#2 abril 2012

8
#2 . Abril . MMXII Distribuição gratuita A Greve Geral de 22 de Março Retrospectiva da Greve do mês passado p. 3 Pedro Miguel Coelho Entrevista ao Presidente da Associação de Estudantes da FCSH pp. 4 e 5 50 anos - Maio ‘62 Exposição em Alcântara relembra os 50 anos do Maio de 62 p. 6 A Fontinha, Es.Col.A. do povo. Projecto popular despejado pela Câmara Municipal do Porto p. 7 EDITORIAL por Luís Baptista Estamos em Abril, mês que, pelo simbolismo, desperta mais facilmente o espírito revolucionário de todos aqueles que defendem, e defenderam no passado, um Portugal justo e democrático. Mês da comemoração e evocação da Revolução de 1974, com a esperança de que, assinalando a data, estaremos também a assegurar a manutenção dos direitos e conquistas alcançados... Nada mais falso!! Como a realidade tem demostrado. Os direitos conquistados, e foram tantos, têm vindo pouco a pouco a ser retirados, ou se preferirem, roubados. Ora vejamos, o Portugal de Abril trouxe-nos o direito ao desporto, educação, cultura, participação, habitação, convívio e a felicidade. Sonhou-se com um Pais de igualdade, progresso e justiça social. Na actualidade, as políticas e políticos que sustentam o centrão, dizem-nos o contrário. Dizem-nos que o desporto não é para todos, que a educação afinal é só para quem a pode pagar, que a cultura não deve ser mais do que uma qualquer Secretaria de Estado secundarizada, que a participação afinal não funciona e que por isso temos que nos contentar com meras eleições manietadas de quatro em quatro anos. Se Abril, o de 1974, nos permitiu sonhar, o Abril de 2012 só nos permite lutar, intervir, mostrar que os objectivos e espírito da Revolução continuam vivos, porque se depender destes senhores, ele não estará apenas engavetado, mas bem enterrado! Neste contexto, nós estudantes do Ensino Superior Público, contrariando a passividade de parte da sociedade portuguesa, temos que defender com unhas e dentes o ensino a que temos direito. Sem facciosismos partidários, todos percebemos que o que está em causa é a sustentabilidade e existência do próprio direito ao ensino superior público e para todos. As Associações de Estudantes têm que se libertar das amarras das ‘jotas’ que representam. Têm de começar a defender os estudantes e o ensino, ou assumam-se de vez como meros organizadores de festarolas e difusores da alienação estudantil. Para dar resposta ao problema, nasceu o jornal universitário ‘O Grito’, feito por estudantes, para os estudantes. Deu à estampa o seu segundo número, e assenta os alicerces para um projecto coerente e de continuidade. ‘O Grito’ pretende ser uma ferramenta séria de formação para os combates que os estudantes terão que travar. Enquanto os direitos se perdem e as televisões nos silenciam, nós só podemos resistir! Seguimos atentos, não passarão! Segue-nos em: facebook.com/ogritofcsh Contacta-nos para: [email protected] Design e Edição: André Abreu Francisco Morgado Gomes

Upload: o-grito-fcsh

Post on 22-Mar-2016

215 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Uma voz da FCSH.

TRANSCRIPT

#2 . Abril . MMXIIDistribuição gratuita

A Greve Geralde 22 de MarçoRetrospectiva da Greve do mês passadop. 3

Pedro Miguel CoelhoEntrevista ao Presidente da Associação de Estudantes da FCSHpp. 4 e 5

50 anos - Maio ‘62Exposição em Alcântara relembra os 50 anos do Maio de 62 p. 6

A Fontinha, Es.Col.A. do povo.Projecto popular despejado pela Câmara Municipal do Porto p. 7

EDITORIALpor Luís Baptista

Estamos em Abril, mês que, pelo simbolismo, desperta mais facilmente o espírito revolucionário de todos aqueles que defendem, e defenderam no passado, um Portugal justo e democrático. Mês da comemoração e evocação da Revolução de 1974, com a esperança de que, assinalando a data, estaremos também a assegurar a manutenção dos direitos e conquistas alcançados... Nada mais falso!! Como a realidade tem demostrado.

Os direitos conquistados, e foram tantos, têm vindo pouco a pouco a ser retirados, ou se preferirem, roubados. Ora vejamos, o Portugal de Abril trouxe-nos o direito ao desporto, educação, cultura, participação, habitação, convívio e a felicidade. Sonhou-se com um Pais de igualdade, progresso e justiça social. Na actualidade, as políticas e políticos que sustentam o centrão, dizem-nos o contrário. Dizem-nos que o desporto não é para todos, que a educação afinal é só para quem a pode pagar, que a cultura não deve ser mais do que uma qualquer Secretaria de Estado secundarizada, que a participação afinal não funciona e que por isso temos que nos contentar com meras eleições manietadas de quatro em quatro anos. Se Abril, o de 1974, nos permitiu sonhar, o

Abril de 2012 só nos permite lutar, intervir, mostrar que os objectivos e espírito da Revolução continuam vivos, porque se depender destes senhores, ele não estará apenas engavetado, mas bem enterrado!

Neste contexto, nós estudantes do Ensino Superior Público, contrariando a passividade de parte da sociedade portuguesa, temos que defender com unhas e dentes o ensino a que temos direito. Sem facciosismos partidários, todos percebemos que o que está em causa é a sustentabilidade e existência do próprio direito ao ensino superior público e para todos. As Associações de Estudantes têm que se libertar das amarras das ‘jotas’ que representam. Têm de começar a defender os estudantes e o ensino, ou assumam-se de vez como meros organizadores de festarolas e difusores da alienação estudantil.

Para dar resposta ao problema, nasceu o jornal universitário ‘O Grito’, feito por estudantes, para os estudantes. Deu à estampa o seu segundo número, e assenta os alicerces para um projecto coerente e de continuidade. ‘O Grito’ pretende ser uma ferramenta séria de formação para os combates que os estudantes terão que travar. Enquanto os direitos se perdem e as televisões nos silenciam, nós só podemos resistir! Seguimos atentos, não passarão!

Segue-nos em:facebook.com/ogritofcsh

Contacta-nos para:[email protected]

Design e Edição: André AbreuFrancisco Morgado Gomes

O Grito . #2 Abril MMXII2

"A acção social escolar declina a olhos vistos [...]

NACIONALDura Praxis, Sed Praxis?por Sofia Marques

Comportamentos “desviantes” de alguns doutores levam à suspensão da “praxe de gozo e mobilização de caloiros” da Universidade de Coimbra. No passado dia 29 de Março um dos pilares da tradição académica coimbrense desabou quando, através de um documento oficial, o Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra terminou oficialmente com atividades praxísticas relacionadas com a “praxe de gozo e mobilização de caloiros”.Tal decisão terá sido motivada

na sequência de uma agressão a duas alunas por um aluno mais velho, no início do ano letivo 2011/2012. Para além de as atividades estarem a decorrer fora do horário previsto para realização das mesmas - decretado no “Código de Praxe da Universidade de Coimbra” -, as alunas que foram agredidas chegaram até a ter que receber tratamento hospitalar e, sendo examinadas por um médico de Medicina Legal, o acontecimento assumiu novos contornos ao chegar ao Ministério Publico.

Foi na Universidade de Coimbra que nasceu, aquando da sua criação, o ritual da Praxe Académica, bem como os mais antigos movimentos estudantis em Portugal. Por ironia, talvez,

foi sob a alçada da mesma instituição que decorreu este vergonhoso incidente.Tal episódio provocou o retomar de grandes debates acerca da legitimidade da Praxe, dos seus objetivos e possíveis interpretações. Para os estudantes é urgente uma reformulação das tradições praxísticas de forma a evitar abusos de poder e a garantir que é uma experiência respeitada e valorizada por todos. Sendo estudante universitário, vês os teus direitos serem cumpridos no contexto da Praxe? De que forma é que estas atividades te afetaram, negativa ou positivamente, na tua integração na Faculdade?

FCSHBolsas: a inevitabilidade dos númerospor Margarida Ruela

Em Portugal, desde o início do ano lectivo, são pelo menos cerca de sete mil os alunos que anularam a sua matrícula na faculdade. A acção social escolar declina a olhos vistos e a elitização do ensino é uma realidade cada vez mais presente nas universidades portuguesas. Convido o leitor a sentar-se e a olhar ao seu redor: milhares de estudantes vêem as bolsas de estudo serem-lhes negadas, retiradas ou diminuídas; muitos

não têm condições para suportar os custos que o ensino superior acarreta e abandonar a faculdade afigura-se como a única opção. Para os mais cépticos, talvez tudo se trate de simples manchetes de jornais e manifestações irrelevantes, contudo O Grito apresenta nesta edição os resultados de alguns estudos estatísticos realizados pelos SASNOVA, relativos à FCSH, actualizados no passado dia 17 de Abril.

Segundo os dados de 2007/2008, apenas 200 bolseiros habitavam em residências universitárias, sendo que a bolsa média rondava os 175,38€. Nos últimos dois anos, apesar de o número de alunos alojados ter sofrido um incremento (230 em

2010/2011 e 215 em 2011/2012), a bolsa média reduziu: no presente ano lectivo o valor ronda os 167,79€. Na FCSH, num universo de 4714 alunos, apenas 7% são bolseiros, menos 2% do que no ano anterior. De um total de 957 candidaturas, 794 foram submetidas, e apenas 422 foram aceites. Em pleno 2º semestre ainda existem bolsas em análise.

A realidade é que, após um inquérito realizado na residência da Costa da Caparica, conclui-se que os estudantes se encontram maioritariamente satisfeitos ou muito satisfeitos com as instalações e os serviços prestados. Contudo, este ano, apenas 215 bolseiros da FCSH têm cama garantida.

O Grito . #2 Abril MMXII 3

NACIONAL22 de Março: A Greve Geral em Portugalpor Daniel Veloso

No passado dia 22 de Março, Portugal foi palco de mais uma greve geral. Convocada pela CGTP-IN, maior central sindical do país, esta jornada de reivindicação surgiu num contexto de precarização e retirada de uma série de direitos adquiridos. Numa conjuntura marcada pela crise das dívidas soberanas, onde Portugal surge como um dos principais afectados, o governo liderado por Passos Coelho segue à risca o acordo estipulado com as entidades internacionais. Desde o início do mandato, e no entuito de garantir o pagamento atempado dos empréstimos, multiplicaram-se as medidas impopulares: eliminação dos subsídios de natal e de férias; cortes exponenciais nas verbas canalizadas para a saúde e aumento das taxas moderadoras; facilitação dos despedimentos e redução da protecção laboral. Na educação, o panorama é idêntico, materializando-se na diminuição do financiamento do Ensino Superior em cerca de 148 milhões de euros.

Este cenário fez recrudescer a contestação e a necessidade de mobilização popular. Contudo, embora justificada, a adesão à Greve ficou aquém das expectativas. A afluência foi significativa, principalmente, no sector dos transportes, e digna de registo na restante função pública, nomeadamente em Câmaras Municipais, Hospitais e Universidades. No entanto, a maioria do sector privado

manteve-se fora do protesto, verificando-se uma adesão residual dos seus trabalhadores, muitos deles dominados pelo medo de perder o emprego. Os piquetes de greve realizaram-se durante toda a noite, convocados por sindicatos e comissões de trabalhadores, destacando-se as acções encetadas no terminal da Carris na Musgueira, na recolha do lixo em Moscavide, ou nos CTT em Cabo Ruivo. Na FCSH, os estudantes também se organizaram para participar na acção de protesto. A actuação começou logo pela manhã, com a realização de um

piquete à porta da faculdade, na tentativa de sensibilizar quem se aproximava para a importância daquelas reivindicações. Sob a batuta da defesa do ensino público, de maior investimento no ensino superior e da rejeição da sua privatização, cerca de 25 estudantes mantiveram-se no local até às 15 horas, de onde partiram para a manifestação iniciada no Rossio, convocada pela Plataforma 15 de Outubro (15O).

Neste dia de greve, registou-se também a organização de

duas manifestações: a primeira marcada pela CGTP; a segunda, convocada pela Plataforma 15O. Esta última, embora não tenha contado com mais de 1000 pessoas, evidenciou-se pelo seu carácter combativo e dinâmico, com os presentes a gritarem palavras de ordem e empunhando variados cartazes, que espelhavam o seu estado de espírito. O evento ficou também marcado pela actuação policial. Após o lançamento de um petardo por parte de um manifestante, a polícia iniciou um manancial de agressões indiscriminadas, violentando

quem surgia no caminho, e ferindo inclusivamente dois jornalistas, que ali se encontravam em trabalho. Uma actuação duvidosa, que põe em causa a concepção de Estado de direito democrático praticada em Portugal. No final da manifestação, que desembocou na Assembleia da República, tempo ainda para a realização de uma assembleia popular, onde os presentes puderam expressar as suas impressões e reivindicações. Esta greve geral, gerada no referido contexto, suscita uma série de questões, que merecem ser debatidas

pelos estudantes: A greve é um instrumento importante para reivindicar e defender o ensino público? Esta acção de protesto não deverá ser discutida entre estudantes, para que juntos adoptem formas de agir e intervir pela salvaguarda do Ensino Superior? A união entre estudantes (do superior e secundário), professores, educadores e funcionários não permitirá uma mais acérrima defesa da Escola Pública? Queremos saber a tua opinião. Porque o Superior também é feito por nós.

4 O Grito . #2 Abril MMXII

Entrevista //Pedro Miguel Coelho //Presidenteda AEFCSH

Pedro Miguel Coelho, natural de Oliveira do Hospital, filho do Queijo da Serra, é o actual representante máximo da comunidade estudantil da FCSH. Deambulando entre o quotidiano universitário, o reboliço associativo estudantil, a polémica do último ENDA e o previsto aumento das propinas, o Presidente da AEFCSH deixa n’O Grito a prova de um fulgor reivindicativo nada apático, mostrando que os estudantes têm peso e força para lutar pela justiça social no ensino em Portugal.

“O ensino universitário pode, e deve ser, o expoente máximo no desenvolvimento de uma sociedade”

O Grito - Para ti, enquanto frequentador de uma faculdade, o ensino universitário tem efectiva importância na sociedade? No desenvolvimento de uma sociedade? Pedro Miguel Coelho - O ensino universitário pode, e deve ser, o expoente máximo

no desenvolvimento de uma sociedade. É deste ensino, se verdadeiramente superior, que devem sair as indicações para o rumo para uma sociedade melhor, social e cientificamente. É importantíssimo que qualquer país que queira ser desenvolvido seja capaz de ter um ensino superior forte e com capacidade de trabalho. G - Um ensino superior desse calibre pressupõe mais mentes pensantes, críticas, inquisidoras e o exacerbar do associativismo. Qual é o panorama actual do movimento estudantil da FCSH, e nacional? PMC - O movimento estudantil passou, ao longo dos últimos anos, por várias mutações. A mudança nos objectivos reivindicativos, bem como na forma de pensar da maioria dos dirigentes associativos levou a que, durante os últimos anos, as associações de estudantes pareçam ter passado por uma travessia no deserto, em que o seu impacto na opinião pública foi muito reduzido e em que o alcance de metas importantes

por Diogo Ferreira e Tomás Quitériofoto de Carolina Carrilho / Aula Magna

5O Grito . #2 Abril MMXII

para o desenvolvimento na vidados estudantes tenha sido menos abrangente.

Na FCSH, o associativismo vive um dos seus melhores momentos, com mais estudantes interessados na vida da Associação de Estudantes e com a Associação de Estudantes cada vez mais presente na vida de todos, com uma acção consistente, persistente e, acima de tudo, regular. Hoje é comum, entre vários dirigentes associativos nacionais, dizer-se que temos, na AEFCSH, um dos departamentos de Política Educativa e Acção Social que, em todo o país, mais trabalha pelos estudantes. Isso orgulha-nos e impele-nos a continuar a trabalhar intensamente para uma efectiva melhoria das condições actualmente existentes.

“É o Estado que deve investir nos seus estudantes e no seu futuro, não são sistemas de autêntico co-financiamento por parte de contribuintes”

G - A maioria dos dirigentes, cada vez mais, se vê deparada

com a presente conjuntura económica, assim como com a sua influência no panorama estudantil. O que pensas da posição do Conselho de Reitores, relativamente ao aumento das propinas, para beneficiar alunos carenciados? Será significativa para a melhoria das suas condições de trabalho? PMC - Não julgo que a posição do Conselho de Reitores seja benéfica para os estudantes e já o comuniquei duas vezes ao Sr. presidente do CRUP, e reitor da Universidade Nova, em duas conversas que tivemos. O valor para que as propinas aumentarão é excessivo, e a sua aplicação num fundo social de emergência não permitirá resolver o problema da insuficiência dos apoios sociais aos estudantes, acentuando ainda um problema de desresponsabilização governamental pela Acção Social Escolar. É o Estado que deve garanti-la, é o Estado que deve investir nos seus estudantes e no seu futuro, não são sistemas de autêntico co-financiamento por parte de contribuintes - que já estão muitíssimo taxados - que permitirão o desenvolvimento do Ensino Superior e, mais importante ainda, o seu acesso universal. G - Qual a tua opinião, enquanto presidente da AEFCSH, em relação à mudança da FCSH para o Campus de Campolide? PMC - Eu julgo que é necessária a mudança de Campus, dada a impossibilidade de expansão do campus da Avenida de Berna e o progressivo aumento no número de alunos da FCSH. Estamos à beira dos seis mil estudantes inscritos, e as instalações actuais são completamente insuficientes para o actual número de cursos, aulas e actividades realizadas. Enquanto presidente da Associação de Estudantes tenho vivido o drama diário de

tentar reservar salas para as mais diversas iniciativas e não conseguir, tal é a sobrecarga de todos os espaços da faculdade. A mudança para Campolide, no entanto, está muito longe de acontecer. Embora exista um projecto, e algum avanço a nível autárquico, eu apostaria que nem em 2020 sairemos daqui. E, apesar de todas as insuficiências já citadas, entendo que a nível competitivo, dado o bom posicionamento geográfico das actuais instalações, a FCSH possa sair beneficiada por continuar no centro da cidade de Lisboa. Para além disso, duvido que conseguíssemos reproduzir, em Campolide, a nossa esplanada. G - Segundo esta linha de acontecimentos, entre cortes, austeridade, os grandes chavões do arquétipo social quotidiano, que futuro prevês para o ensino superior no nosso país? PMC - Eu não gosto de fatalismos, nem de futurologia. Mas este é um dilema que seria digno de muitas chamadas para o programa da Maya. Acredito que, com um movimento associativo forte, e com as direcções das faculdades / universidades atentas, haverá um grupo de pressão suficientemente poderoso para evitar a destruição do Ensino Superior Público e para garantir que terminamos a progressiva elitização a que este tem sido sujeito nos últimos anos. Sei que vamos conseguir, basta investirmos todo o nosso esforço e criatividade nisto, convencer toda a sociedade da importância que há em termos um Ensino que seja realmente para todos. É importante não deixarmos que as pessoas sejam convencidas de que têm culpa nesta crise ou que merecem ser castigadas deixando de estudar e de ter acesso a apoios para o fazer.

6 O Grito . #2 Abril MMXII

CULTURA100 DIAS QUE ABALARAM O REGIMEpor Marta Fraga

Inaugurada a 24 de Março, a exposição “100 Dias que Abalaram o Regime”, ilustra e explica a Crise Académica de 1962, dando cor às paredes do átrio da Reitoria da Universidade de Lisboa.

Estávamos na década de 1960. «Portugal era um país triste», atrasado, subdesenvolvido, analfabeto. Mais de 45% da população não possuía qualquer nível de ensino e a universidade era uma escola de elites, acessível apenas para os filhos das famílias beneficiadas pelo regime ou que partilhavam da sua visão ideológica. A censura, a PIDE e os tribunais de excepção permitiam ao Governo fiscalizar e limitar a partilha de informação. Contudo, embora o regime controlasse a informação publicada, não controlava a mentalidade dos estudantes.

Apesar da sua posição social favorecida, a maioria dos estudantes nunca se identificaram com a ideologia do regime e demonstravam a sua indignação face às imposições do Estado Novo desde os anos 30, participando em actividades políticas e culturais, aliando-se ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) Juvenil e organizando manifestações, greves e protestos. Em 1956, o Decreto-Lei 40 900 – que só autorizava a tomada de posse dos dirigentes associativos depois da permissão do Ministério, que exigia a participação de um delegado permanente do director da universidade em todas as reuniões associativas e dava ao Ministro da Educação o poder de substituir as direcções eleitas, interromper o seu funcionamento ou mesmo dissolvê-las – representava uma facada na autonomia das Associações de Estudantes (AAEE) e desencadeou um acordar da consciência crítica dos estudantes contra o regime.

Em Fevereiro de 1962, o Governo proíbe as comemorações do Dia do Estudante, mas isso não impede que se realize o I Encontro Nacional de Estudantes em Coimbra e se dê a criação do

Secretariado Nacional de Estudantes Portugueses. Em Lisboa, a 24 de Março, os estudantes reunidos na cantina da Cidade Universitária são sujeitos a forte carga policial, acontecimento que marcou o agudizar das acções de protesto estudantil. Foi decretado o luto académico e a greve às aulas, multiplicavam-se os protestos em vários pontos do país, os conflitos entre a polícia e os estudantes proliferavam. Foram presos milhares de estudantes, cerca de 60 foram expulsos das universidades, todos os dirigentes associativos foram suspensos. A posição autoritária e violenta do regime acabou por dar ímpeto à união da força estudantil, na defesa da conservação das suas AAEE como espaço de real democracia, em contradição com o cenário sociopolítico que se viva no país.

50 Anos depois, podemos identificar a Crise Académica como m despertar das gerações mais jovens para a vida política, que se afirmaram como foco de resistência ao Estado Novo. Actualmente, os desafios impostos aos jovens são diferentes mas importa questionar se estaremos suficientemente empenhados e unidos para os superar. Será possível diminuir o número de milhares de estudantes do Ensino Superior que abandonam os estudos em tempo de dificuldades económicas? Seremos nós capazes de travar o aumento exponencial do valor das propinas que se tem verificado ao longo dos anos? As adversidades que atingem cada estudante individualmente afectam-nos a todos e, apesar de não ter respostas imediatas, sei que o fim da História somos nós que escrevemos.

7O Grito . #2 Abril MMXII

NACIONALA Fontinha, Es.Col.A. do povo.por Rodrigo Rivera

O Presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, em concertação com Miguel Macedo, Ministro da Administração Interna, enviou a polícia para, no passado dia 19, desalojar o Projecto Es.Col.A. A PSP fez uso, mais uma vez, de força completamente desproporcionada contra a população que há um ano dava vida a um espaço abandonado pelo Estado. Tasers contra cidadãos que quiseram dar vida a um bairro que não tem nenhum parque, nenhuma infraestrutura social.

Uma escola primária fechada. Abandonada pelo poder há 5 anos. Uma escola, coração duma comunidade no centro do Porto, estava em degradação, à mercê do vandalismo. Um grupo de pessoas juntou-se para recuperar a escola, limpar as

salas, substituir portas e vidros partidos, para devolver a escola à comunidade. Com o tempo o grupo cresceu, envolvendo o povo da Fontinha e cidadãos de todo o Porto num projecto que servia a comunidade, com aulas de dança, iniciativas culturais, apoio educativo para as crianças, entre muitas outras actividades.

Rui Rio, numa tentativa de enganar a população da Fontinha, fingiu concordar com o projecto, propondo o pagamento de uma renda simbólica de 30 euros mensais, com a qual a comunidade concordou, mas impondo um desalojamento em Junho de 2012. Isto porque, subitamente, depois de 5 anos de total desleixo em relação à Escola da Fontinha, a Câmara lembrou-se que havia “um projecto” pensado para o local. Que projecto é, ninguém sabe, quanto mais qual o prazo previsto para a sua execução. Mas com o desalojamento violento da comunidade do seu espaço, percebe-se que esse projecto previsto por Rui Rio não

será para servir a população, porque este, que já existia e foi desalojado, tinha custo zero para o erário público.

Esta é a política urbanística dos últimos Governos, cuja única “palavra” sobre o projecto foi dada via PSP. Com milhares de fogos devolutos, edifícios do Estado deixados ao abandono, edifícios particulares deixados à especulação imobiliária, vemos os centros das duas principais cidades do país a morrer aos poucos. As pessoas são obrigadas a procurar casa nos subúrbios, em aglomerados de prédios sem nenhum tipo de equipamento social, e com cada vez piores transportes públicos. Por isso hoje temos uma praça do Rossio com 2 habitantes, uma Avenida da Liberdade com pouco mais e uma Escola da Fontinha desalojada.

Mas o Governo e Rui Rio deixaram algo claro: não querem recuperar os centros históricos e também não deixam que sejam recuperados.

Susana Santos

8 O Grito . #2 Abril MMXII

OPINIÃOpor Marta Luz

Neste mês de Abril muitas são as capas de jornais e revistas, con-certos e discursos que comemo-ram os 38 anos da Revolução Portuguesa. As opiniões variam mas destacam-se as que fazem furor na comunicação social e que fortalecem uma mesma linha de pensamento. É urgente mu-dar. A situação actual é gritante. Mas isso da revolução é coisa de outros tempos. Chegam a acusar de loucos, os que evocam este momento histórico. Acham despropositado e exagerado, chamar à luta na rua quando são postos em causa direitos funda-

mentais, com o mesmo sangue frio e normalidade de qualquer al-teração rodoviária. Afinal também as revoluções passam de moda, as crises do sistema capitalista é que não, por essa razão é que de vez em quando aparece uma dívida qualquer para pagar e leva o País à bancarrota.Outros falam dos mitos da rev-olução. Foi apenas pela democ-racia e contra a guerra colonial. Isso da reforma agrária, da na-cionalização da banca, das ocu-pações de casas e de campos, são mentiras fantasiosas desses insanos de Abril. Foi mero acaso das reivindicações pacíficas, cheias de flores na capital, que o País teve governos provisórios sucessivos e nacionalizações. Entre piadas do género, que-

rem fazer-nos crer agora que devemos voltar ao País do seu Povo pobre porque gerimos mal as nossas finanças e tivemos um dia a ilusão de ser o Resort da Europa. Segundo dizem por aí, a solução desta vez passa por, regredir os 38 anos da boa “Democracia de alguns” e, es-perar que alguém com a mesma proeza de usar flores vermelhas num belo passeio pela capital, consiga fazer nascer milhões de notas para encher os bolsos desses “alguns” que engordaram nos últimos anos.Com estes factos e graçolas contemporâneas, continuo a suspirar pelo dia que estaremos na rua para tomar o que sempre foi nosso. Bons convívios abriles-cos!!!

INTER-NACIONALGreve Geral em Espanhapor Manuel Diós

No passado 29 de março, Es-panha viveu a maior jornada de Greve Geral acontecida na história da democracia, enquad-rada no contexto de luta contra o Governo de direita e o seu pa-cote “anti-laboral” que piora as condições dos trabalhadores e facilita os despedimentos.

Com a taxa de desemprego mais alta de toda a União Euro-peia (23,60% e perto de cinco milhões de desempregados) a situação está a tornar-se crítica para o rendimento de milhares de famílias que não consegue che-gar ao final do mês. A situação da juventude não é muito mais esperançosa, com níveis de 50% de desemprego juvenil e contra-tos de trabalho cada vez mais precários.

Perante esta dramática situação, o Governo de Mariano Rajoy aprovou um pacote que reduz os custos nos despedimentos, flexi-biliza ainda mais o mercado de trabalho e melhora a posição dos patrões... Em conclusão, aprovou um pacote que constituiu o maior ataque em muito tempo contra os direitos dos trabalhadores. Em resposta a esta agressão nunca antes acontecida, a par-tir das doze horas da noite do dia 29, os diferentes grupos de piquetes organizados pelas Comissões Operárias e a União Geral de trabalhadores, dirigiram-se aos principais sectores produ-tivos do pais, nomeadamente os transportes.

O desproporcionado aparelho policial mobilizado pelo Ministério dos Assuntos Internos não teve precedentes com nenhum dos Governos anteriores, e as ima-gens dos Agentes do Corpo de intervenção a cavalo lembravam a ditadura franquista, quando a policia do Regime carregava vio-lentamente contra os lutadores pela democracia.

Mas a luta não terminou a 29. Os sindicatos anunciaram no comí-cio que punha fim à manifestação de Madrid: “No caso de não se produzir uma mudança substan-cial no conteúdo da lei aprovada, a escalada de mobilizações aumentará.” Os sindicatos não descartaram a possível convo-catória de outra Greve Geral que seria anunciada no Primeiro de Maio, dia dos trabalhadores.

Sem dúvida, o que esta jornada de Greve evidenciou, foi que nem os trabalhadores, nem os jovens, nem todos aqueles que se en-contram numa situação precária no nosso país vão permitir que os custos duma crise que não provocaram tenham que ser pagos pelos mais vulneráveis, e demonstraram com força que dia após dia a luta vai continuar, no sentido de não permitir a perda de mais direitos conquis-tados com o esforço da classe trabalhadora ao longo da nossa história.