resumo humanística- marcus

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1.1 O significado da Filosofia do Direito. A função da filosofia é sistematizar o pensamento, é um enfrentamento do próprio pensamento e do mundo. Assim, filosofia do direito é a filosofia geral com um tema especifico de análise, o direito. Filosofia do direito é o máximo pensamento possível sobre o próprio direito. O problema inicial da filosofia está na especificidade do que se possa considerar por direito, ela deve se socorrer de outros objetos específicos da filosofia para sua compreensão e o mesmo para sua diferenciação. Deve ser especifica em relação ao próprio pensamento jurídico: os argumentos de um juiz ao prolatar a sentença são, comumente, técnicos-normativos e não jusfilósoficos. A disciplina em pauta estuda o porquê das normas e a teoria do direito analisa as normas; a teoria do direito é uma espécie de alto pensamento jurídico, não é uma teoria geral de todo o fenômeno jurídico, mas sim das técnicas jurídicas, estatais, capitalistas consolidadas a partir da modernidade. A filosofia do direito indaga-se sobre o que é uma norma jurídica, sobre a legitimidade do Estado para ditar normas. Pode-se concluir que tal ramo do conhecimento é uma disciplina de filósofo, mas é o jurista filosofo que se ocupa da filosofia do direito. Esta alimenta uma dúplice exigência: o conhecimento profundo do direito e da filosofia. Ela acaba sendo produto do jurista filósofo, pois, tomada no seu sentido conservador, se ocupa da relação do fenômeno jurídico com a totalidade da sociedade e não somente com a totalidade da sociedade e a totalidade interna das técnicas jurídicas. Assim, o filósofo do direito, arrancando o máximo de verdade do direito e da sociedade aponta, com afinco, para a essência da justiça como valor. 1.2 As concepções antiga e moderna de Filosofia e Filosofia do Direito.

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Page 1: Resumo Humanística- Marcus

1.1 O significado da Filosofia do Direito.

A função da filosofia é sistematizar o pensamento, é um enfrentamento do próprio pensamento e do mundo. Assim, filosofia do direito é a filosofia geral com um tema especifico de análise, o direito.

Filosofia do direito é o máximo pensamento possível sobre o próprio direito. O problema inicial da filosofia está na especificidade do que se possa considerar por direito, ela deve se socorrer de outros objetos específicos da filosofia para sua compreensão e o mesmo para sua diferenciação. Deve ser especifica em relação ao próprio pensamento jurídico: os argumentos de um juiz ao prolatar a sentença são, comumente, técnicos-normativos e não jusfilósoficos.

A disciplina em pauta estuda o porquê das normas e a teoria do direito analisa as normas; a teoria do direito é uma espécie de alto pensamento jurídico, não é uma teoria geral de todo o fenômeno jurídico, mas sim das técnicas jurídicas, estatais, capitalistas consolidadas a partir da modernidade. A filosofia do direito indaga-se sobre o que é uma norma jurídica, sobre a legitimidade do Estado para ditar normas.

Pode-se concluir que tal ramo do conhecimento é uma disciplina de filósofo, mas é o jurista filosofo que se ocupa da filosofia do direito. Esta alimenta uma dúplice exigência: o conhecimento profundo do direito e da filosofia.

Ela acaba sendo produto do jurista filósofo, pois, tomada no seu sentido conservador, se ocupa da relação do fenômeno jurídico com a totalidade da sociedade e não somente com a totalidade da sociedade e a totalidade interna das técnicas jurídicas.

Assim, o filósofo do direito, arrancando o máximo de verdade do direito e da sociedade aponta, com afinco, para a essência da justiça como valor.

1.2 As concepções antiga e moderna de Filosofia e Filosofia do Direito.

Sistematização tópica do Desenvolvimento histórico da filosofia do direito

Quatro grandes fases ao nível do desenvolvimento histórico da filosofia do direito:

1) Filosofia do Direito na AntiguidadePeríodo Inicial: Período arcaico pré-científico.

A questão “o que é o direito” nem sequer se colocava porque o homem detinha uma visão mitológica do mundo, todas as respostas referentes à existência humana encontravam a sua base no mito, dominando este toda a realidade.O homem questionava-se, mas, a resposta ia sempre de encontro ao mito.

Época pré-socráticaO caminho foi do mito para o logos..⇓

Page 2: Resumo Humanística- Marcus

Modo de pensar polarizado⇓As qualidades que eram apreendidas neste período só faziam sentido em conjugação como seu contrário.

Grandes referências:

Pitágoras– lança uma ideia de justiça social.

Heraclito– vem fa l a r que t odo o acon tec imen to é reg ido po r uma l e i do mundo, a razão humana, o logosVem es tabe lece r d i s t i nção en t re j us t i ça da no rma humana e j us t i ça natural. (distinção entre direito positivo e direito natural).

Anarximano –-vem falar da distinção entre ser e ordem, entre ser e dever ser.

É o pai da filosofia existencialista

-Está implicado na existência de um direito de existir.

-Autodeterminação de cada ser em si mesmo

-Direito à diferença.

Época sofista

Protágoras –-passou a ser uma visão antropocêntrica.

-Era o homem que detinha a medida de todas as coisas.

-Era o centro do pensamento

É o pa i do pensamen to j u r í d i co sub je t i v i s t a que es tá na ra i z do pos i t i v i smo j u r í d i co , po rque en tend ia que só dev ia v i go ra r como direito a norma estabelecida.

Górgias-

Trasimago-

Cálides-

Epicuro-

Filosofia Ática(Filosofia de superação da sofística)Sócrates –-pensamento antropológico voltado para o interior do homem. Tinha uma visão inatista do direito natural.

Page 3: Resumo Humanística- Marcus

-A lei natural residia no interior do indivíduo, seria a alma que dava ao homem a respectiva medida moral.

-Analisa o relacionamento entre o direito e a moral e o carácter justo da lei.

-A lei seria uma forma de justiça.

-Para este autor era referente máximo a obediência à lei, ainda que a mesma fosse errada ou criminosa. (Fédon – Platão).

Platão –-centra o pensamento nas ideias. As ideias são o ser verdadeiro.

-Foi o criador da filosofia objectivo-idealista.

-Desconfiava da própria lei apontando mais no direito natural baseado nas ideias.

-Falou numa primeira vez em igualdade.

Aristóteles –-foi o fundador da doutrina ideal do direito natural

-fez uma associação entre a ideia (Platão) e o conceito de natureza. A natureza seria a forma perfeita da realidade.

-Era um cético quanto à perfeição das leis.

- R e c o n h e c e u a e x i s t ê n c i a d e l e i s i n j u s t a s q u e d e v i a m s e r corrigidas.

-Introduz o conceito de equidade.

-Reso lução segundo um c r i t é r i o de j us t i ça sem recurso a normas pré-estabelecidas.

-Dá-se uma relativização dos valores do direito.

-Valor segurança.

-Distinção entre justiça natural e justiça legal.

- E s t a b e l e c e u p e l a p r i m e i r a v e z d e f i n i ç õ e s q u e r p a r a o direito natural quer para o direito positivo. Direito Natural seria aquele direito que detinha validade em toda a parte, independentemente de parecer bom aos homens ou não. Direito Positivo seria aquele cujo conteúdo, à partida indiferente, mas uma vez estabelecido por lei, seria definitivo.

-Desenvolveu a doutrina da justiça, ainda hoje muito utilizada.

Diz Aristóteles acerca da Justiça:O cerne da justiça está na igualdade, numa visão de proporcionalidade encontramos dois tipos de justiça:

Page 4: Resumo Humanística- Marcus

1.Justiça Comutativa– Justiça entre desiguais por natureza, mas iguais perante a lei. No plano da igualdade significa igualdadeabsoluta entre prestações.

2.Justiça Distributiva– Reporta-se à igualdade proporcional no tratamento de um conjunto de pessoas. Traduz-se na atribuição de direitos e obrigações de acordo com a dignidade, capacidade e necessidade de cada pessoa.

EstoicismoTransição do Direito Natural da antiguidade para o Direito Natural Medieval cristão.

Cícero –

Deve existir uma única e divina lei para todos conforme à natureza de existência estável e duradoura. Existe também a lei humana, que não pertence à natureza e só terá validade para um campo de atuação limitado.

S.Paulo –

vem apenas afirmar a existência de uma lei ética natural que atuará no plano da consciência de cada um.2) Filosofia do Direito na Idade Média – Escolástica

Cristianismo –Sa lvação da a lma . Deus ún i co e pessoa l , on i sc i en te , on ip resen te eonipotente.

Santo Agostinho (354*430 d.C.) – obra: “De Civitas” – A cidade de Deus.

-Percursos da doutrina do Direito Natural cristão

-Primeiro filósofo existencialista cristão

-Bases do pensamento:

-Pensamento platónico

-Colocou as ideias no espírito de Deus e e definiu-as como modelos eternos das coisas na mente divina

-Estabeleceu uma hierarquia das leis:

1.LEI ETERNA –topo da hierarquia – correspondia à razão divina ou à vontade (eterna e imutável) de Deus.

2.LEI NATURAL (LEX NATURALIS)– uma marca da l e i e te rna na consciência humana (imagem de um espelho)

-Participação do homem na ordem divina do universo

-A vontade humana iria dar azo a uma deturpação dessa lei natural , pois é na vontade humana que radica o mal e é a misericórdia que consegue afastar esse mal.

Page 5: Resumo Humanística- Marcus

-Pessimismo Antropológico

-Pecado original – corrupção da natureza humana, perda da integridade da racionalidade.

3.LEX TEMPORALIS– O s e u f u n d a m e n t o é a l e i n a t u r a l

- c o r r e s p o n d e a o q u e o l e g i s l a d o r e s t a b e l e c e c o m o p e r m i t i d o o u proibido.

-Pa ra San to Agos t i nho a LEX NATURAL IS e a LEX TEMPORALIS só se r i am vinculativos se se apoiassem na LEI ETERNA. O conteúdo da LEI ETERNA era estabelecido pela Fé Cristã.S. Tomás de Aquino (1225-1274) – Obra: “Summa Theologica”Bases do Pensamento:

-Pensamento aristotélico (Cristão aristitélico por excelência)

-Intelectualista

-Concebe Deus como inteligência e a lei como imperativo da razão divina:

-Papel de governar a comunidade do universo

-Ideia de lei eterna de Santo Agostinho

-Acolhe a hierarquia das leis de Santo Agostinho

- D á u m n o v o c o n t e ú d o à L E I N A T U R A L d e S a n t o Agostinho, concebia-a como realidade objetiva e não como uma lei subjetiva da lei.

-Com pa r t i c i pação i n te l ec tua l do homem na l e i do mundo fazendo parte da LEI ETERNA e sendo produto do discernimento natural da razão humana.

-Defendeu que a lei injusta não é lei

-A lei que se desvia da Lei Natural é uma lei corrupta

- D e f i n i u a l e i h u m a n a c o m c e r t a o r d e n a ç ã o d a r a z ã o a o b e m c o m u m , promulgada por quem tem a seu cargo o governo da comunidade

-Distinguiu a lei abstrata genérica do direito concreto individual no âmbito do Direito Natural. Direito Natural abstrato – normas axiomáticas mais genéricas (exemplo: não matar)Direito Natural concreto – porque a natureza humana é mutável, é necessário criar normas susceptíveis de alteração.

Teoria da Justiça

Page 6: Resumo Humanística- Marcus

-O mal não radica na vontade mas sim no entendimento

-A Jus t i ça é da r a cada um o que é seu (da comun idade – Jus t i ça legal ou geral do, indivíduo – Justiça particular)

-Justiça comutativa – quando devido por outro indivíduo

-Se for devido pela comunidade – justiça distributiva.

Fim da Escolástica– Período de decadência da uniformidade Escolástica decadente ou heterodoxa. Nova concepção do Estado

-Defesa da emancipação do Estado face à religião.

-Ideia de Contrato Social

-A autoridade política resulta de uma convenção inicial pela qual os homens renunciam à totalidade ou a uma parte da sua liberdade em troca de segurança.

3) Filosofia do Direito na Época Moderna

-Nova concepção de filosofia e de ciência

-Modernidade – Início em meados do século XV fruto de dois movimentos:

Humanismo– restauração erudita dos textos e letras da antiguidade clássica

Renascimento

– restauração geral de todas as formas de arte antiga da Grécia e de Roma.

-Nova concepção da vida e do mundo

-Desenvolvem aspectos da escolástica decadente

-Evolução ideológica: Estado prevalece sobre o Direito. O s E s c o l á s t i c o s p a r t i r a m d a i n t e l i g ê n c i a o u d a v o n t a d e ( S a n t o A g o s t i n h o ) p a r a concretizarem a ideia da lei divina. Aqui, parte-se da razão humana⇓Concebe-se a estrutura do Estado, a vida e as suas exigências e a ideia de Direito Natural baseado no próprio homem ou na natureza humana .A razão é a base desta ideologia.

Nicolau Maquiavel (1469-1527)

-Pensador político

-Método: observação histórico-empírica dos fenómenos políticos para os interpretar cientificamente.

-Seguiu a doutrina do individualismo

Page 7: Resumo Humanística- Marcus

-A política devia ser laica (puramente profana e humana)

-Religião e política deviam afastar-se

-Separação entre a ética e a política

-Esvazia o estudo de qualquer conteúdo de caráter moral

-Este autor não é imoralista absoluto

- O s g o v e r n a n t e s n o s s e u s a t o s n ã o d e v e r i a m t e r p r e o c u p a ç õ e s d e caráter moral.

-A política deve ser moralmente neutra

-Unidade do Estado como valor supremo da política acima dos valores morais do homem

-Adota uma visão naturalista da vida

-tudo o que existe é produto do acaso e não de qualquer providência divina.

-Homem superior com virtude (aptidão)

-Defende o princípio de que os fins justificam os meios

-Não há em Maquiavel qualquer ideia de Direito Natural

-Ética da razão do estado com valor superior a todos.

1.3 A essência do Direito, da Ciência e da Filosofia.

Relação da teoria geral do direito com a filosofia do direito e a dogmática jurídica

Sobre a relação Teoria e Filosofia do Direito, Giuseppe Zaccaria, ao tratar das implicações filosóficas da teoria contemporânea do Direito, assevera que tais disciplinas, nos últimos vinte e cinco anos, sempre mostraram, e seguem mostrando, múltiplas e relevantes conexões Nos últimos tempos tem ocorrido um vasto processo de diferenciação e especialização, que tem conduzido a teoria do direito a uma relativa autonomia em relação à filosofia jurídica, em razão de alguns temas clássicos terem migrado do tronco desta para aquela e porque a própria teoria do direito vem se fracionando em uma vasta série de disciplinas e de teorias parciais e particulares.

Por sua parte, a dogmática jurídica vem perdendo espaço como um sistema auto-suficiente, produtor de novas regras de direito mediante simples operações do tipológico-dedutivo, pois está adquirindo um grau de flexibilidade cada vez maior, se agarrando a parâmetros tipológicos que incluem valores,os quais permitem uma verificação da legitimidade das soluções delineadas pela práxis e uma confrontação assídua com as transformações e as diferenciações do ambiente social.Com isso, Giusppe Zaccaria percebe um paradoxo:

Page 8: Resumo Humanística- Marcus

a crescente diferenciação-especialização das disciplinas jurídicas e teorias-jurídicas e as inúmeras tentativas de aprofundar as linhas de demarcação entre as mesmas terminaram involuntariamente por favorecer o redescobrimento de suas conexões e por recriar uma situação propícia ao esforço de construir uma teoria capaz de voltar a integrar a teoria do direito com a filosofia jurídica.

O autor conclui que vários temas estão sendo tratados pela teoria do direito, o que justifica afirmar sua relativa autonomia em relação à filosofia; porém, considerando que as questões teórico-jurídicas possuem um substrato filosófico e não dispõem de um critério unívoco e satisfatório que possibilite delimitar de forma rigorosa em qual das disciplinas elas se incluem, tem-se que referidas questões também seguem pertencendo ao vasto âmbito da filosofia do direito. Zaccaria segue em sua obra argumentando que esse desenvolvimento dasi mplicações filosóficas da teoria do direito tem apresentado resultados coerentes dentro da própria teoria do direito. Isso porque o juspositivismo e o realismo jurídico têm se mostrado uma via morta, sendo suplantados por novas tendências da teoria contemporânea do direito, ou seja, a teoria analítica do direito e a teoria sistêmico-funcionalista do direito. Não obstante, mais eficazes e persuasivas tem se mostrado as teorias hermenêuticas do direito, as quais são protagonistas do debate mais atualizado sobre o raciocínio jurídico, uma vez que reconhecem e incluem como fator constitutivo de seu discurso a influência dos elementos valorativos no procedimento de individualização do direito, possibilitando o intérprete fundamentar, racionalmente, uma decisão considerada justa. Outros pontos importantes destacados no enfoque hermenêutico são as capacidades de iluminar a complexidade fenomenológica e conceitual do direito e de criticar a visão dogmática.

Ainda sobre as relações existentes sobre as disciplinas supracitadas, oportuno trazer à baila a concepção de Arthur Kaufmann, o qual entende que a Dogmática Jurídica e Filosofia do Direito possuem uma relação de alteridade. A primeira não se preocupa com o que é Direito e tampouco com as circunstâncias, a extensão e o modo de existência do conhecimento jurídico; sua argumentação é sempre infra-sistemática, em que o sistema permanece intocado. A segunda, por sua vez, se ocupa dos problemas fundamentais, “mas não se pode daí concluir que na filosofia se trata de coisas ‘mais importantes’ do que nas ciências dogmáticas especializadas, pois elas se associam, tendo um permanente intercâmbio, o que justifica a afirmação de que possuem uma relação de alteridade .

Quanto à relação entre Filosofia do Direito e Teoria do Direito, Kaufmann entende que a diferenciação é muito imprecisa :A diferença entre a filosofia do direito e a teoria do direito é de resto muito imprecisa. É certamente correto dizer cum grano salis que a filosofia do direito está mais direcionada para os conteúdos, e a teoria do direito, para as formas, mas visto que não existe matéria sem forma nem forma sem matéria, não se pode obter deste modo nenhuma delimitação precisa.[16]Elas se relacionam em razão de ambas não se limitarem ao Direito vigente; elas procedem fundamentalmente de forma transistemática

Consideramos aqui que a teoria geral do direito tem o objetivo de apreender o fenômeno jurídico mediante o estudo de sua razão de ser, de suas finalidades, de seus conceitos fundamentais, de sua utilização, de seus instrumentos, de seu método etc. Em suma, estuda a ordem jurídica em sua globalidade, através de seu “por quê” e de seu “como?” .É uma construção intelectual metódica e organizada fundamentada na observação e na explicação dos diversos sistemas jurídicos e destinada a definir os grandes eixos da construção e da aplicação do direito. Seu estudo não poderia deixar de lado aspectos essenciais da metodologia jurídica.

1.4 Filosofia e Linguagem: implicações na interpretação do Direito.1.5 Virada Hermenêutica na Filosofia e suas implicações no Direito.

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Obs:Verifiquei, após comparação entre os tópicos 1.4 e 1.5, que os mesmos podem ser sintetizados de uma mesma feita, portanto, considera-los abrangidos pelos seguintes parágrafos

Comunicação é interação, é produzir mensagens da melhor forma possível para ser entendido. Tais mensagens constituem-se em signos que possuem seus respectivos significados na medida e ocasião em que são usados.

No Direito, os signos são produzidos em forma de leis e seus significados são desvelados na medida em que a lei é aplicada. Pode-se dizer, dessa forma, que as leis são signos latentes que terão, através da linguagem, seus significados desvendados.

A linguagem no Direito é encontrada facilmente em postulados jurídicos, como a linguagem do silêncio, que implica liberdade; a linguagem da legalidade, encontrada, principalmente, no inciso III, do artigo 5° [26], da nossa Constituição Federal, entre outros inúmeros exemplos. Sem linguagem a vida social e, conseqüentemente, a vida jurídica não existiriam.

A questão lingüística ganhou maior importância a partir do século XX, quando passou a ser vista como condição de acesso ao mundo. A partir de Heidegger houve uma reviravolta no seu uso, mormente no universo jurídico, quando deixou de ser considerada como meio entre sujeito e objeto, passando a assumir a condição de existência do intérprete, quer dizer, o intérprete é alguém inserido na linguagem.

A viragem lingüística se desenvolveu, fundamentalmente, em três fases:

a) a primeira fase é fruto do neopositivismo lógico, oriundo do Círculo de Viena, que tinha como escopo à construção de uma linguagem ideal;

b) a segunda etapa foi caracterizada pelo abandono do ideal de exatidão da linguagem;

c) a terceira etapa foi, e ainda é, voltada para o estudo da filosofia da linguagem.

Após a viragem, passou-se a entender a linguagem como um meio universal para compreender, pois pela linguagem há comunicação, interpretação e, conseqüentemente, compreensão. Gadamer chega a afirmar que: "Todo compreender é interpretar, e todo interpretar se desenvolve no meio uma linguagem que pretende deixar falar o objeto, sendo, ao mesmo tempo, a própria linguagem do intérprete". Tal guinada lingüística libertou o conhecimento da pré-compreensão, dos paradigmas e das teorias da consciência.

Nessa senda, a hermenêutica, agora da linguagem, teve um salto na sua importância e no seu significado. Antes vista como meio para entender poemas gregos, para interpretar textos sagrados e para desvendar o sentido dos textos jurídicos, ela passou a se ocupar em compreender, interpretar para, no mesmo tempo, aplicar.

O mundo, o conhecimento e os objetos não podem ser objetos da linguagem, pelo contrário, tudo isso é abrangido/englobado pelo horizonte lingüístico, pelo mundo da linguagem.

Nesse ponto encontra-se o grande diferencial hermenêutico depois que ocorreu a viragem lingüística, pois agora não existe mais paradigmas, pré-juízos imutáveis, tendo em vista que o mundo, feito pela linguagem acontece a cada dia, sem existir a mínima possibilidade de repetições.

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Assim, conforme visto anteriormente, o Direito é, também, linguagem, é comunicação social que acontece a cada dia. Não existe um mundo do Direito que possa ser pré-constituído e imutável, assim como não existe um mundo inalterável. Em suma, tudo pode ser revisto e compreendido pela linguagem.

1.6 Hermenêutica Filosófica e Filosofia Hermenêutica.

Com o intuito de romper a carapaça ideológica até então vigente, da interpretação clássica reprodutiva, Martin Heidegger, filósofo alemão, edita sua obra Ser e Tempo (1927), inaugurando uma nova forma de ver a hermenêutica, a partir da faticidade, ou seja, é preciso verificar, antes de interpretar, a própria condição de ser-no-mundo.

Heidegger passa a enfocar o ser enquanto ser e não mais os fundamentos epistemológicos das ciências humanas até então tratados. Orienta seus estudos a partir da ontologia e não mais pela epistemologia, inserindo filosofia na questão hermenêutica.

O ilustre filósofo alemão propôs uma verdadeira superação da cultura/visão objetivista que predominava até meados do século passado. Hans-Georg Gadamer, discípulo mais ferrenho de Heidegger, chama a atenção de que:

“Com isso conquista-se a idéia da "fenomenologia", ou seja, a desvinculação de toda posição do ser e a investigação dos modos subjetivos de as coisas se darem, transformando-a num programa universal de trabalho que deveria permitir a compreensão de toda objetividade, de todo sentido do ser. Agora, também a subjetividade humana possui validez ontológica. Também ela deve ser vista como "fenômeno", ou seja, deve ser examinada em toda a variedade de seus modos de doação.”

Essa base ontológica ressuscita o tema do ser, deixando a metafísica de lado e passando a compreender as coisas enquanto elas mesmas.

Segundo Josef Bleicher (1980), a hermenêutica de Heidegger pode ser caracterizada por perspectivas conflitantes, no tocante ao fato de que as expressões humanas de qualquer gênero podem ser reconhecidas como tal por qualquer ser humano e transpostas para seu próprio sistema de valores e significados. Como este processo se dá e como é possível “se dar conta” de sentidos subjetivos aplicados ao reconhecimento de um ato ou fato, o que prejudicaria de forma absoluta a capacidade de compreensão deste, é o que discorre cada caminho hermenêutico em sua especificidade, e Bleicher cita três caminhos que se consagraram: a teoria hermenêutica, a filosofia hermenêutica e a hermenêutica crítica.

A teoria hermenêutica focaliza a problemática de uma teoria geral da interpretação como uma possível metodologia para as ciências humanas. Pela análise da “compreensão” como método apropriado de re-experimentar ou re-pensar o que um autor originalmente viveu ao se expressar, sob qualquer modalidade discursiva espera-se ganhar um entendimento do processo de compreensão, em geral, permitindo assim transpor a complexidade de sentidos de um discurso expresso por um autor, para nossa compreensão de nós mesmos, de nosso mundo e do texto ou fato “lido”.

Page 11: Resumo Humanística- Marcus

Nesta última já se delineava um reconhecimento da linguagem como meio universal da humanidade presente na primeira versão do círculo hermenêutico como todo em relação ao qual, partes individuais ganham seu sentido. A razão maior da aplicação da teoria hermenêutica se caracteriza como um esforço por “evitar os mal-entendidos”.

A filosofia hermenêutica, por sua vez, parte do reconhecimento do hermeneuta como ocupado na interpretação de um ato ou fato humano, em sua situação temporal e histórica. não se pretende substituir a teoria hermenêutica, mas sim direcioná-la segundo princípios que admitam a condição de “ser-no-mundo” do intérprete em seu ocupar-se hermenêutico.

Neste sentido a filosofia hermenêutica iniciada por Heidegger, e sustentada por Gadamer, parece se impor diante das frustrações de uma teoria hermenêutica que pretende suprimir o caráter subjetivo das interpretações, visto que dada a significância do texto (o que significa para um intérprete) e dado o significado original do texto (seu sentido próprio), o primeiro condiciona sempre o segundo, que é deste modo inalcançável.

Nesse contexto que Heidegger propõe/provoca um deslocamento da hermenêutica, revelando que pela compreensão, pela historicidade e pela linguagem se consegue quebrar os paradigmas das condições prévias nas interpretações de textos, inserindo pensamento e atividade humana no processo interpretativo.

Percebe-se que o método proposto por Heidegger não se trata de um método como procedimento formalista, mas, sim, algo que está sob constante revisão/evolução.

A hermenêutica filosófica traz, portanto, uma nova forma de compreender, não mais como modo de conhecer, mas como modo de ser. Observa-se, em Heidegger, que não há mais aquela compreensão pura - defendida pelos clássicos -, da busca do espírito do texto ou das intenções de quem fez o texto, mas, sim, uma compreensão ligada às condições e ao modo de ser-no-mundo, da faticidade.

1.7 As dificuldades de conceituação do Direito.

O Problema do Direito como linguagem

É empiricamente comprovada na realidade comunicativa a existência de termos, nas mais diversas formas de linguagens e nas mais diversas línguas, que, sem variações sequer de ordem ortográfica ou fonética, expressam duas ou mais idéias. Quando as idéias designadas pela palavra forem opostas, diz-se que se trata de um termo equívoco. Se houver relações lógicas entre as idéias, denomina-se multívoco o termo em questão. Quando um termo expressa unicamente uma realidade, recebe este a nomenclatura de unívoco.

Esses termos definem idéias, ou seja, definem conceitos.

Faz-se mister aqui uma diferenciação entre definição e conceito.

Conceito é uma idéia mentalmente construída sobre um determinado objeto, onde se faz um processo de abstração purificante que abarcará toda a sua essência.

Page 12: Resumo Humanística- Marcus

Definição, por sua vez, é a exteriorização, a explicitação da idéia anteriormente formada intelectivamente, ou seja, é a representação esteriotipada de um conceito, e que para a ele ser fiel deve conter todo o objeto definido e apenas ele(10).

Observa-se, portanto, que para se chegar a um conceito único de direito deve-se espelhar seu conteúdo em uma definição a ele condizente, resguardando toda semelhança de seu objeto com o gênero próximo e o individualizando dentro de tal gênero com uma diferença específica.

Quando uma definição apenas representa graficamente uma realidade, sem a ela ser fiel ou completamente representativa, fala-se de uma definição nominal. Ao se fazer uma definição nominal perde-se o caráter de fidelidade material que garantiria um caráter de universalidade a ela.

Quando se reproduz simbolicamente em termos um determinado objeto resguardando-se toda a sua essência, diz-se que há, então, uma definição essencial.

Busca-se, para o Direito, essa definição real-essencial, mas que, no entanto, não é fácil de se alcançar. Isso porque o termo direito é multívoco, já que mesmo expressando realidades logicamente interligadas são distintas entre si, e que não podem ser excluídas sob pena de se ferir sua integridade material, tão importante para uma conceituação.

O problema da cientificidade do Direito

Em geral entende-se por ciência do direito "um sistema de conhecimentos sobre a realidade jurídica", ou seja, uma atuação controlada de acordo com valores e princípios específicos, e que se distinguiria por seu método e por seu objeto, vista como uma atividade sistemática de interpretação normativa, visando uma aplicação direta a um caso concreto. Seria portanto, a ciência do direito, uma ciência imperativo-normativa

Surge então uma questão a saber: pode uma ciência ser normativa? Grande parte dos teóricos rejeita tal possibilidade, pois ciência, para assim ser considerada, trata sempre de enunciados que constatam e informam uma realidade, sendo enunciados descritivos, enunciados do "ser".

Kelsen, entretanto, mesmo defendendo o caráter do "dever-ser" do direito, afirma-o como ciência, pois, diz ele, quando se fala em ciência normativa não se quer contrapor a normatividade á descrição, e sim á explicação

Considerando-se também o caráter multívoco do termo ciência, passa-se a se complicar a determinação da cientificidade ou não do Direito. Entendendo "ciência" como obtenção de conhecimento através das realidades existentes, não há porque se excluir o direito de seu âmbito de abrangência. Por outro lado, se considerarmos a necessidade de um objeto próprio e imutável para que se configure uma "ciência", aí já se revelaria um problema ao Direito, pois seu objeto, seja ele normas ou condutas, não é apenas por ele estudado, outras ciências também dele se utilizam em suas especulações. Além do que, tanto as normas quanto a conduta humana são dinâmicas, variam no tempo de acordo com as circunstâncias.

Acepções do Direito como "Ciência Normativa"

Page 13: Resumo Humanística- Marcus

Decorrente da problemática do objeto do direito, surge uma divergência ideológica quanto a acepção da ciência jurídica como "ciência normativa". O problema surge durante a explicação dos porquês da normatividade da ciência jurídica.

Apresentam-se três versões para a expressão "ciência normativa":

a)Ciência que estabelece normas

Aqui se trata o direito como ciência que apenas determina normas para guiar o comportamento humano no seio social. Desta acepção verifica-se o caráter valorativo do direito, já que se pressupõe á norma a existência de um valor tutelado, sendo então, o direito, uma ciência valorativa(19).

b)Ciência do estudo das normas

Kelsen, ao afirmar que o objeto do direito é a norma jurídica, estabelece, tacitamente, que o Direito é uma ciência normativa por conhecer e estudar normas, e não apenas por determiná-las, pois, afirmava o referido autor, que uma ciência para assim ser considerada não pode prescrever, uma vez que a prescrição pressupõe algo e ciência não pressupõe, constata, descreve(20).

Para Kelsen o direito afirma-se como ciência normativa na medida que estuda e descreve normas, sem a elas ligar valores.

Deve-se aqui fazer uma ressalva: nessa concepção kelseniana, "normativo" se contrapõe á "explicativo" e não á "descritivo", assim como "descritivo" não se contrapõe a "normativo", e sim a "prescritivo"(21).

Tendo em vista tal observação fica fácil de se entender a afirmação kelseniana de que o direito é uma ciência normativo-descritiva. é normativa na medida em que estuda normas, sendo descritiva de normas. A ciência jurídica descreve normas, as quais prescrevem condutas, sendo, portanto, descritivamente "dever-ser", adquirindo caráter de ciência não pelo seu objeto, mas sim por sua função.

O direito, por fim, seria uma ciência do "dever-ser" descrito em normas e que as estuda.

b)Ciência que instrumentaliza a norma

Cossio afirma que a ciência do direito é normativa, mas diz que essa normatividade não deriva de ser seu objeto a norma, e sim de que o direito utiliza-se das normas para o estudo da conduta, que é seu real objeto. A norma para Cossio, é apenas um meio pelo qual se conhecem as condutas humanas, sem as quais o conhecimento jurídico-científico não se concretizaria(22).

Do exposto, podemos concluir que apenas a primeira tese da normatividade científica do direito não procede, pois suas especulações entram em conflito já com a idéia de ciência.

O caráter de cientificidade, todavia, está presente nas duas outras teses. Tanto Kelsen quanto Cossio não desviam do ideal de ciência almejado pela expressão "ciência normativa". A divergência surge em relação á posição do foco na normatividade: se na norma ou na conduta.

Acepções dadas ao termo Direito

Como em outrora já fora dito, deve-se buscar para o direito uma definição real-essencial. Para tanto devemos transpor a barreira do estudo do vocábulo e chegar até o relacionamento do direito com a realidade que o envolve.

Analisando o fenômeno jurídico, percebemos que o direito pode se apresentar, dentre tantas formas possíveis, como:

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a)Direito-norma; quando é estritamente entendido como lei ou norma, fazendo valer o ideal de direito objetivo. Dentro desta análise, cabe a distinção entre direito estatal e não-estatal, que é o Direito criado por outros órgãos que não o Estado, como a Igreja.

b)Direito-faculdade; que é aquele direito subjetivo de poder atuar conforme vontade própria de forma garantida por lei. É o "facultas agendi".

c)Direito-justo; que seria a manifestação, em termos sociais, mais legítima do fenômeno jurídico, pois sempre faria prevalecer o Direito subjetivo em conformidade com as idéias sociais daquilo que seria justo.

d)Direito-fato social; que é mais utilizado pelos sociólogos. Considera o Direito como uma parte da vida em sociedade, independente de suas demais manifestações;

e)Direito-ciência; que é, como já foi analisado, o entendimento do fenômeno jurídico como um sistema de conhecimentos da realidade jurídica(26).

Essa diversidade perceptiva que se observa em relação ao Direito, torna extremamente dificultosa sua conceituação universal, uma vez que ele é interpretado das mais diversas maneiras, abrangendo realidades variadas, que, na maioria dos casos, não se complementam sem se auto-excluir.

Definições históricas dadas ao Direito

A problemática definitória do Direito não é recente. Retomando séculos passados identificamos muitos pensadores que dessa questão tomaram parte e se propuseram a determinar uma definição universalmente aceita para o termo.

Celso, na antigüidade romana, definiu o Direito como "a arte do bom e do eqüitativo", fazendo prevalência á qualidade artística do Direito em detrimento das demais, acabando por confundir o Direito com a Moral.

Posteriormente, Ulpiano, partindo daquilo que acreditava ser os objetos do Direito, define-o afirmando: "os preceitos do Direito são: viver honestamente, não lesar, atribuir a cada um o que é seu". Ulpiano não deixa claro em sua exposição os limites diferenciadores entre Direito, Moral e Religião, já que todos estes se propõem aos objetivos por ele discriminados. Na realidade o referido autor não definiu o Direito, determinou suas metas.

Na Idade Média, o poeta Dante Alighiere formula a definição: "Direito é a proporção real e pessoal de homem para homem que, conservada conserva a sociedade e que, destruída, a destrói". Tal definição destaca o caráter de alteridade do Direito, e perdurou durante toda a Idade Medieval.

No século XVIII, Kant define assim o Direito: "Direito é o complexo de condições onde o arbítrio de cada um pode conviver com o arbítrio dos outros, segundo a Lei Universal de Liberdade". Nessa definição de cunho liberal, Kant faz prevalecer a vontade individual até o limite determinado pela lei citada.

Contemporaneamente, podemos citar a definição que Miguel Reale dá ao Direito em suas Lições Preliminares, dizendo-o "a ordenação heterônoma, coercível e bileteral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores"(28).

Deve-se observar neta definição, que Reale faz uma equiparação entre norma e conduta como objetos do Direito ao afirmá-lo uma ordenação de conduta determinada pelos caracteres normativos jurídicos da heteronomia, bilateralidade atributiva e

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"coercibilidade". Percebe-se também a estrutura tridimensional dada ao Direito, como sendo uma relação entre fato, valor e norma.

Hodiernamente, porém, a definição dada ao Direito mais aceita é a de Stammler, e não a de Reale.

Neokantiano apriorístico, utilizando-se da lógica dos fatos jurídicos e da idéia de "se o Direito é um fenômeno universal, que está presente onde quer que haja vida humana em sociedade", Stammler consegue formular a definição de direito mais aceita atualmente entre os juristas, mas que nem assim consegue se tornar legitimamente válida em caráter de universalidade e unanimidade.

Segundo o referido autor, o fenômeno jurídico é expressão do homem, pois apenas ele percebe e explica a realidade, além de ser volitivo no exercício de sua liberdade. O homem, diz ele, quer visando a um fim, utilizando-se dos meios adequados para alcançá-lo.

Define o Direito desta forma: "Direito é um querer vinculatório, autárquico e inviolável". é vinculatório porque a vontade (querer) de um implica limitação da vontade de outrem. é autárquico, já que o Direito impõe aos homens, seus destinatários, a obrigação de cumprimento de suas normas. E é inviolável porque mesmo quando agredido não muda sua natureza vinculante e heterônoma.

Não consegue Stammler, assim como os demais autores, alcançar a substância do Direito tão esperada pela ontologia jurídica, e que lhe propiciaria o embasamento para um conceito próprio e universal.

1.8 Perspectiva histórica do Direito.1.8.1 A jurisprudência romana, Os glosadores, O jusnaturalismo moderno, A Escola histórica do Direito, Coativismo Dogmático, Positivismo jurídico, Normativismo, Personalismo Jurídico, Tridimensionalismo Jurídico, Teoria Egológica do Direito, Argumentação e Tópica.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca conhecer e identificar as variadas percepções que as sociedades possuíram do conhecimento do Direito ao longo do tempo e das Histórias destas muitas sociedades. Tércio Sampaio Feraz Júnior observou o desenvolvimento do saber jurídico preocupado em visualizar as várias roupagens que o pensamento do Direito (ou teorização jurídica) utilizou enquanto Ciência e/ou saber. Começando pela sociedade romana antiga, passando pela sociedade medieval, avançando pela modernidade e atingindo a contemporaneidade, compreende Tércio que, o referido desenvolvimento não foi linear, havendo avanços e recuos nos diferentes tempos, espaços e culturas.

A JURISPRUDÊNCIA ROMANA

Assim como as demais sociedades pré-modernas (Índia, China, Grécia, entre outras), Roma evoluiu das primitivas comunidades aproximadas pelo critério do parentesco, no qual o pátrio-poder era o elemento característico do que se entendia

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por Direito. As relações privadas foram determinadas por esse entendimento até que as transformações materiais e de mentalidade ocorridas na sociedade promovessem uma reestruturação do entendimento de Direito.

O aparecimento da Urbs e da Civitas levou os romanos a pensarem o exercício do Direito sob a perspectiva do ponto de vista do Centro Político (FERRAZ JÚNIOR, 2003). Neste caso, buscava o Direito ser um elemento de equilíbrio no convívio dos sujeitos que passavam a ser cidadãos. Mas “por que jurisprudência e não júris scientia?” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 18). Efetivamente os romanos não se dedicaram a responder esta pergunta, antes, preocuparam-se com a práxis jurídica. Apesar dessa forma de aplicação do Direito podemos pensar em Ciência no sentido de saber prático (FERRAZ JÚNIOR, 1980). “De modo geral, todos concordam que um dos mais importantes legados deixados pelos romanos às culturas que os sucederam foi seu sistema de direito” (BURNS, 1998, p. 163).

Inicialmente o Direito (jus) era um fenômeno de ordem sagrada, ligado a sua fundação, portanto, base da cultura e da tradição (FERRAZ JÚNIOR, 1980). O que delineou o desenvolvimento e a expansão da urbs. Esse Direito era uma atividade ética. Entendendo-se por isso a Prudência (virtude moral de equilíbrio, julgamento ponderado), sendo que a Jurisprudentia era, ainda, apenas um quadro regulativo geral.

Assim, é possível querer classificar o pensamento jurídico romano nos moldes de uma teoria da ciência, e, assim sendo, é melhor enquadrá-lo na tradição aristotélica, que busca compreender a coisa como ela é em sua causa, relação e necessidade, sendo este conhecimento um saber universal da essência (FERRAZ JÚNIOR, 1980). O silogismo (3 proposições) e a prudência (justeza construída pela dialética) são instrumentos deste conhecimento. “Aqui se enquadra a jurisprudência romana, cuja racionalidade dialética a torna tipicamente um saber prudencial” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 20).

Assim, o Problema é visto, não mais pelo fato em si, mas na busca de argumentos de outros casos com nexos entre si, criando uma regra geral que se aplique àquele problema inicial e a todos os demais casos futuros. Os fatos passam a ser interesse jurídico e assim ocorre a aplicação do Direito. Esse entendimento e atitude do Direito pelos romanos que, nos séculos seguintes, motivaram reformas que tentaram dar-lhe um caráter de “ciência” de acordo com um modelo racional matemático teve a participação da autoridade como elemento mediador. Entendendo esta autoridade como a mantenedora da cultura (religião – rligares), sendo esta manutenção não no sentido estático, mas ampliadora da Fundação da urbs.

“De certo modo, graças à tríade religião/autoridade/tradição, a jurisprudência deu ao Direito uma generalização que a filosofia prática dos gregos não conseguira” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 60).

OS GLOSADORES

Para entendermos melhor este momento do pensamento jurídico europeu e necessário contextualizá-lo historicamente.

Na transição da cultura romana para a cultura medieval há um importante elemento a ser assinalado: o advento do Cristianismo. Devendo ser necessário distinguir cristianismo enquanto religião (relação pessoal do homem com Deus) e

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cristianismo enquanto instituição (relação denominacional fundada da articulação do Bispo de Roma e da autoridade política imperial decadente). A autoridade denominacional corrompida que surgiu, logo tratou de formalizar os ordenamentos religiosos privados como ordenamentos públicos de caráter político e de aplicação jurídica. A ampliação do poder do Bispo de Roma para o caráter de autoridade política foi definidor de uma nova relação de Direito que perpassava por uma dogmatização de preceitos religiosos tornando-os universais e com validade e aplicação em todo o Império Romano. Com a criação das Universidades Medievais foi possível a um conjunto de pensadores resenhar, criticamente, os Digestos Justinianeus, os quais foram transformados em textos escolares de ensino das universidades. Bolonha foi um dos principais centros deste fenômeno. Considerados indiscutíveis, esses textos antigos foram submetidos a uma técnica de análise explicativa baseada no Trivium [6], caracterizando-se pela glosa [7] gramatical e filológica, daí a expressão “glosadores” atribuída aos juristas de então.

O trabalho do glosador era exegético, pois os textos nem sempre concordavam entre si, surgindo as (contrarietates), as quais levantavam (dubitates) conduzindo o jurista a uma (controversia, dissentio) ao cabo da qual se chega a uma (solutio), a qual era obtida quando se chegava a uma concordância. Havia, ainda, uma hierarquia entre os textos de acordo com a dignidade de sua autoridade e a distinção entre eles. Os livros com autoridade eram o Corpus Juris Civilis de Justiniano, o Decretam de Graciano, as fontes eclesiásticas canônicas e a coleção de decretos papais. O pensamento prudencial romano não desapareceu, mas teve seu caráter mudado de casos problemáticos para casos paradigmáticos, que deveriam traduzir uma harmonia. Nesse sentido a prudência se fez dogmática.

Por volta do século X foram retomadas as tentativas do Sacro Império Romano Germânico de concluir sua ampliação dobre o Regnum Italicum. Entretanto, o norte da Itália seguia uma ordem de organização social e política diferente daquela comum ao restante da Europa. A vitória dos Lombardos e Toscanos não se resumiu ao campo militar, pois, mais além, produziram armas ideológicas de legitimação de sua liberdade, quer seja a libertas (soberania), quer seja a liberta (autogoverno) que resulta da primeira (SKINNER, 1996).

O problema maior estava na legalização desta liberdade, pois todos os decretos e leis apontavam para o Imperador do Sacro Império o título de Dominus Mundi, portanto era o governante supremo, em todos os tempos, sobre todos os seus súditos, de todas as partes. Para os glosadores, até então, era impossível não ver no Imperador do Sacro Império o Princips do Código de Justiniano.

No século XIV, porém, ante ameaças que se renovavam por parte dos imperiais, finalmente se produziu a alteração da perspectiva que se fazia necessária. A grande figura nessa reorientação, o fundador da Escola que se chamaria de Pós-glosadores foi Bartolo de Saxoferrato [8], talvez o mais original dos juristas da Idade Média (SKINNER, 1996, p. 30).

A proposta de Bartolo foi tão revolucionária quanto simples. Enquanto os glosadores diziam que, quando a lei se mostra descompassada com os fatos legais, são estes que devem se acomodar àquela para se conseguir uma interpretação literal da mesma. Enquanto isso, Bartolo adota como preceito único que, quando a lei e os fatos colidem, é a lei que deve se conformar aos fatos (SKINNER, 1996).

OS JUSNATURALISTAS DA ERA MODERNA

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“A partir do Renascimento, o Direito irá perder progressivamente seu caráter sagrado. E a dessacralização do Direito significará a correspondente tecnicização do saber jurídico e a equivalente perda de seu caráter ético, que a Era Medieval cultuara e conservara” (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 65). A ruptura da Era Moderna em relação à Era Medieval se dá no campo do método, no qual esta indagava sobre as morais do bem na vida, enquanto que aquela indagava sobre as condições efetivas e racionais de sobrevivência. A crítica dos modernos jusnaturalistas aos glosadores era de que estes não possuíam uma sistematicidade na formulação de suas teorias. Conceituar “sistema” (mecanismo, organismo e ordenação) foi a maior contribuição do Jusnaturalismo, que passa a ver o homem como um elemento de um mundo concebido segundo leis naturais.

Ferraz Júnior (1980) reconhece em Pufendorf o típico exemplo da sistemática jurídica moderna jusnaturalista que sintetizou o conhecimento jurídico de sua época, mormente na Alemanha, até o século XIX. Parte da ideia de que o Direito Natural possui um princípio que se identifica imperativo na qual a Norma obriga ou proibi o indivíduo a uma determinada ação e outro princípio indicativo. A sistemática desenvolvida na base destes princípios se caracteriza pela associação da dedução racional com a observação empírica e, com isso, divide as normas do direito natural em Absolutas e Hipotéticas. A teoria jurídica passa a ser um produto da razão e instrumento de crítica da realidade.

A ESCOLA HISTÓRICA

Na transição do século XVIII para o século XIX, destacou-se Gustav Hugo (1764-1844) que desenvolveu uma nova sistemática para a Ciência do Direito, acentuando a relação do Direito e sua dimensão histórica. Ainda, compreende uma divisão em três partes do conhecimento científico do Direito: dogmática jurídica (o significado de legalidade), filosofia do direito (é racional que esta legalidade seja efetivamente legal?) e história do direito (como esta legalidade se tornou legal?). Tentando, assim, perceber direito positivo como fenômeno histórico.

O grande mérito da Escola Histórica foi haver assumido o caráter científico da Ciência do Direito (Jus Scientia). A sistematização do Direito era verificada na historicidade do próprio Direito, e forjava a dogmática jurídica, entendida como teoria do direito vigente. Ou seja, o estudo ciêntifico (histórico) do Direito Romano visava o estabelecimento daquilo que ainda era utilizável no presente. Abrindo assim as alas para uma concepção mais positiva do direito.

O POSITIVISMO

Por positivismo entenda-se tanto a doutrina de Augusto Comte, quanto aquelas doutrinas que se ligam a esta. Ele trata, basicamente, da limitação da ação humana nos fenômenos. Podendo aquela apenas interferir na intensidade deste, mas jamais na sua natureza. Negando também a metafísica, dava-se preferência às ciências experimentais e a confiança exclusiva no conhecimento dos fatos.

A corrente positivista jurídica foi muito mais do que uma tendência científica, foi também uma busca pela segurança da sociedade burguesa. Partindo do pensamento

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dos Iluministas e passando pela Escola Exegética. Esse sistema se confirmou de tal modo àquela época que se entendia que não havia direito que não o Direito Positivo.

Ele apresenta como característica a percepção de um sistema jurídico perfeito, acabado e fechado; as lacunas são apenas aparências e a generalização da norma posta é suficiente para atender a todas as demandas. Além desta característica, podemos notar que o positivismo continuou com a tradição jusnaturalista de método sistemático da Ciência Jurídica. Ainda, pela abstração e generalização e pela regressão de proposições hipotéticas muitos elevaram a Ciência Jurídica à condição de Ciência da Natureza.

O COATIVISMO DOGMÁTICO

Rudolf Von Jhering, por sua vez, propõe o seu Coativismo Dogmático, cuja concepção dominante é a de que o Estado detém o absoluto monopólio da coerção e da única fonte do Direito. Tal teórico concebe o Direito como o conjunto de normas em virtude das quais se exerce a coerção num Estado.

NORMATIVISMO JURÍDICO

A Teoria Pura do Direito, ou Normativismo Jurídico, desenvolvido por Hans Kelsen, a fim de conferir cientificidade ao ramo do direito, busca isolar as normas jurídicas dentro de um sistema onde uma ganha validade na relação que estabelece com as demais normas do sistema, de acordo com critério de hierarquia e subordinação.

Assim, afasta do direito qualquer compreensão sociológica, metafísica ou política, abstraindo de tais elementos e torna sua teoria pura porque concentrada na fonte primordial por meio da qual o sistema se formaliza: a norma jurídica.

Conforme anotado linhas acima, Kelsen desenvolve um sistema escalonado de normas (pirâmide) em que a noção de validade concebe-se na correta inserção da norma no ordenamento jurídico, tornando-se assim vigente e eficaz. Toda norma deve obediência à Constituição Federal – norma maior dentro do sistema positivo de determinado Estado – e, a partir dela, depreendem-se as normas infraconstitucionais, distribuídas em um sistema piramidal.

Todo esse sistema funda-se na existência de um norma hipotética fundamental, assim definida por Bittar e Almeida: “Assim, essa norma possui natureza puramente pensada, como forma de estancar o regresso ad infinitum do movimento cadenciado de busca do principium de validade de toda a estrutura piramidal do ordenamento jurídica; trata-se de uma ficção do pensamento, na busca de determinar logicamente um começo e um fim”.

PERSONALISMO JURÍDICO

Jose Lamartine Corrêa e Francisco José Pereira Muniz[10] afirmam que a visão positivista da ordem jurídica restringe a própria noção de pessoa, por conseguinte, reduz o âmbito de proteção conferido aos direitos da personalidade. Entretanto, é de fácil percepção que tais direitos apenas adquirem certeza, precisão e força cogente quando se apóiam no Direito Positivo, conforme explica Orlando Gomes [11].

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A partir das constatações, nota-se a necessidade de se empregar uma visão personalista do ordenamento jurídico, construindo em seu interior uma noção de personalidade que se baseie em uma concepção pré-normativa de pessoa. Ou seja, a noção de pessoa humana deve ser reconhecida pela ordem jurídica em toda a sua plenitude axiológica. Pois, conforme defendem os professores paranaenses, tal qual a pessoa, a personalidade é "noção insusceptível de gradação e mensuração".

A criação de uma ordem jurídica voltada para os valores da pessoa humana era defendida, desde o primeiro quartel do século, por Mounier e posteriormente, por Maritain e Mata-Machado. O Personalismo Jurídico, como ficara conhecido tal movimento, defendia a necessidade de uma ordem jurídica imersa em valores da pessoa humana.

TRIDIMENSIONALISMO JURÍDICO

O tridimensionalismo jurídico do Professor Miguel Reale representa, como se sabe, a contribuição valiosa de um autor brasileiro que se faz reconhecido hoje em nível internacional, com vistas a apresentar uma perspectiva coerente dos três paradigmas básicos que têm comumente preocupado o saber jurídico, como seja "a integração normativa de fatos segundo valores". Fato social, norma e valor são tomados assim em "estrutura dialética de implicação e polaridade", o que constitui a grande novidade da teoria realeana diante dos trialismos estanques que ocorriam entre alemães e argentinos, entre outros.

Dentro dessa perspectiva, portanto, não há como conceber a norma senão como relacionada a valores e fatos sociais, o que significa justamente a tríplice referência ligada ao fenômeno jurídico.

O apelo a uma "dialética" já está a nos indicar que as relações entre essas três dimensões não são tranqüilas, o que significa que há intercâmbios mais ou menos contraditórios entre elas, prevalecendo, nas diferentes situações jurídicas, ora o dogmatismo das normas, ora a preeminência do fato social, ora finalmente a perspectiva da justiça.

TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO

Para Kelsen, a fórmula lógica da norma jurídica é ontológica (ou do "ser": dado A deve ser B), cujo enunciado é: "Dada a não prestação deve ser sanção".

Cossio aditou a esta lógica a condicionante humana, deontológica (ou do "dever ser") ou seja, para que haja uma sanção é preciso haver um sujeito (juiz) que lha aplique; de igual forma, a ilicitude em si não gera automaticamente esta sanção. E, mesmo a não-prestação de uma norma depende do sujeito a quem a sanção se destina: a sociedade, a quem o direito serve.

Sua fórmula para a norma jurídica, então, obedece ao seguinte enunciado:

Dado um fato gerador, deve ser prestação pelo sujeito obrigado face ao sujeito pretensor, ou, dada a não-prestação, deve ser sanção pelo funcionário obrigado face à comunidade pretensora.

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ARGUMENTAÇÃO E TÓPICA

Os elementos mais importantes dessa teoria são os tópicos. Tais tópicos são os lugares comuns, isto é,pontos de vista referentes ao caso que, contando com aceitação generalizada, contém argumentos que são razões para convencer sobre algo duvidoso.

A tópica é a técnica do pensamento que se orienta por problemas. É a arte de achar argumentos.

Aporia Fundamental:O que é justo aqui e agora.

1.9. O Direito e a Hermenêutica.1.9.1. Escolas Hermenêuticas

1. Das Escolas de Hermenêutica da Antiguidade até o Advento do Iluminismo

Inicialmente relacionada aos oráculos, a hermenêutica mantém sua estrita ligação com a interpretação de textos religiosos ao se relacionar com a Bíblia, sendo aplicada desde a época dos patriarcas do judaísmo, passando pela teologia medieval e a Reforma, até a teologia moderna. Se a palavra hermenêutica provém do âmbito teológico, também o problema objetivo da hermenêutica começou com as questões da interpretação da Escritura, havendo, inclusive, várias escolas e correntes da exegese bíblica no antigo judaísmo.Já na Grécia antiga a hermenêutica estava voltada para a transmissão de uma mensagem, entendida muito mais como uma técnica, com a função de anunciar, esclarecer, traduzir algo que não estava claro. Para Platão, por exemplo, a hermenêutica estava em segundo plano, tendo em vista que as palavras estavam abaixo das idéias, sendo que apenas por intermédio destas é que se podia entender e conhecer a realidade. Aristóteles desenvolveu pensamento diferente e, em sua obra Peri hermeneias (Da interpretação), fez relação entre os conceitos e a realidade, pois entendia que o processo do conhecimento se faz por meio de abstrações mentais daquilo que é adquirido por meio da experiência sensível. No entanto, em Aristóteles, a hermenêutica é apenas uma derivação da lógica, preocupada com a relação entre a linguagem e o pensamento.Os romanos, admiradores da cultura clássica, mas com um viés muito mais prático que o dos gregos, passaram do conceito de hermenêutica para a interpretatio, principalmente devido ao trabalho dos prudentes, que não se contentavam em entender o texto da lei, mas buscavam compreender o seu significado nos efeitos práticos produzidos na vida das pessoas, formando a jurisprudência (juris prudente). Essa forma de pensar (interpretar), tipicamente romana, retorna ao centro dos estudos jurídicos a partir do resgate do Corpus Iuris Civilis, de Justiniano, no séc. XII.Coube à denominada Escola dos Glosadores, ainda entre os romanos, primeiramente estudar essa fenomenal compilação levada a cabo por Justiniano no séc. VI. Tinham como característica principal a fidelidade ao Corpus Iuris Civilis, interpretando-o de maneira analítica. Davam explicações sobre cada parágrafo dos textos clássicos, mas sem preocupar-se em relacioná-los com outras partes da obra.

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A Escola dos Glosadores foi essencial para fornecer a base na qual os juristas que vieram posteriormente fossem além do Direito Romano, interpretando os textos de Justiniano com maior liberdade.A escola que sucedeu e superou a dos Glosadores foi a dos Comentadores, estudiosos que passaram a interpretar o Direito Romano de forma mais livre, ao buscar soluções para casos concretos alicerçados no conjunto da obra, e não apenas em partes específicas do texto romano. Faziam uma interpretação com base filosófica, associando o Direito à Ética e buscando integrá-lo a um valor fundamental, a Justiça.Na seqüência, já na Idade Moderna, surgiu o movimento humanista que, apesar de não ser considerado propriamente uma escola, mesclava métodos históricos e filológicos para o estudo do direito e, a partir dessa metodologia, infringiu críticas aos juristas medievais a quem acusava de erros lingüísticos e históricos. Essa hermenêutica baseada na racionalidade, que se inicia com os comentadores, foi reforçada não só pelo humanismo, mas também pelo iluminismo, cujo foco de estudo era a razão, recuperando o racionalismo grego antigo. Essa concepção acabou por dar origem à hermenêutica contemporânea, de base essencialmente filosófica, cujo expoente primeiro foi o teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), seguido por outros importantes filósofos, como Wilhelm Dilthey (1833 – 1911), Martin Heidegger (1889 – 1976) e, principalmente, Hans-Georg Gadamer (1900 – 2002), cuja obra Verdade e Método (1960) é referência no entendimento da hermenêutica como filosofia.

2. Escolas de Hermenêutica Atuais

Na esteira da hermenêutica filosófica, da codificação do direito e do entendimento do direito como sistema, a partir do século XIX, várias foram as escolas de hermenêutica que surgiram. Citaremos algumas delas, mas sem detalhá-las, já que não é essa a função deste artigo:

3.1. Escola da Exegese (também denominada Clássica, Tradicional ou Dogmática): Esta Escola, por entender que o Código Napoleão previa todas as situações da vida, acreditava que a interpretação devia limitar-se à pesquisa da vontade do legislador, levando-se em conta sua intenção. Seu surgimento deveu-se a Revolução Francesa, marco indelével da História.Se a lei é clara, inútil qualquer tentativa de interpretação: in claris cessat interpretatio. Sendo a lei incerta, ambígua ou obscura, é mister perquirir a vontade, o pensamento do legislador, com o auxílio do elemento lógico. Eis aí o erro da escola da exegese, pois “da vontade primitiva, aparentemente criadora da norma se deduziria, quando muito, o sentido desta, e não o respectivo alcance, jamais preestabelecido, e difícil de prever” (Carlos Maximiliano, ob. cit., p. 72). Aferrando-se ao pensamento do legislador e à rigidez das palavras, desconhecia a natural evolução dos fatos sociais, base do direito, que lhes segue os passos.

3.2. Jurisprudência dos Conceitos: Escola que tinha em Puchta seu criador e defensor, pouco se diferenciando da Escola da Exegese, que reduzia o direito às normas jurídicas do direito positivo e os conceitos jurídicos limitados a formalidade, à literalidade da Lei, desprezando-se o aspecto substancial: o conteúdo do direito. Essa escola lançou as bases para o formalismo jurídico que no séc XX será desenvolvido por Hans Kelsen, que abraça também o positivismo formalista.

3.3. Escola Histórica: Freqüentada por Hugo e Savigny, que colocavam a investigação histórica em primeiro plano. Em razão das limitações da Escola Clássica, surge a Escola Histórica, fundada por Savigny, que negava a antítese letra/lógica. Em face de seus escopos, a interpretação haveria de ser uma só, desdobrando-se, isto sim, em métodos, entre os quais se incluiria o método histórico. A interpretação, para Savigny,

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consistia na reconstrução do pensamento do legislador, expressão da consciência comum do povo. Impunha-se, então, o conhecimento dos costumes e dos fatos sociais ligados ao conteúdo da lei, já que o direito, produto da vontade nacional, não se poderia considerar originário da razão humana. Foi este, aliás, o grande mérito da Escola Histórica: o de haver afastado a concepção essencialmente racional da origem do direito.

3.4. Jurisprudência dos Interesses (com Ihering, Philipp Heck, Heinrich Stoll e outros). Concebe o direito como um processo de tutela de interesses: as normas como resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa ou ética que, em cada comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento, enquanto meras soluções valoradoras de conflitos de interesses. Interesses que são considerados como causais para a norma, dado determinarem, no legislador, representações, ideias de dever-ser que se transformam em comandos, pelo que se impõe a investigação histórica dos interesses. Proclama-se assim que o direito é um processo de tutela de interesses e que as normas são as resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa, ou ética, que, em cada comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento. Para a jurisprudência dos interesses, o juiz, no julgamento dum caso concreto, também não tem de funcionar como mero autómato de subsunções lógicas das realidades face aos conceitos formais extraídos da legislação. Pelo contrário, deve ponderar toda a complexa situação de facto, procurando detectar os interesses em conflito e, só depois, adoptar o juízo de valor sobre esses interesses contidos na lei.

3.5. Escola de Livre Investigação Científica (com François Geny; Para Gény): Os adeptos desta escola consideravam a livre investigação científica como fonte do direito, ao lado da lei e do costume. Inexistindo norma escrita ou consuetudinária é lícito ao juiz criar o direito.

3.6. Escola do Direito Livre (com Herman Kantorowicz): Para os estudiosos alinhados com esta escola, competia ao juiz, de acordo com sua habilidade e consciência, procurar e aplicar o direito justo, superior à própria lei, especialmente se persistem dúvidas a respeito de seu conteúdo. O exagero é manifesto. O arbítrio dos juízes, em termos tão dilatados, acarreta a mais completa insegurança jurídica e social; fere, aliás, o princípio da independência e harmonia dos poderes, apanágio das liberdades fundamentais, dogma insubstituível das constituições. O afastamento da lei só é permitido em hipóteses excepcionais: somente quando sua aplicação, no caso concreto, não atender aos fins sociais a que se destina, tornando-se portanto injusta.

3.7. Escola Sociológica (realismo do direito) (de Leon Duguit, José Kohler, Coviello e outros): O importante na aplicação da Lei é a eficácia. Para os seguidores desta escola, nítida é a separação da lei, depois de publicada, do pensamento de seus artífices. As mutações e o progresso social, em suas manifestações infindas, não seriam antevistas pelo legislador. A lei, por seu turno, resiste ao tempo. Cumpre ao intérprete a tarefa de fazer com que atinja o seu verdadeiro escopo, eminentemente social.

3.8. Escola do Formalismo Jurídico ou do Positivismo Formalista: Ora, segundo a concepção dominante de que a autêntica ciência do Direito era a sociologia jurídica, cabendo a dogmática tradicional o papel marginal de uma tecnologia, impunha-se a estruturação de uma consciência metodológica. Para estabelecer as bases de sua teoria, KELSEN pioneiramente, concebeu o Direito como uma ordem do dever ser (sollen), logrando separa-lo da moral, que é simples dever. Temos então as duas dimensões: do ser (fato), do dever ser (norma) e do dever (moral). A tese fundamental de KELSEN é a da absoluta disparidade entre ser e dever ser. O dever ser apresenta-

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se, tal como o ser, como um modo de pensamento, como uma categoria última, não inferível de qualquer outra. KELSEN conecta, então, os atos de conduta humana entre si e com outros fatos, não mais segundo o princípio da causalidade, mas segundo outro princípio ordenador: o princípio da imputação. Assim, KELSEN procura uma explicação para o fenômeno jurídico desvinculado de indagação causal e destituído de fins. A sua teoria se caracteriza por esta assepsia de um sentido causalista e teleológico. Assim, o Direito é um conjunto de normas; as normas não são juízos, ma sim encerram o sentido de um ato de vontade despsicologizado, viando a conduta de outrem. A proposição jurídica, que enuncia um juízo hipotético de dever ser, contém três elementos: a) previsão do fato; b) elemento de coordenação (dever ser); e c) conseqüência jurídica.

3.9.Teoria Egológica do Direito (Egologismo) (argentino Carlos Cóssio): A teoria egológica de CARLOS CÓSSIO, alinhada com a concepção culturalista, propõe uma idéia mais abrangente do que aquela proposta pelo normativismo kelseniano. Para FRIEDE o egologismo existencial é “um movimento filosófico com o escopo epistemológico de proporcionar ao cientista do Direito a utilização de instrumentos mentais que tornem possível conhecer melhor o Direito”. [2] O objeto da ciência do direito não é a norma, segundo CÓSSIO, mas a conduta social, a conduta em interferência subjetiva, aquela em que o fazer interfere com o proibir por parte de outrem. A conduta juridicamente regulada é (a) obrigatória, ou (b) proibida, ou (c) potestativa. No primeiro caso, o direito exige sua execução e veda sua omissão. No segundo, o direito exige sua omissão e veda sua execução. No terceiro, o direito autoriza tanto sua omissão quanto sua execução. A norma é pois CONCEITO de que o jurista se utiliza para pensar ou conhecer a conduta, sob o signo de valores jurídicos. A relação entre norma e conduta é uma relação de conceito a objeto. Para o estudioso e autor do Direito REIS FRIEDE, a estrutura da norma jurídica pode ser dissecada e eviscerada para identificarmos a sua pelagem externa, representada pela Lei ou Costume, e pela sua arquitetura intestina, Endonorma (comando) e Perinorma (sanção). [3]

3.10. Teoria Tridimensional do Direito (de Miguel Reale e outros): MIGUEL REALE, eminente culturalista pátrio, é um dos que mais tem produzido no sentido de procurar demonstrar a redutibilidade entre ser e dever ser. Para este estudioso, não se tratam de duas categorias de lógicas a priori e, portanto, irredutíveis. O ser é empregado em um sentido particular, no plano ontológico, para indicar as relações que se estabelecem segundo a lei da causalidade, sem referência a fins, que impliquem em um orientação à conduta.O dever ser , ao contrário, exprime sempre um imperativo (e não apenas um juízo), uma norma que pode ou não ser seguida, mas que, seguida, realiza um valor e, desobedecida, nega um valor. O mundo do dever ser é o da lei em sentido ético, ou seja, da norma estabelecida em razão de um fim e dirigida à liberdade do homem. É o domínio da finalidade e da liberdade, pois norma e determinismo absoluto são princípios irreconciliáveis. Para REALE, o Direito, como fenômeno, em verdade, só pode ser compreendido como síntese do ser e de dever ser. Com a evolução de seu pensamento, REALE idealizou a noção de valor ao substratum sociológico e criou a sua teoria tridimensional. Não é uma visão dialética. A norma não é síntese de ser e dever ser. A tridimensionalidade envolve a conexão entre fato, valor e norma, em um sentido de processo e de integração. O fato, no plano da eficácia. O valor como fundamento e a norma, no plano da vigência

3.11. Direito Alternativo (baseado nas idéias de Paul Magnaud, com Amílton Bueno de Carvalho e João Baptista Herkenhoff no Brasil): Os alternativistas entendem que uma norma injusta não deve fazer parte do Direito e que o legalismo representa um atraso, tendo-se em vista a dinâmica das relações sociais e da sociedade como um todo.

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Afirmam, ainda, que há uma alienação do Poder Judiciário, mas que isso ocorre sempre em benefício da classe com maior poder aquisitivo. Através desse Movimento, tenta-se fazer com que as leis injustas não sejam aplicadas, com a finalidade de se alcançar o bem comum e a diminuição das desigualdades, devendo o magistrado, para isso, se utilizar de valores éticos e morais na hora de aplicar o Direito ao caso concreto. Essa visão alternativista, como foi dito, não ocorreu apenas no Brasil. Na Itália, França e Alemanha, por exemplo, houve o chamado "renascimento do Direito Natural" adotado por Stammler, Del Vecchio e Radbruch. Nos Estados Unidos da América, a Escola Sociológica trouxe o "Realismo Jurídico". Houve ainda a teoria do "Direito Efetivo", estabelecendo que há de existir a supremacia do Direito que nasce efetivamente nas comunidades em detrimento do Direito estatal. Pode-se citar vários exemplos de decisões de cunho alternativo. Em Pernambuco, por exemplo, uma senhora roubou alimentos numa feira. A sentença do juiz foi no sentido de condená-la a cantar o Hino Nacional todo dia durante o período de um ano, sob o argumento de que, com isso, ela iria respeitar o país e não voltaria a roubar.

1.9.1 Hermenêutica e teoria da decisão jurídica

Tendo-se em vista o fato de que a sociedade sofre com o passar das décadas

inúmeras transformações o direito deve acompanhar tais transformações. O

ordenamento jurídico deve interagir com os acontecimentos sociais, políticos e

econômicos que permeiam a sociedade em cada etapa histórica vivificada pelo

homem.

As teorias e doutrinas alheias as necessidades e realidades reais devem ser evitadas

sob pena de aplicar-se à sociedade normas vazias de conteúdo, de direito. Deve haver

um atrelamento ao desenvolvimento da sociedade de modo que não pareçam meras

criações abstratas.

Inúmeras são as leis em dissonância com a realidade social a exemplo do Código Civil

Brasileiro datado de 1916, com seu arcaísmo simbólico e, o Código Comercial, alheio

as novas formas de comércios existentes.

Neste sentido ressalta Azevedo [11]

se o falseamento da imagem ocorrer na elaboração da lei, terá como resultado uma

legislação inadequada porque em desacordo com as circunstâncias históricas

vigentes, em função de que as normas jurídicas são prepostas. Se sobrevier por

ocasião da aplicação judicial do Direito, a decisão será insatisfatória, dado seu

desajuste aos dados do litígio.

Frente à realidade concreta de que o ordenamento jurídico não encontra-se em

crescimento paralelo a sociedade concede-se ao magistrado papel fundamental na

aplicação da justiça : a de intérprete da lei.

Afirmando a função de intérprete da lei, Azevedo [12]assevera ao fato de que

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cabe ao juiz, dentro do esquema legal, confrontando-o com as necessidades sociais,

vendo-o como um "sistema aberto", retirar dele, mediante a argumentação, que é

precisamente o modo de raciocínio do jurista, tudo que lhe puder fornecer em termos

de favorecimento do exercício dos direitos humanos, da humana dignidade e da justiça

social.

Cabe ao magistrado sem dúvida alguma proferir suas decisões após árdua análise dos

fatos, mas análise em consonância com a realidade factual e o ordenamento jurídico,

base do Estado de Direito, mesmo porque a atividade jurisdicional pela própria

definição de dizer o direito apresenta-se vinculada ao ordenamento jurídico.

Não se pretende o proferimento de decisões arbitrárias mesmo porque a própria

Constituição Federal assegura ao indivíduo o proferimento de decisões amparadas no

ordenamento jurídico quando confere ao magistrado independência necessária para o

exercício da função jurisdicional, o que se assevera é o fato de que para as decisões

mister uma análise hermenêutica da normatividade aplicada.

Neste sentido refere-se Rocha [13] que diante da sujeição ao ordenamento jurídico e a

independência assegurada ao magistrado no sentido de garantir a dependência

somente ao ordenamento três deveres emergem, o primeiro, o dever do juiz de "

aplicar a Constituição; o segundo dever é não aplicar normas contrárias aos valores,

princípios e regras constitucionais e o terceiro é de interpretar o direito

infraconstitucional em harmonia com esses valores, princípios e regras

constitucionais".

O magistrado ao apreciar a situação fática lhe posta para julgamento procura

interpretar o conteúdo normativo da lei adaptando-a às necessidades atuais, realiza

uma análise do significado jurídico e não do período histórico de sua promulgação,

cuja temática pertence a esfera do historiador. Conclusão que Gadamer chega a partir

da análise comparativa do comportamento de um jurista e de um historiador frente ao

mesmo texto jurídico[15]. Afirma que as funções são diversas, mas que embora a tarefa

do historiador seja investigar o sentido histórico da lei deve ter em mente que seu

objeto é fruto do direito razão pela qual deve ser percebido juridicamente. Assevera

ainda ao fato de que para estabelecer-se uma perspectiva hermenêutica verdadeira

mister que a lei estabeleça a igualdade entre os membros da comunidade jurídica. Em

hipótese contrária inviável a concretização de qualquer hermenêutica.

Sem embargo, desta forma, refere-se que a tarefa de interpretar consiste em

concretizar a lei a cada caso concreto tarefa concedida ao magistrado sem que esteja

desvinculado à lei, de mesma forma que qualquer outro membro da comunidade

jurídica.

1.9.1.2 As técnicas interpretativas1.9.1.3 Interpretação e integração do direito.

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INTERPRETAÇÃO É a perquirição do exato alcance dos textos legais, na busca da adaptação do direito aos fatos sociais. É a atividade mental através da qual se busca o esclarecimento do conteúdo da norma jurídica. Processos de Interpretação. Quanto aos elementos (ou quanto ao modo) • Gramatical. Fundada nas regras gramaticais. É também denominado literal, eis que se atém às palavras da lei. Procura determinar o sentido da norma a partir da significação das palavras e da relação entre elas. • Lógica. Busca traduzir o pensamento contido na lei, tudo de acordo com os ensinamentos da lógica. Procura “reconstituir o pensamento e a vontade do legislador como meio de procurar a mens legis, a occasio legis e a ratio legis”(C.H. Porto Carreiro, Notas sobre filosofia do direito, Rio de Janeiro, Ec. Alba, p. 196). • Teleológica. Visa descobrir a finalidade com que a lei foi editada. • Sistemática. Sistema é um conjunto de elementos relacionados entre si de modo a formar um todo coerente e unitário. Assim sendo, a interpretação sistemática é aquela feita confrontando o texto com outros de leis semelhantes ou diversos, mas de finalidade comum. É aquela que procura harmonizar a norma com o sistema jurídico com um todo. • Histórica. É aquele que perquire as necessidades correntes no momento da elaboração do texto. Busca os motivos que levaram a sua expedição de modo a entender a intenção do legislador. Procura saber as condições sociais que provocaram a edição da norma, chegando-se aos objetivos e tarefas a que se destinava. • Progressiva. É a interpretação em que se procura compreender a norma levando em conta as transformações havidas no direito, na sociedade e na ciência. • De direito comparado. É aquela que tenta esclarecer a lei comparando-a com a legislação estrangeira. • Sociológica. É a adaptação do sentido da lei às novas realidades e necessidades sociais.

Quanto ao sujeito • Autêntica ou legislativa. Feita pelo próprio órgão que produz a lei. É a interpretação dada pela própria lei que explica como deve ser entendido um determinado assunto. Se tal explicação for dada no seu próprio texto, temos a interpretação autêntica contextual. Se for dada por uma outra lei, temos a interpretação autêntica não contextual. • Doutrinária. É a interpretação dada pelos professores, juristas, pelos profissionais do direito em seus artigos, conferências, teses e livros. • Jurisprudencial. É a interpretação dada pelos juízes e tribunais, tudo através de seus julgados reiterados.

Quanto aos resultados • Declarativa. Quando a conclusão é de que a letra da lei corresponde exatamente ao pensamento do legislador. • Extensiva. Quando se conclui que a lei diz menos do que queria dizer o legislador. • Restritiva. Quando se entende que a lei diz mais do que queria dizer o legislador.

INTEGRAÇÃO. Consiste em procurar uma proposição jurídica que possa suprir uma lacuna da lei ou uma vontade insuficientemente manifestada.

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Meios de Integração Analogia. Consiste na aplicação a uma hipótese não prevista em lei, de disposição estabelecida para casos semelhantes. Tem a função de suprir as lacunas de um texto específico. Decorre do princípio de que o ordenamento jurídico estatal deve oferecer uma solução para todos os casos, tudo em obediência ao denominado “dogma da plenitude ou da completude”. Assim sendo, quando ocorre uma situação não prevista em lei, é necessário que se recorra à analogia para suprir essa lacuna da lei., completando o ordenamento jurídico do Estado. Como tem o intuito de abranger fatos semelhantes não previsto em lei, é vedada a analogia em Direito Penal. Costumes. Dizem os autores que é uma regra jurídica não escrita que provém dos usos populares e que é aceita como necessária pelo próprio povo. Distingue-se da lei por não ser legislado. Equidade. É a mitigação do rigor da lei, adaptando-a às características pessoais ou materiais do caso concreto. Existem casos em que a aplicação da lei pode acarretar um choque com o nosso sentimento de justiça. É aí que surge a oportunidade de aplicar a equidade, já que por intermédio dela, o julgador tempera a severidade da norma. Princípios Gerais do Direito. São os chamados “elementos fundamentais da cultura jurídica humana”. Também é um recurso utilizado pelo ordenamento jurídico para suprir as lacunas da lei. Eles estabelecem as proposições fundamentais do ordenamento jurídico, compondo o “espírito do sistema” e devem inspirar todo o sistema do direito.

11. Sociologia e acesso à justiça.11.1 Sociologia e administração judiciária. 11.2 Conflitos Sociais e os mecanismos da sua resolução.

.Campos de estudo

.Concepção de Boaventura de Sousa Santos -Acesso à Justiça e seus obstáculos econômicos e sócio culturais- Administração da Justiça, enquanto instituição política e organização profissional- Conflitos sociais e mecanismos de sua resolução.

.Estudos sobre o acesso à justiça -Reconhecem a postura ideológica dos juízes, desmistificando a idéia de que a administração da justiça é neutra.-Ocupam-se dos processos de recrutamento e formação dos magistrados, salientando a importância de dotá-los de conhecimentos culturais, sociológicos e econômicos.-Reconhecem a existência de obstáculos econômicos e socioculturais ao acesso à justiça

.Obstáculos econômicos

-Alto custo da litigação -Proporcionalmente mais elevado quanto menor for o valor da causa; -Lentidão dos processos -Converte-se em custo econômico

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.Obstáculos socioculturais -Desconhecimento ou pouco conhecimento do direitos pelas classe classes sociais menos favorecidas; -Hesitação em recorrer aos Tribunais; -Falta de acesso aos serviços jurídicos gratuitos

.Estudos sobre os conflitos sociais e os mecanismos de sua resolução -Estudam o litígio e não a norma, analisando os mecanismos de resolução dos conflitos; -Reconhecem o pluralismo jurídico

. Proposta para uma nova política judiciária como garantia de justiça democrática . Mecanismos de democratização: - Mudanças nas condições internas do processo - Democratização do acesso à Justiça - Igualdade de proteção dos interesses sociais pelo direito substantivo - Informalização da justiça - Reforma da organização judiciária - Reforma dos processo de recrutamento e formação dos juízes

a) Mudanças nas condições internas do processo -Ampliação dos poderes do juiz -Efetiva aplicação dos princípios da concentração dos atos processuais e da oralidade e simplificação dos procedimentos; -Maior envolvimento e participação dos cidadãos na administração da justiça - Ampliação dos conceitos de legitimidade de parte e interesse de agir; -Ênfase na conciliação como meio de solução de controvérsias -Criação de meios alternativos de resolução de litígios

b) Democratização do acesso à Justiça -Igualdade de acesso por meio de serviços jurídicos gratuitos e justiça gratuita -Coletivização dos conflitos na defesa de direitos sociais de grupos -Justiça próxima dos cidadãos - Comunicação da justiça com a sociedade

c) Igualdade de proteção dos interesses sociais -Legislação protetiva -Interpretação judiciária inovadora do direito substantivo

d) Informalização da Justiça -Meios alternativos de solução de controvérsias

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e) Reforma da organização judiciária -Democratização da própria organização judiciária.

f) Reforma dos processos de recrutamento e formação dos juízes

-Os Juízes deverão ser portadores de conhecimentos vastos e diversificados (econômicos, sociológicos, políticos) sobre a sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular.

“É necessário aceitar os riscos de uma magistraturaculturalmente esclarecida. Por um lado, ela reivindicará oaumento de poderes decisórios, mas isso, como se viu, vaino sentido de muitas propostas e não apresenta perigos demaior se houver um adequado sistema de recursos. Poroutro lado, ela tenderá a subordinar a coesão corporativa àlealdade a ideias sociais e políticas disponíveis nasociedade. Daqui resultará uma certa fratura ideológica quepode ter repercussões organizativas. Tal não deve ser vistocomo patológico, mas fisiológico. Essas fraturas e osconflitos a que elas derem lugar serão a verdadeiraalavanca do processo de democratização da justiça”Boaventura de Sousa Santos