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    Teoria do Estado Desenvolvimentista: uma reviso da literatura

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    Marcus IanoniDoutor e mestre em Cincias Sociais: Sociologia Poltica,

    pela PUC-SP. Professor adjunto do Departamento de

    Cincia Poltica da Universidade Federal Fluminense (UFF).

    Desenvolve pesquisa sobre teorias do Estado, tanto com

    abordagens sociocntricas como estadocntricas, com

    especial interesse nas relaes entre Estado e economia no

    capitalismo. Artigos recentemente publicados: Autonomy

    of the state and development in the democratic capitalism,

    Polticas pblicas e Estado: o Plano Real, Cincia Poltica

    e sistema nanceiro no Brasil: o artigo 192 da Constituio

    Federal e Some political changes in Brazilian nancialinstitutionalization path, em Revista Internacional de

    Histria Poltica e Cultura Jurdica.

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    Resumo

    O trabalho apresenta a reviso de alguma bibliograa internacional

    sobre o Estado Desenvolvimentista (ED) com o objetivo de reunir ele-

    mentos para uma teoria desse tipo de Estado. O roteiro envolveu trs

    percursos: a identicao do ED, os mecanismos que geram um ED e

    a indagao sobre se ou no possvel, por assim dizer, exportar essa

    forma de Estado de um pas para outro.

    Palavras-chave: Estado Desenvolvimentista. Teoria do Estado Desenvol-

    vimentista. Desenvolvimento.

    Abstract

    The paper reviews some international literature on the Developmental State

    (DE) to gather elements for a theory of this kind of State. The script involved

    three routes: the identication of the DE, the mechanisms that generate a DE

    and the question about whether it is possible or not, so to speak, to export this

    form of State of a country to another.

    Keywords: Developmental State. Theory of the Developmental State.

    Development.

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    Enm, o trabalho aborda relaes entre Estado e desenvolvimento, anali-

    sadas pelo foco no Estado Desenvolvimentista (ED) como uma categoria

    terica. O objeto o ED, seu conceito, suas relaes com o desenvolvi-

    mento, suas principais caractersticas, sua estrutura e suas instituies.

    O propsito do artigo revisar parte da produo terica existente naliteratura internacional sobre o ED.

    Trs perguntas bsicas nortearo a investigao. Como se identica um

    ED, o que nele funciona e por qual motivo? Como se produz um ED? O

    que funciona em um pas pode funcionar em outro? Esse trabalho ter

    como roteiro o enfrentamento das trs questes acima (de certa forma,

    presentes nas duas revises tericas mencionadas), cada uma delas

    compondo uma seo. Ao nal segue uma concluso.

    1 Como se identifica e funciona um Estado Desenvolvimentista,e por qu?

    Embora alguns autores, como Bagchi (2000) e Bresser-Pereira (2008, 2013),

    identiquem o Estado Desenvolvimentista em perodos histricos lon-

    gnquos, que remontam ao sculo XVI, essa reviso terica o abordar,

    sobretudo, como um fenmeno do sculo XX, remetendo para outraoportunidade investigaes mais consistentes sobre a Idade Moderna e

    o sculo XIX.

    Vrios autores, inclusive do sculo XIX, podem apoiar a ideia, normativa

    e descritiva, de um ED. Friedrich List diz:

    Indstria e poupana, inveno e iniciativa, por parte dos indivduos,

    nunca at agora conseguiram realizar alguma coisa importante onde no

    foram sustentadas por liberdade municipal, por adequadas instituies

    pblicas e leis, pela administrao do Estado e da poltica externa, mas,

    acima de tudo, pela unidade e poder da nao (LIST, 1885, p. 161-162).2

    Marx, abordando o Segundo Imprio, na Frana, mostra como o Estado se

    elevou sobre a sociedade mesmo sendo uma corporao socialmente

    enraizada , e, assim o fazendo, sabido, desempenhou papel ativo na

    modernizao daquele pas. Gerschenkron (1962) tambm ressalta o pa-

    pel do Estado na industrializao tardia na Europa da segunda metade

    do sculo XIX. Na modernizao ocorrida no sculo XX, h uma amplabibliograa sobre o papel da burocracia pblica e sobre o poder autno-

    mo do Estado na transformao econmica e social.3

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    Ao explorar a histria do crescimento econmico no leste da sia, Chal-

    mers Johnson (1982) fez a formulao pioneira do conceito de ED: Invo-

    quei o conceito de Estado Desenvolvimentista para caracterizar o papel

    que o Estado japons jogou no extraordinrio e inesperado enriqueci-

    mento do Japo no ps-guerra (JOHNSON, 1999, p. 33-34).

    Uma das caractersticas da industrializao japonesa seu carter tardio,

    que se faz acompanhar de uma presena fundamental do Estado na mo-

    dernizao econmica.4A denio de Johnson tem dois elementos: um

    determinado papel econmico do Estado e um determinado vnculo geo-

    grco do Estado. Estado Desenvolvimentista um estado que promove o

    desenvolvimento econmico que abrange crescimento, produtividade e

    competitividade e, em um primeiro momento, se refere ao Japo.

    A aplicao inicial do conceito de ED ao Japo foi, posteriormente, ex-

    pandida, pelo prprio Johnson (1982) para se referir a outros pases do

    leste da sia. Essa regio tornou-se clebre como o bero dos EDs, que

    passaram a ser vistos como um determinado tipo de Estado.5A inuncia

    do Japo na industrializao da Coreia e de Taiwan mobilizou duas expli-

    caes de carter regional para o desenvolvimento desses dois pases: o

    legado da colonizao japonesae oparadigma dos gansos voadores, que ressal-ta a liderana tecnolgica japonesa na regio, sendo que os dois outros

    pases se beneciariam de vantagens comparativas dinmicas (no est-

    ticas, como os liberais defendem) (KASAHARA, 2004).

    O vnculo geogrco-regional do conceito de ED, Estado de um determi-

    nado tipo existente em uma determinada regio, um fato cujas causas

    precisam ser investigadas, por remeterem questo terica das peculia-

    ridades histricas e geopolticas do leste da sia como bero dos EDs do

    sculo XX.

    Como dito, um fator de fomento do ED naquela regio foi o prprio suces-

    so do modelo japons, de algum modo repetido em outros pases do Les-

    te, sul e sudeste da sia, alguns deles ex-colnias japonesas, como Co-

    reia e Taiwan (JOHNSON, 1982). Essa questo ser retomada na prxima

    seo. Mas, em publicao posterior, indo alm do prprio leste da sia,

    Johnson (1999) argumenta que o ED tanto particular a um determinado

    tempo e espao quanto generalizvel, ou seja, uma generalizao abs-

    trata e, ao mesmo tempo, identicvel em casos particulares.

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    Os elementos aqui mobilizados para denir o conceito, identicar a na-

    tureza e o modus operandido ED so, principalmente, os seguintes: a dis-

    tino entre tipos de economia e de Estado; as prioridades de poltica

    econmica, destacando-se a poltica industrial; as capacidades estatais

    e o perl da burocracia pblica; as agncias pblicas da rea econmica;os propsitos da elite estatal; a autonomia relativa do Estado; as relaes

    entre Estado e sociedade civil; aperformancedo Estado.

    Interessa, em primeiro lugar, o elemento da denio de Johnson refe-

    rente ao contedo e aos propsitos da ao desses Estados. Estado De-

    senvolvimentista no meramente sinnimo de Estado que intervm

    na economia. De um modo geral, Estados intervm nos sistemas econ-

    micos. O importante distinguir como ocorre essa interveno governa-mental e quais so os seus propsitos. Os Estados Desenvolvimentistas

    tm uma determinada perspectiva de relao com a atividade econmi-

    ca, desempenham um papel ativo na busca do crescimento econmico e,

    em alguns casos, na reduo da pobreza (ROUTLY, 2012).6

    A distino entre economia de mercado e economia planejada est em

    Weber (1947), que distingue entre market economiese planned economies,

    mas h analogias mais recentes dela, como em Ralf Dahrendorf (1968),que ope a market rationality plan rationality. Johnson (1982) distingue

    trs tipos de relao do Estado com a economia: a market-rational, prpria

    do Estado Regulador (ER), aplan rational, caracterstica do Estado Desen-

    volvimentista e a command economy, ento vinculada Unio Sovitica. A

    economia planejada no corresponde economia sovitica, qual John-

    son denomina command economy(economia de comando). O planejamen-

    to da economia de comando no seria racional, e sim ideolgico, vincu-

    lado a valores em si, independentemente de evidncias de inecincia.

    O nal do sculo XIX o momento histrico em que se delineiam, nos

    EUA e no Japo, respectivamente, as prticas do ER e do ED. Os Estados,

    Regulador e Desenvolvimentista, estabelecem relaes diferentes com os

    negcios. O ER correspondente racionalidade de mercado, no se preo-

    cupa com matrias substantivas, mas somente com aspectos formais e

    de procedimentos, que dizem respeito s regras da competio econmi-

    ca. As leis americanas antitruste so um exemplo de atuao do EstadoRegulador. Foge do escopo do ER, por exemplo, planejar sobre as inds-

    trias necessrias e desnecessrias, as que devem emergir ou desaparecer.

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    Alm disso, o ED, correspondente racionalidade de projeto, preocupa-se

    com o estabelecimento de metas sociais e econmicas substantivas.

    Outra diferena fundamental entre os Estados Regulador e Desenvol-

    vimentista diz respeito s prioridades de poltica econmica. No ED, a

    poltica industrial prioritria. Isso se concretiza em uma preocupao

    estratgica com a estrutura da indstria nacional, em especial com a

    conformao de uma estrutura industrial que aumente a competitivida-

    de internacional da nao.

    Para alcanar os ns estratgicos, a economia orientada pelo estabele-

    cimento de metas econmicas. Na poltica externa, a poltica comercial

    ganha destaque, visando vantagens econmicas no mercado internacio-

    nal. No ER, no h destaque poltica industrial, que, inclusive, tende a

    no existir. No caso dos EUA, o destaque esteve na poltica externa. Em

    geral, as metas xadas pelo ER, como estabilidade de preos ou pleno

    emprego, no so voltadas para a indstria.

    A poltica industrial do ED tem trs grandes caractersticas: implemen-

    tada com base em uma racionalidade nacional de investimentos eleva-

    dos e de longo prazo, formulada por elites da burocracia pblica; alta-

    mente seletiva, direcionada para setores estratgicos, com alta elastici-dade de renda (elasticidade-renda da demanda) e com potencial para o

    progresso tecnolgico.

    Denidos os setores estratgicos, eles so submetidos a uma rigorosa dis-

    ciplina governamental em relao ao comportamento dos negcios, que

    envolve o estabelecimento de metas, a exposio das rmas competio

    pelas fatias do mercado, a premiao dos sucessos e a penalizao dos

    fracassos. uma poltica industrial ativa, distinta das experincias nega-tivas, baseadas na mera concesso de subsdios a rmas declinantes ou

    a indstrias experimentando diculdades nanceiras (NIS, 1991, p. 113).

    Um instrumento chave na poltica industrial dos EDs o controle es-

    tatal dos recursos nanceiros, inclusive externos, para alavancar os in-

    vestimentos industriais em contextos de carncia de capital domstico

    (EVANS, 1993). Nos casos japons e coreano, essa alavanca foi propiciada,

    principalmente, pelos respectivos bancos de desenvolvimento do Japoe da Coreia, de propriedade do setor pblico (NIS, 1991; EVANS, 1995).

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    Em sua comparao entre os tipos desenvolvimentista e regulador de

    Estado, Johnson destaca que enquanto o primeiro prioriza a efetividade,

    o segundo prioriza a efcincia. O ED demonstra mais efetividade para se

    desincumbir de problemas rotineiros, ao passo que a maior efetividade

    do ER apresenta-se em situaes de crise.

    A habilidade do ED para enfrentar problemas rotineiros assenta-se na

    existncia de um amplo consenso sobre um conjunto de metas sociais

    amplas, como, por exemplo, o crescimento em alta velocidade. Quando

    esse consenso existe, ele visto por Johnson como um fator de desequil-

    brio na comparao entre os desempenhos dos Estados desenvolvimen-

    tista e regulador. Onde h consenso, h melhor desempenho.

    Diz-se que a mais importante contribuio da cultura para a vida eco-nmica o famoso consenso do Japo, signicando virtual acordo en-

    tre governo, partido poltico dominante, lderes da indstria e povo na

    primazia dos objetivos econmicos para a sociedade como um todo e

    sobre os meios para obter aqueles objetivos (JOHNSON, 1982).

    Mas ele no explica o consenso e nem a solidariedade grupal japonesa

    por fatores culturais, e sim por motivaes situacionais, como o contex-

    to de desenvolvimento tardio, a falta de recursos, as necessidades co-

    merciais, as restries do balano de pagamentos etc. Johnson concebe o

    consenso e a capacidade de cooperao dos japoneses como construdos

    pelo governo. Uma evidncia contra a explicao cultural a duplica-

    o ou equiparao da experincia japonesa na Repblica da Coreia e

    Taiwan, e, em certa medida, em Hong Kong, Cingapura e mesmo em pa-

    ses exteriores ao leste da sia.

    Evans (1995) opta metodologicamente por distinguir dois tipos historica-

    mente idealizados de Estado: Estados predadores e Estados desenvolvi-

    mentistas. Entre uns e outros, situam-se os casos de Estados ambguos,

    denominados por ele como Estados intermedirios. Johnson uma das

    principais referncias que Evans utiliza para denir o ED, enfatizando

    esse ltimo autor que tal tipo de Estado pressupe, simultaneamente,

    autonomia e parceria.

    Esse autor tambm contribui ao distinguir quatro tipos de papis desen-

    volvimentistas: de custdio, de parteiro, de demiurgo e de pastor. Taispapis envolvem desde regulaes que favorecem o desenvolvimento

    industrial (custdio), induo para a criao de indstrias (parteiro), cria-

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    o de empresas estatais para promover a industrializao (demiurgo) e

    iniciativas para manter e fortalecer indstrias e setores em seus respec-

    tivos mercados (pastor).

    Em relao aos Estados predadores, Evans explica que eles conseguem,

    s expensas da sociedade, minar o desenvolvimento, mesmo no sen-

    tido estrito de acumulao de capital (EVANS, 1995, p. 12). O Estado

    predatrio no possui burocracia weberiana, tem alto grau de patrimo-

    nialismo e suas relaes com a sociedade civil visam desorganiz-la e

    mant-la enfraquecida. Os Estados intermedirios, como Brasil e ndia,

    situam-se em algum ponto entre a predao, existente em pases como

    o Zaire, e a autonomia inserida (embedded autonomy) dos Estados do les-

    te da sia.

    O perl da burocracia pblica um elemento terico fundamental pre-

    sente em anlises do ED (JOHNSON, 1982; EVANS, 1995; LEFTWICH, 1995;

    VU, 2007). Vu (2007) a considera como um componente da estrutura desen-

    volvimentista, que ele distingue dopapel desenvolvimentista. Dois elemen-

    tos se destacam na anlise da burocracia: sua capacidade e seus vnculos

    com a sociedade na implementao das polticas de desenvolvimento.

    Johnson (1982) destaca o papel relevante, no interior do governo japons,entre 1925-1975 (perodo por ele investigado), da alta burocracia econ-

    mica, presente em algumas agncias fundamentais, sobretudo o Ministry

    of International Trade and Industry(MITI), promotor da poltica industrial,

    mas tambm o Ministrio das Finanas e a Agncia de Planejamento

    Econmico.7 Ele a caracteriza como talentosa, formada nas melhores

    universidades e ocupante de postos nas agncias governamentais mais

    prestigiadas pela sociedade; seus membros possuem plano de aposen-

    tadoria e, ao se aposentarem, costumam seguir trabalhando, em car-

    gos poderosos, no setor privado, na poltica ou em outras organizaes

    pblicas.

    J nos EUA, a burocracia no tem os atrativos para recrutar os melhores

    talentos. A tomada de deciso, muito mais que nas mos da burocracia,

    est nas mos da classe prossional, geralmente formada por advoga-

    dos. A migrao das elites norte-americanas inversa da japonesa, vai

    do setor privado para o governo, geralmente por nomeaes polticas,

    que so bem mais extensas que no Japo.

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    Para expressar a importncia da burocracia na industrializao do Japo,

    alguns japoneses denominam o sistema desenvolvimentista japons de

    complexo burocrtico-industrial, fazendo analogia com o complexo

    militar-industrial observado nos EUA. Apesar de ser inuenciada por

    grupos de interesse, a burocracia japonesa toma as decises mais impor-tantes, elabora praticamente todas as normas legislativas, exerce con-

    trole sobre o oramento nacional e produz as principais inovaes em

    matria de polticas pblicas.

    Enquanto as principais decises econmicas nos EUA so tomadas pelo

    Legislativo, no Japo a burocracia que as toma, levando Johnson (1999)

    a armar que o modelo japons de ED caracteriza-se por dispor de um

    sistema poltico que, por assim dizer, suporta o protagonismo da buro-cracia. Alm disso, enquanto nos EUA o Legislativo controla o oramento,

    no Japo esse controle est nas mos da burocracia.

    Na perspectiva neoweberiana de pesquisas de sociologia poltica e cin-

    cia poltica sobre o desenvolvimento e o ED, a burocracia pblica um

    elemento fundamental de anlise daquilo que se denomina capacidades

    estatais(SKOCPOL, 1985).

    Na anlise das capacidades estatais, observa-se a presena ou no deum Estado burocrtico centralizado, dotado de burocracia weberiana, re-

    crutada meritocraticamente, eciente, especializada, provida de recursos

    materiais e oramentrios, motivada por uma carreira de longo prazo,

    corporativamente coerente, que compartilha, racionalmente, pressupos-

    tos e expectativas, apta a redesenhar-se organizacionalmente, quando

    necessrio, capaz de implementar medidas mais universalistas e de lon-

    go prazo e, em alguma medida, isolada das demandas sociais (IANONI,

    2013, p. 586).

    Esse perl de burocracia pblica se apresentou no ED japons e em ou-

    tras experincias. A nfase em algumas agncias pblicas da rea econ-

    mica recorrente na literatura sobre o ED. Alm do j mencionado desta-

    que de Johnson ao MITI japons, que ele considera ser uma agncia piloto,

    Wade (1990), analisando Taiwan, sublinhou o Conselho de Planejamento

    Econmico e Desenvolvimento, o Servio de Desenvolvimento Industrial

    e o Conselho de Planejamento Agrcola de Desenvolvimento.

    Na Coreia, distingue-se o Conselho de Planejamento Econmico, o Minis-

    trio das Finanas e o Ministrio do Comrcio e Indstria. Em Cingapura,

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    ressalta-se o Conselho de Desenvolvimento Econmico. Em Botswana,

    pas cujo Estado tornou-se desenvolvimentista, destaca-se o Ministrio

    das Finanas e Planejamento do Desenvolvimento.

    Embora tendo agncias menos poderosas que as mencionadas, na Mal-

    sia distingue-se a Unidade de Planejamento Econmico, o Comit Nacio-

    nal de Planejamento do Desenvolvimento e a Unidade de Implementa-

    o e Coordenao. Segundo Leftwich (1995), as burocracias econmicas

    da Indonsia, Tailndia e China apresentam menos poder, compacidade,

    unidade e eccia, distanciando-se, nesse quesito, das caractersticas do

    modelo puro de Estado Desenvolvimentista.

    Mas alm das agncias exemplares em si, importam muito para o ED

    as relaes entre as agncias estatais e o empresariado e, no caso de

    experincias com coalizes polticas mais amplas, tambm com os tra-

    balhadores, camponeses etc. Ao abordar os vnculos entre burocracia e

    sociedade, Johnson esclarece que, nos primeiros quinze anos posteriores

    Revoluo Meiji (1868), que desencadeou a transformao econmica

    japonesa, o Estado operou empreendimentos econmicos. Em funo de

    problemas de corrupo, burocratismo e monoplios inecientes, houve

    uma mudana de postura, sendo a propriedade estatal substituda pelaperspectiva de colaborao Estado-setor privado.

    Uma materializao dessa relao foi o impulso do Estado desenvolvi-

    mentista japons aos zaibtsu, conglomerados industriais e nanceiros, at

    o nal da Segunda Guerra. Outra foi a relao com os keiretsu, que esteve

    na base do milagre japons no Segundo Ps-Guerra. Nessa colaborao, o

    Estado priorizou empresas mais aptas inovao tecnolgica e compro-

    metidas com as metas nacionais de desenvolvimento industrial e militar.

    Ou seja, o incentivo governamental foi seletivo, direcionado para reas

    vistas como necessrias. Tais aes propiciaram economia de escala s

    empresas de grande porte, industriais e bancrias, e a comercializao

    de tecnologias modernas no mercado japons. Em pouco tempo, os con-

    glomerados possuram empresas equiparveis s suas ans no restante

    do mundo industrializado. A estratgia de fortalecimento de conglome-

    rados tambm se observa na Coreia do Sul, que constituiu os chaebols.

    Johnson considera que o ED o principal fator explicativo do milagre

    japons. Leftwhich (1995) e Evans (1995) chamam a ateno para a ne-

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    cessidade de vincular a anlise desse tipo de Estado teoria do desen-

    volvimento. Leftwhich avalia que o ED o fator mais importante na ge-

    rao de uma dinmica de desenvolvimento sustentado. Ele distingue

    dois elementos na anlise dos EDs: os propsitos polticos e as estruturas

    institucionais.

    Nos EDs tanto um quanto outro so comprometidos com o desenvolvi-

    mento. Os ns polticos e as estruturas institucionais dos Estados desen-

    volvimentistas foram orientados para o desenvolvimento, enquanto os

    seus objetivos de desenvolvimento tm sido politicamente orientados.

    Em suma, fatores polticos, fundamentalmente, sempre moldaram o im-

    pulso e o ritmo das suas estratgias de desenvolvimento por meio das

    estruturas do Estado. Assim, Estados Desenvolvimentistas podem serdenidos como:

    estados cuja poltica concentrou suciente poder, autonomia e capacida-

    de em seu centro para moldar, perseguir e incentivar a realizao de obje-

    tivos explcitos de desenvolvimento, tanto estabelecendo e promovendo

    as condies e a direo do crescimento econmico, como organizan-

    do-o diretamente, ou atravs de uma combinao varivel de ambos

    (LEFTWICH, 1995, p. 18).

    De um modo geral, as elites desenvolvimentistas dos Estados do Leste

    asitico so formadas por um pequeno quadro de polticos e burocratas

    de posio elevada e determinados para o desenvolvimento (LEFTWICH,

    1995, p. 3). Normalmente, tais elites so bastante prximas do chefe do

    Poder Executivo, que joga um papel poltico chave no estabelecimento

    do regime e da cultura desenvolvimentistas. Alm disso, ao menos nas

    cpulas dessas elites desenvolvimentistas, h vnculos estreitos entre as

    burocracias civil e militar e os membros polticos, sendo isso especial-mente aplicvel ao Japo.

    O foco no Estado e em suas relaes com o empresariado conduz ainda

    a um dos principais elementos analticos da literatura poltica sobre o

    ED: a autonomia do Estado. H duas grandes abordagens da autonomia

    do Estado, a sociocntrica e a estadocntrica. A primeira presente na

    literatura (neo)marxista e se apresenta como Autonomia Relativa do Es-

    tado (ARE), uma vez que, nessa tradio terica, a superestrutura nunca vista como absolutamente independente da estrutura. A abordagem

    estadocntrica da autonomia do Estado uma caracterstica da tradio

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    neoweberiana e do neoinstitucionalismo histrico. Embora diferentes,

    essas duas grandes abordagens da autonomia do Estado podem ser com-

    plementares para a compreenso do ED.

    A ARE foi formulada por Poulantzas (1977). Esse autor avalia que, no

    modo de produo capitalista, o Estado, por motivos estruturais, desem-

    penha papis polticos que requerem sua autonomia. Alm da funo

    repressiva, o Estado cumpre as funes de isolamento, de unidade e de

    organizao da hegemonia no interior do bloco no poder. O Estado iso-

    la o indivduo da estrutura de classes e insere-o, enquanto cidado, em

    uma unidade denominada nao, que abstrai a realidade das classes.

    Esse processo se d de maneira mais clara nas sociedades democrticas.

    Ademais, devido existncia fracionada das classes dominantes, o podersociopoltico do Estado arranjado por meio de um bloco no poder.

    O Estado, por meio de suas polticas, propicia que uma frao do bloco no

    poder exera a hegemonia sobre as demais. A abordagem poulantziana

    da ARE estruturalista. Nela, no a relao de fora entre as classes

    que explica a ARE, mas as diculdades polticas decorrentes da fragmen-

    tao da burguesia, que lhes impossibilitam organizar a dominao de

    classes sem a intermediao do Estado. A dominao s se faz possvelse o Estado for relativamente autnomo diante das classes e fraes. Po-

    rm, Poulantzas admite situaes atpicas, nas quais a ARE assenta-se no

    equilbrio de classes.8

    J a abordagem neoweberiana se baseia em uma concepo de Estado

    informada pela sociologia das organizaes. O Estado uma corporao

    e analisa-se o modo como ele opera enquanto organizao. Alm da j

    mencionada anlise da burocracia pblica e das capacidades estatais,

    que cara aos neoweberianos, outro aspecto importante dessa aborda-

    gem a concepo sobre a gnese da autonomia do Estado.

    Skocpol (1985) fala em fatores e condies. Todo Estado desempenha,

    singularmente, tarefas exclusivamente polticas, de ordem administra-

    tiva, legal, extrativa e coercitiva. Em alguma medida, o Estado compete

    com a classe dominante na apropriao de recursos econmicos.

    Alguns momentos histricos, como as situaes de crise econmica e in-ternacional, podem ensejar fortalecimento do Estado e maior autonomia,

    conforme ocorreu nos EUA, em geral um Estado fraco, nas intervenes

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    agrcolas do New Deal. Alm disso, a AE pode ser marcante apenas em

    algumas reas de poltica, como o caso, tambm nos EUA, da poltica

    externa (IANONI, 2013, p. 588-589). Rueschemeyer e Evans (1985) argu-

    mentam que a diviso da classe dominante a condio socioestrutural

    que mais favorece uma maior AE. Mas tais autores tambm destacam apresso crescente das classes subordinadas.

    Embora Evans foque mais nos elementos institucionais do Estado, ele

    pensa em termos de ARE, e no em uma autonomia puramente estado-

    cntrica. Para ele, o Estado expressa um pacto de dominao, no qual

    participa como ator corporativo. Tal concepo sociopoltica e poltico-

    -institucional do Estado impacta em sua viso de autonomia de Estado

    e de desenvolvimento. Para ele, o desenvolvimento requer autonomia eparceria, ou seja, autonomia inserida.

    Johnson, como j mencionado, destaca, em sua anlise, os padres de in-

    terao entre os setores pblico e privado. Ele distingue, para o Japo, nos

    cinquenta anos que vo de 1925 a 1975, trs modelos: controle privado

    (1931-1940); controle do Estado (1940-1952) e cooperao pblico-privado

    (1952-1975). O problema fundamental do sistema de alto crescimento

    guiado pelo Estado o do relacionamento entre a burocracia do Estado eas empresas privadas (JOHNSON, 1982).9

    nis (1991) destaca que a parceria que implicou os EDs pioneiros em co-

    operao entre os setores pblico e privado para a promoo do desen-

    volvimento industrial, foi realizada com base em signicativo elemento

    de compulso e no meramente por adeso voluntria do empresariado.

    O controle estatal sobre o sistema nanceiro, detentor dos recursos ne-

    cessrios para o nanciamento do desenvolvimento, serviu como instru-mento para garantir o cumprimento, pelo setor privado, das metas estra-

    tgicas da poltica industrial formulada pelo Estado Desenvolvimentista.

    Evans (1995, 2008), alm do empresariado, tem destacado, desde os anos

    1990, o papel desenvolvimentista resultante da insero do Estado tam-

    bm com outras foras da sociedade civil.

    A questo das relaes entre Estado e sociedade civil no processo de de-

    senvolvimento passa, ento, pela anlise do regime poltico, elementoque tem implicaes sobre as foras que compem o pacto ou coalizo

    desenvolvimentista. O desenvolvimento une apenas as elites burocrti-

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    cas do Estado e o empresariado industrial, como no modelo autoritrio

    do leste da sia, ou vincula um leque mais amplo de atores, como nos

    regimes social-democrata?

    No caso do desenvolvimentismo autoritrio, se coloca o problema do

    equilbrio entre legitimidade e represso. At que ponto a reconhecida

    efetivaperformancedo ED, que lhe propicia legitimidade, pode ser insu-

    ciente para evitar conitos com as classes subordinadas que impliquem

    represso? At que ponto a represso pode minar a legitimidade do

    desenvolvimentismo autoritrio e desencadear processos de mudana

    de regime? At que ponto a mudana de regime ou de governo, seja em

    contextos autoritrios ou democrticos, se relaciona com problemas de

    performancedo ED? Essas e outras questes remetem ao tema da prximaseo.

    O que produz e como se produz um ED? A resposta a essa questo mobi-

    liza elementos estruturais de histria econmica e poltica, geopolticos

    e de conjuntura poltica. No se trata de encontrar uma nica causa ou

    condio, pois os fatores so complexos. Johnson (1982) argumenta que aproduo do ED do Japo se assenta em imperativos situacionais ou mo-

    tivaes situacionais. Se uma explicao pudesse dar conta da produo

    do ED, talvez ela se sintetizasse na ideia de imperativos situacionais, que,

    no entanto, diz respeito a um guarda-chuva amplo para um conjunto de

    fatores. Esses imperativos situacionais incluem desenvolvimento tardio,

    a falta de recursos, uma grande populao, a necessidade de comr-

    cio e os constrangimentos da balana de pagamentos internacionais

    (JOHNSON, 1982).

    O contexto de desenvolvimento tardio um fator motivacional explica-

    tivo importante para a emergncia do ED, embora nem todo Estado de

    pas atrasado, apenas por se ver em condies no desenvolvidas, tenha

    se colocado a tarefa de desenvolver-se, como o caso do Estado predador

    tipicado por Evans.

    Mas o desenvolvimento tardio um fator que torna racional a cons-truo de um Estado Desenvolvimentista. No caso do Japo, o papel do

    Estado se tornou especialmente importante aps a Segunda Guerra,

    1 Como se produz um Estado Desenvolvimentista?

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    devido necessidade de superar tanto a devastao econmica quanto a

    dependncia de ajuda externa.

    Outro elemento presente na anlise da emergncia do ED o contexto

    geopoltico, que, no caso do Japo do perodo Showa (1926-1989), mar-

    cado pela tenso com a Rssia sovitica, a Grande Depresso, a ascenso

    do totalitarismo e a Segunda Guerra Mundial. A ocupao do Japo pelos

    EUA, entre 1945 e 1952, visou reduzir a inuncia da Unio Sovitica no

    Oceano Pacco, propiciar suporte para a recuperao da economia da-

    quele pas e evitar agitaes comunistas internas motivadas pela misria

    ocasionada pela Segunda Guerra, que tambm poderia implicar controle

    geopoltico da regio pelos soviticos.

    No caso da Coreia e de Taiwan, que foram colnias japonesas, o colo-

    nialismo tem sido apontado como um elemento importante (ROUTLEY,

    2012). Em especial, destacam-se heranas coloniais, como uma centelha

    de burocracia capacitada, instituies e certos padres de relao entre

    o Estado e o universo empresarial. Tais heranas so vistas como pontos

    de partida importantes para o ED nesses dois pases, no sentido de que

    serviram de alavanca para posteriores aprimoramentos nos elementos

    basilares herdados.Nesses dois pases, outra herana apontada o elevado nmero de colo-

    nos japoneses. Segundo Routley (2012, p. 16), alguns autores argumentam

    que, durante o colonialismo na Coreia, houve certos padres de aliana

    entre proprietrios e Estado, bem como teria havido signicativa indus-

    trializao, enquanto outros contestam a importncia da industrializa-

    o coreana no perodo colonial e a importncia do legado colonial, ao

    menos nas demais ex-colnias do leste e sudeste da sia.

    Expansionismo militar e ameaas externas e internas tambm so um

    fator explicativo da emergncia dos EDs. Expansionismo militar e amea-

    as externas segurana nacional ocorreram, por exemplo, no Japo de

    Hirohito e nas relaes entre Botswana e frica do Sul. Exemplos impor-

    tantes de ameaas internas so a Guerra da Coreia e as relaes entre

    Taiwan e China durante e aps a Guerra Civil Chinesa.10

    Fatores polticos internos, como ARE, coalizes polticas e consenso soextremamente importantes. A existncia de uma coalizo desenvolvi-

    mentista que suporte um consenso desenvolvimentista essencial. Ou

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    seja, as elites burocrticas precisam ser parte integrante e atuante de

    uma coalizo desenvolvimentista, cuja coerncia de propsitos e maior

    ou menor capacidade de mobilizao nacional para as aes e polticas

    desenvolvimentistas so cruciais.

    Abordando o leste da sia, Haggard diz: Todos os governos na regio

    alcanaram acordos polticos explcitos ou implcitos com segmentos do

    setor privado; esses acordos ou coalizes serviram como base poltica

    para o rpido crescimento (HAGGARDapudROUTLEY, 2012, p. 23). .

    H argumentos normativos pr e contra coalizes amplas ou restritas.

    Alguns veem e defendem coalizes amplas, outros, restritas. Wade (1990)

    considera que coalizes restritas, que vinculam o poder pblico, quase

    que exclusivamente ao empresariado industrial, so uma vantagem dos

    Estados Desenvolvimentistas autoritrios do Leste asitico.

    Ao se falar na produo do ED, preciso falar em sua reproduo, ou seja,

    naquilo que o mantm. Os clssicos (Marx, Weber, Gramsci etc.) mostram

    a importncia da ideologia, da legitimidade e do consenso na arquitetura

    do poder poltico. Johnson (1999) mostra que a legitimidade desse Esta-

    do, no leste da sia, proveio de suas realizaes ou performance, e no

    do modo como os governantes chegaram ao poder, e que as aes de-senvolvimentistas estavam amparadas em um amplo compromisso dos

    governantes e do povo com a transformao das ordens social, poltica

    e econmica.

    A partir disso sobressaem trs elementos tericos relevantes: a) a ques-

    to do desenvolvimento enquanto um projeto nacional, o que se expli-

    cita na perspectiva do nacionalismo econmico; b) a aliana das elites

    estatais com as elites econmicas, que remete questo das coalizesou pactos; e c) a questo do regime poltico (autoritarismo, totalitarismo,

    democracia).

    Vrios autores, como Johnson e Bresser-Pereira, analisando as relaes

    entre Estado e desenvolvimento, mostram que o nacionalismo uma

    ideologia importante para a construo do consenso que suporta politi-

    camente o ED. Conforme lemos:

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    Atravs do demorado processo de institucionalizao poltica e econ-

    mica que o da formao do estado-nao, empresrios, burocratas do

    estado e polticos assumem o papel de grupos sociais chave no proces-

    so da denio de estratgias nacionais de desenvolvimento (BRESSER-

    PEREIRA, 2008).

    Havendo efetividade nas aes pblicas desenvolvimentistas, esse con-

    senso propiciar legitimidade ao Estado. Um exemplo mpar de consenso

    ocorre no caso japons, inserido no processo de catching-updaquele pas.

    Os planos governamentais eram, principalmente, polticas pblicas vol-

    tadas para o desenvolvimento dos negcios. O catching-uptornou-se um

    imperativo nacional amplamente compartilhado pelas empresas e pela

    sociedade em geral. Como j referido, tal consenso, segundo Johnson,

    enraza-se muito mais em fatores contextuais que culturais.

    Em relao s coalizes e ao regime poltico, alm das referncias j fei-

    tas, destaco a questo das relaes entre o Estado desenvolvimentista e

    as elites agrrias. As elites agrrias apoiam ou se opem s instituies

    polticas desenvolvimentistas? A sociedade rural est vinculada ao pro-

    cesso de desenvolvimento ou tem uma perspectiva econmica e poltica

    divergente dele?

    Na Coreia e Taiwan, a sociedade rural convergiu com o progresso indus-

    trial, no buscando uma armao poltica independente, enquanto no

    Paquisto e na Turquia ela inicialmente aquiesceu em relao indus-

    trializao, mas, posteriormente, ops-se, o que impactou negativamente

    no processo de desenvolvimento e na consolidao do Estado Desenvol-

    vimentista (NASEEMULLAH; ARNOLD, 2012).

    As experincias do Paquisto e da Turquia evocam a importncia de se

    distinguir, nos EDs, as origens e a persistncia de suas estruturas e ins-

    tituies. No Brasil, a grande propriedade improdutiva, mas tambm a

    produtiva, muitas vezes associada, na perspectiva do pensamento pro-

    gressista, como prejudicial ao desenvolvimento rural e responsvel pela

    pobreza no campo (FERNANDES, 2013).

    Johnson (1982) argumenta que as instituies so fundamentais para o

    desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, salienta que o MITI emergiu a

    2 O que funciona em um pas pode funcionar em outro?

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    partir de interaes especcas entre Estado e sociedade no Japo, no

    reproduzveis fora. Isto sugere que outras naes que procuram imitar

    as realizaes do Japo poderiam ser melhor aconselhadas a fabricarem

    as instituies de seus prprios Estados desenvolvimentistas a partir de

    materiais locais (JOHNSON, 1982).

    Nesse sentido, apenas uma ideia geral pode ser transferida, no o seu

    detalhamento institucional: o desenvolvimento em pases retardatrios

    requer um ED, que necessita que por meio de relaes especcas entre

    Estado e sociedade construam-se instituies desenvolvimentistas.

    Essa ideia geral assim formulada por Evans:

    Entendendo-se a ideia de lies transferveis como um convite inova-

    o local que aproveita a vantagem da lgica analtica subjacente s ins-

    tituies do leste da sia, a possibilidade de explorar a experincia do

    leste da sia torna-se completamente possvel (EVANS, 1998, p. 79).

    Em outro trabalho, Evans (2004) cita a experincia de democracia par-

    ticipativa em Porto Alegre, no Brasil, e em Kerala, ndia que ele inse-

    re, do ponto de vista terico, na democracia deliberativa como inovaes

    institucionais a serem levadas em conta. Denomina tais experincias de

    desenvolvimento deliberativo. Ambas contriburam para a elevao dospadres de vida das localidades onde foram implementadas. Isso implica

    que ideias gerais so recomendveis, embora sua aplicao alhures cer-

    tamente implique adaptaes ou reinvenes.

    Outra questo sobre a imitao da experincia de desenvolvimento

    guiado pelo Estado, caracterstica do leste da sia, diz respeito, como j

    mencionado, ao regime poltico necessrio para a emergncia do Estado

    Desenvolvimentista. nis (1991) levantou essa questo. O Japo, que ini-ciou sua experincia desenvolvimentista em condies de regime autori-

    trio, havia desde o ps-Segunda Guerra seguido um caminho que logrou

    a compatibilizao entre, por um lado, a concentrao de poder pblico e

    privado e, por outro, a democracia.

    Mas, pergunta o referido autor, seria isso possvel na Coreia e em Taiwan?

    Ele convida o leitor a acompanhar a evoluo dessa questo central de

    economia poltica comparada. Nesse sentido, possvel dizer que a tran-sio democrtica iniciada na Coreia na segunda metade dos anos 1980

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    teve efetividade suciente para estabelecer naquele pas um regime

    democrtico.

    Segundo o Democracy Index 2012, esse pas situa-se no seleto grupo das

    25 democracias plenas, ocupando a 20 posio. Taiwan ocupa a 35, sen-

    do agrupada na mesma qualicao do Brasil (44), ambos considerados

    como democracias falhas. Enm, as evidncias no caminham no sentido

    de que desenvolvimento e democracia so incompatveis, pelo contrrio,

    podem reforar-se mutuamente, como provam vrios dos pases desen-

    volvidos do Primeiro Mundo, embora seja um fato que muitos pases, cer-

    tamente a maioria, se desenvolveram partindo de uma rota autoritria.

    Mas nada indica que h uma lei da histria nessa matria, pois o de-

    senvolvimento pode ser gerado junto com a democracia ou apesar dela,

    alm do que, em um mesmo pas, pode haver mudanas de regime, como

    se observa no Leste da sia.

    Se, no passado, vrios casos de desenvolvimento tardio foram marcados

    por regimes autoritrios, as tendncias democrticas parecem hoje ser

    muito fortes, como Samuel Huntington nos faz notar com a ideia de ter-

    ceira ondae como a Primavera rabe tambm parece mostrar.

    O objetivo deste trabalho foi revisar alguma bibliograa sobre o Estado

    Desenvolvimentista para reunir elementos que contribuam para uma teo-

    ria desse tipo de Estado. Trata-se de um primeiro esforo nesse sentido,

    a ser fortalecido com mais pesquisa. O roteiro envolveu trs percursos: a

    identicao do ED, os mecanismos que geram um ED e a indagao so-

    bre se ou no possvel, por assim dizer, exportar essa forma de Estado

    de um pas para outro.

    Entre outros elementos, vericou-se a importncia da burocracia pblica,

    de estruturas e instituies voltadas para o desenvolvimento, como ins-

    tituies nanceiras controladas pelo Estado, para propiciar a alavanca-

    gem dos investimentos em contextos de carncia de capitais, a primazia

    da poltica industrial (implementada de modo seletivo), a existncia de

    algumas agncias pblicas piloto, de autonomia relativa do Estado e decoalizes polticas desenvolvimentistas.

    Consideraes finais

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    O carter retardatrio da industrializao um elemento chave para a

    emergncia racional de um Estado com estruturas e papis desenvol-

    vimentistas. Outras motivaes situacionais, como situaes de crise

    econmica, guerras, ameaas externas ou internas, misria etc. tambm

    podem mobilizar iniciativas desenvolvimentistas em uma nao.

    Ideologias como nacionalismo, formao de consenso nacional e ideias-

    fora como catching-up tambm so contedos importantes presentes na

    literatura terica sobre o ED. Embora instituies particulares presentes

    nos EDs no sejam exportveis para outros pases, a pesquisa comparada

    aponta a importncia de se analisar algumas diretrizes tericas gerais,

    pois ideias gerais, a serem reinventadas ou adaptadas a condies espe-

    ccas diferentes, podem ser de muita utilidade para o engajamento de-senvolvimentista de Estados situados em diferentes regies do planeta.

    Por m, Estado Desenvolvimentista e democracia no so mutuamente

    excludentes, sobretudo em contextos internacionais de fortalecimento

    das tendncias democrticas, mesmo tendo sido historicamente fre-

    quente a conexo entre ED e autoritarismo, principalmente nas fases

    iniciais da modernizao industrial.

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    Notas

    1 A obra de Deyo uma coletnea de artigos sobre a industrializao no lesteda sia. Esse trabalho e o de Amsden no fazem parte diretamente destareviso bibliogrfica, apenas indiretamente, por meio de nis (1991).

    2 Esta e as seguintes so tradues de minha autoria.

    3 Consultar, por exemplo, a ampla obra sobre o Estado reunida em Evans,Rueschemeyer & Skocpol (1985).

    4 Os termos desenvolvimento tardioe capitalismotardio so frequentes naliteratura de economia poltica. A despeito das nuanas no enfoque, referem-se,de um modo geral, aos processos de modernizao capitalista posteriores industrializao pioneira do sculo XIX.

    5 Consultar tambm Caldentey (2008).

    6 Nos trs Estados Desenvolvimentistas do leste da sia, ao menos nas suasorigens, no houve preocupao com polticas de bem-estar.

    7 Consultar entrevista de Johnson para Multinational Monitor, em novembro de1989, disponvel em http://mailstar.net/johnson.html .

    8 Para um resgate do debate terico sobre a autonomia do Estado, consultarIanoni (2013).

    9 Na minha verso digital (Amazon, Kindle), esta citao est na posio 6279.

    10 Consultar Routley (2012, p. 18).

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