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Produção de Acetais do Glicerol para Uso em Mistura com Gasolina Silva, Carolina X. A. ; Gonçalves, Valter, L. C.; Mota, Claudio J. A. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Química. Cidade Universitária CT Bloco A, 21949- 900, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected] Resumo Neste trabalho foi investigada a acetalisação da glicerina com acetona e formaldeído catalisada por diferentes ácidos. As reações foram feitas em condições de batelada, analisando a cinética de conversão e seletividade aos produtos, pela retirada de alíquotas a intervalos de tempo regulares. Os resultados mostraram que foi formado apenas um produto nas reações com acetona. Quando se usa o ácido p-tolueno-sulfônico a conversão é de aproximadamente 85% e quando o catalisador é a argila K-10 a conversão é de 90%. A cinética de formação do produto da reação com formaldeído apresentou uma conversão de aproximadamente 80% e seletividade de 70% (anel de 6) e 30% (anel de 5) para o ácido p-tolueno-sulfônico. Já com a argila K-10 a conversão foi de 60% e a seletividade de 80% (anel de 6) e 20% (anel de 5). Estes acetais têm potencial de utilização em mistura com gasolina. Palavras-Chave: Acetalisação, biodiesel, catálise ácida, glicerina e zeólita. Introdução A crescente preocupação com o aquecimento global neste início do século XXI incentiva as discussões sobre novas fontes de energia. A sociedade moderna é, ainda, muito dependente do petróleo. Em todo o mundo já se discute a viabilidade dos combustíveis renováveis, que causariam um impacto muito menor no aquecimento do planeta, pois no balanço total diminuem as emissões de CO 2 , um dos principais vilões do efeito estufa. Dentre os combustíveis renováveis mais promissores destaca-se o biodiesel (Pinto, et al., 2000). Este produto é, em geral, obtido a partir da transesterificação de óleos vegetais com álcoois (metanol e etanol), usando catálise básica ou pela esterificação desses materiais na presença de catalisadores ácidos. No Brasil, o Governo Federal definiu que, a partir de 2008, o biodiesel seja obrigatoriamente adicionado ao diesel do petróleo num percentual de 2%, o chamado B2. A partir de 2013 este percentual se elevará para 5%, o chamado B5. Estas ações colocam nosso país na vanguarda do uso de combustíveis alternativos no planeta e pode se constituir em uma excelente oportunidade de desenvolvimento científico e tecnológico, com óbvias conseqüências econômicas. Do ponto de vista químico a produção de biodiesel a partir de óleos vegetais envolve uma reação de transesterificação. O óleo vegetal é um triglicerídio, ou seja, é um triéster derivado da glicerina. Sob ação de um catalisador básico, ou mesmo ácido, e na presença de metanol ou etanol, o óleo sofre uma transesterificação formando três moléculas de ésteres metílicos ou etílicos dos ácidos graxos, e liberando a glicerina (Esquema 1).

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Produção de Acetais do Glicerol para Uso em Mistura com Gasolina

Silva, Carolina X. A.; Gonçalves, Valter, L. C.; Mota, Claudio J. A.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Química. Cidade Universitária CT Bloco A, 21949-

900, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected]

Resumo Neste trabalho foi investigada a acetalisação da glicerina com acetona e formaldeído

catalisada por diferentes ácidos. As reações foram feitas em condições de batelada, analisando a cinética de conversão e seletividade aos produtos, pela retirada de alíquotas a intervalos de tempo regulares. Os resultados mostraram que foi formado apenas um produto nas reações com acetona. Quando se usa o ácido p-tolueno-sulfônico a conversão é de aproximadamente 85% e quando o catalisador é a argila K-10 a conversão é de 90%. A cinética de formação do produto da reação com formaldeído apresentou uma conversão de aproximadamente 80% e seletividade de 70% (anel de 6) e 30% (anel de 5) para o ácido p-tolueno-sulfônico. Já com a argila K-10 a conversão foi de 60% e a seletividade de 80% (anel de 6) e 20% (anel de 5). Estes acetais têm potencial de utilização em mistura com gasolina.

Palavras-Chave: Acetalisação, biodiesel, catálise ácida, glicerina e zeólita.

Introdução A crescente preocupação com o aquecimento global neste início do século XXI incentiva

as discussões sobre novas fontes de energia. A sociedade moderna é, ainda, muito dependente

do petróleo. Em todo o mundo já se discute a viabilidade dos combustíveis renováveis, que

causariam um impacto muito menor no aquecimento do planeta, pois no balanço total diminuem

as emissões de CO2, um dos principais vilões do efeito estufa.

Dentre os combustíveis renováveis mais promissores destaca-se o biodiesel (Pinto, et al.,

2000). Este produto é, em geral, obtido a partir da transesterificação de óleos vegetais com

álcoois (metanol e etanol), usando catálise básica ou pela esterificação desses materiais na

presença de catalisadores ácidos. No Brasil, o Governo Federal definiu que, a partir de 2008, o

biodiesel seja obrigatoriamente adicionado ao diesel do petróleo num percentual de 2%, o

chamado B2. A partir de 2013 este percentual se elevará para 5%, o chamado B5. Estas ações

colocam nosso país na vanguarda do uso de combustíveis alternativos no planeta e pode se

constituir em uma excelente oportunidade de desenvolvimento científico e tecnológico, com

óbvias conseqüências econômicas.

Do ponto de vista químico a produção de biodiesel a partir de óleos vegetais envolve uma

reação de transesterificação. O óleo vegetal é um triglicerídio, ou seja, é um triéster derivado da

glicerina. Sob ação de um catalisador básico, ou mesmo ácido, e na presença de metanol ou

etanol, o óleo sofre uma transesterificação formando três moléculas de ésteres metílicos ou

etílicos dos ácidos graxos, e liberando a glicerina (Esquema 1).

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Óleo Vegetal Biodiesel Glicerina

OO

O

RO

R

O

R

O

CH3OH KOHR OCH3

O

OHHOOH

+ +3

Esquema 1: Produção de biodiesel a partir da transesterificação de óleo vegetal.

Para cada 90m3 de biodiesel produzidos pela reação de transesterificação de óleos

vegetais são gerados 10m3 de glicerina. Estima-se que a partir de 2008, com a introdução do

B2, haverá um excedente de glicerina da ordem de 80 mil ton/ano no mercado brasileiro, muito

além da produção atual, na faixa de 30 mil ton/ano (Mota, 2006). As previsões para 2013, com a

introdução do B5, são de um excedente de 150 mil ton/ano de glicerina. Estes cenários indicam

que a viabilização comercial do biodiesel passa pelo consumo deste volume extra de glicerina,

buscando aplicações de larga escala e agregando valor à cadeia produtiva. Por outro lado, o

aumento da produção de biodiesel só poderá ser viabilizado economicamente, se forem

encontradas novas aplicações e mercado para o glicerol produzido. Assim, urge a necessidade

de pesquisa sobre a produção e aplicação de derivados do glicerol.

A distribuição do consumo do glicerol nos diferentes setores industriais brasileiros pode

ser vista na Figura 1. Pode-se notar que a maior utilização é no setor de cosméticos e

fármacos. Com a introdução de um grande volume de glicerol no país é imperioso que sejam

desenvolvidas novas aplicações para este produto (Mota, 2006), visando sua aplicação no

Brasil e até mesmo no mercado internacional.

Figura 1: Distribuição do consumo de glicerol pelos diferentes setores industriais no Brasil.

O glicerol ou glicerina é um triol, que pode ter suas três hidroxilas funcionalizadas. Muitos

artigos e patentes sobre o aproveitamento do glicerol têm aparecido na literatura nos últimos

anos. A eterificação do glicerol com isobuteno ou t-butanol fornece um éster que tem potencial

Revenda 14%

Cosmet./ Saboaria/ Fármacos 28 %

Resinas Alquídicas 6%

Alimentos/ bebidas 8%

Filmes de Celulose 5%

Tabaco 3%

Poliglicerina 12%

Ésteres 13%

Papel 1%

Outros10 %

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de utilização como aditivo para o óleo diesel, diminuindo a emissão de particulados (Klepacova,

2005; Karinen, 2006; Koshchii, 2002). Os acetatos de glicerol também são produtos com

potenciais aplicações, como líquidos usados em criogenia, até a produção de plásticos

biodegradáveis (Taguchi, et al., 2000; Nicolenko, 1995). Outra potencial aplicação do glicerol é

na produção de gás de síntese (CO e hidrogênio). Recentemente foi relatada (Davda, et al.,

2005) a reforma do glicerol a baixa temperatura, sobre catalisadores de CeO2/ZrO2. A cada dia,

novos produtos e processos a partir do glicerol vêm sendo desenvolvidos, especialmente

porque a oferta deste produto no mercado internacional tem crescido enormemente, e o seu

preço diminuído na mesma proporção. Acetais do glicerol têm aplicações diversas, que vão

desde o uso em medicamentos (Greenshields, 1980) até o seu emprego como aditivos para

combustíveis (Bruno, et al., 2003). Entretanto, praticamente não existem estudos sobre sua

formação utilizando catalisadores heterogêneos.

O objetivo deste trabalho é estudar a formação dos acetais mais simples do glicerol,

formados nas reações com formaldeído ou acetona, através de reações de catálise ácida

heterogênea, com fins de posteriormente estudar na mistura à gasolina.

Metodologia As reações de preparação dos acetais da glicerina foram feitas em regime de batelada,

utilizando aparelhagem típica de refluxo e aquecimento por meio de banho de óleo. Foram

feitas medidas cinéticas para acompanhar a formação dos produtos, durante quarenta minutos

para a acetona e uma hora para o formaldeído. Os catalisadores usados foram o ácido p-

tolueno sulfônico, a zeólita HUSY e a argila K-10. Em todos os casos utilizou-se glicerina e

acetona grau analítico, assim como formaldeído em solução aquosa a 37%. Nas experiências

cinéticas as alíquotas foram retiradas em intervalos regulares, e identificadas para posterior

análise. Os produtos foram analisados por cromatografia em fase gasosa acoplada a

espectrômetro de massas.

Resultados e Discussão Os resultados mostraram que foi formado apenas um produto nas reações com a acetona

(Esquema 2). Já nas reações com formaldeído foram obtidos dois produtos (com anéis de cinco

e seis átomos) (Esquema 3), que apresentaram proporções distintas para cada catalisador.

OHOHHO

" H+ "O O

O

OH

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Esquema 2. Reação de acetalisação da glicerina com acetona.

OHOHHO

H H

O " H+ " O

OOH

O

O OH

Esquema 3. Reação de acetalisação da glicerina com formaldeído.

A cinética de formação do produto da reação com acetona apresenta uma conversão de

aproximadamente 85% para o ácido p-tolueno-sulfônico e em torno de 90% para a argila K-10

(Figura 2). Já com a zeólita HUSY a conversão foi mais baixa, aproximadamente 45% (Figura

3). As reações de acetalisação geram água como sub-produto, e ela pode desativar o sítio

ácido dos catalisadores. Por isso, observa-se a diferença na conversão para cada catalisador.

Provavelmente a zeólita HUSY é desativada com maior facilidade que os outros catalisadores,

pois ela apresentou a menor conversão entre eles. Outro fator que pode influenciar a atividade

catalítica da zeólita é o tamanho dos poros. A zeólita HUSY possui poros de 7,4 Ǻ e cavidade

de 13 Ǻ, podendo causar problemas difusionais para a glicerina e os produtos da reação,

explicando assim a menor conversão.

10 15 20 25 30 35 4030

40

50

60

70

80

90

100

A

%

Tempo (min)0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

B

%

Tempo (min)

Figura 2: Cinética de acetalisação da glicerina com acetona A) Catalisada pelo ácido p-tolueno sulfônico. B) Catalisada pela argila K-10.( -■- Conversão, -□- Seletividade ao produto)

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0 5 10 15 20 25 30 35 40 450

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

110

%

Tempo (min)

Figura 3: Cinética de acetalisação da glicerina com acetona catalisada pela zeólita HUSY.

A cinética de formação dos produtos da reação com formaldeído, catalisada pelo ácido

p-tolueno-sulfônico apresenta uma conversão de 80% e seletividade de 70% (anel de 6) e 30%

(anel de 5). Já com a argila K-10 a conversão foi de 60% (Figura 4) e a seletividade de 80%

(anel de 6) e 20% (anel de 5). A zeólita HUSY apresentou uma conversão tão baixa, que em

meia hora de reação somente 10% de glicerina havia sido consumida. Isso se deve ao fato de

se usar uma solução a 37% de formaldeído. Ou seja, antes da reação proceder já existe muita

concentração de água no meio reacional, o que pode contribuir para um rápido enfraquecimento

da força ácida do catalisador.

0 10 20 30 40 50 60

0

20

40

60

80

100

A

%

Tempo (min)

0 10 20 30 40 50 60

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90B

%

Tempo (min)

Figura 4: Cinética de acetalização da glicerina com formaldeído. A) Catalisada pelo ácido p tolueno-sulfônico. B) Catalisada pela argila K-10. (-■- Conversão, -∆ - Seletividade ao anel de 5 átomos, -○- Seletividade ao anel de 6 átomos)

Comparando-se as conversões para a acetalisação da glicerina com os dois reagentes

carbonilados se observa que, para as reações com o formaldeído os valores foram mais baixos

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do que com a acetona. Isto pode ser explicado pelo fato de já existir água antes de ocorrer a

reação, oriunda do formaldeído em solução aquosa, levando a um enfraquecimento da acidez

dos catalisadores. Contudo, a reatividade intrínseca da molécula de acetona frente à

acetalisação, também pode explicar esses resultados.

Conclusões Os estudos mostraram que é possível preparar acetais da glicerina com boas conversões

e sob condições reacionais brandas, sendo uma ótima opção para o aproveitamento do

excesso de glicerina produzida juntamente com o biodiesel.

Agradecimentos Os autores agradecem ao PRH01-ANP pelo auxílio financeiro à realização destas

pesquisas.

Referências

• Delfort, B.; Durand, I.; Jaecker, A.; Lacome, T.; Montagne, X.; Paille, F. Diesel fuel compositions containing glycerol acetals for particulate emission reduction. Fr. Demande (2003), 11 pp. • Davda, R. R.; Shabaker, J. W.; Huber, G. W.; Cortright, R. D.; Dumesic J. A., A review of catalytic issues and process conditions for renewable hydrogen and alkanes by aqueous-phase reforming of oxygenated hydrocarbons over supported metal catalysts. Applied Catalysis, B: Environmental, 56(1-2), 2005, 171-186. • Greenshields, J. N.; Sherman, A. H. Acetals and ketals and their use as emollients. Eur. Pat. Appl. (1980), 22 pp. • Klepacova, K.; Mravec, D.; Bajus M. Tert-Butylation of glycerol catalyzed by ion-exchange resins. Appl. Catal. A: General, 294, 2005, 141. • Karinen, R. S.; Krause A. O. I. New biocomponents from glycerol. Appl. Catal. A: General 306, 2006,128. • Koshchii S. V. Optimization of Synthesis of Mono-O-methylglycerol Isomers. Russ J. Appl. Chem. 75, 2002,1466. • Mota, C. J. A. Gliceroquímica: A Petroquímica Renovável Periódico Tchê Química 6, 2006, 26-31. • Nikolenko, A. V.; Kompaniets, A. M.; Lougovoy, V. I. Cryoprotective properties of polyols and their derivatives during freezing of platelets. Problemy Kriobiologii, 4, 1995, 36-41. • Pinto, A. C.; Guarieiro, L. L. N.; Resende, M. J. C.; Ribeiro, N. M.; Torres, E. A; Lopes, W. A; Pereira, P. A. D.; de Andrade J. B. Biodiesel: An overview. J. Braz. Chem. Soc. 16, 2005,1313. • Taguchi, Y.; Oishi, A.; Ikeda. Y.; Fujita, K.; Masuda, T.; Preparation of poly(butylene succinate) containing monoacyl glycerol unit. Nihon Yukagakkaishi , 49(8), 2000, 825-830.