra, destaca a teoria de Miguel Reale, o qual diz que,

historicamente, constata-se a existência de basicamente três concepções da

dignidade da pessoa humana, quais sejam:

a) individualismo, b) transpersonalismo e c) personalismo.

- Caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. - [...] Já com o transpersonalismo, temos o contrário: é realizando o bem coletivo, o bem do todo, que se salvaguardam os interesses individuais; inexistindo harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Nega-se, portanto, a pessoa humana como valor supremo. Enfim, a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo. - [...] A terceira corrente, que ora se denomina personalismo, rejeita quer a concepção individualista, que a coletivista; nega seja a existência da

81 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit. 82

Apud. BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit. 83 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=160 > Acesso em: 14 jan. 2008.

40

harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, resultando, como vimos, numa preponderância do indivíduo sobre a sociedade, seja a subordinação daquele aos interesses da coletividade. (grifo nosso)

Na concepção do individualismo, os direitos fundamentais são, antes de tudo,

direitos inatos e anteriores ao Estado, e impostos como limites

à atividade estatal, que deve, pois, se abster, o quanto possível, de se intrometer na

vida social. São denominados direitos de autonomia e direitos de defesa84.

Para Marx, em relação ao transpersonalismo, “distinguindo os direitos dos

homens dos direitos do cidadão, aqueles nada mais são que os direitos do homem

separado do homem e da comunidade85”.

Quanto ao personalismo, segundo o autor, ele busca, principalmente, a

compatibilização, a interrelação entre os valores individuais e valores coletivos, é a

distinção entre indivíduo e pessoa, e prossegue dizendo86:

Se ali, exalta-se o individualismo, o homem abstrato, típico do liberalismo-burguês, aqui, destaca-se que ele “não é apenas uma parte. Como uma pedra-de-edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo – o que uma unidade coletiva jamais pode ser”, como sintetiza Nicolai Hartimann, citado por Mara - Machado.

Pode-se observar então que a dignidade da pessoa humana não está

relacionada necessariamente ao seu padrão social, ao que possui, mas é algo que

transcende o material, refere-se aos seus valores, intrínseco à sua pessoa e que

deve ser respeitado pelos demais e protegido pela legislação.

84 SANTOS, Fernando Ferreira dos. op.cit. 85 Idem, ibidem. 86 Idem, ibidem.

41

2.2.3.1. O Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana Na CF/88

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, encontrado no artigo 1º, III, da

Constituição Federal, faz parte dos direitos fundamentais que são a base para

vivermos o princípio democrático, em especial por valorizarem o ser humano.

O Estado existe em função das pessoas e não as pessoas em função do

Estado, haja vista que o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana

é fundamento da República do Brasil. Assim, como assegura Fernando Ferreira87:

[...] toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos. Ela é, assim, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Publico e “um dos elementos imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro”.

A Constituição Federal de 1988 teve como proposta garantir condições

mínimas de vida. É o que pode-se observar em seu artigo 3º, onde descreve os

objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, que são:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 88

Esclarece Berro89 que, ao proclamar o valor nobre da pessoa humana, tem-se

como conseqüência a afirmação de direitos específicos de cada homem, e que a

dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, bem

como que deve ser intrínseca a todos os seres humanos.

87 SANTOS, Fernando Ferreira dos. op.cit. 88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 89 BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit.

42

Conforme Segado apud Santos90, forçoso se faz lembrar a decisão do

Tribunal Constitucional espanhol:

[...] que, precisando justamente o significado da primazia da dignidade da pessoa humana (art. 10.1 da Constituição espanhola), sublinhou que a dignidade há de permanecer inalterável qualquer que seja a situação em que a pessoa se encontre, constituindo, em conseqüência, um minimun invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. [...]. Neste sentido, ou seja, que a pessoa é um minimum invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, dissemos que a dignidade da pessoa humana é um princípio absoluto; porquanto, repetimos, ainda que se opte, em determinada situação, pelo valor coletivo, por exemplo, esta opção não pode nunca sacrificar, ferir o valor da pessoa.

Santos91, em relação ao valor da pessoa humana, declara que:

.[...] que a proclamação do valor distinto da pessoa humana teve como conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada homem. A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a "fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais", a fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais, o "valor que atrai a realização dos direitos fundamentais", "el valor básico (Grundwert) fundamentador de los derechos humanos". "Los derechos fundamentales son la expresión más inmediata de la dignidade humana"

Pode-se concluir, portanto, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

deve ser visto como valor absoluto, é o alicerce e a finalidade da sociedade e do

Estado, de total respeito aos direitos fundamentais de todos, devendo todo e

qualquer ser humano ser o titular e destinatário das ações do Estado e do mundo,

prevalecendo os direitos fundamentais. Mesmo porque, a Constituição Brasileira

consagra um amplo rol de direitos e garantias individuais, elevando-os a categoria

de cláusulas pétreas, não merecendo menosprezo algum dos intérpretes.

90 Apud, SANTOS, Fernando Ferreira dos. Op.cit. 91

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Op.cit.

43

3. PREVIDÊNCIA DO SERVIDOR PÚB LICO

Todas as pessoas estão sujeitas aos infortúnios da vida, do dia-a-dia. Sejam

doenças, acidentes, morte, velhice, prisão, quem está imune a estas e outras

situações? Que garantia tem-se para assegurar um futuro protegido e tranqüilo aos

nossos familiares, àqueles que dependem de nós, tão somente por esforços?

Pensando nisso, nesses acontecimentos, é que o homem, na medida do possível,

separa parte de seus bens e valores para proteger-se.

Outra forma que passou a ser comumente usada, buscando-se a prevenção,

é o seguro, no qual será pago um prêmio à parte contratante, em caso de ocorrência

de um prejuízo, resultado de um risco futuro previsto no contrato. Este seguro surgiu

da iniciativa privada, mas, estendeu-se ao Estado, com o instituto do seguro social,

por reconhecer a necessidade de garantir uma estabilidade futura para o homem, e

que é realizado no Brasil pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.

A seguridade social está enumerada no art. 194 da Constituição Federal, com

a seguinte redação:

Art. 194 – “[...] conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos

e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e

à assistência social.”

44

Passar-se-á a analisar sinteticamente os regimes previdenciários, geral,

privado e o regime próprio de previdência do servidor, os quais apresentam os

mesmos fundamentos, porém, trazem características peculiares.

3.1.DOS REGIMES PREVIDENCIÁRIOS

A previdência privada, também conhecida como previdência complementar

(regida pela Lei Complementar nº 109/01), que pode ser fechada ou aberta,

permitida pelo art. 202 da CF/88, e de natureza contratual, existe juntamente com a

previdência social, que é pública.

Por sua vez, a previdência social está subdividida em dois regimes: o regime

geral, que tem como órgão gestor o INSS, o qual engloba os trabalhadores de

empresas privadas, autônomos, empregadores, facultativos e outras categorias de

segurado, e o regime próprio que é o dos servidores públicos.

Ater-se-á ao estudo do regime previdenciário próprio, que é o dos servidores

públicos, principalmente no que concerne à contribuição previdenciária por parte dos

inativos e pensionistas deste regime, objeto desta pesquisa.

No art. 40 da Constituição Federal, quando o legislador se refere a servidores

públicos efetivos, ele está deixando claro que, aqueles que não possuem vínculo

efetivo com a administração, os comissionados, os ocupantes de empregos

públicos, cargos temporários e eletivos, estão sujeitos ao regime geral.

Quando do advento da Constituição Federal de 1988, a responsabilidade pelo

sistema previdenciário do servidor público era exclusivamente do Órgão Público,

como bem descreve Matos92: “Bastava ao servidor público adquirir o tempo de

92 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Aposentadoria dos servidores públicos federais após as reformas da Constituição. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 443, 23 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.aspd?id=5733> Acesso em: 10 fev. 2008.

45

serviço mínimo, que ele estaria apto para ser destinatário do direito de se aposentar

[...]”.

Com o passar dos anos, a situação previdenciária ficou crítica, apareceram

déficits do INSS, bem como no serviço público, e prossegue o autor93 dizendo:

No curso dos anos a Constituição vem sendo emendada para tentar sanar os problemas financeiros da Previdência Social. Sucessivamente, é afirmado pelos maiores escalões da República que a Previdência Social no Brasil é uma instituição carente financeiramente, apesar de gerir um dos maiores orçamentos do país. Esse insucesso é atribuído à falta de planejamento dos governantes passados, que ao se depararem com um estoque jovem de contribuintes não se preocuparam em blindar o sistema contra futuros déficits atuariais. Todavia, esse mal ou deficiente planejamento não poderá ser debitado na conta de quem não deu azo às gestões financeiras incompetentes e simplesmente figura na relação jurídica como segurado. Assim, o Executivo, vem no curso dos anos alterando as normas previdenciárias com o objetivo de tornar o sistema de previdência mais atrativo, incluindo em seu contexto os servidores públicos.

A Emenda Constitucional nº 20 (EC/20) de 15 de dezembro de 1988, trouxe

alteração ao artigo 40 da CF, a qual deixou de ser aposentadoria por tempo de

serviço, procurando-se evitar, com isso, aposentadorias precoces, para passar a ser

de caráter contributivo, com a observação de critérios que preservam o equilíbrio

financeiro e atuarial.

No § 12, do artigo 40 da CF/88, na redação da EC/20, o legislador trouxe a

seguinte redação quanto à concessão de benefícios aos servidores públicos: “[...] o

regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará,

no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência

social”.

Nesse diapasão leciona Felipe94: “A Lei nº 9717/98, em seu art. 5º, veda,

expressamente, a concessão, pelo regime próprio de previdência, de benefícios

distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social” (RGPS).

93

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. op.cit. 94 FELIPE, Jorge Franklin Alves. Direito previdenciário do servidor público. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.4

46

Entende-se, com isso, que não poderá ser ofertado ao servidor público, por

exemplo, benefício que já tenha sido extinto pelo RGPS.

No que diz respeito ao regime geral, a Emenda Constitucional 41, não trouxe

maiores alterações aos seus segurados, exceto a elevação do valor máximo de

contribuições e benefícios, e a possibilidade de um regime previdenciário especial

para cobertura de pessoas hoje afastadas do âmbito de sua proteção.

Felipe95 faz o seguinte comentário à Emenda Constitucional nº 41/03, no que

tange ao Regime Próprio:

[...] o objetivo da referida emenda reformatória previdenciária foi, no regime próprio, basicamente aumentar a idade mínima para aposentadoria, acabar com o cálculo do benefício com base no último vencimento, reduzir o valor das pensões e tornar efetivo o teto salarial. Pretende-se com essas e outras medidas, reduzir o grande déficit previdenciário no sérvio público, que alcança não apenas a União, mas também Estados e Municípios

A somar-se a essa situação, esclarece Machado96 que: “entre outras

alterações, incluiu na Constituição Federal dispositivos que expressamente

“autorizam” a instituição de uma “contribuição” incidente sobre proventos e pensões

de aposentados e pensionistas do serviço público [...]”.

Tal comentário refere-se à EC nº 41, e que, segundo o autor97, dá-se pelo fato

de que, em 1999, através da Lei 9.783/99, contribuição semelhante já havia sido

tentada, porém, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal

(STF), contribuição essa que é para ajudar no custeio do Regime Próprio de

Previdência.

95 FELIPE, Jorge Franklin Alves. op.cit. p.5 96 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A contribuição dos “inativos”. Jus NAvigandi, Teresina, ano 8, n. 308, 11 maio 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5202>. Acesso em: 12 fev. 2008. 97

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. op.cit.

47

Quanto a essa questão do custeio do Regime Próprio de Previdência, no que

diz respeito à contribuição dos proventos e pensões dos inativos e pensionistas,

abordar-se-á mais adiante.

3.2. ORGANIZAÇÃO DO REGIME PRÓPRIO

A Constituição Federal, em seu artigo 24, XII, nos diz que a competência para

legislar sobre a previdência social é dos Estados e do Distrito Federal,

concorrentemente com a União.

Ainda nesse raciocínio, no § 1º, do artigo 149 da Carta Magna, o legislador

deixou claro que: “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão

contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do

regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da

contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União”.

Pode-se observar que, uma vez respeitadas as regras constitucionais, cada

entidade da federação estabelecerá o seu sistema previdenciário próprio.

Nesse mister, apregoa Felipe98:

[...] se os entes federativos não instituírem esse regime com observância das normas aplicáveis não obterão, junto ao Ministério da Previdência, o competente certificado de regularidade de situação e, pois, estarão privados de obter inúmeros benesses concedidos pelo Governo Central, como transferências voluntárias de recursos e empréstimos em estabelecimentos oficiais.

Assim, esse regime próprio não abrange os servidores ocupantes de

empregos públicos, cargos temporários, eletivos, bem como os ocupantes

exclusivamente de cargo em comissão.

98

FELIPE, Jorge Franklin Alves. op.cit. p.9

48

No artigo 40, § 20, da CF/88, está vedada, para os servidores titulares de

cargo efetivo, a existência de dois ou mais regimes próprios de previdência social,

bem como, mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente

estatal, com ressalva da previdência dos militares das Forças Armadas, conforme

artigo 142, § 3º, X, da Constituição Federal.

A Lei 8213/91, em seu art. 12, prevê a possibilidade do servidor público, que

não disponha de regime próprio da previdência, a se filiar ao regime geral, porém,

poderá trazer prejuízos ao servidor, ficando o ente federativo obrigado a

complementar o seu provento. Exemplo disso é o comentário de Carlos Alberto

Pereira Castro e João Batista Lazzari99:

Assim, a inclusão no RGPS de ocupantes de cargos efetivos de Estados e Municípios que não possuem regime de previdência social, com a concessão de aposentadoria com base nas regras dispostas na Lei nº 8213/91, que são menos favoráveis que as do art. 40 da Constituição, atinge o direito individual desses servidores.

O que corresponde na prática a uma opção do ente federativo por escolher o

regime próprio ou o regime geral, porém, tal opção pelo regime geral não é benéfica

ao servidor, dada às diferenças entre os benefícios a que faz jus.

Ver-se-á, a seguir, a Lei que cuida do funcionamento e custeio do RPPS.

3.3. FUNDO DE PREVIDÊNCIA

A Lei 9.717, criada em 27 de novembro de 1988, foi instituída visando

organizar o funcionamento e o custeio da previdência dos servidores públicos da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados

e do Distrito Federal e dá outras providências.

99 Apud FELIPE, Jorge Franklin Alves. Op.cit. p.11.

49

Calçado100 elenca as principais características e exigências da Lei 9.717/88:

• Caráter contributivo e solidário: recursos provenientes das contribuições do pessoal ativo, inativo, pensionista e patronal;

• As contribuições somente podem ser utilizadas para pagamento de benefícios previdenciários, exceto as despesas administrativas;

• Cobertura exclusiva a servidores públicos titulares de cargo efetivo e a seus respectivos dependentes;

• Alíquota de contribuição previdenciária do servidor (ativo ou inativo) não pode ser inferior à alíquota estipulada aos servidores da União;

• O RPPS contará com colegiado, com participação paritária de representantes do ente federativo e dos segurados dos respectivos poderes, cabendo-lhes acompanhar e fiscalizar sua administração;

• Disponibilizará ao público, informações atualizadas sobre as receitas e despesas do respectivo regime, bem como os critérios e parâmetros adotados para garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial;

• Vedada a inclusão nos benefícios, para efeito de cálculo e percepção, de parcelas remuneratórias pagas em função de confiança, exceto quando tais parcelas integrarem a remuneração do cargo efetivo;

• Vedada a concessão de benefícios distintos dos previstos pelo RGPS;

Os entes federativos acima mencionados implantarão o regime próprio de

previdência, em conformidade com as regras Constitucionais, o qual deverá ser

único para todos os servidores civis da União, de igual forma para os servidores dos

Estados e Municípios.

Há de salientar-se que o regime próprio deverá se submeter a uma única

unidade gestora, com exceção do aludido no art. 142, § 3º, X, da CF, isto é, que

cuida dos militares da forças armadas, que para eles, poderá e deverá ter uma

entidade própria, diferente da dos servidores civis.

Ver-se-á, a seguir, sucintamente os benefícios previdenciários do RPPS,

posto que não são estes objetos do presente estudo.

100 CALÇADO, Marilúcia Martins. TEMA 1 – Sistema previdenciário no Brasil. <http://aposentadoria.mg.gov.br/aposent1/informações/sistema_brasil.ppt>. Acesso em 18 fev.08.

50

3.4. DOS BENEFÍCIOS

A Lei 9.717/98 veio regulamentar essa previsão, proibindo a concessão, no

regime próprio, de benefícios não previstos no regime geral e que não têm apoio

constitucional.

O art. 40, § 12, da CF, na redação da EC/20, menciona que, aos regimes

próprios devem ser aplicadas as regras do regime geral no que couber não podendo

o legislador conceder benefícios não previstos no regime geral de previdência.

Segundo normas do INSS, até os dependentes têm que ser os mesmos.

À luz do art. 184 da Lei 8.112/90101, o Plano de Seguridade Social do servidor

público visa proteger o servidor e sua família de infortúnios, de riscos a que todos

estão sujeitos, mediante alguns benefícios para sua subsistência na ocorrência de

invalidez, velhice, doenças, acidente em serviço, inatividade, falecimento e reclusão.

Ainda a aposentadoria compulsória, por idade e tempo de contribuição,

especial, por idade, pensão, abono de permanência, salário-família, salário-

maternidade e o auxílio-doença por meio da licença para tratamento de saúde.

Analisar-se-á, a seguir, as EC nº 20, 41 e 47 e conseqüências no RPPS.

3.5 BREVE PARALELO DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS Nº 20, 41 E 47.

Neste capítulo buscar-se-á traçar um paralelo às Emendas Constitucionais nº

20, 41 e 47, para que se possam compreender, de forma sucinta, as diversas

alterações porque passou a nossa Constituição Federal.

101 BRASIL. Lei 8.112/90 – Regime jurídico dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais.

51

Na busca por remediar os problemas financeiros da Previdência Social, no

decorrer dos anos vários dispositivos foram alterados, acrescentados, retirados, e

quem mais sofre com tudo isso é o servidor público.

Dentre outras coisas, passou-se a exigir até dos inativos e pensionistas do

serviço público, uma contribuição incidente sobre os seus proventos.

Vejamos a redação do art. 40 da CF/88, e parágrafos, em consonância com

as Emendas supracitadas, e as formas de transição:

Art. 40 – caput:

Redação da EC nº 20/98: “[...] regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial [...]”. Redação da EC nº 41/03: “[...] regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial [...]”.

Para Mattos102, pela regra da EC nº 20/98, a aposentadoria dos servidores

públicos deixou de ser por tempo de serviço e passou a ser de caráter contributivo,

com observância de critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, com a

participação do ente público, responsável por aportes financeiros.

Sobre o caráter contributivo, é o dizer de Medauer103: “O regime de caráter

contributivo é aquele em que há contribuição direta do servidor para que este tenha

direito à aposentadoria. Além disso, há também o aporte de recursos do respectivo

ente estatal [...].”

102 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Op.cit. 103 Odete Medauer apud MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Íbis, idem.

52

Segundo Calçado104, no art. 40 a EC/41 acrescentou o caráter solidário ao

RPPS, instituindo contribuição previdenciária para os servidores inativos e

pensionistas.

No dizer de Nascimento105, “os ativos (geração trabalhadora atual) pagam os

benefícios dos inativos (geração anterior) na esperança de que a geração futura

(novos trabalhadores a ingressar no mercado de trabalho) pague os seus pecúlios

quando se aposentarem.”

Art. 40, § 1º

Redação da EC nº 20/98: “Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º”. Redação da EC nº 41/03: “Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17”.

Para Calçado106, a base de cálculo dos proventos das aposentadorias

fundamentadas neste artigo deixa de ser a última remuneração.

Inciso I – Aposentadoria por invalidez

Redação da EC nº 20/98 e 41/03: Houve mudança somente nos cálculos dos proventos, que passaram a ter como base a média.

Inciso III – Aposentadorias voluntárias

Redação da EC nº 20/98: sem alteração no texto deste inciso. O tempo mínimo de contribuição e idade para a aposentadoria continuam o mesmo,

104 CALÇADO, Marilúcia Martins. Estudo da emenda à constituição federal nº 41, de 19.12.03, publicada no diário oficial da união em 31.12.03. Disponível em: <https://wwws.seplag.mg.gov.br/aposent1/informacoes/estudo.pdf>. Acesso em 18 fev.2008. 105 NASCIMENTO, Edson Ronaldo. Entendendo a previdência social no Brasil. Disponível em: <www.esaf.fazenda.gov.br/esafsite/cursos_e_semin/IV_ADM_Orcament/oficina/Of47-Previdncia_no_Brasil.pdf>. Acesso em 20 fev.2008. 106

CALÇADO, Marilúcia Martins. op.cit

53

só houve mudanças nos cálculos dos proventos que passaram a ter como base a média.

§ 3° - Base de cálculos dos proventos

Redação da EC nº 20/98: “Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração.” Redação da EC nº 41/03: “Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o artigo 201, na forma da lei.”

Nesse mister é o comentário de Calçado107:

Dispõe que toda aposentadoria fundamentada no Art. 40 com a redação da EC nº 41/03 terá como base de cálculo dos proventos a média. Para a média, será considerada toda contribuição feita para o RPPS e/ou RGPS que o servidor esteve vinculado. A MP 167/04/ Lei nº 10887/04 regulamentou a maneira de se calcular a média. Modelo de cálculo muito parecido com o usado pelo RGPS.

Conforme Felipe108, temos que:

Na regra permanente os benefícios são calculados de acordo com as contribuições que o servidor efetivar a partir de julho de 1994, nos termos da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004. Nas regras de transição prevista no art. 6º da EC nº 41 e art. 3º da EC nº 47, os proventos são baseados na última remuneração.

§ 5º - (especial de professor)

Redação da EC nº 20/98 e 41/03: sem alteração no texto deste inciso. O tempo mínimo de contribuição e idade para a aposentadoria especial continuam o mesmo, só houve mudanças nos cálculos dos proventos que passaram a ter como base a média.

107 CALÇADO, Marilúcia Martins. op.cit 108

FELIPE, Jorge Franklin Alves. op.cit. p.11.

54

§ 8º - Paridade

Redação da EC nº 20/98: “[...] os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão de pensão, na forma da lei”. Redação da EC nº 41/03: “É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”.

Para Calçado109, com a EC nº 41 ocorreu o fim da paridade, ficando o

reajustamento dos proventos a cargo de legislação específica, isto é, os reajustes

dos ativos não obrigariam ao reajuste dos inativos, ficariam a depender de lei,

porém, Bragança trouxe melhor elucidação.

Segundo Bragança110, o parágrafo único do art. 6º da EC nº 41/03 veio

atenuar a garantia à aposentadoria integral, mitigando o direito à paridade, só

garantindo a revisão dos valores na mesma proporção e na mesma data dos ativos.

A EC nº 47/05 revogou o parágrafo único do art. 6º da EC nº 41/03 (art. 5º),

restabelecendo ao servidor aposentado na forma do art. 6º da EC nº 41/03 o direito

à paridade total (art.2º).

Como visto, significa que os efeitos da EC nº 47/05 retroage à data da

publicação da EC nº 41/03, que foi em 31/12/2003.

Noutro dizer, com a referida EC n° 47/05 houve a instituição da paridade

plena entre ativos e inativos para os servidores que ingressaram até a data da

promulgação da EC nº 41, de 2003;

109

CALÇADO, Marilúcia Martins. op.cit 110 BRAGANÇA, Kerlly Huback. <http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_ordem=alfa&page_autor=46&page_id=1815>. Acesso em 18 fev. 2008.

55

Art. 2º da EC nº 41/03 – Aposentadoria Voluntária

Nova regra de transição com redutor

Art. 2º: “Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamente: [...]”.

Aqui, segundo Calçado111,o legislador aproveitou os critérios do Art. 8º da EC

nº 20/98, instituindo um redutor em relação à idade mínima exigida pelo art. 40, III,

“a” da CF/88. Com base na EC nº 41/03, o cálculo dos proventos será feito pela

média, sem direito à paridade. (Versão esta reformulada quando da EC nº 47/05).

Há, nesse caso, uma redução, pois a EC nº 41/03 não pode alterar a situação

jurídica de quem já é servidor público.

Neste sentido leciona Mattos112:

Essa redução é inconstitucional, pois a EC nº 41/2003 não pode alterar a situação jurídica de quem já era servidor público, criando redução nominal dos proventos, para cada ano antecipado em relação aos limites de idade estabelecidos pela nova regra geral. Mesmo tentando manter eficaz a regra do direito adquirido, a citada Emenda Constitucional dribla a conquista do servidor quando desconta os anos não atingidos pela nova orientação geral. Essa manobra fere o direito adquirido dos servidores públicos que pretendem valer-se das regras pré-estabelecidas quando dos seus ingressos no seio do serviço público. A partir do momento que o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis (art. 37, XV, da CF), os proventos de aposentadoria seguem a mesma liturgia, sendo vedada a redução, salvo se por decisão.

Desse entendimento coaduna Bragança113: A nova regra do art. 2º, trazida

pela EC nº 41/03, “é daquelas que não se oferece nem para inimigos, ainda mais

para o servidor público [...]”.

111 CALÇADO, Marilúcia Martins. Op.cit 112 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Op.cit. 113 BRAGANÇA, Kerlly Huback. op.cit.

56

O servidor não se aposentaria com base na remuneração do cargo, mas na

média do que havia contribuído no passado, levando em consideração o seu regime

e o do INSS; não teria direito à paridade (nem mesmo a mitigada) e teria redução no

valor dos proventos em 3,5% por ano antecipado em relação aos limites de idade do

art. 40, § 1°, III, “a”, da CF (60 anos, para homem, e 60, para mulher), se cumprisse

os requisitos até 31/12/2005 e 5%, a partir de 01/01/2006. Exemplificando: se um

servidor fosse se aposentar pelo art. 2°, com 54 anos de idade, em 2007, terá

redução de 30% (6 x 5%).

Art. 6º da EC nº 41/03 - Aposentadoria voluntária

Artigo 6º: “Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da remuneração dos servidores no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma de lei, quando observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições: [...]”

No entender de Calçado114 esta seria a única regra de aposentadoria que

garantiria ao servidor que completar o tempo após 31.12.2003: o cálculo dos

proventos tendo por base a última remuneração e a paridade “parcial”.

Ocorre que esse entendimento foi alterado com o advento da EC nº 47.

O art. 3º da EC nº 47/05, trouxe uma melhor opção para que o servidor

público obtenha uma aposentadoria integral, ela veio amenizar a EC nº 41/2003,

facilitando algumas situações jurídicas, em prol do interesse público.

Mattos exemplifica115:

114 CALÇADO, Marilúcia Martins. Op.cit 115 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Op.cit.

57

Uma delas é a regra de transição, que possibilita ao servidor que ingressou no serviço público até 16 de dezembro de 1998 se aposentar integralmente e com paridade plena antes da idade mínima exigida na Emenda Constitucional nº 41/2003, desde que comprove tempo de contribuição acima do exigido (30 anos para a mulher e 35 para o homem). Assim, para cada ano que o servidor exceder no tempo de contribuição poderá reduzir ou abater um ano na idade mínima. Exemplo: Homem 36/59; 37/58; 38/57; 39/56 e 40/55 etc. Nessas simulações o servidor, todavia, terá que comprovar 25 anos de serviço público, sendo que desse tempo 15 deverão ser na carreira e dez no cargo.

É o texto:

Art. 3º: “ Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1988 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições: [...]”.

O parágrafo único desse artigo garante paridade total ao servidor aposentado,

inclusive, dispensando às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos,

igual critério de revisão, desde que tenha se aposentado conforme o art. 3º da EC

47/05.

Nesse sentido, comparando o art. 3º supra com o art. 2º da EC nº 41/03, vê-

se que naquele há garantia de integralidade, paridade total e não redução dos

proventos116.

3.6. O CUSTEIO DO REGIME PREVIDENCIÁRIO PRÓPRIO

Nos idos da década de 70 vários benefícios previdenciários foram criados,

dos quais, boa parte passou a ser despesa imediata, sem período de carência. Por

falta de visão de longo prazo, logo foram surgindo os déficits da previdência,

agravados no final da década de 80.

116 BRAGANÇA, Kerlly Huback. op.cit.

58

Na verdade, havia muitas arrecadações e poucos beneficiados, o volume de

capital era muito grande, o que levava os governantes a investir em finalidades

diversas da originária, como por exemplo, em grandes obras públicas, como a

construção de Brasília, alegando o desenvolvimento do país, e não se preocupando

em resguardar o sistema contra futuros déficits.

Destarte, por causa do agravamento da crise fiscal, o poder público precisou

rever a regularização de garantias “ilimitadas”, o que levou a constantes

modificações na legislação, com fins de garantir o equilíbrio financeiro e atuarial da

Previdência, conforme o disposto no art. 40 da CF/88:

"Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (EC nº 3/93, EC nº 20/98, EC nº 41/2003, EC nº 47/2005). (...) § 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos".

Até o advento da Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, a

contribuição previdenciária não era exigida dos servidores, e sim, custeada

exclusivamente pelo erário. Após a edição dessa emenda, decidiu-se pela instituição

de contribuição exigível dos servidores públicos federais

Conforme entendimento de Gomes117, em conseqüência da inclusão do art. 6º

ao art. 40, em 23 de abril de 1998 foi editada a Lei nº 9.630, instituindo a cobrança

do servidor público civil, ativo e inativo, dos três Poderes da União, a partir de julho

de 1997, à alíquota de 11% (art. 1º).

117 GOMES, Des.Federal Suzana de Camargo. Contribuição previdenciária dos servidores públicos federais: inconstitucionalidades da lei nº 9.783/99. Revista do Tribunal Regional Federal 3ª Região. Número 38 – abril/junho – 1999.

59

Em 28 de janeiro de 1999, foi criada a Lei 9.783 com o fito de dar

cumprimento ao comando constitucional do art. 40, caput, que havia sido alterado

com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98.

Havia o comando para cobrar dos servidores inativos e pensionistas, a

contribuição previdenciária, porém, havia entendimentos contrários:

Segundo leciona Felipe118, a jurisprudência dominante, na vigência da EC nº

20/98, se orientou no sentido de considerar indevida a exigência de contribuição

previdenciária de aposentados e pensionistas.

Havia entendimento de que o limite de isenção deveria ser apenas aquele do

regime geral de previdência, tendo como justificativa a incidência e cobrança da

contribuição no que ultrapassasse o referido valor.

Machado119 faz o seguinte comentário relativo à Lei 9.783/99:

A criação de contribuição semelhante já havia sido tentada em 1999, através da Lei n.º 9.783/99, que foi, entretanto, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em votação unânime (2). A questão que se coloca, agora, é a de saber se a inconstitucionalidade que impedia a cobrança da contribuição, em 1999, foi afastada com o advento da EC 41/2003, ou se, ao revés, subsiste, por decorrer de dispositivos da Constituição que não podem ser contrariados nem mesmo pelo poder reformador, constituinte derivado.

Observa-se que sempre foi alvo de questionamento o desconto dos inativos e

pensionistas, que tentativas já foram realizadas para obtenção da referida

contribuição, contudo, considerada inconstitucional pelo STF. Novos dispositivos

foram inseridos na CF por meio de emendas visando tal contribuição.

118

FELIPE, Jorge Franklin Alves.op.cit. p..89. 119

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. op.cit.

60

Com a Emenda Constitucional nº 41/03, o STF firmou-se no sentido da

constitucionalidade da cobrança, desde que sobre a parcela excedente ao limite

máximo do Regime Geral de Previdência. Eis o que foi noticiado na Folha de São

Paulo, no dia 19/08/2004120:

Folha de São Paulo STF aprova por 7 a 4 a cobrança de inativos, mas eleva teto de isenção O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou hoje, por sete votos favoráveis e quatro contrários, a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos, a principal e mais polêmica medida aprovada na reforma da Previdência no final do ano passado. Apesar da vitória, o STF impôs ao governo a elevação do teto de isenção dos servidores de R$ 1.505,23 para R$ 2.508,72 -- o teto da aposentadoria do regime geral da Previdência. A mudança faz com que a cobrança da contribuição de 11% seja feita apenas sobre a parte do salário superior a R$ 2.508,72. A contribuição dos inativos é cobrada desde maio dos aposentados e pensionistas. O inativo da União que ganha hoje R$ 4.000, por exemplo, contribuía sobre R$ 2.495 e tinha desconto de R$ 274. Com a mudança imposta pelo STF, a faixa de incidência do tributo cairá para R$ 1.492, e a contribuição diminuirá para R$ 164.

Diante do exposto, observa-se que o STF julgou improcedentes várias ADINS

e aprovou a constitucionalidade da referida contribuição, elevando o teto de isenção

dos servidores de R$ 1.505,23 para R$ 2.508,72, mas continua o percentual de

11%, porém, só incidindo sobre o valor que ultrapassar esse limite.

Nesse diapasão é a lição de Felipe121:

Assim, não incide contribuição previdenciária para aposentados e pensionistas no regime próprio até o limite do regime geral de previdências; nos casos de aposentadoria ou pensão, se o beneficiário for portador de invalidez, o limite de isenção é dobrado (art.40, § 21, da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 47).

Verifica-se dessa forma que a EC nº 47/05, trouxe um maior benefício para o

aposentado ou pensionista portador de invalidez, dobrando o limite de isenção, que

passa a ser e R$ 5.017,44. Ocorre, assim, uma diminuição da base de incidência da

120 BIBLIOTECA on-line. Disponível em: Clipping Diário <http://www.cspb.org.br/clipping/clipping_17092003.pdf>. Acesso em 20 jan. 2008. 121 FELIPE, Jorge Franklin Alves. op.cit. p.90.

61

contribuição previdenciária, para os que recebem proventos até duas vezes o limite

máximo estabelecido para os benefícios do RGPS.

Machado122, dentre outros, é um defensor acirrado da inconstitucionalidade

da contribuição previdenciária pelos servidores públicos inativos e pensionistas,

tendo em vista que vários princípios foram violados, desrespeitado. Princípios estes

abordados mais adiante.

122 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. op.cit.

62

4. DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

Ao tratar das Contribuições Sociais, se faz necessário buscar um

esclarecimento do que é o tributo. O Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66), em

seu art. 3º, define tributo como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou

cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída

em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Deste conceito pode-se observar que o tributo surge de uma exigência do

Estado, o qual, nos idos da história fiscal, tinha a vontade do soberano identificada

com a lei, e hoje se encontra inserido na lei, expressão da vontade coletiva123.

A Constituição Federal em seu artigo 145 institui como tributos:

[...] I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. [...].

Tem sido alvo de inúmeras discussões e interpretações o instituto das

123

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. – 13. ed.rev. – São Paulo: Saraiva, 2007. p.17.

63

Contribuições Sociais, ou seja, se é ou não tributo. Com base no art. 149 da

Constituição, inúmeros doutrinadores têm considerado as contribuições sociais

como espécie do gênero tributo, até porque em nossa Carta Magna tais obrigações

figuram no capítulo do Sistema Tributário124. Daí a necessidade de se analisar a

relação tributária.

A relação tributária surge de um fato previsto na norma, ou seja, a lei

descreve um fato com a atribuição de criar uma conexão tributária, uma relação

entre o indivíduo e o Estado-fisco. Daí o surgimento de uma obrigação tributária, a

qual, no dizer de Amaro125, tem a seguinte definição:

[...] obrigação como relação jurídica, designando o vínculo que adstringe o devedor a uma prestação em proveito do credor, que, por sua vez, tem o direito de exigir essa prestação a que o devedor está adstrito. A obrigação tributária, de acordo com a natureza da prestação que tenha por objeto, pode assumir as formas que referimos (dar, fazer ou não-fazer).

Essa obrigação tributária pode ser principal quando tem por objeto o

pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Deve ter, portanto, conteúdo

patrimonial, como dita o artigo 113, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional.

Agora, será ela acessória quando decorrer da legislação tributária e tiver por objeto

prestações nela previstas, conforme o artigo 113, parágrafo 2º, do mesmo diploma

legal.

A obrigação tributária principal é aquela decorrente da vontade das partes,

que surge com o fato gerador, em que a natureza jurídica possui uma correlação

com a obrigação de dar, de pagar tributo ou penalidade, e extingue-se juntamente

com o crédito dela decorrente;

A obrigação tributária acessória é aquela decorrente da legislação tributária,

em que a natureza jurídica é de fazer ou não fazer, no interesse da arrecadação ou

da fiscalização dos tributos.

124

CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito tributário vol. 16. 5 ed. – São Paulo: Saraiva, 2002. – (Coleção sinopses jurídicas). P.47 125 AMARO, Luciano. Op.cit. p.245.

64

Conforme o § 3º, do art. 113 do Código Tributário Nacional, “a obrigação

acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação

principal relativamente à penalidade pecuniária”.

E quanto aos sujeitos ativo e passivo de uma obrigação tributária, quem são?

Conforme estatui o Código Tributário Nacional126 (CTN), em seus arts. 119 121e 122

temos que:

Art. 119: “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público

titular da competência para exigir o seu cumprimento.” Nada mais é que o credor,

aquele que pode exigir o cumprimento da obrigação, ou seja, a União, os Estados e

os Municípios – que detêm competência tributária – e as pessoas públicas, que

embora não possam legislar sobre tributos têm capacidade tributária delegada, que

lhes permite fiscalizar e arrecadar tributos.

Art. 121 “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao

pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”, que tem na obrigação principal

conteúdo pecuniário;

Art. 122: “Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às

prestações que constituam o seu objeto”, isto é, sendo o objeto da obrigação

acessória uma prestação positiva ou negativa que não pecúnia, o devedor é a

pessoa obrigada a efetuar a respectiva prestação.

Já os sujeitos passivos serão as pessoas físicas ou jurídicas, obrigadas ao

cumprimento da obrigação tributária.

Pode-se dizer, então, que os tributos têm uma tríplice função127;

126AMARO, Luciano. op.cit. p.292 e 298.. 127 AMARO, Luciano. op.cit.p.89

65

Fiscal: o objetivo principal é a arrecadação de recursos

financeiros, para que o Estado tenha disponibilidade financeira

para arcar com os seus deveres estabelecidos na

Constituição;

Extrafiscal: o objetivo principal é a interferência no domínio

econômico, procurando um efeito diverso da mera

arrecadação de recursos financeiros, com o fim de estimular a

prática de determinadas condutas e desestimular outras

indesejáveis;

Parafiscal: o objetivo é angariar recursos para o custeio de

atividades que, a princípio, não fazem parte das funções

próprias do Estado, mas que são desenvolvidas por ele

através de entidades específicas.

Para melhor enfocar as Contribuições Sociais, tratar-se-á ligeiramente da

classificação jurídica dos tributos.

Como observa-se anteriormente, a Constituição Federal determina, em seu

artigo 145, os tributos tais como impostos, taxas e contribuição de melhoria.

A doutrina apresenta duas escolas: a dicotômica, que entende como espécies

tributárias apenas os impostos e as taxas; e a tricotômica, que considera a

contribuição de melhoria também como tributo128.

No art. 16 do CTN129, têm-se a espécie de imposto de tributo como: “ o tributo

cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer

atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Machado explica130:

A obrigação de pagar imposto não se origina de nenhuma atividade específica do Estado relativa ao contribuinte. O fato gerador do dever

128 BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit. 129

Código Tributário Nacional. Nova ed.at. e compl. 1987/88. 130 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26 ed. 20. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:Malheiros, 2002. p.255-256.

66

jurídico de pagar imposto é uma situação da vida do contribuinte, relacionada a seu patrimônio, independente do agir do Estado. [...]. Em se tratando de imposto, a situação prevista em lei como necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária não se vincula a nenhuma atividade específica do Estado relativa ao contribuinte.

Para Carrazza131:

O imposto, em fim, é um tributo não-vinculado a uma atuação estatal. Esta idéia, diga-se de passo, foi muito bem explicitada no art. 16 do CTN. A pessoa política – repetimos – não precisa, ao tributar por via de imposto, realizar qualquer atividade estatal específica em favor do contribuinte que o irá suportar. Tal modalidade de tributo (ao contrário da taxa e da contribuição de melhoria) não exige qualquer contrapartida. A pessoa política que o cria deve, apenas, obedecer os princípios constitucionais que influem na tributação.

Bastos132 magistra:

Não há negar-se que, se se quiser classificar os tributos do ângulo da atuação estatal, não há dúvida de que as hipóteses lógicas existentes são apenas estas duas: ou há necessidade de atuação estatal – tributos vinculados (taxas), ou esta atuação é desnecessária – tributos não-vinculados (impostos).

Este trabalho embasa-se na Teoria do Tributo Vinculado ou Desvinculado a

uma atuação Estatal relativamente à pessoa do contribuinte.

De acordo com o art. 77 do CTN e art. 145, II, CF, a taxa é um tributo

vinculado.

Nesse entendimento, compartilha Amaro133:

As taxas são tributos cujo fato gerador é configurado por uma atuação estatal específica, referível ao contribuinte, que pode consistir: a) no exercício regular do poder de polícia; ou b) na prestação ao contribuinte, ou colocado à disposição deste, de serviço público específico e divisível.

131

CARRAZZA, R. A. Apud Berro, Maria Priscila Soares. Op.cit. 132 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. 6. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p.147 133

AMARO, Luciano. Op.cit. p.30-31.

67

Como se vê, o fato gerador da taxa não é um fato do contribuinte, mas um fato do Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa quem aproveita aquela atividade.

Conforme escreve Berro134, dessa forma, nos termos do artigo 145, II, da

Constituição Federal, as taxas no Brasil podem ser de polícia ou de serviço, sendo

que outras modalidades de taxas no país são inconstitucionais. É preciso ressaltar

ainda, no que tange às taxas de serviço, que o contribuinte não precisa ter usufruído

efetivamente do serviço público, basta que este tenha sido colocado a disposição,

bem como que elas não podem ter base de cálculo própria de imposto (artigo 145,

parágrafo 2º da CF).

No que tange à Contribuição de Melhoria, é previsto na Constituição, em seu

art. 145, III, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem

instituir “contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas”. Há, nesse tributo,

uma vinculação com a atuação do Estado que é a realização de obras públicas que

trazem benefícios, valorização do imóvel, não apenas ao contribuinte, mas ao

público em geral.

A Contribuição de Melhoria tem como elemento essencial a valorização

imobiliária, mas Machado135 melhor conceitua:

[...] a contribuição de melhoria é a espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização do imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis [...]

A contribuição de melhoria é precisamente o instrumento adequado para que o proprietário do imóvel valorizado reponha, em favor da coletividade, no Tesouro Público o que foi por este gasto na obra, na medida, tanto quanto possível exata, do incremento de valor auferido.

A Contribuição de Melhoria, como se observa não se confunde com Taxa e,

embora ambos sejam tributos vinculados à atividade estatal, a própria natureza

134

BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit. 135 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit. p.381, 384.

68

dessa atividade é que os distingue, ou seja:

• A Contribuição de Melhoria tem seu fato gerador ligado a

uma obra pública, é preciso que haja nexo de causalidade

com a valorização de um imóvel, e só é tributada uma vez,

• enquanto que a Taxa tem o fato gerador relacionado ao

exercício regular do poder de policia ou prestação de

serviço e é um tributo renovável periodicamente.

Em continuidade aos tributos, falar-se-á brevemente do empréstimo

compulsório para então explorar-se sobre as contribuições sociais.

Os artigos 148, 149 e 195, caput e incisos I, II e III da Constituição Federal de

1988, apresentam no sistema tributário brasileiro o empréstimo compulsório e as

contribuições – que são tributos cobertos de finalidades particulares.

No artigo 167, inciso IV da Carta Magna, o legislador deixou clara a vedação

da vinculação dos impostos a órgão, fundo, programa ou despesa, ressalvando,

entretanto, as contribuições – sejam elas sociais, previdenciárias, interventivas ou

corporativas – como as taxas, que também ficaram livres da vedação.

Sabe-se que o empréstimo compulsório previsto no art. 148 da Constituição

Federal é um imposto qualificado pela promessa de restituição e somente exigido no

âmbito federal.

Melo apud Berro136 define:

O empréstimo compulsório é um autêntico tributo, de características especiais, porque o elemento “restituível” não pode ser, pura e simplesmente, desconsiderado na norma jurídica (tributária), que deve estabelecer, de modo específico e exaustivo, as condições de restituição do valor mutuado (ainda que coativamente), de modo a se recompor o

136 Apud BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit.

69

patrimônio do contribuinte em sua situação original (anterior à ocorrência do empréstimo).

Nesse entendimento é o compartilhar de Carrazza, 137 que também

compreende os empréstimos compulsórios como tributo, entendendo-o como tributo

restituível, que tem no Brasil duas modalidades: para atender as despesas

extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra ou sua eminência; e

para os casos de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse

nacional.

Coelho138 prefere chamá-lo de tributo causal, tendo em vista que o seu fim

não é duradouro e porque as suas causas podem ou não ocorrer, sempre

apresentando fato gerador de imposto, visto que o Estado é seu sujeito ativo, mas

com a obrigação de restituição.

Face ao exposto, pode-se ver que, com exceção dos impostos, todos os

demais tributos têm sua receita vinculada à finalidade de recursos que geram. Não

quer dizer com isso que os impostos poderão ser utilizados para outros fins que não

o bem-estar da sociedade.

A Constituição apregoa, de forma explícita, que a sociedade tem direito aos

Direitos Sociais, porém, se for analisada a realidade da grande maioria dos cidadãos

brasileiros, a realidade vista será outra totalmente diferente, que não passa de

utopia, apesar da grande carga tributária, o que leva a concluir que o problema não

é a falta de recursos financeiros, e sim a ausência de um eficiente sistema de

gerenciamento que busque uma melhor distribuição dos recursos humanos e

materiais disponíveis.

Já as contribuições sociais são consideradas tributos vinculados à

atuação do Estado com a pessoa do contribuinte, existem uma contraprestação,

137

CARRAZZA, R. A. apud BERRO, Maria Priscila Soares.. op.cit. 138 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2002. p.264.

70

pagamento em troca de benefícios, portanto, de natureza tributária, é o que veremos

adiante.

4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

As contribuições sociais têm seu perfil instituído pela União, com base nos

arts. 149 e 195 da nossa Carta Magna c/c o art. 217, inciso I, do Código Tributário

Nacional.

No art. 149 da CF estão previstas as contribuições de intervenção no domínio

econômico, de caráter extrafiscal, caracterizadas pela finalidade interventiva

específica, e as contribuições profissionais que são instituídas em favor de

categorias profissionais ou econômicas e têm caráter parafiscal, haja vista ter como

destinação suprir as necessidades das respectivas entidades representativas e não

a abastecer os cofres públicos139.

Alude Coelho140:

[...] em primeiro lugar, a teoria do tributo vinculado ou desvinculado a uma atuação do Estado relativamente à pessoa do contribuinte está correta. ... De fato, por toda parte onde vigoram Estados de Direito pagamos tributos porque expressamos ter capacidade contributiva, realizando atos ou demonstrando situações relevantes captadas pelo legislador como indicativas de capacidade econômica,...; ou então porque o Estado nos presta serviços de grande utilidade, específicos e divisíveis, ou pratica atos do seu regular poder de polícia diretamente referidos à nossa pessoa, ou ainda, porque nos concede benefícios diversos, como auxílios em caso de doença e pensões em caso de morte, aposentadorias, ou ainda porque realiza obras que favorecem o nosso patrimônio imobiliário. No primeiro caso temos impostos (tributos que existem independentemente de qualquer atuação estatal relativamente à pessoa do contribuinte) e taxas e/ou contribuições que existem exatamente porque o Estado atua, de modo especial, em função da pessoa do contribuinte (tributos vinculados a atuações do Estado relativamente à pessoa do contribuinte);

Dessa forma, pode-se observar que o tributo, como espécie, só pode ser

139

CHIMENTI, Ricardo Sérgio. Op.cit. p.49. 140 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Op.cit. p. 246.

71

dividido em vinculado à atuação do Estado (taxas e contribuições de melhoria dentre

outros), e não vinculado à atuação do Estado.

As contribuições sociais, as previdenciárias, são tributos vinculados a

atuações específicas do Estado, relacionadas à pessoa do contribuinte, pois são

pagos em troca de certos benefícios e não serviços.

Conforme leciona Berro141:

[...] pode-se denominar as contribuições sociais – que também são nomeadas de especiais ou parafiscais – como tributos destinados à coleta de recursos para determinadas áreas de interesse do poder público, na administração direta ou indireta, ou na atividade de entes que colaboram com a Administração.

A contribuição social, portanto, deve ter destinação certa, sendo recolhida com finalidade predeterminada. São cobradas não exclusivamente, mas principalmente, por entidades federais, como as relativas ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de Assistência Social ao Empregado Público), SESC (Serviço Social do Comércio), SENAC (Serviço Nacional do Comércio), [...].

Machado142 define contribuição social “como espécie de tributo com finalidade

constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse

de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social”.

O artigo 4º do Código Tributário Nacional assim define:

Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação do produto da sua arrecadação.

Espírito Santo Filho143, em citação a Vittorio Cassone, referindo-se a uma

141

Maria Priscila Berro. op.cit. 142 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit. p. 359. 143

ESPÍRITO SANTO FILHO, Cristóvam do. Natureza jurídica das contribuições sociais . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 32, jun. 1999. Disponível em:

72

exposição do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro

Moreira Alves, lembra:

"O Ministro Moreira Alves, do STF, em sua conferência inaugural do 15º Simpósio Nacional de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra Martins e relatoria de Vittorio Cassone e Fátima Fernandes de Souza Garcia, disse que: Quando a Constituição de 88 diz, no art. 148, que a União-Estados-Distrito Federal-Municípios podem instituir os seguintes tributos (Impostos, Taxas e Contribuições de Melhoria), não implica afirmação nenhuma que não haja outras espécies tributárias, por que é certo que nem Empréstimos Compulsórios nem Contribuições Sociais podem ser instituídos por todas essas entidades que integram a federação, sendo os Empréstimos Compulsórios e as Contribuições Sociais figuras autônomas. Consequentemente, temos 5 espécies de TRIBUTOS: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Tal como o Min. Moreira Alves e como nós, Ives Gandra Martins de há muito vem defendendo a divisão qüinqüipartida dos tributos."

Martins apud Berro144, afirma que: “Já o STF, por unanimidade, no RE

146.133-9-SP, declarou ser tributária a natureza de todas as contribuições

sociais[...]”.

Dessa forma, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 dá às

contribuições sociais a natureza de tributo. É o que se depreende do art. 149,

inserido no capítulo do Sistema Tributário Nacional da Constituição Federal, o qual

confere à União a competência exclusiva de instituir contribuições sociais, de

intervenção no domínio econômico e contribuições instituídas no interesse de

financiar categorias profissionais e econômicas.

À vista deste artigo, pode-se afirmar a unanimidade da visão doutrinária no

que se refere à natureza jurídica de tais contribuições.

Como bem explica Machado145:

É induvidosa, hoje, a natureza tributária dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem

em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1432>. Acesso em: 05 fev. 2008 . 144

Apud Maria Priscila Berro. op.cit. p.130 145 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit. p. 359.

73

sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis às contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias, com ressalva, quanto a este, das contribuições de seguridade, às quais se aplica regra própria [...]

Espírito Santo Filho146 destaca a relação das contribuições sociais e o Direito Tributário:

Inicialmente, deve ser destacada a intrínseca relação entre tal instituto e o Direito Tributário, a exemplo da questão do lançamento previdenciário, que vai ao Código Tributário Nacional (CTN) buscar normas subsidiárias (art. 142). Da mesma forma, os arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212, que abordam decadência e prescrição em sede de crédito previdenciário, repetem o disposto nos artigos 173 e 174 do CTN (crédito tributário). Os arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212 se restringiram a apenas modificar os prazos de prescrição e decadência, que passaram a ser de 10 anos. Ainda, às contribuições sociais são aplicados outros institutos tributários como o de fato gerador (art. 144 do CTN), obrigação (art. 113, CTN), sujeito ativo (art. 119 do CTN), sujeito passivo (art. 121 do CTN), incidência, base de cálculo, contribuintes etc.

O advento da Constituição de 1988 concretizou a natureza tributária das contribuições sociais ao estabelecer, com base em seu art. 149, que estas só poderiam ser exigidas por meio de lei complementar, respeitando-se os princípios da irretroatividade da lei e da anterioridade (art. 150, inciso III, alíneas "a" e "b"). Ainda, o aludido artigo 149 exige a observância ao inciso III do art. 146 da Carta Magna (exigência de observância a Lei Complementar para fixação do fato gerador, base de cálculo e contribuinte). Trata-se, portanto, da estrita observância a institutos de natureza também tributária.

Tal definição conduz ao entendimento de que as contribuições sociais têm

íntima relação com o Direito Tributário. Entretanto há doutrinadores que entendem

ser a contribuição um tributo, diferente dos impostos e das taxas; outros consideram

que estas são verdadeiros impostos ou verdadeiras taxas; e há aqueles que as

percebem sem qualquer natureza tributária. Ater-se-á apenas ao conhecimento da

existência dessas correntes doutrinárias, posto que não é a finalidade desse

trabalho discutí-las, até porque não influenciam nesta.

Por ter a Constituição Federal elencado apenas as finalidades das

contribuições, verifica-se que são tributos vinculados a uma atividade estatal e

somente poderão ser instituídas para cumprir uma das finalidades

146

ESPÍRITO SANTO FILHO, Cristóvam do. op.cit.

74

constitucionalmente previstas.

Após a interpretação do conceito e da natureza jurídica das Contribuições é

preciso enunciar suas modalidades e a sua característica de referibilidade.

4.3 MODALIDADES E REFERIBILIDADE

A Carta Magna de 1988 ao tratar do Capítulo que cuida do sistema Tributário

Nacional, atribui competência exclusiva à União para a instituição de Contribuições

Sociais de natureza especial, as quais subdividem-se em três modalidades distintas:

a) as contribuições sociais para o financiamento da seguridade

social,

b) contribuições sociais de intervenção no domínio econômico,

e

c) contribuições sociais de interesse de categorias profissionais

ou econômicas.

Cada uma dessas modalidades deverá observar os requisitos fundamentais

instituídos no texto constitucional, obedecendo às finalidades a que se propôs.

Entende-se que há uma distinção entre os tipos de contribuição, haja vista que a

receita desses tributos integrará os orçamentos dos órgãos governamentais

responsáveis por alcançar as finalidades propostas147.

Lembra-se, então, que as receitas oriundas de impostos não poderão estar

vinculadas a órgão, fundo ou despesa, permitindo-se apenas as exceções prescritas

no inciso IV do artigo 167, da CF/88. Vê-se, portanto, que as contribuições têm a

característica de vinculação da receita ao órgão arrecadador.

Coelho148 divide as contribuições especiais ou parafiscais em três: para a

seguridade social (previdência, saúde e assistência social); de intervenção no

147 Apud Maria Priscila Berro. op.cit. p.135. 148 COELHO, Sacha Calmon Navarro. op.cit. p. 249.

75

domínio econômico e social (café, cinema, cultura etc.) e aquela reservada para a

manutenção das entidades representativas das categorias econômicas e de seus

órgãos de classe (OAB, CRM, sindicais entre outras).

Machado149 faz o seguinte desmembramento: Contribuições de Intervenção

no Domínio Econômico, Contribuições de Interesse de Categorias Profissionais ou

Econômicas e, Contribuições de Seguridade Social, bem como postula em prol da

classificação das contribuições segundo a sua finalidade.

Para Luiz Fernando Maia apud Berro150, uma contribuição social só poderá

ser instituída “se a finalidade pela qual foi criada estiver prevista na Constituição,

bem como será necessário que a Constituição Federal permita sua concepção para

financiamento desse fim”.

Em suma, as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (contrib.

extrafiscais), são aquelas motivadas por um fim específico;

As Contribuições de Caráter Corporativo (contrib. parafiscais), são para

proporcionar a organizações profissionais, recursos financeiros para regularização e

fiscalização do exercício das respectivas atividades profissionais ou econômicas, em

que se espera haver uma atuação do Estado, com o fim de realizar algum interesse

para um grupo determinado de pessoas.

E as Contribuições Sociais, relacionadas diretamente com a Seguridade

Social, são aquelas que possuem embasamentos definidos na Constituição Federal.

Ao analisar-se o artigo 165, parágrafo 5º, inciso III, da Constituição Federal,

observa-se que o orçamento da Seguridade Social é independente do orçamento do

Tesouro Nacional, partindo-se do princípio que, conforme o artigo 194, parágrafo

único, inciso VII, da Constituição Federal, ela deverá ser organizada e alicerçada

149 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit. p. 360 150

BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit. p.137

76

nos princípios constitucionais, sendo financiada, conforme o art. 195 da CF/88151:

[...] por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II – do trabalhador e dos demais segurados da Previdência Social, não incidindo contribuição sobre aposentadorias e pensão concedidas pelo regime geral de Previdência Social de que trata o art. 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos.

As contribuições têm a presunção de uma contraprestação ao contribuinte. É

o que ocorre, por exemplo, com a Contribuição de Seguridade Social, em que a

própria Constituição definiu o seu âmbito, tendo a contribuição previdenciária o

elemento característico inerente ao seguro, à possibilidade de aferimento de um

benefício, uma prestação, prêmio. É o princípio da referibilidade.

Neste sentido preceitua Frantz152:

É fundamental que o contribuinte aufira algum benefício na atividade que será desenvolvida com os recursos, gerados pelo recolhimento da sua contribuição. No caso da relação empregatícia, é incontestável o benefício direto do empregado, que tem descontado em folha a sua contribuição, e indireto do empregador, pois, como bem observa Wagner Ballera: “também o empregador acaba por se beneficiar dessa vantagem proporcionada ao trabalhador, pois é por meio dela que o obreiro adquire segurança quanto à situação física, mental e financeira de sua própria pessoa e de seus dependentes”.

No caso da Previdência Social, o benefício auferido ao inativo e pensionista é

a garantia de meios de subsistência em face de eventual invalidez, velhice ou morte,

151 BERRO, Maria Priscila Soares. op.cit.. p.138 152 FRANTZ, Augusto <http://www.unilearn.com.br/site/interatividade/Artigos.aspx?id_artigo=108&id_assunto=103&idx=1>. Acesso em 15 fev. 2008.

77

ou seja, contribui na certeza de que será assistido quando preciso for, conforme pré-

estabelecido em legislação própria, o qual atribui-se ao o princípio da referibilidade.

É de notável importância compreender-se o princípio da referibilidade na

Contribuição Social.

Segundo Paula153:

Nas contribuições de seguridade social do art. 195, I, da CR/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/98, revestem-se da qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária o empregador, a empresa e as demais entidades a ela equiparadas na forma da lei. O sujeito receptor, como é obvio, é o orçamento da seguridade social (art. 165, § 5.º, III). Qual a correlação lógica entre o sujeito passivo e o sujeito receptor a fundamentar essa exigência tributária? É o princípio plasmado no caput do art. 195, o princípio da solidariedade social, que exige a participação de toda a sociedade no financiamento da seguridade social. Assim, o fato de se exercer uma atividade econômica, seja contratando trabalhadores ou prestadores de serviços (195, I, "a"), seja auferindo receita ou faturamento (195, I, "b"), seja ainda, experimentando lucro (195, I, "c"), revela exteriorização de riqueza tomada pelo dispositivo constitucional como fato-signo presuntivo a autorizar a tributação.

[...] Também no campo das contribuições parafiscais corporativas (no interesse de categorias profissionais ou econômicas), o princípio da referibilidade comparece de maneira marcante.

De um lado, quanto às contribuições no interesse de categorias profissionais, o sujeito passivo deve sempre estar inserido na categoria profissional representada pelo sujeito receptor. Tais espécies tributárias existem com bastante freqüência no campo das profissões cujo exercício exige habilitação legal, tais como advocacia, medicina, odontologia, farmácia, arquitetura, engenharia etc. Assim, o sujeito passivo da contribuição corporativa da OAB deve ser somente o advogado e as sociedades que prestam serviços de advocacia; da contribuição corporativa do CRM, o médico e as sociedades que prestam serviços médicos e assim por diante.

De outro lado, quanto às contribuições no interesse de categorias econômicas, o sujeito passivo da exação deve estar sempre inserido no campo de atuação do sujeito receptor, que é representado por uma entidade que atua em benefício da classe econômica em que se enquadra o sujeito passivo. É o que se passa com a contribuição para o SEBRAE, que deve ser exigida só das micro e das pequenas empresas.

[...] O mesmo ocorre com as contribuições extrafiscais de intervenção no domínio econômico. Somente quem atua no setor do mercado que necessita de intervenção estatal é que deverá suportar a tributação. Ou

153

PAULA, Rodrigo Francisco de. Ensaio sobre as contribuições do sistema constitucional tributário: enfoque a partir da teoria dos tributos vinculados e não-vinculados e da esquematização formal da regra-matriz de incidência. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1012, 9 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8218>. Acesso em: 16 fev. 2008.

78

seja, o sujeito passivo é a pessoa que exerce uma atividade econômica que se refere diretamente ao sujeito receptor da exação, o qual empregará o produto da arrecadação justamente para fazer frente à intervenção no segmento econômico do qual faz parte o sujeito passivo.

Em vista disso, pode-se concluir que o princípio da referibilidade rege e dá

sentido de existência às contribuições parafiscais (sociais e corporativas) e às

contribuições extrafiscais (de intervenção no domínio econômico).

79

5. DOS PRINCÍPIOS PERTINENTES

5.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINENTES À PREVIDÊNCIA A Constituição Federal, em seu art. 194, quando descreve a Seguridade

Social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes e da

Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social

e à assistência social”, deixa claro que a mesma é um todo formado pelo tripé

saúde, previdência e assistência social. Vai mais longe ainda quando determina, em

seu parágrafo único, a competência do Poder Público para, nos termos da lei,

organiza-la com base nos princípios que dita. Dessa forma, entende-se que são

esses os princípios constitucionais relativos à Seguridade Social e,

consequentemente, à Previdência Social.

Segundo Martinez154, pelo Princípio da competência da União, a Carta Magna

(art. 22, XXIII)155 é fonte formal do Direito Previdenciário, haja vista ser a União

competente para legislar a respeito de normas gerais sobre seguridade: “Seguro é o

particular e previdência, a de direito público e privado”.

Ao analisar-se o art. 24, XII, da CF/88, observa-se que tal competência não é

exclusiva, pois, os Estados e o Distrito Federal podem legislar concorrentemente

com a União sobre o tema, respeitada a lei federal.

Encontram-se inseridos na Constituição Federal princípios previdenciários

como garantias constitucionais de direitos individuais e, também, preceitos

representativos da tipicidade jurídica e aplicação prática156.

Tem-se no art. 194, parágrafo único e incisos, da CF, alguns princípios

relativos à Seguridade Social, sobre os quais tecer-se-á alguns comentários.

154 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, tomo I: noções de direito previdenciário. 3.ed. – São Paulo: LTr, 2005. p.141. 155

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 156 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit.

80

No art. 194, parágrafo único há o Princípio da Gestão Democrática, em que

os titulares da Previdência Social são os contribuintes e que a gestão do “negócio”

fica entregue ao Estado, e por isso a administração se divide em colegiados

representativos dos diferentes segmentos, conforme preceitua o art. 10 da CF.

No art. 194, parágrafo único, inciso I, encontra-se o Princípio da

Universalidade da Cobertura e do Atendimento, o qual, com todos os seus serviços

e benefícios, vem a Previdência Social assistir o ser humano nas suas

eventualidades, com o fim de proteger a cidadania e preservar a dignidade. Tem

esse princípio o condão de alcançar todos os residentes no País, cobrindo todas as

casualidades que possam gerar qualquer tipo de necessidade ao ser humano.

No inciso II, do referido artigo, vê-se o Princípio da Equivalência Urbano-

Rural. Esse princípio veda qualquer discriminação, tratamento desigual entre a

população urbana e rural (art. 7º, CF), havendo aqui a aplicação do Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana. Com esse princípio, segundo Berro157, busca-se a

uniformização de todos os regimes previdenciários, que considera iguais todos os

trabalhadores, filiados, sejam urbanos ou rurais.

No inciso III, aduz-se o Princípio da Seletividade e da Distributividade, no qual

se busca a escolha de um Plano de Benefício de acordo com o poderio financeiro do

sistema. A Seletividade se aplica ainda, na escolha das prestações, condições de

concessão e no segurado, e os benefícios são concedidos somente àqueles

realmente necessitados.

A Distributividade busca a imposição da concessão de direitos, em maior

número e qualidade aos necessitados, haja vista serem diversos os benefícios e

diversas as necessidades de cada pessoa.

Ainda, no art.194, parágrafo único, inciso IV, da CF, encontra-se o Princípio

da Irredutibilidade do Valor dos Benefícios, que visa à manutenção do poder

157

BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit.

81

aquisitivo do valor original, além de vedar que os benefícios sofram uma oneração

excessiva.

Tal princípio encontra guarida no artigo 201, § 2º e no art. 202, do mesmo

Diploma, implementando tal princípio com o Princípio do Direito Adquirido, que,

segundo Martinez158, este “repousa na idéia singela de que determinados bens

devem ser respeitados como originariamente concebidos, especialmente por

ocasião de sua aquisição”.

O inciso V, do mesmo dispositivo legal, trás o Princípio da Equidade na Forma

de Participação no Custeio, que tem por objetivo melhorar a execução dos princípios

da igualdade e da capacidade contributiva.

Tem-se nesse princípio que o financiamento será incumbência de toda a

sociedade, direta ou indiretamente, por meio de recursos advindos dos orçamentos

da União, Distrito Federal, Estados, Municípios, bem como através das contribuições

dos empregadores, empresa e equiparados, trabalhador, segurados outros e sobre a

receita de concursos de prognósticos159.

No Princípio da Diversidade da base do Financiamento, encontrado no art.

194, parágrafo único, inciso VI da CF, o financiamento do Sistema Previdenciário

deve ter base diversa, uma pluralidade de recursos de fontes de custeio, com a

participação do indivíduo e da sociedade.

Pelo Princípio da Divisão do Financiamento, a quadripartite contribuição

(empregadores, empregados, aposentados, suplementação do Estado) deve ser

observada quanto ao custeio da Previdência Social.

No art. 195, § 5º, da CF, o Princípio da Relação entre Custeio e Prestações

dita que não se pode criar, majorar ou estender uma prestação sem que se preveja

158 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Direito adquirido na previdência social. São Paulo : LTr, 2000. p.54. 159 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit.

82

uma contribuição, uma fonte de custeio correspondente, pois teria como

conseqüência um abalo nas bases financeiras do sistema, apesar de por diversas

vezes ser descumprido. Esse princípio tem estreita ligação com o princípio da

Diversidade do Financiamento.

No parágrafo único do art. 4º, da CF, tem-se ainda o Princípio da Integração

Econômica da América Latina, visando à possibilidade da translação dos

trabalhadores de um país para o outro, sem prejuízo dos seus direitos sociais – isso

face ao Mercosul e à divulgada globalização160.

Ainda, o Princípio da Irretroatividade da Lei, encontrado no art. 150, III, “a” da

CF, que veda a cobrança de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes

do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. Para Amaro161,

“como princípio geral, a Constituição prevê a irretroatividade relativa da lei, ao

determinar que esta não pode atingir o direito adquirido , o ato jurídico perfeito e a

coisa julgada (art. 5º, XXXVI)”.

Há um prazo para que os sujeitos passivos da obrigação fiscal se organizem

financeiramente para enfrentar a nova obrigação, surge daí o Princípio da

Trimestralidade162, o qual deve ser observado também em caso de majoração ou

redução de contribuições e não só por ocasião de criação.

Conforme preceitua o art. 5º, inciso XXXIII, todos têm direito à informação,

surgindo daí o Princípio do Direito à Informação163. Depreende-se deste princípio

que todo segurado tem direito de tomar conhecimento sobre o andamento de seu

pedido de aposentadoria, sobre as instalações físicas do INSS para o atendimento,

a sua capacidade técnica etc., devendo haver igualdade de tratamento conforme o

Princípio da Uniformidade.

160 BERRO, Maria Priscila. Op.cit. 161AMARO, Luciano. Op.cit. 162 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit. 163 Idem, ibidem.

83

Existe ainda o Princípio da Correlatividade da Prestação em Relação à

Contribuição164, que nada mais é que a conexão que deve existir entre a

contribuição e as prestações do custeio e da reparação. Significa que o montante do

salário de benefício, devido por prestação, liga-se diretamente ao valor do salário de

contribuição pago.

Encerra-se com o Princípio da Subsidiariedade da Legislação

Previdenciária165, o qual garante a aplicação das leis pertinentes à matéria

previdenciária, de forma subsidiária, umas em relação às outras, haja vista existir

uma pluralidade de regimes securitários.

5.2 DOS PRINCÍPIOS PREVIDENCIÁRIOS

No que se refere à matéria de Direito Previdenciário, tem sido escasso os

estudos existentes sobre os princípios previdenciários. Tarefa não muito fácil,

identificar, denominar e sistematizar tais princípios far-se-á uma sintetização com as

divisões e denominações de alguns autores, sendo alguns citados por Martinez166.

Da Rosa167 divide os princípios previdenciários em três grupos: a) Princípios

Constitucionais Reguladores da Matéria; b) Princípios Técnicos Norteadores do

Custeio da Previdência Social; e c) Princípios Constitucionais Relativos ao Custeio

da Previdência Social.

Assis168, entretanto, relacionou apenas seis princípios previdenciários: a)

Princípio da Sociabilidade; b) Princípio da Universalidade; c) Princípio da

Solidariedade; d) Princípio da Essencialidade; e) Princípio da Unidade; e f) Princípio

da Substancialidade.

164 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit. 165 Idem, ibidem. 166 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 1995. p.77. 167 Apud MARTINEZ, Wladimir Novaes. Op.cit. 168 Apud MARTINEZ, Wladimir Novaes. Op.cit.

84

Em seu livro, Coimbra (1997)169 apud Berro, faz rápida referência a cinco

princípios previdenciários: a) Princípio da Territorialidade; b) Princípio da

Compreensividade; c) Princípio da Solidariedade; d) Princípio da Eficácia da

Proteção; e, finalmente, e) Princípio do Ordenamento.

A matéria também é sintetizada por Martins (1997)170, apud Berro, que

considera a Seguridade Social uma evolução da Previdência Social. Divide-os em

princípios constitucionais: a) Princípio da Universalidade da Cobertura e do

Atendimento; b) Princípio da Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços

às Populações Urbanas e Rurais; c) Princípio da Seletividade e Distributividade na

Prestação de Benefícios e Serviços; d) Princípio da Irredutibilidade do Valor dos

Benefícios; e) Princípio da Eqüidade na Forma de Participação no Custeio; f)

Princípio da Diversidade da Base de Financiamento; e g) Princípio do Caráter

Democrático e Descentralizado da Questão Administrativa. Menciona outros dois

princípios, sem considerá-los princípios constitucionais: o Princípio da Tríplice Forma

de Custeio e o Princípio da Preexistência de Custeio em Relação a Benefício e

Serviço.

Pode-se observar que a doutrina brasileira é carente em haver um consenso

e profundidade em relação aos princípios previdenciários.

Assim, passar-se-á à análise dos Princípios Tributários inseridos na

Constituição Brasileira, que demonstram preocupação com o custeio e

financiamento do Sistema de Previdência Social, bem como a preservação da

Dignidade Humana, impedindo o abuso do Estado.

5.3 DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS RELATIVOS À PREVIDÊNCIA SOCIAL

Os princípios têm uma função individualizadora dentro do ordenamento

jurídico e são importantes para que haja uma aplicação, tanto dos atos normativos

quanto dos preceitos constitucionais. Sem os princípios, o ordenamento jurídico de

um Estado fica sem coesão.

169 COIMBRA, J. R. F. Apud BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit.

85

Nesse sentido leciona Coelho171:

A nossa Constituição, no art. 5º, § 1º, prescreve trajante que “as normas definidoras dos direitos e garantias individuais têm aplicação imediata”. O § 2º arremata: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Os princípios constitucionais tributários e as imunidades (vedações ao poder de tributar) traduzem reafirmações, expansões e garantias dos direitos fundamentais e do regime federal. São, portanto cláusulas constitucionais perenes, pétreas, insuprimíveis (art. 60, § 4º, da CF).

Os princípios, no âmbito tributário, subsistem para dar guarida, proteção ao

cidadão contra os abusos de Poder, constituem o próprio fundamento jurídico,

trazem a efetiva proteção ao contribuinte. Há na relação tributária, uma relação de

poder, bem como de princípios que irão regê-la no mundo jurídico.

Destaca-se a seguir, aqueles princípios tributários que podem ser

considerados apropriados à Previdência Social, sem que deixem de ser comuns a

outros sistemas.

Iniciar-se-á por aquele que é considerado um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito, que é o Princípio da Legalidade, que encontra guarida tanto

no art. 5º, inciso II, quanto no art. 150, inciso I, da CF. Neste artigo o legislador

deixou claro que é vedado “exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça”.

Esse princípio é importante porque limita a atuação do Estado de tributar

aleatoriamente, ao seu bel prazer, protegendo a segurança jurídica dos contribuintes

contra os eventuais desmandos e os excesso que por ventura seriam cometidos

quando da total liberdade de criação e aumento dos tributos.

170 Apud BERRO, Maria Priscila. Op.cit.. 171 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2.ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2002. p.88

86

Para Machado172, essa explicitude decorreu do fato de que, no art. 153, § 29,

da Constituição anterior, a regra vinha formulada juntamente com as ressalvas, e

tais ressalvas eram pertinentes apenas aos aumentos.

Para o autor173, a lei é uma manifestação da vontade do povo, isto é, o povo

permite ao Estado invadir o seu patrimônio, para que se retirem os meios

indispensáveis à satisfação da coletividade.

Graças a esse princípio, só a lei poderá reduzir tributos, alterar os prazos,

estipular parcelamento, obrigação acessória, ou seja, tudo o que for relevante em

matéria tributária deve estar previsto em lei.

É o dizer de Amaro174:

Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei. A legalidade tributária implica, por conseguinte, não a simples preeminência da lei, mas a reserva absoluta de lei, vale dizer, “a necessidade de que toda a conduta da Administração tenha o seu fundamento positivo na lei, ou, por outras palavras, que a lei seja o pressuposto necessário e indispensável de toda a atividade administrativa”, como anota Alberto Xavier.

No art. 153, § 1º da Constituição Federal vêem-se algumas exceções em

relação ao princípio da legalidade, em que o Poder Executivo poderá alterar as

alíquotas de alguns impostos, quais sejam, impostos sobre exportação, importação,

produtos industrializados e sobre operações financeiras através de decreto.

Pelo Princípio da Irretroatividade175, que se encontra elencado no art. 5º,

inciso XXXVI, e inciso XXXIX, e no art. 150, inciso III, alínea “a”, ambos da

172 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26. ed.rev.at.e amp. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005. p.53 173 Idem, ibidem. 174 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13.ed.rev. – São Paulo : Saraiva, 2007. p.112.

87

Constituição Federal, mais uma vez encontra-se reforçada a segurança jurídica, haja

vista que a lei “protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”,

não existindo “crime se lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação

legal”, bem como que a lei veda a cobrança de tributos “em relação a fatos

geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou

aumentado”.

Conforme leciona Amaro176, “a lei não está proibida de reduzir ou dispensar o

pagamento de tributo, em relação a fatos do passado, [...] desde que o faça de

maneira expressa [...]”.

Nesse mister ensina Carrazza177:

Com efeito, do mesmo modo pelo qual não se aceita, no campo do Direito Tributário, a imposição de penalidades oriundas de lei posterior à ocorrência dos fatos sancionados, também haverão de ser considerados, integralmente, os efeitos pretéritos da lei mais favorável ao contribuinte em matéria de sanções fiscais.

[...].

O princípio da benignidade, portanto, é expressamente aplicável às multas fiscais, e tal aplicabilidade, como é óbvio, não exige confirmação expressa por parte da lex mitior, já que veiculado em norma constitucional e, como se isto não bastasse, transformado em norma geral em matéria legislação tributária. Podemos dizer, pois, que é atributo do sistema e imperativo dos valores jurídicos por ele acolhidos.

Quanto ao Princípio da Anterioridade da Lei178, que não se confunde com o

Princípio da Irretroatividade, posto ser este um princípio geral de Direito que vigora

em toda a ordem jurídica brasileira. É um princípio precisamente tributário, pois se

projeta no campo da tributação, mas pertinente à Previdência Social, pois, conforme

o art. 150, inciso III, alínea “b”, da CF, não se poderá cobrar tributos “no mesmo

exercício em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.

175 AMARO, Luciano. Op.cit. p.118 176 Idem, ibidem. 177 CARRAZZA, R. A. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed.rev., ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional nº 35/2001, São Paulo: Malheiros, 2002. p.313-314. 178 AMARO, Luciano. Op.cit. p.120.

88

O Princípio da Anterioridade da Lei pode ser entendido também como o

princípio da não-surpresa179, isto é, que permite o conhecimento antecipado da

instituição ou aumento de tributos.

Coêlho180 traz a seguinte definição desse princípio:

O Princípio da Anterioridade expressa a idéia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo dessa forma organizar e planejar seus negócios e atividades.

No art. 195, §6º, da CF, em consonância com o art. 150, inciso III, alínea “c”,

acrescentado pela Emenda Constitucional nº 42/2003, tem-se uma aparente

exceção ao Princípio da Anterioridade da Lei, conhecida como anterioridade

“nonagesimal”, onde o tributo, ao entrar em vigor, não poderá ser cobrado antes de

decorridos noventa dias após a edição da lei que o houver instituído ou modificado.

Assim, existem exceções ao Princípio da Anterioridade da Lei, devendo-se

observar o art. 150, §1º, e o art. 148, inciso I, quais sejam, os impostos

extraordinários de guerra, os empréstimos compulsórios por motivo de guerra ou em

razão de calamidade pública, dada à urgência da situação a exigir imediatos

recursos, o IPI, o IOF, o imposto de importação e de exportação.

Disposto no art. 150, inciso II, da CF, tem-se o Princípio da Isonomia

Tributária ou da Igualdade, (art. 5º, inciso I, CF)181. Este princípio garante

tratamento isonômico pelo fisco, posto que os tributos, quando criados, são pagos

por todos proporcionais à riqueza gerada, seja ela decorrente de rendimentos,

patrimônio e/ou atividades econômicas do contribuinte.

Ficam isentos apenas os contribuintes que não possuem renda suficiente

para o seu sustento, capacidade econômica ou impossibilidade de pagamento,

179 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Direito tributário e a internet. Campinas: LZN Editora, 2004. p.29. 180 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op.cit. p.94. 181 AMARO, Luciano. Op.cit. p. 134.

89

evitando-se o tratamento desigual entre os contribuintes que se encontre em

situação afim.

Martins182 afirma que esse princípio é dirigido ao legislador ordinário, que não

poderá tratar duas situações iguais de forma diferenciada, mas poderá tratar

situações desiguais de forma desigual, por não estarem as pessoas nas mesmas

condições, e prossegue:

Contribuintes que têm maior capacidade contributiva devem pagar maior imposto do que os que têm capacidade contributiva inferior. Assim, os contribuintes de maior capacidade contributiva devem ser tratados da mesma forma, diversa, porém, dos contribuintes de menor capacidade contributiva.

Sendo um princípio não discriminatório, e por ser proibida qualquer

diferenciação por causa de ocupação profissional ou funcional, Sabbag183 afirma que

“até mesmo bicheiros, prostitutas, menores etc., independentemente da

denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos, podem ser considerados

sujeitos passivos da obrigação tributária”.

Decorre do artigo 151, inciso I, da CF, o Princípio da Uniformidade Tributária

ou Uniformidade Geográfica184, onde impõe que o legislador, com precisão,

discrimine os desiguais na medida de suas desigualdades e não discrimine os

iguais. Daí os tributos da União dever ser aplicados de maneira uniforme em todo o

território nacional, sob pena de estar havendo tratamento desigual.

A Constituição estabelece a uniformidade dos tributos federais em todo o

território nacional. Veda tratamento diferenciado entre os entes federativos, porém,

autoriza tal tratamento quando for por motivo de incentivos regionais, destinados a

promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diversas regiões

do país. O exemplo é a “Zona Franca de Manaus (área de livre comércio, cujo

182 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 2.ed. - São Paulo : Atlas, 2003. p.87. 183 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 8.ed. – São Paulo: Premier Máxima, 2005. p.36. 184 SABBAG, Eduardo de Moraes. Op.cit. p.44.

90

benefício estava garantido até 2013, teve, em razão da EC nº 42/2003, uma

prorrogação por mais 10 (dez) anos, conforme o art. 92 do ADCT)”185.

Ainda, o Princípio da Vedação de Distinção em Razão de Procedência ou

Destino ou Princípio da Não-Diferenciação Tributária186, encontrado do artigo 152,

da Constituição Federal. Este princípio consiste em que, seja qual for a natureza, os

entes políticos tributantes não poderão, de forma alguma, escalonar seus tributos

levando em consideração a região natural dos bens e serviços ou o local a que se

destinem.

Dessa forma, a procedência e o destino não deverão ser tomados como

identificadores para fins de estipulação ou manejo de alíquotas e base de cálculo.

Dando continuidade, vê-se o Princípio da Não-Cumulatividade, que consiste

em se compensar o tributo que for devido em cada operação, com o montante

cobrado nas anteriores, e se refere a três impostos: ICMS, IPI e Impostos Residuais

da União187. Este princípio está inserto nos art. 155, §2º, I; art. 153, §3º, II e art. 154,

I, todos da CF/88.

Esse princípio, conforme a exatidão do texto, não é um princípio geral a todos

os tributos, se refere à três impostos: ICMS (Imposto Sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços), no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e em

Impostos Residuais da União, que vierem a ser criados pela União dentro da sua

competência residual.

Em suma, na operação contábil do IPI e do ICMS, o imposto a ser pago é

lançado como débito e o que já foi pago nas operações anteriores é lançado como

crédito. A diferença entre esses débitos e créditos é que efetivamente deve ser

recolhida em determinado período.

185 SABBAG, Eduardo de Moraes. Op.cit. p.44. 186 BERRO, Maria Priscila Soares. Op.cit. 187 SABBAG, Eduardo de Moraes. Op.cit. p. 45.

91

No art. 150, inciso IV, da Constituição Federal encontra-se o Princípio da

Vedação do Confisco, que deriva do Princípio da Capacidade Contributiva que será

visto posteriormente.

Confiscar, para Amaro188, é tomar para o Fisco, desapossar alguém de seus

bens em proveito do Estado. A Constituição Federal garante o direito de propriedade

(art. 5º, XXII, e art. 170, II, CF) e coíbe o confisco, ao autorizar a prévia e justa

indenização nos casos em que se autoriza a desapropriação (art. 5º, XXI; art. 182,

§§ 3º e 4º; art. 184, CF). Porém, a Constituição admite a perda dos bens do

condenado, na forma da lei, como pena acessória (art. 5º, XLV e XLVI, b, CF).

Nesse sentido leciona Coelho189:

A teoria do confisco e especialmente do confisco tributário ou, noutro giro, do confisco através do tributo, deve ser posta em face de direito de propriedade individual, garantida pela Constituição. Se não se admite a expropriação sem justa indenização, também se faz inadmissível a apropriação através da tributação abusiva. Mas não se percam de vista dois pontos essenciais: A) admite-se a tributação exacerbada, por razões extrafiscais e em decorrência do exercício do poder de polícia (gravosidade que atinge o próprio direito de propriedade); B) o direito de propriedade outrora intocável não o é mais. A Constituição o garante, mas subordina a garantia “à função social da propriedade” (ao direito de propriedade causador de disfunção social, retira-lhe a garantia).

Para Martins190 há a necessidade de se distinguir o tributo proibitivo do tributo

confiscatório:

Os tributos proibitivos seriam aqueles que “dificultam ou oneram de tal maneira a atividade do contribuinte que este fica impossibilitado de exercê-la, destruindo-a”. E os impostos excessivos tornam a atividade do contribuinte mais onerosa, mas não a destroem; apenas o contribuinte passa a ter de suportar uma tributação mais pesada sobre seu mister, que lhes possibilita exerce-la normalmente, só que com maiores encargos. O tributo proibitivo “não é, apenas, o tributo que obsta, de todo em todo, o exercício de qualquer atividade lícita, se não, também, aquele que produz embaraços tais, a ponto de retirar do contribuinte o estímulo normal, ou o impulso animador do respectivo empreendimento”.

188 AMARO, Luciano. Op.cit. p.144. 189 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op.cit. p.134. 190 MARTINS, Sérgio Pinto. Op.cit. p.95.

92

O tributo confiscatório na se define por um percentual, mas pelo gravame

fiscal que, sem motivo, se torne intolerável para o contribuinte. Deve o tributo ser

razoável, para não extinguir uma empresa ou inviabilizar o exercício de atividade

lícita. Cabe ao Poder Judiciário classificar ou não um tributo de confiscatório,

avaliando o ônus ou o encargo suportável ou não.

Esse Princípio deriva do Princípio da Capacidade Contributiva, que passar-se-

á a examinar, sucintamente, posto ser universal a sua consciência como norma de

Justiça.

93

6. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Este princípio consiste na aplicação diferenciada de alíquotas aos

contribuintes de acordo com a sua capacidade financeira, a sua renda, o seu capital,

visando à promoção da justiça fiscal.

Na Constituição de 1824191, no item 15 do art. 179, havia previsão da

capacidade contributiva, onde dizia que “ninguém será isento de contribuir para as

despesas do Estado na proporção de seus haveres”.

A Constituição de 1934192 tratou do assunto, mas não de forma muito clara.

No art. 185, mencionava que “nenhum imposto poderá ser elevado além de 20% do

seu valor ao tempo do aumento”, quer dizer, não poderia ultrapassar este valor.

A Constituição de 1946193 tratou mais especificamente do assunto, quando

em seu art. 202 dizia que “os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for

possível e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”.

Segundo Martins194, este dispositivo foi revogado pela Emenda Constitucional

nº 18/1965, mas era como um marco inicial da tributação dos contribuintes em que o

legislador deveria basear-se.

A Constituição de 1967 não versou especificamente sobre o tema, embora

para alguns doutrinadores tenha permanecido implícito, haja vista que, conforme

Martins195, no § 36, do art. 153, havia o seguinte enunciado: “a especificação de

direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e

garantias decorrentes do regime e dos princípios que adota”.

191

MARTINS, Sérgio Pinto. Op.cit.. p.88. 192 Idem. p.89. 193 Idem, ibidem. 194 MARTINS, Sérgio Pinto. Op.cit.. p.89.

94

Na Carta Magna de 1988 ressurgiu o princípio da capacidade contributiva, o

qual está elencado em seu artigo 145, § 1º, com a seguinte redação:

“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. “

Depreende-se desse artigo que o Estado necessita das contribuições do

particular, que, por sua vez, deverá contribuir na medida de sua capacidade

financeira, isto é, de quem pode mais, recolhe-se mais.

Ressalte-se a analogia feita por Amaro196: “O princípio da capacidade

contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil

instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca

de água”.

Quer dizer, o tributo não poderá ser cobrado do contribuinte que não tenha

renda suficiente, nem mesmo para a sua subsistência. Deverá ter respeitada a sua

condição econômica, isentando-o na medida da graduação do tributo, como é o caso

do Imposto de Renda (IR), e não onerando-o além de suas posses.

Machado leciona197:

Em se tratando de imposto cujo fato gerador não seja necessariamente um indicador de capacidade contributiva do contribuinte, a lei que concede isenção certamente não será inconstitucional, posto que não fere o princípio em estudo. Em se tratando, porém, de imposto sobre o patrimônio, ou sobre a renda, cujo contribuinte é precisamente aquele que se revela possuidor de riqueza, ou de renda, aí nos parece que a isenção lesa o dispositivo constitucional que alberga o princípio em referência.

195

Idem, ibidem. 196 AMARO,Luciano. op.cit. p.138. 197 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit. p.59.

95

Assim, mesmo tendo a Constituição consagrado o princípio da Capacidade

Contributiva, não se pode alegar ser inconstitucional o que a lei expressamente

concede ao contribuinte, ou seja, a isenção. Porém, será inconstitucional isentar

alguém que se enquadre nas qualificações de contribuinte..

Ainda, segundo os ensinamentos de Martins198:

O princípio da capacidade contributiva tem origens no ideal de justiça distributiva, em que cada pessoa deve contribuir para as despesas da coletividade, de acordo com a presunção de renda ou capital (de sua riqueza), contribuindo para os cofres públicos à medida que se manifeste uma proporção em maior ou menor grau. Daí a noção de distribuição de carga tributária igualitária, em razão das possibilidades de cada contribuinte.

Desse modo pode-se entender que o princípio da capacidade contributiva

seria um desdobramento do princípio da Igualdade, buscando uma sociedade mais

igualitária, menos injusta, fazendo com que aqueles que têm mais, paguem mais

impostos, com alíquotas progressivamente maiores daqueles que têm menos,

devendo o sacrifício econômico ser proporcional.

Nesse diapasão, Moraes199 considera:

A Constituição Federal de 1988 adotou o Princípio da Igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito[...].

198 MARTINS, Sérgio Pinto. op.cit. 88.

199 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 62.

96

Têm-se discutido segundo Amaro200, a constitucionalidade dos tributos “fixos”,

baseado no princípio da capacidade contributiva e no da igualdade, haja vista não

haver graduação da capacidade econômica revelada pelo fato gerador.

Capacidade contributiva e capacidade econômica significam ou não a mesma

coisa? Existem autores que fazem esta diferenciação, são expressões usadas como

equivalentes, mas não se confundem.

No § 1º do art. 145 da CF, o legislador utiliza a expressão “capacidade

econômica”, e que para Ives Gandra201, o constituinte incorreu num equívoco:

À luz de tal distinção, percebe-se que o constituinte pretendeu, ao mencionar a capacidade do contribuinte, referir-se à sua capacidade contributiva e não à sua capacidade econômica, nada obstante o núcleo comum de ambas, que implica densidade econômica capaz de suportar a imposição.

A capacidade econômica decorre do potencial econômico de uma pessoa, é a

obtenção de riquezas exteriorizadas em sua renda, em seu consumo ou do seu

patrimônio.

Por outro lado, a capacidade contributiva se refere a uma capacidade

econômica específica, no qual se refere à capacidade do contribuinte de arcar com

determinado tributo.

Paoliello202 apresenta um exemplo para melhor compreensão:

[...] seria daquele cidadão que aufere renda inferior ao mínimo tributável pelo Imposto de Renda, que tem condições de participar da economia, como consumidor, e, portanto, tem capacidade econômica, mas, para fins da tributação sobre a sua renda, especificamente, o mesmo não tem capacidade contributiva, não incidindo o ônus sobre os seus rendimentos.

200 AMARO,Luciano. Op.cit. p. 141. 201 Ives Gandra apud PAOLIELLO, Patrícia Brandão. O princípio da capacidade contributiva . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4138>. Acesso em: 16 fev. 2008. 202 PAOLIELLO, Patrícia Brandão. Op.cit.

97

Ainda no dizer de Coelho203:

A capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). É subjetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada etc.). Aí temos “signos presuntivos de capacidade contributiva”. Ao nosso sentir o contribuinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte.

Assim, a norma constitucional traz a previsão de como deve ser feita a

cobrança do imposto, proporcionalmente à renda do contribuinte, prevendo a

igualdade.

Desse modo, portanto, há uma relação do princípio contributivo com diversos

outros princípios e por isso, traçar-se-á um breve paralelo com os seguintes

princípios: Princípio da Legalidade, da Segurança Jurídica, da Irretroatividade das

Leis Tributárias, da Progressividade e da Pessoalidade.

O Princípio da Legalidade é conexo ao Princípio da Capacidade Contributiva,

haja vista ser a lei que estabelece as hipóteses de incidência dos tributos, sem

deixar de lado o nexo entre tributação e riqueza do provável contribuinte. No art.

150, I, da CF/88, ficou estabelecido aos entes da Federação, a vedação de exigir ou

aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

De acordo com o que afirma Machado204, a lei deve prever, além da hipótese

de incidência, tudo o mais que for necessário para a existência da obrigação

tributária:

A rigor, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o conseqüente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não prestação.

203 COELHO, Sacha Calmon Navarro. op.cit. p.14. 204 MACHADO, Hugo de Brito. op.cit. p.54.

98

Em vista disso conclui-se que o Princípio da Legalidade é um limite formal na

criação de normas jurídicas tributárias e que o Princípio da Capacidade Contributiva

é um limite material de tais normas.

Outrossim, conforme o art. 5º, II da CF/88, o Princípio da Legalidade é um

reflexo do princípio ali encontrado, onde lemos que “ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O Princípio da Segurança Jurídica baseia-se nos princípios da Igualdade e da

Certeza, conforme menciona Regina Helena Costa, apud Berro205, determinando

que a norma jurídica tributária, ao discriminar demonstre uma coesão de

causalidade “entre o discrímen eleito e a distinção procedida em razão dele, o que

ocorre na aplicação da capacidade contributiva – maior riqueza, maior carga

tributária”.

O Princípio da Irretroatividade das Leis Tributárias deriva do Princípio da

Capacidade Contributiva. Com respaldo constitucional no art. 150, III, “a”, da CF/88,

encontra guarida no art. 144, caput, do CTN, com a seguinte redação:

Art. 150, III, “a” . “[...] é vedado aos entes tributantes cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os aumentou ou criou”. Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

Esse princípio deriva do Princípio da Capacidade Contributiva na medida em

que a lei se localiza no tempo e no espaço, abrangendo fatos geradores posteriores

a sua publicação.

No dizer de Sabbag206:

205 Apud BERRO, Maria Priscila. op.cit. 206 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 8.ed. - São Paulo: Premier Máxima. 2005. p.32

99

Não deve, assim, voltar-se no intuito de abranger situações pretéritas, sob pena de se verificar uma retroatividade, cujo postulado pretende evitar. Assim, preconiza-se o “não-retorno” da vigência, mas a projeção da lei às situações subsecutivas. Aplicar-se-á, portanto, a lei do momento do fato gerador, e não aquela nascida posteriormente, sob pena de se chancelar uma retroação.

Portanto, a lei tributária não pode recair sobre fatos pretéritos, haja vista que a

capacidade contributiva à época pode ou deve não ser a mesma do tempo presente

em que a lei foi criada.

O Princípio da Progressividade dá uma efetivação ao Princípio da capacidade

Contributiva, pois, aplica as alíquotas dos impostos onerando o contribuinte na

medida das suas riquezas, buscando ao máximo aproximar de sua capacidade

contributiva.

Nesse sentido ensina Amaro207:

Outro preceito que se aproxima do princípio da capacidade contributiva é o da progressividade, previsto para certos impostos, como o de renda. A progressividade não é uma decorrência necessária da capacidade contributiva, mas sim um refinamento desse postulado. [...] a progressividade faz com que a alíquota para as fatias mais altas de riqueza seja maior.

Essa também é a lição de Carrazza208:

É por isso que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva. Melhor esclarecendo, as leis que criam in abstracto os impostos devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo. Assim, quanto maior a base de cálculo do imposto, tanto maior deverá ser a sua alíquota.

Para Sabbag209 a diferenciação das alíquotas tem como fim promover a

justiça fiscal, procurando conferir relevância às características pessoais dos

contribuintes. Ex.: IPTU, ITR, IR, segundo a CF.

207 AMARO, Luciano. Op.cit. p.142. 208 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 16.ed.rev. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. 209 SABBAG, Eduardo de Moraes. op.cit. p.40

100

Em vista disso, pode-se concluir que existe uma interdependência desses

princípios, pois, o princípio da Capacidade Contributiva depende do princípio da

Progressividade para que se realize e alcance a sua finalidade que é uma justa

tributação.

Vê-se que, para que haja aplicação justa do tributo há que se levar em

consideração o princípio da capacidade contributiva, de acordo com a

individualidade financeira, econômica de cada contribuinte, e que tem íntima ligação

com a pessoalidade do tributo.

Conforme preceitua o art. 145, § 1º, os impostos, sempre que possível, terão

caráter pessoal e graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Coelho210 tece alguns comentários em relação à pessoalidade dos tributos:

[...] Ao falar em pessoalidade, o constituinte rendeu-se às classificações pouco científicas da Ciência das Finanças. Nem por isso o seu falar é destituído de significado. Dentre as inúmeras classificações dos impostos, avultam-se duas: a) a que divide os impostos em pessoais e reais; e b) a que os divide em diretos e indiretos. Impostos pessoais seriam aqueles que incidissem sobre as pessoas, e reais os que incidissem sobre as coisas. Pessoal seria, por exemplo, o imposto de renda, e real o imposto sobre a propriedade de imóveis ou de veículos.

Decorre do princípio da pessoalidade o caráter pessoal do contribuinte, sobre

o qual o constituinte almejou tributa-lo, de acordo com suas características pessoais,

impedindo-o de repassar, transferir o encargo fiscal a terceiros.

Assim, entende-se que todos esses princípios são frutos da igualdade, que é

o âmago do Princípio da Capacidade Contributiva, sendo, portanto, a base do

Estado Democrático de Direito.

210 COELHO, Sacha Calmon Navarro. op.cit.p.14

101

O Princípio da Capacidade Contributiva é, além de constitucional, jurídico,

partindo do pressuposto de que está expresso e consagrado na Constituição

Federal. Este princípio busca valorizar e resguardar a supremacia do ser humano e

de suas organizações, bem como realizar o valor justiça por meio do valor

igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pelo Princípio da Capacidade

Contributiva.