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Uma cidade partida? As eleições para prefeito do Rio de Janeiro em 2008 Jairo Nicolau DCP/IFCS/UFRJ Sonia Terron IBGE Área Temática: Eleições e Representação Política 8˚ Encontro da ABCP, Gramado, 1 a 4 de agosto de 2012

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Uma  cidade    partida?  As  eleições  para  prefeito  do  Rio  de  Janeiro  em  2008  

Jairo Nicolau DCP/IFCS/UFRJ

Sonia Terron

IBGE

Área Temática:

Eleições e Representação Política

8˚ Encontro da ABCP, Gramado, 1 a 4 de agosto de 2012

1  

O segundo turno das eleições para prefeitura do Rio de Janeiro em 2008 foram os mais disputados da história eleitoral

da cidade. Eduardo Paes (PMDB) venceu Fernando Gabeira (PV), por uma diferença de apenas 55.521 votos (1,6 ponto

percentual). Mas além desta vantagem mínima, outro resultado das eleições de 2008 chamou a atenção: a divisão social

da cidade. Paes foi amplamente vitorioso nas áreas mais pobres da cidade, enquanto Fernando Gabeira obteve uma

votação avassaladora na zona sul e nos bairros mais prósperos de outras áreas da cidade.

O objetivo deste artigo não é tentar explicar por que esta divisão aconteceu, mas explorar em mais detalhes a sua

configuração social e espacial. Para tal, trabalharemos exclusivamente com macro-dados (resultados do censo 2010 e

das eleições de 2008). Os pesquisadores que lidam com este tipo de dados sabem que compatibilizar os resultados

eleitorais com os dados sócio-demográficos da cidade do Rio de Janeiro não é uma tarefa simples, particularmente

porque as zonas eleitorais não seguem o delineamento dos bairros ou das áreas de planejamento.

Na primeira seção apresentamos uma justificativa da nossa opção de utilizar o bairros como unidade para

compatibilização dos dados. Apesar de algumas dificuldades, acreditamos este é um caminho promissor para a análise

dos resultados eleitorais da cidade. Na seção seguinte, apresentamos um breve quadro da estrutura social dos bairros

cidade do Rio de Janeiro, a partir de três indicadores (população, renda e cor). O objetivo da terceira seção é explorar a

clássica relação entre renda e voto: Será que existe alguma relação entre os candidatos e a renda dos bairros? Na

quarta seção mostramos os resultados de uma análise espacial exploratória feita para dimensionar o grau de

concentração/dispersão da votação dos candidatos pelo território.

1. Por que bairro?

Todo o pesquisador que se dedica à analise da distribuição do voto pelo território tem que fazer esta escolha

fundamental: que unidade geográfica adotar? Em alguns casos esta escolha é óbvia. Por exemplo, nos países que

2  

utilizam o voto majoritário-distrital, o distrito uninominal é a unidade fundamental de análise; um número expressivo de

estudos sobre as eleições legislativas da França, Estados Unidos e Reino Unido, são baseados na comparação dos

votos que os partidos recebem nos diversos distritos (Abramowitz 2010; Jacobson 2012; Kavanagh and Cowley 2010).

Outra escolha óbvia é utilização de unidades regionais político-administrativas (estados, províncias, departamentos)

formalmente definidas. Por exemplo, os estudos sobre as eleições presidenciais na Argentina e no México

tradicionalmente comparam os resultados da votação dos partidos nas diferentes províncias do país (Gelman 2009).

É comum que o pesquisador queira trabalhar com um nível mais detalhado de análise. No caso das eleições

presidenciais americanas, por exemplo, o condado tem sido privilegiado em diversos estudos (Kim, Elliott, and Wang

2003). O aumento do número de casos (existem 3.143 condados nos Estados Unidos) permite que recursos estatísticos

muito mais poderosos sejam empregados. O Brasil têm 5.565 municípios, o que possibilita a observação de padrões

geográficos de votação e sua relação com os respectivos contextos geosociais. Diversos estudos sobre as eleições

presidenciais e para a Câmara dos Deputados têm utilizado os municípios como unidade de análise: (Ames 2003;

Carvalho 2003; Nicolau and Peixoto 2007; Soares and Terron 2008; Terron 2009; Terron and Soares 2010; Zucco 2008).

A escolha do município como unidade privilegiada para análise eleitoral não está isenta de problemas metodológicos. O

principal deles é a desigualdade entre as cidades (população, renda, indicadores sociais, grau de dependência de

recursos da União). Mas uma série de fatores dão lastro a utilização do município como unidade analítica: o status como

um ente constitucionalmente definido da estrutura administrativa do país; o fato de ser um distrito eleitoral nas eleições

para prefeito e vereador; a vinculação formal de todo político a uma determinada cidade (domicílio eleitoral).

O desafio maior surge quando o pesquisador resolve adotar uma unidade de análise menos tradicional. O que lhe obriga

a recortar uma grande unidade territorial e/ou agregar algumas menores. Vários critérios podem ser utilizados para este

3  

fim: número de habitantes, perfil socioeconômico, contiguidade geográfica, classificações feitas por órgãos de

planejamento governamental. Os estudiosos das eleições municipais, particularmente, precisam utilizar algum critério

para dividir o território do município em diversas subunidades de análise. Os estudos sobre as eleições na cidade São

Paulo, por exemplo, feitos nas décadas de 1970 e 1980 utilizavam uma classificação que dividia a cidade em áreas

socioeconômicas, não contiguas no espaço (Lamounier 1986).

Ao decidirmos estudar as eleições de 2008 na cidade do Rio de Janeiro nos defrontamos com o mesmo problema. O que

foi agravado pela inexistência de um critério tão consolidado como os utilizados nos estudos eleitorais feitos na cidade de

São Paulo. Quatro opções foram consideradas: as unidades estabelecidas pela justiça eleitoral (zonas eleitorais), as

áreas de planejamento municipal (as regiões administrativas), os bairros, e alguma unidades especialmente criadas pela

pesquisa.

Optamos por utilizar os bairros por uma série de razões. A primeira delas é a sua importância histórico-cultural. Existem

muitas unidades de referência geográfica para os moradores da cidade do Rio: a clássica referência às zonas Sul, Norte

e Oeste do município, por exemplo, que remete a situação geográfica e perfil socioeconômico diferenciados, é uma

delas; as favelas também são unidades fundamentais; a proximidade da praia está, em muitos bairros, associada a maior

status dos moradores. Mas, a principal estratificação socioeconômica da cidade está baseada nos bairros. Os bairros,

além de serem unidades mais tradicionais e mais estáveis, são referência socioeconômica e cultural da cidade. É

interessante observar que diversas favelas – tais como o Complexo do Alemão, a Rocinha, a Mangueira e a Maré - foram

recentemente transformadas em bairros.

A segunda razão para privilegiar os bairros é de ordem administrativa. Os bairros são áreas legalmente estabelecidas

pelo poder municipal, e reconhecidas pelos órgãos públicos, como o IBGE que tabula resultados dos Censos para estas

4  

unidades intraurbanas. Por fim, temos ainda uma razão de ordem analítica. A escolha pelos bairros nos garante um

número relevante de casos (160) para análise estatística.

Infelizmente, a Justiça Eleitoral utiliza um critério particular para organizar os eleitores. Estes são agregados em seções

eleitores, que por sua vez são agregados em zonas eleitorais. As zonas eleitorais não são compatíveis com os bairros.

Em geral, as zonas eleitorais agregam diversos bairros de pequeno eleitorado, ou trechos de um bairro com grande

eleitorado. Para compatibilizar os bairros às unidades eleitorais nossa opção foi agregar as seções eleitorais.

Os resultados eleitorais de 2008 para o cargo de prefeito do Rio de Janeiro foram disponibilizados pelo TSE (2008) para

10.849 seções eleitorais, agrupadas em 1.149 locais de votação. A delimitação dos bairros é fornecida pelo Instituto

Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP). As seções eleitorais organizadas por local de votação foram agregadas

aos respectivos bairros em que estes estavam localizados. Este procedimento não é perfeito, já que os moradores de

muitos bairros votam em seções localizadas em bairros vizinhos. Outra dificuldade é que não existe seção eleitoral/local

de votação localizado em três bairros: Campinho, Vista Alegre e Pitangueiras; como a população destes bairros era

muito pequena, achamos mais conveniente excluí-los da análise.

O Rio de Janeiro tem atualmente 160 bairros. Deste total, além dos três bairros onde não havia seção eleitoral,

excluímos da análise dois bairros que foram criados recentemente (Gericinó e Vasco da Gama) e dois bairros (Grumari e

Joá) com populações muito reduzidas (abaixo de 1000 habitantes). Desta forma, nossa população final é de 153 bairros.

2. Dados da cidade do Rio de Janeiro

Para caracterização socioeconômica dos bairros selecionamos três variáveis: população residente, renda média da

população e cor. Os dados foram retirados do Censo de 2010.

5  

Segundo o recenseamento de 2010 havia 6,3 milhões de moradores na cidade do Rio de Janeiro, distribuídos por 160

bairros, com enorme variação populacional, demográfica e econômica entre eles. Em Campo Grande, bairro com maior

população moram 328 mil pessoas; no outro extremo, Campo dos Afonsos, o bairro tem menos de 2 mil moradores. O

Mapa 1 apresenta os bairros (representados pelas circunferências) distribuídos pelo território da cidade; o tamanho de

circunferência é proporcional à população residente no bairro sobre a população total da cidade. O mapa revela que a

ocupação da cidade é bastante desigual. Há um enorme vazio no centro, onde está o maciço da Tijuca (uma extensa

densa área de montanhas e florestas). Existe um grande adensamento populacional do lado direito do mapa, faixa que

vai dos bairros litorâneos da Zona Sul, passa pelo pouco povoado centro da cidade, pela Zona Norte até às áreas limites

com os municípios da Baixada Fluminense; nesta área estão os bairros organizados em tornos da tradicionais linhas

ferroviárias da Central do Brasil e da Leopoldina. Nas partes superior (Zona Oeste) e inferior (Barra da Tijuca) estão

bairros de áreas de acelerado crescimento populacional nas últimas décadas.

A presença de favelas em quase todos os bairros de renda média e alta torna difícil fazer um mapeamento

socioeconômico da cidade. Mas apesar destas dificuldades encontramos áreas com concentração de bairros de renda

alta e áreas com muitos bairros de renda baixa. Ordenamos os bairros da cidade por renda média1 e dividimos em cinco

faixas (quintis). Eles foram classificados nas seguintes faixas de renda: muito baixa, baixa, média baixa, média alta e alta.

Ainda que as faixas sejam arbitrárias, elas ajudam a observar a disposição sócio-espacial da cidade. Os resultados são

apresentados no Mapa 2. As cores representam cada uma das faixas de renda. Os bairros de menor renda estão

concentrados na Zona Oeste (parte superior do mapa) e no canto superior direito (bairros da Zona da Leopoldina). Por                                                                                                                1 Valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas residentes no bairro, com 10 anos ou mais de idade (Reais) na data de referência do Censo (01/08/2010).

 

6  

outro lado, os bairros de maior renda concentram-se na Zona Sul (canto inferior direito do mapa) e na Zona Norte (Tijuca

e adjacências).

7  

Mapa 1: Bairros da cidade do Rio de Janeiro, 2008.

Nota: o diâmetro das esferas representa a proporção do bairro sobre a população total do município. Fonte dos dados de população: Censo de 2010.

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Mapa 2: Bairros segmentados em cinco faixa de renda. Rio de Janeiro, 2010.

Nota: o diâmetro das esferas representa a proporção do bairro sobre a população total do município.

Fonte dos dados de população: Censo de 2010.

9  

Segundo o Censo de 2010 a distribuição da população carioca por cor é a seguinte: 51,1% de brancos, 36,5% de pardos,

11,5 % de pretos, 0,7% de amarelos e 0,1 % de indígenas. Uma das características da cidade do Rio de Janeiro é a

estratificação do território por cor; o percentual de população branca de cada bairro, por exemplo, varia entre 11% e 91%.

Esta diferenciação territorial está associada a história da cidade, particularmente, à expressiva presença de população

escrava durante a Colônia e o Império. Desde de fins do século XIX os bairros da Zona Sul tornaram-se o território

predileto de moradia da população mais rica (quase sempre branca), enquanto a população de libertos (negros e pardos)

e migrantes foi ocupando os morros e as áreas de renda mais baixa. A implantação das primeiras linhas de bondes

puxados por burro e, posteriormente, a inauguração da Estrada de Ferro permitiram uma expansão acelerada da malha

urbana do Rio de Janeiro. Os bondes facilitaram a expansão das áreas de residência da elite na zona Sul, e os trens, a

ampliação da moradia para a população de baixa renda nos subúrbios (Abreu 1987).

O Gráfico 1 mostra como é intensa a relação entre o percentual de brancos e a renda média de cada bairro. Quanto

maior o percentual de brancos no bairro, maior a renda média dos moradores. A relação entre as duas variáveis é

melhor observada não por um modelo linear, mas por um modelo logarítmico: a renda cresce linearmente à medida que

aumenta o total de população branca brancos no bairro, a partir de um ponto, com o mesmo patamar de população

branco encontramos bairros com rendas crescentes. O R2 do modelo com apenas as duas variáveis alcança aos

impressionantes: 0,91.

10  

Gráfico 1: Percentual de população de cor branca x renda média. Bairros do Rio de Janeiro, 2010

Fonte: Censo de 2008

11  

3. Renda dos bairros e voto

O primeiro turno da disputa para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro foi disputado por 12 candidatos, mas apenas

quatro deles, obtiveram mais de 5% dos votos válidos: Eduardo Paes (PMDB) Fernando Gabeira (PV), Marcelo Crivella

(PRB) e Jandira Feghali (PCdoB). Concentraremos nossa análise nestes quatro candidatos, que somados receberam

86% dos votos válidos2. A Tabela 1 apresenta o percentual de votos obtidos por todos os candidatos que concorreram.

Tabela 1: Percentual de votos válidos. Eleições para prefeito do Rio de Janeiro, 2008.

Candidatos % votos no Turno 1 % votos no Turno 2

Eduardo Paes (PMDB) 32,0 50,8 Fernando Gabeira (PV) 25,6 49,2 Marcelo Crivella (PRB) 19,0 Jandira Feghali (PCdoB) 9,8 Alessandro Molon (PT) 5,0 Solange Amaral (DEM) 3,9 Chico Alencar (PSOL) 1,8 Paulo Ramos (PDT) 1,8 Outros 1,1

Fonte: TSE.

                                                                                                               2 Para uma análise da campanha eleitoral, ver: (Vasconcelllos and Figueiredo 2012)

12  

Será que existe alguma relação entre o perfil social dos bairros e a votação dos candidatos? Como vimos na seção

anterior, existe uma forte associação entre o percentual de população branca residente e a renda média do bairro. Por

esta razão, utilizaremos somente uma variável (renda) para analisar o desempenho dos candidatos. Os Gráficos 2 e 3

apresentam a associação entre o percentual de votos e renda por bairro da cidade.

O Gráfico 2 mostra o padrão dos dois candidatos mais votados no primeiro turno; Eduardo Paes e Fernando Gabeira.

Paes obteve uma votação bem distribuída em todas as faixas de renda, com variação entre 15% (Humaitá) e 36%

(Parada de Lucas), com uma tendência geral de piora à medida que a renda do bairro aumenta. Já a votação de Gabeira

é muito mais desigual, variando de 6% (Barros Filho) a 64% (Lagoa). O desempenho do candidato verde está claramente

associada à renda: quanto maior a renda média do bairro, maior tende ser a sua votação. Chama a atenção um caso no

lado inferior do gráfico, onde Gabeira obteve votação muito inferior a esperada pela renda. Trata-se do bairro de São

Conrado. Uma possível explicação é o fato de muitos moradores da Rocinha, com alta concentração de população de

baixa renda, votarem em São Conrado.

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Gráfico 2: Renda média dos bairros e voto dos candidatos Eduardo Paes e Fernando Gabeira no primeiro turno. Eleições

de 2008.

Fonte: Censo de 2010 e TSE.

14  

O Gráfico 3 apresenta os dados de Marcelo Crivella e Jandira Feghali. A análise da votação dos candidatos é

particularmente importante, pois ambos apoiaram (e fizeram campanha) Eduardo Paes no segundo turno. A votação de

Crivella segue um padrão invertido da de Gabeira: é melhor nos bairros mais pobres e piora à medida que a renda

aumenta. Seu melhor desempenho é na Mangueira (36%) e o pior no Humaitá (4%). No canto esquerdo podemos ver

novamente um caso que destoa do padrão mais geral (São Conrado); que reforça a hipótese de que é o voto de muitos

moradores da Rocinha (reduto de Crivella) votam no bairro vizinho. A candidata do PCdoB obteve uma votação bem

distribuída pela cidade; oscilando entre 3% (Barra da Tijuca) e 13% (Sepetiba), com um desempenho um pouco inferior

nos bairros de maior renda.

No segundo turno, o padrão de voto de Gabeira se mantém: ele tende a ser melhor à medida que se aumenta a renda do

bairro. Mas seu bom desempenho deve-se, sobretudo, à ampliação da votação em bairros de menor renda, onde ele

obteve baixa votação primeiro turno. Eduardo Paes cresceu, sobretudo, nas áreas mais pobres da cidade. O Gráfico 4

mostra como ao padrão de voto do candidato do PMDB se alterou no segundo turno. A votação relativamente

homogênea do primeiro turno, deu lugar a uma votação com um padrão associado negativamente à renda: quanto

menor a renda do bairro, maior tende ser a votação do candidato. Um padrão inverso ao do candidato verde.

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Gráfico 3: Renda média dos bairros e voto dos candidatos Marcelo Crivella e Jandira Feghali no primeiro turno. Eleições

de 2008.

Fonte: Censo de 2010 e TSE.

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Gráfico 4: Renda média dos bairros e voto dos candidatos Eduardo Paes e Fernando Gabeira no segundo turno.

Eleições de 2010

Fonte: Censo de 2010.

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4. Território e voto

Nas duas seções anteriores observamos a segmentação sócio-espacial da cidade em relação à renda média da

população nos bairros, e a relação desta com a votação dos quatro candidatos do primeiro turno (Fernando Gabeira,

Eduardo Paes, Marcelo Crivella e Jandira Feghali), e a dos finalistas, Gabeira e Paes. Nesta seção analisamos os

padrões espaciais da votação dos candidatos, em particular a composição dos territórios eleitorais de cada um deles.

Há um grande número de técnicas que podem ser utilizadas para a representação, mensuração e análise das relações

espaciais. Empregaremos três: mapa de desvio-padrão, índice de autocorrelação espacial global de Moran (I de Moran)

e mapa de cluster (baseado nos indicadores locais de autocorrelação espacial).

O primeiro passo é avaliar como como a competição eleitoral se distribuiu geograficamente. Para este fim utilizamos os

mapas de desvio-padrão das votações dos quatro candidatos do primeiro turno (Mapa 3). Os mapas de desvio-padrão

mostram a dispersão da votação percentual dos bairros, em relação à média de todos os bairros. Pode-se observar que

as votações percentuais de Eduardo Paes, Marcelo Crivella e Jandira Feghali se superpõem em grande parte dos bairros

das regiões centro-norte e oeste da cidade. Entretanto, a intensidade é decrescente, conforme mostram as médias e

intervalos de desvio-padrão da distribuição de cada candidato apresentadas nas legendas. Entre parêntesis estão os

quantitativos de bairros em cada classe. Nos bairros da região litorânea, especialmente os da zona sul, Fernando

Gabeira predomina, com intensidade semelhante a da votação que Eduardo Paes recebe no lado oposto da cidade.

18  

Mapa 3: Mapas de desvio-padrão das votações percentuais de Eduardo Paes, Fernando Gabeira, Marcelo Crivella e Jandira Feghali nos bairros do Rio de Janeiro, no primeiro turno das eleições de 2008

19  

O segundo passo é observar o grau de concentração ou dispersão espacial da votação de cada candidato. Para avaliá-lo

empregamos o Índice de Moran, que é similar ao coeficiente de correlação de Pearson, e também varia no intervalo entre

1 e -1. Os valores positivos indicam autocorrelação espacial positiva (existência de clusters), e quanto mais próximo de 1,

mais agrupado regionalmente é o padrão. As votações dos quatro candidatos do primeiro turno são bastante

concentradas, como mostram os Índices da Tabela 2. Os padrões de Gabeira e Paes são mais concentrados que os

dois outros (autocorrelação espacial mais alta). Os índices altos se repetem para os percentuais de votos do segundo

turno, o que confirma o padrão de votação fortemente regionalizado. Ainda que os candidatos sejam bem votados em

praticamente todos os bairros, há clusters significativos formados por grupos de bairros vizinhos onde há o predomínio

de um deles.

Tabela 2: Índice de Moran dos percentuais de votos recebidos pelos candidatos nos Bairros

Turno Candidato I de Moran

Fernando Gabeira 0,67

Eduardo Paes 0,77

Marcelo Crivella 0,45

Jandira Feghali 0,52

2º Fernando Gabeira 0,75

Eduardo Paes 0,74

Fonte: TSE, IPP.

20  

Utilizamos os mapas de cluster para saber qual a conformação dos territórios eleitorais no segundo turno; e o índice de

Moran bivariado para medir a semelhança entre os padrões espaciais da votação dos candidatos e da renda dos bairros.

Mapas de cluster classificam a unidade espacial em quatro categorias: alto-alto, alto-baixo, baixo-alto e baixo-baixo. A

primeira variável refere-se ao percentual de votos no bairro em relação à média dos bairros, e a segunda refere-se aos

grupamentos de bairros e seus vizinhos, em relação à média destes grupamentos. Por exemplo, se o bairro é

classificado como alto-alto, a votação percentual é alta, em relação à média das votações nos bairros, e também a média

no grupo de vizinhos é alta. Uma quinta categoria refere-se às unidades não significativas para o teste.3

Os mapas da votação percentual de Fernando Gabeira e Eduardo Paes (segundo turno) e da renda média dos bairros

mostram que: o grupo de bairros (cluster) onde a votação de Gabeira é alta (tanto no bairro com nos bairros vizinhos) é

semelhante ao grupamento de bairros onde a renda é mais alta (bairro e vizinhança). O mesmo ocorre entre a votação

de Eduardo Paes e renda, no sentido inverso – clusters de votação alta e clusters renda baixa (Mapa 4).

Os índices de Moran bivariados são altos, e comprovam a forte correlação espacial negativa entre os padrões de

Gabeira e Paes (I= -0,74), positiva entre Gabeira e renda (I=0,64), e negativa entre Paes e renda (I= -0,62). A correlação

entre a renda dos bairros e a votação dos candidatos, identificada na seção 3, é também geográfica. A análise

geoespacial da relação entre as votações e a renda nos bairros revelou um padrão espacial estruturado em duas

grandes regiões que convergem para uma zona de transição onde não há predomínio nem de determinado candidato,

nem de valores extremos de renda.                                                                                                                3 Sobre autocorrelação espacial, Índice de Moran global (univariado e bivariado), mapas de cluster e matrizes de vizinhança, conferir (Smith, Goodchild, and Longeley 2007) e Terron (2009, 56-68). As estatísticas de Moran são amplamente empregadas na epidemiologia, na criminologia, e mais recentemente na sociologia e geografia urbanas, em especial nos estudos de segregação urbana e desigualdades sociais. Sua utilização nas análises político-eleitorais no Brasil vem crescendo, mas ainda é relativamente pouco difundida

21  

Mapa 4: Mapas de cluster e índices de Moran bivariados das votações percentuais de Fernando Gabeira e Eduardo Paes no segundo turno das eleições de 2008, e da renda média dos bairros segundo o Censo 2010 (*)

22  

Conclusão

As eleições de 2008, além de serem as mais disputadas da história recente do Rio de Janeiro, foram marcadas pelo fato

de alguns candidatos apresentarem padrões muito nítidos de votação, particularmente no segundo turno. Eduardo Paes

foi vitorioso em bairros que concentram a população de baixa renda e têm reduzido contingente de brancos; no mapa da

cidade, estes bairros aparecem no quadrante superior, em uma linha que vai da zona Oeste aos subúrbios da Leopoldina.

Fernando Gabeira, obteve altíssima votação nos bairros de maior renda e com maior contingente de brancos; áreas

concentradas na faixa litorânea e no entorno da Tijuca na zona norte da cidade.

O passo seguinte é ampliar a nossa análise para as outras eleições para prefeito realizadas na cidade: Será que o

padrão encontrado em 2008 se repete em eleições realizadas na cidade a partir de 1985? Se não, que padrões

encontramos? Existe alguma relação entre os padrões atuais e os encontrados nas duas eleições da década de

sessenta (1960 e 1965)?

Temos ainda um desafio de ordem metodológica. Sugerimos o uso do bairro como unidade de análise dos resultados

eleitorais. Mas ao longo da pesquisa nos damos conta de que em muitas áreas (particularmente com alta concentração

de favelas), os moradores de um bairro votam em seções eleitorais de bairros vizinhos. Nosso intuito é fazer um

minucioso levantamento junto ao TRE-RJ para identificar estas seções para aloca-las no bairro de residência.

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