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MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL TOMO V

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  • MANUAL DE

    DIREITO CONSTITUCIONAL

    TOMO V

  • DO AUTOR

    Livros e monograrias

    -Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, Lisboa, 1968;- Poder paternal e assistncia social, Lisboa, 1969;

    -Notas para uma introduo ao Direito Constitucional Comparado, Lisboa, 1970;

    - Chefe do Estado, Coimbra, 1970;- Conselho de Estado, Coimbra, 1970; -Decreto, Coimbra, 1974-,

    - Deputado, Coimbra, 1974;

    -A Revoluo de 25 de Abril e o Direito Constitucional, Lisboa, 1975; -A Constituio de 1976 - Formao, estrutura, princpios jundamen tais, Lisboa, 1978;

    -Manual de Direito Constitucional, 1. tomo, 6 edies, Coimbra, 1981,1982, 1985, 1990, 1996 e 1997; 2.> tomo, 3 edies, Coimbra, 1981,1983 e 1991, reimp. 1996; 3.` tomo, 3 edies, Coimbra, 1983, 1987 e 1994, reimp. 1996; 4. tomo, 2 edies, Coimbra, 1988 e 1993;

    -As associaes pblicas no Direito portugus, Lisboa, 1985;

    - Relatrio com o programa, o contedo e os mtodos do ensino de Direitos Fundamentais, Lisboa, 1986;

    - Estudos de Direito Eleitoral, Lisboa, 1995;

    - Escritos vrios sobre a Universidade, Lisboa, 1995.

    Lies policopiadas

    Cincia Poltica - Formas de Governo, 4 edies, Lisboa, 1981, 1983-1984,1992 e 1996;

    -Direito da Economia, Lisboa, 1983;

    - Funes, rgos e Actos do Estado, 3 edies, Lisboa, 1984, 1986 e 1990; -Direito Internacional Pblico- 1, 2 edies, Lisboa, 1991 e 1995.

    Principais artigos

    - Relevncia da agricultura no Direito Constitucional Portugus, in Rivista di Diritto Agrario, 1965, e in Scientia luridica, 1966;

    - Notas para um conceito de assistncia social, in Informao Social, 1968;- Colgio eleitoral, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, ii,1969;

    - A igualdade de sufrgio poltico da mulher, in Scietilia Iuridica, 1970;- Liberdade de reunio, in Scientia Iuridica, 197 1;

    - Sobre a noo de povo em Direito Constitucional, in Estudos de Direito Pblico em honra do Professor Marcello Caetano, Lisboa, 1973;

    - Inviolabilidade do domiclio, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1974;- Inconstitucionalidade por omisso, in Estudos sobre a Constituio, 1, Lisboa, 1977;

    - 0 Direito eleitoral na Constituio, in Estudos sobre a Constituio, 11, 1978; -Aspects institutionneIs de Vadhsion du Portugal Ia Cominunaut conomique Europenne, in Une Conimunaut Douze? Ulmpact

    du Nouvel largissement sur les Conimunauis Europennes, Bruges,1978;

    - 0 regime dos direitos, liberdades e garantias, in Estudos sobre a Constuio, iii, Lisboa, 1979-,

    -A ratificao no Direito Constitucional Portugus, in Estudos sobre a Constituio, iii, Lisboa, 1979;

    Os Ministros da Repblica para as Regies Autnomas, in Direito e Justia, 1980;

    -A posio constitucional do Primeiro-Ministro, in Boletim do M .inistrio da Justia, n. 334;

    Autorizaes legislativas, in Revista de Direito Pblico, 1986;- glises ei tat au Portugal, in Conscience el libert, 1986;

    - Propriedade e Constituio (a propsito da lei da propriedade da farmcia), in 0 Direito, 1974-1987;

  • - A Administrao Pblica nas Constituies Portuguesas, in 0 Direito, 1988;- Tratados de delimitao de fronteiras e Constituio de 1933, in Estado e Direito, 1989;

    - 0 programa do Governo, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, vi, 1994;

    -Resoluo, ibidem, vii, 1996;

    - 0 Patrimnio Cultural e a Constituio - Tpicos, in Direito do Patrimnio Cultural, obra colectiva, 1996;

    - Les candidatures, in Annuaire International de Justice Constitutionnelle, 1996;- Vesperienza portoghese di sistema semipresidenziale, in Democrazia e forme di governo - Modelli stranieri e riforma costituzionale, obra colectiva, 1997;

    - Sobre a reserva constitucional da fino legislativa, in Perspectivas Constitucionais - Nos 20 anos da Constituio de 1976, obra colectiva, 1997.

    IV Colectneas de textos

    -Anteriores Constituies Portuguesas, Lisboa, 1975;

    - Constituies de Diversos Pases, 3 edies, Lisboa, 1975, 1979 e 1986-- 1987;

    - As Constituies Portuguesas, 4 edies, Lisboa, 1976, 1984, 1991 e 1997;- A Declarao Universal e os Pactos Internacionais de Direitos do Homem, Lisboa, 1977;

    - Fontes e trabalhos preparatrios da Constituio, Lisboa, 1978;- Direitos do Homem, 2 edies, Lisboa, 1979 e 1989;

    - Textos Histricos do Direito Constitucional, 2 edies, Lisboa, 1980 e 1990; -Jurisprudncia constitucional escolhida, 3 volumes, 1996 e 1997.

    V - Obras polticas

    - Um projecto de Constituio, Braga, 1975;- Constituio e Democracia, Lisboa, 1976;

    - Uni projecto de reviso constitucional, Coimbra, 1980;- Reviso Constitucional e Democracia, Lisboa, 1983;

    -Anteprojecto de Constituio da Repblica de So Toin e Prncipe, 1990;- Um anteprojecto de proposta de lei do regime do referendo, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1991;

    - Ideias para uma reviso constitucional em 1996, Lisboa, 1996.

  • Nenhuma pane desta publicao pode ser reproduzida por qualquer processo electrnico, mecnico ou fotogrfico. incluindo fotocpia. xerocpia ou gravao, sem autoriuo prvia do editor. Exceptua-se a transcrio de curtas passagens para efeitos de apresentao, crtica ou discusso das ideias e opinies contidas no livro. Esta excepo no pode, porm. ser interpretada como permitindo a transcrio de textos em recolhas antolgicas ou similares, da qual possa resultar prejuzo para o interesse pela obra. Os infractores so passveis de ~edimento judicial.

    JORGE MIRANDAProfessor Catedrtico das Faculdades de Direito

    da Universidade de Lisboa e da Universidade Catlica Portuguesa

    MANUAL DE

    DIREITO CONSTITUCIONALTOMO VACTIVIDADE CONSTITUCIONAL DO ESTADO

    COIMBRA EDITORA

    1997

    W. =,? , PETRONY, m.%RUA DA ASSUNO, 90

  • Composio e impresso oimbra Editora, Limitada

    ISBN 972-32-0419-3 (obra completa) ISBN 972-32-0803-2 (Tomo V)

    Depsito Legal n., 116 116197

    Dezembro de 1997

    PARTE V

    ACTIVIDADE CONSTITUCIONAL DO ESTADO

    TTULO 1

    FUNES, RGOS E ACTOS EM GERAL

    CAPTULO 1

    FUNES DO ESTADO

    1. Os dois sentidos de funo

    1 - So dois os sentidos possveis defuno do Estado (1): como fim, tarefa ou incumbncia, correspondente a certa necessidade colec-

    (1) V., entre tantos, JUSTINO DE FREiTAs, Ensaio sobre as Instituies de Direito Administrativo Portugus, Coimbra, 1859, pgs. 5 1 e segs., 65 e 69 e segs.; C. F. VON GERBER, Grundzige des deutschen Staatsrecht (1880), trad. italiana Diritto Pubblico, Milo, 197 1, pgs. 118 e segs.; MANUEL EmiDio GARCIA, Plano desenvolvido de um curso de Cincia Poltica e Direito Poltico, 3. ed., Lisboa, 1885, pgs. 33 e segs.; GEORG JELLINEK, Allgemeine Staatslehre, trad. castelhana Teoria General del Estado, Buenos Aires, 1954, pgs. 450 e segs.-, ROCHA SARAIVA, Construo Jurdica do Estado, ii, Coimbra, 1912, pgs. 45 e segs.; RAL CARmo, Distino das funes do Estado, Coimbra, 1914; CARR DE MALBERG, Contribution Ia Thorie Gnrale de 1tat, i, Paris, 1920, pgs. 259 e segs.; LON DUGUIT, Trait de Droit Constitutionnel, 3. ed., ii, Paris, 1928, pgs. 151 e segs.; HANs KELsEN, Allgemeine Staatslehre, trad. castelhana Teoria General del Estado, Madrid, 1934, pgs. 300 e segs., e 11 primato del Parlamento, trad., Milo, 1982, pgs. 79 e segs.; GEORGES BURDEAU, Remarques sur la classification des fonctions tatiques, in Revue du droit public, 1945, pgs. 202 e seg&.; QUEIRoz LIMA, Teoria do Estado, 8. ed., Rio de Janeiro, 1957, pgs. 297 e segs., KARL I-OEWENSTEIN, Verfassungsrecht, trad. castelhana Teoria de Ia Constitucin, Barcelona, 1964, pgs. 62 e segs.; FRANCO MODUGNo, Funzione, in Enci-

  • Manual de Direito Constitucional

    tiva ou a certa zona da vida social; e como actividade com caractersticas prprias, passagem a aco, modelo de comportamento.

    No primeiro sentido, a funo traduz um determinado enlace entre stado assim como um princpio (ou uma tentativa) de a sociedade e o E rescente complexidade das funes legitimao do exerccio do poder. A c

    assumidas pelo Estado - da garantia da segurana perante o exterior, da justia e da paz civil promoo do bem-estar, da cultura e da defesa do ambiente - decorre do alargamento das necessidades humanas, das pretenses de interveno dos govemantes e dos meios de que se podem dotar, e ainda uma maneira de o Estado ou os governantes em concreto justificarem a sua existncia ou a sua permanncia no poder.

    No segundo sentido, a funo - agora no tanto algo de pensado quanto algo de realizado - entronca nos actos e actividades que o Estado constantemente, repetida e repetivelmente, vai desenvolvendo, de harmonia corri as regras que o condicionam e conformam;

    clopedia del Diritto, xvIII, 1969, pgs. 301 e segs.; FRANco BASSI, Contributo allo studio delle funzioni dello Stato, Milo, 1969; M. C. J. VILE, Constitution and lhe Separation of Powers, Oxnia, 1969, pgs. 326 e segs.; COSTANTINO MORTATI, IStituzioni di Diritto Pubblico, 9. ed., i, Pdua, 1975, pgs. 295 e segs.; AFONSO QUEIR6, Lies de Direito administrativo, poiicopiadas, Coimbra, 1976, pgs. 9 e segs.; MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional, Rio de Janeiro, 1977, 1, pgs. 187 e segs.; ANTONIO RUWERi, Gerarcha, competenza e qualit nel sistema costituzionale delle fonti normative, Milo, 1977, pgs. 16 e segs. e 61 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, Braga, 1979, pgs. 247 e segs., e Lies de Direito Administrativo, policopiado, Lisboa, 1994-1995, pgs. 8 e segs.; MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, i, Lisboa, 1980, pgs. 10 e segs.; CASTANHEIRA NEVES, 0 instituto dos assentos e a funo jurdica dos Supremos Tribunais, Coimbra, 1983, pgs. 315 e segs., 429 e segs. e 475 e segs.;

    984, pgs. 26 e se-s. OLIVEIRA BARACHO, Processo Constitucional, Rio de Janeiro, 1 t-1 e 61 e segs.; FELICIANo BENVENUTI, Seniantica di funzione, in Jus, 1985, pgs. 3 e SegS.; CELSO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, 10. a ed., S. Paulo, 1988, pgs. 135 e segs.; BARBOSA DE MELO, Sobre o problema da competncia para assen-

    -de lar, policopiado, Coimbra, 1988, pgs. 18 e segs.; NUNO PIARRA, A separao

    poderes como doutrina e princpio constitucional, Coimbra, 1989, maxime pgs. 247 e segs.; PAULO FERREIRA DA CUNHA, Pensar o Direito - Do realismo clssico anlise mtica, Coimbra, 1990, pgs. 238 e segs.; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 6. ed., Coimbra, 1993, pgs. 682 e segs., 753 e segs. e 758 e segs.; FREI-

    o imbra, 1994, pgs. 45 TAS Do AMARAL, Curso de Direito Adivinistrativo, 1, 2. ed., Co

    e segs., IRIS DE PINTO TAVARES, 0 Conceito de funo e de rgo de exerccio do poder, in Revista Brasileira de Estudos Polticos, Julho de 1995, pgs. 77 e segs.

    Parte V -Actividade Constitucional do Estado

    define-se atravs das estruturas e das fortrias desses actos e actividades; e revela-se indissocivel da pluralidade de processos e procedimentos, de sujeitos e de resultados de toda a dinmica Jurdico-pblica.

    No primeiro sentido, a funo no tem apenas que ver com o Estado enquanto poder; tem tambm que ver com o Estado enquanto comunidade (1) (2). Tanto pode ser prosseguida s pelos seus rgos constitucional ou legalmente competentes e por outras entidades pbliZ,

    cas como ser realizada por grupos e entidades da sociedade civil, em formas variaves de complementaridade e subsidiariedade (tudo dependendo das concepes dominantes e da inteno global do ordenamento).

  • No segundo sentido, a funo no outra coisa seno uma manifestao especfica do poder poltico, um modo tipicizado de exerccio do poder (3), e carece de ser apreendida numa trplice perspectiva-material, formal e orgnica.

    Il - Numa e noutra acepes, exibe-se um elemento finals~ tico: directamente, na funo como tarefa; indirectamente, na funo como actividade (4).

    A tarefa mais no que um fim do Estado concretizado em certa poca histrica, em certa situao poltico-constitucional, em certo regime ou Constituio material. Por seu turno, a funo

    (1) Cfr. este Manual ..., 111, 3. ed., Coimbra, 1994, pgs. 21 e segs.

    (2) Cfr. a interveno do Deputado Antnio Vitorino, in Dirio da Assenibleia da Repblica, v legislatura, 2. sesso legislativa, 2. srie, n. 61-RC, acta n. 59, pgs. 1910-1911.

    (3) FRANco BASSI, Op. Cit., PgS. 134 e segs.

    (4) Ck BLUNTSCI-1LI, Thorie Gnrale de ltat, trad., 3. ed., Paris, 189 1, pgs. 276 e segs.; G. JELLINEK, Op. Cit., Pg5. 171 e segs.; AFONSO QUEIR, Os fins do Estado: um problema de filosofia poltica, 1938 (sep. do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XV); MARCELLO CAETANO, Op. Cit., 1, pgs. 181 C SegS.; MARCELo REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, cit., pgs. 229 e segs.; GOMES CANOTILHO, Constituio dirigente e vinculao do legislador Coimbra, 1982, pgs. 166 e segs., e Direito Constitucional, cit., pgs. 474 e segs.; FREITAS Do AMARAL, Estado, in Polis, ir, 1984, pgs. 1140 e segs.; CHRISTIAN STARCK, Pace e disobbedienza civile, in Diritto e Societ, 1986, pgs. 435 e segs.; Joo BAPTISTA MACHADO, Lies de Introduo ao Direito Publico, in Obras Dispersas, ii, Braga, 1993, pg. 403; PAULO OTERO, 0 poder de substituio em Direito Adminstraiivo, Lisboa, 1995, 11, pgs. 591 e segs.

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    Manual de Direito Constitucional

    enquanto actividade (a descobrir por via de uma anlise espectral da obra do Estado, dos seus rgos, agentes e servios) no vem a ser seno um meio para atingir esse fim, qualificado sob certo aspecto; e, se a tarefa implica a adstrio de um comportamento (positivo), to pouco a actividade existe por si mesma.

    111 - Das tarefas fundamentais do Estado se ocupa o art. 9. da Constituio portuguesa de 1976 (alterado nas revises constitucionais de 1982, de 1989 e de 1997): assegurar a independncia nacional, garantir as liberdades, promover a efectivao dos direitos econmicos, sociais e culturais, preservar o ambiente, defender a lngua portuguesa, etc. E seria interessante confront-lo com o art. 6. da Constituio de 1933, sobre os fins do Estado.

    Completam o art. 9.0 as normas relativas aos diversos direitos econmicos, sociais e culturais em especial (arts. 58. e segs.) (1), o art. 81. (incumbncia do Estado na vida econmica e social) (2) o art- 229. (cooperao do Estado e das regies autnomas) e outros preceitos.

    Sobre as funes-activ idades versam, naturalmente, as normas de organizao do poder poltico, sobretudo as que estabelecem as competncias dos rgos de soberania, das regies autnomas e do poder local e as relativas aos seus processos e procedimentos de agir (tais como os arts. 1.61.0, 164., 197.0, 198.0, 199., 227.0, 237. e 239.).

    As tarefas que o Estado se prope prosseguir so postas em prtica por meio das funes - das diferentes funes, e no de uma s por cada tarefa - previstas na Constituio.

    IV - 0 estudo da funo como tarefa insere-se no estudo das experincias e dos sistemas constitucionais, dos direitos fundamen~ tais e da Constituio econmica, da histria e do Direito comparado, e ainda da Cincia poltica, da Cincia financeira e de outras disciplinas.

    (1) Cfr. Manual ..., iv, 2. ed., Coimbra, 1993, pgs. 344 e 345.

    (2) Cfr. o nosso Direito da Economia, policopiado, Lisboa, 1983, pgs. 214 e 220 e segs.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    Pelo contrrio, no mbito do presente volume entra de pleno o estudo da funo como actividade.

    2. A funo no sentido de actividade

    1 - A funo no sent 1do de actividade pode definir~se como um complexo ordenado de actos (interdependentes oulaparentempernsteindependendentes uns em relao aos outros), destinados secuao de um fim ou de vrios fins conexos, por forma prpria. Consiste na actividade (1) que o Estado desenvolve, mediante os seus rgos e agentes, com vista realizao das tarefas e incumbncias que, constitucional ou legalmente, lhe cabem.

    Cada funo ou actividade oferece, assim, trs caractersticas:

    a) especfica ou diferenciada, pelos seus elementos materiais - as respectivas causas e os resultados que produz- formais - os trmites e as formalidades que exige - e rgamcos - os orgos ou agentes por onde corre;

    b) E duradoura - prolonga-se indefinidamente, ainda que se desdobre em actos localizados no tempo que envolvem pessoas e situaes diversas (2);

    C) , consequentemente, globalizada tem de ser encarada como um conjunto, e no como uma serie de actos avulsos.

    II - A priori, nenhuma funo vem a ser ou deixa de ser, por

    natureza, funo do Estado. So os fins do Estado, permanentes ou conjunturais, que determinam o tipo

  • e a feio das actividades dos seus rgos e agentes, e so as normas jurdico-pblicas que as qualificam como actividades do Estado.

    Ora, se as funes do Estado dependem das normas (e, antes de mais, das normas constitucionais) que as regem, ento todas as fun-

    () Cfr. ROGRIO SOARES, Actividade administrativa, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, 1, 1965, pgs. 111 e segs.

    (2) Assim, a funo legislativa ou a funo jurisdicional vm a durar sem limites de tempo, mas nelas vm a individualizar-se qualquer lei feita ou qualquer sentena proferida - a lei A ou B, a sentena X ou Y - no seu exerccio.

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    Manual de Direito Constitucional

    es do Estado e todos os actos em que se desdobram no podem deixar de ser funes jurdicas e todos os actos jurdico-pblicos. No h actividade do Estado margem do Direito 0.

    111 - Enunciam-se correntemente como funes do Estado a strativa e ainda a legislativa, a govemativa, a jurisdicional, a admini

    tcnica (2). Importa, porm, distinguir.

    0 Estado tem ou tende a ter o monoplio dos trs primeiros e s com seu consentimento ou por sua delegao outras colectividades ou entidades do corpo a actos cuja natureza se reconduza a uma ou outra dessas funes. Ao invs, no que concerne funo administrativa e chamada funo tcnica, o Estado no seno um (embora, ainda hoje, o de maior peso e volume) dos sujeitos que as podem promover. Ao lado do Estado, outras pessoas colectivas pblicas - ou mesmo privadas - desempenham tambm funo administrativa (3), havendo ento que harmonizar os diferentes interesses por elas prosseguidos.

    Isso a nvel interno. Porque, a nvel internacional, observa-se uma cada vez maior interveno das organizaes especializadas das Naes Unidas e de entidades como as Comunidades Europeias, devido Complexidade dos problemas econmicos, sociais e culturais, sua planetarizao e formao de grandes espaos. E a exercem-se funes horrilogas quelas funes estaduais, e no sem efeitos na reduo dos fins e das actividades dos Estados.

    3. A elaborao terica das funes do Estado

    1 - A fori-nulao ex professo de teorias acerca das funes do Estado remonta a algo mais que 100 anos- No entanto, de forma explcita ou implicita, o problema vem de h muito, conexo (como,

    J nesse sentido o nosso Contributo para unia teoria da inconstitucionalidade, Lisboa, 1968, pga. 224, nota.

    (2) Cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, Op. Cil., PgS. 198 C SCgS.

    (3) Por isso, se fala tanto em administrao pblica quanto em administrao privada.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    13

    de resto, continua a estar) com os problemas das caractersticas, dos fins e dos poderes do Estado.

    Recordem-se, a este propsito, as teorias das partes ou das faculdades da soberania - de ARISTTELES a BODIN, a GRCIO e a PUFFENDORF - e, sobretudo, as teorias ou doutrinas de separao dos poderes de LoCKE e MONTESQUIEU.

    Designadamente, os trs poderes referidos por MONTESQUIEU1

    legislativo, executivo e jurisdicional - correspondem a funes; e tambm a distino, em cada poder, de umafacult de statuer e de uma facult dempcher prefigura algumas das anlises mais Z_

    recentes sobre funo de fiscalizao ou controlo (1).

    Entretanto, por razes bvias, de seguida, aludir-se- apenas a algumas das classificaes doutrinais dos ltimos cem anos: as de JELLINEK, DUGuiT, KELSEN, BURDEAU, LOEWENSTEIN, M. C. VILE e MARCELLO CAETANO.

    11 - Na perspectiva de JELLINEK, os critrios fundamentais so os fins do Estado (jurdico e cultural) e os meios (abstractos e concretos). Donde, a funo legislativa (realizao de qualquer dos fins por meio de

    regras abstractas), a funo jurisdicional (realizao do fim jurdico por actos concretos) e a funo administrativa (realizao dofim cultural por actos concretos); e os actos legislativos e jurisdicionais como actos de imprio.

    Mas considera a existncia ainda, ao lado destas funes, de funes extraordinrias, bem como, em cada funo, de uma actividade livre e de uma actividade vinculada (2).

    III - Na anlise de DUGUIT, o critrio fundamental o dos actos; e da vai para as funes (jurdicas), distinguindo actos-regra, actos-condio (aplicao de regras abstractas a um indivduo) e actos subjectivos (criao de situaes subjectivas no impostas por nenhuma regra abstracta anterior).

    Donde, a funo legislativa (feitura de actos-regra), a funo administrativa (prtica de actos condio, de actos subjectivos ou de actos mate-

    0 Cfr., por ltimo, entre ns, PAULO OTERO, op. cit., pgs. 24 e segs.; e a nossa Cincia Poltica - Formas de Governo, Lisboa, 1996, pgs. 97 e segs., e autores citados.

    (2) OP- cit., pgs. 461 e segs.

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    Manual de Direito Constitucional

    riais, para assegurar o funcionamento de um servio pblico) e a funo juris(2).

    dicional (resoluo de questes de direito) (1)

    IV - Para HANs KELSEN, porque o Estado se identifica com a ordem jurdica ou com a sua unidade, as funes do Estado so apenas funes jurgraus ou modos de realizao dicas e a funo corresponde a cada um dos

    da ordem jurdica.

    H dois tipos de sistemas de normas, o esttico e o dinmico C). A ordem jurdica tem essencialmente um carcter dinmico: uma norma jurdica no vale porque tem um determinado contedo, quer dizer, porque o seu contedo pode ser deduzido pela via de um raciocnio lgico de uma norma fundamental pressuposta, mas porque criada por uma forma determinada (4). A norma fundamental da ordem jurdica a instaurao do facto fundamental da criao jurdica e pode ser designada corno Constituio no sentido lgico-jurdico para a distinguir da Constituio em sentido jurdico-positivo. Ela o ponto de partida de um processo: do processo de criao do Direito positivo (5). do Direito. desaA aplicao do Direito simultaneamente produo

    certado distinguir entre actos de criao e actos de aplicao do Direito. Com efeito, se deixarmos de lado os casos-limite - a pressuposio da norma fundamental e a execuo do acto coercivo - entre os quais se desenvolve o processo jurdico, todo o acto jurdico simultaneamente aplicao de uma norma superior e produo, regulada por esta norma, de urna norma inferior. Se considerarmos a ordem jurdica estadual sem ter em conta um direito internacional que lhe esteja supra-ordenado, ento a norma fundamental determina, de facto, a criao da Constituio, sem que ela prpria seja, ao mesmo tempo, aplicao de uma norma superior. Mas a criao da Constituiao realiza-se por aplicao da norma fundamental. Por aplicao da Constituio, opera-se a criao das normas jurdicas gerais atravs da legis-

    (i) Op. cit., n, pgs. 151 e segs.

    (2) Cfr., na linha da escola realista francesa, a classificao dos actos jurdicos proposta por FEZAS VITAL (Do Acto Jurdico, Coirribra, 1914, pgs. 86 e segs.) segundo um critrio de contedo e efeitos jurdicos; actos legislativos; actos jurdicos stricto sensu, criadores de situaes jurdicas subjectivas; actos-condio; e actos jurisdicionais. V. -ainda do mesmo autor A situao dos funcionrios, Coimbra, 1915, pgs. 37 e segs.

    (3) Reine Rechtslehre, 2.1 ed. portuguesa; Teoria Pura do Direito, Coimbra,1962, ti, pg. 5.

    (4) Ibideni, pg. 10. (5) Ibideni, pg. 12.

    Parte V -Actividade Constitucional do Estado

    15

    lao e do costume; e, em aplicao destas normas gerais, realiza-se a cria~ o das normas individuais atravs das decises judiciais e das resolues administrativas. Somente a execuo do acto coercivo estatudo por estas normas individuais - o ltimo acto do processo de produo jurdica - se opera em aplicao das normas individuais que a determinam sem que seja, ela prpria, criao de uma norma (1).

    Criao e aplicao do Direito devem ser distinguidas

    da observncia do Direito. Observncia do Direito a conduta que corresponde, como conduta oposta, quela a que o acto coercitivo da sano ligado. antes de tudo a conduta que evita a sano, o cumprimento do dever jurdico constitudo atravs da sano. Criao do Direito, aplicao do Direito e observncia do Direito so funes jurdicas no sentido mais amplo. Tambm o uso de uma permisso positiva pode ser designado como observncia do Direito. Porm, s a criao e a aplicao do Direito so designadas como funes jurdicas num sentido estrito especfico (2).

    V - Em GEORGEs BURDEAu, as funes definem-se no tanto pela natureza quanto pelo objecto dos actos.

    So duas as funes fundamentais: a governamental e a administrativa, sendo aquela incondicionada, criadora e autnoma. Por seu turno, a funo governamental divide-se em legislativa e governamental e a funo administrativa em administrativa propriamente dita, jurisdicional e regulamentar.

    A nota mais importante desta viso a colocao da lei na funo governamental, tendo em conta a unidade da aco governamental atravs de vrios orgos associados entre Si (3).

    VI - Uma anlise em plano diferente vem a ser a de KARL LOEWENSTEIN.

    Procede agora a uma tripartio: deciso poltica conformadora ou fundamental; execuo da deciso poltica fundamental atravs de legislao, administrao e jurisdio; e fiscalizao poltica.

    A novidade est nesta actividade fiscalizadora, elevada a funo autnoma do Estado, quer tenha dimenso horizontal (fiscalizao ou controlos

    (1) Ibideni, pgs. 87-88. (2) Ibidem, pg. 90.

  • (3) Renzarques ..., cit., loc. cit., pgs. 209, 216 e segs. e 222 e segs. No se trata, porm, acrescenta BURDEAU, de concentrar todo o poder num s rgo, mas de criar ao lado de qualquer titular de poder de deciso uma autoridade encarregada de fiscalizao.

  • 16

    Manual de Direito Constitucional

    intra e interorgnicos) quer tenha dimenso vertical (federalismo, liberdades individuais, pluralismo Social) (i) (2)_

    V11 - M. J. C. VILE, distinguindo embora funo legislativa, poltica, administrativa e judicial (3), salienta no poder dar-se uma separao rgida entre elas e sustenta que quaisquer actos do Estado envolvem as diversas funes. Depois, numa linha mais politolgica do que jurdica, fala numa funo de controlo e numa funo de coordenao (4).

    A funo de controlo requer, de certa Maneira, uma noo de equilbrio, seja dentro da mquina governamental, seja entre povo e govemantes, seja entre os prprios meios de controlo (5). A funo de coordenao tira

    xx, toda a sua importncia do aumento das funes do Estado no sculo xx, a funo por excelncia dos sistemas polticos actuais do Ocidente (6).

    VIII - A teoria. integral das funes do Estado de MARCELLO CAETANO pretende (como o nome indica) abranger todas as categorias de funes e de actos, a partir da distino entre funes jurdicas e no jurdicas.

    So funes jurdicas as de criao e execuo do Direito - e compreendem a funo legislativa (criao do Direito estadual) e a executiva, esta com duas modalidades - jurisdicional (caracterizada pela imparcialidade e pela passividade) e administrativa (caracterizada pela parcialidade e pela iniciativa).

    tm contedo jurdico, e desdoSo funes no jurdicas as que no

    (1) op. cit., pgs. 62 e segs. em RAL CARMO (Op. Cit., (2) Cfr., entre nos, de certo modo um antecedente

    pgs. 70 e segs.), ao considerar uma funo inspectiva a par da funo deliberativa e da funo executiva, e que consistiria na comparao dos actos de execuo com as normas de deliberao e destas com o direito, impondo a sua reforma quando vo alm da sua rbita; e, mais recentemente, LUCAS PIRES (Teoria da Constituio de 1976 - A transio dualista, Coimbra, 1988, pgs. 226 e segs.) parece contrapor a direco e a execuo poltica funo de controlo.

    Tambm ns j aludimos a uma autnoma funo de garantia, reportada, porm, garantia da Constituio (Contributo ..., cit., py. 222).

    V. ainda as referncias a LoEWENSTEIN em PEDRo BACELAR DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Controlo Jurdico do Poder Pblico, Lisboa, 1996, pgs. 87 e seggs. (3) Op. cit., p-s. 315 e segs. Emprega as expresses ruie-nzaking, discrelionaryfunction, rule-application e rule-interpretation.

    (4) Ibidem, pgs. 329 e segs. e 319 e segs. (5) Ibidem, pg. 333.

    (6) Ibident, pg. 334.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    17

    bram-se em funo poltica (de conservao da sociedade poltica e de definio e prossecuo do interesse geral) e em funo tcnica (produo de bens e prestao de servios) (1).

    IX - Deste rpido excurso por alguns autores retiram-se as seguintes ilaes ou verificaes:

    a) Aparecimento, em todas as classificaes, de uma funao legislativa, de uma funo administrativa ou executiva stricto sensu e de uma funo jurisdicional, ainda que com diferentes relacionamentos; aoes

    b) Correlao ou dependncia das classificaes das orient terica globais perfilhadas pelos autores; da expec) Relatividade histrica ou dependncia tambm

    rincia histrica e da situao concreta do Estado;

    d) Reconhecimento de que, a par das classifi(coaudees tdipeofunees, se procede a classificaes de actos

    actos) jurdico-pblicos.

    4. As funes do Estado nas Constituies Portuguesas

    1 - Em todas as Constituies portuguesas

    encontram-se, em consonncia com os seus principios e os seus sistemas internos, referncias, explcitas ou implcitas, s funes do Estado.

    No se justificaria sustentar um quadro classificatrio, exclusiva ou principalmente, nesta ou naquela Constituio, porque no cabe ao legislador constituinte (sempre preocupado com factores Polticos) fazer obra doutrinria. No entanto, por certo, os textos constitucionais podem (ou no) fornecer elementos teis de reflexo e at pistas de soluo ou traves de apoio para a construo dogmtica.

  • Il As quatro Constituies liberais - de 1822, 1826, 18381

    e 1911 assentes no princpio da separao de poderes, pressu-

    OP- cit., p,as. 196 e se.gs.

    2 - Manual de Direito Constitucional, v

  • 18

    Manual de Direito Constitucional

    pem, por essa via, indirectamente pelo menos, uma viso das funes, porventura mais organico-formal do que material. ssantes defiA Constituio de 1822 contm ainda duas intere

    nies: de lei como vontade dos cidados declarada pela unanimidade ou pluralidade dos votos dos seus representantes juntos em Cortes, precedendo discusso pblica (art. 104.); e de poder

    cutar as leis executivo, ligado autoridade do Rei de fazer exe

    e de prover a tudo o que for concemente segurana interna e externa do Estado (art. 122.). As Constituies seguintes no encerram normas homlogas ou sobre quaisquer outros actos ou funes.

    Tambm a doutrina trabalharia, no sobre o conceito de funo, mas sim sobre o de poder, embora tivesse tido conscincia de que os poderes eram poderes para o exerccio de actividades e tivesse distinguido no poder executivo um poder governamental e um poder administrativo (1).

    Como escrevia LoPES PRAA (seguindo SILVESTRE PINHEIRo-FERREIRA), o poder legislativo era a autoridade de fazer as leis necessrias ao bem geral do Estado; o poder judicial tinha por objecto decidir quaisquer causas cveis e criminais por via de tribunais revestidos de jurisdio contenciosa ou voluntria e cuja organizao devia ser regulada por lei; o poder executivo consistia na faculdade de dispor das foras da comunidade a bem do cumprimento das legtimas decises dos diversos poderes do Estado (2) e se, como poder

    (1) Cfr. JUSTINO DE FREITAS, op. cit., pags. 69 e 70; JOAQUim Toms LOBO DVILA, Estudos de Administrao, Coimbra, 1874, pgs. 61-62; LoPES PRAA, Estudos sobre a Carta Constitucional e o Acto Adicional de 1852, li, Coimbra,1880, pgs. 5 e segs., 18 e segs., 79 e 80; MANUEL EMDIO GARCIA, Qp. cit., pgs. 33 e segs.; ALBERTO Dos REIS, Cincia Poltica e Direito Constitucional, Coimbra,1908, pgs. 157 e segs.; JOS TAVARES, Cincia do Direito Polico, Coimbra, 1909, p-s. 68 e segs.; MARNOCO E SOUSA, Direito Poltico - Poderes do Estado, Coimo

    bra, 1910, pgs. 53 e segs.; ROCHA SARAivA, Apontamentos de Direito Constitucional, Lisboa, 193 1, pgs. 72 e segs.

    Para uma crtica diviso formal dos poderes e dos actos, v. MARNOCO E EDUSA, Constituio Poltica da Repblica Portuguesa - Comentrio, Coimbra,1913, pgs. 222-223.

    (2) Estudos ..., li, cit., pg, 79 (naturalmente, refere-se ainda ao poder moderador).

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    19

    governamental gozava de ampla liberdade na escolha dos meios e modos de aco, j como poder administrativo executava e fazia executar as leis segundo a direco superior expressa pelo governo do Estado (1).

    111 - A Constituio autoritria de 1933 distancia-se das anteriores, desde logo por afastar a concepo de separao de poderes. Uma primeira noo de funo administrativa decorre da com-

    petncia do Governo (autoriomizado frente ao Presidente da Repblica) no s para elaborar os decretos, regulamentos e instrues para a boa execuo das leis (art- 108.0, ri. 3) mas tambm para supentender no conjunto da administrao pblica, fazendo executar as leis e resolues da Assembleia Nacional (n. 4). E, igualmente pela primeira vez, fala-se em funo judicial (art. 115.) e, aps a reviso operada pela Lei n. 1885, de 23 de Maro de 1935, em funo legislativa (art. 134., n. 4, ou, na ltima verso da Constituio, art. 138-0, n. 2) (2).

    IV - Na Constituio de 1976 (de que iremos citar o texto actual, com a enumerao de artigos resultante da ltima reviso) a despeito de uma maior elaborao do seu texto, inexiste igualmente um tratamento sistemtico das funes do Estado.

    0 art. 22 declara que o Estado e as demais entidades pblicas so civilmente responsveis, em forma solidria com os titulares dos seus rgos, funcionrios e agentes, por aces ou omisses praticadas no exerccio das suas funes e por causa desse exerccio de que resulte violao de direitos, liberdades e garantias ou prejuzo para outrem.

    0 art. 111 ., proclamando o princpio da separao e da inter-

    () Ibidem, pgs. 6-7.

    (2) Cf. FEZAS VITAL, Direito Constitucional, apontamentos recolhidos por Joo Rui P. Mendes de Almeida e Jos Agostinho de oliveira, Lisboa, 1936 e 1937, pgs. 177 e segs. e 307 e segs.; JOS CARLOS MOREIRA, Lies de Direito Constitucional, Coimbra, 1957, pg. 85; MIGUEL GALVO lk-LF-S, Direito Constitucional Porlugus Vigente - Sumrios Desenvolvidos, Lisboa, 197 1, pgs. 70 e SCg5.; MARCELLO CAETANO, Manual de Cincia Poltica e Direito Constitucional, li, 6. ed., Lisboa,1972, pgs. 600 e segs., 651 e segs. e 663 e segs.; JORGE MIRANDA, Decreto, Coimbra, 1974, pgs. 8, 10 e 122 e segs.

  • 20

    Manual de Direito Constitucional

    e soberania (1), implica, segundo GOMES dependncia dos rgos d

    CANOTILHO, a articulao dos rgos e funes do Estado, sendo erenciado e funlcito falar-se de umprincpio organicamente refi4

    cionalmente orientado (2). 0 que sejam, contudo, essa articulao e essa referncia de rgos e funes cabe ao intrprete descobrir, com base em preceitos avulsos de sentido nem sempre inequvoco. de dificuldades pode aqui partir-se da fun-

    Por ordem crescente ta para a legiso jurisdicional para a administrativa e, depois, des

    lativa e a governativa.

    A funo jurisdicional recebe uma definio expressa no art. 202., ri.

  • 162.0, 163., 197.0 e 227., n.o 1, alneas r) a x)] (4).

    V - Seria interessante comparar o constitucional ismo portugus com o de outros pases.

    No caso do Brasil, por exemplo, verifica-se que a sua actual Constituio, de 1988, mantm a considerao clssica dos trs poderes do Estado legislativo, executivo e judicirio (arts. 44. e segs., 76.` e segs. e 92.

    (1) Cfr., neste sentido, quanto alnea g), Rui MEDEIROS, Estrutura e mbito da aco para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1989, pg. 64.

    (2) De resto, tal como as Constituies anteriores.

    (3) Recorde-se ainda o direito de cidados de tomar parte na direco de assentos pblicos do pas (art. 48.>, ri. 1).

    (4) Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, cit., pgs. 254 e segs.

  • 22

    Manual de Direito Constitucional

    e segs.) - e que s, incidental mente, alude a funo (a funo jurisdicional no art. 127.`).

    S. Ciass e funes iricao adoptada: funes fundamentais complementares, acessrias e atpicas

    i - Na esteira da maior parte dos autores, assentamos (1) numa diviso tricotmica das funes do Estado - funo poltica, funo administrativa e funo jurisdicional (2). E subdistinguimos na primeira a funo legislativa (legislatio) e a funo govemativa ou poltica stricto sensu (gubernatio) consoante se traduz em actos normativos (directa ou indirectamente, explcita ou implicitamente) e em actos de contedo no normativo.

    Para tanto, sempre sem laivos de originalidade, consideramos quer critrios materiais quer critrios formais e orgnicos. Ou seja: caracterizamos as funes em razo dos fins ou do objecto dos actos por que se desenvolvem, em razo dos seus modos e formas de manifestao e em razo dos rgos e das instituies atravs das quais so praticados esses actos.

    Mas esta tripartio no esgota, nos nossos dias, as actividades do Estado ou no as reflecte com suficiente clareza e homogenei-1

    dade. E mister ter em conta zonas de fronteira entre aquelas trs funes fundamentais e at funes complementares, acessrias ou atpicas.

    (1) Desde o estudo Chefe de Estado, Coimbra, 1970, pg. 24, nota.

    Como se v, seguimos de perto BURDEAU (e, mais remotamente, LoCKE), (2)

    mas autonomizando a funo jurisdicional (como bem parece indispensvel).

    Cfr., na doutrina portuguesa, ROCHA SARAIVA, Construo jurdica ..., li, cit., pg. 49; ARMANDO MARQUFs GUEDES, As funes do Estado contemporneo e os pri .no

    cpios fundamentais da reforma administrativa, Lisboa, 1968, pg. 6; AFONSO QUEIR, A funo administrativa, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1977, pg. 2; MARCELO REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, cit., pgs. 247 e segs., e Estado, in Dicionrio Jurdico da Adininistrao Pblica, iv, pgs. 217 e seus. (este Autor agrupa a funo poltica e a legislativa na rubrica de furies independentes e dominantes e a funo jurisdicional e a administrativa na de funes dependentes ou subordinadas).

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    23

    II - Eis o quadro classificatrio fundamental:

    FUNES

    CRITRIOS

    CRITRIOS

    CRITRIOS

    ORGNICOS

    MATERIAIS

    FORMAIS

    Funo poltica

    Definio prim-

    Liberdade ou dis-

    rgos (polticos

    (legislativa e gover-

    ria e global do inte-

    cricionariedade

    ou governativos) e

  • nativa ou poltica

    resse pblico; inter-

    mxima, o que no

    colgios em conexo

    Stricto SeILVU)

    pretao dos fins do

    si.-nifica n,orassubor-

    directa com a forma

    Estado e escolha dos

    dinao a re- jur-

    e o sistema de

    meios adequados

    icas (s da Consti-

    - vemo go

    para os atingir;

    tuio, desde logo);

    - Havendo plu-

    direco do Estado

    liberdade de escolha,

    ralidade de rgos,

    seno quanto ao con-

    ausncia de hierar-

    tedo, pelo menos

    quia e apenas rela-

    quanto ao tempo e

    es de responsabi-

    s circunstncias, ou

    lidade poltica

    no havendo esta

    (v- 9-, promulgao

    obrigatria), ausn-

    cia de sanes jur-

    dicas especficas

    Funo adminis-

    Satisfao cons-

    - Iniciativa (indo

  • Dependncia

    trativa

    tante e quotidiana

    ao encontro das

    funcional, com

    das necessidades

    necessidades)

    sujeio, no interior

    colectivas; prestao

    - Parcialidade

    de cada sistema ou

    de bens e servios

    (na prossecuo do

    aparelho de rgos

    interesse pblico), o

    e servios, a ordens

    que no impede

    e instrues (hierar-

    imparcialidade no

    quia descendente) e

    tratamento dos par-

    a recurso hierrquico

    ticulares (1)

    (hierarquia ascen-

    dente)

    - Coordenao e

    subordinao, com

    mais ou menos cen-

    tralizao e concen-

    trao ou descentra-

    lizao e desconcen-

    trao

    (1) Imparcialidade significa que a Administrao, porque prossegue o interesse pblico, no apoia, no favorece, no auxilia nenhum interesse particular, assim como no tem de se lhe opor por razes diversas do bem comum (Manual ..., iv, ciL, pg. 223, e autores citados; cfr., recentemente, MARIA 7_--RESA DE MELO RIBEIRO,0 princpio da imparcialidade da Administrao Pblica, Coimbra, 1996).

  • 24

    Manual de Direito Constitucional

    FUNES

    CRITRIOS MATERIAIS

    CRITRIOS FORMAIS

    CRITRIOS ORGNICOS

    Funo jurisdicional

    Declarao do direito; deciso de

    - Passividade (implicando necessi-

    - Indeperidncia de cada rgo, sem rejuzo de

    questes jurdicas, seja em concreto

    dade de pedido de outra entidade, defi-

    recurso P

    para rgos superio(hierarquia

    perante situaes de vida, seja em abstracto

    nio do objecto do processo atravs do pedido e necessi-

    aperes

    nas ascendente)- Em princpio,

    dade de deciso)

    atribuio a rgos

    - Imparciali-

    especficos, os tri-

    dade (posio super

    bunais, formados juizes (1)

    partes)

    por

    111 As funes correspondem os seguintes grandes tipos de actos do Estado, de actos jurdico-pblicos:

    Funo

    Leis Constitucionais - Actos constituintes e leis de reviso

    legislativa de

    constitucional

    - Actos

    contedo

    1

    De eficcia externa - Leis Stricto

    normativo Leis

    Leis Infraconstitu-

    Semw

    -

    cionais

    De eficcia interna - Regimentos de

    o ,o

    11:

    rgos polticos

    . w_

    f unao

  • o,o U

    ,o

    C>

    poltica

    Funo vernativa ou90

    stricto sensu

    Actos do povo activo

    Eleies Referendos

    Actos de Direito Interno

    - Actos de

    Actos

    contedo no normativo -- Actos

    Actos dos rgos governativos

    Actos polticos Stricto Sensu ou de Governo

    de Direito Internacional

    Polticos

    (1) V. a sntese dada no acrdo ri. 33196 do Tribunal Constitucional, de 17 de Janeiro de 1996, in Dirio da Repblica, 2. srie, ri. 102, de 2 de Maio de 1996: tribunal o rgo de que titular um juiz ou um colgio de juizes que, a requerio

    mento de pessoa singular ou colectiva, atravs de um procedimento imparcial e independente, decide, com fora obrigatria para os interessados, os factos integradores dos respectivos direitos e obrigaes, ou que fundamentam a acusao penal, aplicando-lhes o direito pertinente.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    25

    Funo admini.- trativa

    Actos de contedo normativo

    Actos de contedo no normativo

    Funo jurisdicional

    - Actos Jurisdicionais ou Sentenas Latissimo Se,,?,yu

    Actos externos - Regulamentos

    Actos internos - Instrues, estatutos, regimentos de r-os administrativos, regulamentos internos de servios

    Uni .laterais (por imposio de autoridade) - Actos administrativos, outros actos da Administrao

    Bilaterais (convencionais) - Contratos administrativos (ou, mais amplamente, contratos pblicos)

    Actos de contedo normativo - declaraes de inconstitucionalidade e de ilegalidade (e at h pouco tempo assentos)

    Actos de contedo no normativo - Sentenas Medio SerLvu (sentenas e acrdos) e decises interlocutrias

    IV - Olhando para o esquema de actos jurdico-pblicos acabado de apresentar, Verifica-se que no exerccio de qualquer das trs Z:I

    orandes funes do Estado Se Praticam actos nor-mativos. Eles no SC reduzem s leis, nem sequer aos regulamentos.

    0 que deve, Porm, entender-se Por acto normativo ou por norma jurdica (que o Contedo ou o resultado do acto normativo)?

    Em estrito plano doutrinal - Porque, COMO se mostrar na altura1 .

    propria, outra pode ser a perspectiva funcional Ou juspositiva parece prevalecer a tendncia no sentido de norma significar regra, critrio, prescrio (como se queira) com caractersticas de generalidade e, na maior parte das vezes, de abstraco. No entanto, Ml_ tiplas so as divergncias, reais ou

  • aparentes, acerca do que sejam essas caractersticas (2).

    Generalidade equivale a Pluralidade de destinatrios? A pluralidade indefinida? A indeterminao ou a indeterminabil idade? A mera no individualizao? Refere-se a uma categoria de pessoas? Consiste, afinal, em abstraco? E, por seu turno, reconduz-se abstraco a

    () Tambm Possvel inserir aqui convnios ou protocolos entre entidades administrativas, pois tudo corre ainda no interior da Administrao,

    Cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, op. cit., 1, pgS. 199 e segs.

  • 26

    Manual de Direito Constitucional

    indeterminao de facto ou de situaes a regular? Ou a tipicidade, ou a hipoteticidade, ou a futurabilidade, etc.?

    No cabe no escopo do presente manual a anlise de to intrincada problemtica, mais do foro da Teoria Geral do Direito do que do Direito constitucional. Toma-se indispensvel, apesar disso, aduzir uma, opinio, definir um entendimento que sirva de pressuposto de subsequentes consideraoes.

    Ora, tambm para ns, acto normativo , em princpio, acto de contedo geral, se bem que a generalidade no seja dele exclusiva e se depare, outrossim, no acto administrativo geral (1) e, porventura, at em certos actos polticos ou de governo.

    No acto normativo, os destinatrios so indefinidos, indeterminados ou indeterminveis, e recortam-se em abstracto, sem acepo de pessoas. J no acto administrativo geral (v. g_ a abertura de um concurso, o anncio de uma hasta pblica, talvez um plano de urbanizao), por mais alargados que sejam os destinatrios, eles circunscrevem~se e so sempre determinveis a posteriori, pois no momento da execuo do acto procede-se sua individualizao, tendo em conta os respectivos interesses mais ou menos diferenciados (2) (3).

    A generalidade inerente norma liga-se a no instantane idade, a repetitividade, a uma dimenso temporal, a uma pretenso imanente de durao (FORSTHOFF), a uma vigncia sucessiva (GOMES CANOTILHO). A norma aplica-se um nmero indefinido de vezes a uma pluralidade de pes-

    (1) Curiosamente no contemplado no conceito de acto administrativo do art. 120. do Cdigo do Procedimento Administrativo.

    (2) Cfr., entre ns, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 1,10. ed., Lisboa, 1973, pg. 437; AFONSO QUEIR, Lies.--- pgs. 410 e segs., e7oria dos Regulanientos, in Revista de Direito e Estudos Sociais, 1980, pgs. 2 e 3; ROGRIO SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pgs. 81 e segs.; ALVES CORREIA, 0 plano de urbaniZao e o princpio da igualdade, Coimbra, 1990, pgs. 233 e segs.; GOMES CANOTILHO, anotao ao acrdo do Supremo Tribunal Administrativo (1. Seco) de 11 de Maio de 1989, in Revista de Legislao e de Jurisprudncia, n. 3790, pg. 19. Noutros pases, cfr., por todos, ALDo SANDULU, Sugh atti aniministravi generali a contenuto non norniativo, in Scritti giuridici in niernoria di V E. Oriando, obra colectiva, ii, Pdua, 1957, pgs. 449 e seggs.

    (3) Diferente o acto administrativo de eficcia em relao a terceiros: cfr. VASCO PEREIRA DA SiLvA, Em busca do acto administravo perdido, Lisboa, 1995, pgs. 450 e seggs.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    27

    soas, o acto administrativo geral uma S Vez (MICHEL FRomoNT). A execuo da norma no a esgota, nem a consome; afirma-a (GARCIA DE ENTERRA). Pelo contrrio, o acto administrativo geral esgota-se numa nica aplicao o

    (ou com uma nica aplicao a cada um dos destinatrios). E mutatis mutandis isso ainda que acontece com actos polticos de eficcia geral (como a marcao de eleies) ou de execuo diferida como o programa do Governo (arts. 188.`, 189.` e 192.), que se vai cumprindo e, portanto esgotando, enquanto se vo realizando as medidas que contm (1).

    A norma envolve a distino entre o momento da sua emanao, e o momento do seu cumprimento (2); um padro de comportamento e de soluo, um quadro de referncia que, estabelecido agora, se projecta no tempo (em geral, no tempo futuro), mais ou menos distante ou imediato; e, precisamente por isso, uma norma pode dirigir-se a um nico destinatrio de cada vez (como sucede com qualquer norma sobre um rgo singular ou sobre o seu titular).

    Resta sublinhar as notas peculiares do acto legislativo, no confronto dos demais actos normatvos. Em

  • consequncia da sua insero na funo poltica, s o acto legislativo compreende - sem embargo de alguns limites - livre iniciativa, livre escolha

    Z> 1 do objecto, livre conformao do contedo e livre modlficab 1lidade (3) (e da implicaes na prpria generalidade, para quem aceite esta nota).

    Quanto abstraco como caracterstica do objecto ou do contedo do acto normativo, ninguem contesta ser incindvel do regulamento. gerais No da lei, porque h, a par das leis gerais e abstractas, certas leis

    e concretas - as chamadas leis-medidas, as leis de amnistias, as leis oramentrias, a que iremos aludir num prximo captulo.

    6. A funo poltica

    1 - Porque se trata de funes do Estado, a configurao de cada uma das funes acabadas de esquematizar em qualquer Estado em

    Cfr. infra.

    (2) Estamos raciocinando no mbito dos actos do Estado, A norma de origem consuetudinria justificaria outras reflexes.

    (3) Cfr. BARBOSA DE MELO, op. cit., pgs. 28 e segs.

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    Manual de Direito Constitucional

    concreto relaciona-se com a forma - unitria ou complexa - de enlace de povo, poder poltico e territrio e com a ideia de Direito a dominante, com a sua Constituio. Para l de tudo quanto se encontre de comum, observam-se iniludveis variaes e inflexes de pas para pas, e em cada pas ao longo dos tempos; observam-se quanto aos fins e estrutura dos actos e quanto aos rgos competentes para os emanar.

    Mais ainda, o especfico da funo poltica reside na sua incindibilidade total da forma e do sistema de governo (1). .Se os rgos administrativos e os jurisdicionais se aproximam, mais ou menos, por toda a parte, j as instituies polticas so apenas aquelas que a Constituio cria - e a Constituio tem, necessariamente, de as criar e regular, sob pena de sua inefectividade - e, em cada caso, em sintonia com a forma e o sistema de governo constitucionalmente consagrados.

    E oposta a organizao poltica em monarquia absoluta e em democracia representativa, e nesta e em governo leninista ou em governo fascista. 0 povo activo ou eleitorado somente adquire relevncia (ou relevncia plena) em democracia representativa. E no menos sensveis vm a ser as diferenas de papel e de poderes de Parlamento, Presidente da Repblica e Governo em sistema parlamentar, em sistema -presidencial e em sistema sem,- presidencial.

    11 - Reconhecemos o risco de, com a associao das funes legislativa e govemativa, se afectar o sentido mais tradicional de lei (que a liga a racionalidade e a permanncia) ou se vir a instrumentaliz-la ao servio desta ou daquela ideologia (2).

    Entretanto, seguro que a lei sempre esteve inserida, directa ou indirectamente, consciente ou inconscientemente, nas referncias

    (1) Sobre estes conceitos, v. Manual ..., iii, cit., pgs. 254 e 255, e Cincia Poltica - Formas de Governo, Lisboa, 1996, p-. 35.

    (2) Cfr., por exemplo, CASTANHEIRA NEVES, A reduo poltica do pensantento metodolgico-juridico, Coimbra, 1993, pg. 3.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    29

    e nas opoes fundamentais da vida colectiva e que, sobretudo no sculo xx, sofre o impacto das variveis conjunturas polticas (1) (2). De resto, a lei no se confunde com o Direito; ela apenas, em cada instante, uma das suas expresses e o Direito envolve-a e ultrapassa-a (3).

    Por outro lado, a funo govemativa participa dos mesmos valores e do mesmo enquadramento institucional da funo legislativa. Nenhuma das decises em que se desdobra pode aperceber-se ou deixar de ser apreciada sua margem (4).

    7. A funo administrativa e a funo jurisdicional

    I - Atravs da funo administrativa realiza-se a prossecuo dos interesses pblicos correspondentes s necessidades colectivas1

    prescritas pela lei, sejam esses interesses da comunidade poltica como um todo ou com eles se articulem relevantes interesses sociais diferenciados (5)

  • Na funo jurisdicional define-se o Direito (juris dictio) em concreto, perante situaes da vida (litgios entre particulares, entre entidades pblicas e entre particulares e entidades pblicas, e aplicao de sanes), e em abstracto, na apreciao da con s ttuc ional idade e da legalidade de normas jurdicas.

    (1) Neste sentido, entre tantos, CASTANHEIRA NEVES, 0 instituto ..., cit., PAF90. 487; NUNO PIARRA, A separao .... cit., pgs. 254 e segs.; OU MANUEL

    NSO VAZ, Lei e reserva da lei - A causa da lei na Constituio portuguesa de 1976, Porto, 1992, pgs. 499 e segs.

    (2) Uma lei aprovada por certa maioria parlamentar ter certa orientao; se fosse aprovada por outra maioria, poderia ter um sentido completamente diverso.

    (3) Assim, A Revoluo de 25 de Abril e o Direito Constitucional, Lisboa,1975, pgs. 19-20.

    (4) Ck CRISTINA QUEIROZ, Os Actos Polticos no Estado de Direito, Coimbra,

    1990, pgs. 65 e segs., 107 e segs. e 146 e segs.

    () No primeiro termo trata-se de administrao do Estado, directa ou indirecta; no segundo, de administrao autnoma (autarquias locais, associaes pblicas, universidades pblicas). V. Manual ..., 111, cit., pgs. 207 e segs.

    (6) Cfr- j JUSTINO DE FREITAS, op. cit., pg. 3 1.

  • Manual de Direito Constitucional

    Donde:

    -0 interesse pblico como causa dos actos da funo adrni-

    nistrativa; e o cumprimento das normas jurdicas como causa dos actos da funo jurisdicional

    Uma postura essencialmente volitiva e prospectva a da administrao; e uma postura essencialmente intelectiva e retrospectiva a da jurisdio;

    Na funo administrativa, o predomnio da componente autoritria, mesmo se tem de se compaginar com a crescente afirmao de garantias dos administrados (arts. 267.0 e 268. da Constituio) e com forinas associativas de organizao (2); e na funo jurisdicional a presena do princpio do contraditrio (art- 32.0, n.o 5), mesmo se nem sempre o processo concebido COMO Processo de partes;

    A maior liberdade relativa dos rgos da funo administrativa, com gradaes vrias no caso do chamado poder discricionrio, ainda que o princpio da legalidade, mais do que compatibilidade, implique conformidade dos actos com a lei (3) e nunca o interesse pblico se lhe possa sobrepor (4).

    (art. 266.0 da Constituio)

    Vale a pena evocar aqui palavras de MARCELLO CAETANO:

    a) Quando est em causa um conflito de interesses, quer se trate de dois interesses privados, quer de um interesse privado e de um interesse pblico,

    as adjectivas). Ou Cfr. Contributo ..., cit., pg. 223 (em relao a nomi

    acrdo n. l0485 do Tribunal Constitucional, de 26 de Junho de 1985 (in Acrdos do Tribunal Constitucional, v, pg. 639); ao passo que o mediuni da jurisdio a vontade da lei (concretizada no apuramento da concluso decisria a partir das premissas previamente enunciadas do silogismo judicirio), o niediuni da administrao a vontade prpria (o que pressupe a possibilidade de agir sobre as vrias alternativas propostas pela lei).

    (1) V. o nosso estudo As associaes pblicas no Direito portugus, Lisboa,1985.

    (3) Cfr. ANDR GONALVES PEREIRA, Erro e ilegalidade no acta administrativo, Lisboa, 1962, pgs. 37 e segs.

    (4) Cfr., por todos, SRVULO CORREIA, Legalidade e autonomia contratual nos contratos adininistrativos, Lisboa, 1987, niaxinie pgs. 188 e segs.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    31

    a execuo da lei exige prvia definio do interesse que disfruta da proteco jurdica para assim se deslindar o conflito. 0 essencial verificar as circunstncias em que o problema se pe, definir com preciso os elementos de facto constitutivos da hiptese, para depois se fazer justa aplicao do Direito. 0 rgo do Estado executor da lei procede sobretudo mediante operaes intelectuais: verifica os factos e ajusta-lhes o Direito aplicvel.

  • Tal modo de executar a lei exige perfeita imparcialidade do rgo de execuo: este no deve estar de modo nenhum interessado no conflito (ningum pode ser juiz em causa prpria) e no deve resolver sem ouvir todos os interessados. Por outro lado, a prpria natureza deste processo

    a ir exige que o rgo de execuo s actue quando lhe seja pedido z

    dor um dos interessados, pelo menos. Estas regras observam-se mesmo quando o conflito se d entre interesses representados pelo prprio Estado e outros quaisquer: o rgo competente para aplicar a lei tambm se h-de mennStied)era espearairalo, scoinmtepe sindso a o oEagdoo q0 Ministrio Pblico, geralco rerpirm ntc ret quoeutr str uer fazer valer.

    Imparcialidade e passividade so, pois, as caractersticas do processo jurisdicional da execuo das leis.

    b) Mas o Estado promove e assegura a execuo das leis sem esperar que do choque de interesses resultem conflitos em que duas ou mais par tes reivindiquem a proteco jurdica na convico de lhes ser devida.0 Estado tem rgos que tomam a iniciativa da realizao dos comandos legais, directamente ou mediante a orientao da conduta dos particulares. E nesses casos os rgos do Estado procedem como se fossem eles prprios os titulares dos interesses que a lei quer ver em aco, agindo como partes nas relaes com os particulares, isto , com parcialidade. 0 Estado no espera que lhe venham pedir que intervenha para executar a lei: aproveita faculdades legais, usa os seus poderes, cumpre os seus deveres, escolhendo quando lhe seja possvel as oportunidades de interveno e determinando-se nela por motivos de convenincia. Assim, as decises ou operaes de vontade predominam sobre os julgamentos ou operaes de inteligncia. E o Estado, na medida em que se proponha realizar os seus interesses, pode entrar em conflito com outros interessados.

    Parcialidade e iniciativa aparecem-nos agora como caractersticas do processo administrativo da execuo das leis (1) (2).

    (1) Direito Constitucional, i, cit., p-s. 208 e segs.

    (2) Sobre a funo jurisdicional, v. ainda na doutrina portuguesa das ltimas dcadas, JOS CARLOS MOREIRA, Op. cii,, pgs. 376 e segs.; CASTRO MENDES,

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    Manual de Direito Constitucional

    II - Para se compreender melhor o alcance das duas funes no mbito do ordenamento jurdico, importar acrescentar trs pontos.

    Em primeiro lugar, no deve tomar-se letra ou exagerar-se o seu carcter executivo, pois numa e noutra tambm se encontram momentos ou elementos irredutveis de criao, de interveno constitutiva ou de densificao de normas: basta pensar na emanao de regulamentos independentes ou autnomos (adstritos a uma pluralidade no especificada de leis, e no a esta ou quela lei) (1) e na elaborao jurisprudencial do Direito C).

    0 direito de aco judicial, Lisboa, 1959, pgs. 286 e segs.; ALBERTO XAVIER, o processo administrativo gracioso, 1967, pgs. 40 e segs.; JORGE MIRANDA, Contributo ..., cit., pgs. 221 e segs.; Rui MACHETE, Contencioso administrativo, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, li, pgs. 734 e segs.; AFONSO QUEIR, Lies ..., cit., pgs. 36 e 43-44; MiGuEL TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre a teoria do processo declarativo, Coimbra, 1980, pgs. 19 e segs.; Joo BAPTISTA MACHADO, Jurisprudncia, in Polis, iii, pgs. 844 e segs., e Introduo ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coirribra, 1983, pgs. 139 e segs., maxime 146, OLIVEIRA AscENsO, Os Acrdos com Fora Obrigatria Geral do Tribunal Constitucional como Fonte de Direito, in Nos Dez Anos da Constituio, obra colectiva, 1987, pgs. 255 e segs.; ANTNIO MARTINEZ VALADAS PRETO, Jurisdio, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, v - pgs. 319 e segs. Na doutrina de outros pases, v., a ttulo de exemplo, VOrdinamento Giudizirio, obra colectiva ed. por Alessandro Pizzorusso, Bolonha, 1974, pgs. 139 e segs.; IGNACIO DE OTro, Estudios sobre el Poder Judicial, Madrid,19.89, pgs. 17 e segs.; ou DomINIQUE DAMBRA, Lobjet de Ia fonction juridictionnelle: dire le droit et trancher les litiges, Paris, 1994.

    0 tema tem sido objecto de mltiplos acrdos do Tribunal Constitucional, entre os quais: acrdo n. 365/91, de 7 de Agosto de 1991, in Dirio da Repblica,2. srie, n.` 196, de 27 de Agosto de 1991; acrdo n. 52/92, de 5 de Fevereiro de 1992, ibidem, 1. srie-A, n. 62, de 14 de Maro de 1992; acrdo n. 179/92, de 7 de Maio de 1992, ibidem, 2. srie, n.` 216, de 18 de Setembro de 1992; acrdo n. 331/92, de 21 de Outubro de 1992, ibidem, 2. srie, n. 264, de 14 de Novembro de 1992; acrdo n.` 394195, de 27 de Junho de 1995, ibidem, 2. srie, n. 264, de 15 de Novembro de 1995; acrdo n.` 630/95, de 8 de Novembro de 1995, ibideni, 2. srie, n. 92, de 18 de Abril de 1996; acrdo n. 496/96, de 20 de Maro de 1996, ibidem, 2. srie, n.` 164, de 17 de Julho de 1996.

    (1) JORGE MIRANDA, Regulamento, in Polis, v, pg. 268-

    (2) Cfr. OLIVEIRA AsCENSO, 0 Direito - Introduo e Teoria Geral, 9. ed., Coimbra, 1995, pg. 303. Mais amplamente, V. MAURO CAPPELLETTi, Giudici Legislatori?, Milo, 1984, OU PAULO OTERO, Op. Cit., i, pgs. 45 e segs., e autores citados. e,

    Sobre a diferena entre a criao legislativa e a criao jurisdicional do Direito, V. CASTANHEIRA NEVES, 0 instituto ..., cit., pgs. 403 e segas.

    Parte V -Actividade Constitucional do Estado

    33

    Tal Como, em contraparuda, se a le 1ordinria no pode conceber-se como mera execuo da Constituio, no raro aparece referida a certas e determinadas normas constitucionais, para as regulamentar (no domnio dos direitos, liberdades e garantias) ou para as concretizar e lhes conferir exequibilidade (no domnio dos direitos economicos, sociais e culturais) (1); e h quem fale em imposies legiferantes (2).

    Se bem que o poder poltico se ostente de modo mais forte, mais intenso e mais impressivo na feitura das leis e nas decises de governo, no deixe de se manifestar igualmente na funo adminisc Zn

    trativa e na funo jurisdicional. Sociologica e juridicamente, a Administrao apresenta-se como poder (3). E o poder do juiz no , de jeito algum, um poder nulo ou neutro como supunha MONTESQUIEU (4); muito menos o do juiz constitucional (5). A justia administrada em nome do povo (art. 202., ri. 1), o que significa que o juiz se deve fazer tambm intrprete da inteno jurdico-social da comunidade (6).

    To pouco pode ignorar-se a significao poltica que assumem IZ, muitos dos actos tanto da funo administrativa (quando provenien-

    (1) Cfr. Manual ..., li, 3. ed., Coimbra, 1991, pgs. 70, 246 e segs. e 507 e segs., e iv, cit., pgs. 277 e 278.

    (2) GOMES CANOTILHO, Constituio dirigente ..., cit., pgs. 313 e segs. Sobre as relaes materiais entre Constituio e lei, pgs. 215 e segs.

  • (3) Ck MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, i, cit., pgs. 15 e 16; PAULO OTERO, Op. cil., pgs. 31 e segs. e 109.

    Como parcela do poder poltico, o poder administrativo funda-se na Constituio (arts. 3. e 266.>, n. 2), mas atravs da lei (ainda art. 266., n. 2); e, por isso, salvo em casos contados, vedado aos rgos administrativos deixar de cumprir preceitos legais a pretexto da sua inconstitucionalidade. V. Manual ..., li, cit., pgs. 431 e segs., e iv, cit., pgs. 281 e segs.

    (1) De lEsprit des Lois, cap. vi do livro xi (consultmos a edio de GONZAGUE TRUC, Paris, 1961, 1, pg. 165).

    (5) Cfr., por todos, VOrdinamento, giudizirio, cit., pgs. 205 e segs.; MICHEL TROPER, Fonclion juridiclionnelle ou pouvoir judiciaire?, in Pouvoirs, 16, 198 1, pgs. 5 e segs.; ou GOMES CANOTILHo, Direito, direitos, Tribunal, tribunais, in Porlugal - 0 sistema poltico e constitucional - 1974-1987, obra colectiva, Lisboa,1989, pgs. 901 e segs.

    (6) CASTANHEIRA NEVES, 0 instituto ..., cit., pgs. 422-423.3 - Manual de Direito Constitueional, V

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    Manual de Direito Constitucional

    tes do Governo ou de rgos electivos de entidades descentralizadas) como da funo jurisdcional (v. g., actos de fiscalizao abstracta, preventiva ou sucessiva, de constitucional idade ou de jurisdio relativa a crimes de responsabilidade de titulares de cargos polticos). Isto ainda sem atender s precompreenses, conotaes ou implicaes metajurdicas a que nunca conseguem subtrair-se os titulares de rgos de uma e outra funo (1).

    8. Zonas de fronteira e funes complementares, acessrias e atpicas

    I - Os actos prprios de cada funo devem provir, em princpio, de rgos distintos. Todavia, encontram-se - no Direito portugus como noutros - algumas interpenetraes e inevitveis zonas cinzentas.

    Refira-se, por um lado:

    A justia administrativa (ou, talvez melhor, a administrao jurisdicionalizada), por meio da qual a Administrao pblica chamada a proferir decises essencialmente baseadas em critrios de justia material (2) (3).

    (1) Cfr., por exemplo, MARTIN SHAPIRO, Couris - A Coniparative and Political Analysis, Chicago e Londres, 198 1.

    (2) FREITAS Do AMARAL, Direito Administrativo, policopiado, ii, Lisboa, 1988, pgs. 180 e segs. Alude notao dos funcionrios pblicos pelos superiores hierrquicos, graduao da pena em processo disciplinar, classificao dos alunos nos exames escolares e dos candidatos nos concursos pblicos de recrutamento ou provimento, classificao das propostas em concurso pblico para adjudicao de contratos, apreciao de queixas e reclamaes de particulares, deciso de recursos hierrquicos e tutelares.

    (3) A perda de mandato de titulares de rgos das autarquias locais por deliberao dos mesmos rgos poderia tambm incluir-se nesta categoria se no fosse inconstitucional, por se traduzir em sanes que pem em causa o direito de acesso a cargos pblicos (art. 50. da Constituio) e levar o risco de a maioria destituir representantes da minoria. Porm, o Tribunal Constitucional admite-a: v. acrdo ri. 573/96, de 16 de Abril de 1996, in Dirio da Repblica, 2. srie, n.` 165, de 18 de Julho de 1996.

    Parte V -Actividade Constitucional do Estado

    35

    Por outro lado, mencionem-se:

    A jurisdio voluntria (arts. 1409.` e segs. do Cdigo de Processo Civil), que consiste em actos substancialmente administrativos revestidos de forrna judicial (1);

    A verificao pelo Tribunal Constitucional de certos factos e actos respeitantes ao Presidente da Repblica e a candidatos a Presidente da Repblica [art. 223., ri. 2, alneas a), b) e d), da Constituio);

    - A admisso pelos tribunais das candidaturas a titulares de rgos electivos (2);

    - A elaborao pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal de Contas de regulamentos internos necessrios ao seu bom funcionamento [arts. 36., alnea b), e 106.- na redaco da Lei ri. 88195, de 1 de Setembro - da Lei ri.28/82, de 15 de Novembro; e art. 6.`, alnea a), da Lei ri. 98/97, de 26 de Agosto] (3);

    - Os actos produzidos ao abrigo das competncias administrativas dos presidentes dos tribunais (art. 86. da Lei ri. 49/88, de 19 de Abril, na redaco dada pela Lei ri. 24192, de 20 de Ag Sto) (4);

    t>O

    Em geral, os actos de execuo pelos tribunais das suas prprias decises.

    Cfr., por exemplo, entre ns, CASTRO MENDES, Manual de Processo Civil, Lisboa, 1963, pgs, 40 e segs.; ALBERTO XAVIER, op. cit., pgs. 23 e segs.; Rui MACHETE, Contribuio para o estudo das relaes entre o processo administrativo gracioso e o contencioso, Lisboa, 1969, pgs. 37 e segs.; ANTUNES VARELA C SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, pgs. 65 e segs.; LEBRE DE FREITAS, Introduo ao processo civil, Coimbra, 1996, pgs. 50 e segs.

    (2) Quanto ao Presidente da Repblica e quanto aos Deputados ao Paria~ mento Europeu, perante o Tribunal Constitucional [arts. 8.`, alnea a), e 92.` e segs. da Lei ri. 28/82 e art. 9. da Lei ri. 14/87, de 29 de Abril, respectivamente]. Quanto aos Deputados Assembleia da Repblica e s assembleias legislativas regionais dos

  • Aores e da Madeira e quanto aos titulares de rgos das autarquias locais, perante os tribunais judiciais (arts. 23. e segs. da Lei ri. 14179, de 16 de Maio, arts. 14. e segs. do Decreto-Lei n. 318-E/76, de 30 de Abril, arts. 23.` e segs. do Decreto-L.,--i nf 267180, de 8 de Agosto, e arts. 17.` e segs. do Decreto-Lei ri. 701-13176, de 29 de Setembro, respectivamente).

    (3) Mais amplamente, no Brasil, compete privativamente aos tribunais elaborar os seus regimentos internos, dispondo sobre a competncia e o funcionamento dos resPectivos rgos jurisdicionais e administrativos [art. 96., ti, alnea a), da Constituio).

    (4) A par da administrao judiciria integrada no Ministrio da Justia.

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    Manual de Direito Constitucional_

    Por outro lado, ainda:

    - A verificao dos poderes dos Deputados Assembleia da Repblica (art. 2.` do Regimento) (1); blica, eventual-- A deciso do Presidente da Assembleia da Rep

    mente com recurso para o Plenrio, sobre a admisso ou a rejeio de projectos e propostas de lei tendo em conta a sua conformidade com a Constituio (arts. 138. e 139.` do Regimento).

    Por significativos que sejam estes actos, no so eles que individualizam as funes do Estado ou que afectam o ncleo especifi~ cador dos rgos a que so cometidos. Do que se trata ou de aproveitar caractersticas, requisitos ou garantias formais de certa actividade em nome de outros princpios poltico-constitucionais, ou de proporcionar condies para o cabal exerccio de certa funo, ou de praticar actos complementares de actos prprios de certa funo, a ela indispensveis (I). E, evidentemente, uma coisa a funo; outra coisa a competncia de um rgo, na qual podem entrar faculdades decorrentes de funes diversas.

    Il - No obstante, cumpre reconhecer que nem todos os actos e actividades do Estado se reconduzem s funes fundamentais ou clssicas.

    E o que sucede com o parecer do Tribunal de Contas sobre a conta geral do Estado [art. 214., ri. 1, alnea a), da Constituio], destinado a habilitar a Assembleia da Repblica a melhor exercer a sua (3).

    fiscalizao poltico-financeira [art. 162., alnea Ifl

    E o que sucede, sobretudo, com a actividade do Ministrio

    (1) Cfr. JORGE MIRANDA, Deputado, Coimbra, 1974, pgs. 19 e 20, e autores citados.

    (2) Cfr. MARCEL WALINE, lmenis dune thorie de Ia juridiction constitulionnelle en droit positif franais, in Revue du droit public, 1928, pgs. 441 e segs .; SALVATORE CARBONARO, Nozione e limiti della interferenza funzionale - analisi e sistema delle fun--ioni, Florena, 1950; ou, sobre a jurisdicionalizao de determinadas funes, GOMES CANOTILHo e VITAL MOREIRA, Op. cit., pg. 793-

    (3) Cfr. SOUSA FRANco, Finanas Pblicas e Direito Financeiro, 1, 4. ed., Coimbra, 1992, pg. 46 1; TEIXEIRA RIBEIRO, Lies de Finanas Pblicas, 5. ed., Coimbra, 1995, pg. 130.

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    37

    Pblico em processo penal (art. 219.0, rLO 1), que no se integra nem na administrao - apesar da iniciativa - nem na jurisdio apesar de actividade estruturalmente conexionada com a dos tribunais (1).

    1Com efeito, o Ministrio Pblico no aparece a como parte no sentido de defender um interesse contraposto ao do arguido (2); antes, deve colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realizao do direito, obedecendo em todas as intervenes processuais a critrios de estrita objectividade (art. 53., ri. 1, do Cdigo de Processo Penal), tendo, inclusive, legitimidade para recorrer no exclusivo interesse do arguido [art. 401., n. 1, alnea a)]. E, dotado de estatuto prprio e de autonomia (art. 219., n. 2, da Constituio), assim serve de anteparo da independncia dos tribunais (3) sem se confundir com eles (4).

    Fenmeno novo entre ns (5) praticamente s surgido com a

    (1) Assim, FRANco BASSI, Qp. cit., pgs. 207 e 208; FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, i, Coimbra, 1974, pgs. 362 e segs., maxime 367 e 368; CUNHA RODRIGUES, Ministrio Pblico, in Dicionrio Jurdico da Administrao Pblica, v, pgs. 502 e segs., ntaxime 536 e segs.

    (2) Rui PEREIRA, Ministrio Pblico: hierarquia e autonomia, in Revista do Ministrio Pblico, 1994, pg. 74; acrdo n.` 5/94 do Supremo Tribunal de Justia, in Dirio da Repblica, 1. srie-A, n. 289, de 16 de Dezembro de 1994.

    (3) 0 Ministrio Pblico tem uma funo de iniciativa condicionante da actividade dos tribunais (CUNHA RODRIGUES, Op. Cit., IOC. cit., pg. 541) e parece importante que a perseguio dos crimes ou a luta contra a criminalidade no dependa necessariamente das opes polticas concretas feitas pelo Governo em cada momento (Deputado BARBOSA DE MELO, in Dirio da Assembleia Constituinte, n.> 100, reunio de 6 de Janeiro de 1976, pg. 3241; e tambm ANTNIO CLUNY,0 Ministrio Pblico e o Poder Judicial, in Revista do Ministrio Pblico, 1994, pg. 43).

    (4) Cfr. o tratamento sistemtico dos tribunais e do Ministrio Pblico na Constituio portuguesa e na brasileira (nesta, em captulo separado, sem deixar de falar no art. 127. em funo essencial administrao da justia).

    (5) Mas no nos Estados Unidos, na Gr-Bretanha e em vrios outros pases europeus. V. JEAN-Louis AUTIN, Les Autorits Administratives Indpendantes el Ia Constitution, in Revue Administrative, n. 244, 1988, pgs. 333 e segs.; ALBERM MASSERA, Autonomia e independenza nellamministrazione dcllo Stato, in Scritti in onore di Massimo Severo Giannini, obra colectiva, iii, Milo, 1988, pgs. 451 e segs.; CATHERINE TEITGEN-COLLY, Les instances de rgulation et Ia Constitution,

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    Manual de Direito Constitucional

    Constituio de 1976, vem a ser o dos rgos independentes da Administrao ou rgos que interferem no exerccio da funo

    dministrativa sem dependerem de direco, superintendncia ou tutela do Governo e cujos titulares, quase sempre eleitos, no todo ou em parte pelo Parlamento, gozam de inamovibilidade. Uns so criados directamente pela Constituio (1), outros pela lei ordinria (2), embora com fundamento naquela pela sua instrumental idade com direitos, liberdades e garantias e com princpios gerais de Direito eleitoral (3) (4).

    Enquanto recebem competncia de consulta ou de controlo no parece que estes rgos se situem fora da funo administrativa (no existe apenas a Administrao activa). J no quando ficam inves-

    in Revue du droit public, 1990, pgs. 153 e segs.; ANDRFs BETANCOR RODRIGuEz, Las administraciones independientes, Madrid, 1994.

    1 (1) Provedor de Justia (art. 23.), Alta Autoridade para a Comunicao Social (art. 39*), Conselho Econmico e Social (art. 95.`), Conselho Superior da Magistratura (arts. 217f, nf 1, e 218f), Conselho Superior dos Tlibunais Administrativos e Fiscais (art. 217 n. 2), Procurador-Geral da Repblica e Conselho Superior do Ministrio Pblicoart. 220f) e Conselho Superior da Defesa Nacional (art. 274f, ri.` 2).

    (2) Comisso Nacional de Eleies (Lei n. 71n8, de 22 de Dezembro), Conselho de Fiscalizao do Servio de Informaes (Lei n. 30/84, de 5 de Setembro, e Lei n,` 4195, de 21 de Fevereiro), Conselho Nacional de Educao (Lei ri. 46/86, de 14 de Outubro, e Decreto-Lei ri. 241/96, de 17 de Dezembro), Comisso Nacional de Etica1

    para as Cincias da Vida (Lei ri. 14190, de 9 de Junho), Comisso Nacional de Proteco dos Dados Pessoais Informatizados (Lei ri. 10191, de 29 de Abril), Comisso Nacional de Objeco de Conscincia (Lei n. 7/92, de 12 de Maio), Comisso de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei ri. 65193, de 26 de Agosto), Comissrio Nacional para os Refugiados (Lei n. 70/93, de 29 de Setembro), Comisso de Fiscalizao do Segredo de Estado (Lei n. 6194, de 7 de Abril), Conselho Nacional de Consumo (Lei n. 24196, de 31 de Julho) e Comisso da Carteira Profissional do jor-1

    nalista (Decreto-Lei ri. 305/97, de 11 de Novembro).

    (3) A reviso constitucional de 1997 aditou uma clasula genrica sobre entidades pblicas independentes (art. 267., n. 3), que deve ser interpretada limitativamente ( semelhana do art. 267., n. 2) e da liberdade de expresso e informao (art. 37., n. 3, in fine).

    (4) V. na doutrina portuguesa, JORGE MIRANDA, Sobre a Comisso Nacional de Eleies, in 0 Direito, 1992, pgs. 329 e segs.; FREITAS Do ANIARAL, Op. Cit., 1, pgs. 300 e segs.; PAULO OTERO, Op. Cil., ii, pgs. 577 e 722 (preconiza um princpio de numerus clausus, que rejeitamos por aquilo que dizemos no texto). E, na jurisprudncia, acrdo n. 505196, de 20 de Maro de 1996, in Dirio da Repblica,2. srie, n. 154, de 5 de Julho de 1996

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

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    tidos em competncias de regulao: assim, a Alta Autoridade para a Comunicao Social, que emite directivas genricas [art. 4., alnea a), da Lei ri. 15/90, de 30 de Junho]; a Comisso Nacional das Eleies, enquanto assegura a igualdade dos cidados eleitores e das candidaturas [art. 5., ri. 11, alneas b) e c), da Lei ri. 71/78, de 27 de Dezembro]; ou a Comisso Nacional para a Proteco dos Dados Pessoais Informatizados, enquanto emite directivas e fixa genericamenteas condies de acesso informao, bem como de exerccio do direito de rectificao e actualizao [art. 8., ri. 1, alneas e) e fl, da Lei n.o 10/9 1, de 29 de Abril]

    9. 0 problema da natureza dos assentos

    1 - Problema de algum modo ainda de limites - aqui entre a funo legislativa e a jurisdicional - era (ou ) o da natureza dos assentos (2) do Supremo Tribunal de Justia (bem como do Tribunal de Contas).

    embora com anteCom os assentos - instituio introduzida em 1926,

    cedentes longnquos no Direito portugus - procurava-se resolver conflitos de orientaes jurisprudenciais de tribunais superiores (3). Quando no domnio da mesma legislao, relativamente mesma questo fundamental de direito, fossem proferidas duas decises opostas do Supremo Tribunal de Justia (ou dos tribunais da Relao), podia recorrer-se do ltimo acrdo para o Supremo Tribunal de Justia, funcionando em tribunal pleno (arts. 763.0 e segs. do Cdigo de Processo Civil) (4) e a doutrina que fosse adoptada adquiriria fora obrigatria geral como constava do art. 2.` do Cdigo Civil.

    Mas o instituto foi, ao longo dos anos, dos mais controversos. Disdiscutiu-se a sua conformidade quer cutiu-se a sua natureza jurdica (5)

    (1) Porventura, poderia acrescentar-se a Comisso Nacional do Mercado de Valores Mobilirios (arts. 6. e segs. do respectivo

  • Cdigo) se pudesse ser considerada tambm rgo independente da Administrao.

    (2) Assento, do verbo assentar: fixar, estabelecer, firmar. 0 termo (tambm de ressonncias antigas) foi adoptado desde o Cdigo de Processo Civil de 1939. () V. uma resenha histrica em RIBEIRO MENDES, Os recursos em processo civil, 2. ed., Lisboa, 1994, pgs. 273 e segs.

    (4) Quanto aos assentos do Tribunal de Contas, v. arts. 6. e segs. da Lei n. 8/82, de 26 de Maio.

    (1) Alm dos autores citados em Contributo ..., pg. 197, nota, pronunciaram-se no sentido da natureza legislativa dos assentos, CASTANHEIRA NEVES, 0 ins-

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    Manual de Direito Constitucional

    com a Constituio de 1933 quer com a de 1976, discutiu-sc a sua convenincia. 0 Tribunal Constitucional veio a propender pela inconstitucionalidade daquele preceito do Cdigo Civil (1) e o art. 4., ri. 2, do Decreto-Lei ri. 329-A/95, de 12 de Dezembro (de reforma do processo civil) acabaria por o revogar (2) (3) (4).

    tituto ..., cit., maxime pgs. 315 e segs.; Assento, in Polis, 1, pgs. 417 e segs., e 0 problenta da conslitucionalidade dos assentos, Coimbra, 1994; GOMES CANOTILHo, anotao ao acrdo ri. 359/91 do Tribunal Constitucional, in Revista de Legislao e de Jurisprudncia, ri. 3811, Fevereiro de 1992, pgs. 318 e segs., e Direito Constitucional, cit., pgs. 784 e 996-997; RIBEIRO MENDES, Op- cil., pg. 295; MENEZES CORDEIRO, Da inconstitucionalidade da revogao dos assentos, in Perspectivas Constitucionais - Nos 20 anos da Constituio de 1976, obra colectiva, Coimbra,1996, pg. 801 (mas fundamentando os assentos em costume constitucional).

    - No sentido da natureza jurisdicional, pronunciaram-se recentemente AFONSO QUEIR, Lies ..., cit., pgs. 386 e segs.; DIAS MARQUES, introduo ao Estudo do Direito, Lisboa, 1986, pg. 99; OLIVEIRA ASCENSO, Os Acrdos com Fora Obrigatria Geral ..., cit., loc. cit., pg. 262, e 0 Direito ..., cit., pgs. 316 e segs.; BARBOSA DE MELO, Sobre 0 PrOblema ..., Cit.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Estado, cit., loc. cit., pg. 222; HELENA CRISTINA TOMS, Em torno do regime dos assentos em processo civil, Lisboa, 1990, pgs. 101 e segs.; MARCELO REBELO DE SousA e SOFIA GALVO, introduo ao Estudo do Direito, Lisboa, 1991, Pg. 106; ANTUNES VARELA, anotao ao acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 18 de Maro de 1986, in Revista de Legislao e de Jurisprudncia, ri, 3813, Abril de 1992, pgs. 373 e segs.

    (1) Foi, primeiro, o acrdo n. 810/93, de 7 de Dezembro de 1993 (in Dirio da Repblica, 2. srie, n. 5 1, de 2 de Maro de 1994) - seguido pelos acrdos n.01 407 e 410194, de 17 e 18 de Maio de 1994, respectivamente - a julgar inconstitucional, em fiscalizao concreta, o art. 2.` do Cdigo Civil na parte em que atribua aos tribunais competncia para fixar doutrina com fora obrigatria geral.

    E foi, depois, o acrdo n. 743196, de 28 de Maio de 1996 (in Dirio da Repblica, 1. srie-A, ri. 165, de 18 de Julho de 1996) - a declarar a inconstitucionalidade com fora obrigatria geral.

    De notar, porm, que o acrdo ri. 810193 no se cingiu a um juizo de inconstitucionalidade parcial do referido art. 2.` Procurou tambm fazer um trabalho de reconstruo, admitindo doutrina obrigatria geral para os tribunais integrados na ordem do tribunal emitente, susceptvel de por este vir a ser alterada.

    Cfr. os comentrios de CASTANHEIRA NEVES (0 problema ---, cit.), de ns prprios (in 0 Direito, 1995, pgs. 204 e segs.) e de VITALINO CANAS (Tribunal Constitucional - rgo de estratgia legislativa?, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1996, pgs. 393 e segs.).

    (2) E por revogar os prprios assentos (o que mereceu os reparos de MENEZES CORDEIRO, Op. cil., loc. cit., pgs. 799 e segs. - a que respondeu, quanto questo da constitucional idade, TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre a constituciona lidade

    Parte V -Actividade Constitucional do Estado

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    11 - Dada a importncia que a matria teve (e que pode, qui, ainda voltar a ter) no queremos deixar de recordar e de reiterar a nossa opinio sobre a natureza da figura, remetendo a posio sobre a sua constitucionalidade para quando analisarmos o art. 112. da Lei Fundamental.

    Sempre entendemos (1) que o assento revestia natureza jurisdicional. E, em resumo, por trs razes bsicas:

    - A causa da lei interpretativa, como a de qualquer outra lei, vem a ser a realizao do interesse pblico; a causa da produo de assentos consistia no cumprimento da lei, de acordo com critrios meramente jurdicos;

    - 0 assento nem traduzia liberdade de contedo, nem liberdade de formao; era a deciso final de um processo em fase de recurso;- 0 Supremo Tribunal de Justia no podia (desde 1961) modificar

    qualquer assento que tivesse pronunciado; pelo contrrio, um rgo legislativo haveria de poder modificar, ou mesmo revogar, qualquer lei, interpretativa ou no, que tivesse aprovado (2).

    CASTANHEIRA NEVES contra-argumentava (3) sustentando que a falta de iniciativa era uma nota secundria de carcterfinal e que se teria de mini-

    da converso dos assentos, in Revista da Ordem dos Advogados, 1996, pgs. 707 e segs.).

  • (3) Em vez de assentos, passou, doravante, a haver um regime de revista ampliada com deciso, tomada em seces cveis reunidas, obrigatria apenas para os tribunais judiciais (art. 732.-A do Cdigo de Processo Civil, novo). E tambm em processo penal se prev que o acrdo que resolva conflito de jurisprudncia constitua jurisprudncia obrigatria para os tribunais judiciais (art. 445.` do Cdigo de Processo Penal).

    V. CARLos LopEs Do REGO, A uniformizao da jurisprudncia no novo Direito Processual Civil, Lisboa, 1997: agora os acrdos de uniformizao de jurisprudncia so apenas precedentes judiciais qualificados (pgs. 11 e 32).

    (4) Curiosamente, no Brasil pretende-se agora constitucional izar um instituto semelhante ao dos assentos: a smula vinculante. Cfr. (alis em postura crtica) CARMEN UCIA ANTUNEs ROCHA, Sobre a smula vinculante, in Revista de Informao Legislativa, ri.> 133, Janeiro-Maro de 1997, pgs. 51 e segs.

    (1) Contributo ..., cit., pgs. 196 e segs.; Funes, rgos e Actos do Estado, Lisboa, 1986, pgs. 206-207, e 1990,pgs. 342-343 (embora no quadro dos actos com fora de lei); Manual ..., ti, 3. ed., pg. 419; anotao ao acrdo ri. 810193, cit.

    (2) V. Contributo ..., cit., pgs. 199 e segs. (com maior desenvolvimento). (3) 0 problema ..., cit., pg. 96.

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    Manual de Direito Constitucional

    fonnao da mizar, se se tivesse presente que tambm a liberdade de

    legislao no era absoluta, e nem sempre se verificava, posto que decerto mediante outro condicionalismo jurdico, corno no-lo mostrava, desde logo, o regime da inconstitucionalidade por omisso. Contudo, poder-se-ia replicar que essa liberdade de formao era inseparvel do contedo de deciso da lei, s se compreendia ao seu servio, e que eram, de todo em todo diversos, o dever de legislar para conferir exequibilidade a uma norma constitucional - programtica ou preceptiva no exequvel - e o dever de resolver um conflito de solues jurisprudenciais (I).

    111 - Numa primeira fase, escrevemos que o assento possua uma eficcia geral sem ser normativa; que a se executava uma norma; que no havia um limite que surgisse novo, havia uma questo que se decidia luz do Direito j existente. Depois abandonmos essa maneira de ver, para, pura e simplesmente, descortinannos nele um acto normativo da funo jurisdicional (2).

    No se tratava de normas legislativas nem de interpretao autntica em acepo prpria; faltava-lhe o irrecusvel elemento poltico que nestas sempre se exibe. Tratava-se, sim, de normas jurisprudenciais, o que explicava

    spondiam, bem a sua necessria acessoriedade perante a lei a que corre

    como as limitaes da sua emanao. Nem se outorgava ao tribunal pleno por fixar doutrina um poder de direco dos tribunais contrrio sua independncia; ele no procedia seno formulao de uma proposio - no de todas as preposies do juzo jurisprudencial.

    CAPTULO Il

    RGOS DO ESTADO

    Conceito

    10. Origem do conceito

    I - 0 conceito de rgo - de rgo do Estado (3) - SUrgiU no sculo XIX fruto, quase simultaneamente, de dois movimentos dis-

    (1) Contributo ---, cit., pg. 204.

    (2) A partir do Manual ..., 11, 3. ed., pg. 419.

    (1) C. F. VAN GERBER, Op- Cit., PgS- 149 e segs.; GEORG JELLINEK, Sysieni

    der subjectiven ffentlichen Rechis, 1892 (trad, italiana Sistenia dei dirilti pubblicci

    Parte V - Actividade Constitucional do Estado

    43

    tintos: o constitucional ismo, com a multiplicao de centros de poder e a manifestao, no interior do Estado, de diferentes interesses e1

    posies polticas; e o organicismo gen-nnico (de GIERKE, sobretudo), com a sua concepo do fenmeno estadual como princpio vital e integrao de vontades.

    Havia que traduzir a complexidade institucional derivada da separao dos poderes sem perda da estrutura unitria do Estado, e o recurso simblico ou analgico a noes j trabalhadas pelas cincias da natureza oferecia-se como um instrumento til de anlise e construo (contanto que se no casse, como por vezes sucedeu, num reducionismo ou num pretenso realismo de matiz biolgico) (1).

  • Relativamente cedo, a noo desprender-se- ia da sua marca dou-

    subbietivi, Milo, 1912, pgs. 245 e segs.) e Teoria General dei Estado, cit. pgs. 409 e segs.; LON MICHOUD, La thorie de Ia personnalit morale, Paris, 1906, 1, pgs. 128 e segs.; ROCHA SARAIVA, Op. Cit., ti, pgs. 55 e segs.; CARR DE MALBERG, op. cit., ti, Paris, 1922, pgs. 143 e segs.; LON DUGUIT, Op. Cit., ti, pgs. 539 e segs.; HANs KELSEN, Teoria General dei Estado, cit., pgs. 341 e segs.; Teoria Pura do Direito, cit., i, pgs. 286 e segs., e ti, pgs. 183 e segs.; General Theory ofLaw and State (trad. portuguesa Teoria Geral do Direito e do Estado, So Paulo, 1990, pgs. 100 e segs.); SANTi ROMANO, Organi, in Framnzenti di uni Dizionario Giuridica, Milo, 1953, pgs. 145 e segs.; QUEIRoz LIMA, Teoria do Estado, 8. ed., Rio de Janeiro, 1957, pgs. 297 e segs.; MANUEL DE

    ANDRADE, Teoria Geral da Relao Jurdica, I, Coimbra, 1960, pgs. 115 e segs.; ALF Ross, On the concept of state organs in Constitutional Law, in Scandinavian Studies in Law, 5, 196 1, pgs. 113 e segs.; SALVATORE FODERARO, Personalit interorganica, Pdua, 1962; NAZARENO

    SAITTA, Prenzesse per uno studio delle nornte di organizzazione, Milo, 1965; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Adniinistrativo, i, cit., pgs. 203 e segs., e Direito Constitucional, cit., i, pgs. 219 e segs.; GIUSEPPINo TREVES, Organi e soggettivit dei organo, in Studi in niemoria di Carlo Esposito, obra colectiva,