12º encontro da abcp

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12º Encontro da ABCP 19 a 23 de outubro de 2020 Evento online Área Temática: Política, Direito e Judiciário ANÁLISES DOS RECURSOS ESPECIAIS ÀS AÇÕES DE IMPUGNAÇÕES DE CANDIDATURAS NAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS DE 2012 Ralph André Crespo Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF Vitor de Moraes Peixoto Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro UENF Leandro Molhano Ribeiro Fundação Getúlio Vargas FGV Direito Rio

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Page 1: 12º Encontro da ABCP

12º Encontro da ABCP

19 a 23 de outubro de 2020

Evento online

Área Temática: Política, Direito e Judiciário

ANÁLISES DOS RECURSOS ESPECIAIS ÀS AÇÕES DE IMPUGNAÇÕES DE

CANDIDATURAS NAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS DE 2012

Ralph André Crespo

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

Vitor de Moraes Peixoto

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF

Leandro Molhano Ribeiro

Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio

Page 2: 12º Encontro da ABCP

1

RESUMO

Este trabalho analisa sistematicamente os recursos às 1.942 Ações de Impugnações de

Registros de Candidaturas (AIRCs) nas eleições majoritárias de 2012 que chegaram o TSE.

Busca-se verificar se há padrões na utilização deste tipo de ação, tanto em relação aos

municípios onde ocorreram (tamanho do município, estado e região a qual pertence), quanto

em relação aos candidatos alvos das AIRCs (sexo, partido, grau de escolaridade e ocupação).

Analisam-se igualmente as causas das AIRCs e os seus principais proponentes, assim como

a dinâmica recursal e o alinhamento interpretativo das regras eleitorais nas diferentes

instâncias da Justiça Eleitoral. Para alcançar os objetivos foram feitas análises de estatísticas

descritivas, além da análise de conteúdo de recursos. Previamente constatou-se ser vantajoso

recorrer ao TSE, pois a maioria dos candidatos alvos das AIRCs que recorreram, foi

considerado habilitado a concorrer nas eleições de 2012.

Palavras-chave: Impugnações; candidaturas; eleições 2012; TSE; Justiça Eleitoral.

ABSTRACT

This paper systematically analyzes the resources for the 1,942 Actions for Impugnment of

Candidature Records (AIRCs) in the 2012 majoritarian elections that arrived at TSE. It seeks

to verify whether there are patterns in the use of this type of action, both in relation to the

municipalities where they occurred (size of the municipality, state and region to which it

belongs), and in relation to the target candidates of the AIRCs (sex, political parties,

educational level and occupation). The causes of the AIRCs and their main proponents are

also analyzed, as well as the appeal dynamics and the interpretive alignment of the electoral

rules in the different instances of the Electoral Justice. To achieve the objectives, analyzes of

descriptive statistics were made, in addition to the analysis of resource content. Previously it

was found to be advantageous to resort to the TSE, since the majority of candidates targeted

by the AIRCs that appealed, were considered qualified to run in the 2012 elections.

Keywords: Impugnment; Candidature; 2012 elections; TSE; Electoral Justice.

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2

INTRODUÇÃO

Quando um cidadão é recrutado para ser um dirigente político e ocupar um cargo

eletivo, seja no executivo ou no legislativo, ele deve seguir o fluxo do processo político

eleitoral. Este fluxo passa por uma série de filtros que começam pela filiação partidária, segue

pela seleção de candidaturas dentro do partido e pelas etapas do processo eleitoral em si,

começando pelo registro de candidaturas e indo até a diplomação dos eleitos.

Estes filtros do processo eleitoral foram estudados por diversos autores e sob

diferentes aspectos. Gallagher e Marsh (1988) chamaram estes filtros de “porteiros”,

(gatekeepers). Pippa Norris (2013) define esses “porteiros” como estágios, comparando-os a

um jogo progressivo de “dança das cadeiras” onde muitos são elegíveis, poucos são indicados

e menos ainda são eleitos. Maria Luzia Miranda Álvares (2008) também analisou os filtros

pelos quais passam as candidaturas femininas no Brasil, chamando estes filtros de degraus.

Percebe-se, no entanto, que estes trabalhos não analisaram especificamente os filtros

característicos do Poder Judiciário, instrumentalizados pelas ações de natureza eleitoral.

Destaca-se, assim, que o interesse desta pesquisa é pelos filtros do Poder Judiciário ao

processo eleitoral, especificamente o primeiro filtro, superados os filtros partidários e de

imposição legal, como a capacidade civil. Considera-se que o primeiro filtro aplicado pelo

Poder Judiciário ao processo eleitoral (embora não a todos os concorrentes, ainda que todos

estejam sujeitos a ele) são as AIRCs – Ações de Impugnação de Registro de Candidaturas.

Assim, o objeto desta pesquisa são as AIRCs propostas nas eleições ordinárias e

majoritárias brasileiras de 2012 (municipais). A competência para julgar este tipo de ação nas

eleições municipais é do juiz eleitoral. No entanto, como se pretendia analisar as decisões

finais, ou seja, na última instância recursal, fez-se uso dos Recursos Especiais Eleitorais

(RESPEs), pois este é um dos meios pelos quais as demandas das AIRCs chegam ao Tribunal

Superior Eleitoral (TSE). Por vezes foi necessário buscar o recurso analisado no TRE do

estado correspondente e até mesmo ao processo na 1ª instância para melhor entendimento

da AIRC e levantamento adequado dos dados.

Quais as causas que ensejaram a aplicação deste filtro do Poder Judiciário no

processo político eleitoral? Quais atores (político-institucionais) são provocadores da

aplicação deste filtro em 2012? O entendimento jurídico na aplicação destes filtros e das

causas varia conforme a instância da Justiça Eleitoral? Há algum padrão nos perfis dos

candidatos ou das candidatas alvos das AIRCs? Geograficamente a incidência de AIRCs

apresenta algum padrão? Estas são algumas questões que constituem o problema desta

pesquisa.

Page 4: 12º Encontro da ABCP

3

Tem este trabalho o objetivo geral de verificar as AIRCs nas eleições ordinárias e

majoritárias brasileiras de 2012, visando identificar as causas destas e examinar a dinâmica

recursal nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral. Persegue-se ainda o objetivo de

verificar a distribuição geográfica das AIRCs, assim como o perfil das candidaturas objetos

das AIRCs analisadas. Além destes, pretende-se ponderar sobre o comportamento dos atores

do processo político eleitoral nas proposituras das AIRCs.

Metodologicamente trata-se de uma pesquisa basicamente descritiva com

predominância de técnicas quantitativas. Foram analisados 1.942 Recursos Especiais

Eleitorais (RESPEs) referentes às AIRCs de 2012, obtidos por meio da Lei de acesso à

informação junto ao TSE. Inicialmente foi disponibilizado a relação de todos os instrumentos

processuais daquele tribunal para o ano em questão (16.681 instrumentos processuais).

Aplicando filtros seletivos conforme as categorias de análise pretendidas, chegou-se ao

quantitativo objeto desta análise. Utilizou-se de análises de conteúdo dos respectivos

RESPEs, visando levantar os dados relevantes e de interesse para a pesquisa. Pesquisas e

levantamentos de dados também foram feitos no site do IBGE, buscando caracterizar os

municípios onde as AIRCs ocorreram nas eleições de 2012.

Neste trabalho não se distingue as circunstâncias que o RESPE chegou ao TSE, ou

seja, se foi pelo candidato ou pela candidata cujo registro de candidatura tenha sido objeto da

AIRC, ou pelos atores proponentes destas AIRCs, em seus respectivos municípios.

Explicita-se aqui, que a utilização aqui do termo, impugnação ou impugnações, não se

associa diretamente ao indeferimento do registro de candidatura, tão somente ao fato de que

determinada candidatura foi objeto de uma AIRC e que esta, no desenrolar do processo nas

diferentes instâncias da Justiça Eleitoral, foi analisada no TSE por meio de RESPE.

Destaca-se desde já que esta pesquisa mostrará que a Justiça Eleitoral, a

contrassenso, tende a privilegiar a participação na disputa eleitoral. Tal conclusão se dá pelo

fato de que ao longo da via recursal o percentual de habilitados a participar do pleito

(independente do efeito suspensivo dos recursos apresentados) aumentou. Desta forma,

percebe-se que os juízes eleitorais em 2012 não estavam tão alinhados com as

jurisprudências dos tribunais superiores (STF e TSE) quanto às questões afetas ao processo

eleitoral em curso. Será apresentado também que a principal causa motivadora de AIRCs

foram inelegibilidades decorrentes do dispositivo contido no art. 1º, inciso I, alínea “g” (rejeição

de contas públicas) da Lei Complementar 64/1990, cuja alteração trazida pela Lei

Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), era aplicada pela primeira vez em uma eleição.

Isso pode explicar a quantidade de ocorrências de alegações fundamentantes de AIRCs com

este dispositivo – partidos e candidatos não estavam adaptados à nova lei.

Page 5: 12º Encontro da ABCP

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Este trabalho estará dividido em cinco seções. Na primeira serão feitas breves

considerações sobre as AIRCs no que tange a seus aspectos procedimentais e jurídicos. Na

segunda serão apresentados aspectos relacionados à distribuição geográfica da incidência

de AIRCs no território brasileiro. Ainda nesta seção, caracterizar-se-á os municípios onde este

tipo de ação ocorreu, além de agrupar estes municípios em seus respectivos estados e

regiões. Na terceira seção serão caracterizados os (as) candidatos (as) objetos de AIRCs,

especialmente para as seguintes variáveis: sexo, partido, grau de escolaridade e ocupação.

Na seção seguinte, a quarta, serão abordados os resultados das AIRCs no TSE e as

respectivas dinâmicas recursais. Por fim, serão apresentadas as principais causas

motivadoras das AIRCS e os principais proponentes desta.

1- Ações de Impugnação de Registro de Candidaturas (AIRCs): breves considerações.

As AIRCs são ações admitidas no Poder Judiciário e que tramitam no âmbito da Justiça

Eleitoral, face seu caráter tipicamente político eleitoral, ou seja, fazem parte das ações

chamadas de ações eleitorais. Prevista no Código eleitoral de 1965, foram reguladas pela Lei

Complementar 64/1990.

As ações eleitorais podem ser divididas em dois grupos: (1) as ações de arguição de

inelegibilidade e (2) as ações de combate aos ilícitos eleitorais; sem falar nos diversos

recursos e remédios constitucionais admitidos na esfera da Justiça Eleitoral. As ações de

arguição de inelegibilidade são utilizadas quando se tem conhecimento da ausência da

capacidade eleitoral passiva, ou seja, inelegibilidade da pessoa interessada em ocupar um

cargo público eletivo (Silva, 2008). As ações de combate aos ilícitos eleitorais, por sua vez,

relacionam-se com irregularidades cometidas durante o processo eleitoral que está

acontecendo.

Interessa para este trabalho o primeiro grupo de ações, pois nele estão as AIRCs que

se relacionam com as inelegibilidades dos candidatos antes da fase de registro de

candidatura, além dos Recursos Contra a Expedição de Diploma (RCEDs) que se relacionam

com inelegibilidades supervenientes aos registros dos candidatos, mas não são objetos de

análise neste trabalho.

De maneira geral, as AIRCs cabem quando estão ausentes as condições de

elegibilidade e/ou quando presente alguma condição de inelegibilidade. Pode ser proposta

por qualquer candidato (a), partido político, coligação ou Ministério Público. O prazo para

propositura da AIRC é de 5 dias após a publicação do edital corresponde ao pedido de registro

da candidatura.

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Vale destacar que as AIRCs não possuem o objetivo de declarar ou decretar a

inelegibilidade do (a) candidato (a), isto deve ser feito por meio da via processual adequada e

destinada a este fim. Visa a AIRC o reconhecimento da condição de inelegibilidade e,

consequentemente o indeferimento do registro da candidatura do (a) candidato (a).

A competência para julgar a AIRC depende da circunscrição referente à eleição que

está para ocorrer (municipal ou geral). No caso em análise, trata-se de eleições municipais e

a competência para julgar as AIRCs nesta situação é dos juízes eleitorais; mas da decisão

destes, cabem recursos aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), e da decisão destes

tribunais cabem recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É então por meio dos recursos,

no caso os Recursos Especiais Eleitorais (RESPEs), que o TSE conhece as AIRCs e decide

sobre elas.

Neste trabalho não são analisadas todas as AIRCs propostas nas eleições de 2012,

tão somente as AIRCs referente às candidaturas para prefeito ou vice prefeito que chegaram

ao TSE por meio dos RESPEs.

2- Distribuição geográfica e caracterização dos municípios com AIRCs.

Em 2012 o TSE analisou 7.649 recursos às AIRCs, sendo que 1.942 (25,4%) estavam

relacionadas às eleições ordinárias e majoritárias – objeto desta pesquisa. Estas

impugnações distribuíram-se da seguinte forma nos estados brasileiros:

GRÁFICO 1: Quantidade em termos absolutos de AIRCs por estados

Em termos de números absolutos, o estado que mais teve AIRCs foi São Paulo

(13,2%), seguido por Bahia (11,7%) e Minas Gerais (9,8%). Em termos proporcionais,

considerando o total de candidaturas em cada estado, percebeu-se uma distribuição diferente

dos estados daquela encontrada em termos de números absolutos, o que pode ser visto ao

comparar os gráficos 1 e 2.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

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6

GRÁFICO 2: Quantidade em termos proporcionais de AIRCs por estados

Destaca-se que a hipótese que se apresentou, por ocasião da elaboração dos gráficos

das quantidades absolutas e proporcionais, foi a de que estados com mais municípios teriam

mais candidaturas e, sendo estas “matérias primas” para as AIRCs, teriam maiores

incidências de proposituras destas ações. Inicialmente o gráfico 1 sugeria a confirmação da

hipótese, pois os estados com maior número de candidaturas para as eleições municipais

foram Minas Gerais (4.702), São Paulo (4.205) e Bahia (2.401), mas o gráfico 2 acabou por

refutá-la. Os dados então sugerem que a maior quantidade de candidaturas não implica na

maior incidência de AIRCs.

O gráfico 2 revela ainda uma baixa incidência desta ação (AIRCs) nas eleições de

2012. O estado de maior incidência foi o Ceará com menos de 12% sobre as candidaturas

que se apresentaram.

Como dito anteriormente, em 2012 foram 1.942 AIRCs que chegaram ao TSE por meio

de RESPEs. Estas AIRCs foram propostas em 1.452 municípios (26,1% dos municípios

brasileiros). A distribuição destes municípios por estado é apresentada no gráfico a seguir.

GRÁFICO 3: Quantidade de municípios que tiveram impugnações por estados

Constatou-se que os estados com maior número de AIRCs (gráfico 1) são também os

estados com maior quantidade, em números absolutos, de municípios com este tipo de ações.

Isto indica que as AIRCs, na maioria dos estados, não apresentaram concentração em poucos

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

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municípios. A análise em termos proporcionais, ou seja, considerando a quantidade de

municípios com AIRCs em relação ao total de municípios de cada estado, novamente mostra

uma mudança na disposição gráfica destes estados conforme apresentado a seguir.

GRÁFICO 4: Proporção de municípios do estado que tiveram impugnações

Com base no gráfico acima, destaca-se o Rio de Janeiro, onde constatou-se que em

quase 60% de seus municípios foram propostas AIRCs, o que indica ter sido o estado de

menor concentração desta ação em seus municípios. Neste sentido, quando se olha para São

Paulo (31%) e Minas Gerais (18%), conclui-se que estes estados tiveram concentração de

AIRCs em poucos municípios, dada a quantidade de municípios que possuem e o fato de ter

sido observada grande quantidade de AIRCs em termos absolutos. Quais municípios são

estes que concentraram as AIRCs? Quais características eles possuem? Estas características

justificam a maior incidência das AIRCs (concentração)? Questões a serem pensadas e

respondidas em trabalhos futuros.

Ao pensar em caracterizar os municípios que tiveram AIRCs, estes foram agrupados

(categorizados) conforme o número de eleitores que possuíam.

TABELA 1: Classificação dos Municípios por número de eleitores

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados nos sites do TSE e do IBGE.

Percebe-se que a maioria das AIRCs, em números absolutos, ocorreu em municípios

com número de eleitores entre 10.001 e 20.000 eleitores. A quantidade destas ações nesta

faixa da classificação representa 28% dos casos estudados e 7,3% do total de municípios

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

Classificação dos Municípios

Total de

Municípios

(5570)

Municípios

com RESPE

(1452)

% do total de

Municípios

% do total de

Municípios

com RESPE

% do total de

Municípios

em cada

Classificação

Municípios com até 5.000 Eleitores 1619 247 4,4 17,0 15,3

Municípios com 5.001 a 10.000 Eleitores 1480 325 5,8 22,4 22,0

Municípios com 10.001 a 20.000 Eleitores 1268 407 7,3 28,0 32,1

Municípios com 20.001 a 50.000 Eleitores 775 284 5,1 19,6 36,6

Municípios com 50.001 a 100.000 Eleitores 241 100 1,8 6,9 41,5

Municípios com 100.001 a 200.000 Eleitores 104 46 0,8 3,2 44,2

Municípios com mais de 200.001 Eleitores 83 43 0,8 3,0 51,8

Page 9: 12º Encontro da ABCP

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brasileiros. Neste ponto do trabalho, deter-se-á apenas nesta categoria, por ser a de maior

incidência. A tabela a seguir mostra a distribuição por regiões para esta faixa classificatória.

TABELA 2: Distribuição das ações de candidaturas e quantidade de municípios por regiões brasileiras – faixa de municípios com eleitorado entre 10.001 e 20.000 eleitores

Regiões brasileiras

Quant. de Municípios na

faixa de 10.001 a 20.000 eleitores

com AIRCs

Quant. de Municípios na

faixa de 10.001 a 20.000 eleitores

% do total de AIRCs na faixa

de 10.001 a 20.000 eleitores

(407)

% do total de Municípios na

faixa de 10.001 a 20.000 eleitores

(1.268)

% do total de AIRCs na faixa

de 10.001 a 20.000 eleitores em cada região

Nordeste 213 569 52,3 44,9 37,4

Sudeste 95 316 23,3 24,9 30,1

Sul 40 191 9,8 15,1 20,9

Norte 31 106 7,6 8,4 29,2

Centro Oeste 28 83 6,9 6,6 33,7

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

Constata-se que a região de maior incidência de AIRCs para esta faixa classificatória

foi a região nordeste, que é a região que possui maior quantidade de municípios nesta faixa

de classificação. No entanto, exceto pela região Sul, não se observou grande variação

percentual entre os municípios de cada região para esta faixa classificatória. Assim, os dados

sugerem que a questão regional relacionada a uma possível tradição jurídica de uso deste

instrumento processual, não explica a incidência de AIRCs em 2012.

Dos estados da região nordeste, o estado da Bahia foi o que teve maior quantidade de

municípios com AIRCs. Foram 71 municípios que representam 33,3% dos municípios

analisados em toda região nordeste (213) e 4,9% do total de municípios brasileiros com

AIRCs. O segundo estado na região nordeste com maior incidência deste tipo de ação foi o

Ceará com 34 ações, o que representa 15,9% das AIRCs da região nordeste.

Quando se analisa as AIRCs em termos proporcionais, a faixa de classificação

(conforme Tabela 1) que apresentou maior incidência, foi a faixa de municípios com mais de

200.001 eleitores. Foram 43 municípios nesta faixa classificatória que tiveram AIRCs, o que

representam mais de 50% dos municípios na referida faixa. Este dado indica que dentre os

municípios com mais de 200 mil eleitores, ou seja, municípios com possibilidade de segundo

turno, as AIRCs foram um instrumento processual utilizado pelos envolvidos no processo

eleitoral de 2012. Esse dado sugere que em municípios com mais de 200 mil eleitores as

AIRCs são mais frequentes, em termos proporcionais. A tabela a seguir mostra este grupo de

municípios por regiões.

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TABELA 3: Distribuição das ações de candidaturas e quantidade de municípios por regiões brasileiras – faixa de municípios com eleitorado com mais de 200.001 eleitores

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

É possível verificar que 60,5% dos casos de ações de impugnação de registro de

candidaturas nesta faixa ocorreram na região sudeste. Esta mesma região, também é a região

de maior concentração (55,4%) de municípios com esta característica (mais de 200.001

eleitores).

Dos estados da região sudeste, o estado que mais teve municípios com AIRCs foi São

Paulo – 11 municípios. Essa quantidade representa 42,3% das AIRCs na região sudeste, para

esta faixa de classificação, e 25,6% do total de municípios com este tipo de ação.

Destaca-se ainda, com base na Tabela 3, que na região centro oeste as AIRCs formam

identificadas em todos os municípios que possuíam mais de 200 mil eleitores. Este fato reforça

a ideia de que nos municípios com mais de 200 mil eleitores as AIRCs são apresentadas mais

frequentemente, em termos proporcionais.

O que poderia explicar essa maior frequência de AIRCs, em termos proporcionais entre

os municípios com mais de 200 mil eleitores? A competição eleitoral, conforme apresentado

no trabalho de Peixoto e Goulart (2014).

3- Caracterização dos candidatos cujas candidaturas foram objetos de AIRCs.

Com o objetivo de caracterizar os (as) candidatos (as) que tiveram seus registros de

candidaturas impugnados por meio de AIRCs, e estas chegaram ao TSE pelos RESPEs

correspondentes, utilizou-se das seguintes variáveis: Sexo, partido político, grau de instrução

e ocupação.

Em relação ao sexo, constatou-se que 1.475 dos que tiveram seus registros de

candidaturas impugnados eram do sexo masculino e 217 do sexo feminino. Os demais casos

(250) referem-se às impugnações de partido ou de coligação. Embora se perceba uma grande

Regiões brasileiras

Quant. de Municípios na faixa de mais

de 200.001 eleitores com

AIRCs

Quant. de Municípios na faixa de mais

de 200.001 eleitores

% do total de AIRCs na faixa

de mais de 200.001

eleitores (43)

% do total de Municípios na faixa de mais

de 200.001 eleitores (83)

% do total de AIRCs na faixa

de mais de 200.001

eleitores s em cada região

Sudeste 26 46 60,5 55,4 56,5

Nordeste 8 14 18,6 16,9 57,1

Centro Oeste 5 5 11,6 6,0 100,0

Norte 2 6 4,7 7,2 33,3

Sul 2 12 4,7 14,5 16,7

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diferença em termos de números absolutos, entre impugnações de candidaturas masculinas

e femininas, proporcionalmente, considerando o total de candidaturas de cada sexo, não se

observa esta diferença, uma vez que as AIRCs contra candidaturas masculinas e femininas

foram, respectivamente, 5,5% e 4,5% dos totais de candidaturas.

Embora seja possível observar uma diferença significativa na quantidade de

candidaturas masculinas (26.824) e femininas (4.822) em 2012, os dados referentes às AIRCs

sugerem não haver distinção quanto ao sexo, ou seja, o sexo não importou na decisão quanto

à propositura da AIRC.

Em números absolutos, as AIRCs de candidaturas masculinas formam mais propostas

em São Paulo (204), seguido pelo estado da Bahia (178) e de Minas Gerais (147). Já em

relação às candidaturas femininas, as AIRCs foram mais identificadas novamente em São

Paulo (32), seguido pelo estado da Bahia (20) e pelos estados do Maranhão e Pará, (ambos

com18).

Em termos proporcionais, considerando o total de candidaturas de cada estado, as

AIRCs de candidaturas masculinas tiveram maior incidência no Rio Grande do Norte (12,7%),

seguido pelo Ceará (10,3%) e Rio de Janeiro (9,9%). As AIRCs de candidaturas femininas,

em termos proporcionais, tiveram mais incidência no Pará (10,1%), seguido pelo Maranhão

(9,7%) e Rio de Janeiro (8,7%).

Em relação aos partidos políticos dos (as) candidatos (as) que tiveram seus registros

impugnados, constatou-se que dos 30 partidos com registros ativos no TSE em 2012, 28 deles

tiveram que enfrentar pelo menos uma AIRC. O gráfico a seguir mostra os dez partidos com

mais AIRCs dentre casos analisados nesta pesquisa.

GRÁFICO 5: Quantidade de AIRCs por Partidos Políticos em 2012

Percebe-se que a maioria dos candidatos cujos registros foram objeto de AIRCs eram

do PMDB. Em termos proporcionais, o PMDB continua sendo o partido com maior incidência

de AIRCs, conforme se verifica no gráfico abaixo.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

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GRÁFICO 6: Percentual de AIRCs do total de candidaturas por partido político em 2012

Destaca-se que o PMDB foi o partido em 2012 que mais lançou candidaturas nas

eleições majoritárias, o que poderia explicar a maior incidência de AIRCs sobre candidaturas

deste partido. No entanto, ele foi seguido pelo PT e PSDB, respectivamente, os quais não

foram, conforme se verifica nos gráficos 5 e 6, o segundo e terceiro partido político em termos

absolutos e nem proporcionais com mais AIRCs. Esse dado sugere que a propositura destas

ações em 2012 não esteve relacionada diretamente ao quantitativo de candidaturas lançadas

pelo partido político.

A questão referente às AIRCs dos partidos políticos está mais na esfera do

recrutamento e escolha de candidatos (as) do que do quantitativo de candidaturas

apresentadas. Neste ponto importante referência para pensar a questão é o trabalho de Pippa

Noris (2013), onde a autora, analisando o recrutamento e seleção de candidaturas em

diversos países, associou aspectos legais e intrapartidários para responder às perguntas:

Quem pode ser eleito? E, quem escolhe? Afirmou a autora:

Em alguns poucos países certos aspectos do processo de escolha de candidatos são estipulados por lei; por exemplo, na Alemanha e na Finlândia existem amplos requerimentos para que os partidos adotem processos democráticos de seleção de candidatos. Na maioria, contudo, os partidos são encorajados a determinar seus próprios métodos e regulações internas (Norris, 2013, p.14).

Outros trabalhos que focam nas diferentes estratégias dos partidos políticos no

recrutamento e seleção de candidaturas também podem ajudar a entender a incidência das

AIRCs pensando nos partidos políticos. Dentre estes trabalhos estão os trabalhos de

Perissinotto & Veiga (2014), onde os autores analisam a chamada profissionalização política

em quatro partidos políticos brasileiros, PT, PMDB, PSDB e DEM, e de Costa, Bolognesi &

Codato (2013) em que os autores buscaram associar variáveis como bases sociais,

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

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organização partidária e a posição do partido no espectro ideológico na escolha de candidatos

de seis partidos PT, PDT, PMDB, PSDB, DEM e PP.

No que tange ao grau de instrução, identificou-se que, em números absolutos, 799

AIRCs foram de candidatos com ensino superior completo (41,1%). Além destas, destacam-

se as 485 AIRCs de candidatos com ensino médio completo (24,9%) e as 148 AIRCs de

candidatos com ensino fundamental incompleto (7,6%).

Em termos proporcionais, considerando o total de candidaturas para as eleições

majoritárias, percebe-se não haver quase diferença de incidência de AIRCs entre os que

declararam ter ensino superior incompleto (5,9%), superior completo (5,8%) e médio completo

(5,4%). Este dado sugere que a variável grau de instrução não se mostra significativa na

propositura de AIRCs.

Em relação à ocupação, a tabela abaixo mostra as principais ocupações indicadas

pelos candidatos que tiveram seus registros de candidaturas questionados (impugnados).

TABELA 4: Principais ocupações declaradas pelo candidato em 2012

Ocupação Quant.

Prefeito 212

Empresário 202

Médico 127

Agricultor 122

Comerciante 115

Advogado 86

Pecuarista 69

Administrador 63

Aposentado 56

Servidor Público Municipal 56

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

Os dados apresentados na tabela mostram que a maioria das AIRCs foi de candidatos

que já eram prefeitos e estavam disputando a reeleição. Isso sugere que dentre as principais

causas motivadoras de AIRCs estão causas relacionadas à administração pública destes

candidatos, como rejeição de contas públicas, abuso de poder (político e econômico),

condutas vedadas a agentes públicos, dentre outras.

Outro ponto relevante, em relação às AIRCs dos candidatos que se declararam

prefeitos, está no fato de que estes candidatos estão mais sujeitos à inelegibilidades, as quais

são suscitadas nas AIRCs, devido o princípio da transparência dos atos públicos e atuação

da oposição e Ministério Público.

Page 14: 12º Encontro da ABCP

13

As ocupações mostraram-se muito próximas das causas, as quais serão apresentadas

mais adiante, prevalecendo assim o campo fático sobre o procedimental. Desta forma, alguns

empresários tiveram como causa de AIRCs mais o abuso de poder econômico, por exemplo,

do que de filiação partidária; alguns médicos tiveram como causa mais a rejeição de contas

públicas porque eram secretários de saúde ou gestores de recursos públicos do que a

quitação eleitoral, por exemplo. Assim, a ocupação apresentou-se fator relevante para as

AIRCs, mas não um fator determinante.

4- A dinâmica recursal e as decisões finais das AIRCs.

A análise das decisões das AIRCs foi feita, preferencialmente, com base nos RESPEs.

No entanto, para melhor compreensão da demanda judicial, fez-se necessária a análise dos

recursos, e respectivos acórdãos, nos TREs e até mesmo das decisões dos juízes 1ª instância

(juiz eleitoral) sobre os pedidos de registros de candidaturas.

Buscou-se verificar as diferentes formas de interpretação e aplicação de dispositivos

legais aos casos concretos e a sintonia jurisprudencial entre as diferentes instâncias da

Justiça Eleitoral, tendo como referência as decisões da Alta Corte Eleitoral (TSE). A tabela a

seguir mostra as decisões e a dinâmica processual observada em 2012.

TABELA 5: Dinâmica das decisões nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral1

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizado pelo TSE

1 Utilizou-se o “verde” para indicar a situação em que o candidato estava em condição de participar conforme a decisão da

referida instância da Justiça Eleitoral. O “vermelho” foi usado para indicar que o candidato não estava em condição de participar. O “amarelo” foi usado para indicar que o recurso havia perdido o objeto e desta forma o TSE não apreciou o mérito do recurso. O “azul” nos casos de desistência ou renúncia do candidato.

Decisão 1ª instância Decisão TRE Decisão TSE

Mantida (582)

Reformada (18)

Perdeu Objeto (166)

Desitiu/Renunciou (10)

Mantida (83)

Reformada (49)

Perdeu Objeto (44)

Desitiu/Renunciou (37)

Mantida (276)

Reformada (64)

Perdeu Objeto (116)

Desitiu/Renunciou (117)

Mantida (257)

Reformada (21)

Perdeu Objeto (83)

Desitiu/Renunciou (19)

Mantida

(776)

Reformada

(213)

Mantida

(573)

Reformada

(380)

Deferiu

(989)

Indeferiu

(953)

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14

Os dados mostram que das 1.942 AIRCs, inicialmente foram julgadas improcedentes

989 (51%) e os respectivos registros de candidaturas foram deferidos (candidato habilitado a

concorrer). Desta forma, conclui-se, que 953 AIRCs (49%) foram julgadas procedentes e,

consequentemente, os registros foram indeferidos (candidato não habilitado).

Destaca-se que destes indeferimentos (primeira retenção nos filtros do Poder

Judiciário), 715 das candidaturas indeferidas eram masculinas e 102 eram femininas, que

representam em termos proporcionais, respectivamente, 48,5% e 47% das AIRCs em cada

sexo. Além destas, 136 foram referentes a indeferimentos de procedimentos associados

diretamente a partidos políticos ou coligações para a disputa eleitoral de 2012.

Destaca-se que nos TREs, 1.349 decisões dos juízes eleitorais (1ª instância) foram

mantidas (776 para deferir o registro de candidatura e 573 para indeferir) e 593 foram

modificadas (213 para indeferir e 380 para deferir). Desta forma o percentual de habilitados a

concorrer passou para 59,5% e dos não habilitados diminuiu para 40,5%.

Constata-se, assim, que os TREs apresentaram em 2012 tendência à manutenção das

decisões dos juízes eleitorais. Verificou-se que 78% dos deferimentos de registros (AIRCs

improcedentes) foram mantidos, assim como 60% dos indeferimentos (AIRCs procedentes).

Quando modificaram as decisões de 1ª instância, na maioria dos casos, foi para habilitar o

candidato à disputa eleitoral (39,9%). Apenas 21,5% das modificações (reforma da sentença)

foi para retirar candidatos da disputa eleitoral.

Nas decisões sobre as impugnações de candidaturas no TSE, constatou-se que

alguns recursos (592) foram prejudicados por dois motivos, um porque o recorrente renunciou

ao recurso ou à candidatura (181 casos, o que corresponde a 9,3% do total de recursos que

chegaram ao TSE), outro porque o candidato havia perdido a eleição e qualquer decisão do

TSE não alteraria a situação política eleitoral estabelecida com o resultado das urnas (411

casos, que representa 21% do total das impugnações).

Excluindo-se os casos citados, o TSE decidiu efetivamente acerca de 1.350 recursos

referentes às AIRCs. Deste total, 1.198 foram decisões para manutenção dos acórdãos dos

TREs e 152 para reforma (modificação) dos acórdãos. Os casos de manutenção foram 839

para deferir registros de candidaturas (62,1%) e 359 para indeferir registros de candidaturas

(26,6%). Já os casos de modificações dos acórdãos foram 113 para deferir o registro de

candidatura (8,4%) e 39 para indeferir o registro (2,9%).

Desta forma, percebe-se que as decisões do TSE também tenderam a privilegiar à

disputa eleitoral, mantendo o candidato cujo registro havia sido objeto de AIRC. Dos 992

deferimentos de registros pelos juízes de 1ª instância, 732 tiveram efetivamente os recursos

julgados, sendo que 631 resultou na manutenção do deferimento (86%) e 101 na reforma da

sentença e, consequentemente, indeferimento do registro (14%). Já no caso dos 952

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15

indeferimentos de registros pelos juízes eleitorais, 619 foram efetivamente apreciados pelo

TSE (333 perderam o objeto), sendo que 319 (52%) resultaram em deferimento do registro e

300 (48%) resultaram em indeferimento do registro de candidatura.

Ao final da via recursal, retirando o total de casos de perda do objeto (592), apreciou

o TSE 1.350 recursos sendo que 952 (70,5%) decisões deste tribunal foi pelo deferimento do

registro de candidatura e 398 (29,5%) foram decisões que indeferiram o registro da

candidatura, conforme se verifica no gráfico abaixo.

GRÁFICO 7: Comparação dos deferimentos e indeferimentos de registros de candidaturas nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral em 2012.

Conclui-se, portanto, que ao longo da via recursal a maioria dos candidatos obteve

êxito na busca do deferimento de seus registros, logo, foi vantagem recorrer, pois os dados

sugerem uma tendência do Poder Judiciário em privilegiar a permanência dos candidatos na

disputa eleitoral, deixando que as disputa seja decidida no grande filtro do processo eleitoral

– as eleições em si – em vez de os tribunais; guardada a devida ressalva para os casos

incontestável inelegibilidades.

Um fato importante está na questão de que este aumento no final do processo está

relacionado à revisão, pelo TSE das decisões dos juízes eleitorais e/ou dos TREs. Essa

revisão não sinaliza que o conhecimento e interpretação jurídica são mais refinados no TSE,

mas reflete o fato de que a jurisprudência adotada nos tribunais superiores (STF e TSE) não

havia sido seguida pelas instâncias inferiores. Ocorreu em muitos casos a reforma da

sentença do juiz eleitoral pelo TRE correspondente, mostrando assim alinhamento entre o

TRE e o TSE. Desta forma, resta concluir que em 2012 constatou-se desalinhamento

jurisprudencial entre os juízes eleitorais e o TSE, independente da causa alega, a qual se verá

adiante.

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizado pelo TSE

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Importante temática da Ciência Política sensível a estes dados encontrados é o

fenômeno da judicialização da política, mais especificamente, a judicialização da política no

âmbito da Justiça Eleitoral.

Relacionado a esta temática destaca-se o trabalho de Tate e Valinder (1995) os quais

definem a expressão “judicialização da política”, que passa a ser mais utilizada e o referido

fenômeno estudado em diversos outros trabalhos, sobre diferentes esferas do Judiciário.

Sendo a Justiça Eleitoral integrante do Poder Judiciário e por tratar de matéria eleitoral,

cujo conteúdo muito se aproxima da política, inevitável seriam as discussões da judicialização

da política na Justiça Eleitoral. Sobre essa questão Andrade Neto (2010) afirma:

A instituição guarda algumas características que parecem contribuir para as denúncias de judicialização da política contra ela dirigidas. Primeiro, porque a própria esfera de disputa político partidária e os agentes e condutas nela situados são o objeto das deliberações judiciais, o que, em si, torna difícil separar a jurisdição eleitoral da política. Segundo, porque certo ímpeto corretivo das relações político-partidárias está na origem desse ramo judiciário, concebido como instância moralizadora da política, a partir de uma noção positivista de neutralidade judicial (Andrade Neto, 2010, p. 114).

Muito dessas discussões sobre a judicialização da política na Justiça Eleitoral fazem

reflexões quanto a uma intervenção, considerada muitas vezes exagerada, deste ramo do

Poder Judiciário sobre o processo eleitoral, o que por vezes altera o resultado das urnas e/ou

trazem restrições ao exercício pleno dos direitos políticos. Maia (2010) afirma que “à primeira

vista, estes litígios eleitorais que influem no resultado das urnas podem ser caracterizados

como contramajoritários e até mesmo identificados como ativismo judicial” (Maia, 2010, p.89).

A autora continua sua análise da atuação da Justiça Eleitoral e conclui:

(..) esta atuação da Justiça Eleitoral, que visa a impugnar os abusos cometidos por candidatos desleais, é legítima, pois fundada em um arcabouço legislativo que a autoriza, mas também, e sobretudo, porque resguarda o princípio da soberania popular, vez que impede o resultado viciado das eleições (Maia, 2010, p. 89).

Os dados encontrados indicam que em 2012, a Justiça Eleitoral, a contrassenso,

privilegiou a disputa eleitoral e sua intervenção (atuação) não foi retirando candidatos (as) do

pleito.

Os dados permitiram ainda verificar o reflexo das decisões do TSE sobre os partidos

políticos dos (as) candidatos (as), cujos registros foram objetos de AIRCs. A tabela a seguir

mostra os resultados dos 10 partidos com mais AIRCs em 2012.

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TABELA 6: Partidos Políticos, decisões do TSE e dinâmica recursal

Partido Quant. de

AIRCs

Registro

Deferido

Registro

Indeferido

Desistência

do Recurso Renúncia

Perda de

objeto

(não se

elegeu)

PMDB 300 146 58 3 22 71

PSDB 205 104 26 3 19 53

PSD 144 68 22 3 19 32

PSB 130 57 22 6 16 29

PT 122 61 21 2 6 32

PTB 122 56 21 2 15 28

PP 112 64 17 4 6 21

PDT 105 55 18 2 8 22

PR 99 47 14 2 10 26

DEM 82 37 16 1 3 25

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

A tabela 6 mostra os desfechos das AIRCs em termos de números absolutos. Já os

gráficos a seguir apresentarão os deferimentos e indeferimentos das AIRCs, em termos

proporcionais, em relação aos partidos políticos após decisão do TSE.

GRÁFICO 8: Proporção de AIRCs julgadas improcedentes (registro deferido) por partido

Diferente da análise feita anteriormente se o partido político seria uma variável

explicativa para a propositura de AIRCs, o que foi visto que não, aqui procurou-se analisar se

o partido (ou sua ideologia) explicaria as decisões pelo deferimento ou indeferimento dos

registros de candidaturas no TSE.

Os dados sugerem que partido político e sua ideologia não explicam os deferimentos

(gráfico 8) e os indeferimentos (gráfico 9), uma vez que houve pouca variação percentual e a

distribuição dos partidos políticos nos gráficos não segue uma ordem conforme classificação

ideológica. Desta forma, outras variáveis devem ser analisadas em trabalhos futuros para

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

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explicar os resultados, tais como, recursos do partido (inclusive humano – advogados) para

conduzir o processo, critérios de seleção de candidatos, dentre outros.

GRÁFICO 9: Proporção de AIRCs julgadas procedentes (registro indeferido) por partido

Destaca-se que os 100% de indeferimentos dos PCB e do PSTU, apresentado no

gráfico 9, corresponde ao indeferimento de um único caso de AIRCs que cada um destes

partidos teve em 2012.

5- As principais causas e proponentes das ações de impugnações

Durante o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se verificar as principais causas que

fundamentaram as AIRCs, assim como seus principais proponentes. A tabela abaixo

apresenta as principais causas identificadas.

TABELA 7: Principais causas que fundamentaram às AIRCs em 2012

Principais Causas Quant.

Rejeição de Contas Públicas 894

Irregularidades no Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) 269

Condenação Transitada em Julgado 219

Desincompatibilização 123

Quitação Eleitoral 96

Filiação Partidária 72

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

Verificou-se que a causa de maior incidência na fundamentação das AIRCs foi a

rejeição de contas públicas. Esta causa está relacionada à Lei Complementar (LC) 64 de 1990

(conhecida como Lei da Inelegibilidade) e à nova redação trazida a esta pela Lei

Complementar (LC) 135 de 2010, (conhecida como Lei da Ficha Limpa).

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

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19

Especialmente nas eleições de 2012 essa causa mostrou-se relevante por ser a

primeira eleição em que a Lei da Ficha Limpa estava sendo aplicada e pontos desta lei ainda

traziam dúvidas. Dentre estes está o dispositivo relacionado à rejeição de contas públicas,

que embora já tivesse previsão na LC 64/1990, apresentou novas questões como a ampliação

do período de inelegibilidade e a necessidade de configuração de ato doloso. Além, destas

questões, havia dúvidas sobre o órgão competente para o julgamento das contas dos gestores

de recursos públicos (Tribunais de Contas ou câmaras municipais?).

Muitos casos relacionados à rejeição de contas públicas eram de candidatos já

condenados e que cumpriam o período de inelegibilidade, que pela lei anterior era de 5 anos

e com a nova redação passou a ser de 8 anos.

O fato de a inelegibilidade decorrente da rejeição de contas públicas ter sido a principal

causa motivadora de AIRCs em 2012, pode ser explicado pela inovação trazida pela lei da

Ficha Limpa e cuja aplicação fazia-se pela primeira vez naquela eleição. Destaca-se assim a

quantidade de AIRCs associadas a rejeição de contas públicas que foi mais de 3 vezes maior

do que as irregularidades de DRAP, segunda causa de maior incidência. A inelegibilidade por

rejeição de contas públicas representou, sozinha, 46% das AIRCs de 2012. Este dado sugere

uma adequação forçada a nova redação da legislação e um grande impacto trazido pela Lei

da Ficha Limpa naquelas eleições.

A segunda causa de maior incidência foi a alegação de irregularidades no

Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP). Nestes casos são questionadas

as legitimidades de diretórios de partidos para decidirem sobre coligações; atendimento de

cotas de gênero; tempestividade de apresentação de documentos, dentre outras questões de

obrigação de cumprimento do partido/coligação. Esta causa corresponde a 13,9% das AIRCs

analisadas.

A LC 64/90 traz no art. 3º, caput, os legitimados para proposição das AIRCs. São eles:

Qualquer candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público. Percebeu-se que todos

estes atores aparecem como proponentes de AIRCs, ora individualizadamente, ora

associadamente. A tabela a seguir mostra a quantidade de AIRCs que estes figuraram como

proponentes. As somas ultrapassam o total de AIRCs (1.942), pois em muitas delas estes

legitimados apareciam associados como proponentes.

TABELA 8: Proponentes das AIRCs em 2012

Proponente de AIRCs Quantidade como

proponente % como

proponente

Coligação 1109 57,1

Ministério Público 907 46,7

Candidato 332 17,1

Partido Político 179 9,2

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

Page 21: 12º Encontro da ABCP

20

O interesse dos candidatos, partidos e/ou coligações entende-se facilmente pelos

interesses particulares e diretos destes envolvidos no processo eleitoral e na disputa que este

estabelece. Por isso, destacar-se-á aqui a atuação do Ministério Público como proponente de

AIRCs.

O Ministério Público foi incumbido, por determinação constitucional, da defesa dos

interesses (direitos) da sociedade, tanto os interesses coletivos quanto os individuais

indisponíveis. O processo eleitoral é o eixo em torno do qual se estabelece e desenvolve o

regime democrático; desta forma, torna-se imprescindível sua regularidade e o interesse do

Ministério Público pela manutenção desta regularidade.

Essa função estabelecida na Constituição Federal de 1988 explica porque o Ministério

Público (MP) aparecer como um dos legitimados ativos para propositura de AIRCs, assim

como explica a participação desta instituição em quase 50% das AIRCs de 2012. Foram 907

AIRCs que o MP atuou como proponente, sendo que destas 491 ele figura como único

proponente, o que representa 25,3% das AIRCs de 2012.

TABELA 9: Sucesso dos proponentes de AIRCs no final do julgamento no TSE (2012)

AIRCs / PROPONENTES Proposituras em

2012

Sucesso no Julgamento Final

da AIRC

% de Sucesso no Julgamento Final

da AIRC

AIRCs só com o Ministério Público 491 289 58,9

AIRCs com o Ministério Público e outros legitimados

416 191 45,9

AIRCs sem o Ministério Público 1035 243 23,5

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.

A tabela 9 mostra que o Ministério Público é, dentre os proponentes, aquele que

alcança maior sucesso nas AIRCS. Ao comparar as AIRCs propostas apenas pelo Ministério

Público e as propostas pelos demais proponentes, percebe-se que o sucesso do MP (58,9%)

é mais do que o dobro do que dos demais proponentes (23,5%).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Ações de Impugnação de Registros de Candidaturas (AIRCs) são ações eleitorais,

cujo objetivo está previsto no Código Eleitoral de 1965, regulamentada pela LC 64/1990.

Embora nem a previsão, nem a regulamentação sejam recentes, a sua aplicação nas eleições

majoritárias de 2012 não foi vultuosa em termos de números absolutos. No entanto, a análise

destas ações nas eleições de 2012 trouxe importantes dados para se pensar, não só a ação

em si, mas também suas implicações jurídicas e políticas.

Page 22: 12º Encontro da ABCP

21

Diante da crescente judicialização da política e divulgação na mídia de diversos casos

de atuação do Poder Judiciário, incluindo aí a Justiça Eleitoral, regulando processos

democráticos face às notícias de corrupções, esperava-se que os resultados apontassem

para uma tendência de diminuição da disputa eleitoral com a retirada de concorrentes com

denúncias de inelegibilidades. Contudo, o que se encontrou foi uma Justiça Eleitoral

privilegiando a disputa eleitoral, e deixando que o filtro do processo – a própria eleição –

selecionasse os aptos. Ressalta-se que nos casos de reconhecida inelegibilidade, a Justiça

Eleitoral não se afastou de sua competência e responsabilidade.

Fato é que diante da possibilidade de ativismo judicial, poderia ter sido identificado

uma aplicação extensiva da legislação específica às circunstâncias alegadoras de

inelegibilidades. No entanto, o que se encontrou foi a aplicação restritiva da legislação

conforme a interpretação e jurisprudência dos tribunais superiores, sem grandes inovações

interpretativas. O que nos parece muito positivo.

Outro dado de importante achado na pesquisa é que os municípios com mais de 200

mil eleitores são os municípios em que proporcionalmente mais ocorreram AIRCs, isso mostra

que estas ações estão relacionadas diretamente à competição eleitoral que é maior nestes

municípios.

Ainda sobre os resultados encontrados, destaca-se que o sexo e o partido político em

si (incluindo a ideologia que representa) não se mostraram fatores determinantes, e nem

relevantes, na propositura das AIRCs. No entanto, o grau de instrução e a ocupação

(indiretamente), embora não determinantes, mostraram-se relevantes, pois as causas de

inelegibilidades estiveram em 2012 mais relacionadas à gestão de recursos públicos. Assim,

médicos, advogados, administradores e empresários, por exemplo, acabam sendo gestores

de recursos públicos na Administração Pública, como secretário, por exemplo, o que os

colocam em evidência para as causas de inelegibilidades.

Em relação às causas, constatou-se que nas eleições de 2012 a Lei da Ficha Limpa

trouxe grande impacto com as inovações e alterações nela contidas. A principal causa foi a

inelegibilidade por rejeição de contas públicas, o que, como destacado anteriormente,

relaciona-se diretamente aos gestores de recursos públicos. O dispositivo relacionado (Art.

1º, inciso I, alínea “g” da LC 64/1990 alterado pela LC 135/2010 – Lei da Ficha Limpa) havia

sido modificado recentemente e os partidos e candidatos (as) não estavam ajustados,

alinhados com as novas disposições, o que permitiu ser este o dispositivo mais suscitado nas

alegações das AIRCs.

Destaca-se, no entanto, que já havia uma jurisprudência sendo consolidada nos

tribunais superiores (STF e TSE), porém o que se observou foi a interpretação diferentes dos

juízes eleitorais e até mesmo de alguns TREs, decidindo de forma contrária a esta

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22

jurisprudência. Por conta disso, muitas decisões acabaram reformadas (modificadas) no TSE.

Este fato embora possa causar estranheza é comum e permitido no âmbito jurídico face ao

princípio do livre convencimento do juiz e da liberdade que é dada ao mesmo para interpretar

os dispositivos legais.

Por fim destaca a atuação do Ministério Público que participou de 46,7% das AIRCs

como um dos proponentes (quando não o único), demonstrando um avanço na atuação desta

instituição no âmbito eleitoral. Destaca-se ainda o sucesso no julgamento final das AIRCs

propostas pelo Ministério Público em relação aos demais proponentes, mais que o dobro,

58,9% e 23,5%, respectivamente.

Espera-se que esta pesquisa suscite novas questões a serem verificadas e que

aspectos relacionados às AIRCs, não só os formais e jurídicos, possam ser analisados à luz

de teorias e entendimentos consolidados na Ciência Política, no Direito e áreas afim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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