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A história de um se faz com a de muitos. Raimunda, Joquinha,João, Meirinha, DiJesus, Dominguinhos e Priscilasão alguns dos nomes que ajudam a dar sentido a uma vida chamada Luiz. Se é no outro que nossa existência se amplia, se prolonga, ganha significado, então estesencontros entre Gonzaga e seus conterrâneos, compadres,comadres e conhecidos, narrados aqui pelo repórter e fotógrafo Chico Ludermir, só alumiam a ideia de que um mito também se constrói com vidas comuns. No caso de Gonzagão, isso parece ser ainda mais verdade, já que sua existência passa pela ideia de um Nordeste tão próximo da gente. Que a leitura do especial “Encontro com Luiz” leve você, então, pra bem junto dele, como são estes narradores achados por Chico. Olívia Mindêlo Gestora de Comunicação da Secult-PE

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Cem anos se passaram desde que Luiz Gonzaga che-gou. Quase 25 que ele se foi. O tempo longo só asse-gura a importância dele para o Brasil. Do Exu para o mundo, Gonzagão levou a música do seu lugar a um país que ignorava a cultura sertaneja nordestina. Com talento, dedicação e um dedo de sorte, Gonzaga se tornou astro nacional e figura sagrada do sertanejo.

Em dezembro de 2012, uma série de comemorações em homenagem ao centenário do Rei do Baião tomou sua cidade natal e Recife. Foram seis dias de festa organizados pelo Governo do Estado de Pernambu-co, através da Secretaria de Cultura (Secult-PE) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Per-nambuco (Fundarpe). Shows, mostras de audiovisual, apresentações de teatro, dança, exposições, encontro de poetas, mesa de glosa, oficinas, workshops, semi-nários, palestras: tudo celebrando Luiz.

Este livro vem para continuar as homenagens ao Per-nambucano do Século. É mais uma forma de manter

viva a história de Luiz Gonzaga. Quem participou da festa “Viva Gonzagão” pôde celebrar e relembrar Luiz. Pôde também ver, em especial no Exu, como se man-tém vivo o cenário cantado pelo seu cidadão mais fa-moso. Lugares, bichos, plantas, pessoas e lembranças presentes na vida de Gonzaga ainda estão lá.

A publicação, dividida em duas partes, é iniciada com a série de reportagens especiais “Encontro com Luiz”. Em sete textos, a série traz a possibilidade de conhecer Lua através das lembranças dos seus conterrâneos, amigos e admiradores. A segunda me-tade deste caderno é uma compilação das notícias veiculadas no site www.gonzaga100.com durante os festejos do centenário, que contaram com shows de Gilberto Gil, Dominguinhos, Elba Ramalho, Fagner e muitos outros.

O leitor, desta forma, tem em mãos um documento de me-mória. Se, para alguns, a saudade se remedia cantando, para outros, se contorna lembrando e fazendo livro.

Chico LudermirEditor

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...o Rei do Baião foi responsável por ressignificar a imagem

do nordestino - e, mais especificamente, do sertanejo - para um Brasil que ignorava a

cultura do Norte e do Nordeste.

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Quando Luiz Gonzaga nasceu, numa fazenda da Zona Rural do município do Exu, ninguém imaginaria a po-tência de transformação que Santana tinha carregado no ventre por nove meses. Aquele que veio a se tornar o Rei do Baião foi responsável por ressignificar a ima-gem do nordestino - e, mais especificamente, do ser-tanejo - para um Brasil que ignorava a cultura do Nor-te e do Nordeste. Além de mostrar que havia beleza e arte em outra metade do País, Gonzagão tornou-se um astro, popular como poucos na história da música. “Estourou” em todo o Brasil.

Parece impossível deduzir o que acontecerá em 100 anos. O futuro reserva tantas surpresas. Quem pensaria que, um século depois, um pernambucano, exuense estaria entre os mais importantes da história da música brasi-leira? E nos próximos? O que o próximo século cultuará?

Abrem-se duas ruas de reflexão, que coincidem com dois dos mais importantes papéis do Estado enquanto fazedor da política cultural. O primeiro é o de construir um contexto para que outros ar-tistas pernambucanos possam construir uma obra de transformação, pessoal e social. E é por isso que a Secretaria de Cultura do Estado de Pernam-buco se esforça para colocar luz nos artistas, se-jam eles da capital ou do interior, da música, do cinema ou do artesanato.

O segundo é homenagear e celebrar, reconhecer e aprender com o passado. E foi por isso que or-ganizamos a festa do Centenário de Luiz Gonzaga com tanta dedicação, e conseguimos fazer uma comemoração histórica do centenário de Luiz Gonzaga no Exu e no Recife.

Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco

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E56 Encontro com Luiz / textos Chico Ludermir ; fotos Chico Ludermir e Costa Neto ; projeto gráfico, diagramação e ilustrações Adeildo Leite. – Re- cife : Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco, 2013. 67p. : il.

Obra editada com encadernação em vê, título da capa “Gonzaga 100”.

1. SAFONEIROS – PERNAMBUCO – HISTÓRIA. 2. GONZAGA, LUIZ, 1912-1989 – COMEMORAÇÕES. 3. SERTANEJOS – PERNAM- BUCO – DEPOIMENTOS. 4. GONZAGA, LUIZ, 1912-1989 – BIOGRA- FIA. 5. GONZAGA, LUIZ, 1912-1989 – FOTOGRAFIAS. 6. GONZAGA, LUIZ, 1912-1989 – OBRAS ILUSTRADAS. 7. SERTANEJOS – PER- NAMBUCO – VIDA E COSTUMES SOCIAIS. I. Ludermir, Chico, 1989-. II. Neto, Costa. III. Leite, Adeildo.

CDU 78.071.2 CDD 780.92

PeR – BPE 13-344

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A história de um se faz com a de muitos. Raimunda, Jo-quinha, João, Meirinha, DiJesus, Dominguinhos e Prisci-la são alguns dos nomes que ajudam a dar sentido a uma vida chamada Luiz. Se é no outro que nossa existência se amplia, se prolonga, ganha significado, então estes encontros entre Gonzaga e seus conterrâneos, compa-dres, comadres e conhecidos, narrados aqui pelo repór-ter e fotógrafo Chico Ludermir, só alumiam a ideia de que um mito também se constrói com vidas comuns. No caso de Gonzagão, isso parece ser ainda mais verdade, já que sua existência passa pela ideia de um Nordeste tão próximo da gente. Que a leitura do especial “Encontro com Luiz” leve você, então, pra bem junto dele, como são estes narradores achados por Chico.

Olívia MindêloGestora de Comunicação da Secult-PE

As vidas que cabem em Luiz

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ÍNDICE

16 A SORTE DE RAIMUNDA

28 O CASAMENTO DE MEIRINHA

20 DE TIO PARA SOBRINHO

32 O REI E O SANFONEIRO ENCABULADO

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44 OUTROS ENCONTROS

40 QUASE, PRISCILA

24 UM GONZAGA POR MERECER

36 PARA LEMBRAR GONZAGA E DOMINGUINHOS

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A Sorte de Raimunda

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Em 1912, na noite de 13 de dezembro, dia de Santa Lu-zia, caiu uma estrela que clareou o quarto de Madrinha Santana. A mulher que tinha acabado de parir ficou com o fato na memória. Era um sinal de que o seu menino teria sorte na vida. O nascido ganhou o nome de Luiz, como tantos que vêm ao mundo no dia santo, e cresceu numa vida tipicamente sertaneja da primeira metade do século 20. Vida igualzinha à de Raimunda de Souza, nar-radora desta história com ares de realismo fantástico. Aos 77 anos, Raimunda ainda mora na Fazenda Araripe, no Exu, onde, durante boa parte da vida, viveu Januário e Santana, além do próprio Luiz Gonzaga, filho do casal.

“Deus deu uma boa sorte a ele. E, graças a Deus, a vida dele foi boa”, conta a senhora, baixinho, como que em segredo. O tom de sussurro revela muito: uma voz fraca, cansada, própria da idade; uma vergonha casada com humildade que quase impediu que ela subisse o olhar; uma calma dos que vivem na zona rural da pequena Exu, silenciosa, tranquila; e até um pesar por não ter tido a mesma sorte.

Raimunda nasceu na Fazenda Águas Belas, administra-da por Sincinato Sete, que também era dono da Araripe. Naquele regime híbrido, Seu Sincinato era, ao mesmo tempo, patrão e parente. “Ele era o chefe, mas era da fa-mília também”, explica. De lá, ela se mudou para Monte Belo, até que chegou à casa em frente à de Seu Januário e Santana. Viveu a vida inteira da agricultura: na roça das terras dos outros, plantando e colhendo milho, fei-jão, algodão, e no duro trabalho de fazer corda de caroá.Hoje em dia, aposentada, é a cuidadora da igreja da fa-zenda da qual ela mostra a chave, toda orgulhosa.

Por Chico LudermirTexto e fotos

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se arrume pra ir pro Araripe que compadre Gonzaga che-gou”, disse Júlia pra filha. E foram. Quando as duas che-garam na Fazenda Araripe, Luiz Gonzaga estava sentado numa cadeira de Bodocó, tocando. Quando ele viu Júlia, foi logo se animando: “Comadre Júlia! Comadre Júlia!”, e começaram a palestrar, como se diz por lá.

Essa é a primeira lembrança de Raimunda com o primo. De um Luiz Gonzaga feliz de ter voltado depois de um longo tempo longe da terra natal. E chegava cheio de novidades. Desde que tinha saído, já tinha servido às forças armadas, no Ceará, e depois feito fama no Rio de Janeiro. “Em frente àquela casinha rosa, eu o vi tocando durante muito tempo. Ele era novo e eu achava ele boni-to”, conta com um sorriso tímido.

“Tá vendo aquela casinha da frente rosa? Ali foi a casa que ele chegou. Ali está a janela em que ele bateu cha-mando”. E reconta a história:

“Quando ele bateu na janela, Januário veio com o cande-eirinho aceso abrir a porta:− Quem é? −− Sou eu, Gonzaga, seu filho.

“Eu nem sabia que tinha esse pessoal por aqui”, começa ela se justificando, se referindo à reportagem. “Eu moro ali do lado do armazém”, aponta, sinalizando que vive também na frente de uma casa rosa, para onde Luiz Gon-zaga voltou em 1946, depois de 16 anos distante de casa. Por morar ali, a senhora lembra com riqueza de deta-lhes do seu conterrâneo mais célebre. “Recordo de tudo como se eu estivesse vendo”, assegura, ao mesmo tem-po em que revela seu parentesco com o Rei do Baião. Ja-nuário era primo legítimo de Manuel Jerônimo, pai dela.

“Eu digo que sou prima não é pra juntar, não. É porque ele me considerava, mesmo. E não é nada de mais”, afir-ma quase com medo de ser desacreditada. Além disso, Júlia, mãe de Raimunda, e Luiz Gonzaga eram compa-dres. “Vocês não sabem não, mas, na época de São João, tem essa história de um tomar outro por compadre en-quanto a fogueira tá queimando”, explica, bem explica-do, falando da tradição de batismo nos festejos juninos.

No dia em que Luiz Gonzaga voltou pro Exu, episódio re-latado na gravação da música “Respeita Januário”, Rai-munda estava na roça, apanhando feijão. “Minha filha,

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Aí tio Januário disse:−− Isso é hora de chegar em casa, moleque? Santana, Gonzaga chegou! − Aí ficou todo mundo satisfeito.”

Raimunda já ouvia muito falar de Gonzaga. Um primo que tinha ido embora por ter se engraçado por uma moça de família mais rica. Os pais não queriam que o romance fosse pra frente, porque o Gonzaga era pobre e de pele escura. “Tio Januário deu até uma surra nele, porque não era certo juntar um pobre com uma moça mais ou menos.”

Depois daquele primeiro retorno ao Exu, Luiz Gonzaga, cada vez mais conhecido Brasil afora, voltou diversas ve-zes. Quando ele chegava de viagem, ficava todo mundo animado: “Eita! Gonzaga chegou, Gonzaga chegou! Hoje vai ser bom no Araripe!”. E vinha a turma para assistir.

Dessa época, a prima tem muitas recordações. Um livro

cheinho de fotos e um punhado de saudade de um tempo em que Gonzaga dava festas em sua casa, no Parque Aza Branca, na parte urbana do Exu.

“Lá ele tocava e a gente dançava. Era bom demais aque-le tempo. Lembro também do aperreio quando o carro dele virou e quase que ele morria. Tem até aquela mú-sica que diz assim: ‘Luiz Gonzaga não morreu/ Nem a sanfona dele desapareceu/ Seu automóvel na virada se quebrou/ Seu zabumba se amassou/ Mas o Gonzaga não morreu’. Ele fazia as coisas tudo engraçada...”, relembra com nostalgia.

Já a sorte de Raimunda foi mais ou menos: “Nem tão boa nem tão ruim”. Casou, mas o esposo morreu cedo. Das duas filhas que teve com ele, uma morreu de acidente de carro, a coisa mais triste que ela já viveu. A diversão era quando tinha forró. “Mesmo com o sofrimento, a gente vinha dançar”. Tinha era que ir dançar mesmo. Não teve estrela caindo no dia do nascimento de Raimunda.

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Por Chico LudermirTexto e fotos

A memória de Joquinha Gonzaga está cheia de retra-tos não tirados e objetos não guardados. O sobrinho de Luiz Gonzaga nasceu no núcleo nordestino que o tio construiu no Rio de Janeiro, lugar onde remontou uma realidade sertaneja, muito parecida com a do Exu. Tudo isso para ter os familiares por perto. Mesmo tendo vivido toda a infância e adolescência ao lado de Gonzagão, Jo-quinha nunca se preocupou em guardar nada material. Achava que o tio ia ficar para sempre.

A trajetória do sobrinho está completamente entrelaça-da à de Luiz. E muito antes de vir ao mundo. Do lugar onde nasceu à escolha de sua profissão. Desde quando ganhou seus primeiros trocados, Gonzagão começou a planejar levar toda sua família para o Rio de Janeiro. E assim fez. Logo que pôde, levou Santana e Januário, seu pais, e as quatro irmãs para viverem perto dele. Doi-do que os parentes ficassem, Luiz Gonzaga resolveu o problema. Adaptou a realidade aos seus conterrâneos. Comprou uma terra em Duque de Caxias, em um lugar chamado Santa Cruz da Serra. E os sertanejos lá prepa-raram a terra, começaram a plantar, criar animais e viver a vida como gostavam.

“Quem for se casando, eu dou um pedaço de terra”, pro-meteu o artista às irmãs. E a primeira que se casou foi Muniz. E o primeiro a nascer foi João Januário de Maciel, Joquinha. Lá conviveram irmãos, primos, tios e avós. Ca-sando e morando lado a lado, numa grande vida em co-munidade, em família. “Foi na fazenda, no Rio de Janei-ro, onde eu comecei a viver o Nordeste”, conta Joquinha, lembrando da fase da qual sente muitas saudades. Dos

De tio para sobrinho

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tempos difíceis do Exu, o sobrinho mais velho de Gonzaga só ouviu falar. Viveu uma infância pacata no Rio de Janeiro.

“Tio Gonzaga era uma pessoa perfeita. Fez o pos-sível para adequar a sua vida como artista à de um cidadão comum”, conta Joquinha. “E não tinha ga-nância. Vivia da música. Tinha um coração enorme”. O engraçado, para Joquinha, é que o hoje mítico Luiz Gonzaga era apenas seu tio. Por isso mesmo, nem ele nem ninguém da família se preocupava em guardar nada: nem retrato, nem objetos. “A gente só atentou para isso depois que ele faleceu.”

Gonzaga, no auge da carreira, viajava muito. Passa-va meses fora, mas sempre voltava pra Santa Cruz da Serra para visitar as irmãs. Levava não só notí-cias do Exu, mas também pequi, carne de sol, bode seco, feijão de corda, e fazia farras tocando sanfona e contando história. Vez ou outra, levava também

algum conterrâneo para visitar e comer buchada e galinha de capoeira. Dominguinhos, Trio Nor-destino, Marinês, Jackson do Pandeiro, Noca do Acordeon tocavam forró no Rio de Janeiro como se fosse em Pernambuco.

Foi naquele núcleo nordestino-carioca que nas-ceu e se criou Joquinha. Estudando, tinha pouco interesse pela tradição familiar da música. Mas, um dia, perto dos 14 anos, o tio chegou com uma sanfoninha de presente. “Eu penso que ele achou que eu tinha cara de sanfoneiro e me escolheu. Aí me deu uma sanfona de oito baixos. E eu comecei a tocar”, conta.

Um ano depois, Joquinha já desenrolava bem na sanfona. E ganhou do tio um acordeom. Foi apren-dendo cada vez mais, até nascer como sanfoneiro. Mais um na família. O único dos sobrinhos. A partir daí, todas as vezes que Gonzaga ia dar de presente

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uma sanfona a alguém, primeiro perguntava se Jo-quinha queria trocar. “Se você gostar mais dessa do que da sua, pode ficar pra você”, dizia Lua.

“Aprendi vivendo. Tio Gonzaga me ensinando, me puxando, cobrando e procurando me orientar. E de-pois que ele notou que eu tava tocando, ele come-çou a me levar pros shows”. Foi só após de servir quatro anos no exército que Joquinha entrou mes-mo no circuito. A primeira viagem oficial com o tio foi em 1975, aos 23 anos. Joquinha era chamado para um momento do show de Luiz.

Gravar, somente em 1986. E foi aí que Gonzaga per-cebeu que tinha chegado mais um artista na famí-lia. “Ele notou que eu estava indo bem e me convi-dou para cantar com ele ‘Dá licença pra mais um’, de João Silva”. “A partir daí, eu comecei a voar.”

Mas, em 1989, Tio Gonzaga se foi e ele ficou. Como

representante da família, o sobrinho procura fazer aquilo que o tio ensinou. Há 16 anos, tomou a deci-são de morar no Exu. Uma forma também de conti-nuar conectado com a tradição. “Tenho um carinho muito grande por essa terra que foi tão cantada pelo meu tio. É daqui que eu venho. Gosto do Ser-tão, do povo, da maneira que o povo vive aqui. E aqui eu vou f icando...”

Assim como Joquinha, um dos seus filhos parece ter tido um destino traçado antes de nascer. Luiz Januário, de 6 anos, dorme ao som de um mantra recitado pelo pai: “Você vai ser sanfoneiro, você vai ser sanfoneiro”. “Já comprei até uma sanfona. Tá danado de ele não ser”, brinca. E quando alguém pergunta a Luiz Januário sobre seu futuro, ele res-ponde, sem dúvida: “Eu quero ser baterista.”

“Que baterista, filho da égua? Você tem que ser sanfoneiro”, debocha o pai.

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Um Gonzaga por merecer

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Em 12 de março de 1962, nasceu, sem nome, mais um bebê na Fazenda Araripe. Três dias depois, o neném foi adotado e registrado por Januário e sua segunda mu-lher, Dona Maria. Ganhou seu primeiro nome: João Ba-tista, em homenagem ao santo padroeiro do lugar. Mas, porque com esse nome já havia muitos, João Batista so-mente era pouco. Das Dores, irmã de Januário, gritou de longe: “Vai ser João Batista Januário”, em homenagem ao pai de criação. Assim ficou.

Já mais velho, quando João Batista participava de uma partida de futebol da região, o locutor narrou: “E ago-ra vai passando o atleta João Gonzaga”. O menino ficou meio assustado. Na cabeça dele, carregar esse nome era um orgulho, mas também uma enorme responsa-bilidade. “Pelo amor de Deus! O que eu já procedi para ser João Gonzaga?”, pensou. Mas não teve jeito. Dali em diante, virou João Gonzaga.

Aos 18 anos, o garoto já era, além de irmão de considera-ção, afilhado de Luiz e de Dona Helena, mulher do Rei do Baião. Gonzagão usava da autoridade de padrinho para educar e ralhar com “Joãozinho”. Num dia, lá na Fazen-da Aza Branca, última casa de Luiz, no Exu, o sanfoneiro estava chateado, porque o irmão de consideração tinha batido num jumento. Foi aí que Luiz disse: “Olha, sujei-to” – que era como ele chamava quando estava zangado− – “se você não proceder para ser um homem, eu não vou permitir que você carregue meu nome.”

Aquela frase ficou na cabeça de João. “Como honrar ser um Gonzaga?”, matutou o matuto. “Ser um Gonzaga eu

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nunca fui e nem poderei ser, de verdade. Mas um ‘gon-zagueano’ serei eternamente. Não só admiro, como amo essa família”, conta numa frase que ele parece já ter re-petido para muitos.

O orgulho que carrega, fica demonstrado, é menos pela fama musical e mais pelo carinho por Luiz e Januário, família que o escolheu e ensinou a “onde ouvir, deixar”. Joãozinho, na verdade, tem é uma verdadeira devoção pelos parentes. E chama de “honra” e “permissão de Deus” o acaso que o fez família de pessoas tão célebres. Por isso mesmo, guarda cada singularidade dos 16 anos que passou ao lado do pai e dos 27 que passou com Gon-zaga até o dia de sua morte, em 2 de agosto de 1989.

“Minha infância no Araripe foi um conto de fadas. Me lembro bem de, desde os cinco anos, ir buscar o leite de Januário, a cerca de três quilômetros. Ia até o sítio dos Pereira. Sempre que ia, o pai dizia atenciosamente: ‘João, tome cuidado, moleque’”, lembra. Quando ele vol-tava, o pai estava na cadeira “preguiçosa”, esperando. Aos 50 anos, Joãozinho mora ao lado da Fazenda Aza Branca, numa casa herdada do parente, de onde dá para ouvir todas as músicas das festas em homenagem a Lua. Mas o Gonzaga de coração escolhe não ir festejar. Pre-

fere ficar em casa com as lembranças do pai, que sentava com dedos entrelaçados e repousados em cima da perna.

A moradia para onde ele se mudou exatamente um mês depois da morte de Gonzagão é simples e cheia de recor-dações. Fotos do pai, do irmão e padrinho, e muitos tro-féus ganhados por ele e seu filho em vaquejadas. João-zinho é, acima de tudo, um vaqueiro. Corre boi, aboia e, numa época difícil, chegou a cantar vaquejadas em troca de goles de cachaça.

“Eu, cabrito novo, entrava em qualquer mato para ir res-gatar o boi. Mais por vergonha de perder o boi do que por coragem”, brinca. Voltava todo latanhado (arranha-do das veredas), mas com uma felicidade danada de ter recuperado o gado. No rol dos momentos divididos com o padrinho, está uma passagem de um dia em que estava brincando de botar o boi para correr e o bicho acabou escapando. João voltou tão latanhado que teve que le-var pontos no hospital do Crato. “Você tá bom de tomar um banho de álcool em cima”, disse brincando Gonza-gão. “Quando ele tava bem humorado, era bom demais”, emenda o narrador.

Mas, das histórias, a que João mais se emociona em con-tar é uma acontecida quando ele nem era nascido. Na

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época em que forró ainda se chamava “tocar um sam-ba”, Januário ficou a madrugada na sanfona de oito bai-xos, esperando a hora em que passaria o chapéu para arrecadar seus trocados. Mas, justo quando o momento chegou, iniciou-se uma briga tremenda. Sem dinheiro e com os quatro primeiros filhos em casa esperando para comer, Januário voltou triste como nunca. Pareça inven-ção ou não, o que se conta é que ele avistou, no meio do caminho, uma trouxa com alguns réis e tonhos. Com esse dinheiro, tomou o rumo de casa, passou para com-prar uma cabra gorda e uma cuia de farinha.

Em casa, Luiz Gonzaga esperava acordado. “Olho gran-de, cabeça de papagaio, buchão, feio pra peste”, como ele dizia. Morrendo de fome. “Santana, tu faz um pirão pro meu filho?”, pediu. Ela fez. Gonzagão comeu e, antes de terminar, arriou de fraqueza.

“E mais tarde, dá uma figura daquela: Gonzagão, o Rei do Baião. E a mente fica lacrimejando por saber que a gente é capaz”, se emociona Joãozinho.

João guarda também as desculpas pedidas por Gonza-ga pelas grosserias com o afilhado. Mas o irmão nem se lembrava mais. Não guardava mágoa nenhuma. Para ele, o padrinho e irmão só teve um erro. O de ter partido.

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Por Chico LudermirFotos | Costa Neto e Chico Ludermir

Tudo estava sob a meia luz do candeeiro: a noiva toda pronta, o pai ansioso; na igreja, se remexiam as som-bras desenhadas pela chama das velas. O caminho da casa para o altar era demasiado curto. Não havia cami-nho. Sair de casa era dar de cara com a Igreja de São João Batista. Mas o combinado era que o trajeto fosse feito com a energia elétrica ligada. Seria a primeira vez que a Fazenda Araripe veria as lâmpadas acesas. E jus-to no dia do casamento de Meirinha.

Faltava somente uma autorização vinda de Serra Talha-da para acionar a chave. E veio. Uma efusão em mas-sa ecoou dentro da igreja, onde estavam aglomerados todos os moradores da região. Acenderam-se as luzes. Era a hora. Meirinha abraçou-se com o pai e adentrou naquele momento tão aguardado, ao som da marcha nupcial tocada na sanfona por Luiz Gonzaga ao lado de Dominguinhos. O Rei do Baião escolhera que este seria o presente para a conterrânea que ele vira crescer.

O ano era o emblemático 1968, que ficou marcado também na cidade do Exu como o ano do centenário do Araripe. Depois do casamento, ainda houve duas semanas de festa que Meirinha e o marido Osmar não chegaram a ver, pois saíram em lua de mel. Mas Luiz Gonzaga, o filho mais célebre da região, não só este-ve presente como fez questão de fazer música. Levou a composição “Meu Araripe”, que é tocada até hoje como hino naquela terra.

A letra singela fala dos “grandes” do lugar, como a he-roína Bárbara de Alencar e o Barão Gualter Martinia-

O casamento de Meirinha

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no Araripe. Dessa história lendária, Rosimeire guarda cada detalhe. Aliás, não só dessa. Prestes a completar 70 anos, Meirinha sai puxando com naturalidade os fios de sua memória impressionante e compartilha, na sua forma bonita de contar. Com cada “erre” puxado, serta-nejo, vai emaranhando as lembranças. Muitas delas di-vididas com Gonzaga.

Trinta anos mais nova que o Mestre Lua, Rosimeire Aires de Alencar, em verdade, faz parte da família dos donos da fazenda. Terra que passou do seu avô, Manoel Aires de Alencar (Coronel Manelaires, prefei-to duas vezes da cidade do Exu), para o pai, Clóvis, e seus filhos. Seu Januário e Madrinha Santana eram “agregados”, como se chamavam os trabalhadores que também moravam na fazenda. E todo mundo se tratava por compadre e comadre.

Quando nasceu Meirinha, Gonzaga já tinha ganhado o mundo depois de ter perdido um amor. Ouvia falar do “parente” nos bate-papos nas calçadas, muitas ve-

zes ao lado de uma fogueira para acalentar o frio das noites do Sertão. “Gonzaga tinha ido embora porque tinha arranjado uma namorada e os pais achavam que havia uma disparidade de nível social. Não queriam que Gonzaga levasse avante o namoro com essa moça que se chamava Nazarena, diziam”. E Meirinha escu-tou essa história muitas vezes.

Foi só em meados de 1940 que tiveram notícias con-cretas de Luiz. Certa vez, chegou uma carta dele avisando que estava para assinar contrato com uma rádio no Rio de Janeiro e que tocaria duas vezes por semana. Na casa dos Alencar, tinha um rádio de pilha do qual o compadre Clóvis movimentava os ponteiros todas as terças e quintas.

“O programa começava com um aboio, e a gente logo identificava. O que ele cantava depois era a essência do ser humano daqui do Nordeste. Saudade, alegria, triste-za, fauna e flora, tudo isso Gonzaga cantou. E cantou des-pejando todo um sentimento de exílio”, conta Rosimeire.

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A primeira volta de Luiz Gonzaga pro Araripe aconteceu quando Meirinha era criança. A vontade que ela tinha era de ir pra casa de Comadre Santana e não sair mais de lá. “Mamãe dizia: ‘O pouco parece bom e o muito sempre aborrece’”, lembra. “Mas é que ele pegava a sanfona e aquilo deleitava a gente”, justifica.

A admiração de criança se mantém junto a recordações de uma vida inteira, com momentos bons e ruins. No tem-po da “guerra do Exu”, conflito entre as famílias Alencar, Sampaio e Saraiva, uma pessoa conhecida como Coro-nel Chico Romão arrebentou toda a casa de Rosimeire: portas, janelas, mesas, camas. Levaram joias, dinheiro. “A sorte é que não tinha ninguém na casa, porque era tempo de levar o gado para a Serra (do Araripe).”

Mas, nessa passagem, eles pegaram Seu Januário e arrastaram pelo chão, o que desgostou muito Gonza-ga e foi um dos principais motivos de ele ter levado toda a família para o Rio de Janeiro (como conta Jo-quinha Gonzaga). “Mas você sabe que não se trans-

planta uma árvore velha. Januário e Comadre Santa-na passavam uma temporada por lá, mas logo dava urgência de voltar”, explica.

Luiz Gonzaga sofreu dois acidentes de carro, um que lhe cegou um olho e outro que arrancou um dos dedos da mão de Comadre Santana, sua mãe. “Para se recuperar, o rei fez promessa para Nossa Senhora da Penha e daí veio uma de suas composições bonitas”, conta Meirinha, se referindo ao Baião da Penha.

A última lembrança marcante que Meirinha tem do amigo também vem em forma de canção. No dia do seu último show no Recife, quando Gonzaga tocou o “Xote ecológico”, Rosimeire chorou por duas horas. “Eu não assimilei os problemas ecológicos naquele dia. Assimilei o problema de Gonzaga. Achei que quem tava morrendo, se acabando e que não podia respirar era ele. Eu pensava nele se acabando e a gente ficando sem ele. Dói, né? Afi-nal de contas, ele foi um rei, mas um rei amigo, querido e estimado por todos nós.”

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O rei e o sanfoneiro encabulado

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A primeira e única vez que DiJesus encontrou com seu maior ídolo foi em 1987. Um amigo, Manoel de Exu, ti-nha feito um almoço para Luiz Gonzaga e convidou o compadre. Manoel, de tão abismado que ficou com a presença do Rei do Baião na sua casa, acabou se esque-cendo de apresentar os dois. Depois do almoço, Gonza-ga pegou a sanfona e encantou toda a casa. Mas, quan-do tocou “Vida de viajante”, acabou se atrapalhando no final: “Manoel, eu não vou mais tocar, não. Pega aqui a sanfona que eu já tou errando”, disse. Foi só aí que aconteceu, de fato, o encontro.

− −− Ah, Gonzaga, tem DiJesus, meu amigo, que é um grande sanfoneiro!− − Ele é sanfoneiro?− − É!− −− Prazer.− − Amém −− respondeu atrapalhado, confundido pelo nervoso.− −− Por que você não se apresentou há mais tempo?− −− Seu Gonzaga, eu nasci nos matos e me criei na roça. Tenho muita vergonha de falar com o povo. Não sei fa-lar. Foi por isso... − −− Que é isso? Ninguém é melhor do que ninguém, não. Toque aí.

DiJesus, então, pegou a sanfona e tocou uma de suas composições. “Já noivei, mas não casei/ Veja que negó-cio ruim/ Levei um fora da moça/ E o véio não gostou de mim...”, cantou entoado. Assim que terminou, o san-foneiro foi aprovado. “Vá lá em casa que eu vou gravar sua música. Vou fazer um arranjo e gravar.”

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O dono da casa, aproveitando o embalo, também quis mostrar o que sabia, numa música cuja letra mistura-va cachaça e igreja. “Você, neste instante, disse que ia tomar cachaça embaixo de um pé de caju, e agora já tá dizendo que vai rezar na igreja. Ninguém mistura dois sentidos assim numa música, não. Essa não serve pra mim!”, retaliou Luiz.

Aí Manoel ficou com tanta vergonha que entrou e só voltou depois de uns 15 minutos, descabreado, para a fotografia. “Gonzaga, mandei chamar um fotógrafo pra tirar ‘um foto’ da gente”, disse o anfitrião, mudando de assunto. Ficou de “pareia” com Gonzaga, chamou a mãe, chamou os filhos, tirando foto, tirando foto... Até

que Luiz perguntou:−− Manoel, tu num disse que DiJesus é teu amigo? −− E é. Meu grande amigo, por que não?−− Por que tu não convida ele pra tirar “um foto” junto com a gente?−− Ah! É mesmo, tinha me esquecido...− − Deixe que eu chamo: DiJesus, venha tirar “um foto” junto com a gente. Vá pegar a sanfona. Você vai tirar com a sanfona!

Aí DiJesus pegou a sanfona encabulado e parou: como quem se congela e sente frio por isso. Sem riso, sem pose.

Hoje, menos encabulado, DiJesus mostra a foto. Foi justamente por esses tempos que Luiz Gonzaga foi in-ternado, doente, no Hospital Santa Joana, no Recife. E DiJesus nunca mais encontrou com o mestre. Gonzaga acabou não gravando “Já noivei, mas não casei”. Nem o próprio DiJesus gravou. Não é muito de vaidade...

“Não pude mais falar com ele, mas fiquei muito apai-xonado de ter conversado um dia que seja. Se ele fos-se vivo, era capaz de a gente ser amigo, que a gente

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tem o mesmo jeito.”

E eles têm mesmo. Quem já viu e ouviu gravações de Luiz Gonzaga percebe a semelhança na maneira de contar causos de temática sertaneja.

“A minha cultura era a farinha. Levava de jumento para vender na feira do Crato. Eita sofrimento! Cinco léguas. Botava a carga no jumento, na cangaia, dois sacos en-rolados. Tangia de pés na poeira. Dormia no caminho. Quando descia a ladeira do pé da serra do Crato, tinha um rancho de palha. Armava a rede, dormia e colocava o jumento no cercado. De manhã, escangalhava, bota-va a carga e chegava na feira umas 7h. Às 17h, já estava de volta na Serra do Araripe”, narra DiJesus, lembran-do uma das fases mais difíceis de sua vida, com todos os detalhes.

Mesmo carregando lembranças muito cinzas na baga-gem, DiJesus conta com muitas cores os capítulos de suas memórias. Cores e nostalgia de um tempo que, para ele, era melhor do que o de hoje. Desde o Sitio da União, na cidade do Exu, onde nasceu e morou até os 9, passando pelos longos 20 anos que viveu no Crato, no

Ceará. Limpava a roça de milho e algodão e, por isso, na escola, só ficou três meses (muito diferente dos filhos formados). Aprendeu a escrever estudando somente a “Carta do ABC” e a “Cartilha”.

E se tornou sanfoneiro. Um dos mais conhecidos da ci-dade, com quatro CDs gravados e mais de 100 músicas compostas. “Tem alguns que dizem que eu sou compo-sitor”, comenta com humildade.

Foi justamente com o sanfoneiro de Gonzaga que Di-Jesus aprendeu grande parte do que sabe na sanfona. Mauro tornou-se um grande amigo e companheiro. Um ensinou o outro a caçar. Mauro ensinou DiJesus a tocar, porque sanfona, segundo ele, é uma coisa mais simples do que se pensa.

“Eu tocava meio duro e via ele tocando bem simples. Aprendi um bocado com ele.”

Coincidentemente, Mauro morreu no mesmo ano de Gonzaga. “Foi um prejuízo danado. Fiquei quase doido naquele ano”. E como cantar é o melhor remédio para saudade, DiJesus fez foi música.

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Para lembrar Gonzaga e Dominguinhos

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Fazia pouco tempo que Luiz Gonzaga tinha retornado a Pernambuco depois de 16 anos longe de sua terra natal. Hospedado no hotel mais tradicional da cidade, o Tava-res Correia, Gonzagão se preparava para fazer um show na cidade de Garanhuns.

Na entrada, três meninos se apresentaram para o músi-co que eles desconheciam. Em 1950, Luiz ainda estava no começo da carreira, e os grandes cantores Carlos Ga-lhardo, Vicente Celestino e Francisco Alves é que deti-nham o título de reis na música.

Três irmãos, “Os Três Pinguins”. Moraes, o mais velho, na sanfoninha de oito baixos; Valdomiro, o mais novo, no melê (espécie de zabumba); José Domingos, Domingui-nhos, no pandeiro; O trio apresentou o que havia apren-dido com o pai, Mestre Chicão, sanfoneiro e afinador.

Aquela apresentação despretensiosa mudaria a vida da família, em especial a do irmão do meio - num meandro do destino, ali começou a se formar a ligação forte entre Gonzagão e Dominguinhos, pupilo do Rei do Baião. Luiz Gonzaga deu aos meninos, junto com dinheiro, o seu en-dereço no Rio de Janeiro.

Dado o contexto em que vivia, o agricultor Mestre Chi-cão acabou pegando um pau de arara em 1954 para a capital carioca, onde já morava seu filho mais velho. Fo-ram 11 dias de viagem com apenas um saco de farinha misturada a carne seca e muito aperreio.

Por Chico LudermirTexto

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Chegaram e, quando o sol raiou, seguiram para a casa de Gonzaga, que, generoso, lhes abriu as portas e ainda presenteou Chicão com uma sanfona de 80 baixos. Aos 13 anos, Dominguinhos passou a viver próximo do músico.

“Eu passei a conhecer Luiz Gonzaga. E foi uma época muito boa para mim”, revela em entrevista realizada du-rante a festa em homenagem ao centenário do ídolo.

Com o passar do tempo, Dominguinhos e Gonzaga fo-ram se aproximando cada vez mais. No final da década de 1970, o pupilo chegou a acompanhar o mestre di-versas vezes nas gravações na RCA. Em seguida, pas-sou também a abrir os shows do Rei do Baião. Sempre de olho. Aprendendo alguma coisa, numa relação que mesclou parceria profissional e carinho familiar.

“A facilidade que eu tinha com ele é que eu era um san-

foneiro. Eu ganhava pontos por isso. Mas o mais especial foi a relação que um pai pode ter com um filho. Gonzaga me respeitava muito, e eu muito mais a ele”, fala com olhar de carinho.

Desde a morte de Luiz Gonzaga, em 1989, Domingui-nhos aceitou naturalmente a incumbência de manter viva a imagem do mestre. Seja na genialidade no tocar sanfona, seja na forma arrojada como mesclou o regio-nal e o universal, ou até mesmo nas eternas versões de músicas de Gonzaga levadas nos repertórios dos shows e CDs, Dominguinhos foi herdeiro.

Não por acaso, mas, sim, em um gesto claro de gratidão, o que se viu na ocasião do centenário de Luiz, foi uma dedicação de força e energia para prestar homenagem. “Mais do que nunca, é hora de lembrar Gonzaga”, disse. Mais do que nunca, é hora de lembrar Dominguinhos.

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Na abertura da matéria, Dominguinhos e Luiz (foto: reprodução/dominguinhos.mus.br). Acima, Dominguinhos ao lado de Gonzagão durante um show em 1977 (foto: reprodução/TV Cultura) e Luiz e Dominguinhos em estúdio (foto: reprodução/dominguinhos.mus.br). Na sequência, Dominguinhos, Guadalupe (sua segunda mulher), Fagner e Sivuca durante gravação com Luiz Gonzaga (centro) (foto: reprodução/Rede Globo). E por último Dominguinhos se apresenta no Festival de Verão do Guarujá em 1982 (foto: Álvaro da Costa/Folhapress).

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Quase, Priscila

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Por Chico LudermirTexto e Fotos

Aos 90 anos, Priscila Vicente dos Santos ainda está com a memória quase boa. E sabe disso. É ela mesma que afirma, logo no começo de uma conversa longa, em ritmo de maré mansa, que coleciona lembranças desde seus 4 anos de idade, apesar de já ter perdido muitas. Sentada na sua cadeira de canudos no centro da cozinha de uma casa de três cômodos, contou, com uma voz fraquinha, sem pressa, sobre um tempo lon-ge e sobre muita vida vivida ao lado de Luiz Gonzaga. Uma das mais velhas moradoras do Exu, Priscila traz impressas na pele enrugada as marcas de outro sol.

Nascida no Araripe em 21 de novembro de 1921, Dona Priscila é apenas 9 anos mais nova que o Rei do Baião. Contemporâneos e conterrâneos, ela e Gonzaga guar-dam no matulão das experiências um quase de apro-ximação e outro de distância. Se, por um lado, dividi-ram uma infância na roça quente do Exu, plantando na mesma terra, Priscila ficou quando Gonzaga foi.

Logo depois que Gonzaga partiu, morreram os pais de Priscila, e, por acasos do destino, ela terminou de ser criada por Santana. Priscila vivenciou a falta dos seus pais enquanto os quase pais sentiam falta do fi-lho.

Quando o Rei do Baião voltou pela primeira vez do Rio de Janeiro, Priscila já era moça. Mesmo 16 anos depois, os dois se reconheceram. Ela já tinha dança-do ouvindo alguns forrós dele antes de ele ir. Mais do que isso: ele era presença constante nos assuntos de casa e da vizinhança. Dividiram intimamente a au-

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sência. Por isso, se abraçaram.

Como os tempos eram de guerra entre os Sampaio e os Alencar −− duas famílias importantes da cidade −−, e já tinha sobrado até mesmo pra Pai Januário os ricocheteados da violência, Luiz Gonzaga usou a so-berania de rei e decidiu que toda a família se muda-ria para o Rio de Janeiro com ele. Lá estariam longe das mortes de brigas familiares, ao mesmo tempo em que não passariam aperto. Acima de tudo, o sanfo-neiro não ficaria mais longe de quem gostava. Quase incorporada à família Gonzaga, lá se foi Priscila pro Rio, onde acabou passando 38 anos.

Na capital carioca, os Gonzaga se dividiam entre a cidade e o campo, numa casa no sítio, onde acon-teciam as festas. Aniversário, casamento, bodas... tudo se comemorava lá aos moldes sertanejos. Pris-cila, ao lado das quase irmãs e primas, organizava tudo. O maior festejo foi o de bodas de ouro de Janu-ário e Santana. “Foi uma festa estrondosa. A gente se estropiou de tanto trabalhar. Teve menina que, de tão cansada, se desmanchou no choro. A gente tra-balhava como umas danadas nas festas”, lembra.

Foi no Rio de Janeiro também que Priscila conheceu os artistas que admirava. Além de Caetano e Gil, con-versou diversas vezes com Carlos Galhardo, Orlando Silva, Elizeth Cardoso, Emilinha Borba, Dolores Du-ran. Todos frequentavam os aniversários do Mestre Lua. “Fazia muita amizade com eles. Eles eram muito amigos da gente”, conta. E lá também noivou duas vezes. Mas terminaram por aí, e o casamento tam-bém ficou no quase.

Mãe Santana e Pai Januário, mais velhos, não se adaptaram bem ao Rio e acabaram voltando. Pris-cila, que, no começo, resistiu a sair do Exu, não queria deixar a quase sua nova casa. Optou por f i-car por lá. E foi f icando até o dia em que sua irmã mais velha, aos 80 anos, caiu doente e ela voltou pra cuidar e se despedir.

Mas o reencontro com Luiz e o restante da família que ficara no Rio não tardou. Poucos anos depois, o próprio Gonzaga voltou pro Exu para passar seus últimos anos de vida no Parque Aza Branca. E lá se foi Priscila novamente cozinhar para Luiz.

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“Ele gostava de toda comida que a gente fazia. As prediletas eram baião de dois, munguzá, feijão de corda - que a gente fazia com pé e orelha de porco. Ele gostava muito. Vixe Maria!”, comenta num misto de interjeição e fraqueza da velhice. “A carne que ele gostava era carne de sol. Tinha que tirar todo o sal e cozinhar com todos os temperos”, relembra.

Mas, em 1989, sete anos depois de voltar a Pernam-buco, Luiz Gonzaga sucumbiu. Em julho daquele ano, Priscila passou todo o tempo no Recife para acompa-nhar o quase irmão, que faleceu no dia 2 de agosto. Quando Luiz Gonzaga se foi, Priscila ficou sem uma parte importante da vida dela. Luiz voltou a ser au-sência. Como era nos tempos de menina.

Em dezembro de 2012, perto de 25 anos depois da sua morte, o Exu festejou o centenário do cidadão mais cultuado. Priscila preferiu ficar em casa. Não gosta muito de festa, “nem tem mais idade”, justifi-ca. “Mas rezar eu rezo. Todo dia eu rezo por ele. E me lembro das coisas que vivemos...”

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Fotos Chico Ludermir

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EXPEDIENTEFICHA TÉCNICA ENCONTRO COM LUIZ

Edição geralChico Ludermir

TextosChico Ludermir

Edição de textosChico Ludermir Olívia Miondelo

FotosChico LudermirCosta Neto

Direção de ArteAdeildo Leite

Projeto gráfico, diagramação e Ilustrações Adeildo Leite

RevisãoMariana Maris

ColaboraçãoGabriela Valadares, Fernanda Cristina, Michelle de Assumpção. Gilberto Tenório,Tiago Montenegro, Mariana Melo,Giselly Andrade, Julya Vasconcelos,Guida Gomes, Carlota Pereira e Jacaré Vídeo.

Governador Eduardo Campos

Vice-governador João Lyra Neto

Secretário da Casa Civil Tadeu Alencar

SECRETARIA DE CULTURA

Secretário Fernando Duarte

Secretário Executivo Beto Silva

Diretores Executivos Vinícius Carvalho e Beto Rezende

Diretor de FormaçãoFélix Aureliano

Diretor de Gestão José Mário Duarte Coelho

Diretora de Planejamento Amara Cunha

Diretor de Políticas Culturais Carlos Carvalho

Coordenadora de Artes Cênicas Teresa Amaral

Assessora de Dança Marília Rameh

Coordenador de Artes Visuais Félix Farfan

Assessora de Design e Moda Cecília Pessoa

Assessor de Fotografia Jarbas Araújo

Coordenadora de Audiovisual Carla Francine

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FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO | FUNDARPE

Presidente Severino Pessoa

Diretora de Gestão Sandra Simone dos Santos Bruno

Diretor de Gestão do Funcultura Emanuel Soares de Lima

Diretor de Gestão de Equipamentos Culturais André Araripe

Diretora de Preservação Cultural Célia Campos

Diretor de Produção Fernando Augusto

Coordenadora de Cultura Popular Alexandra Lima

Assessor de Artesanato Breno Nascimento

Coordenador de Literatura Wellington de Melo

Coordenadora de Música Andreza Portella

Coordenador de Articulação Institucional Claudemir Souza

Coordenador de Economia Criativa Luciano Gonçalo

Coordenador do Projeto Cultura Livre nas Feiras Alexandre Sena

Coordenadora para Populações Rurais e Povos Tradicionais Erika Nascimento

Coordenador do Festival Pernambuco Nação Cultural Leo Antunes

Assessores do Festival Pernambuco Nação Cultural Adriana Teles e Guilherme Gatis

Gestoras de Comunicação Michelle Assumpção e Olívia Mindêlo

Assessores de Comunicação/Imprensa Tiago Montenegro, Gilberto Tenório, Giselly Andrade e Fernanda Cristina

Assessores de Comunicação/Internet Chico Ludermir, Dora Amorim, Gabriela Valadares e Leonardo Vila Nova.

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