18ª bienal de são paulo (1985) - o turista aprendiz

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Catálogo da exposição O Turista Aprendiz, parte da 18ª Bienal de São Paulo - O homem e a vida (1985).

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1 81

PROJETO DE MAUREEN BISILLIAT

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Este catálogo foi elaborado por:

MAUREEN BISllLlAT TE lÊ PORTO ANCONA lOPEZ ANTONIO MARCOS DA SilVA

Fotolitos e Impressão EDITORA ABRIL 1985

Montagem EVANY CORREA Estúdio de Arte e Produção Gráfica S/C Ltda.

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PATRocíNIO OFICIAL

GOVERNO FEDERAL Presidente José Sarney

Ministério da Cultura Aluísio Pimenta, Ministro

Ministério das Relações Exteriores Olavo Egydio Setubal, Ministro

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador André Franco Montoro

Secretaria de Estado da Cultura Jorge da Cunha Lima, Secretário

PREFEITURA DO MUNicíPIO DE SÃO PAULO Prefeito Mário Covas

Secretaria Municipal da Cultura Gianfrancesco Guarnieri, Secretário

DIRETORIA EXECUTIVA Robert Muylaert - Presidente Mário Pimenta Camargo - 1.° Vice-presidente Pedro D'Alessio - 2.° Vice-presidente Henrique Pereira Gomes João Augusto Pereira Queiroz João Marino Stella Teixeira de Barros Thomaz Jorge Farkas

COMISSÃO DE ARTE E CULTURA Sá bato Antonio Magaldi - Presidente Ulpiano Bezerra de Meneses - Secretário Casemiro Xavier de Mendonça Fábio Luiz Pereira de Magalhães Glauco Pinto de Morães João Marino Luiz Diederichsen Villares Renina Katz Sheila Leirner

CURADORA GERAL Sheila Leirner

CURADORES/Sala Especial "O Turista Aprendiz" Maureen Bisilliat Antõnio Marcos Silva T elê Porto Ancona Lopez Peter Mc Farren

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Apoio - ............................ ------...... ---- --­... -. ------ - - _ ... ------------, .... IBM Brasil

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AGRADECIMENTOS

CINEMATECA BRASILEIRA / FUNDAÇÃO NACIONAL PRÓ-MEMÓRIA

CNPQ - CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTíFICO E TECNOLÓGICO

EMBAIXADA DO BRASIL NA BOLÍVIA

FAMíLIA MÁRIO DE ANDRADE

FAPESP - FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IEB - INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS - USP

INSTITUTO BOLIVIANO DE CULTURA

MUSEO NACIONAL DE ARTE - BOLÍVIA

MUSEO NACIONAL DE ETNOGRAFIA Y FOLKLORE - BOLÍVIA

PETER Me FARREN

SESC - SERViÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

VARIG - VIAÇÃO AÉREA RIO-GRANDENSE S.A.

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COLABORADORES

EDITORA ABRIL Catálogo da Exposição

FOTOPTICA Internegativos e ampliações executados e montados nos laboratórios Fotoptica.

KODAK Ampliações feitas com o novo papel fotográfico Ektacolor Plus, fabncado no Brasil. Reveladas com fotoquímicos Kodak

PUBLlTAS Neon do catálogo e da expOSIção

TELCON Estruturas metálicas. ApoIo técnico

TELEM Projeto de iluminação

TVC Produtora do filme "O Turista Aprendiz"

SONY Aparelhos (Profeel) e monitores de vídeo

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TVC - DORIAN TATERKAlBETO LIMA apresentam

O TURISTA APRENDIZ Filme de

tv\AUREEN BISILLlA T

Produtores Associados GERALDO RIBEIRO/LÚCIO KODA TO

tv\AUREÊN BISILLlAT

Direção de Fotografia LUCIO KODATO

Edição e Montagem tv\AURO ALICE

Som direto ZICO SANTANA

Trilha Sonora GERALDO RIBEIRO/tv\AUREEN BISILLlAT

, Equipe de Produção tv\ADIO CHIARELLAlCAHO tv\ARTINS

Mixagem JOSÉ Luís SASSO

Edição de Som tv\AURO ALICE

Finalização SAULO SILVEIRA

Assist~nte de Montagem BETH MURBACH DE OLIVEIRA

Montagem de Negativo IOLANDA RODRIGUES DIAS

Laboratório Imagem LlDER ClNE

Truca TRUCA SA.

Transferência de Som KINOVOX

Laboratório de Som ALAMO

Agradecimentos especiais CENA FILMES

SONY ALAMO

Agradecimentos MOVIECENTER

HILTON INTERNATIONAL-BELÉM BELAUTO-BELÉM

RESTAURANTE "LÁ EM CASA"-BELÉM

E carinhosamente à TRIPULAÇÃO DO ''LItv\A GONÇALVES IV"

Prático do Rio Solimães: EURICO CESÁRIO MORAIS Maquinista: PEDRO ARAÚJO BAHIA

Cozinheiro: ISAAK BAHIA Imediato: JOSÉ tv\ANUEL DA SILVA "NOCA"

Prático do Rio Madeira: FRANCISCO FERNANDES DA SILVA­

"MESTRE JACAMIM" /tv\ACUNAítv\A 1985

Filme 16mm, cor, sonoro, duração 60 minutos transferência p/ U-tv\A TIC

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EQUIPE DA SALA ESPECIAL "O TURISTA APRENDIZ"

MAUREEN BISllLlAT Projeto e Direção

ANTONIO MARCOS SilVA Projeto Espacial Assistente de Direção

TElÊ PORTO ANCONA lOPEZ Pesquisa e Coordenação Mário de Andrade

PETER MC FARREN Pesquisa e Coleção Máscaras da Boi ívia

JOÃO SÓCRATES DE OLIVEIRA Restauração e Ampliação Fotografias Mário de Andrade (*)

Assistentes

PEGGY CORRÊA Organização de Arquivo Fotográfico Maureen Bisilliat

ANA MARIA PAULlNO Auxiliar de Pesquisa Fotografias Mário de Andrade

IVANY SEVAROLLI Restauração Fotográfica

Montagem

Walter Emilio Chambon e Equipe Equipe Bienal

Ampliações Cor - Fotoptica Pedro Fontana Pedro Ballester Roberto K. Konno

* Ampliações feitas a partir de cópias contato do arquivo Mário de Andrade. (únicos originais).

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UMA BIENAL DEDICADA AO VISITANTE ANÔNIMO

Pela 18.0 vez acontece a Bienal Internacional de São Paulo, um sonho de Ciccilo Matarazzo tornado realidade ern 1951 e mantido vivo ao longo de 35 anos de lutas. Naquela época só existia no mundo a Bienal de Veneza, criada em 1895. Hoje existem também as Bienais de Paris - França, Medellin - Colômbia, Cairo - Egito, Praga - Checoslováquia (Bienal das Pequenas Es­culturas\ Sydney - Austrália, Havana - Cuba, Documenta de Kassel (Ouadrienal) - Alemanha, além da Ouinquenal de Toronto - Canadá, a partir de 1990. Essas manifestações de arte contemporânea são quase todas mostras oficiais, contando com 100% de recursos provenientes do seus respectivos governos. A nossa exposição é exceção: uma realização da Fundação Bienal de São Paulo, contando em 1985 com 85% de recursos provenien­tes da área privada, não como mecenato, mas como investimento com retorno institucional paras as empresas. O Pavilhão da Bienal tem hoje uma ocupação de 100% ao longo do ano, sendo 80% de seu espaço-tempo utilizado por iniciativas de caráter cultural e 20% por feiras industriais. Os custos da 18." Bienal Internacional, de São Paulo são cobertos da seguinte maneira: 15% de recursos públicos; 20% provenientes do patrocinador geral, o COMIND; 20% da cessão de espaço para feiras e exposições ao longo do ano; e 50% dos demais patrocina­dores e colaboradores, mais a arrecadação do próprio evento. Embora a utilização do Pavilhão da Bienal pelo setor industrial constitua uma pequena parcela do total, foi necessário um grande esfor­ço administrativo interno para que as importantes feiras nacionais e internacionais pudessem acontecer no Ibirapuera. O edifício foi preparado e equipado para atender a esses grandes eventos, e uma equipe foi formada para cuidar de nossa área de feiras e exposições, recuperando o Pavilhão da Bienal, na condição de segundo maior espaço de São Paulo, em área coberta. O setor de artes plásticas naturalmente continuou prioritário, realizando-se em 1984 a grande exposição "Tradição e Ruptura" - e pre­parando-se, concomitantemente, a 18.' Bienal Internacional de São Paulo. Organizar uma Bienal é ao mesmo tempo um desafio preocupante e uma oportunidade gratificante. Talvez não haja no Brasil um outro evento com 35 anos de tradição, que reuna 46 países. E o prestígio da nossa Bienal Internacional fir­ma-se cada vez mais, como se constata pelo crescente número de países participantes e de exposições especiais montadas. A 18.a Bienal, a primeira da Nova República, demonstra uma pujança que promete vida longa para a instituição. E os diversos países participantes, juntamente com o Brasil, são co-responsáveis por esse estado de espírito dinâmico e positivo que domina o evento. Seus esforços foram sensíveis, no sentido de que as representações estrangeiras trouxessem o que de melhor se adaptasse às condi­ções específicas da nossa mostra e do nosso país. Nesse sentido destaca-se a volta de importantes países, ausentes das nossas Bienais por alguns anos e que retornam com representa­ções de destaque. "A Bienal é uma Festa" foi a frase que encontramos, logo no início da organização, para definir o que seria a sua 18." versão em 1985. Ela reflete o espírito da mostra, que viria a ser desenvolvida com empenho, dedicação e até sacrifício, pela nossa valorosa equipe orientada pelo Conselho de Administração da Bienal, Diretoria Executiva, Comissão de Arte e Cultura, Curadoria Geral e Curadorias das diversas Exposições. Outra definição importante, estabelecida desde o projeto original, foi a de que a 18.ô Bienal seria antes de tudo brasileira, não só em sua concepção, projeto e montagem, como no sentido de reservar a maior área possível aos artistas nacionais e às nossas manifesta­ções culturais vinculadas ao espírito da mostra. Foi assim que surgiram as exposições "Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades", "Turista Aprendiz", "A Criança e o Jovem na Bienal", "Xilogravuras Populares Contemporâneas na Literatura de Cordel - anos 60170", além de uma importante programação musi­cai, integrada ao espírito da exposição.

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Procurou-se criar um evento de alta densidade, ao longo dos 30 mil m2 da exposição e também no auditório contíguo situado no /V'AC - Museu de Arte Contemporânea da USP -, onde se sucedem as audições de música, performances, palestras, filmes e toda a sorte de manifestações ligadas à grande mostra de artes plásticas. Realizando uma Bienal a partir de uma experiência brasileira, geramos um grande interesse também por parte das centenas de estran­geiros que nos visitam, dentre eles, artistas, jornalistas e pessoas ligadas à arte no mundo inteiro. Esse interesse independe das críticas favoráveis e desfavoráveis ou das polêmicas geradas, que fazem parte da tradição das bienais em geral. As dimensões da 18.a Bienal deram oportunidade a que se formasse uma grande equipe de especialistas na montagem de grandes exposições, cuja experiência poderá beneficiar outras instituições culturais. Nos países mais desenvolvidos discute-se hoje a validade das Bienais. Talvez porque ali já exista uma certa saciedade com relação às incontáveis manifestações artísticas contemporâneas à disposição do público em geral, sem muitas características que as diferenciem uma das outras. O caso do Brasil é bem diferente. Em nosso país a existência da Bienal Internacional se destaca como única manifestação periódica existente, com tal dimensão, abrangência e tradição. Seu papel de pioneirismo e de abertura para o mundo representou a grande influência de toda uma geração de artistas brasileiros, e ao mesmo tempo, um grande fator de atualização e conhecimento cultural para os visitantes de todo o Brasil, ao longo dos anos. Em uma nação em que as prioridades de caráter social precisam se sobrepor às culturais, a Bienal se orgulha de não onerar em dema­sia os cofres públicos. O Brasil consegue realizar uma exposição cujo custo é apenas um pequeno percentual do investimento requeri­do por Bienais de outros continentes. Isso contando com um número bem maior de países participantes em relação às outras impor­tantes Bienais, e um público equivalente. Foi pensando primordialmente nesse público, batizado genericamente por nós - a partir da exposição "Tradição e Ruptura" - co­mo "visitante anônimo", que organizamos a 18.a Bienal Internacional. São esperadas duzentas mil pessoas, na maioria sem conhecimen­tos profundos sobre arte, mas que prestigiam e por isso justificam por si só a existência da Bienal Internacional de São Paulo. Elas encontrarão no pavilhão da Bienal 2.400 obras, representando 46 países e 400 artistas de quatro continentes. É para esse nosso público que a Bienal foi concebida, procurando ser didática, atraente e acessível, mas sem perda do rigor técnico que uma exposição desse nível deve manter, enquanto preserva a sua visão universalista e a sua condição de acontecimento de van­guarda. Um destaque todo especial foi dado às crianças, trazidas à Bienal em grande número, orientadas por uma monitoria especialmente treinada para conduzi-Ias. Ao se inaugurar o nosso principal evento, a maior ambição é conseguir, através dele, aguçar o espírito e a sensibilidade do "visitante anônimo". A ele é dedicada a 18.a Bienal Internacional de São Paulo.

ROBERTO MUYLAERT Presidente da Fundação Bienal de São Paulo

Na exposição especial "Turista Aprendiz" contamos com o patrocínio da IBM e apoio da Editora Abril, Fotoptica, Kodak, Publitas, Sony, Telcon, Telem e TVC - Televisão e Cinema.

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o primeiro passo com respeito à realização da 18.a Bienal Internacional de São Paulo foi amarrar todos os objetivos numa só proposta organicamente entrelaçada e congruente, de modo que cada segmento tivesse a sua razão de ser dentro da totalidade do grande evento. Um dos propósitos era apresentar exposições que mantém uma profunda relação de afinidade com a arte contemporânea, também por seus aspectos antropológicos ou etnológicos. O papel básico de uma bienal, afinal, é auxiliar a compreensão da época artística que ela espelha. "O Homem e a Vida" é a designação para uma coleção de idéias definidas, conceitos críticos que propõem - de maneira empírica e não convencional - uma empatia com o objeto de análise e, portanto, uma empatia com o espírito da época que ele traduz. Da mesma forma como ocorreu com a Arte Plumária na última Bienal, as exposições "O Turista Aprendiz" e "Máscaras da Bolívia" possuem uma marcante identidade com a produção artística deste momento, no qual o artista procura por uma "nova virgindade", e sua arte representa o prenúncio de uma nova era, de um novo mundo. O que se presencia agora é um tipo diferente de humanismo que, entre outras coisas, sugere o primitivo que se divide apenas entre a percepção e o ser, com toda a riqueza e multiplicidade nos quais esse enfoque implica. Ou seja, o inconsciente, os mitos, a mística, os ritos. "O Turista Aprendiz", brilhantemente criada por Maureen Bisilliat com projeto de Antonio Marcos da Silva, e "Máscaras da Bolívia" que, coincidentemente já integrava enfaticamente as sugestões da curadoria aos países participantes, configuram esta ponte entre o primitivo e o contemporâneo. Não apenas por causa de sua linguagem livre, expansiva, espontânea, vernaculista (e ao mesmo tempo cósmica) mas sobretudo pelo temário e pelas imagens ontológicas e expressivas que a formam.

SHEILA LEIRNERlCuradora da Bienal

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Com um coro-de-anjos-me-empurrando visionei as raças, não o pathos mas a voz rouca do povo - seus pés jovens - o olhar preciso e os passos fundos de suas danças nos fins de ruas sem fim. Intuindo o efêmero decalquei, nos anos de andança, alguns instantes, e nem sempre os mais penetrantes, da redon­da diversidade popular. De temerosa responsabilidade o debruçar sobre as tradições populares de um país. Pelos erros e acertos, pelo que não vi, e pelo que vi e não captei, peço compreensão, dizendo com Borges, o sábio, assim: " ... A música, os estados de felicidade, a mitologia, os rostos tra­balhados pelo tempo, certos crepúsculos e certos lugares, que­rem nos dizer algo, ou alguma coisa disseram que não devería­mos ter perdido, ou estão por nos dizeri esta iminência de uma revelação, que não se produz, é, quem sabe, o fato estético." (Jorge Luís Borges - Outras Inquisições). O fato, desta vez, é uma Turista: Alegoria Popular. Agradeço fundo aos que nela acreditaram e que, com suas idéias e esmero técnico, sua con­fiança e patrocínio-aval a endossaram, dando espaço concreto a um sonho. Contagiados por uma incandescência, viajamos juntos, '85, aten­dendo ao sopro-de-cima do Mestre Mário Cantador.

MAUREEN BISILLlAT/São Paulo, 11 de setembro de 1985.

Agradec i mento

aos de casa pela calma e carinho nas noites em claro à equipe técnica - primorosa - pedra fundamental deste reino popular a Marcos, Telê e Peter, companheiros de viagem meu afeto a Ní - pequeno Nicholas - para que venha se encantar com as tradições do seu país ...

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"E desce um luar sublime sobre a terra. Tudo em volta c...) é de uma luminosidade encantada, cheia de respeito e de mistério. E eu canto, canto tudo o que sei, desamparado. Canto ao luar, desabaladamente em puro êxtase descontrolado, com a me­lhor voz que jamais fiz na minha vida, voz sem trato, mas com aquela natureza mesmo, boa, quente, cheia, selvagem mas sem segunda-intenção. O que eu sinto dentro de mim! nem eu sei! não poderia saber, nem que pudesse me analisar, estou estou­rando de luar, tenho este luar como nunca vi, me ... em mim, nos olhos, na boca, no sexo, nas mãos indiscretas. Indiscretas de luar, nada mais. Sou luar! e de-repente me agacho, fico quie­tinho, pequenino, vibrando, imenso, fulgurando por dentro, sem pensar, sem poder pensar, só. "Chegada a Porto Velho, meia-noite. Sono de pedra."

o Turista Aprendiz - 14 .de julho de 1927

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"A bordo do São Salvador em pleno Peru com o sol na cara" 22 Junho 1927.

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o T URISTAApRENDIZ

ItViagem pelo Amazonas até o ' Peru, pelo Madeira até a Bolívia e por

Marajó até dizer chega - 192711

Mário de Andrade

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"A raiva de Vei* a Sol por Macunaíma não ter se amu­lherado com uma das filhas da luz, é porque vivemos errados, em vez de termos criado uma civilização nasci­da diretamente da terra tropical e suas exigências até morais, como indianos, chineses, aztecas (filhas da luz) importamos a civilização de clima temperado (as fran­cesas e a varina) da Europa."

Nota M.A. para a 2.a ed. de Macunaíma

*Vei: entidade da mitologia dos índios taulipang e are­cuná do extremo norte do Brasil, das Guianas e da Ve­nezuela.

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"(. .. ) Não sei, quero resumir minhas impressões desta viagem li­torânea por nordeste e norte do Brasil, não consigo bem, estou um bocado aturdido, maravilhado, mas não sei ... Há uma espé­cie de sensação ficada da insuficiência, de sarapintação, que me estraga todo o europeu cinzento e bem-arranjadinho que ainda tenho dentro de mim. Por enquanto, o que mais me pare­ce é que tanto a natureza como a vida destes lugares foram fei­tos muito às pressas, com excesso de castroalves. E esta pré-no­ção invencível, mas invencível, de que o Brasil, em vez de se uti­lizar da África e da índia que teve em si, desperdiçou-as, enfei­tando com elas apenas a sua fisionomia, suas epidermes, sam­bas, maracatus, trajes, cores, vocabulários, quitutes ... E deixou­se ficar, por dentro, justamente naquilo que, pelo clima, pela ra­ça, alimentação, tudo, não poderá nunca ser, mas apenas maca­quear, a Europa. Nos orgulhamos de ser o único: grande (grande?) país civilizado tropical .. Isso é o nosso defeito, a nos­sa impotência. Devíamos pensar, sentir como indianos, chins, gente de Benin, de Java ... Talvez então pudéssemos criar cultu­ra e civilização próprias. Pelo menos seríamos mais nós, tenho certeza."

o Turista Aprendiz 18 de maio de 1927.

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o TURISTA APRENDIZ - VIAGENS PELO AMAZONAS ATÉ O PERU PELO MADEIRA ATÉ A BOLíVIA / POR MARAJÓ ATÉ DIZER CHEGA.

" 'Eu sou aquele que veio do imenso rio'. " Mário de Andrade - "Brasão"

A criação literária de Mário de Andrade está estreitamente ligada à música. Verso harmônico e verso melódi­co, polifonia poética, esquerzo, rapsódia, lições do cantador, foram formas por ele definidas para a poesia e a ficção que, modernas, desejavam novas estruturas. Ao unir esse aspecto à recriação que Maureen Bisilliat faz da Viagem do Turista Aprendiz à Amazônia em 1927, orquestrando o texto e as fotos de Mário, contra­pondo as marcas do passado à visitação do presente pelo cinema"e tudo envolvendo no tesouro de imagens do cotidiano e da celebração popular que sua câmera de fotógrafa recolheu em vinte anos de apaixonada peregrinação, encontro o conceito para este espaço cênico. É CADÊNCIA, o tempo e o espaço do intérprete, quando a imaginação fica livre para escolher temas e motivos e desenvolvê-los de acordo com os sentimen-

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Os viajantes à porta do cinema de Iquitos.

tos e idéias que obra e autor lhe suscitarem. Cadência é a garantia do rasgo poético que aqui se completa nu­ma coincidência de amor. À grande pesquisa do folclore e da cultura popular, realizada por Mário de Andra­de durante suas "viagens etnográficas" ao Norte e ao Nordeste, funde-se o caminhar de Maureen que agora se torna a leitura cênica de uma única visão de Brasil e América. E esse espírito anima a interpretação que avança até certos temas do poeta do "Rito do Irmão Pequeno". Acreditando na força e na dignidade da cria­ção popular, procurando a verdade do homem na festa e na dor, na fidelidade ao mito, o trabalho flui ao lon­go de um grande rio. Viagem de mais um descobrimento - cadência e reviagem. Concebido por Maureen Bisilliat e arquitetado por Antonio Marcos Silva, o espaço cênico tem como fundo a cor negra, magma para a criação que traça o grande rio, seu núcleo. Meandros e praias, o rio escorre pela sa­Ia, as margens povoadas pela representação do sacro e do profano de nosso povo, imagens que se permi­tem quebrar fronteiras, chegando até o altiplano da Boi ívia. São 400 fotos de Maureen que tomam Guerreiros de Alagoas, o Bumba-meu-boi, o Maracatu, lemanjá, as baianas do Bonfim e o Afoxé, o Carnaval, a antropofa­gia cósmico/hollywood do Vale do Amanhecer, a Bolívia. Que depois se fincam, sem máscaras, na Terra, cruas - o índio, São Paulo subúrbio e zona rural, Minas, o Nordeste. Esse cosmos em que o sagrado e o profa­no se interpenetram, conforme nossa realidade, ganha sua terceira dimensão na indumentária de festas e cul­tos - chapéus dos guerreiros e dos bumbas do Maranhão, roupagens da umbanda e do candomblé, fantasias

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da Escola de Samba Nenê de Vila Matilde do carnaval paulista. A terceira dimensão dos ritos e mitos prolon­ga-se na preciosa coleção de 126 máscaras bolivianas, antigas e atuais, de Peter Mc Farren, jornalista e fotógra­fo de La Paz. O grande rio cria o abrigo para a viagem amazônica. Aqui são harmonizados passado e presente. 49 fotos do Turista Aprendiz, retratos e uma seleção de textos contornam um Mário de Andrade entranhadamente brasilei­ro, ao mesmo tempo que, na dialética da ausência/permanência, revelam, através excursão de 1927, as acep­ções de viagem, negação da viagem e trans-viagem no artefazer. O passado guarda ainda a pesquisa de Má­rio Diretor do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo, registrando em filme, em 1936, o fol­clore de Moji das Cruzes. No bolsão do Amazonas a CADÊNCIA 1985 cresce no contraponto. Maureen Bisilliat na direção e Lúcio Koda­to na câmera retomam o trajeto de Mário no filme que se imbui da ótica do cronista. Navegando 2500 quilô­metros em 5 semanas (a 8 km por hora!...) de Belém a Manaus pelo rio Amazonas, acompanhando o Madeira até Porto Velho, a narração se enche de lirismo na aprendizagem do fruir, contemplando o passar da paisa­gem, cronista na imagem oferecendo "ilhas de capim, periatãs chamadas". O filme se afirma como travelling, a reviagem pontuada pelo refrão do aparecimento do vaticano. O "ritmo" que as legendas do Fotógrafo Aprendiz fazem questão de salientar, foi apreendido nos ritmos do rio. Escande a dança do varejão habil-

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"Dolur na vista Marajoara".

mente manejado, da jacumã ligeira. Traça a linearidade das aldeias e cidades que, escorrendo junto com o rio são abarcadas pela câmera na quase total idade de seu espaço e de sua vida. Suspende no tempo as cai­çaras com os bois, mergulha no espelho d'água com as casas de palafitas. A aproximação do homem se faz em 1985 com o vaticano entrando pelos igarapés e igapós à procura das populações ribeirinhas, com a 'valori­zação do lendário repetindo histórias e casos contados a Mário de Andrade em 1927, com o destaque da "divina preguiça". Narrar "com" é se fazer voz da matéria narrada; nesta cadência é a captação dupla que, no momento de sonorizar o filme, incorpora os dois tempos. A zoofonia do interesse musical de Mário e de nos­sa luta ecológica está no canto dos pássaros e das baleias/sereias. O subúrbio de Belasarte está no brega; o poeta dividido entre o urbano e o cósmico está nos apelos do trem e do rio, nos acordes eruditos. Quando nossa viagem se cumpre, creio que ninguém diz chega ... Tal como o povo de São Paulo, depois da história de Pauí-Pódole, o Cruzeiro do Sul, em MACUNAíMA, saímos todos "cheios de estrelas vivas". Reper­cute na gente a aguda consciência de Mário de Andrade reiterada por Maureen Bisilliat: a riqueza da sensibili­dade do povo em suas concepções, a liberdade na resistência do colonizado que faz bricolagem da coloni­zação e a poesia como o sinal dos filhos da Sol, os homens do Terceiro Mundo.

TE LÊ PORTO ANCONA LOPEZ

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"Irmão pequeno, sua alma está adejando no seu corpo, E imagino nas borboletas que são efêmeras e ativas ... Não é assim que você colherá o silêncio do enorme sol branco, O ferrão dos carapanás arde em você reflexos que me entristecem.

c.) "Venha comigo. Por detrás das árvores, sobrado dos igapós, Tem um laguinho fundo onde nem medra o grito do cacauê ... Junto à tocáia espinhenta das largas vitórias-régias, Boiam os paus imóveis, alcatifados de musgo úmido, com calor ... Matemos a hora que assim mataremos a terra e com ela Estas sombras de sumaúmas e violentos baobás, Monstros que não são daqui e irão se arretirando. Matemos a hora que assim mataremos as sombras sinistras, Esta ambição de morte, que nos puxa, que nos chupa, Guia da noite. Guiando a noite que canta de uiara no fundo do rio.

Page 27: 18ª Bienal de São Paulo (1985) - O Turista Aprendiz

c.) "Nos dias em que o sol exorbita esse branco Que enche as almas e reflete branqueando a solidão da ipueira, Havemos de sacrificar os bois pesados. O sangue lerdo escorre das marombas sobre a água do rio, E catadupa reacendido o crime das piranhas.

Só isso deixará da gente o mundo tão longínquo ... As nossas almas se afastam escutando o segredo parvo, E o branco penetra em nós que nem a inexistência incomparável.

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(...)

"O acesso já passou. Nada trepida mais e uma acuidade gratuita Cria preguiças nos galhos, com suas cópulas lentíssimas. Volúpia de ser a blasfêmia contra as felicidades parvas do homem ... Sã0 deuses ... Mas nós blefamos esses deuses desejosos de futuro, . Nós blefamos a punição européia dos pecados originais.

"Ouça. Por sobre o mato, encrespado nas curvas da terra, Por aí tudo, o calor anda em largado silêncio, Ruminando o murmulho do rio, como um frouxo cujubim.

"Na vossa leve boca o suspiro gerou uma abelha. É o momento, surripiando mel pras colmeias da noite incerta.

c.) "A cabeça desl isa com doçura, E nas pálpebras entrecerradas Vaga uma complacência extraordinária.

"É pleno dia. O ar cheira a passarinho. O lábio se dissolve em açúcares breves, O zumbido da mosca embalança de so! . ... Assurbanipal ... "A alma, à vontade, Se esgueira entre as bulhas gratuitas, Deixa a felicidade ronronar.

Vamos, irmão pequeno, entre palavras e deuses, Exercer a preguiça, com vagar."

"Rito do Irmão Pequeno" - III-V-VII-IX

Page 29: 18ª Bienal de São Paulo (1985) - O Turista Aprendiz

'Vai boi! Tuiuiú-Marajó ... " - 30-VII-1927

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'Vaqueiro Marajoara - Tuiuiú ... " 30-VII-1927

"Desde as dunas do Nordeste a alma das coisas desapareceu. Tudo aparece revestido de uma epiderme violenta, perfeitamen­te delimitada, que não guarda mistérios. Mais franqueza, uma certa brutalidade leal de "coisa" mesmo. E disso vem uma sen­sualidade de contacto em que a gente se contagia de uma vio­lenta vida sensorial, embriaga.

o Turista Aprendiz 30 de junho de 1927

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"Procissão de Nossa Senhora em Porto Velho ... " 15-VII-1927

"(. .. ) Vista em sonhos. É a mais linda cidade do mundo, só vendo. Tem setecentos palá­cios triangulares feitos com um granito muito macio e felpudo, com uma porta só de mármore vermelho. As ruas são todas líquidas, e o modo de condução habitual é o pei­xe-boi e, pras mulheres, o boto. Enxerguei logo um bando de moças lindíssimas, de en­carnado, montadas em botos que as conduziam rapidamente para os palácios, onde elas me convidavam pra entrar em salas frias, com redes de ouro e prata pra descansar ondulando. (..,) As ruas não se chamavam com nome de ninguém, não. Tinha a rua do MeuBem, a rua das Malvadas, a rua Rainha do Café, a rua das Meninas, a rua do Perfil Du­ro, a rua do Carnaval, a rua Contra o Apostolado da Oração. E todas as moças lindíssi­mas deixavam facilmente eu cortar os cabelos delas. Eu cortava que mais cortava, era um mar de cabelos, delicioso mas um bocado quente. Foi quando me acordaram."

o Turista Aprendiz - 3 de junho de 1927.

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"MAS SE ALGUÉM SEGURA O LEME / DESTA NAVE INCANDESCENTE"

Na infância e na adolescência a viagem era as férias em Araraquara na fazenda de parentes e foi a descoberta imensa do mar. Congregado mariano e professor no Conservatório, a geografia pouco se estende: excursões a Osasco, Pirassununga, Fazenda da Barra e, em 1918, "estação" em Poços de Caldas com a mãe e os irmãos. A primeira viagem maior de Mário de Andrade é ao barroco mineiro, em 1919, passando pela casa de Alphon­sus de Guimaraens, a quem justifica seu peregrinar. Preparava-se para futuras conferências, estudando. (1) Deflagrado o modernismo, precisa ir ao Rio, promover o diálogo com os companheiros de lái trabalhar. O au­sentar-se da casa e da família, do cotidiano definido, desenha, desde as primeiras viagens do professor e do modernista, a dialética da ausência / permanência, em que o trabalho sacramenta o lazer. A ausência, em suas inquietações e angústia, é compensada pelo trabalho, imediatizado sempre que possível. Viajante à roda de seu quarto, acompanhando no século XVIII a procissão mineira do Triunfo Eucarístico em conferência na Congregação Mariana, em 1924 parte na "Viagem da descoberta do Brasil". (2) Não está sozi­nho. Integra a caravana dos modernistas de São Paulo, os quais, na companhia de dois de seus mecenas -René Thiollier e D. Olívia Guedes Penteado - e de seu hóspede ilustre Blaise Cendrars, percorrem a Minas Ge­rais da tradição e do povo, encantando-se com as cidadezinhas, cores e formas, as histórias, a música, a ima­ginária. E percebendo que o primitivismo estético perseguido pelas vanguardas da Europa, seria para nós, simplesmente, o reconhecimento de nossa sensibilidade. A aventura brasileira de Blaise Cendrars do dizer de Alexandre Eulálio é, de fato, a aventura da descoberta de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral na pintura e na poesia pau-brasil, de Cendrars em LE FORMOSE e Mário no cLÃ DO JABUTI. Na poesia desta primeira grande meditação sobre o Brasil, a viagem consolida no poeta a comunhão com a arte do povo sublinhando a dignidade dela. O romance, a moda de viola, a toada, tornam-se ritmos recriados na esfera culta, abrindo os limites do regional na particularidade poética brasileira. cLÃ DO JABUTI "desgeografica", fundindo e deslo­cando traços de todo o país - fauna, flora, vocabulário, sintaxe. (3) O palpitar de uma lógica bem diferente daquela que o racionalismo cartesiano imprimira na formação de todos faz do refrão boquiaberto de Cen-

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drars - "Quelle merveillel" o refrão da viagem. A surpresa, as idéias compartilhadas, a alegria, a camarada-gem firmam o desejo de mais excursões assim, respondendo à sede de mais Brasil. Mário volta a seus pagos; aos livros e fichas reunindo seu tesouro - dados de todas as fontes apresentando­lhe sua terra, postos constantemente em contato com o mundo da literatura, das artes, do saber contemporâ­neo. À sua casa, a seu estúdio, aportam quadros, originais e cartas de amigos, revistas, discos, partituras que lhe garantem a viagem permanente do estudo e a trans-viagem da criação artística moderna. Recusa os apelos de Tarsila; não pretende ir à Europa. Está muito mais interessado no comportamento do brasileiro e dá início a NAAR, VERBO INTRANSITIVO. Nossa fala, "desgeograficada", molda o discurso de um narrador bem culto, atualizadíssimo. Romance urbano, situado no âmbito da burguesia, traz, no discurso que viaja brasis, a presen­ça de outras real idades.

E Mário começa a se ligar à Amazônia. A busca de uma filosofia capaz de vencer a reificação da vida e culti­var a poesia, sentindo a força do mito, promove a união entre os ensinamentos de contemplação e paciência de Lao Tsé, dos Mestres de Chá, e os anseios de fraternidade, justiça e transcendência do Cristianismo. Via­gem de reconhecimento, cruza fronteiras, apreende outros modos de pensar, de entender o homem em sua relação com o universo, discriminados contudo, pelo juízo da civilização industrial. Prosseguindo na leitura do folclore e dos lendários indígenas, nos mitos e lendas coligidos por Koch-Grünberg entre os Taulipang e Arecuná do extremo norte do Brasil, Guianas e Venezuela, surpreende-se com o deus malandro Macunaíma. O protagonista está ali: o herói/anti-herói para a rapsódia MACUNAíMA que escreve em 1926, em uma sema­na, nas férias em Araraquara. Na bagagem trouxera fichas, notas, esboços para cumprir um projeto. Nas mes­mas férias reescreve o texto de que fará ainda outras versões, burilando-o até às vésperas do prelo, em 1928. O rapsodo que via a Amazônia como a sede do ócio criador, do viver tropical coerente, abençoado pela es­trela-guia Ursa Maior, palmilhara um sem número de páginas, impregnando-se de Brasil - frases e feitos. Na­vegante na tradição da família, os APONTAMENTOS DE VIf\GEM do avô Leite Moraes, presidente da provín­cia de Goiás durante o ano de 1881, ecoam em MACUNAIMA, glosados com humor. (4) A saudade do lar, o dever subjugando a aventura, o anseio pelo retorno, sentimentos confessados pelo ausente e gratos aos seus, reforçam, quem sabe, a outra face que as viagens têm para Mário de Andrade. A face do medo, da fragilida­de, que só o trabalho pode amenizar. Nos primeiros meses de 1927, envolvido com MACUNAíMA e outros trabalhos, até mesmo um plano de visi­ta ao nordeste está esquecido. Em abril explode a mudança, com suas dificuldades confiadas ao amigo Ma­nuel Bandeira:

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"Eu tomado de acesso de heroísmo ... peruano - 21-VI-1927. Netuno."

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(..,) Céu do Equador, domínio da Ursa Maior, o grande Saci ... Estávamos excitadíssimos, com vontade até de crimes. Atrás, na lagoa, ficava o lugarejo Caiçara, onde tinha festã. (..,) Bailamos com os caboclos, e viemos vindo, sem pressa, na noi­te da Ursa Maior. Dia sublime."

o Turista Aprendiz - 12 de junho de 1927.

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"Estava planejando ir dar um pulo até Pouso Alegre ver você, porém de sopetão de domingo para cá minha vida deu um salto mortal danado. Creio que vou pro norte mês que vem, numa bonitíssima duma viagem. Do­na OI ívia faz tempo que vinha planejando uma viagem pelo Amazonas adentro. E insistia sempre comigo pa­ra que fosse no grupo. Eu ia resistindo, resistindo e amolecendo também. Afinal, quando tudo quase pronto, resolvi ceder mandando à merda esta vida de merda. Vou também. Isto é, ainda não sei se vou, só falta saber o preço da viagem. Se ficar por aí uns quatro contos, vou, se ficar pra cima de cinco não vou. Tenho que em­prestar dinheiro pra ir e isso vai me deixar a vida bem difícil depois e os projetos no tinteiro." (5) Vencendo as racionalizações, Mário de Andrade faz as malas. Ao embarcar no Rio de Janeiro, verifica que a "porção de gente disposta e divertida", com que contava, reduzira-se a D. OI ívia Guedes Penteado, sua sobri­nha, Margarida Guedes Nogueira, Dulce do Amaral Pinto, a filha de Tarsila - Mag e Dolur, duas meninas! - e ele, varão único! Esquecendo o desaponto e as imposições do protocolo, pois Washington Luís havia reco­mendado os viajantes aos presidentes dos outros estados, esta é a grande viagem do escritor, mostrando a coexistência harmônica de todos os sentidos que Viagem tem para ele. É a integração no espaço novo, frui­ção; é o sobressalto da ausência e a trans-viagem da criação e ao âmago de sua criação. Vencidas as resistên­cias, não vai; sente-se, como Ulisses, "levado". Como ele, assume, todavia, seu destino. A viagem do Turista Aprendiz dura três meses, estendendo-se "pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia e por Mara­jó até dizer chega", como conta o sub-título do diário que Mário escreve. O registro do viajante não visa as in­formações; acolhe antes o lúdico; nega o ufanismo ao constatar o desmesurado, a hipérbole - em nível de uma realidade bem diversa da que lhe era familiar - evitando sempre a classificação "exótico". Está dentro,

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procura fazer parte. Respeita as interpretações mágicas populares e ao inusitado que testemunha, solda o in­sólito da ficção: o caso da torneirinha de mel, o da praia das gaivotas, o dos excursionistas perdidos na praia do Madeira, para lembrar poucos ... O humor é a marca do diário em que o cronista-relator parodia Caminha, a mentira do Barão de Münchausen, o discurso sério dos viajantes, e o cronista-narrador abre seu vôo. O lú­dico está sempre ali; absoNe acontecimentos como o sermão veemente sobre o Juízo Final, com a trombeta do anjo tangendo a humanidade para a balança da justiça divina. Posto entre as duas meninas, Mag e Dolur, apelida-as Trombeta e Ba lança. Compraz-se com a paródia. O diário, futuro livro, é o registro impressionista, a crônica moderna que historia o cotidiano com graça e lirismo, ao mesmo tempo que se torna o confidente do "anti-viajante", respeitando revelações, medo e êxtase. O trabalho, além da dimensão da trans-viagem fic­cional, detém-se nas manifestações do folclore da região a que o diário dá carona e que as cadernetinhas de bolso vão guardando.

O Turista Aprendiz é também o Fotógrafo Aprendiz de Kodak em punho, no exercício de sua arte. Geometri­za, procura p lanos, não teme o close, a figura de costas; estuda a luz, imprime o humor nos instantâneos. Mais tarde, ao colocar legendas no verso das fotos, o poeta se junta ao fotógrafo, achando rimas, trocadilhos, imagens. Em 1927 a viagem enquanto ausência/permanência recebe da fotografia sua talvez mais bela expres­são. Do deck do vaticano, Mário de Andrade fixa sua sombra nas águas do Madeira e pergunta: "Que-dê o poeta?". Narciso à beira de seu melhor espelho, um rio da Amazônia, sublima a impossibilidade de ser de lá. Logo em seguida, no Arari, na ilha de Marajó, cuja civilização perdida reverencia, as sombras são duas - ele e o "Bufálo vil" . Postando-se ao lado do animal a que repugna, Narciso se conforma. O trocadilho da legenda reforça a estranheza e a inadequação atribu ídas: o búfalo é o anti-boi que gosta da lama e macula a pureza amazônica. No espaço eleito está também, inexorável, sua realidade de homem do Tietê lamacento, rio anô­malo que não desagua no mar, cheio de contradições. A sombra é a alma deste Narciso. No próximo ano de 1928, de volta a seu meio, a Kodak capta, na terra, um contorno de gigante que merecerá o título camoniano "Sombra minha" ...

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Apesar de seus presságios, o Turista, aprendiz assustado da magia da viagem, vai seguro. Deslumbra-se com Vei, a Sol; a iara, dona ausente, aparece-lhe. Mário, no entanto, pertence à comitiva da Rainha do Café, por ele apelidada Manacá e Nossa Senhora do Brasil ... Voltará a São Paulo, aos seus. Será turista mais uma vez. Escre­verá, escreverá sempre, pelo resto de sua vida. Seus temas e obcessões de artista foram batizados no Grande Rio. MACUNAíMA, tal qual Dionísio, completa-se na confirmação amazônicai a épica acompanhará, utopia submersa, a sátira amarga. A poesia ganhará maior dimensão estética e humana. Mário se conscientizará da fragmentação de seu ser, dos "trezentos, trezentos e cincoenta" namorando espelhos de águas - Amazonas e Tietê - e alçados a ambições européias, Pirineus. Mas, contido em seus páramos, as caiçaras da permanên­cia, ele, poeta, será o Boi Paciência, símbolo do povo e da unidade do Brasil, elo com os ritos e mitos do re­nascimento da terra em todas as culturas. O Boi que pertence a Armida, que tem acesso ao paraíso ... Na via­gem sem ausência, o poeta será a síntese, "branco na necessidade imperiosa de serl", abrangente, como o "sol de ouro branco, claro, mui claro, claríssimo" do Turista. Solou Vei, capaz de irmanar os povos da Améri­ca, novos e antigos, aos chins e indianos, a todos os donos do pensamento em estado de poesia que· re­criam o mundo na sensibilidade, a cada passo. Aquele que, ousada mente defendera a "Divina Preguiça" em 1918 e que fizera de Macunaíma um orfeu apaziguando os males, compreenderá na Amazônia o direito ao ócio criador. A preguiça como força de resistência contra a reificação do homem. (6) Na Amazônia, "exílio da preguiça elevada", o ser se despojará da carga de pecado, a sensualidade será liberta e a poesia mergu­lhará na contemplação do tempo, da alegria e da dor. Sob a constelação da Ursa Maior, o Grande Saci, a uto­pia, da mesma forma que o sol branco, abre-se para o hemisfério norte e sinaliza um caminho para o Brasil. A criação de Mário de Andrade atinge o universal. A importância das manifestações da cultura popular anima o Turista Aprendiz a empreender em 1928 uma se­gunda viagem. Se pegara, por acaso, a melhor época para a coleta folclórica do Norte, o meio do ano da re­novação da terra nas chuvas, agora, planeja cuidadosamente o trabalho que deseja fazer no Nordeste. Vai em dezembro, quando as festas marcam o solstício do verão, e fica até o Carnaval. Atende ao convite dos ami­gos de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba, modernistas e interessados também em canto-

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ria, danças dramáticas e religiões afro-brasileiras. Viaja como cronista do DIÁRIO NACIONAL, obrigando-se a enviar diariamente textos para a coluna "O Turista Aprendiz". Ausência justificada, limita a intensidade do fruir-e não alcança grande altura na trans-viagem da criação ficcional ou poética. Sobressaem o cronista de jor­nal, em um de seus melhores momentos, e o pesquisador rigoroso (que se nega como tal). Trabalhando inten­samente, de manhã até à noite, pauta de música à mão, caderninhos, sentado ao piano acompanhando canta­dores, indo a todos os lugares onde houvesse função ou festa popular, admitido no catimbó, Mário de Andra­de consegue coligir uma impressionante documentação: música de feitiçaria, benditos, romances, aboios, bumba-meu-boi, chegança, reisado, maracatu, grande número de cocos. Encanta-se com o poder de criação do coqueiro Chico Antonio, da Paraíba, a quem valorizará como um orfeu brasileiro, desafiando o Diabo. De volta ao estúdio, tem anos de trabalho pela frente, dedicados ao preparo de uma obra de fôlego sobre a mú­sica e a cultura popular do Brasil - NA PANCADA DO GANZÁ. Coloca o material colhido em contato com suas leituras, constrói teorias a seu respeito. Não logrará, entretanto, concluir o projeto. Oneyda Alvarenga, a discípula dedicada, é que providenciqrá a publicação póstuma da documentação recolhida, pondo de pé esta grande obra do folclore. Mário poeta, no nordeste, lucra seu guia ... No catimbó tem seu corpo fechado e será protegido por Mestre Carlos, o deus­menino da jurema. Completará o "Brasão" daquele "que veio do imenso rio" e ascenderá ao exílio da pregui­ça elevada no "Rito do Irmão Pequeno". Esta viagem, bem classificada como "etnográfica", será a úitima ausência grande de Mário de Andrade. De­pois, as saídas com voltas rápidas - estação de águas, conferências, pesquisa no SPHAN. E a recusa dos con­vites para visitar o Rio Grande do Sul, a Argentina, os Estados Unidos. Esta última receberá na "Última canção de Dixie" seu estribilho racionalizador: "No. 1'11 never bel In Colour Line Land." (7) A transferência para o Rio de Janeiro, entre 1938 e início de 1941 é, de fato, uma espécie de desterro em que a negação da ausência adquire, na fuga, uma força de morte. Deste modo, o fecho do diário de 1927 é aplicado à vida. Mário-Xavier de Maistre fecha sua porta por dentro, surdo às sereias da partida, trans-viajando ...

TELÊ PORTO ANCONA LOPEZ

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Vamos, irmão pequeno, entre palavras e deuses, Exercer a preguiça, com vagar."

"Rito do Irmão Pequeno" - III-V-VII-IX

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"Não sou daqui venho de outros destinos Não sou mais eu nunca fui eu decerto Aos pedaços me vim - eu caio! - aos pedaços disperso Projetado em vitrais nos joelhos nas caiçaras Nos Pirineus em pororoca prodigiosa Rompe a consciência nítida: EU TUDOAMO."

o Carro da Miséria - I

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"Não vos trago a fala de Jesus nem o escudo de Aquiles, Nem a casinha pequenina ou a sombra do jatobá. Tudo escondi no caminho da corrente de preta. Mas eu venho das altas torres trazido ao facho do Grão Cão, Lábios, lábios para o encontro em que cantareis fatalmente, Ameaçados pela fome que espia atrás da cochilha, A dor, a caprichosa dor desocupada que desde milhões de

existências Busca a razão de ser."

"Dor". In : A COSTELA DO GRÃo CÃO

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"EU SOU AQUElA QUE DISSE: Raça culpada, a vossa destruição está próxima! Pois não vedes o sangue dos crepúsculos? Não vedes o novo dia das auroras! Falai!. .. Falai!. .. Falai!. .. Falai! "

"CAFÉ"

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"No jacutá de preto véio Tem uma festa de Yaô ... Tem filha de Ogum, de Oxalá de Yemanjá Mucamba de Oxósse caçador Ora viva Nanam, Nanam Burocô ...

Yaô ... Yaô No terreno do preto véio Yáyá Vamos saravá A quem mE;U pai? Xangô ... "

"YAÔ" - PIXINGUINHA.

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"Visto assim do mar, o Rio iluminado da noite é alucinante. Uma alucinação que se mexe com rapidez, pra ser bem expl ícito. Me deixo levar. A água geme oleosa, pesadíssima, refletindo de­vagar a iluminação assanhada das praias. Se sente festa nas praias, estão dando por aí um grande baile romântico, me suge­rido pela ilha Fiscal. Um Creso impossível de tão rico, dono do "trust" norte-americano do açúcar, porque do açúcar! está rece­bendo em seu Castelo dos Pirineus a Rainha de Sabá. Telegra­mas mandando comprar todos os candelabros iluminados do mundo e buscar nos Estados Unidos todos os jazes de negros autênticos. Passam exércitos de criados correndo com bande­jas cheias de sorvetes porque está bastante calor. A Dama das Camélias se debruça no janelão baixo que dá sobre as águas e brinca de guspir. Se percebe mais longe o Barão de Rothschild, o rei da Bélgica e um marajá não sei da onde assoprando em apitos de prata brilhantes. Nos terraços passam, meio indiscerní­veis, Paolo e Francesca, Paulo Prado, Tristão de Ataíde e Isolda, Wagner, Gaston Paris, Romeu e Julieta, etc. olhando pras estrelas que estão de fato esplêndidas de saúde, tomando sorvete por­que faz bastante calor. Dança-se loucamente no Largo do Ma­chado na Lapa, na Praça Onze."

o Turista Aprendiz - 11 de Maio de 1927

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"Não posso mais ... Nunca ousara Pensar cajás, explosões de melões, Mulatas, uvas pisadas, Ai, Guanabara, Tuas noites fatigadas ... Me derramo todo em sucos Malucos de ilhas Molucas. C.) As noites não são bem noites, As músicas são cansaços Açoites De convites, bocas, mar, Ai ares da Guanabara, Vou suspirar ...

"As Cantadas" - in: Remate de Males

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"É a escureza suave Que vem de você, Que dissolve em mim." C .)

Poemas da Negra - 111

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"Não sei por que espírito antigo Ficamos assim impossíveis ...

"A Lua chapeia os mangues Donde sai um favor de silêncio E de maré. És uma sombra que apalpo Que nem um cortejo de castas raínhas Meus olhos vadiam nas lágrimas. Te vejo coberta de estrelas, Coberta de estrelas, Meu amor! (..J

Poemas da Negra - I

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"Grito imperioso de brancura em niim ...

"Êh coisas de minha terra, passados e formas de agora, Éh rítmos de síncopa e cheiros lentos de sertão, Varando contracorrente o mato impenetrável do meu ser ... Não me completam mais que um balango de tango, Que uma reza de indiano no templo de pedra, Que a façanha do chim comunista guerreando, Que prantina de piá, encastoado de neve, filho de lapão.

"São ecos. Mesmos ecos com a mesma insistência filtrada Que ritmos de síncopa e cheiro do mato meu. Me sinto branco, fatalizadamente um ser de mundos

que nunca vi. Campeio na vida a jacumã que mude a direção destas

igaras fatigadas E faça tudo ir indo de rodada mansamente Ao mesmo rolar de rio das aspirações e das pesquisas ... Não acho nada, quase nada, e meus ouvidos vão

escutar amorosos Outras vozes de outras falas de outras raças, mais

formação, mais forçura. Me sinto branco na curiosidade imperiosa de ser."

"Improviso do Mal da América"

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"Minha boca é o peixe macho e derramo núcleos de amor pelas ruas.

Que irão fecundar os ovários da vida algum dia."

"Dor"

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"Mas eu não posso me sentir negro nem vermelho! De certo que essas cores também tecem minha roupa arlequinal,

. Mas eu não me sinto negro, mas eu não me sinto vermelho, Me sinto só branco, relumeando caridade e acolhimento, Purificado na revolta contra os brancos, as pátrias, as guerras,

as posses, as preguiças e ignorâncias! Me sinto branco agora, sem ar neste ar-livre da América! Me sinto só branco, só branco em minha alma crivada de raças!"

"Improviso do Mal da América". In: Remate de Males.

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"Não tem mais malefício nem da ter­ra nem das águas, nem de por baixo da terra nem dos ares que me ve­nham atentar, estou de corpo fecha­do. Mestre Xaramundi desceu pela rama da jurema, limpador de 'maté­ria' (corpo) e me alimpou. Mestre Fe­lipe Camarão, heróico, Camarão 'com batedor', 'vingador', 'sangüina­dor' e graças a Deus! 'vencedor' e brasileiríssimo, me tomou sob a pro­teção dele. E a bonita Nanã-Giê, cu­randeira, que trabalha no fundo do

mar me... veronafizou pra todas as gripes e mais doencinhas da garoa paulista. E Mestre Carlos, o 'flor da noite', esse rei laiá e rei Nãnã, o 'que que aprendeu sem se ensinar', esse, com seus 12 anos desmaterializa­dos, pernambucano filho de amazo­nense, esse, safadinho e brincador, único mestre que é permitido rir nas sessões, Mestre Carlos é quem prote­ge pra todas as horas de todos os dias o brasileiro que vos escreve agora."

o Turista Aprendiz - Natal, 28 de dezembro

de 1928.

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"Também já estou popular aqui. Vivo dum lado pra outro em busca de quanta festa, quanta Chegança, quanto Boi se ensaia, quanto coco se dança, levando pra casa quanto cantador encon­tro ... Outro dia eu passava, um homem-do-povo cotucou o par-

ceiro, me mostrando: "- Esse é o dotô de São Paulo que veio studá Boi ... Se riram."

o Turista Aprendiz - Natal, 6 de janeiro, 22 horas.

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"Do fundo das imperfeições de tudo quanto

o povo faz, vem uma força, uma necessida­

de que, em arte, equivale ao que é a fé em

religião. Isso é que pode mudar o pouso das

montanhas."

Na Pancada do Ganzá - Prefácio

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"Tu que inventaste as asas alvinhas dos anjos E a figura batuta de Satanás; Tu, tão humilde e imaginoso Que permitiste ísis guampudÇl nos templos

·do Nilo, Que indicaste a bandeira triunfal de Dionísio

pros gregos E empinaste Tupã sobre os Andes da América ...

(..J "Louvemos o que permanece através das festan­

ças virtuosas e dos gozos ilegítimos! Louvêmo-Io sobre tudo! Louvêmo-Io · com todos

os instrumentos e todos os ritmos! ... "

"Carnaval carioca". In: Clã do Jabuti .

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ANTONIO VISCARRA: O CONSTRUTOR DE MÁSCARAS

Por Wendy McFarren

Faces esculpidas de demônios portando olhos penetrantes e chifres retorcidos, um velho e grisalho espanhol de nariz adunco e as fa­ces cicatrizadas de índios Chunchu penduram-se na sala de espera de Antonio Viscarra. Bancos longos, almofadados com antigos te­cidos bolivianos, circundam o piso cimentado do pequeno recinto e dúzias de faces observam silenciosamente na meia-escuridão, aguardando para serem usados nas festividades das danças tradicionais. Um velho de 72 anos, sofrendo de reumatismo, entra na sala vagarosamente; suas reações são lentas e suas pernas inchadas estão do­loridas. As rugas em seu rosto aimará escuro refletem o passar dos anos e seus olhos brilhantes mostram o ainda vivo talento e a curio­sidade de um artista. Suas valorosas mãos permanecem firmes e fortes apesar dos anos. Com uma leve curvatura ele apresenta a sauda­ção de um homem modesto e pobre. Senta-se numa dura cadeira de madeira e principia a relatar sua própria estória assim como a história das máscaras que constrói. Esse construtor de máscaras, ou. Maestro, vive numa rua de terra nos flancos do canyon de La Paz; nas proximidades da agitada Aveni­da Buenos Aires e distante do setor cosmopolitano da cidade. Mulheres Aimarás vestindo saias "pollera" de diversas camadas e cha­péus tipo coco, transportam seus bebes às costas, em chales "aguayo" multicoloridos, enquanto vendem frutas e verduras nas calça­das. As imagens e os sons sugerem uma mistura de dois mundos: vozes aimarás pechinchando, micro-ônibus superlotados se esfor­çando para subir as íngremes colinas, amontoados de batatas e "chuno", uma batata desidratada, aguardando, para serem vendidas e índios transportando enormes volumes nas suas costas. Viscarra é um dos mais antigos construtores de máscaras de La Paz e seu trabalho ajudou a restaurar a tradição das máscaras nas dan­ças bolivianas, a qual vinha definhando. Enquanto outros artistas criam máscaras com adornos de características tão barrocas que per­dem sua forma original, Viscarra principiou novamente a utilizar os moldes de mais de 100 anos de idade que seu avô utilizava. Seu trabalho foi exibido por toda a Boi ívia e viajará à Europa e outros países das Américas do Norte e do Sul. O que é mais importante, ele está transferindo seu conhecimento a seus filhos; a autêntica cultura boliviana não irá perecer. O Maestro inicia o relato da história de sua vida com os ocasionais lapsos de memória de um ancião. Ele é surdo de um ouvido e o volume da conversa é um tanto alto. Aos quatorze anos ele ficou orfão e foi adotado pelo avô, José Maria Morales, um construtor de máscaras que aprendera o ofício com seu pai e com um imigrante italiano que havia sido contratado para restaurar a Catedral da Vir­gem de Copacabana. O pai de Morales passou-lhe a arte da construção de máscaras mas foi o italiano que o ensinou a polir e a dar o retoque final em seu trabalho. Ele lutou na Guerra do Pacífico e faleceu em 1922 ou 23 com mais de 100 anos de idade. O avô de Viscarra deixou-lhe os antigos moldes e disse-lhe para guardá-los com cuidado porque um dia lhe seriam úteis. O Maestro os guardou por 50 anos sem utilizá-los. Durante a mostra de máscaras, que percorreu a Bolívia em 1984, Viscarra usou os moldes e recriou as máscaras originais, belas pela sua simplicidade, por sua artesania e pelo seu valor cultural. As máscaras produzidas a partir desses mol­des antigos, encontram-se atualmente recuperando seu prestígio e importância. Numa atitude da mesma importância, Morales ensinou seu neto a acrescentar detalhes e a refinar seu trabalho, esclarecendo que só então ele se tornaria um construtor de máscaras. A transferência desse valoroso talento para seus filhos é de grande importância para Viscarra: sua filha, neto e seu genro são atualmen­te capazes de construir as máscaras. Ele entretanto esclarece que o tempo não lhes permite se dedicarem às máscaras em regime de período integral, porque necessitam de outros empregos para sustentarem suas famílias. Porém, quando se encontram livres nos finais de semana, eles o auxiliam. Se errarem, ele os faz repetir a obra; ensinou-os também a acrescentar o retoque final.

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HISTÓRIA E TRADiÇÕES DAS MÁSCARAS BOLIVIANAS SEGUNDO VISCARRA

o velho construtor de máscaras começa a contar a história de algumas das danças que produz. Narra como as coisas eram no passa­do e como são atualmente.

A "Diablada"

As antênticas tradições dessa dança, que representam um sincretismo de duas religiões e culturas, foram iniciadas por volta de 1920. Anteriormente a essa data ela era dançada por apenas três grupos: os matarifes, criadores de gadoi o fraternidade, cujos membros eram mineiros, e os Tobas. Os três dançavam em honra à Virgem de Socavon, a Virgem das minas nas cavernas. Tratava-se de uma ce­lebração puramente religiosa e não de um carnaval, tal como posteriormente se tornou. Para essa cerimônia religiosa, cada mineiro tinha que doar dinheiro para que fosse adquirida uma lhama gorda. Levavam em seguida a lhama à mona para presenteá-Ia ao demônio, o "tio". O presidente responsável pela "challa," uma oferenda à um deus, conduzia a lhama para dentro. Uma mesa repleta de doces e coca era preparada para representar tudo que a Terra necessitava. Era feita uma ho­menagem ao "tio", proprietário de todo o metal, de maneira de que ele viesse a existir em abundância. Em nome do "tio" eles prin­ciavam a "chalar" as veias, pedindo-lhe para ajudá-los e dar-lhes mais metal. O "curandeiro", o xamã, assumia. Ele degolava a lhama e espargia seu sangue por toda a caverna. Os líderes o seguiam e abençoavam a caverna. O "curandeiro" invoca então os "Achachilas", ou proprietários da Terra, e lhes oferecia a mesa com os doces. Apenas o melhor "curandeiro" podia se comunicar com os "Achachi­las". Malu Jillimani, proprietário de todos os bancos e minas, o principal "Achachila" (a palavra significa avô). O curandeiro conversa com os espíritos dos "Achachilas" e dizia: "Trouxe-lhe isto para que tenhamos metal, e para que não tenhamos desastres." O espírito "Achachila" responde, agradecendo o curandeiro pela oferenda e pela comida. Os espíritos alimentam então a Terra. Após essa cerimônia, é iniciada a parte cristã quando o Arcanjo Miguel chama os sete demônios expulsos do paraíso e que foram os últimos inimigos de Deus Criador. Os sete diabos representam os Pecados Mortais e eram no passado representados de maneira dife­rente. Os dois principais demônios são Lúcifer e Satanás. Lúcifer era representado por três faces simbolizando a Trindade do Inferno: pai, filho e espírito santo. O Demônio desejava se igualar a Deus. A frente é vermelha, um lado é azul e o outro verde. Satanás é o segundo demônio que possui apenas uma face verde e Ruskel é o terceiro. A ARROGÂNCIA é a face negra de um tigre. A AVAREZA é a face púrpurea de um macaco. A ZANGA é um animal feroz, como um leão, e sua cor é dourada. A GULA é um animal com cabeça de prata e a PREGUiÇA possui uma face vermelha. O último personagem, porém um dos mais importantes, é a Supay da China, a mulher do demônioi sua máscara é natural. O Arcanjo chama pelos nomes dos demônios, perguntando onde eles se encontram e eles respondem individualmente: "estou aqui." O Anjo os pune e os atira para fora das minas. Então é iniciada a dança. Dois outros personagens secundários, o urso e o condor, os acompanha. Viscarra comenta então as mudanças por que tem passado a Diablada na atualidade. Hoje em dia os demônios são muito adornados e torna-se muito difícil distinguir um do outro. Não se pode mais definir as faces do tigre ou do leão. São todas parecidas. O diálogo entre o Anjo e os Demônios atualmente ocorre durante o terceiro ou quarto dia num estádio.

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Danzanti

Essa dança de homens usando grandes máscaras verdes foi herdada dos espanhóis. Com a Conquista, os espanhóis trouxeram sua cul­tura e suas tradições. Uma de suas danças era a dos "Gigantofles", grandes máscaras usadas durante as comemorações do Corpus Christi. Os índios adotaram essa dança, acrescentando-lhe algumas características diabólicas que acompanham a grande máscara. A celebra­ção sofreu modificações em algumas áreas. No passado, o jovem mais forte e bem comportado era escolhido para ser o Danzanti e durante os de oito a 15 dias que precediam a dança era presentado com uma grande quantidade de comida, bebida e mulheres. O dançarino comia e bebia tanto que literalmente explodia e morria. Atualmente esses costumes mudaram em algumas regiões e o dan­çarino não conta mais com tais privilégios. A grande máscara é a figura mais proeminente da dança. Após 1955, os índios principiaram a usá-Ia no tipo de suas cabeças e não mais nos rostos. Sobre uma peruca branca e um chapéu de palha contendo uma lata encontra-se a enorme face verde com grandes orelhas e adornada com pequenos espelhos. A cabeça está decorada com grandes penas multicoloridas. O Danzanti veste um casa­co em estilo espanhol do século XVIII que lembra uma batina, e uma saia de múltiplas camadas.

Kusillo

A máscara "Kusillo" (macaco em aimará) é construída de retalhos de tecidos e possui chifres coloridos projetando-se de sua parte su­perior. Os dançarinos transportam um lobo recheado enquanto se movimentam comicamente ao som de tambores e trumpetes. Eles são macacos que ridicularizam o homem branco ou mestiço que chamam de "misti." Com essa dança, eles copiam a tentativa do ho­mem branco de conquistar uma mulher indígena. Também ridicularizam autoridades como o padre ou o prefeito.

A interpretação de Viscarra:

Trata-se de uma dança cômica pré-colombiana dos Incas. Com a face adornada por um pano esfarrapado e com chifres e carregando um lobo recheado, os índios dançavam em honra ao sol, ao Rei, Manco Kapac e Mama Occlo. O inca chamava todo seu povo de di­versas comunidades para a celebração que era realizada ao amanhecer. Os dançarinos curvavam-se perante o rei e solicitavam permis­são para darem início à sua dança cômica e alegre. A dança conserva muito de sua pureza e a máscara não mudou.

Os "Chunchos"

A máscara dessa dança guerreira representa um rosto humano normal com ferimentos na testa. É de origem pré-colombiana e invoca as batalhas entre tribos tropicais que os aimaráas andinos chama de "Chunchos". Viscarra conta com duas tribos do império Inca luta­ram pelo poder. Eram liderados por Warisaya, o mais velho, e Kalakataya, o mais jovem e se enfrentaram no nascer do sol no meio da Porta do Sol. Durante a dança, os chunchus lutam com arcos e flechas coloridos e encontram-se vestidos apenas com tangas de penas. Atualmente parecem-se mais com índios norte-americanos e foram substituídos pelos Tobas em Oruro. As faces lembram mais o homem branco do que o índio.

Auki-Aukis

A dança dos velhos do Monte Illimani constitui uma representação cômida das pessoas de idade na sociedade. Sua origem é pré-co­lombiana sendo que naquela época era uma homenagem feita pelos índios aos mais velhos. Com a Conquista, entretanto, a dança e a máscara adquiriram características espanholas mas muitas das antigas tradições foram conservadas. Os Auki-Aukis, segundo Viscarra, são espíritos que possuem o pico Illimani, que com suas neves eternas projeta-se acima da cidade de La Paz. O "Curandero" invoca o "Achachila" Mallku Jilimani e solicita permissão para dançar. Todpos os dançarinos se reunem na noite ante­rior ao evento. O "curandero" prepara a mesa e invoca o espírito dizendo: "Mallku, nós o chamamos para que nos dê sua permissão para dançar." Através do xamã, o espírito nomeia todos aqueles que irão dançar e lhes diz para não beberem até uma determinada hora. Eles principiam a dançar vestidos em elegantes casacos com grandes botões feitos de pão e de uma cana com aparência de co­bra. É um evento cômico com homens idosos realizando uma dança com passos inseguros sobre uma cana ao som da música de flau­tas e tambores. A máscara Auki-Auki acentua a excentricidade do mais velho, particularmente do espanhol; ela é construída com um grande nariz adunco, pele cor-de-rosa, cabelos e bigodes grisalhos e um velho chapéu.

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MÁSCARAS DA BOLÍVIA

As máscaras sempre exerceram uma atração especial no ser humano que as usou com fins diversos em todas as épocas da sua história e períodos culturais. Entre as características especiais de uma máscara estão a de ocultar a identidade do indivíduo que a usa, ao que se acrescenta uma mudança de suas atitudes para conseguir uma dissimulação total; ocultamento e mudança que algumas vezes se faz pa­ra se passar por outra pessoa ou com uma finalidade ritual na qual o mascarado tenta adotar a personalidade ou características e atribu­tos do ser ou mito representado pela máscara. Outra característica das máscaras é que são representantes preciosos de uma ou mais tra­dições culturais que nos falam dos homens que as fizeram e as usaram, seu modo de ver a vida, o mundo que os rodeia. A Boi ívia é particularmente rica em tradições populares e artesanais e, dentro das numerosas expressões culturais dessa cultura popu­lar, sua máxima expressão são as máscaras. Esta riqueza possui duas corrente temáticas muito grandes e importantes. Referimo-nos por um lado à tradição pré-hispânica ou pré-colombiana da América e, por outro lado, à tradição européia ocidental trazida pelos espa­nhóis durante a colônia e o vice-reinado que finalmente se assimilaram numa miscigenação cultural de resultados excelentes e insus­peitos, ainda não bem explorados. A tradição pré-hispânica é riquíssima em testemunhos, em toda extensão do continente, do uso de máscaras, como atestam as pintu­ras murais, as cerâmicas e as esculturas, tanto as placas como os relevos, como por exemplo Tiahuanaco que às vezes mostra persona­gens com rostos pintados, outras vezes mascarados total ou parcialmente com adornos de ouro, toucados de tecidos, plumas, peles de animais, etc. Também contamos com descrições detalhadas de alguns cronistas sobre as indumentárias e as máscaras, inclusive re­gistrando-as em desenhos, como Felipe Huaman Poma de Ayala, em cujas obras vemos as fantasias de "veados", de "cadáver repug­nante", de mulheres guerreiras, crianças, capitães etc. Ainda hoje contamos com representantes desta tradição como "chumchos", "to­bas", os "antepassados" dos Chiriguanos, "avós" dos Chiquitos. A tradição européia, e particularmente a espanhola, com características das diferentes regiões e nacionalidades, como os bascos, cata­lães, castelhanos, etc, traz consigo alguns costumes medievais, inclusive alguns celtas, certamente incorporando os costumes e manei­ras do renascimento e posteriormente do Barroco. A presença espanhola em nosso país deixou testemunhos importantes do tipo ceri­monial religioso, como "Diablada", muito rica em máscaras; e outros do tipo usado nas cortes e na tradição, como os "Morenos", o "Bailarino", o "tundiqui", os "Awki-Awki", os "Huaca-Tokoris etc ... É durante o século XVIII que aparece o chamado "Estilo Mestiço" quando se unem as duas correntes e já durante o século XIX se tor­nam como uma coisa só, vista muitas vezes com desdém pelo oficial, que então tinha seus olhos voltados para a França e Inglaterra. É necessário também mencionar como as atuais máscaras folclóricas são herdeiras e guardiãs da tradição da escultura policromada do período colonial. A escultura policromada, arte tipicamente espanhola, está ligada à tradição pré-hispânica das placas e relêvos poli­cromados, ainda que com técnicas diversas; daí decorre o notável êxito que a escultura colonial teve durante os séculos XVI e XVII e posteriormente durante o século XVIII, com a moda do superrealismo e o costume de vestir os santos para que pareçam mais reais,

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adicionando-lhes também olhos de vidro, cílios postiços, perucas, etc. Os escultores só se dedicavam a fazer mãos, manequins e con­centravam sua atenção nas cabeças dos santos. Isto significou também uma decadência da arte e da escultura que mais tarde, durante o século XIX, decaiu mais ainda, especialmente depois da independência do país,' quando se deixou de lado a tradição e, a nível ofi­ciai, se tornou moda a arte neoclássica e acadêmica de estilo francês, cujas esculturas em mármore e bronze eram importadas. A tradi­ção da escultura policromada ficou ligada ao gosto popular, em pequenos santos de devoção caseira e nas máscaras e fantasias po­pulares. As máscaras policromadas do século passado, que ainda existem, mostram a união à arte colonial, mas como a máscara é uma expressão popular, com o tempo foram mudando e distanciando-se, evoluindo até os exuberantes exemplo, plenos de colorido e efeitos, especialmente presentes na "diablada" e "morenada" de hoje. Aspectos técnicos: Pode-se classificar as máscaras de diversas maneiras, de acordo com os materiais, formas, maneiras de sustentar, etci as caretas de expressão fixa, por exemplo, trágicas, cômicas, usadas pelos gregos, que se sustentavam com a mão com uma vare­tai ou o tipo mais usual, como as que cobrem só os olhos ou parte do rosto, comuns nos bailes das cortes européiasi ou máscaras mais complexas que se sustentam sozinhas com um chapéu ou gorro e que costumam formar um conjunto com o ator, mas é neçessá­rio dizer que se experimentaram todas as maneiras possíveis de sustentação, forma e aparência. Os processos de fabricação são muito variados, tanto do ponto de vista dos materiais como das escolas artesanais que existem em cada região identificadas pela maneira de usar esses mesmos materiais, com variações e transformações cronológicas, a partir do que se pode determinar como os construtores de máscaras vão introduzindo reformas e mudanças de acordo com as disponibilidades de materiais ou com os costumes, mudanças que algumas vezes melhoram ou aperfeiçoam e outras pioram e até perdem as técnicas e tradições. Assim, no oriente, tem-se usado e ainda se usa muito as máscaras de madeira, pintadas e adornadas com penas: por ou­tro lado, nas terras montonhosas e nos vales, onde as condições climáticas não deterioram tanto os objetos, usaram-se materiais os mais diversos como lã, palha, couro, pasta de gesso e cola, e mais recentemente OJALATA: uma combinação de vidro, espelhos, pe­nas e perucas, nas mais diversas tonalidades de cores. As máscaras seguiram uma evolução clara, e as mais antigas, que ainda existem, datam em geral do século XVIII e são de prata, apesar de que se continuou a usar este material até meados do século XIX e em algu­mas partes, principalmente em Potosi, tem-se usado máscaras e fantasias completas de prata até princípios do nosso século. Posterior­mente usaram-se as máscaras policromadas e o número de materiais foi se ampliando com o decorrer do tempo. Esta exposição pretende mostrar as máscaras a partir de um ponto de vista fundamentalmente plástico e estético e com um dos mais importantes representantes da cultura popular de nosso país. É preciso, entretanto, fazerem-se estudos detalhados do tipo tectônico­artesanal, antropológico sociológico e histórico para se poder conhecer melhor nossa realidade, nosso passado e para se responder às muitas questões e sugestões que surgem ao se olhar estas máscaras. O mais importante, porém, é chegar à compreensão desta pro­funda relação entre o homem e seus mitos.

Pedro Querejazu Leyton/Diretor do Museo Nacional de Arte, La Paz.

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A Construção de uma Máscara do Diabo

Viscarra explica em seguida, pormenorizada mente, o processo de construção das máscaras. O primeiro passo é formar uma base com dois chapéus de feltro do tipo usado pelos índios Aimarás. Sua cola é removida fervendo­os em águai eles são em seguida esticados, torcidos e secados. No dia seguinte, os chapéus são mergulhados numa mistura à base de cola quente preparada num fervedor duplo e colocados para secar até a remoção completa do líquido. Os dois chapéus são en­tão encaixados em moldes para a confecção do crânio e da face. Com as mãos, o feltro é esticado com firmeza nos moldes e ao se­rem removidos a base acabada é ajustada ao tamanho do cliente. Para os olhos, Viscarra toma duas lâmpadas queimadas e as corde de maneira idêntica utilizando uma técnica que lhe foi ensinada pe­lo seu avô: com uma pequena haste aquecida sobre uma vela ele traça uma linha reta no vidro e em seguida quebra o vidro cuidado­samente. Os padrões cor de fogo são pintados no interior das lâmpadas. Os chifres recurvados são construídos de tecido "toquyo" (de sacos de farinha), costurando-os juntos e mergulhando-os numa mistu­ra à base de cola. São em seguida preenchidos com areia, lacrados, torcidos com o auxílio de uma haste e colocados para secar. No dia seguinte, os sacos recheados são recobertos com gesso de Paris. Com um canudo pequenas quantidades de gesso são sopradas, concedendo textura aos chifres. Quando o gesso estiver seco, a areia é retirada e os chifres são lixados com uma linha. Os pequenos cobras e lagartos que adornam a máscara do diabo são feitos pelo mesmo método empregado para os chifres. O teci­do toquyo é cortado no tamanho adequado, costurado, preenchido com areia, coberto com gesso e colocado para secar. As faces são, entretanto, construídas em moldura. A face é adaptada no espeço vazio do corpo. A boca é feita num molde com gesso e fixada à base construída de feltro também com gesso. Para tornar mais leve a máscara, o nariz e as orelhas são construídas de papelão: Viscarra desenha nele qualquer coisa que deseje, re­corta-o e o mergulha na mistura à base de cola quente. Enquanto ainda está úmido, é ligado à base da máscara, sendo nela costurado com um fio. Ao secar o papelão é moldado lentamente na forma desejada. Viscarra constrói as brilhantes sobrancelhas e dentes cortando isopores através do mesmo processo no qual utiliza a haste e a vela pa­ra construir os olhos. Ele coloca papel num dos lados de isopor de forma que a tinta não venha a se desprender. Os pedaços corta­dos são fixados à máscara com gesso. A fase última e mais importante é a pintura, a qual depende completamente da habilidade do Maestro. Em primeiro lugar a máscara acabada e lixada com uma linha. Aqui ele utiliza uma tinta brilhante mas no passado empregava cores mais opacas e terrenas. Ele acrescenta vermelhos, amarelos e verdes, convertendo uma máscara de gesso branco na face esbraseada de um demônio, a qual, quando concluída, ele adiciona aquele muito importante retoque final.

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Em homenagem a Dom Antonio Viscarra mascareiro insigne e a outros de hoje, ontem e sempre, cujos nomes não conhecemos.

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ORAC/ON PRIMERA AL HACEDOR

Tüsi Wiraqocha, Qany/la qay/la Wiraqocha, Tukuypi kaj Apu. Wiracocha kámai chúrai "Qhari hachun, warmi kachun" Nispa/láraj rúraj. Kamasqayki, churasqayki Qasi/la, qhespilla Kausamuchun. iMaypin kanki? iJawapichu Ukhupichu, phuyupichu, Llanthupichu?

Uyariway, 'j'ay" niway, Yurajyánay pacha kama, Ashka ppunchau kama Kausachíway, marqqaríway. Jatarichiway, Sakkújtiyri chhashkich íway, Maypi kaspapas, Wiraqocha Yaya.

T/JSI WIRAQOCHA

Tüsi Wiraqocha Túkuy rúrai Súnqoy tuta/lapi Qori ráuraj.

Kusi fiawillaykin Paqarichun, Qqofii samayfiiykin Wayrarichun.

Khúyaj maki/laykin Masttakuchun, Wífiayatiykiykin Ttikakuchun.

Causa dei ser, Viracocha, Dios siempre presente, Juez que en todo está, Dios que gobierna y provee, Que crea con sólo decir: "Sea hombre, sea mujer", Que viva libre y en paz EI ser que pusiste y criaste. LDónde estás? LAfuera, O adentro, en la nube O en la sombra?

Oyeme, contéstame, Haz que viva muchos días, Hasta la edad en que deba Encanecer. Entonces, levántame, Tómame en tus brazos y si me canso, auxíliame Doquiera estés, Padre Viracocha.

T/JSI VIRACOCHA

Dios, origen dei Universo, Creador de todo, Oro que arde tan sólo entre la noche Del corazón.

Que la alegría de tus ojos Venga en el alba, Que eI calor de tu aliento Venga en el viento.

Que tu mano magnánima Siempre se extienda Y que tu sempiterna voluntad Sea la única que florezca.

ORAÇÃO PRIMEIRA AO FAZEDOR

Causa do ser, Viracocha, Deus sempre presente, Juiz que em tudo está, Deus que governa e provê, Que cria com o só dizer: "Seja homem, seja mulher", Que viva I ivre e em paz O ser que puseste E criaste. Onde estás? Fora, Ou dentro, na nuvem Ou na sombra?

Escuta-me, responde-me, Faze com que eu viva muitos dias, Até a idade de encanecer. Então, levanta-me, Toma-me em teus braços E se me canso, ajuda-me De onde quer que estejes, Viracocha Pai.

TlJSI VIRACOCHA

Deus, origem do Universo, Criador de tudo, Ouro que arde tão só Na noite do coração.

Que a alegria de teus olhos Venha no alvorecer, Que o calor do teu alento Venha no vento.

Que a tua mão magnânima Sempre se estenda E que a tua vontade sempiterna Seja a única a florescer.

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ARAW/

Morqotúllay Morqotu, Lfullucchállay Lfulluccha, Mana sunqoyki Oqewüchu, Mana Waqaykunki.

Süllállay kaspa, Ohoyállay kaspa, Nusttállay kaspa Una wiquellan Apariwan Yákuy parallan Pusariwan Chay IIÜI/aykita Blkuykuspa Chayajsuykita Ohawaykuspa.

Mananan pachapis Cchisiyanchu, T uta riccharütiypas Manatajmin Pacha paqarindJu.

Qanqa, qhoya, Oanya, SENORA,

Mananachá Yuyariwankichu Kay sankkaypi Puma, átoj Mikhuwajtin Kaypinaspi Wicheqasqa Tiájtiy palia.

ARAWI

Morena mía, Morena, Tiemo manjar, sonrisa Del agua, Tu corazón no sabe De penas Y no saben de lágrimas Tus ojos.

Porque eres la mujer más bel la, Porque eres reina mía, Porque eres mi princesa, Dejo que el agua dei amor Me arrastre en su corri ente, Dejo que la tormenta De la pasión me empuje Ali í donde he de ver la manta Que cine tus hombros Y la saya resuelta Que a tus muslos se abraza.

Cuando es de día, ya no puede Llegar la noche; De noche, el sueno me abandona Y la aurora no Ilega.

Tú, reina mía, Senora mía, i..,Ya no querrás Pensar en mí Cuando el léon y el zorro Vengan a devorarrne En esta cárcel, Ni cuando sepas Que condenado estoy A no salir de aquí, senora mía?

ARI\WI

Morena minha, Morena, Temo manjar, sorriso Da água, Teu coração não sabe Das penas E não sabem de lágrimas Teus olhos.

Porque és mulher mais bela, Porque és rainha minha, Porque és minha princesa, Deixo que a água do amor Me arraste na sua corrente Deixo que a tormenta Da paixão me empurre Ali onde ei de ver o manto Que cinge teus ombros E saia rodada Que a teus músculos se abraça.

Quando é de dia, já não pode A noite chegar; De noite, o sono me abandona E a aurora demora a chegar.

Tu, rainha minha, Senhora minha, Já não quererás Em mim pensar Quando o leão e o zorro Vierem me devorar Neste cárcere, Nem quando souberes Que condenado estou A não mais sair daqui, senhora minha?

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TERCER ARA W/

Urpi uywayta chinkachikuni Uj cchinl/eyl/api. Pajta rikúwai tapukuypuni Kay kkitil/api.

Mil/ay funaymi súmaj uyanpi Qúy//ur sutinmi Pajta pantáwaj ujpa qal/y/anpi, Rikuy suttinmi.

/nti killawan khuska mattinpi Nánaj kajcheypi, Khuskan il/anku ujpa sfluttinpi, Ancha kusipi.

TERCER ARA WI

En un paraje deshabitado perdí de pronto A la paloma que me crié. Búscala siempre por estos vallesi tal vez te sea Dado encontraria.

Es una cumbre de seducciones su hermoso rostro. Se Ilama Estrella. Una como ella no hay en el mundo, pues son sus ojos Fuentes de luz.

Luna y Sol, juntos en lo más noble De su esplendor, Surgen rivales sobre su frente, yes infinito Su regocijo.

TERCEIRO ARA WI

Numa paragem deserta perdi de repente A paloma que me criei. Procura sempre por estes valesi Talvez te seja dado encontrá-Ia.

É um cume de seduções teu lindo rosto. Chama-se Estrela. Outra como ela no mundo não há, Pois são teus olhos fontes de luz.

Lua e Sol, juntos no mais nobre Do seu esplendor, Surgem rivais sob sua fronte, E é infinito seu regozijo (...)

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"O que vem fazer na minha boca um beijo A mulher da Boi ívia agarrando Um penacho de viúvas restritas Restritas mas não restrutas Que o papagaio repassa e põe na vida ... "

o Carro da Miséria - I

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GLOSSARINHO Para melhor acompanhamento das festas e ritos po­pulares, tomamos por guia Mestre Luís da Câmara Cascudo em suas definições. (Dicionário do Folclore Bra­

sileiro. 2.a ed. INL, 1962)

AFOXÉ - Rancho negro do carnaval. Os negros se trajam prin­cipescamente e cantam canções em língua africana, geralmen­te em nagô .... BOIÚNA - Mboi, cobra, una, preta, o mais popular dos mitos amazônicos. Alfredo da Mata (Vocabulário Amazonense): "Co­bra escura, a Mãe-d'água, de tanto destaque no folclore ama­zonense por transformar-se em as mais disparatadas figuras: na­vios, vapores, canoas ... Ela engole pessoas. Tal é o rebojo e ca­choeiras que faz, quando atravessa o rio, e o ruído produzido, que tanto recorda o efeito da hélice de um vapor. Os olhos quando fora d'água semelham-se a dois grandes archotes, a desnortear até o navegante. Os acontecimentos os mais inve­rossímeis são atribuídos à boiúna" (67). Parece ter sido origem de um ciclo mítico. (...)

Quem a vê fica cego, quem a ouve fica surdo, quem a se­gue fica louco. A Boiúna, entretanto, ainda toma outras formas. Se engana a humanidade, mascarada de navio de vela, tam­bém a engana no vulto de transatlântico. Em noites calmas ... rompe a solidão o ruído de um vapor que vem. (...)

A Boiúna é uma rainha amazônica sem desejos de emigra­ção para outras regiões. C .. )

BONFIM - O Senhor Bom Jesus do Bonfim na igreja do mes­mo nome, bairro de Itapagipe, cidade do Salvador, Bahia, é centro de tradicional e popularíssima festa em janeiro de cada ano, reunindo dezenas de milhares de pessoas, com alto inte­resse etnográfico e folclórico. É a mais ampla, intensa e curiosa festa religiosa baiana, atraindo visitantes e devotos dos esta­dos vizinhos. CJ

Itapagipe fica a uns seis quilômetros do centro da cidade. Ca­da janeiro, à velha maneira portuguesa das romarias, com arraial de barraquinhas, foguetes do ar, bebidas, ranchos, cantos, ban­deiras de papel, gente enfeitada por dentro e por fora, amôres, andanças individuais e coletivas, desafios (descantes e desgarra­das), enfim a romaria portuguesa do Minho, o espetáculo inte­ressa a todos os ângulos da observação. C.)

A segunda e a sexta-feira no Bonfim deixaram fama de alegria delirante pela presença dos ranchos, danças, músicas. Manuel Querino deixou uma página curiosa evocando a segunda-feira

do Bonfim (335). Outro elemento para a sugestão do povo foi a identificação do Senhor do Bonfim com o maior dos orixás ioru­banos, Orixalá ou Oxalá, que tem templo africano em cima de monte, o monte Oqué. Os negros são fanáticos pelas festas do Bonfim. As razões serão múltiplas, sabendo-se a tentação irresis­tível da música, dança, movimento associativo, de todas as delí­cias da comunicabilidade, sobre o negro. C.)

BUMBA-MEU-BOI - Boi Calemba, Bumba (Recife), Boi de Reis, Boi-Bumbá (Maranhão, Pará, Amazonas), Três Pedaços (Porto da Rua, Porto de Pedras) em Alagoas, Folguedo do Boi, Reis do Boi em Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro (Macedo Soa­res), sendo a primeira denominação a mais vulgar e geográfica­mente conhecida. Bumba é interjeição, zás, valendo a impres­são de choque, batida, pancada. BUMBA-MEU-BOI será "Bate! Chifra, meu Boi!" voz de excitação repetida nas cantigas do au­to, o mais popular, compreendido e amado do Nordeste, o "folguedo brasileiro de maior significação estética e social" pa­ra Renato Almeida.

A figura poderosa do touro tem a mais diversa e prodigiosa bibliografia no domínio mítico, hinos védicos, lendas hindus, tradições brâmanes, iranianas, turianas, eslavônicas, germâni­cas, escandinavas, francas, celtas, gregas, latinas que Angelo de Gubernatis (4) compendiou e debateu com suficiência e paixão assim como Frazer (5) através dos cultos agrários. O touro, o boi, (Zeus, Poseidon, Dionisius: imagem da potência fecundante; atributo solar e lunar égide da conservação física; sagrado no Egito, Caldéia, Fenícia, Creta, Cartago) mereceu figu­rar nos préstitos, engalanado, festejado, divinizado, e uma so­brevivência é sua participação material em cerimônias religio­sas da Igreja Católica, com intervenção sacerdotal, o Boi de São Marcos (25 de abril), levado aos templos, assistindo a mis­sas perto do altar-mor, acompanhado pelos fiéis numa devo­ção indiscutível. (...) O BUMBA-MEU-BOI vem a ser um mago te de indivíduos, sem­pre acompanhados de grande multidão, que vão dançar nas casas, trazendo consigo a FIGURA DE UM BOI, por baixo da qual oculta-se um rapaz dançador. Melo Morais Filho (21), ou­tro apaixonado, não estimula curiosidade maior: - O BUMBA­MEU-BOI é o divertimento da gente de pé rapado. Mas acres­centa: Tirai da véspera de Reis o BUMBA-MEU-BOI, e ficai cer­tos de que roubareis à noite da festa o que ela tem de mais popular em todo o norte do Brasil, e de mais nosso, como assi­milação de produto elaborado. (.)

O BUMBA-MEU-BOI é um auto de excepcional plasticidade e o de mais intensa penetração afetuosa e social. C.)

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CARNAVAL - Foi, até meados do séc. XIX, o entrudo brutal e alegre que Debret pintou e de que todos os velhos recordam. Pelo norte, centro e sul do Brasil o movimento era igual. Água, farinha do reino, fuligem, goma, ensopando os transeuntes. Água molhando famílias e ruas inteiras, em plena batalha. Cria­dos, outrora escravos, carregando bilhas, latas, cântaros, para suprimento dos patrões empenhados na guerra. CJ

Nenhuma crônica grega superava essa explosão de vida dio­nisíaca, arrebatada, furiosa e brutal em sua espontaneidade. Juntem-se os aspectos violentos e bestiais de pilhérias, denún­cias, histórias infamantes improvisadas no momento e gritadas como proclamações radiosas, enfim outro traço evidente da corredela do entrudo português. Do ponto de vista folclórico e etnográfico, o carnaval é um índice anual de sobrevivências e elementos reais da psicologia coletiva, adia!1i~amento ou atra­so educacional, não falando nas revelações que a psicanálise permite verificar em massa. Música, indumentária, alimentação, vocabulário, elevação ou pobreza espiritual são trazidos ao al­cance do estudo e da observação durante as setenta horas car­navalescas. CJ

FOLCLORE - É a cultura do popular, tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e processos utilitários que se valorizam numa ampliação emocional, além do ângulo do fun­cionamento racional. A mentalidade, móbil e plástica, torna tra­dicional os dados recentes, integrando-os na mecânica assimi­ladora do fato coletivo, como a imóvel enseada dá a ilusão da permanência estática, embora renovada na dinâmica das águas vivas. O folclore inclui nos objetos e fórmulas populares uma quarta dimensão, sensível ao seu ambiente. Não apenas con­serva, defende e mantém os padrões imperturbáveis do enten­dimento e ação, mas remodela, refaz ou abandona elementos que se esvaziaram de motivos ou finalidades indispensáveis a determinadas seqüências ou presença grupal. CJ

Não apenas contos e cantos, mas a maquinaria faz nascer há­bitos, costumes, gestos, superstições, alimentação, indumentá­ria, sátiras, lirismo, assimilados nos grupos sociais participantes. Onde estiver um Homem aí viverá uma fonte de criação e di­vulgação folclórica. C.)

GANZÁ - Canzá ou caracaxá, espécie de maracá indígena, é um cilindro de folha-de-flandres, fechado, e com um cabo. Contém grãos ou seixos, que soam, agitando-se. Na Bahia, o gan­zá se chama amelê, e por ganzá se conhece uma caixinha, de 0,10 por 0,15, em cuja parte superior se coloca um arame enros­cado. Com uma haste de ferro, onde se enfiam cápsulas de fe­char garrafas, de sorte a ficarem tilintando, se atrita o arame. CJ

No Nordeste há o côco de ganzá, cantado pelo coqueiro, quase sempre meio improvisação, meio memoriado, no rítmo de um ou dois ganzás, balançados nas mãos. Leonardo Mota (Sertão Alegre, Belo Horizonte, 1928) registrou algumas embo­ladas de ganzá, legitimíssimos côcos de ganzá:

Saco, saco, Bizaco, saco de chumboi Minha mão não sai do prumo Na pancada do ganzá. Ai meu ganzá! Que custou mil e seiscentos! Ele tem merecimento, Cada ponta um maracá!

Minha senhora, Vontade também consolai Macaco toca viola Porém não bate ganzá! Eu sou disciplo De Romano e Serrador, Sobe da terra um calor Quando eu balanço o ganzá!

GUERREIROS - Auto popular no Estado de Alagoas. Pertence ao ciclo do reisado, aparecendo pela mesma época. C.)

Compõe-se de elementos de velhos reisados, e finaliza pe­lo bailado do boi. O "guerreiros" a que assisti em Maceió, ja­neiro de 1952, tinha como figurantes: rei, rainha dos guerreiros e rainha da nação, mestre e contra-mestre, primeiro e segundo embaixadores, o índio Peri, a lira, general, sereia, dois palhaços e dois Mateus, num total de 30 e 45 participantes, damas, guer­reiros, etc. Eram dois grupos de "guerreiros", que se exibiram sucessivamente, com chapéus maravilhosos, imitando cate­drais, coroas, tiaras, mitras, em espelhos aljôfares, miçangas, fi­tas prateadas, num conjunto policolor e sugestivo. A coreogra­fia é pobre, e os instrumentos constavam apenas de sanfonas (uma para cada grupo) e vários pandeiros. O mestre é o orien­tador das cenas, que são uma sucessão de atos sem ligação te­mática. No "guerreiros", registrado por Artur Ramos, havia elen­co muito maior, com o rei dos caboclos, dois contraguias, es­trela, borboleta, caboquinho, governador, velho, dançador do "entremeio", etc. As cenas capitais são: a morte da lira e sua ressurreição e a luta de espada do índio Peri com os vassalos dos guerreiros. É vencido, preso e libertado, dançando com sua rainha. O boi surge no final, em rápido bailado. C.)

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CANDOMBLÉ - Festa religiosa dos negros jeje-nagôs na Bahia, mantida pelos seus descendentes e mestiços. Lugar onde esta festa se realiza. Macumba no Rio de Janeiro. Xangô em Alagoas e Pernambuco. Sede religiosa do culto negro, com o barracão onde as "filhas-de-santo" cumprem sua longa iniciação sob a di­reção do pai-de-santo ou mãe-de-santo. Terreiro. (...)

IEMANJÁ - Mãe-d'água dos iorubanos. Orixá marítimo, a mais prestigiosa entidade feminina dos candomblés da Bahia. Recebe oferendas rituais, e festas espaventosas lhe são dedica­das, indo embarcações até alto-mar atirar presentes, às vêzes animais vivos, como cavalos, e outrora crianças brancas foram sacrificadas. Protetora de viagens, teve o processo sincrético das deusas marinhas, passando a ser Afrodite, Anadiômene, padroeira dos amores, dispondo uniões, casamentos, solu­ções amorosas. Sua sinonímia é grande: Janaína, dona Janaína, Princesa do Mar. Princesa do Aiocá ou Arocá, Sereia, Sereia do Mar, Oloxún, dona Ma,ria, Rainha do Mar, Sereia Mucunã, Inaê, Marbô, Dandalunda (Edison Carneiro, Negros Bantos, 72, Rio de Janeiro, 1937). lemanjá, a mãe de todos os orixás, a mãe de tudo que existe sobre a face da terra (idem, 73). Quem vi­ve do mar ou depende de amores é devoto de lemanjá. No quadro dos orixás, organizado por Donald Pierson, lemanjá personaliza água salgada, a concha do mar é seu fetiche (era a pedra marinha no tempo de Nina Rodrigues); tem o leque e a espada como insígnias; seus alimentos sagrados são o pombo, o milho, o galo, o bode castrado; as cores rituais são verme­lho, azul escuro e cor-de-rosÇl; as contas usadas pelas filhas são pingos-d'águai as pulseiras de alumínio; sábado é o dia sa­grado, e o grito que a identifica, quando utiliza uma ékédi, é hin-hiyemin! Convergem para lemanjá orações e súplicas no es­tilo e rítmo católicos. É Nossa Senhora em várias invocações, Candeias, Carmo, Piedade, Virgem Santa, etc. Protege, defen­de, castiga, mata. Vezes se apaixona. Tem amantes que leva para o fundo do mar. Nem os corpos voltam. É ciumenta, vin­gativa, cruel, como todas as égiaes primitivas. (...)

Nos candomblés e xangôs é representada, no salão exterior das danças, como uma sereia. (...)

JUREMA - Árvores da família das leguminos§s CAcacia Jurema, Mart), a comum ou jurema-branca, e (Mimosa nigra, Hub) a jure­ma-preta. Os pajés, sacerdotes tupis, faziam uma bebida da ju­rema-branca, que passava por dar sonhos afrodisíacos. Era bebi­da sagrada, servida em reuniões especiais e secretas. O proces-

so de sua fabricação não foi revelado. Das raízes e raspas dos galhos, os feiticeiros, babalorixás pernambucanos, os mestres do catimbó, os pais-de-terreiro dos candomblés de caboclo na Bahia, fazem uso abundante. Até o século XIX beber Jurema era sinônimo de feitiçaria ou prática de magia. (...)

MARACATU - Grupo carnavalesco pernambucano, com pe­quena orquestra de percussão, tambores, chocalhos, gonguê (agogô dos candomblés baianos e das macumbas cariocas), percorre as ruas, cantando, dançando sem coreografia espe­cial. Respondem em coro ao tirador de loas, solista. Sempre foi composto de negros em sua maioria. É visível vestígio dos séquitos negros que acompanham os reis de congos, eleitos pelos escravos, para a coroação nas igrejas e posterior batu­que no adro, homenageando a padroeira ou Nossa Senhora do Rosário. Perdida a tradição sagrada, o grupo convergiu para o carnaval, conservando elementos distintos de qualquer ou­tro cordão na espécie. Diz-se sempre nação, sinônimo popu­lar de grande grupo homogêneo, e os títulos têm sabor primiti­vo: Nação de Porto Rico, Nação de Çambinda Velha, Nação do Elefante, Nação do Leão Coroado. A frente vão rei e rainha, príncipes, damas, embaixadores, dançarinas (vestidas de baia­nas) e indígenas com enduapes e cocares emplumados. Não há enredo. Trata-se de um desfile no rítmo dos tambores re­boantes. Abrem o préstito duas negras trazendo as calungas, um homem, o Príncipe Dom Henrique, e uma mulher, a Prince­sa Dona C/ara, ou apenas esta, bailando pela mão da conduto­ra e recebendo as dádivas do povo. Chamam. a Dama do Pa­ço, quando esta carrega apenas uma boneca, um calunga, e vai dançando e saudando com a boneca, pedindo, mudamen­te, dinheiro. A intenção da boneca fetiche ou atributo majestá­tico foi tema discutido. O cortejo é o mais luxuoso, relativa­mente, de todos os conjuntos pobres, com lantejoulas, espe­lhos, aljôfares, colares, turbantes, mantos, abundância de ador­nos, de fazendas brilhantes. Uma característica nos velhos ma­racatus do Recife (há também no Ceará e pelo interior de Per­nambuco, na zona da mata) é o grande chapéu-de-sol verme­lho, rodando sempre. Ascenso Ferreira registrou que: Esse cha­péu-de-sol tinha no mínimo três cores e era adomado com franjas ou rendas, bem como todo circulado de espelhos, que luziam ao sol. O chapéu-de-sol acompanhando inseparavel­mente o rei é elemento árabe, ainda típico na África setentrio­nal. Significa o Sol protetor. (...)

O maracatu é uma sobrevivência dos desfile processionais africanos. (...)

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NOTAS DO TEXTO DE TE LÊ PORTO ANCONA LOPEZ

(1) GUIMARÃENS FILHO, Alphonsus de, org. - ITINERÁRIOS. São Paulo, Duas Cidades, 1974, nota 27, p. 29-30.

(2) A conferência, feita na Congregação Mariana de Sta. Efigênia da que Mário pertencia, foi publicada pela REVISTA DO BRASIL, n.O 49-50. Rio de Janeiro, jan.-fev. 1920, sob o título "A arte religiosa no Brasil".

(3) "Desgeograficar" é neologismo do autor, presente em nota para o Prefácio (inédito) de MACUNAíMA.

(4) O insólito, a viagem pelos rios anotando locais onde pontes deveriam ser construídas, a casa habitada por milhões de baratas, a referência ao Imperador como Papai Grande. Neste último caso, Macunaíma, escrevendo às amazonas alude ao Presidente da Re­públicai o Imperador - do Mato Virgem - é ele próprio!

(5) BANDEIRA, Manuel, org. - CARTAS A MANUEL BANDEIRA. Rio de Janeiro, Simões, s/d., p. 134i carta datada de 6 de abril de 1927.

(6) V. ANDRADE, Mário de - A DIVINA PREGUIÇA. A GAZETA, São Paulo, 3 set. 1918. (Recortes - Arquivo Mário de Andrade - IEB - USP)

(7) O poema inédito é publicado no CORREIO PAULISTANO, quando do primeiro aniversário da morte de Mário de Andrade. (São Paulo, 24 fev. 1946)

FONTES

ANDRADE, Mário de - MACUNAíNA O HERÓi SEM NENHUM CARÁTER. Edição crítica de Telê Porto Ancona Lopez. LTC, 1978. IDEM - O TURISTA APRENDIZ. Estabelecimento de texto, introdução e notas de Telê Porto Ancona Lopez. S. P., Duas Cidades, 1977. IDEM - POESIAS COMPLETAS. Edição crítica de Dilea Zanotto Manfio. (Originais no prelo da Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1985)

KAZ, Leoneli LOPEZ, Telê Porto Ancona e MONTEIRO, Salvador - A IMAGEM DE MÁRIO. Rio de Janeiro, Alumbramento, 1984.

KLEITON E KLEDIR - VIRA VIROU.

LOPEZ, Telê Porto Ancona e PAULlNO, Ana Maria - FOTOGRAFIAS DO ARQUIVO MÁRIO DE ANDRADE: CATÁLOGO. São Paulo, Projeto Inventário do Arquivo Mário de Andrade, IEB-FAPESP, 1984. (datilografado).

MORAES, J.A Leite - APONTAMENTOS DE VIAGEM. São Paulo, ed. do A, 1882.

Agradec i mentos

À FAMíLIA MÁRIO DE ANDRADE E, ESPECIALMENTE, À GENEROSIDADE DE D. MARIA DE LOURDES MORAES ANDRADE CAMARGO i a Ana Maria Paulino e Marcella Camargo pela colaboração na pesquisai a Marcelo e Vera, pela companhia.

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FOTOS DO ARQUIVO MÁRIO DE ANDRADE - IEB - USP * Fotos de Mário de Andrade, Fotógrafo Aprendiz e retratos

1 - "Abrolhos - 13 maio 1927." 2 - "Lado da mesa no almoço da lancha-Passeio ao Chapéu

Virado-Belém - 22 Maio 927." 3 - "Passeio ao Chapéu Virado-Belém, Maio de 1927." 4 - "Mercado-Belém - 23 Maio 927." 5 - "Mercado de Ver-o-peso - Belém - 23 de Maio 1927." 6 - Os viajantes no Grande hotel de Belémi 24 maio 1927." 7 - Grupo no Grande Hotel de Belémi 24 maio 1927. 8 - "Mercado em Belém - Maio 1927." 9 - 'Veneza em Santarém - 1927 - (É o hotel) - 31 de Maio.

To be or not to be Veneza/ Eis aqui estão ogivas de Santarém."

10 - "Curumins de Óbidos/ 1 de Junho de 1927." 11 - "Tapuios de Parintins - 2 Junho 1927." 12 - "Futurismo pingando - 7-VI-27." 13 - "Enchente. - 7-VI-27 - Perto de Manaus." 14 - "Na lagoa do Amanium - perto do igarapé de Barcarena.

Manaus - 7-VI-27. Minha obra prima." 15 - "Coari -11-VI-27 - Alto Solimões - Manacá, Trombeta

e Balança." 16 - "Aposta de ridículo em Tefé - 12-VI-27." 17 - "Assacaio - 17-VI-27 - o mais alto é enegrecido pintado

de jenipapo." 18 - "Crilas de Assacaio - 17-VI-27. Alto Solimões - ... 0

homem que tirou fotografia da gente'. " 19 - "Eu voltando do passeio por Assacaio -17-VI-27.

Monstro à mostra." 20 - "Dolur lançando setas peruanas - Alto Solimões - Junho

27. Corista." 21 - "Eu tomado de acesso de heroísmo ... peruano - 21-VI-27.

Netuno." 22 - Mário de Andrade em Iquitos. 23 - Os viajantes à porta do cinema de Iquitos. 24 - Iquitos. 25 - "Embarque de mogno - Nanay - Peru 23-VI-27." 26 - "Maloca huitota por trás - Nanay 23-VI-27." 27 - "Subida no trenzinho que vai bairros afastados de Iquitos

- 24-VI-27." 28 - "Trem-bonde de Iquitos." 29 - "O buquê de Iquitos com Dona Olívia. Nossa Senhora

dos buquês - 25-VI-27." 30 - "Partida de Iquitos - 25-VI-27. Viva el peru." 31 - "No São Salvador - 1927." 32 - "Sol na cara do Peru - 26 Junho 27 - Alto Solimões." 33 - "Amor e Psiquê no Solimões - Junho - 1927. Canova 1927." 34 - "Foto futurista de Mag e Dolur sobrepostas às margens do

Amazon'as - Junho de 1927 - Obcessão."

35 - "Boniteza tapuia. De fato ela era mais bonita que o retrato. S.Salvador - 1-VII-27. A Vênus do milho."

36 - "Rio Madeira - Retrato da minha sombra trepada na tolda do Vitória - Junho 1927. Que-dê o poeta?"

37 - "Eu diante dum tronco de sumaúma entre Sto.Antônio e Porto Velho, nos limites entre Amazonas e Mato Grosso -11-VII-27. Diaf. 1 Sol 3-16 e 30."

38 - "Sacos de sernambi pra embarcar no barracão Coimbra -16-VII-27. Madeira-Sol 4 Diaf. 1."

39 - "Procisão de Nossa Senhora em Porto Velho - 15-VII-27 -Professorinha e Grupo Escolar Barão do Solimões. Diaf. 2 Sol 1."

40 - "Eu em Santarém - rio Amazonas - 24-VII-27 - Diaf. 1 Sol 1 das 12."

41 - "Caiçara pra embarque de gado - S.Joaquim-Marajó -29-VII-27 - diaf. 1, sol 1 das 16."

42 - "Mario de Andrade - S.Joaquim-Marajó, 29-VII-27 - diaf. 1 sol 1 - Búfalo vil."

43 - 'Vaqueiro marajoara - Tuiuiú - 30-VII-27 - Sol rúim, diaf. 1." 44 - 'Vai boi! Tuiuiú-Marajó - 30-VII-27 - diaf. 1 sol 2. O Boi:

Será que esta gente imagina que sou o Jaú? ... " 45 - "Dolur na vista marajoara - 2 32-VII-27 - diaf. 2 ou sol 1." 46 - "Mar do Brasil, velas do Brasil - 3 Agosto de 1927." 47 - "Roupas freudianas - Fortaleza 5-VII-27 - Sol 1 diaf. 1.

Fotografia refoulenta - Refoulement." 48 - "Sombra minha. 1-1-28. Sta.Teresa do Alto." 49 - Rosário Fusco - 1928. 50 - Mário de Andrade - 1932. (Foto de Gilda de Moraes

Rocha [Mello e Souza])

(*) As legendas que Mário de Andrade escreveu no verso das fotos estão entre aspas.

"FESTAS DO DIVINO EspíRITO SANTO"

Filmado em Moji das Cruzes. Dia 30 de maio de 1936 por Mário de Andrade. Produção Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo/Discoteca Municipal Registro de CONGADA e CAVALHADA Filmado em Bitola 9,5 - Preto e Branco 1 rolo de 60 metros

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OTAVIANO R. DE ARAÚJO -BABALORIXÁ­

Abença meu Pai

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