1° cap - puentes

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Introduo

A cooperao internacional para o desenvolvimento tem desempenhado h mais de meio sculo papel significativo e especial nas relaes internacionais, tanto no plano bilateral quanto no multilateral. Dentre suas modalidades, destaca-se a cooperao tcnica, que representa parcela considervel do esforo global em prol do desenvolvimento. O Brasil participou da evoluo da cooperao tcnica internacional desde seus primrdios, primeiro, e por muitos anos, na condio de pas recipiendrio, participao de que resultaram contribuies pontuais, porm importantes para seu processo de desenvolvimento econmico. Com o correr dos anos, o Pas, no sem grandes esforos, evoluiu significativamente na construo de instituies maduras, de um Estado moderno e de estruturas produtivas complexas e capazes de contribuir para o avano econmico e social. medida em que atingiu patamares mais elevados no caminho do desenvolvimento, no aperfeioamento de suas instituies e no domnio de vastas reas do conhecimento sentiu-se o Brasil em condies de compartilhar parte dessas conquistas, algumas delas propiciadas ou impulsionadas pela cooperao recebida, com outros membros da comunidade internacional. Chamado a partir do final dos anos 1970 a tambm contribuir nos esforos da cooperao Sul-Sul, o Pas, sem renunciar completamente condio de recipiendrio, respondeu com participao incipiente, a princpio, mas31

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gradualmente progressiva, por meio da cooperao tcnica entre pases em desenvolvimento (CTPD), tambm conhecida como cooperao horizontal. A cooperao tcnica horizontal brasileira abrange atividades pontuais, proj e programas que envolvem transfer etos ncia, gerao e disseminao de conhecimentos tcnicos, experi ncias bem-sucedidas e capacitao de recursos humanos. Visa ao fortalecimento de instituies do pas recipiendrio com base no manancial de conhecimentos, experi ncias e boas prticas em reas e setores em que o Brasil ostenta nveis de excel internacionalmente ncia reconhecidos. A CTPD deve tambm ser entendida como um dos meios com que conta o Brasil para se afirmar no cenrio internacional. nessa perspectiva que se situa o obj do presente trabalho: analisar a cooperao horizontal brasileira eto como instrumento da ao poltica no plano internacional. O foco principal da anlise ser, pois o da medida da efetividade da CTPD como instrumento da poltica externa. A anlise procurar demonstrar a relev ncia da cooperao tcnica horizontal como vetor estratgico e instrumento para a poltica externa til brasileira. Examinar sua efetividade em estreita conexo com as diretrizes da PEB, sobretudo no que concerne ao obj de adensamento e de abertura etivo de novos vnculos com pases em desenvolvimento e ao desej de assegurar o presena positiva e crescente em regies de interesse considerado primordial. O tema se concentrar nos avanos verificados na rea no perodo de 1995 a 2005, os seus principais entraves e dificuldades e o grande potencial ainda a ser explorado nesse campo. As aes e programas de CTPD, ainda que com vocao universalista, em conson ncia com os pressupostos da cooperao Sul-Sul, t m-se desenvolvido de acordo com obj etivos gerais e reas geogrficas de atuao prioritrias, definidos pela diplomacia brasileira. Est presente preponderantemente na Amrica Latina e Caribe, na frica (sobretudo, mas no exclusivamente, nos pases de expresso portuguesa do continente), e em T imor-Leste. Sero analisados, nesse contexto, os progressos obtidos e a virtual e crescente ampliao do escopo, das reas e dos pases parceiros. Embora a execuo das aes de CTPD dependa de m ltiplos atores internos e externos, a participao governamental especificamente do I tamaraty central. Ela se d pela escolha dos pases com os quais se pretende realizar a cooperao e prossegue com a identificao das demandas, a negociao dos instrumentos e a coordenao das aes e32

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programas. Portanto, em que pese ao aspecto operacional da cooperao ser amplo e difuso, sua concepo, fundamentao e direcionamento esto mais restritos ao Ministrio das Relaes Exteriores, o que reforaria o seu carter instrumental para a poltica externa brasileira. O tema , por certo, abrangente. No entanto, o tratamento proposto dar ateno a alguns aspectos primordiais, especialmente concepo estratgica da cooperao Sul-Sul e natureza especfica da cooperao tcnica levada a cabo pelo Brasil j a pases em desenvolvimento. unto A efetividade da cooperao tcnica horizontal para a poltica externa est intimamente relacionada natureza prpria da CTPD brasileira. A implementao em bases no comerciais, desprovida, pois, de finalidades lucrativas e tambm desvinculada de condicionalidades polticas uma de suas especificidades. Outra caracterstica da CTPD brasileira aus de ncia componentes financeiros, uma vez que, como pas em desenvolvimento, o Brasil, tradicionalmente, no tem sido doador lquido de recursos. O trabalho defender o argumento de que, por essas caractersticas, a CTPD brasileira, baseada exclusivamente no aproveitamento e compartilhamento do manancial de tcnicas e do conhecimento acumulado em vrios campos em que o Brasil atingiu nveis de excel ncia, torna-se um instrumento bastante assimilvel pela sociedade. Mesmo quanto ao aspecto de seu impacto de resto muito baixo no oramento p blico, ainda que em face das presses oriundas de um quadro social interno pleno de car ncias. Cabe sublinhar que a presente dissertao defender a validade dos principais fundamentos desse tipo de cooperao, inclusive com o argumento de que essa natureza especfica da CTPD brasileira, to diversa da cooperao tradicional dos pases desenvolvidos (a dita cooperao vertical), constitui um dos elementos que lhe emprestam fora e atratividade. O trabalho tentar identificar a exist de possveis benefcios para a ncia poltica externa brasileira, colhidos em decorr da cooperao tcnica a ncia pases em desenvolvimento. O foco neste caso ser mais especfico na vertente poltica, em termos de proj internacional do pas e de adensamento de eo vnculos bilaterais, inclusive em termos de eventuais apoio e predisposio favorvel, da parte de pases parceiros recipiendrios da cooperao, a posies brasileiras em foros e organismos internacionais. E ser menos focado na vertente econmica, esta mensurvel em aumento da presena brasileira em outras reas no diretamente vinculadas cooperao (presena comercial, por exemplo). A vertente econmica, em termos de resultados,33

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parece ser, pelo menos por enquanto, menos pronunciada, j ustamente em funo da natureza no comercial da CTPD. O trabalho defender a hiptese de que, embora no haj relao linear e a automtica entre a cooperao tcnica isoladamente considerada e resultados polticos e econmicos, poder-se-iam contabilizar alguns frutos concretos da CT PD brasileira, mas no necessariamente imediatos ou de curto prazo. No intuito de se fixar uma delimitao mais precisa do tema, o trabalho circunscreve-se, como j assinalado, cooperao tcnica horizontal levada a cabo pelo Brasil com outros pases em desenvolvimento e sua inter-relao direta e indireta com a poltica externa. A presente dissertao no versar, portanto, sobre outras modalidades de cooperao como a econmica, financeira, educacional, cientfica e tecnolgica, embora, nestes dois ltimos casos, a fronteira pode revelar-se, por vezes, t e varivel, fator que certamente ser obj de considerao nue eto e requerer esclarecimento no trabalho, sobretudo quanto ao aspecto conceitual. T ampouco versar o trabalho sobre a cooperao recebida pelo Brasil, sej a em sua vertente bilateral, sejno a mbito multilateral, salvo naqueles aspectos em que haj interconexo direta da mesma com a cooperao prestada pelo Pas. a No constaro da dissertao ainda refer ncias s aes e iniciativas de assist ncia humanitria, que, por seu carter quase sempre emergencial e de natureza por vezes vertical e/ unilateral, no se confundem com a cooperao tcnica. ou Conforme j referido, o trabalho envolver a anlise da cooperao prestada a pases em desenvolvimento no perodo de 1995 a 2005. Embora no pretenda estudar em profundidade e com detalhes cada um dos casos, servir-se- do conj de aes e programas, mediante exame global com unto componentes comparativos, de modo a fundamentar as hipteses e linhas de argumentao a serem defendidas. Por fim, importante assinalar que as aes de cooperao tcnica obj eto de anlise neste trabalho referem-se exclusivamente cooperao de natureza oficial, que, mesmo executada, na prtica, por instituies brasileiras diversas em pases parceiros, tem participao importante da ABC1.1

Convm assinalar, a esse respeito, que existem tambm mecanismos de cooperao tcnica interinstitucional, sobretudo, mas no exclusivamente, entre instituies universitrias e centros de pesquisa brasileiros e de alguns pases em desenvolvimento, que muitas vezes se processam fora do contexto oficial, sem o conhecimento ou qualquer participao da ABC. Entende-se que esse fluxo de cooperao tcnica no oficial no representa, de todo modo, volume, escala ou impactos significativos, e no ser obj de estudo neste trabalho. eto

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O trabalho constar de cinco captulos, nos quais sero analisados os vrios aspectos conceituais, histricos, factuais e prospectivos da cooperao tcnica horizontal brasileira, com ateno sua correlao com a poltica externa. O primeiro captulo versar sobre a cooperao tcnica horizontal. Procurar-se- situar essa modalidade de cooperao no arcabouo maior da cooperao para o desenvolvimento. Entende-se essencial situar historicamente a CTPD e analisar as razes de seu surgimento e suas especificidades em relao a outras vertentes da cooperao para o desenvolvimento cooperao financeira, cientfica e tecnolgica, assist ncia humanitria. T ambm se procurar analisar suas motivaes e seus aspectos conceituais, sobretudo sua inter-relao com a poltica externa. Neste aspecto, importante ressaltar que, embora exista literatura significativa, sobretudo no mbito internacional acerca da correlao entre cooperao tcnica e desenvolvimento, constata-se baixa incid ncia de estudos especficos que tratem da relao entre cooperao tcnica e poltica externa. O tratamento do tema da cooperao tcnica horizontal como instrumento de poltica externa, quer no campo acad mico quer no institucional, ainda mais deficiente. A parte final desse captulo inicial ser, portanto, mais conceitual, pois sua inteno estabelecer o contexto terico em que se pretende abordar a CTPD brasileira e sua relao direta com a poltica externa. No captulo 2, apresentar-se- o quadro em que se insere a cooperao horizontal do Brasil, suas origens especficas, seu escopo e reas, os aspectos institucionais e o papel central da Ag Brasileira de Cooperao (ABC) ncia e os entraves e dificuldades institucionais. T entar-se- verificar como o papel da Cooperao Tcnica I nternacional (CTI no Brasil vem alterando seu ) foco, desde os anos 1980. De pas predominantemente recipiendrio da cooperao Norte-Sul, foi alado pouco a pouco condio de pas prestador no mbito da cooperao Sul-Sul. O captulo abordar ainda aspectos relevantes da natureza e especificidade da CTPD brasileira. Alm de sua ess ncia no lucrativa e desvinculada e de condicionantes econmicos e comerciais, sero explicitadas a estrutura e as reas de concentrao da cooperao tcnica horizontal brasileira, cuj aes e iniciativas envolvem as m ltiplos setores e vastos segmentos do conhecimento. A ABC, ponto focal da cooperao brasileira, ser obj de anlise especfica nesse captulo, eto bem como as dificuldades na implementao das aes, quer no plano domstico brasileiro, quer no mbito dos pases recipiendrios.35

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O captulo 3 tratar da evoluo das aes de CTPD no perodo compreendido entre 1995 e 2005. Verificar a distribuio geogrfica e temtica da CTPD brasileira, e sua linha evolutiva. No se deter necessariamente em casos especficos, j que escaparia delimitao do tema e aos limites de extenso previstos, mas servir-se- do conj de unto dados disponveis, obtidos mediante extenso e amplo esforo de pesquisa documental para contribuir na fundamentao das hipteses defendidas. No captulo 4, procurar-se- situar a cooperao tcnica horizontal brasileira no plano global. Sero abordadas tambm as modalidades da CTPD que demandam maior articulao e concertao no nvel internacional: a cooperao tcnica triangular e a abordagem multilateral. O captulo se utilizar de alguns elementos comparativos para situar a cooperao tcnica horizontal brasileira no contexto mundial. Procurar-se- demonstrar que ela tem pouqussimos paralelos no mundo em desenvolvimento. No quinto e ltimo captulo, ser analisada a cooperao tcnica horizontal em suas dimenses estratgicas e polticas. Caber, nesse ponto, identificar as correlaes existentes entre a cooperao tcnica prestada e as diretrizes da poltica externa brasileira. Para tanto, ser necessrio vislumbrar a presena da CTPD no mbito do discurso diplomtico, os critrios e prioridades estabelecidos na alocao da cooperao, sua distribuio segundo par metros geogrficos e temticos. Ser examinado se a CTPD tem sido utilizada em toda sua potencialidade ou se est subutilizada como instrumento poltico. Caber tambm indagar em que medida as aes e programas estabelecidos t seguido uma estratgia pr-definida ou se apenas tendem m a se adaptar s circunst ncias da agenda diplomtica. Ser tambm abordada, nesse captulo, a questo da assimilao pela sociedade brasileira da cooperao prestada pelo Brasil a outros pases, em face do quadro social interno e respectivas demandas, tpicas de pas em desenvolvimento, e o custo representado pela cooperao Sul-Sul, ainda que relativamente baixo. O captulo 5 tentar, ainda, verificar em que medida a cooperao mostrase efetiva como instrumento da ao externa. Embora sej difcil contabilizar a frutos concretos e imediatos, deve-se ter em conta, especialmente, a perspectiva de mdio e longo prazo e o papel da CTPD como forma de adensamento das relaes bilaterais com os demais pases em desenvolvimento e de proj da presena e da imagem brasileira no mundo. eo A concluso tentar extrair de todos os captulos as matrizes essenciais de sustentao das hipteses aventadas. Essencialmente, a linha defendida 36

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de que a CTPD constitui instrumento para a poltica externa brasileira, til embora estej ainda subutilizada e necessite aperfeioamento, mediante a a superao de gargalos m ltiplos inclusive institucionais, e de maior planej amento estratgico, para tornar-se crescentemente mais efetiva.

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Ca o 1 p tul A Coop ra e o T nia Horionta c c z l

O termo Cooperao Tcnica I nternacional (CTI tal como se pretende ), utilizar no presente trabalho, constitui uma das vertentes e modalidades clssicas da Cooperao para o Desenvolvimento, j untamente com a Cooperao F inanceira (CF e a Assist ) ncia Humanitria (AH), entre outras. A CTI tambm entendida como parte da Assist Oficial ao Desenvolvimento ncia (AOD)2. Para os obj etivos deste trabalho, essencial delimitar a natureza e especificidade da Cooperao Tcnica (CT) e, mais, ressaltar-lhe e distinguir-lhe a caracterstica horizontal (ou CTPD - cooperao tcnica2

O termo AOD, consagrado, sobretudo entre pases doadores membros do CAD (Comitde Assist ncia para o Desenvolvimento da OCDE), onde se originou, e utilizado tambm nos organismos internacionais, dos mais frequentes na literatura sobre cooperao internacional. Refere-se basicamente cooperao entre governos de pases desenvolvidos (PD) e pases em desenvolvimento (PED), ainda que implementada por organismos internacionais. O conceito de AOD evoluiu desde sua criao em 1972, para incluir crescentemente formas diversas de transfer ncia de recursos de pases desenvolvidos para os PED de modo a facilitar o alcance, pelos primeiros, dos ndices mnimos de assist ncia recomendados pela OCDE e medidos em percentuais relativos ao PNB do pas doador. I nclui atualmente uma variedade de modalidades, emprstimos e crditos (desde que concessionais mnimo de 25% de elemento concessional), perdo de dvidas, doaes, cooperao tcnica, assist ncia humanitria, aj alimentar e uda auxlios a refugiados acolhidos nos pases doadores. A AOD, pelo menos na origem dos recursos, entendida como governamental (oficial ou p blica), ainda que possa, em alguns casos, ser repassada a ONGs e outras entidades desde que para aplicao dos recursos nos pases recipiendrios. F ontes (OCDE, 1992, ALONSO, 2005).

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entre pases em desenvolvimento), em contraposio CTI tradicional (ou vertical, ou sej estabelecida entre pases desenvolvidos e pases a, em desenvolvimento). Entretanto, no que respeita origem da Cooperao Tcnica I nternacional, a sua evoluo histrica, motivaes e propsitos, no se pode, sob pena de perder perspectiva, dissoci-la completamente da Cooperao para o Desenvolvimento lato sensu, ou sej a espcie (CTI do g a, ), nero (Cooperao para o Desenvolvimento). Dessa forma, nos itens seguintes, tentar-se- explicitar brevemente os conceitos elementares e a evoluo histrica da Cooperao para o Desenvolvimento, com nfase na CTPD. 1.1. A Cooperao para o Desenvolvimento: Conceitos bsicos e evoluo histrica A Cooperao para o Desenvolvimento nasceu em meados do sculo XX, mais precisamente no final dcada de 1940 e incio da seguinte. Portanto, um conceito relativamente recente em termos da histria das relaes internacionais. Sua origem est indelevelmente ligada ao final da Segunda Guerra M undial, ao Plano M arshall, criao das Naes Unidas e das instituies de Bretton Woods, e descolonizao. Quanto s motivaes da cooperao para o desenvolvimento, houve, desde o incio, por parte dos principais atores envolvidos (os pases doadores, sobretudo) uma combinao de fatores polticos, econmicos, sociais, geoestratgicos, ideolgicos, morais e ticos. O peso e a import de cada um desses elementos motivacionais variaram ao longo ncia dos anos e, de certa forma, condicionaram e moldaram a cooperao para o desenvolvimento, bem como a escolha dos pases e setores beneficirios e o grau de prioridade a eles atribuvel (DEGNBOLM ARTI NUSSEN, 2004, cap. 2). No incio e at o final dos anos 80 preponderaram, na prtica, como elementos motivacionais, na tica do doador, os fatores de segurana militar, poltica e econmica, nem sempre inteiramente admitidos, mesmo que se procurasse atribuir, invariavelmente, no nvel do discurso, import ncia aos imperativos ticos e altrusticos, apenas em parte genunos. A evoluo do cenrio internacional determinou o aj das uste40

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prioridades e alterao das motivaes da cooperao para o desenvolvimento.3 Alm dos motivos, tambm influiu sobre as polticas de cooperao para o desenvolvimento, embora em grau menor, o pensamento preponderante em cada momento, entre os pases centrais, acerca do conceito de desenvolvimento e a melhor forma de alcan-lo. A evoluo das prticas e as prprias caractersticas da cooperao para o desenvolvimento refletem, em boa medida, a interconexo entre esses dois fatores complexos e no lineares, o motivacional e o do pensamento predominante sobre o desenvolvimento. 1.1.1 A classificao da Cooperao para o Desenvolvimento De forma sucinta, pode-se classificar a cooperao para o desenvolvimento, de acordo com quatro critrios bsicos: segundo a origem, canais de execuo, instrumentos e o nvel de desenvolvimento dos pases envolvidos (ALONSO, 2005). No critrio da origem, a cooperao pode ser oficial (p blica) ou privada. A oficial financiada com recursos governamentais. A privada custeada com recursos no p blicos, ou sej de empresas, associaes, fundaes a, privadas, ONGs, indivduos. Naturalmente, pode haver sempre combinaes das duas origens, mas a tend de que uma delas predomine.4 ncia Quanto aos seus canais de execuo, a cooperao para o desenvolvimento pode ser bilateral, triangular (ou trilateral), multilateral, descentralizada, e mediante ONGDs. Admite-se aqui tambm a possibilidade de formas mistas com a combinao de um ou mais canais de execuo. A cooperao bilateral pressupe execuo entre dois governos (o doador e o receptor), incluindo suas ag ncias oficiais, e o repasse de recursos diretamente de um para outro ou para entidades designadas pelo pas receptor. A cooperao triangular ou trilateral aquela empreendida por dois atores (dois pases ou umPara ilustrar o peso dos fatores geoestratgicos, um dos momentos de maior inflexo de tend ncia anterior de crescimento da cooperao para o desenvolvimento veio com final da Guerra F De fato, houve um declnio do volume de AOD nos anos 1990, com o final da ria. Guerra F quando boa parte dos pases desenvolvidos, com os EUA frente, determinaram a ria, reviso da cooperao aos PED, o que guarda estreita correlao com os aspectos motivacionais geoestratgicos e polticos. 4 De um modo geral, quando h recursos p blicos envolvidos, ainda que no em sua totalidade, a cooperao tende a ser entendida, para todos os efeitos, como oficial.3

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pas e um organismo internacional) em um terceiro pas (em desenvolvimento). A cooperao multilateral pressupe execuo levada a cabo por organismos e ag ncias intergovernamentais multilaterais, que podem atuar financiadas pelos prprios oramentos, ou com recursos transferidos dos pases doadores. A cooperao descentralizada diz respeito quela levada a cabo por entes subnacionais (estados e municpios numa federao, por exemplo) ou por entidades e instituies p blicas como centros de pesquisa, universidades etc. Por fim, existe a cooperao executada por ONGs de Desenvolvimento (ONGD), aquela que, independentemente de sua origem, implementada por entidades no p blicas, que, alm das organizaes no governamentais clssicas, podem incluir fundaes e outros atores da sociedade civil e da iniciativa privada. De acordo com seus instrumentos, a cooperao para o desenvolvimento se divide em Cooperao F inanceira (CF Cooperao Tcnica (CT), ), Assist Humanitria (AH) e Aj Alimentar. Conforme se ver mais ncia uda adiante, h certa tend ncia a agrupar na CT instrumentos especficos de cooperao que mereceriam classificao parte, como a Cooperao Cientfica e T ecnolgica, a Cultural e a Educacional. 1.1.2 A evoluo da Cooperao para o Desenvolvimento Podem-se distinguir, g rosso modo, sem prej uzo de nuances mais diversificadas, ao menos quatro fases na evoluo da cooperao para o desenvolvimento: a primeira cobriria as dcadas de 1950 e 1960, a segunda compreenderia a dcada de 1970, a terceira, os anos 1980, e a quarta e mais recente, de 1990 em diante. 1121Fase das L unas ( c ... ac d adas de 1 5 e 1 6 ) 90 90 A primeira fase poderia tambm ser denominada de F do Preenchimento ase de Lacunas (BROW NE, 2006, p. 24)5, assim classificada em razo do pensamento econmico prevalecente poca. Por esse pensamento, o caminho para o desenvolvimento estaria obrigatoriamente associado necessidade de investimentos macios de capital nas economias subdesenvolvidas, que tinham escassez relativa desse fator de produo, mas dispunham, em geral, em certa abund ncia, dos outros (matria prima e mo-de-obra).5

Do ingl g f ng s ap i . lli

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Nessa tica, de ps-guerra, muito influenciada pelos esforos bem-sucedidos do Plano Marshall e da reconstruo da Europa, desenvolvimento e crescimento econmico eram quase sinnimos. De inspirao k nesiana6, a forma de ey cooperao proposta agregava ainda o pressuposto de Rostow, de que a primeira condio para o arranque 7 de uma economia subdesenvolvida seria o aumento na taxa de investimento (ROST OW, 1960). Como os PED (na poca, chamados mesmo de subdesenvolvidos) no dispunham de poupana interna suficiente, a soluo seria a entrada do capital exgeno, mediante assist externa. Por ncia conta desse pressuposto, caberia aos pases doadores preencher a lacuna de capital existente. Nessa fase, a tentativa de industrializao viabilizada, em muitos casos, pelos programas de substituio de importaes concentra a ateno prioritria da aj ao desenvolvimento. uda Da mesma forma, dadas as insuficientes reservas de conhecimento nos pases em desenvolvimento (representadas por defici ncias em mo-de-obra especializada, bem como fragilidade organizacional e institucional), outra lacuna, a tcnica, seria preenchida via assist tcnica8, dando, assim, aos ncia PED condies de absorver os capitais inj etados (BROW NE, 2006, p. 29). Portanto, luz dos paradigmas dominantes, a assist ncia externa era considerada fator essencial para promover o desenvolvimento. Os esforos foram centrados em proj de envergadura, sobretudo de infra-estruturas etos produtivas, que requeriam grandes aportes de capital. Essa fase foi marcada ainda pelo acirramento das rivalidades Leste-Oeste. A cooperao para o desenvolvimento foi de fato utilizada pelas grandes pot ncias para manter alianas estratgicas e influ poltica sobre os pases ncia de sua rbita. Desde o incio, a assist externa tambm esteve vinculada ncia promoo do comrcio e dos interesses econmicos dos doadores. 96 O pensamento de J May ohn nard Key em muito influenciou a primeira gerao de formuladores nes de assist ncia ao desenvolvimento. Key tambm foi, convm recordar, um dos arquitetos das nes instituies de Bretton Woods. 7 Segundo as postulaes de Rostow, para se atingir a fase de arranque ou tak of seria necessrio e f investir grande volume de capital (altas taxas de investimento de capital em relao ao produto interno, na base de pelo menos 10% do PI durante 10 a 15 anos para que ento o crescimento se B), tornasse autossustentvel. 8 O termo assist ncia tcnica prevaleceu no ambiente da AOD at a dcada de 1970, quando foi substitudo por cooperao tcnica, por presso dos pases do Sul, nos foros das Naes Unidas, j que consideravam a acepo original quase pej orativa em relao soberania e auto-estima dos PED. O termo cooperao refletiria melhor a relao estabelecida entre dois ou mais Estados soberanos. 9 Como exemplo, cite-se uma demonstrao inequvoca de realp ti, olik quando o Presidente Nixon, em 1968, diz aos seus compatriotas: dev lemb v q o mai obetio da Aj ameriana o rar-os ue or j v uda c n aj o udar outras na es, mas aj udar- a n mesmos. F nos s onte: (ALONSO, 2005, p.26).

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1122Fase da Di ... mens S i ( o ocal anos 1 7 ) 90 No incio nos anos 1970, os analistas da assist para o desenvolvimento ncia do-se conta de que h falhas evidentes no modelo baseado no preenchimento de lacunas. Os influxos de capital, por insuficientes (na viso de alguns recipiendrios), por mal aplicados ou aproveitados (na viso, algo reducionista, de alguns doadores), ou por falta de condies endgenas adequadas, no conseguem prover os PED da necessria condio de arranque de suas economias, muito menos lhes permitem atingir o crescimento autossustentvel. Evidenciam-se, ento, outros problemas relacionados ao desenvolvimento que vo alm da mera defici de capital. As teorias desenvolvimentistas ncia ganham visibilidade e o argumento da depend das economias perifricas ncia em relao s economias centrais, bem como outros aspectos do processo de desenvolvimento so lembrados. As variveis populao e meio ambiente 10 so introduzidas na anlise. A dimenso social do desenvolvimento comea a se impor, uma vez que j se menciona a necessidade de se obter crescimento com redistribuio de renda. De fato, nos casos em que a cooperao para o desenvolvimento pareceu mostrar resultados factveis, e teria contribudo, j com outros unto fatores endgenos, naturalmente, para o crescimento, este no se faz acompanhar da diviso dos benefcios auferidos. 11 Pela primeira vez, a luta contra a pobreza, a situao marginal da mulher e os indicadores sociais bsicos ganham relevo nos esforos analticos da aj externa para o desenvolvimento. uda Essas novas variveis so, de certa forma, incorporadas doutrina predominante da cooperao para o desenvolvimento, at mesmo em virtude de presso de vozes nos pases em desenvolvimento, mas, sobretudo por conta de algumas correntes intelectuais do Norte, que acabam por esposar, ainda que apenas parcialmente, essas ideias.12A Confer ncia das Naes Unidas sobre Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo, apoiada pelos PD, mas vista com certa desconfiana e ceticismo pelos PED, receosos de que a temtica ambientalista obstrua suas aspiraes de crescimento e desenvolvimento. 11 O Brasil citado por Browne como exemplo nesse sentido, por ter experimentado nas dcadas de 1960 e 1970 crescimento com concentrao de renda (Browne, 2006, p.31). 12 O I tute f Dev ment S es, de Brighton, Gr-Bretanha, e a OI foram, de certa nsti or elop tudi T forma, pioneiros nos estudos que recomendavam a incorporao da dimenso social na cooperao para o desenvolvimento. O Banco M undial, de forma inicialmente hesitante, incorpora alguns desses elementos em seus relatrios.10

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A graduao, um ingrediente novo, com impacto significativo, ento adicionado forma e distribuio da AOD. Os mecanismos de graduao formulados pelo Comitde Assist ncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE, que re os pases industrializados doadores, foram criados em ne 1969, para supostamente priorizar a cooperao aos pases mais necessitados. Por esse mecanismo, listas de pases potencialmente receptores de AOD so atualizadas periodicamente, de acordo com o nvel de renda p c i 13 er apta. Na prtica, essa categorizao representou uma forma de vedao parcial do acesso de pases em desenvolvimento de renda mdia AOD. A graduao estabelecida, apesar de ter gerado retic ncias de alguns pases, como o Brasil, acabou por balizar o comportamento dos PD na escolha dos beneficirios da cooperao para o desenvolvimento. Em resumo, se na primeira fase poder-se-ia falar de quantidade de assist ao desenvolvimento, na segunda, insinua-se o fator qualitativo dessa ncia assist Alm do elemento social que impulsiona a cooperao nos campos ncia. da sa e da educao, certa de nfase tambm atribuda aos esforos na agricultura e nas reas rurais. Em um ambiente internacional ainda marcado pela Guerra F e pelas ria reas de influ ncia, a segunda fase experimenta aumento significativo da cooperao multilateral, especialmente por parte do Banco M undial e das Ag ncias das Naes Unidas, com o aval dos Estados Unidos. Os pases nrdicos, o Canad e os Pases Baixos ingressam com fora no sistema de cooperao. De parte do chamado T erceiro M undo, assiste-se ao clamor por uma Nova Ordem I nternacional. O movimento no alinhado ganha visibilidade e expresso, e os primeiros apelos pela cooperao Sul-Sul se fazem ouvir. 1123Fase do Aj Estrutural ( ... uste Anos 1 8 ) 90 A terceira fase ocorre j nos anos 1980. marcada pelos efeitos das crises do petrleo na dcada de 1970 e da recesso decorrente nos PD. E nos PED, pela dificuldade de equilibrar as contas externas, muito em funo13 O mecanismo de graduao foi institudo pelo CAD composto atualmente por 23 pases em 1969 e divide os pases receptores de AOD em listas, de acordo com indicadores socioeconmicos pr-estabelecidos, mas, sobretudo baseados na renda per capita. Atualmente existem cinco categorias de receptores (o Brasil situa-se na pen ltima categoria em prioridade para receber aj ou sej considerado pas de renda mdia de faixa superior). uda, a,

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do peso da dvida externa crescente e das receitas de importao declinantes, parcialmente em razo da queda acentuada dos preos das matrias primas.14 A cooperao para o desenvolvimento sofre, por parte dos doadores, redues drsticas e , ao mesmo tempo, reorientada para os chamados aj estruturais. O Banco Mundial inaugura a modalidade de emprstimo ustes de aj estrutural com a Colmbia em 1980, que depois estendido a uste outros pases. O F recomenda reorientaes fiscais rgidas e, sobretudo, MI medidas radicais de equilbrio das balanas de pagamentos, ao mesmo tempo em que acena com emprstimos com enormes condicionalidades. I naugurambito dos programas se o chamado Consenso de Washington15 que, no de cooperao para o desenvolvimento, exerce grande influ sobre os ncia doadores. E induz a se colocar um pouco de lado a luta contra a pobreza e os obj etivos sociais, transferindo a nfase estabilidade macroeconmica e reduo da interveno do Estado. Na verdade, em funo desse quadro, a cooperao para o desenvolvimento passa a atender antes aos obj etivos do Norte de salvar o sistema financeiro internacional, mediante concesso, aos pases do Sul, de emprstimos com condicionalidades, de modo a permitir-lhes honrar seus compromissos j unto s instituies financeiras privadas, do que propriamente aos anseios do Sul pelo desenvolvimento sustentvel. A retrao provocada produz na Amrica Latina e na frica nos anos 1980 a dcada perdida. Na frica, em especial, as condies sociais se deterioram drasticamente. Possveis ganhos anteriores com a cooperao para o desenvolvimento so prej udicados. Aes de assist humanitria ncia passam a competir com a AOD e substitu-la em alguns casos. Nessa dcada, um novo ator surge no cenrio da cooperao para o desenvolvimento: as Organizaes No Governamentais (ONGs), que, a partir de ento, e atuando,14 Por conta dos petrodlares gera-se grande liquidez internacional de capital, que por sua vez estimula a concesso de emprstimos a pases em desenvolvimento, que se endividam rapidamente. Na sequ ncia, ocorre uma recesso (ou, melhor dito, staglati f on) nos pases do Primeiro M undo e a elevao extraordinria dos custos de financiamento externo. Esses fatores, aliados queda acentuada nos preos das matrias primas, acabam por gerar nos PED um estrangulamento pelo peso da dvida externa e pela incapacidade de equilibrar as contas externas. 15 Trata-se de comp ndio de recomendaes macroeconmicas dos PD e das principais instituies financeiras multilaterais, de cunho fortemente ortodoxo ou neoliberal, que se baseia em total confiana nas foras do mercado e na retrao da atuao do Estado. I nclui, entre outros postulados, a abertura da economia (com a liberalizao de importaes e livre entrada de investimentos externos), a privatizao, desregulamentao, reforma fiscal e proteo da propriedade privada e intelectual.

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primeira e primordialmente no campo humanitrio, aos poucos se multiplicam, vindo nas dcadas posteriores a atuar tambm, alm da aj humanitria, uda nas demais aes de cooperao. A efetividade da cooperao para o desenvolvimento tal como conhecida comea a ser questionada fortemente tanto pelos pases e instituies doadores quanto pelos pases recipiendrios. Se nos perodos anteriores houve pontos de consenso mnimo sobre a cooperao para o desenvolvimento, nos anos 80 eles so desfeitos. 1124Fase do Ap s Guerra Fri e da Boa Gov ... a ernan ( 1 9 a de 9 0 em di ante) A quarta fase da Cooperao para o Desenvolvimento se inicia com a queda do muro de Berlim e o final da Guerra F A consequ imediata ria. ncia desse rearranj no cenrio internacional a reduo, em boa medida, da o motivao geoestratgica por parte dos principais pases doadores (Estados Unidos, Reino Unido e J apo, especialmente) que j ustificasse a continuao da AOD nos nveis anteriores. Com isso, em um primeiro momento sobreveio mais uma reduo do volume da cooperao para o desenvolvimento por parte daqueles pases. Alguns dos outros pases europeus (F rana, I tlia, 16 entre outros ) seguiram o exemplo, no que Browne qualificou de cansao ou desgaste da aj (ai f g uda d atiue).17 Para agravar o cenrio, parte significativa da AOD foi reorientada para os pases do Leste europeu e da sia Central, antes na rbita sovitica e, assim, os pases da antiga cortina de ferro, incluindo a prpria URSS, passaram de doadores a receptores. Os critrios de graduao institudos na dcada de 1970 so ampliados, a partir de 1993, e as listas de graduados passam a incluir cinco categorias de pases, classificados por nvel de renda per capita. A graduao tem o efeito de reduzir ainda mais o acesso dos pases considerados de renda mdia cooperao para o desenvolvimento, sobretudo a cooperao financeira.Essa tend ncia de reduzir os montantes da AOD acaba, ao longo dos anos seguintes, a se manifestar tambm, ainda que em menor escala, entre os pases nrdicos, os Pases Baixos e o Canad. 17 A expresso chegou mesmo a ser utilizada por alguns representantes dos PD em foros internacionais sobre cooperao para o desenvolvimento (Browne, 2006, p. 34).16

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No campo poltico, ainda como resultante do final da Guerra F eclodem ria, conflitos tnicos e religiosos em vrias regies, que passam, em certo grau, a tomar o lugar da extinta rivalidade Leste-Oeste nas consideraes de segurana estratgica dos Estados Unidos e seus parceiros da OT AN. O aumento de instabilidade, os conflitos referidos e as decorrentes catstrofes humanas fazem despontar, mais uma vez, a preocupao com a Assist ncia Humanitria e com novas reas de cooperao (preveno de conflitos, democracia preventiva, recuperao ps-conflito), em prej da cooperao uzo para o desenvolvimento. A percepo dos principais pases doadores e das ag ncias multilaterais internacionais, por eles fortemente influenciadas, era a de que a AOD se mostrava ineficiente por conta de tr fatores principais, atribuveis aos prprios s PED: falta de comprometimento dos pases receptores em tornar a AOD efetiva, mediante reforma de processos internos, desvios da aj para outros uda fins que no os estabelecidos e corrupo end mica. Surge, ento, um novo paradigma na doutrina e na prtica da cooperao para o desenvolvimento, a assim chamada questo da boa governana, que passa a assumir papel central nas consideraes de aj uda. 18 Da lavra dos PD, a boa governana ou pelo menos o compromisso em torno de sua consecuo torna-se condicionalidade poltica relevante para a concesso da AOD. A aplicao do critrio de boa governana como condicionante da AOD poderia ensej certa ambiguidade, sobretudo com relao aos quesitos ar democracia e a governana efetiva, que nem sempre so lineares.19 Na prtica, o paradigma da boa governana sacramenta a tend ncia mais recente, entre os PD, de atribuir a responsabilidade pelo processo de desenvolvimento aos prprios PED, na assuno de que os fluxos

Segundo a ltima definio do Banco M undial (2005), a boa governana deve incluir ao menos sete dimenses: democracia participativa, responsabilizao (ac ountabli ), estabilidade c i ty poltica e aus de viol ncia ncia, efici governamental (ao menos sua percepo pelos cidados), ncia marco regulatrio estvel, imprio da lei (rule of law) e transpar ncia (que implica controle da corrupo). O conceito , porm, din mico e tem evoludo no sentido de incorporar outras dimenses. 19 A China, por exemplo, qualificar-se-ia em muitos dos quesitos da boa governana (especialmente na efici ncia da aplicao dos recursos), embora no necessariamente nas dimenses polticas do termo, dadas as alegaes de desrespeito aos direitos humanos. Esse dado no a impediu de receber generosas parcelas de AOD nos anos 1990 (Browne, 2006, p. 38).18

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internacionais privados de capitais e de comrcio devem assumir o primeiro plano dos esforos pelo desenvolvimento. Nesse pressuposto, a AOD deve atuar apenas como catalisadora desses fluxos, ao mesmo tempo em que promove a boa governana e as condies para que o capital privado encontre campo frtil. O corolrio disso a diminuio da cooperao internacional nos setores produtivos (supostamente a cargo dos investidores externos) e sua concentrao em setores em que o mercado no atua: sa educao, de, saneamento bsico, entre outros, o que no deixa de ser preocupante, na tica dos PED. As crises econmicas no Sudeste Asitico, e subsequentemente na R ssia e na Amrica Latina, no ltimo tero da dcada de 90 e a incapacidade do receiturio neoliberal de reduzir a pobreza colocaram em cheque o Consenso de Washington. Um paradigma reformado para a cooperao se estabelece. menos rgido, mas ainda promove as virtudes do livre mercado e da liberalizao, reservando, porm, ao Estado, nos PED, atribuies e prerrogativas nas reas de educao bsica, sa segurana p de, blica, proteo ambiental e formulao de polticas econmicas, para o que so necessrias instituies fortes. A cooperao para o desenvolvimento, por essa tica, deve tornar-se ento mais seletiva e contribuir para o desenvolvimento de capacidades. A erradicao da pobreza volta a assumir alguma import ncia entre os obj etivos declarados da cooperao, explicitamente definida em 1995, na Confer sobre Desenvolvimento ncia 20 O, Social, em Copenhague (ARM I 2001). No incio do presente sculo, dois temas ganham especial destaque no debate sobre a cooperao para o desenvolvimento: os Obj etivos de Desenvolvimento do M il (ODM ) e o terrorismo internacional. Os nio Obj etivos do M il re nio nem oito grandes temas21, sendo o primeiro a

Na referida confer ncia, foi aprovada a proposta 20/ concebida pelo PNUD, pela qual os 20, PD doadores acordavam destinar ao menos 20% da AOD aos esforos de reduo da pobreza. Em contrapartida, os PED receptores se empenhariam em destinar ao menos 20% do oramento p blico para o mesmo fim, mediante aplicao em servios sociais bsicos como educao fundamental, sa saneamento, segurana alimentar. de, 21 Os Obj etivos de Desenvolvimento do M il (ODM ) so oito: 1. Reduo da pobreza; nio 2. Universalizao do ensino bsico; I 3. gualdade entre os sexos e autonomia da mulher; Reduo 4. da mortalidade infantil; M elhoria da sa materna; Combate ao HI AI malria e a 5. de 6. V/ DS, outras doenas end micas; Garantia da sustentabilidade ambiental; 8. Estabelecimento de 7. e uma parceria mundial para o desenvolvimento. Para cada um dos obj etivos h metas prestabelecidas, num total de 18 metas.20

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reduo da pobreza. Os ODM foram devidamente incorporados, como norteadores de prioridades, ao menos no plano do discurso, entre os compromissos de cooperao para o desenvolvimento dos principais pases doadores. AAOD tampouco ficou inclume aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001. O combate ao terrorismo ganhou, a partir de ento, ao menos por parte de dois doadores importantes, os EUA e o Reino Unido, papel relevante na formulao e, sobretudo, na distribuio da cooperao para o desenvolvimento. As motivaes geoestratgicas e de segurana voltaram com fora entre os imperativos da AOD. A Confer ncia de M onterrey de 2002 (sobre o financiamento do desenvolvimento)22 reitera entendimento anterior de que da responsabilidade dos governos dos prprios PED obter progressos no caminho do desenvolvimento.23 M onterreyproduziu alguns compromissos de parte dos doadores: a) aumentar o volume da AOD com a reiterao de recomendao j existente no mbito do Comitde Assist ncia para o Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que cada PD deve alocar o equivalente a 0,7% de seu PNB para esse fim, sendo pelo menos 0,15% para os pases de menor desenvolvimento 24 uda, relativo (PM D); e b) melhorar a qualidade da aj por meio de maior harmonizao de procedimentos, reduo da cooperao atada (ti Ai 25, ed d) utilizao, quando apropriados, dos instrumentos de apoio ao oramento, focalizao da assist na reduo da pobreza e melhoria da mensurao ncia de resultados. Captulo sobre estabilidade e segurana foi acrescentado, muito em funo do 11 de setembro (ALONSO, 2005, p.18).

22 Confer ncia sobre o F inanciamento do Desenvolvimento, realizada em maro de 2002, na cidade de M onterrey M xico, no quadro da AGNU. , 23 Para tanto, os PED devem colocar em prtica as polticas e decises adequadas, ainda que difceis, mas necessrias. Contariam, para isso, com a cooperao da comunidade internacional. Aos pases industrializados competiria atuar com medidas na rea do comrcio (especialmente acesso a mercados e reduo de subsdios agrcolas), investimentos diretos nos PED, alvio da dvida e, por ltimo, no prosseguimento da AOD. 24 O estabelecimento de metas e nveis mnimos para a AOD originou-se no mbito do CAD (uma espcie de clube dos doadores desenvolvidos) ainda na dcada de 1960. Porm, com algumas excees especialmente de parte dos pases nrdicos os nveis de aj recomendados , uda nunca foram inteiramente observados pelos pases mais ricos. O percentual de 0,7% do PNB como montante global da Aj uma recomendao a ser atingida no mdio prazo, e tem sido uda reiterada continuamente nas reunies do CAD. 25 Sobre a cooperao atada, ver item 1.1.3.3.

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A evoluo mais recente da cooperao para o desenvolvimento mostra certa tend ncia recuperao de nveis anteriores da AOD. Esse incremento pode ser atribudo, maiormente, posio norteamericana, que aumentou consideravelmente seu volume de assist ncia 26 externa, obedecendo aos imperativos de segurana internacional. Em muito menor escala, essa recuperao dos nveis da AOD se deve aos compromissos assumidos pelos PD com os ODM e queles subscritos no mbito da Confer ncia de M onterrey . 1.1.3 As motivaes da Cooperao para o Desenvolvimento Para a compreenso da cooperao para o desenvolvimento fundamental decifrar suas motivaes. Entender a razo que move pases doadores a se engaj na cooperao essencial para explicar ar a forma, as caractersticas, o modus op erandie o impacto da cooperao. Trata-se de exerccio difcil, j que as motivaes so complexas, compem-se de diversos elementos, no so lineares, variam ao longo do tempo, de pas para pas, e dependem das relaes entre os atores envolvidos e das condies internacionais vigentes. Convm assinalar que as motivaes dos pases receptores parecem mais ou menos bvias e esto embutidas na prpria acepo do termo cooperao para o desenvolvimento. 27 De qualquer forma, para efeitos deste trabalho, ser dada nfase s motivaes dos doadores. No caso dos pases doadores, h que diferenciar entre motivos declarados e encobertos O discurso oficial tende a colocar nfase nos motivos ticos, altrustas e humanitrios. Entretanto, muitas vezes, h outras motivaes, nem sempre admitidas, como interesses polticos, geoestratgicos e de segurana nacional, ou econmicos e comerciais.

26 Trata-se, sobretudo da reconstruo do I raque e do Afeganisto e da cooperao com outros pases, como o Paquisto, por exemplo, em funo da ameaa terrorista. 27 A motivao dos pases recipiendrios parece mais bvia, ou sej a razo para requerer, a, aceitar e se engaj nas variantes da AOD seria essencialmente contar com elementos de que no ar dispem e que possam contribuir para a promoo e o alcance do progresso econmico e social. M as a questo no to simples, como se ver em item especfico sobre as motivaes dos recipiendrios da cooperao para o desenvolvimento (1.1.3.6).

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1131Motios Morai Altru c e Humani ri ... v s, stios t os A base do argumento moral e humanitrio de origem filosfica (tambm encontrada no idealismo k antiano) e religiosa. Decorre da convico de que o indivduo com maiores posses e melhor situao financeira tem a obrigao moral de aj os demais que se encontram em situao econmica e social udar desvantaj 28 osa. Essa obrigao moral aplicar-se-ia da mesma forma nas relaes internacionais: os PD teriam o dever tico de assistir os PED. Poderia haver um elemento caritativo inerente a essa percepo, que no plano internacional tem sido rej eitado por representantes dos pases em desenvolvimento, os receptores. Argumentam, a propsito, numa perspectiva oposta, que os PED teriam direito a uma parcela mais equitativa dos recursos globais (DEGNBOL M ARTI NUSSEN, 2004, p. 10). O argumento moral puro como motor da aj ao desenvolvimento, uda desprovido de qualquer outra motivao adicional , na prtica, muito raro, na atualidade das relaes internacionais. M esmo quando genuinamente presente na motivao para a aj ao desenvolvimento, faz-se acompanhar uda de outros motivos, sej eles admitidos (numa espcie de interesse prprio am esclarecido 29), disfarados ou encobertos. Nessa linha, em 1969, o relatrio Pearson (da Comisso de Desenvolvimento I nternacional), defendia o ponto de vista de que a assist ao desenvolvimento ncia uma obrigao moral, mas tambm tende a beneficiar os pases doadores no longo prazo (PEARSON, 1969). O relatrio Brandt30 adota igualmente esse argumento, quando considera, com base na interdepend entre Norte e Sul, ncia que a AOD condio necessria para assegurar, no longo prazo, a continuidade do progresso e do bem estar dos pases do Norte.

28 H variaes desse princpio em vrias religies: o amor fraternal do cristianismo tem eco tambm, em verses prprias, no islamismo, no budismo, entre outros. O princpio da solidariedade est presente ainda nas ideologias socialistas. 29 Da expresso inglesa enlih g tened selfi -nterest. 30 O relatrio Brandt foi um dos dois documentos produzidos pela Comisso internacional de mesmo nome, que funcionou entre 1977 e 1983, e era composta de 18 especialistas e polticos de vrios pases, que atuaram na condio de independentes e foi chefiada pelo ex-Chanceler F ederal alemo W illyBrandt. A Comisso I ndependente sobre T emas de Desenvolvimento I nternacional (Comisso Brandt) tinha como misso principal examinar os problemas dos pases mais pobres e estudar medidas corretivas que demandariam apoio internacional. F onte: http:/ / www.brandt21forum.info/ About_ BrandtCommission.htm, consultada em 06/ 2007. 10/

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Uma subcorrente mais recente das relaes internacionais, denominada internacionalismo humanitrio, defende a ideia de obrigao moral dos pases ricos de aj os pases pobres, mas no apenas pelo carter altrustico. Em udar uma associao do imperativo tico com consideraes do prprio interesse do doador31, o estudioso noruegu Olav Stok e esposa a opinio de que s k uma repartio algo mais equ nime dos recursos globais entre PD e PED atenderia a interesses vitais de longo prazo dos primeiros.32 Entretanto, na dcada de 80, comeou a haver presso nos Estados Unidos e na Gr-Bretanha, com a ascenso de Reagan e Thatcher, sobre a motivao tica. Alguns polticos e idelogos conservadores questionavam ento a exist ncia da obrigao moral por parte dos PD em cooperar para o desenvolvimento dos PED, por meio da AOD, da mesma forma que rej eitavam (e ainda o fazem) qualquer responsabilidade dos pases ricos pela pobreza e subdesenvolvimento do Sul (DEGNBOL-MARTI NUSSEN, 2004, p. 11). I ndependentemente do debate sobre a obrigao tica, poder-se-ia argumentar, por outro lado, que, ao subscrever a Conveno I nternacional de Direitos Humanos, de 1993, os PD contraram a obrigao poltica de fornecer assist aos PED, porquanto a referida Conveno estipula que ncia todo ser humano tem direito ao desenvolvimento (ii bdem). Seria lcito ainda afirmar que poderia haver predomin da motivao ncia tica e altrustica na assist levada a cabo pelas ag ncia ncias e organismos internacionais sob a gide das Naes Unidas.33 1132Motios Pol c e Geoestrat ios ... v tios gc A cooperao para o desenvolvimento no deve ser entendida como o principal instrumento utilizado pelos pases desenvolvidos para salvaguardar seus interesses polticos e estratgicos nas relaes com os pases em desenvolvimento. Existem certamente outros instrumentos, seno mais eficazes, pelo menos mais frequentes, sua disposio, como, por exemplo,

Outra vez, a expresso enlih g tened selfnterest. i No entender de Stok e, esse argumento estaria subj k acente na j ustificao da cooperao ao desenvolvimento por parte dos pases escandinavos, dos Pases Baixos e do Canad (Stok e, k 1989). 33 Em outras palavras, a cooperao multilateral, pela prpria origem dessas instituies multilaterais, tenderia a ter o componente tico e humanitrio como preponderante, quando no nico, na motivao das aes de cooperao para o desenvolvimento.31 32

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pactos e alianas poltico-estratgicas, cooperao militar, sem mencionar outras formas persuasivas, alm do recurso aos meios coercitivos. Mas, no h d vida de que, na prtica, o interesse poltico e estratgico assume papel relevante na definio, escopo, volume, orientao, destinao e execuo da aj externa. uda O perodo inicial da cooperao para o desenvolvimento (dcadas de 50 e 60), quando a lgica da Guerra F imperou tambm no campo da AOD, ilustra ria suficientemente a correlao entre determinantes poltico-estratgicos e aj uda externa. As consideraes poltico-estratgicas foram ento preponderantes na alocao da cooperao para o desenvolvimento. Nesse perodo, os pases doadores elegiam os pases recipiendrios e at mesmo, em muitos casos, condicionavam a assist com base em lealdades poltico-estratgicas34. No ncia s os Estados Unidos e seus aliados da OT atuaram seguindo esses preceitos, AN mas a antiga URSS e seus satlites tambm o fizeram, ao distribuir aj externa uda condicionada fortemente s afinidades polticas dos pases receptores. Com o final da Guerra F na dcada de 90, poderia parecer que os ria, imperativos poltico-estratgicos tenderiam a perder import ncia nas consideraes que determinam a forma e o volume da cooperao para o desenvolvimento. primeira vista, os cortes na AOD verificados nos anos que se seguiram tenderiam a corroborar essa hiptese. Entretanto, vista desde outra perspectiva, a reduo da aj externa aps uda o fim da Guerra F na verdade, atestaria a import das motivaes polticoria, ncia estratgicas na cooperao para o desenvolvimento. T anto assim que, desde 2001, aps os acontecimentos de 11 de setembro, houve certa retomada da aj externa, sobretudo de parte dos Estados Unidos e do Reino Unido, uda j ustificada, em parte, por razes de segurana. Esse e outros eventos recentes demonstram que as motivaes poltico-estratgicas na cooperao no desapareceram ou perderam prioridade. Elas simplesmente sofreram alteraes, de acordo com a evoluo do cenrio internacional e das condies internas dos prprios pases doadores (RI DDELL, 1996, p. 2). Ocorre, entretanto, que as motivaes polticas e de segurana estratgica, em geral, no costumam fazer parte da verso oficial (ou

34 A ento Alemanha Ocidental (RF procurou condicionar, at o incio dos anos 1980, a A) alocao de aj externa ao no reconhecimento, pelo pas recipiendrio, da Rep uda blica Democrtica Alem (RDA), seguindo a doutrina Hallstei F n. onte: DEGNBOL-M ARTI NUSSEN, 2004, p. 9.

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declarada) das j ustificativas dos Governos dos PD para a AOD, salvo mais recentemente.35 Promover a cooperao externa, valendo-se de motivaes polticoestratgicas no privilgio dos pases desenvolvidos. Citem-se, a respeito, os casos da China, da ndia e da Coreia do Sul, que t programas de m cooperao, especialmente voltados para os pases de seu entorno geogrfico36, com bvias motivaes geoestratgicas. 1133Motios Ec mios e Comercai ... v on c is O peso da motivao econmica e comercial tem sido tambm marcante, ao menos historicamente, no provimento da AOD, com pequenas excees. Pode-se mesmo asseverar que o componente do interesse econmico e comercial ocupou, sobretudo at os anos 90, papel quase tcito nas decises que determinaram a escolha, pelos doadores, do pas recipiendrio e dos mtodos de aplicao da aj uda. Mesmo no caso da cooperao entre algumas ex-pot ncias coloniais e suas ex-colnias, por mais que se pretextem fatores histricos e vnculos culturais, tambm presentes, a motivao econmica insofismvel, jque uma das razes da AOD garantir a manuteno (ou recuperao) do acesso privilegiado aos mercados dos pases recipiendrios.37 Por outro lado, pases como os Estados Unidos, o Canad, a Alemanha, a Austrlia e o J apo, que no foram pot ncias coloniais, tambm utilizaram (e ainda o fazem, em muitos casos) as motivaes econmico-comerciais na configurao de sua poltica de cooperao externa. O mesmo vale, ainda que em bem menor grau e escala, para os pases desenvolvidos de tamanho mdio (pases escandinavos e Holanda, por exemplo). A associao entre interesses econmicos e comerciais e a AOD no certamente id ntica em todos os pases doadores e tampouco invarivel.38 PorO Governo dos Estados Unidos tem-se servido dos imperativos de segurana contra o terrorismo internacional para j ustificar perante a opinio p blica interna e o Congresso as despesas com aj externa (no s militar) a alguns pases do Oriente M dio e da sia Central. uda 36 No caso da Coreia do Sul, quase metade da aj destinada vizinha Coreia do Norte. uda 37 o caso, por exemplo, da F rana e do Reino Unido e a cooperao com suas ex-colnias (muitas delas, pases da ACP e da Commonwealth ). 38 No J apo, a esse respeito, ocorreu uma evoluo singular. Nas dcadas iniciais, a cooperao externa esteve profunda e explicitamente associada a interesses econmicos internos, inclusive no discurso oficial. Entretanto, ao longo dos anos, essa associao foi perdendo peso e import ncia, eoJ apo, mais recentemente, tem procurado dissociar, pelo menos no nvel do discurso, a AOD de consideraes meramente econmicas. (DEGNBOL-M ARTI NUSSEN, 2004).35

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um lado, h casos em que a correlao mais explcita e chega a envolver de forma patente interesses privados especficos.39 H outros em que essa associao menos pronunciada, ou mais velada, como no caso da Alemanha, Canad, Holanda e pases nrdicos.40 Entre as formas mais utilizadas e tradicionais de cooperao para o desenvolvimento que evidenciam as motivaes econmicas e comerciais dos doadores est a chamada cooperao atada (ti Ai pela qual os pases ed d), doadores estabelecem, como pr-condio para a concesso da aj ou uda cooperao, que parcelas dos recursos transferidos sej utilizadas para adquirir am produtos e servios do pas doador. Essa prtica tem sido mais frequente no caso da Cooperao T cnica, como se ver mais adiante.41 difcil mensurar a magnitude da cooperao atada, j que h, muitas vezes, entendimentos tcitos ou no oficiais nesse sentido entre pases doadores e receptores. Ademais, certos arranj os decorrentes de aj atada, ao estabelecer a obrigatoriedade da aquisio de certos uda produtos e servios, acabam por gerar demandas derivativas por outros produtos.42 A questo da cooperao atada muito ilustrativa tambm para colocar em relevo a inconsist verificada, no caso de alguns pases doadores, ncia entre o discurso e a prtica em matria de AOD. 4339 Caso dos Estados Unidos em que setores agrcolas e industriais exercem presso e t peso m especfico na alocao da poltica de aj externa. uda 40 Nesses pases, o argumento do interesse econmico e comercial tem dificuldades para legitimar a AOD, embora na prtica existam concesses e salvaguardas evidentes de parte dos respectivos governos aos interesses privados nacionais na formulao e implementao da cooperao para o desenvolvimento. (Degnbol-M artinussen, 2004, p. 13). 41 As presses para atar ou vincular a cooperao no v apenas do setor empresarial dos m pases doadores (que busca na cooperao atada garantir acesso a mercados). Partem tambm de sindicatos, que defendem a prtica como forma de garantir a manuteno ou aumento do nvel de emprego no pas doador, por meio da demanda por produtos e servios por parte dos pases recipiendrios. 42 Estima-se, apesar disso, que at os anos 1990, cerca de 25 % ou da totalidade dos recursos da cooperao para o desenvolvimento estavam atados compra de bens e servios nos pases de origem. Desde ento, nos foros internacionais e no CAD tem-se procurado estabelecer recomendaes para reduzir o peso da aj atada. F uda onte: ALONSO, 2005, p. 21. 43 o caso, por exemplo, dos pases nrdicos e dos Pases Baixos. Esses pases so os primeiros a advogar os imperativos morais e humanitrios na j ustificao interna (e externa) de sua cooperao para o desenvolvimento e t dificuldade de assumir motivaes econmicas como determinantes m da aj No obstante, em anos recentes, um grupo de pases integrantes do CAD, capitaneados uda. pelos Estados Unidos, props que a cooperao aos pases mais pobres entre os receptores, fosse completamente no atada (unti Ai mas encontraram forte resist ed d), ncia da Dinamarca, da Noruega e dos Pases Baixos, entre outros, e a proposta no foi adotada. A Dinamarca procurou alegar, na ocasio, que os subscritores da proposta eram j ustamente pases que no cumpriam o percentual mnimo recomendado pelo DAC de 0,7% do PNB como assist ao desenvolvimento, ncia

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De qualquer forma, muitos pases doadores advogam a validade da aj atada, no s como forma efetiva de integrar os pases recipiendrios uda no mercado dos pases ricos (embora essa participao no comrcio bilateral sej muitas vezes de mo a nica). Entendem ainda que a aj uda atada facilita a obteno de crditos para financiar a cooperao para o desenvolvimento. 1134Motios Hi rios e Culturai ... v st c s Os vnculos histricos e culturais (incluindo o fator religioso) existentes entre o pas doador e o receptor constituem motivaes muito empregadas na fundamentao da cooperao para o desenvolvimento. T rata-se, muitas vezes, de forma de garantir a continuidade dos vnculos e de reforar o sentido de comunidade existente entre o doador e o receptor. Aplicam-se, especialmente relao entre antigas metrpoles e suas excolnias, como o caso da F rana e pases africanos, asiticos e caribenhos francfonos, ou do Reino Unido com os integrantes da Commonwealth ou , ainda da Espanha com relao a pases latino-americanos de expresso espanhola, entre outros exemplos. M as as motivaes histricas e culturais no se resumem apenas s relaes decorrentes de passados coloniais. Referem-se igualmente a conj untos de pases que compartilham uma regio ou continente, nos quais as relaes de vizinhana podem requerer e recomendar polticas de cooperao efetiva, inclusive para a resoluo de problemas comuns. o caso da cooperao entre pases do Sul, em geral. Cite-se, como exemplo, a cooperao dos pases rabes da OPEP com seus vizinhos no Oriente Mdio. Ressalte-se que neste g nero de motivao que se tem fundamentado, em parte, a cooperao tcnica brasileira, conforme se verificar oportunamente neste trabalho. Caberia assinalar que a motivao para a aj externa decorrente de uda laos histricos e culturais quase nunca exclusiva, e muitas vezes nem a razo de fato preponderante, ainda que o sej no discurso oficial. a

e que, assim mesmo, a parcela dessa aj destinada aos pases mais pobres era nfima. J no caso uda dinamarqu alm de cumprir com os critrios de volume da aj seus maiores recipiendrios s, uda, eram j ustamente os pases mais pobres. Posteriormente, a Dinamarca e os outros pases citados aceitaram compromissos com vistas reduo no volume da cooperao no atada.

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1 1 3 5 Outros Moti os:c ... v onsi dera es amb entai e f os i s lux mirat os g ri H outras motivaes em que se fundamenta a cooperao para o desenvolvimento, alm das j mencionadas anteriormente, embora representem, ainda, peso menor no conj de j unto ustificativas. Dentre elas, destacam-se as consideraes ambientais e as preocupaes com fluxos migratrios. A partir de meados da dcada de 80, as consideraes ecolgicas e ambientais passaram a desempenhar papel expressivo nas polticas de cooperao para o desenvolvimento. Um marco nesse sentido foi a publicao, em 1987, do Relatrio Brundtland 44, que reconhece a interdepend entre os Estados e recomenda o tratamento global dos temas ncia ambientais.45 A Confer ncia das Naes Unidas sobre M eio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) deu nfase necessidade de que a cooperao para o desenvolvimento leve em conta as implicaes ambientais, e, mais importante, considera a cooperao para o desenvolvimento sustentvel uma obrigao global. Os pases doadores, desde ento, no somente passaram a destinar parte da cooperao para o desenvolvimento a proj e programas que visam etos preservao ambiental e ao desenvolvimento sustentvel, como tambm incorporaram a questo ambiental em suas fundamentaes para a AOD. Em anos mais recentes, os pases da Unio Europeia, sobretudo, resolveram incluir a questo dos fluxos migratrios e de refugiados globais entre os focos da AOD. T rata-se de medida de interesse prprio, j que tem havido aumento de fluxos migratrios j ustamente para pases da Unio Europeia (UE), especialmente provenientes da frica, Oriente Mdio, sia Central e Amrica Latina.

Gro Harlem Brundtland, ex-Primeira M inistra da Noruega, foi convidada a presidir a Comisso das Naes Unidas para o M eio Ambiente e Desenvolvimento, em 1983. O trabalho da Comisso resultou no relatrio de 1987, com recomendaes para todas as naes sobre as formas de se atingir o desenvolvimento sustentvel. F onte: http:/ / www.sustainability -ed.org/ pages/ what14brundt.htm, consultada em 09/ 2007. 10/ 45 As estratgias de crescimento e desenvolvimento deveriam incorporar necessariamente o fator da sustentabilidade ambiental, segundo o relatrio. Na sequ ncia, o Relatrio da Comisso Sul, de 1990, enfatiza que a acentuada e contnua pobreza em pases em desenvolvimento seria fator contributivo da degradao ambiental no s nos territrios dos pases do Sul, mas globalmente.44

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Por fim, a luta contra a produo e comercializao ilegal de narcticos tambm tem sido incorporada ao conj de motivaes para a AOD.46 unto 1136 Os Motios dos Pa recpend os ... v ses ii ri A possibilidade de obter contribuies para o alcance do progresso econmico e a melhoria das condies sociais poderia parecer motivo suficiente para que os pases do Sul se engaj na cooperao para o em desenvolvimento. Nesse aspecto, o que constitui para os PED uma motivao, j para os pases doadores seria antes uma finalidade da cooperao. Entretanto, se essa pode parecer motivao suficiente, h tambm razes, para recusar ou, ao menos, questionar a aj externa, embora uda sej menos frequentes. M uitos crticos (mormente dos pases do Sul) da am cooperao para o desenvolvimento e das suas no raras condicionalidades implcitas ou explcitas a entendem como fator de reduo ou comprometimento da autonomia poltico-econmica e dos interesses nacionais. Na prtica, algumas ex-colnias resistiram a se engaj na aj ar uda oferecida pela antiga metrpole, por receio de que representasse a continuidade dos vnculos de depend ncia, ou ainda por causa de ressentimentos histricos. Mesmo fora da relao ps-colonial, h casos de PED, que por razes polticas e estratgicas diversas, recusam-se a aceitar determinadas formas de cooperao oferecidas pelos pases do Norte. Por essa razo, alguns pases do Sul preferem, por vezes, a cooperao para o desenvolvimento proveniente de organismos e ag ncias multilaterais do que a aj bilateral, por entenderem aquela menos propensa uda ao comprometimento de sua autonomia do que esta. 47 Da mesma forma, h pases entre os de menor desenvolvimento relativo (PMD), cuj fragilidade econmica e social to grande 48 que dificilmente a

Exemplo disso o direcionamento da cooperao norte-americana em alguns pases da Amrica do Sul, como a Colmbia, o Peru, e a Bolvia. No somente para medidas de combate ao narcotrfico, como tambm programas de reinsero econmica e social de populaes afetadas com a reduo e eliminao do plantio da folha de coca. 47 Nem sempre essa percepo encontra eco na realidade, j que muitas instituies multilaterais esposam posies dos principais pases doadores e impem, no raro, condicionalidades bastante rigorosas na concesso da aj externa, como acontece, com frequ uda ncia, com a cooperao fornecida pelo Banco M undial. 48 T ambm conhecidos, entre especialistas da cooperao para o desenvolvimento, como pases em estado de car ncia e emerg ncia permanente.46

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t condies de recusar a aj externa. Para estes casos, a cooperao m uda para o desenvolvimento no representa uma alternativa disposio dos pases recipiendrios, mas quase um imperativo. Por outro lado, h casos em que a aj externa aceita no exatamente uda por motivos de interesse nacional, mas porque a cooperao de interesse da elite governante, que faz da aj uma oportunidade para alcanar obj uda etivos polticos internos, incluindo interesses paroquiais que lhes garantam a continuidade no poder. 1.1.4 As diferentes modalidades da Cooperao para o Desenvolvimento As modalidades mais comuns de cooperao para o desenvolvimento, de acordo com a maior parte da literatura sobre o tema, so: a Cooperao F inanceira (CF a Cooperao T ), cnica (CT e a Assist Humanitria (AH). ) ncia Pode-se acrescentar tambm a essas tr modalidades, a Aj Alimentar e a s uda Cooperao Cientfica e T ecnolgica, embora no sej modalidades to am frequentes da cooperao para o desenvolvimento. Sero explicitados, a seguir, breves conceitos sobre cada uma dessas modalidades de cooperao, deixando por ltimo a Cooperao Tcnica, qual se analisar com um pouco mais de profundidade, por se tratar de obj de maior interesse para o presente trabalho. eto 1141A Coop Fi ei ( ... era o nanc ra CF) Dentre essas vertentes, a Cooperao Financeira a modalidade que costuma abranger a maior parte dos recursos envolvidos na unto cooperao para o desenvolvimento. 49 A CFconstitui-se de conj de subvenes, investimentos financeiros a fundo perdido, doaes (inclusive de bens necessrios ao desenvolvimento), e crditos concessionais (em geral, de longo prazo e com taxas de j uros mais favorveis), vinculados a programas e proj etos de reformas macroeconmicas, estruturais ou setoriais (incluindo ampliao de infraestruturas), e servios de assessoria para a implementao desses programas e proj etos. Sua funo promover melhores condies49

Estima-se que ao menos 65% da AOD sej constitudas das vrias formas de cooperao am financeira. F onte: ALONSO, 2005, p. 75.

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socioeconmicas no pas receptor e, por conseguinte, o progresso e o bem estar de sua populao. 50 A Cooperao F inanceira conta com diversos mecanismos para seu planej amento e execuo. O proj o mecanismo mais usual e tradicional (pelo eto menos at meados dos anos 90). Pressupe interveno precisa e com limite temporal pr-estabelecido, com especificao de obj etivos, atividades e despesas, e o correspondente cronograma de desembolso. Uma das vantagens do proj sua eto grande versatilidade, que permite adaptaes dos obj etivos e condies de execuo s circunst ncias de cada caso. At os anos 70, a maior parte da aj uda-proj era eto destinada a infra-estruturas rodovias, ferrovias, gua e saneamento bsico, portos, aeroportos, telecomunicaes etc. (AL ONSO, 2005, p.75). O maior problema identificado nos proj o de no se prestarem a aj etos udas que exij desembolsos mais rpidos. Com a crise dos anos 80 e a am nfase da cooperao para o desenvolvimento transferida, pelos doadores, aos aj ustes estruturais, foi necessrio encontrar outros mecanismos para a cooperao financeira. A aj uda-programa ou simplesmente programa passa ento a ser uma alternativa aos proj sem contudo substitu-los. A aj etos, uda-programa no se destina a financiar proj especficos e, em geral, no impe condies de etos execuo, mas quase sempre agrega uma condicionalidade poltica.51 Amodalidade de apoio ao oramento considerada na atualidade, pelos doadores e instituies multilaterais (BM e F ), como o instrumento de cooperao mais adequado MI para promover a transpar ncia, responsabilizao e correta prestao de contas por parte dos receptores, alm de lhes conceder maior autonomia na gesto dos recursos. A cooperao financeira utiliza uma srie de outros mecanismos, cuj o aprofundamento escaparia aos obj etivos deste trabalho. 1142A Assi nca Humani ri ( ... st i t a AH) A Assist ou Aj Humanitria no est classificada no quadro de ncia uda modalidades do Comitde Assist para o Desenvolvimento (CAD) da ncia

Definio para a cooperao financeira baseada em diversas fontes, mas, sobretudo inspirada em conceituao da ag ncia alem de cooperao (GTZ). Fonte: http:/www.gtz.de/ / en/ publik ationen/ begriffswelt-gtz/ include.asp? pt/ lang= P&file= 15.inc, consultada em 08/ 2007. 1_ 10/ 51 A aj uda-programa pode incluir apoio a reformas estruturais, ou da administrao p blica, e tambm apoio ao equilbrio da balana de pagamentos, aj s importaes ou ao setor uda exportador, apoio direto ao oramento, ao alvio e reestruturao de dvida, e a outras reas que no estej relacionados a atividades no am mbito de proj especficos. etos50

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OCDE. No h sequer consenso sobre sua pertin ncia categoria de cooperao para o desenvolvimento. Mas trata-se de rea crescente de ao e, para todos os efeitos, os recursos empregados em assist emergencial ncia e humanitria so contabilizados pelos pases doadores como AOD.52 instrumento de curto prazo, tem como obj etivo a preservao da vida e o alvio do sofrimento de populaes que se encontram em situaes calamitosas decorrentes de catstrofes de origem natural ou provocadas pela ao humana. Nos ltimos anos, em especial aps os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, esse tipo de interveno, antes reservada preferencialmente s ag ncias especializadas das Naes Unidas, a ONGs e a entidades filantrpicas, passou a contar com maior ateno da comunidade internacional. No mbito bilateral, passa a integrar o conj de temas de interesse de unto poltica externa dos pases desenvolvidos e, tambm, em alguns casos, de pases em desenvolvimento. Hoj a AH representa cerca de 11% dos recursos e destinados AOD (DEVELOPMENTI TI VES, 2006). NI ATI 1143A Coop Ci f a e T nol ia ( ... era o ent c i ec gc CC&T ) A Cooperao Cientfica e T ecnolgica fundamenta-se na transfer ncia de conhecimentos cientficos e tecnolgicos realizada entre dois ou mais agentes, com o obj etivo de implementar proj e programas que envolvam etos o desenvolvimento de pesquisas conj untas de interesse m por meio de tuo interc mbio de especialistas, alm da doao de equipamentos, entre outras modalidades. A CC&T pode ou no envolver diretamente entidades governamentais, mas frequentemente se processa em nvel infra-estatal e descentralizado, incluindo diretamente instituies de pesquisa, centros e entidades de excel investigativa (que abrangem universidades) do pas ncia parceiros. A cooperao cientfica e tecnolgica no tradicionalmente includa, na literatura existente, como modalidade especfica da cooperao para o desenvolvimento. As razes dessa excluso prendem-se ao menos a dois fatores. O primeiro refere-se a certa tend horizontalidade nessa forma ncia de cooperao. Ou sej pressupe-se que, em boa parte dos casos, os a,52 E, dessa forma, contribuem para que os PD possam atingir os nveis de aj recomendados uda pelo prprio CAD e pelos foros internacionais de cooperao para o desenvolvimento.

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pases envolvidos na cooperao cientfica se situem em patamares seno similares, pelo menos minimamente compatveis de desenvolvimento cientfico e tecnolgico de modo a permitir um interc mbio de fato em ci ncia e tecnologia. Ao contrrio da cooperao para o desenvolvimento usual, no haveria, em tese, um prestador e outro receptor, mas sim parceiros com acesso recproco a suas respectivas reas de pesquisa e avano cientfico e tecnolgico. O segundo fator, que de certa forma se contrape ao primeiro, o da subsuno da cooperao cientfica e tecnolgica cooperao tcnica. T ratase da pressuposio de que quando se estabelecem formas de cooperao em C&Tentre pases com nveis muito distintos de desenvolvimento cientfico e tecnolgico esta envolve necessariamente transfer de tecnologia de ncia um pas mais avanado tecnologicamente para outro e no o acesso recproco a conte tecnolgicos.53 Nesse caso, a cooperao cientfica e tecnolgica dos fica subentendida como uma variante da cooperao tcnica. 54 Portanto, a cooperao cientfica e tecnolgica comportaria vis duplo: de um lado, entendida como um subtipo de cooperao tcnica quando se estabelece entre pases de nveis de desenvolvimento tecnolgico distintos, na qual h necessariamente um componente de transfer de conhecimento ncia (ainda que sob a forma de tecnologia), ou atividades de capacitao; de outro, vista como cooperao, na acepo mais estrita do termo, na qual h um necessrio interc mbio cientfico e tecnolgico recproco. Na prtica, como se ver mais adiante na anlise da cooperao brasileira para o desenvolvimento, as fronteiras entre a cooperao tcnica e a cientfica e tecnolgica no so sempre claras, havendo forosamente uma rea de interseco. O mesmo ocorre com a cooperao cultural e educacional em relao cooperao tcnica. Na literatura sobre a CTIparece haver tend a se incluir a cooperao , ncia cientfica e tecnolgica no rol da cooperao tcnica. Por outro lado, como a CC&Tpode-se dar e, frequentemente se faz, entre PD (apenas a ttulo de

Ou, ainda, quando comporta um treinamento ou capacitao especfica em reas de tecnologia, muitas vezes na forma de bolsas de estudo ou estgios. 54 Para ilustrar essa realidade, basta assinalar que na estrutura da OCDE, como j foi aqui afirmado anteriormente, existe um Comitde Assist ncia ao Desenvolvimento CAD (que trata da cooperao tcnica internacional, alm da CFe da AH). O tema cooperao cientfica e tecnolgica no da alada do CAD e sim do Comitpara Poltica Cientfica e T ecnolgica, o qual no trata de cooperao para o desenvolvimento.53

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exemplo: a cooperao J apo-Alemanha em ci ncia e tecnologia), no caberia, nesses casos, sua incluso no domnio da CT a qual pressupe se , realize especialmente entre pases do Norte e pases do Sul, ou ento exclusivamente entre PED. Curiosamente, o tema da CC&T tratado em distintos pases doadores por diferentes rgos, no havendo padro uniforme quanto a esse aspecto.55 Portanto, no h uniformidade em relao ao tratamento da cooperao cientfica e tecnolgica. , para alguns pases doadores, subentendida como parte integrante da CTe, para outros, tratada como domnio prprio cuj os interc mbios com outros pases se do, maiormente, fora do mbito da cooperao para o desenvolvimento. 1144A Aj Ali ... uda mentar T rata-se da transfer ncia de recursos, sob a forma de alimentos, bens doados relativos produo de alimentos, ou crditos concessionais destinados aquisio de alimentos, para pas ou regio com graves problemas de segurana alimentar, e em que a fome sej elemento muito a presente. Tradicionalmente implementada por meio de organizaes internacionais (sobretudo pelo Programa M undial de Alimentos PM A) e por ONGs. F tambm utilizada pelos PD como forma de transferir os seus oi excedentes agrcolas para os pases-alvo. Conceitualmente, a Aj Alimentar uda no deveria confundir-se com a Assist Humanitria, pois entendida, ncia

Em alguns pases, como J apo, Canad, Sucia (no caso da Sucia, foi criado um Departamento de I nvestigaes Cientficas, mas dentro da SI DA), o assunto de compet ncia das respectivas ag ncias de cooperao para o desenvolvimento (JCA, CI e SI I DA DA). Na F rana, at a reforma do Quai Orsayde 1999, o tema estava afeto chamada diplomacia cultural. A partir d de 1999, passou a integrar a rea de cooperao para o desenvolvimento. (At 1999, a cooperao cientfica e tecnolgica estava a cargo da Di ti G rale des Relati Culturelles, rec on n ons S i f ues et T h q centi q i ec niues Desde ento, passou Di ti G rale de la Coop rati rec on n on i nternati onale et du d elop ement Na Espanha, o tema compartilhado entre a Ag v p ). ncia Espanhola de Cooperao I nternacional (AECI e o M inistrio da Educao e Ci ) ncia. Na Alemanha, pas que tem importantes instituies de cooperao para o desenvolvimento, o tema , porm, em grande parte, da compet ncia do M inistrio F ederal de Educao e Pesquisa. F ontes: (COLI 2001), https:/ N, / pastel.diplomatie.gouv.fr/ editorial/ missions/ structure/ mae/ fr/ cooperation.html, consultado em 08/ 2007. Stios do Mi st o de Educ in yCi i e da 10/ ni ri ac enca, / www.mec.es/ ciencia/ plantilla.j area= j sp/ sp? cooperacion-bilateral&id= 5, AECIEspanha http:/ , http:/www.aeci.es/ / 09cultural/ 02ccult/ 9.2.4.htm consultados em 08/ 2007. E stio do 10/ M inistrio Federal de Educao e Pesquisa da RF http:/www.bmbf.de/ 1560.php, A / en/ consultados em 08/ 2007. 10/55

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ao menos nos foros internacionais que tratam do tema, como instrumento de cooperao para o desenvolvimento de longo prazo, j que no deveria incluir a aj alimentar de emerg (esta uda ncia ltima, sim, faria parte da AH). A Aj Alimentar existe desde a dcada de 50, alcanou progresso uda importante at meados da dcada de 70 e, a partir dos anos 80, sofreu modificaes em sua conceitualizao e forma de implementao.56 O peso da Aj Alimentar, a partir de ento, diminuiu progressivamente, passando uda de 20% do total da AOD em 1981 a menos de 2% em 2002. M ais recentemente, em funo da reviso da doutrina sobre a segurana alimentar, essa modalidade de AOD voltou a ganhar algum relevo (ALONSO, 2005, p. 91). 1145A Coop ... era o T c c nia A Cooperao Tcnica constituiu, desde seus primrdios, no final da dcada de 40, um dos pilares da cooperao para o desenvolvimento, j untamente com a cooperao financeira. I nstituda formalmente pela Assembleia Geral das Naes Unidas, por meio da Resoluo n 200, de 1948, a cooperao tcnica recebeu, . inicialmente, a denominao Assist Tcnica (AT). Esse termo foi ncia posteriormente substitudo, em especial nos foros internacionais, nos anos 70 57 , para cooperao tcnica, em virtude da denotao implcita de desigualdade entre os parceiros que a palavra assist ncia trazia, sugerindo uma concesso ou atitude caritativa de parte do doador e uma atitude passiva e dependente por parte do recipiendrio58 (CONDE, 1990, p. 25). A propsito, nessa mesma poca, no s o termo assist ncia tcnica sofreu crticas, mas tambm o conceito de assist ncia ou aj uda externa, preferindo-se, nesse caso e desde ento, o termo cooperao para o desenvolvimento. No obstante, a expresso Assist ncia Oficial

56 F oram questionados, por muitos especialistas, os efeitos da distribuio indiscriminada de alimentos sobre as dietas nacionais e os desequilbrios provocados na produo e no mercado alimentar do pas receptor. A crtica maior era de que a Aj Alimentar atuava muito mais sobre uda as consequ ncias das crises alimentares e no tanto sobre suas causas. 57 J em 1959, a AGNU determinou que se substitusse a expresso assist ncia tcnica por cooperao tcnica (SOARES, 1991), porm o termo foi atualizado plenamente, na prtica, somente nos anos 1970. 58 Vide tambm nota n8, acima. .

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para o Desenvolvimento (AOD) resistiu e convive com a de cooperao para o desenvolvimento, embora, via de regra, tenha um sentido mais especfico, relativo ao conj unto de recursos p blicos empregados pelos PD na cooperao para o desenvolvimento. 59 De todo modo, o termo Assist ncia Tcnica tem sido reservado, desde ento, ainda que no exclusivamente, para a assist ncia fornecida por instituies multilaterais de crdito a PED, no mbito da implementao de polticas e programas vinculados a emprstimos, concessionais (CF) ou no. 60 A definio de cooperao tcnica61 tambm evoluiu ao longo dos anos, refletindo a din mica prpria da cooperao lato sensu, a evoluo da doutrina sobre o desenvolvimento, e por fim, as mudanas no cenrio internacional, sobretudo aquelas advindas das transformaes originadas com a globalizao crescente. At a dcada de 80, podia-se considerar a cooperao tcnica comoum p esso n c roc o omerc al de transf nc a de c ec mentos, i er i onh i h i dades e t nias,normalmente de p ses mai desenv i ab li c c a s olvdos para pa ses de menor desenv i olv mento,reali ado medi z ante p ramas de trei rog namento (nc ndo,inter alia,c ess de i lui onc o b olsas de estudo) ac , onselh amento,env o de t ni os e p tos, i c c eri i nterc mb o de i orma es,estab i nf elec mento de c i onsultori e as, doa o de eq p ui amentos e materi b b og fc v nc al i li r i o i ulados a essas a es. 62

Em seu nascimento, no final dos anos 40, a cooperao tcnica foi o instrumento identificado pelas correntes predominantes da teoria de desenvolvimento para preencher a segunda lacuna de que padeciam os PED

A expresso AOD, conforme j mencionado na nota n2, acima, de utilizao preferencial . por parte dos PD integrantes do Comitde Assist ncia para o Desenvolvimento da OCDE. 60 O Banco M undial, o BI e o F Ise utilizam com frequ D M ncia do termo assist ncia tcnica, que, nesses casos, no deve ser confundido com cooperao tcnica lato sensu. 61 Segundo SOARES, 1991, quanto a conceituar-se o que se entende, na atualidade, por cooperao tcnica internacional, a matria no pacfica e est longe de receber um entendimento universal. 62 Definio baseada em conj de acepes de vrios autores: (PORTUGAL, 1985, BROW NE, unto 2006, DEGNBOL-M ARTI NUSSEN, 2004).59

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(baixo nvel de conhecimento, domnio de tcnicas e de capacidade de gesto) e que os impedia de alcanar o desenvolvimento.63 Essa transfer de conhecimentos tcnicos dos PD para os PED no ncia se dava de forma desinteressada (M ARKOVI TCH, 1994, p. 370). A composio e o mtodo de implementao da CTera subordinada a interesses diversos dos pases doadores. Uma das formas em que se traduzia essa subordinao era a vinculao ou atamento da cooperao exig de ncia aquisio de bens e servios (geralmente utilizados nos processos de transfer de conhecimentos) dos pases doadores. O enfoque assistencial ncia era evidente. A propsito, relevante assinalar que as motivaes de fundo da CT , ainda que pudessem comportar elementos poltico-estratgicos, eram, portanto, muito mais econmico-comerciais, mesmo que no discurso pudessem parecer puramente altrusticas. Da mesma forma que a cooperao financeira (CF a cooperao tcnica ), (CT) viabilizou-se mediante proj limitados no tempo e no espao, com etos, obj etivos definidos e com componente de planej amento e ferramentas de implementao, monitoramento e avaliao (DEGNBOL-MARTI NUSSEN, 2004, p. 40). A identificao das reas e campos em que se estabelece a cooperao tcnica no era necessariamente orientada pelas car ncias ou prefer ncias manifestadas pelos pases recipiendrios, mas determinada, mormente, pelas percepes (reais ou, em alguns casos, at mesmo falseadas) dos pases doadores e de seus peritos. Portanto, a demanda real (gerada pelo receptor) no tem sido o principal elemento propulsor da CT mas antes o da oferta da , cooperao, de interesse do doador, processo denominado por alguns crticos de fabricao de demanda (MOSSE, 2005). Nisso reside um dos principais problemas estruturais da CT . A ideia de reunir, em conj untos pr-moldados (proj etos), tcnicas, conhecimentos e um arsenal de boas prticas, identificados pelos doadores como necessrios, e distribu-los a pases em desenvolvimento, de acordo com par metros e condicionalidades pr-estabelecidas, sem maiores

63 Ou sej sua funo era prover a transfer a, ncia de tcnicas e conhecimentos para que os PED pudessem ter condies de absorver o influxo de capitais (que preencheriam a primeira lacuna, aus ncia de poupana interna na forma de investimentos de capital), provenientes dos pases desenvolvidos (BROW NE, 2002, p.7).

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consideraes sobre suas particularidades locais e seu contexto institucional, no surtiu em boa parte dos casos os efeitos esperados. Essa abordagem da cooperao tcnica, prevalecente at pelo menos os anos 70, apresentou, como bem se pode imaginar, defici ncias crescentes, muito em funo de diagnsticos imperfeitos e tratamentos insuficientes ou at contraproducentes. Os contextos sociais, culturais e institucionais vigentes nos pases receptores nem sempre foram observados. Os treinamentos e capacitaes eram por vezes superficiais e despersonalizados, produziam pouco impacto na realidade local e, quando razoavelmente efetivos na transfer ncia de conhecimento, geravam xodos do pessoal habilitado e acabavam, na opinio de alguns analistas, por causar danos incipiente capacidade local (BROW NE, 2006, p. 30). certo que, por outro lado, tambm se pde contabilizar, dentre essas intervenes, in meros micro- xitos, para utilizar expresso de Browne (ii bdem). As prprias ag ncias bilaterais e multilaterais em seus relatrios de avaliao costumam estabelecer em 60% o patamar de proj com etos resultados minimamente satisfatrios. parte progressos genunos, cuj os 64 exemplos no deixam de ser facilmente encontrveis , no se descarta que, em parte, essa estatstica poderia ser atribuda tambm tica de resultados dos doadores ou ainda a interesses criados pelo prprio estab sh li ment da cooperao.65 Em todo caso, segundo Elliot Berg, que realizou pesquisas de avaliao da CTIunto a mais de trinta governos africanos, ja c era o t nia p ou ser ef v na realia o de taref oop c c rov etia z as, mas menos sati at a no desenv i sf ri olvmento de i tui loc s nsti es ai ou no f ortalecmento de c acdades do p s recp end o (BERG, i ap i a ii ri 1993).

Entretanto, o principal problema identificvel na avaliao geral da cooperao tcnica, pelo menos nas primeiras dcadas, a elevada taxa deH exemplos de CT bem aproveitada, especialmente entre pases do leste e sudeste asitico (Coreia do Sul, Cingapura, T ndia). O Brasil, no ail mbito da Amrica Latina, tambm pode ser refer ncia de casos de sucesso em reas especficas, sobretudo de reforo institucional. 65 A ind stria da cooperao criou ao longo das dcadas sua prpria lgica e congrega interesses variados de ag ncias e de pessoal bilateral e multilateral.64

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perpetuao de proj 66. Em outras palavras, a Cooperao Tcnica, aps etos mais de cinco dcadas, no conseguiu ainda, na imensa maioria dos pases em que tem estado presente, tornar-se dispensvel, o que seria, teleologicamente, sua principal rai dtre, ao menos no longo prazo. son Um dos motivos dessa autoperpetuao da CT no ter conseguido cumprir ainda, pelo menos na maior parte dos pases receptores, um de seus obj etivos primordiais, que, segundo Elliot Berg67, o da realia o de z elev aut