1. apostila - módulo 1 - administração pública

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  • 7/26/2019 1. Apostila - Mdulo 1 - Administrao Pblica

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    Diretoria de Desenvolvimento Gerencial

    Programa de Desenvolvimento de

    Gerentes Operacionais (DGO)

    Escola Nacional de Administrao Pblica

    Mdulo 1

    Administrao Pblica e

    o Contexto Institucional

    Contemporneo

    Apostila

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    1

    Apostila

    Braslia - 2014

    Mdulo 1

    Administrao Pblica e

    o Contexto Institucional

    Contemporneo

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    Fundao Escola Nacional de Administrao Pblica

    Presidente

    Paulo Sergio de Carvalho

    Diretor de Desenvolvimento Gerencial

    Paulo MarquesDiretora de Formao Profissional

    Maria Stela Reis

    Diretor de Comunicao e Pesquisa

    Pedro Luiz Costa Cavalcante

    Diretora de Gesto Interna

    Ala Vanessa David de Oliveira

    ENAP, 2014

    ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica

    Diretoria de Comunicao e Pesquisa

    SAIS rea 2-A 70610-900 Braslia, DFTelefone: (61) 2020 3096 Fax: (61) 2020 3178

    Coordenadora-Geral de Programas de Capacitao: Marcia Sera da Motta Brando

    Editor:Pedro Luiz Costa Cavalcante; Coordenador-Geral de Comunicao e Editorao:Luis Fernando de Lara Resende; Reviso:Renata Fernandes Mouro, Roberto Carlos R.Arajo e Simonne Maria de Amorim Fernandes; Capa: Ana Carla Gualberto Cardoso;Editorao eletrnica:Maria Marta da R. Vasconcelos.

    Ficha catalogrfica:Equipe da Biblioteca Graciliano Ramos/ENAP

    C6725 COELHO, Ricardo Corra

    Administrao pblica e contexto institucional Contemporneo; mdulo I / Ricardo Corra Coelho. Braslia : ENAP / DDG, 2013.

    73 p.

    Apostila do Programa de Desenvolvimento de Gerentes Operacionais DGO.

    1. Administrao Pblica Brasil. 2. Sociedade Contempornea Brasil. 3. Agente

    Pblico Brasil. I. ttulo.

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    ENAPSumrio

    1. Retomando o Conceito de Estado ......................................................................... 9

    2. A Dicotomia Pblico/Privado................................................................................ 13

    2.1. A Primazia do Pblico sobre o Privado ................................................................... 15

    2.2. A Fronteira entre o Pblico e o Privado .................................................................. 15

    2.3. As Prerrogativas do Estado sobre os Agentes Privados.........................................18

    2.4. Os Direitos do Cidado e os Deveres do Estado ..................................................... 19

    2.5. Interesses Privados e Interesses Coletivos ..............................................................20

    3. O Estado e o Servidor Pblico ............................................................................... 23

    3.1. O Servidor como Agente do Estado ........................................................................23

    3.2. Diferentes Agentes Pblicos e suas Formas de Investidura ................................... 24

    3.3. As Prerrogativas do Estado e as Garantias do Servidor ......................................... 25

    3.4. Vnculo Estatutrio e Vnculo Empregatcio: Cargo Pblico

    e Emprego Pblico ................................................................................................... 25

    3.5. A tica Profissional e o Servidor Pblico ................................................................. 27

    4. O Servidor e o Servio Pblico .............................................................................. 30

    4.1. Princpios Orientadores da Administrao Pblica ................................................ 30

    4.2. Poderes e Deveres do Administrador Pblico ......................................................... 33

    5. A Administrao Pblica no Mundo Contemporneo ........................................... 36

    5.1. Globalizao e Neoliberalismo: Desregulamentao,

    Privatizao e Abertura de Mercados .................................................................... 46

    5.2. Reorientao do Papel do Estado no Brasil: Criao de Mercados e

    Regulao dos Novos Agentes Econmicos........................................................... 37

    5.3. Mudanas Tecnolgicas e Administrao Pblica .................................................. 38

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    ENAP 6. Desafios da Administrao Pblica Brasileira ........................................................... 40

    6.1. O Papel das Gerncias Operacionais .......................................................................... 41

    Referncias Bibliogrficas ............................................................................................ 43

    Caderno de Slides do Mdulo 1 ................................................................................... 46

    Caderno de Exerccios do Mdulo 1 ............................................................................. 67

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    ENAPGlossrio de Siglas

    Indica discurso do narrador.

    Indica contedos adicionais.

    Indica um tpico ou assunto para o qual o leitor deve reservar especial

    ateno.

    Indica uma atividade prtica ou exerccio a ser realizado em sala de aulamediante o comando do facilitador.

    Indica uma observao que merece destaque ou advertncia.

    Indica a sugesto de fontes para consultas, tendo em vista a situao de

    dvida ou de interesse por aprofundamento em tpicos ou temas

    especficos.

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    ENAP

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    ENAPPrograma de Desenvolvimentode Gerentes Operacionais

    Objetivo do Programa

    Capacitar os gerentes operacionais da Administrao Pblica Federal para o exerccio

    eficiente e efetivo de suas funes, por intermdio de contedos essenciais compreenso

    do contexto institucional do Estado e da Administrao, da gesto de processos, do

    planejamento estratgico organizacional, do ciclo de gesto governamental e da gesto de

    recursos, bem como da aplicao de conceitos e ferramentas destinados mobilizao de

    equipes com foco nos resultados e na criao de valor pblico.

    Estrutura do Programa O Programa de Desenvolvimento de Gerentes Operacionais estruturado em cinco

    mdulos consecutivos e concatenados em funo da perspectiva complementar e integrada

    dos contedos.

    Mdulo 1:Administrao Pblica e Contexto Institucional Contemporneo

    Mdulo 2:Planejamento e Gesto Governamental

    Mdulo 3:Gesto de Processos

    Mdulo :Gesto de Recursos

    Mdulo :Gesto de Pessoas

    Objetivos Instrucionais do Mdulo 1

    Definir o Estado e a Administrao Pblica, por intermdio da anlise de sua evoluo

    histrica, no que se refere s suas funes e esfera de atuao.

    Identificar os direitos do cidado e os deveres do Estado nas democracias modernas,

    considerando-se as relaes pblico-privado e as prerrogativas do poder pblico.

    Definir o papel do servidor pblico como agente do Estado, considerando-se as formas

    de investidura, os tipos de vnculos e princpios de conduta.

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    ENAP Definir os princpios norteadores da Administrao Pblica brasileira de acordo com o

    texto constitucional, considerando as implicaes desses princpios na atuao dos agentes

    pblicos.

    Listar os poderes e deveres do administrador pblico com relao Administrao e

    sociedade civil. Apontar as principais transformaes sociais, polticas, econmicas, culturais e

    tecnolgicas da contemporaneidade, que impactaram o papel e forma de atuao do Estado

    e da Administrao Pblica no mundo e no Brasil.

    Indicar os desafios a ser enfrentados pelo Estado e pela Administrao Pblica brasileira

    na atualidade e o papel que os gerentes operacionais podero desempenhar no

    enfrentamento desses desafios.

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    ENAPMdulo IAdministrao Pblica e o Contexto

    Institucional Contemporneo

    Atualizao e Adaptao: Coordenao-Geral deProjetos de Capacitao

    Por que comear um programa de desenvolvimento gerencial discorrendo

    sobre o Estado? A resposta pode no ser to bvia, ainda que a capacitao

    tenha como alvo servidores pblicos. O tema poderia ser dispensvel,

    pressupondo-se que o pblico j o conhea suficientemente, ou pela simples

    urgncia da abordagem de contedos diretamente ligados s prticas gerenciais e melhoria

    do desempenho dos gerentes. No entanto, analisar o que o Estado, e sua evoluo histrica,

    constitui a forma mais segura para entender o funcionamento das instituies,

    particularmente aquelas afetas Administrao Pblica, e as opes que uma sociedade

    estabelece no que se referem aos seus valores, modelos e prticas de gesto. Portanto,

    por intermdio desse tipo de reflexo que os dirigentes pblicos podem contextualizar a

    prpria prtica, reconhecer os desafios e o papel que podem desempenhar em funo daexcelncia das organizaes pblicas.

    1) Retomando o Conceito de Estado

    A extenso dos poderes do Estado e o papel da Administrao Pblica na sociedade so

    temas que suscitam grandes controvrsias e em torno dos quais no se pode, rigorosamente,

    falar de consenso ou da existncia de uma posio dominante. Por se tratarem de questes

    que emanam da reflexo e da prtica poltica, as formulaes so geralmente afetadas por

    vieses ideolgicos1, alimentadas por diferentes vises de mundo, concepes e valores

    Mdulo I

    1 O vocbulo ideologia um dos mais complexos em cincias sociais. Foi criado e apresentado porDestutt de Tracy em seu livro Elments dIdologie, publicado em 1801. Tracy tinha a pretenso de elaboraruma cincia da gnese das ideias. Porm, no decorrer do tempo, o vocbulo adquiriu significados osmais diversos, particularmente no contexto do pensamento sociolgico. Aparece na literatura comoexpresso das ideias de uma poca ou como o conjunto da elaborao terica dos pensadores de umdado perodo histrico (Augusto Comte); como preconceitos ou pr-noes subjetivas (Emile Durkeim);como expresso de sistemas de crenas (Vilfredo Pareto) ou como falsa conscincia das condiesmateriais de existncia e de domnio entre as classes sociais (Karl Marx). Alm desses significados, oconceito tambm adquiriu o sentido de representao da sociedade, base de orientao de programaspolticos e, no raras as vezes, tomado como sinnimo de cosmoviso (viso de mundo). O debate emtorno do conceito, portanto, no trivial. Ao mencionarmos a expresso vieses ideolgicos, pressupomosa ideologia como uma forma de justificao de valores, que pode fundamentar no s posies sociais,mas, sobretudo, discursos. Nesse caso, a ideia reporta-se a outra impossibilidade da plenaneutralidade -, condio que cabe inclusive ao discurso cientfico. Para aprofundar a discusso sobre aideologia, conferir Chau (1990), Bobbio (1997) e Boundon & Bourricaud (2001).

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    ENAP dos quais todos os indivduos das sociedades contemporneas, sem exceo, so portadores,

    conscientemente ou no.

    A impreciso dos conceitos no se restringe ao universo do senso comum. A definio

    de Estado, por exemplo, imprecisa dentro da prpria cincia poltica. No raras vezes, o

    Estado tido como governo, como sinnimo de pas, regime poltico ou sistema econmico(MATIAS-PEREIRA, 2010, p.31). Porm, a polissemia e o reconhecimento da existncia de vieses

    no nos devem desencorajar a enfrentar a questo, nem tampouco nos autorizam

    formulaes descuidadas, em uma espcie de vale-tudo. Ao longo de sculos, a civilizao

    ocidental vem recorrentemente se colocando questes a respeito do Estado, do exerccio

    do poder e das relaes entre Estado e sociedade2. O acmulo dessas reflexes deve nos

    servir de base para conceitos mais precisos e anlises mais apuradas, sobretudo no que se

    refere ao Estado moderno.

    As atuais dimenses do Estado no podem ser compreendidas de maneira dissociada

    do projeto social da modernidade. O projeto de modernidade pode ser resumido, da maneiracomo o faz Boaventura de Souza Santos (SANTOS, 1997, p.77), como um projeto assentado em

    dois pilares: o pilar da regulao, constitudo pelo princpio do Estado (Hobbes), pelo princpio

    do mercado (Locke) e pelo princpio da comunidade (Rousseau); e o pilar da emancipao,

    constitudo por trs lgicas de racionalidade: a racionalidade esttico-expressiva da arte e

    da literatura, a racionalidade moral-prtica da tica e do direito e, por fim, a racionalidade

    cognitivo-instrumental da cincia e da tcnica.

    De acordo com essa perspectiva, o Estado moderno um fenmeno histrico, cujo

    surgimento coincide com mudanas estruturais nas sociedades europeias a partir da segunda

    metade do sculo XV, que culminaram com a superao da suserania feudal e secularizao

    dos fundamentos da poltica3. Nesse contexto, no so mais

    homens que imperam sobre os outros homens, mas poderes

    pblicos que agem sobre o arbtrio das pessoas privadas. O Estado

    moderno nasce associado ideia de soberania, segundo a qual o

    governante (soberano) tem o direito de fazer valer suas decises

    frente aos governados (sditos).

    Nos primrdios, o Estado moderno ser marcado pelas formas

    absolutistas de poder, em que a figura do monarca se confunde

    com o prprio Estado. O folclore consagrou como exemplo, nesse

    sentido, o rei francs Lus XIV de Bourbon (1638-1715), que teria

    afirmado em algum momento: Letat cest moi. Contudo, em

    2 Essa reflexo no exclusiva da civilizao ocidental, tendo tambm sido desenvolvida em outrasculturas. No entanto, a tradio ocidental j to ampla e as do Oriente nos so to desconhecidasque a prudncia nos aconselha a nos restringirmos ao nosso prprio universo cultural.3 De acordo com Norberto Bobbio (1990, p.67) possvel admitir a descontinuidade histrica entre oque se denomina Estado Moderno e as formas de organizao antigas, a exemplo das organizaes

    greco-romanas e feudal. A acepo de Estado com referncia ao ordenamento poltico nas sociedadesmodernas se deve principalmente aos estudos de Nicolau Maquiavel (1469-1527), em particular OPrncipe escrito em 1513.

    Lus XIV de Bourbon

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    ENAPvirtude das presses evolutivas que afetam a ideia de soberania clssica, os titulares da

    soberania se modificaro: passaro da pessoa do monarca (soberania absolutista) para o

    povo (soberania popular) e, depois, para a nao e para o Estado, com a teoria jurdica da

    soberania4. Neste sentido, o Estado moderno apresenta dois momentos marcantes em sua

    histria: o Estado absolutista (soberano, monrquico e secularizado) e o Estado de direito

    (liberal, constitucional e representativo).

    O Estado moderno, em sua verso absolutista, lanou mo de dispositivos que se tornaram

    traos caractersticos do Estado como o conhecemos ainda hoje. Para exercer o poder, os

    monarcas constituram burocracias administrativas, organizaram foras militares,

    estabeleceram a unidade de leis e formas de justia pblica, estruturaram sistemas

    tributrios e promoveram a unidade idiomtica5. medida que a organizao poltica evolui

    em direo s formas do liberalismo burgus, que se evidencia a partir do sculo XVII,

    acentua-se a distino entre o pblico e o privado, e o Estado passa a ter o monoplio da

    criao e produo do direito. O poder institucionalizado e transferido da pessoa dos

    governantes para o Estado (a unio da potncia com a autoridade), um artifcio mediante o

    qual vontades humanas so imputadas a uma entidade (B URDEAU, 1977, p.35-49).

    Posteriormente, as noes de Estado e de nao se aproximam, e isso resolver dois

    problemas do Estado moderno: a legitimao dos poderes e a integrao social. A conscincia

    de pertencer mesma nao faz com que pessoas diferentes e distantes se sintampoliticamente responsveis umas pelas outras, emergindo uma sociedade legalmente

    mediada entre os cidados, ou seja, baseada na coeso social. Por fim, com a ideia de um

    direito emanado pelos representantes dos cidados, a declarao da vontade popular (o

    direito da cidadania) servir para legitimar os poderes do Estado (HABERMAS, 1995, 91-92).

    Evoluo do Estado Moderno

    Estado Moderno

    Estado Absolutista

    Estado Liberal

    Estado Social

    Estado de Direito

    Estado

    Intervencionista

    Estado Democrticode Direito

    4 Essa teoria afirma que o Estado possui duas qualidades soberanas: uma qualidade interna e outraexterna. No primeiro caso, o Estado supremo quando capaz de impor as suas decises e, nosegundo, quando demonstra independncia em relao aos demais Estados e atores da ordem

    internacional.5 Esses traos passaro, inclusive, Teoria do Estado como elementos materiais do Estado, ou seja, oterritrio, o povo e o governo (soberano) como elemento formal.

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    ENAP H, ainda, quem receie que possam levar a um controle excessivo, ou aqueles que

    simplesmente no querem se responsabilizar. Por ltimo, podem-se levantar questes a

    respeito do valor da avaliao em um ambiente onde o desempenho continuamente

    mensurado e tomado como base contratual.

    Esses argumentos podem ser contestados. A avaliao pode preencher uma importantelacuna quando utilizada apropriadamente e devidamente integrada a um arcabouo geral

    de gesto de desempenho. Pode aumentar a eficincia e a eficcia do setor pblico e, por

    conseguinte, fortalecer a base para as atividades da iniciativa pblica. As qualidades da

    avaliao de programas podem complementar e desenvolver esforos de mensurao,

    monitoramento e auditoria de desempenho. O estabelecimento de expectativas realistas

    em relao a problemas de avaliao, bem como o uso destas de forma pragmtica e objetiva,

    pode permitir aos governos melhorar em seu desempenho, sua responsabilidade e

    capacidade para prestar contas. Os exemplos apresentados neste artigo do alguma

    orientao nesse sentido.

    Estado Intervencionista

    As crises econmicas, a exemplo da grande crise de 1929, evidenciaram a

    incapacidade da economia regular-se por si s. Tornou-se necessria a presena

    mais efetiva do Estado para minimizar os efeitos e prevenir novas crises. O Estado

    passa a intervir diretamente na esfera produtiva e associa sua funo de defesa

    do territrio e dos cidados novas competncias no que se refere conduo de

    polticas econmicas capazes de garantir o equilibrio e regularidade das atividades produ-

    tivas. Ademais, nos pases em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, o Estado assume o papel

    de motivador do desenvolvimento social e econmico.

    Estado Social

    Resulta da busca de superao da contradio existente no Estado Liberal entre igualdade

    poltica e desigualdade social. Fundamenta-se no pressuposto de que a liberdade no pode

    restringir-se liberdade poltica, que pode, inclusive, ser limitada devido s desigualdades

    sociais. Por conseguinte, o Estado passa a ter a incumbncia da formulao de polticas que

    garantam o bem-estar social, minimizando as desigualdades entre os cidados. Ele passa a

    incorporar no rol de seus deveres a manuteno de sistemas de sade, educao e segurana

    social de carter universal e plena acessibilidade a todos os cidados.

    Estado Democrtico de Direito

    Pode ser compreendido como a fuso de duas acepes de Estado: Estado de Direito e

    Estado Democrtico. No primeiro caso, deve-se entender como Estado de Direito aquele em que

    h a hegemonia do respeito lei, cuja maior expresso seria o texto constitucional. No segun-

    do caso, o conceito de Estado Democrtico envolve a noo de cidadania, de respeito digni-

    dade humana, de respeito diversidade, ao pluralismo poltico e livre iniciativa.

    Saiba Mais

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    ENAP2. A Dicotomia Pblico/Privado

    Da tradio ocidental deriva uma dicotomia, que remonta ao Direito Romano, que

    central no debate sobre o Estado e a Administrao Pblica: a dicotomia entre pblico e

    privado. Geralmente definies dicotmicas carregam elevado grau de arbitrariedade, na

    medida em que se pretende dar conta de todo o universo de possibilidades. Dessa forma, muito comum admitir-se a contraposio rgida, e excludente, entre a esfera pblica e a

    esfera privada. Um termo exclui o outro, e ambos recobrem a totalidade do existente e do

    imaginvel. No mundo real, nem sempre as definies so to claras quanto no mundo dos

    conceitos. Intuitivamente, associa-se, sem dificuldade, o Estado esfera pblica, e a empresa

    capitalista esfera privada. No entanto, medida que se vai distanciando dos casos

    extremos, a classificao parece no ser to bvia. Por exemplo, em que esfera deve-se

    situar a empresa pblica? E os partidos polticos? Antes de nos precipitarmos em responder

    a essas perguntas, examinemos os componentes de cada um dos termos, tentando

    identificar o que fundamental em um e em outro.A definio da esfera pblica uma construo, ao mesmo tempo, intelectual e coletiva.

    Na substncia ou na materialidade das coisas, no h nada que inequivocamente situe um

    bem ou um servio na esfera pblica. Esta , na verdade, resultado de uma conveno

    social especfica. Integra a esfera pblica aquilo que o conjunto da coletividade, e no

    apenas uma parte dela, pactua, explcita ou implicitamente, ser de interesse comum a toda

    coletividade. Tudo aquilo que uma coletividade, tambm chamada de povo, em um

    determinado momento de sua histria, estabelecer como interesse ou propriedade comum

    integrar a esfera pblica, ficando todo o restante adstrito esfera privada. Conclui-se,

    portanto, que no h nada que seja intrinsecamente pblico nem intrinsecamente privado,j que um e outro resultam de convenes coletivas.

    A construo da esfera pblica tambm historicamente delimitada. O que em um

    momento histrico considerado indubitavelmente pblico pode no o ser em outro

    momento. Tomemos alguns exemplos para explicitarmos esse aspecto. Atualmente,

    considera-se a defesa externa um bem claramente pblico, que se encontra sob a

    responsabilidade de uma instituio igualmente pblica: o Exrcito nacional ou, mais

    genericamente, as foras armadas nacionais, regulares e profissionais. No entanto, nem

    sempre foi assim. Durante a maior parte da histria do Ocidente, essa funo foi delegada

    a exrcitos de mercenrios, isto , a grupos privados contratados pontualmente pelos

    governantes para a defesa dos seus territrios. De forma anloga, considera-se hoje a

    coleta de impostos uma funo eminentemente pblica e executada por agentes pblicos.

    No entanto, durante a Idade Mdia, os impostos eram cobrados por particulares daqueles

    que utilizavam estradas ou pontes situadas em terras particulares.

    A clara separao entre esfera pblica e privada , na atualidade, a marca distintiva das

    sociedades ocidentais em relao s sociedades tradicionais. Dessa separao decorrem todas

    as demais diferenciaes relevantes: a existncia de um Direito Pblico e de um Direito

    Privado; a separao entre Estado e sociedade civil; a delimitao dos poderes dos governantes

    em relao ao conjunto do Estado e aos cidados. Nessas sociedades, a forma de administrao

    do Estado tambm substantivamente distinta da forma de administrao nas sociedades

    tradicionais, onde predomina a administrao patrimonialista. Esse tipo de administrao

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    ENAP implica uma forma de gesto dos negcios pblicos

    como se fossem negcios privados dos governantes.

    Nas modernas sociedades contemporneas, a forma

    de administrao predominante a burocrtica,

    caracterizada por uma srie de procedimentos

    administrativos, estudados exausto pelo socilogo

    alemo Max Weber (1864-1920), baseados na

    legalidade dos atos, na impessoalidade das decises,

    no profissionalismo dos agentes pblicos e na

    previsibilidade da ao estatal6.

    A esfera pblica por excelncia a esfera de ao

    do Estado, ao passo que a esfera privada a de ao da

    sociedade civil. O Estado moderno exerce diferentes

    funes de interesse da sociedade, as quais so funcionalmente distribudas entre diferentes

    instituies. De acordo com Montesquieu, o Estado possui trs funes fundamentais, sendo

    todas as suas aes decorrentes de uma, ou mais, dessas funes: a funo legislativa,que

    a de produzir as leis e o ordenamento jurdico necessrios vida em sociedade; a funo

    executiva, que a de fazer cumprir as leis; e a funo judiciria,que a de julgar a adequao,

    ou inadequao, dos atos particulares de execuo das leis existentes. Tendo em vista evitar

    que o Estado abusasse do seu poder, tornando-se tirnico com os seus sditos, o filsofo

    francs Charles de Montesquieu (1689-1755) formulou a teoria da separao funcional dos

    poderes, que deu origem separao entre os poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, tal

    como os conhecemos hoje.

    Na esfera pblica, os indivduos so sempre concebidos como cidados, seja na posio

    de agentes pblicos7 dentre os quais os servidores pblicos , seja na condio de simples

    usurio dos servios pblicos ou sujeito submetido s leis e normas impostas pelo Estado.

    Na esfera privada, os indivduos so concebidos como pessoas fsicas procura da satisfao

    de seus interesses particulares. Nessa esfera, os indivduos podem associar-se e constituir

    pessoas jurdicas com a finalidade de perseguir os mais diferentes objetivos: econmicos,

    polticos, religiosos, culturais, entre outros. A personalidade coletiva resultante dessa

    associao segue, no entanto, sendo privada, e no se confunde, em momento algum, com

    Max Weber

    6 Na dcada de 1990, o conceito de administrao gerencial foi amplamente divulgado e adotado noBrasil, em contraposio ao conceito de administrao burocrtica. Em verdade, defendia-se o conceitocomo forma de administrao mais condizente com as necessidades da sociedade contempornea.No entanto, a administrao gerencialope-se ao conceito weberiano de burocracia apenas na aparncia.Na contraposio entre administrao gerencial e administrao burocrtica,confere-se ao termo burocraciao sentido consagrado pelo senso comum, que o de papelada e de excesso de formalismosdisfuncionais administrao, e no o sentido que lhe confere Weber (1994). Na verdade, o conceitode administrao gerencial fundamenta-se fortemente na concepo weberiana de burocracia,incorporando caractersticas conceitualmente secundrias das teorias da administrao mais recentes.Sobre a contraposio entre administrao gerencial e administrao burocrtica, consultar o artigo de LuisBresser Pereira (1996) arrolado na bibliografia de referncia.7 Toda e qualquer pessoa que exerce uma atribuio pblica, em sentido amplo, na condio deocupante de funo, cargo ou de emprego pblico.

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    ENAPa associao e coletividade pblicas. A associao pblica uma associao nica e, portanto,

    substantivamente diferente de todas as demais. O Estado o resultado por excelncia

    dessa associao e representaa totalidadedos cidados, que a ele se encontram sujeitos.

    Todas as outras formas de associao observadas na sociedade so parciais, ou seja,

    envolvem parcelas dos cidados.

    2.1. A primazia do pblico sobre o privado

    O Estado e suas instituies so as nicas instncias de representao do todoem uma

    determinada sociedade. As demais instituies representam apenas partes. Da a primazia

    do pblico sobre o privado. A relao entre Estado e sociedade civil , portanto, uma

    relao entre desiguais. O Estado tem primazia sobre a sociedade civil. Isso no quer dizer

    que ele possa, sob qualquer pretexto, intervir na sociedade civil. O conceito de primazia

    significa assimetria respaldada pelo Direito, e no arbitrariedade.

    A primazia do pblico sobre o privado revela-se tambm na precedncia do primeirosobre o segundo. O Estado determina, por intermdio do exerccio de sua funo legislativa,

    a esfera do poder pblico; depois, por excluso e residualmente, determinada a esfera

    privada. Uma vez determinada a esfera privada, os indivduos e suas associaes particulares

    podem nela fazer tudo aquilo que a lei no proibirou deixar de fazer tudo aquilo que a lei

    no obrigar. A essa autonomia dos indivduos na sociedade civil chama-se liberdade

    negativa.O Estado e os agentes pblicos, contrariamente aos cidados na sociedade civil,

    no gozam de liberdade negativa. A rigor, a expresso liberdade de aono aplicvel ao

    Estado e seus agentes, que s podem e devem fazer aquilo que a lei obrigar. Normativamente,

    a primazia do pblico sobre o privado funda-se na contraposio entre interesse coletivo e

    interesse individual. O bem comum no resulta da soma dos bens individuais, razo pela

    qual os interesses individuais (privados) devem ser subordinados aos interesses coletivos

    (o bem pblico).

    2.2. A Fronteira entre o Pblico e o Privado

    A primazia e precedncia do pblico sobre o privado fazem com que a fronteira entre

    um e outro seja mvel. Ora o Estado avana sobre a esfera privada, ora recua. Existem,

    porm, algumas atividades consagradas como exclusivas do poder pblico, outras em torno

    das quais no existe consenso e outras ainda que suscitam os mais vivos embates. Entre as

    aes consensualmente consideradas como exclusivas do Estado encontram-se, por

    exemplo, as atividades legislativas e judicirias. No seria imaginvel que a elaborao de

    leis, que determinaro as obrigaes e delimitaro a esfera de liberdade de todos, fosse

    conferida a mos privadas. Tampouco seria admissvel que a funo de dirimir os conflitos

    entre as partes fosse conferida a uma delas. Por isso, a elaborao legislativa normalmente

    conferida a corpos coletivos, em que estejam representados todos os interesses da

    sociedade, de forma a que as leis por eles produzidas venham a representar a vontade

    coletiva. Por isso tambm que a atividade judiciria conferida a tribunais, compostos

    por magistrados com formao jurdica adequada e situados acima dos interesses das partes.

    Na esfera de atuao do Executivo, algumas atividades tampouco suscitam controvrsias.

    No se contesta que a defesa das agresses externas deva caber s foras armadas nacionais

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    ENAP e que a segurana e manuteno da ordem pblica internas devam ser asseguradas pelas

    foras policiais. Tambm no se questiona que a representao dos interesses de um Estado

    no exterior deva ser encargo de diplomatas profissionais, mas, se por uma razo qualquer,

    um Estado no contar com representao diplomtica prpria em outro pas, admite-se

    que os seus interesses sejam representados por terceiros. A partir desse ponto, os consensos

    vo desaparecendo e as divergncias emergindo. A coleta de impostos considerada, no

    Brasil, como atividade eminentemente pblica e executada por servidores pblicos, mas,

    na Argentina, chegou-se a admitir a terceirizao da coleta de impostos como forma de

    aumentar a arrecadao. No Brasil, o sistema penitencirio pblico, e geralmente dirigido

    por servidores pblicos, mas nos Estados Unidos, por exemplo, h casos de privatizao no

    setor carcerrio baseada no full-scale management (gesto total do presdio)8. Outras

    atividades so consideradas de interesse pblico, mas no exclusivamente providas pelo

    poder pblico. Entre essas se encontra a maior parte dos servios sociais, como os de

    educao e de sade, que so oferecidos tanto por instituies pblicas quanto privadas.

    Nas sociedades capitalistas, considera-se que as atividades produtivas sejam,

    eminentemente, incumbncia dos agentes privados. A deciso de produzir um

    determinado produto para venda no mercado seria privada e independente do Estado,

    assim como tambm seria privada a deciso dos indivduos de adquirir, ou no, um

    determinado produto no mercado. No entanto, consideraes orientadas pelo interesse

    coletivo podem levar o Estado a intervir nessa esfera tipicamente privada. Na primeira

    metade do sculo XX, at mais ou menos a dcada de 1970, a expanso da ao do Estado

    sobre reas at ento consideradas privativas da sociedade civil foi notvel. Essa

    interveno do Estado se deu sob trs formas: a regulaopblica de relaes at ento

    consideradas exclusivas da esfera privada; a prestao de serviossociais; e a produode bens considerados essenciais ou de interesse coletivo.

    A regulao das relaes de trabalho entre empregadores e empregados pelo Estado

    foi, possivelmente, a interveno do Estado que maior impacto causou nas sociedades

    ocidentais do incio do sculo passado, at ento culturalmente orientadas pelo liberalismo

    econmico9. Essa doutrina considerava que o mbito das relaes econmicas, entre as

    quais as relaes de trabalho, era esfera exclusivamente privada. Com a organizao do

    8

    Registra-se no Brasil o sistema pblico-privado, com a terceirizao de parte dos servios carcerrios.A terceirizao abrange geralmente servios operacionais e de reabilitao pelo trabalho. Entre asprimeiras experincias brasileiras, destacam-se a Penitenciria Industrial de Guarapuava no Paran,inaugurada em 1999, e a Penitenciria Industrial Regional do Cariri no Cear, implantada em 2000. NosEUA o sistema full -scale envolve a construo e todo o processo de gesto das penitencirias porempresas. Nesse caso, destaca-se a atuao da CCA (Correction Corporation of America), empresa norte-americana que abriga mais de 80.000 detentos em mais de 60 instalaes, entre as quais 44 so depropriedade da CCA, com capacidade de alojamento total de mais de 90.000 presidirios. A empresamantm presdios no territrio norte-americano, em Porto Rico e nas Ilhas Virgens (conferir informaesem www.cca.com).9 Tambm conhecido como doutrina do laissez faire, contrao da expresso em lngua francesa laissezfai re, lai ssez all er, lai ssez passer , que significa literalmente deixai fazer, deixai ir, deixai passar. Aexpresso foi criada no contexto da ideologia econmica predominante no sculo XVIII, que se baseavana defesa do mercado livre nas trocas comerciais e condenao do protecionismo orientado porelevadas tarifas alfandegrias. A criao da expresso atribuda ao pensador iluminista Vincent deGournay (1712-1759). Ela foi popularizada pelos defensores do liberalismo econmico, que apreconizaram como sinnimo da no interveno do Estado nas relaes econmicas.

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    ENAPmovimento operrio e intensificao da ao sindical e das lutas sociais na Europa,

    alimentadas pelas ideologias socialistas e comunistas do sculo XIX, gradualmente a rigidez

    liberal foi cedendo espao interveno do Estado at o estabelecimento do que se

    convencionou chamar de Estado de Bem-Estar Social (Welfare State)10. Aps a grave crise

    econmica de 1929 e o perodo de depresso que se seguiu, os Estados passaram, tambm,

    a intervir na regulao de outras esferas das atividades econmicas como forma de evitar

    outros perodos de crise to profundos. A prestao de servios sociais pelo Estado outro

    componente importante do Estado de Bem-Estar Social. At ento, os servios sociais, hoje

    considerados eminentemente pblicos, como sade, educao e assistncia social, eram

    prestados por organizaes privadas, geralmente, por instituies filantrpicas

    confessionais ou laicas11. Ao longo do sculo XX, outros servios sociais passaram a ser

    oferecidos pelo poder pblico, como transporte, habitao e lazer.

    A interveno direta do Estado na produo de bens outro componente importante

    do avano da esfera pblica sobre a privada, sobretudo em sociedades capitalistas em

    desenvolvimento, que comeavam a industrializar-se tardiamente, como o Brasil. Partindo

    do diagnstico de que os capitais nacionais privados no eram suficientemente fortes

    para fazer os investimentos produtivos necessrios industrializao do Pas, ento

    considerada um bem comum e a nica via de desenvolvimento nacional, o Estado

    brasileiro passou a atuar como produtor de bens em reas consideradas estratgicas,

    como a siderurgia, a minerao, a produo de motores, de energia e de combustveis,

    alm do financiamento das atividades produtivas privadas. Podem ser citados como

    exemplos: a criao da Companhia Siderrgica Nacional (CSN), em 1941; da Companhia

    Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942; da Fbrica Nacional de Motores (FNM), em 1943; da

    Companhia Hidroeltrica do So Francisco, em 1945; do Banco Nacional de

    Desenvolvimento Econmico (BNDE), em 1952, posteriormente transformado em Banco

    Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES); e da Petrobrs, em 1953.

    Em tempos recentes, a participao do Estado na regulao, prestao de servios e

    produo de bens refluiu no Brasil e no mundo, refluxo esse que ser objeto de anlise em

    outra seo deste texto. Para efeito do que nos interessa neste momento, que a fronteira

    entre o pblico e o privado, o que importa reter que ela flexvel, mutvel no tempo e no

    espao, de acordo com o que uma determinada coletividade nacional julga ser de interesse

    coletivo, ou no. A formulao do filsofo suo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) a esse

    respeito permanece plenamente vlida:

    (...) perguntar at onde se estendem os direitos respectivos do soberano e dos cidados

    perguntar at que ponto estes podem comprometer-se consigo mesmos, cada um perante todos

    e todos perante cada um (ROUSSEAU, 1987, p.50).

    10 O Estado do bem-estar ou Estado assistencial, pode ser definido, grosso modo, como Estado que

    garante tipos mnimos de renda, alimentao, sade, habitao, educao assegurados a todo cidado,no como caridade, mas como direito poltico (WILENSKY, 1975 e BOBBIO, 1997, p. 416).11 A nica notvel exceo era a oferta de educao em escolas pblicas, desde o sculo XIX.

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    ENAP 2.3. As prerrogativas do Estado sobre os agentes privados

    O Estado goza de diversas prerrogativas sobre os agentes privados, todas elas derivadas

    da assimetria existente entre Estado e sociedade civil. Existe toda uma hierarquia de

    prerrogativas que, exercidas pelos devidos agentes, vo do poder soberano, que tudo

    pode, constitudo por representantes de todos os cidados reunidos em assembleiaconstituinte, ao poder limitado em diferentes graus.

    A Constituio brasileira de 1988 previu alguns mecanismos para a alterao dessa relao

    e da prpria forma do Estado. No Ato das Disposies Transitrias, foi previsto um plebiscito

    e uma reviso do texto constitucional em 1993. Neste ano, o eleitorado, em plebiscito,

    decidiu-se pela manuteno da Repblica e do Presidencialismo, ocasio em que poderia

    ter escolhido a Monarquia e o Parlamentarismo. Fora desses mecanismos, o Poder

    Legislativo pode alterar a Constituio, respeitando as chamadas clusulas ptreas que no

    so passveis de supresso, como a forma federativa e republicana do Estado brasileiro.

    As Emendas Constituio so possveis mediante a sua aprovao por maioria

    qualificada, isto , 3/5 dos deputados federais e 3/5 dos senadores, em votaes em dois

    turnos em cada uma das duas casas do Congresso Nacional. A elaborao e alterao das

    Leis Complementares, que so previstas pela Constituio, requerem a aprovao da maioria

    absoluta dos representantes da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, isto , 50%

    mais um de todos os seus membros. As Leis Ordinrias, por sua vez, requerem aprovao

    por maioria simples, isto , 50% mais um dos presentes, em cada Casa, nas sesses com

    quorum(50% mais um de todos os representantes).

    A prerrogativa de criar normas infralegais do Poder Executivo. O Presidente da Repblica

    pode emitir Decretos, regulamentando as disposies legais. Os Conselhos, criados por Lei,normatizam por Resoluo, e os ministros e secretrios de Estado, por sua vez, podem

    exercer seu poder normativo com efeitos externos, isto , sobre a sociedade, por Portarias.

    At o fim da linha hierrquica, o servidor pblico, na qualidade de agente do Estado, exerce

    um conjunto de poderes com efeitos sociais que sero objeto de anlise detalhada em

    outra sesso deste texto.

    O Estado pode estabelecer contratos com os agentes privados, mas, mesmo em relaes

    contratuais, conceitualmente uma relao entre iguais, o Estado conserva certas

    prerrogativas. O Estado tem o poder de alterar os seus contratos unilateralmente, se assim

    requerer o interesse pblico. Em contrapartida, deve compensar o agente privado peloprejuzo que a alterao contratual eventualmente lhe impuser. Em caso contrrio, o Estado

    estaria sendo arbitrrio com os agentes privados, e a unilateralidadeno significa, de forma

    alguma, arbitrariedade. A unilateralidade prerrogativa do Estado porque s ele age no

    interesse pblico, agindo os demais agentes, todos privados, lcita e legalmente, na defesa

    dos seus interesses privados. Na sociedade civil, os contratos estabelecidos entre partes

    juridicamente consideradas como iguais s podem ser alterados mediante a vontade

    expressa de ambas as partes contratantes. Como cada parte defende, legitimamente, seus

    interesses privados, os contratos no podem nunca ser alterados unilateralmente.

    O Estado tem ainda a prerrogativa de interferir em um dos direitos mais caros ssociedades capitalistas, que o direito propriedade. O Estado pode, sem cometer qualquer

    arbitrariedade, operar a transferncia compulsria de um bem de um indivduo ou de uma

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    ENAPempresa particular para o domnio pblico, em carter permanente, se for o caso, sempre

    que houver um motivo de interesse pblico legalmente sustentado. Essa interveno na

    propriedade privada imposta de forma discricionria com nus para o Estado, que deve

    indenizar o particular objeto da expropriao. O Estado poder desapropriar um particular

    quando houver: necessidade pblica, isto , quando a administrao pblica se defrontar

    com situaes de emergncia que para serem satisfatoriamente resolvidas exigem a

    transferncia urgente de bens de terceiros para o seu domnio e uso imediatos; utilidade

    pblica, quando a transferncia de bens de terceiros para a administrao for conveniente,

    embora no imprescindvel, como no caso de expropriao de terras, urbanas ou rurais,

    para a construo de vias pblicas; e por interesse social, quando as circunstncias impuserem

    a distribuio ou o condicionamento da propriedade para o seu melhor aproveitamento,

    utilizao ou produtividade em benefcio da coletividade ou de categorias sociais que

    forem objeto do amparo especfico do poder pblico, como nos casos de reforma agrria.

    Em suma, as prerrogativas do Estado so muitas, mas todas exercidas dentro da legalidade e

    em benefcio pblico. Se assim no fosse, no caberia falar de prerrogativas, mas de arbtrio,

    que o abuso do poder pblico.

    2.4. Os Direitos do Cidado e os Deveres do Estado

    Todo servio prestado pela Administrao Pblica obrigao do Estado e direito do

    cidado e, portanto, no devem ser categorizados como servios voluntrios. A prestao

    voluntria de servios restrita esfera privada e proibida na Administrao Pblica e aos

    servidores pblicos, a no ser nos casos previstos por lei. Todo servio pblico, seja ele

    gratuito ou pago, sempre prestado como dever do Estado e ser sempre direito do cidado,

    tambm conforme a lei que determinar quem ter acesso a um determinado servio ou

    no. norma do Direito Pblico, derivada da assimetria entre Estado e sociedade civil, queao Estado s cabe fazer aquilo que a lei mandar. Portanto, todo servio prestado pelo

    Estado no ser nunca caridade ou benevolncia, mas obrigao. Frequentemente confunde-

    se gratuidade com caridade ou filantropia, assim como muito comum confundir-se servios

    pblicos com servios gratuitos e servios pagos com servios privados. Essas so noes

    equivocadas e conflitantes com o conceito de cidadania e, por isso, devem ser devidamente

    esclarecidas. A gratuidade no constitutiva do servio pblico. O setor privado tambm

    pode oferecer servios gratuitos, porm isso no os torna necessariamente pblicos.

    Os servios privados e pagos no apresentam qualquer problema de compreenso: so

    pagos para os que os prestam (que arcam com os seus custos) por aqueles que deles usufruem.

    Assim funcionam os consultrios mdicos particulares, as escolas privadas no subsidiadas e

    todas as empresas privadas que comercializam bens e servios. Os servios gratuitos j so

    de mais difcil compreenso, pois nem sempre fica claro para o usurio quem arca com os seus

    custos: se o Estado, por intermdio do recolhimento de impostos, como no fornecimento de

    ttulo de eleitor e nos servios mdicos em postos de sade e hospitais pblicos; se o setor

    privado, por filantropia, como nos servios prestados por instituies de caridade; se ambos,

    como o caso de diversas organizaes no governamentais (ONG), que recebem dinheiro

    do Estado e do setor privado; ou se por meio de contribuies sociais, que so oferecidas pela

    Previdncia Social, como as aposentadorias e penses.

    Existem ainda servios que so parcialmente pagos pelo usurio e oferecidos pelo setorpblico, que arca com os demais custos no cobertos pelas taxas cobradas, como os exames

    vestibulares e as matrculas nas universidades pblicas. E existem ainda servios pblicos

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    ENAP inteiramente pagos, como os de inspeo feitos pelas diferentes agncias reguladoras nas

    empresas e instituies reguladas pelo Estado. No existe, portanto, qualquer relao

    entre gratuidade e servios pblicos, uma vez que servios privados podem ser gratuitos e

    servios pblicos podem ser pagos. O que faz com que o poder pblico decida-se por

    oferecer um determinado servio gratuitamente a convenincia pblica ou a necessidade

    social. De qualquer forma, necessrio considerar que todo servio pblico prestadopelo Estado porque obrigado por lei, e a mesma lei que obriga ao Estado prest-lo a que

    garante ao cidado o direito de acesso a ele. Essa a ideia central da noo de cidadania.

    2.5. Interesses Privados e Interesses Coletivos

    A distino entre o pblico e o privado, a delimitao da fronteira entre essas esferas, a

    determinao da extenso dos poderes e das prerrogativas do pblico sobre o privado

    derivam do reconhecimento da diferena entre interesses privados e interesses coletivos.

    Se esses interesses fossem totalmente coincidentes, dificilmente poderamos admitir a

    existncia do Estado, da Administrao Pblica, do Direito Pblico ou do Direito Privadocomo os conhecemos na atualidade. A rigor, no haveria nem mesmo a distino entre

    pblico e privado. Se essas distines existem atualmente, elas devem ser compreendidas

    no contexto das transformaes histricas que viabilizaram as sociedades modernas, onde

    se verifica maior complexidade na diviso social do trabalho e no sistema de estratificao

    social12, e a consequente diversidade de interesses e de vises de mundo. O Estado ,

    portanto, um artifcio de unificao em um mundo orientado pela individualizao e

    crescente diversificao de interesses. Deixado merc dessa tendncia, os conflitos seriam

    de tal ordem que afetariam a prpria possibilidade da sociabilidade.

    Thomas Hobbes (1588-1679) matemtico,

    filsofo e terico poltico ingls que publicou a

    obra Leviatem 1651, onde defendeu a tese de que

    os homens em estado natural encontram-se em

    uma situao de incertezas, onde prepondera a lei

    do mais forte ou da guerra de todos contra todos

    (bellum omnia omnes). Para fugir dessa situao e

    garantir uma vida de paz e felicidade, os homens estabeleceram por

    intermdio do pacto social a sociedade civil. Nesse ato, eles trans-

    feriram os seus direitos a um soberano ou governo absoluto para proteg-los da arbitrariedade

    e violncia. O governo central (ou Estado) imaginado por Hobbes, de forma figurativa, como um

    Leviat, uma criatura mitolgica temida pelas grandes propores e fora.

    12 Os conceitos de diviso social do trabalho e estratificao social so amplamente utilizados nascincias sociais. A diviso social do trabalho, grosso modo, designa as diversas formas por intermdiodas quais, em diferentes formaes sociais e perodos histricos, os seres humanos produzem ereproduzem os bens e servios necessrios sobrevivncia ou reproduo da vida. A estratificaosocial, por sua vez, compreende a estrutura de ordenamento ou diferenciao hierrquica entreindivduos e grupos em uma dada sociedade. Esse ordenamento pode ser orientado por fatores deordem religiosa, poltica ou econmica e ser mais ou menos restritivo mobilidade social. A sociedadeindiana, por exemplo, ordenada pelo sistema de castas, fundado em bases religiosas, onde ospapis sociais e a posio dos indivduos so determinados por sua ascendncia. Esse sistema de

    estratificao fechado e impede a mudana de posio social (mobilidade). Nas sociedadescapitalistas modernas predomina o sistema baseado em classes sociais, que se fundamenta nasrelaes econmicas ou de produo. Nessas sociedades a mobilidade social mais acentuada.

    Saiba Mais

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    ENAPJohn Locke(1632-1704) Filsofo ingls, idelogo do libera-

    lismo, que publicou a obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil

    em 1690, onde defendeu a tese de que os homens em estado natu-

    ral encontravam-se livres e usufruindo de liberdade absoluta.

    No se submetiam a governo de espcie alguma. A nica lei vigen-

    te era a lei da natureza, qual cada indivduo recorreria por suaprpria conta a fim de proteger os seus direitos naturais, os quais

    compreendiam: a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto,

    os homens perceberam que os inconvenientes do estado natural

    superavam as vantagens, porque havia o risco permanente de

    que cada um tentasse impor seus prprios direitos sobre os outros, o que causaria confuso

    e a insegurana. Por essa razo, os homens concordaram em estabelecer uma sociedade civil

    e instituir um governo mediante a concesso do poder de executar a lei natural, ou seja,

    garantir a vida, a liberdade e a propriedade privada. O governo concebido por Locke no

    absoluto e a propriedade tida como um direito natural por estar diretamente relacionada

    com a manuteno da vida ou sobrevivncia do indivduo. Locke considerado o precursor

    das teorias liberais.

    Jean Jacques Rousseau (1712-1778) Filsofo suo, autor das

    obras Discurso Sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens(1755)

    e Contrato Social (1762), em que defende a tese de que a propriedade

    privada seria a origem da desigualdade entre os homens na forma-

    o da sociedade civil. Em seu estado natural os homens viviam uma

    situao de piedade e justia naturais, que deixou de existir com a

    relao desigual entre os indivduos. A desigualdade teria gerado o

    caos, tornando os homens maus, levando a sociedade ao estado de

    guerra. Tendo perdido a liberdade natural, os homens so obrigadosa busc-la noutra forma na forma da liberdade civil estabelecida

    por intermdio do contrato social. No contexto do pensamento pol-

    tico de Rousseau, o povo , ao mesmo tempo, parte ativa e passiva deste contrato, isto , agente

    do processo de elaborao das leis e do cumprimento destas. Obedecer lei, da qual se tem a

    autoria, seria um ato de liberdade. O contrato , portanto, uma forma de restituir a igualdade

    entre todos. Nesse caso, ao contrrio da vontade particular do indivduo, a vontade do cidado

    seria a expresso de uma vontade coletiva orientada para o bem comum.

    Charles de Montesquieu (1689-1755) Filsofo e poltico francs,

    autor do livro O Esprito das Leis(1748). Montesquieu foi um estudioso

    das leis e das instituies sociais. Estudou e definiu os trs tipos de

    governos existentes em sua poca: republicanos, monrquicos e des-

    pticos. Em sua concepo, o despotismo era um perigo que podia ser

    evitado com a instituio de diferentes organismos exercendo as fun-

    es de fazer leis, administrar e julgar. Para tanto, idealizou o Estado

    regido por trs poderes separados, o Legislativo, o Executivo e o Judici-

    rio. Dessa forma nasceu a teoria da separao dos poderes, que

    celebrizou o pensador, e teve grande repercusso nos fundamentos da poltica e da organi-

    zao das naes modernas.

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    ENAP Nicolau Maquiavel (1469-1527) Historiador, escritor, diplomata e

    msico italiano do perodo renascentista, ao qual so atribudas as

    bases tericas da Cincia Poltica e a definio conceitual do Estado

    moderno. Em contraposio tendncia predominante no medievo, no

    que se refere busca do bom governo e do governante ideal, Maquiavel

    se preocupa em verificar como os governantes de fato agem ou comofazem uso do poder. Seu pensamento, nesse sentido, ficou celebrizado

    com a publicao da obra O Prncipeem 1532 (embora tenha sido escrito

    em 1513). A obra foi endereada aos Mdici, mais especificamente a

    Loureno de Mdici, com quem Maquiavel percebia a possibilidade de tocar a empreitada de

    unificao da Itlia. O livro analisa os tipos de principados existentes, os caracteriza, e rene

    uma srie de conselhos ao Prncipe, entre eles a formao de exrcitos prprios, alm de

    analisar as fragilidades dos Estados italianos. Em verdade, a obra se destaca por seu carter

    pragmtico na abordagem das circunstncias concretas que envolvem o exerccio do poder, e

    as formas de se atuar com eficcia no jogo poltico.

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    ENAP3. O Estado e o Servidor Pblico

    A relao que o Estado estabelece com os seus servidores de natureza inteiramente

    distinta da relao estabelecida entre empregadores e empregados no setor privado. Nesse

    ltimo caso, o empregador, que pode ser um indivduo, uma empresa capitalista ou uma

    associao sem fins lucrativos, estabelece seus objetivos e, para alcan-los, contratalivremente no mercado os indivduos que considerar adequados, atribuindo-lhes as funes

    que lhe aprouver. Respeitados os limites impostos pela lei, os empregadores e empregados

    exercem plenamente a sua liberdade negativa. Excetuando as atividades ilcitas, como a

    produo, distribuio e comercializao de drogas proibidas por lei, o empregador pode

    livremente determinar seus empreendimentos e contratar seus executores a partir de

    critrios que ele estabelecer, por mais absurdos que esses possam parecer.

    Imaginemos uma situao absurda para exemplificar a amplitude da liberdade negativa

    exercida pelos agentes privados. Um empresrio pode decidir-se a lanar no mercado um

    novo produto: gua de torneira empacotada. Observando as normas estabelecidas pelospoderes pblicos competentes, como a vigilncia sanitria e a secretaria estadual de sade,

    esse empresrio poder, legtima e legalmente, lanar-se no seu empreendimento. Para

    tanto, poder contratar quem quiser. Respeitando a legislao trabalhista, esse empresrio

    poder decidir-se a empregar apenas pessoas idosas e portadoras de deficincia fsica, no

    precisando justificar esse critrio perante ningum, pois essa discriminao positiva no

    contraria a lei. Poder ainda organizar a produo e comercializao do seu produto da

    forma que julgar mais conveniente, criando um departamento voltado para a distribuio

    do seu produto na regio do semi-rido nordestino e outro departamento de exportao

    para os pases do Saara. Se nesses mercados o empresrio imaginrio encontrar compradorespara o seu produto, auferir lucros, tendo sucesso o seu empreendimento. Se, ao contrrio,

    aps algum tempo (tempo que ele prprio estabelecer) estiver acumulando prejuzos e

    resolver encerrar o empreendimento, poder livremente faz-lo, demitindo todos os seus

    empregados mediante o pagamento do que a lei exigir.

    A liberdade de empreendimento observada nesse exemplo, particularmente no que se

    refere ao pode de contratar e dispensar trabalhadores, prerrogativa do setor privado e

    inexiste no setor pblico. Tipicamente, no setor privado, empregadores e empregados

    estabelecem entre si relaes contratuais no pleno exerccio de sua liberdade negativa. No

    setor pblico, a relao que se estabelece entre Estado e servidor a de representao,

    no sendo o servidor outra coisa seno o agentedo poder pblico.

    3.1. O Servidor como Agente do Estado

    Agentes pblicos so as pessoas fsicas incumbidas de exercer as funes administrativas

    que cabem ao Estado e que ocupam cargosoufunesna Administrao Pblica. Os cargos

    ou funes pertencem ao Estado, e no aos agentes que os exercem, razo pela qual o

    Estado pode, discricionariamente, suprimi-los ou alter-los. Os cargosso os lugares criados

    por lei na estrutura da Administrao Pblica para serem providos por agentes, que

    exercero suasfunesna forma legal. O cargointegra o rgo, enquanto o agente, como

    pessoa fsica, o ocupa na condio de titular. Afuno o encargo legalmente atribudo aos

    rgos, cargose seus agentes. Os rgos, cargos e funes, existentes na Administrao

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    ENAP Pblica, so criaes legais e, portanto, abstratas, que se encarnam nos agentes, que so

    pessoas fsicas. Na estruturao do servio pblico, o Estado cria cargose funes, institui

    classes e carreiras, faz provimentos e lotaes, estabelece vencimentos e vantagens, e

    delimita deveres e direitos para os servidores.

    Portanto, cargo pblico o lugar institudo na organizao do funcionalismo, comdenominao especfica, atribuies tambm especficas e salrio correspondente, para ser

    provido e exercido (ou seja, encarnado) por um titular. Quanto funo administrativa, a

    atribuio ou o conjunto de atribuies que a administrao atribui a cada categoria

    profissional, ou comete individualmente a determinados servidores para a execuo de servios

    (MEIRELLES, 1989, p.66).

    3.2. Diferentes Agentes Pblicos e suas Formas de Investidura

    Assim como na Administrao Pblica, para diferentes cargosso atribudas diferentes

    funes, o acesso a esses cargos tambm se d por diferentes formas de investidura. Elas

    derivam da natureza distinta das funes pblicas a serem exercidas por cada agente.

    possvel admitirmos a existncia de trs tipos de investidura no setor pblico brasileiro:

    investidura poltica, investidura por concurso pblicoe investidura por comisso.

    A investidura poltica aquela que acontece por intermdio de eleio. No Brasil, essa

    a forma de investidura para todos os cargos polticos do Poder Legislativo e para os mais

    altos cargos do Poder Executivo, em suas diferentes esferas: federal, estadual e municipal.

    Nas democracias, os cargos de maior poder tm essa forma de investidura, que pode ser

    por eleio direta ou indireta. No caso brasileiro, a partir da vigncia da Constituio de

    1988, todas as eleies passaram a ser diretas. Os cidados escolhem diretamente, com

    base no voto, os ocupantes dos cargos de presidente, governador, prefeito, senador,

    deputado federal, deputado estadual ou distrital e vereador. No entanto, existem

    democracias em que o acesso a alguns cargos d-se por eleio indireta, isto , por

    intermdio de um colgio eleitoral no qual os eleitores no so os cidados, mas seus

    representantes, a exemplo das eleies para o Senado francs. Os agentes ocupantes de

    cargos com investidura poltica no Brasil so sempre temporrios, com mandatos

    rigidamente determinados13.

    Aos agentes polticos do Poder Executivo cabe, legitimamente, a definio das diretrizes

    e das polticas de governo a serem observadas por toda a Administrao Pblica. Os agentes

    eleitos, assim como os agentes por eles nomeados nos primeiro e segundo escales da

    Administrao Pblica, encontram-se democrtica e legitimamente investidos do poder

    de reorientar a ao do poder pblico para a direo que lhes aprouver, respeitados os

    limites das leis e da Constituio. Aos escales inferiores da Administrao caber no s a

    observncia s leis, mas tambm s diretrizes e orientaes de governo. Na condio de

    cidado, o funcionrio pblico, em qualquer nvel, pode votar em quem bem entender nas

    eleies. Porm, como agente do poder pblico, o funcionrio deve cumprir com exao as

    determinaes superiores, desde que elas no incorram na ilegalidade.

    13 Na Itlia, no Chile e no Peru e em diversos pases, alguns cargos de senador so vitalcios.

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    ENAPA maioria dos agentes investida pelas demais formas no tem seu exerccio nos cargos

    delimitado temporalmente, sendo a forma mais comum de investidura originriao concurso

    pblico. Os agentes assim investidos, aps o cumprimento e aprovao no estgio

    probatrio, tornam-se agentes efetivos, adquirindo estabilidade no servio pblico.

    Vulgarmente considerada como um privilgiodo servio pblico, j que inexiste no setor

    privado, a estabilidade , na verdade, uma forma de proteodo servidor de possveis

    presses de governantes temporrios e de compensao de alguns deveres e restries

    que recaem exclusivamente sobre os servidores pblicos, e no sobre os empregados do

    setor privado. Alm da estabilidade, a investidura em alguns cargos vitalcia, como nos

    casos de juzes, promotores e procuradores. Mais uma vez, no se trata aqui de privilgio,

    mas de garantia de independncia dos ocupantes dessas funes de presses dos agentes

    polticos, que poderiam comprometer a imparcialidadecom que devem desempenhar suas

    funes. Por fim, h a investidura por comisso, que de natureza transitria. Nesse caso,

    o agente ocupa um cargo de confiana dos agentes hierarquicamente superiores, e pode

    ser exonerado a qualquer momento.

    Diferentemente do setor privado, em que os cargos e funes so definidos

    discricionariamente pelo empregador e cuja forma de acesso o contrato, no setor pblico,

    os cargos e suas formas de investidura so criteriosamente determinados por lei e voltados

    para o desempenho de funes de interesse pblico.

    3.3. As prerrogativas do Estado e as garantias do servidor

    O Estado confere aos seus servidores efetivos uma srie de garantias a exemplo da

    estabilidade e da irredutibilidade dos vencimentos , mas se reserva algumas prerrogativas

    para ajustar a Administrao Pblica s mudanas da sociedade e dos interesses coletivos

    ao longo do tempo. Por um lado, o Estado no pode demitir um servidor estvel, a no ser

    em certos casos previstos pela Constituio, porm, por outro lado, pode extinguircargos,

    colocando os seus ocupantes em disponibilidade. Os servidores nessa situao recebem o

    salrio integral sem trabalhar at que a Administrao os reaproveite em outro cargo

    semelhante. H tambm a possibilidade da extino de cargos sem a disponibilidade.

    Nesse caso, os servidores permanecem no trabalho ocupando cargos em extino, sem

    perspectivas de ascenso funcional e salarial. Nas reformas administrativas desencadeadas

    na dcada de 1990 no Brasil vrios cargos foram extintos: motoristas, ascensoristas,

    estatsticos, arquitetos e tantos outros. Medidas desse tipo no podem ser arbitrrias e

    obrigatoriamente devem ser aprovadas pelo Poder Legislativo. Em outros casos menos

    drsticos, os servidores podem ainda ser transferidos ex officio (compulsoriamente) de

    uma localidade para outra, ou ser transferidos de um rgo pblico para outro, de acordo

    com a necessidade e interesse da Administrao Pblica.

    3.4. Vnculo Estatutrio e Vnculo Empregatcio: Cargo Pblico e Emprego

    Pblico

    A distino entre cargo pblico e emprego pblico nem sempre muito clara e, no

    raras vezes, objeto de dvidas. Em parte, as confuses se devem ao fato de que os

    direitos e benefcios usufrudos pelos servidores pblicos e pelos empregados no setor

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    ENAP privado passaram a ser cada vez mais convergentes. H algumas dcadas, apenas os

    empregados do setor privado recebiam 13 salrio, hoje benefcio comum aos servidores

    pblicos, e at bem pouco tempo atrs, os servidores pblicos estveis podiam incorporar

    aos seus vencimentos permanentemente, e em cascata, a remunerao auferida por terem

    ocupado cargo em comisso por um determinado tempo, privilgio desconhecido no setor

    privado. No entanto, para evitar equvocos, estabeleceremos a diferena entre os dois

    regimes em funo da espcie de vnculo que o servidor mantm com o Estado14. O cargo

    pblico , portanto, aquele regido por vnculo estatutrio, ao passo que no emprego pblico

    o vnculo regido pela Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). Vejamos algumas

    particularidades que auxiliam a distino entre os dois casos.

    No que se refere ao regime estatutrio, a Constituio brasileira garante a

    estabilidade ao servidor pblico, nomeado para cargo de provimento efetivo em virtude

    de concurso pblico, aps trs anos de efetivo exerccio. O servidor nessa condio s

    perder o cargo em trs hipteses: a) em virtude de sentena judicial transitada em

    julgado; b) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa

    e c) mediante procedimento de avaliao peridica de desempenho. O servidor

    obrigado a dedicar-se integralmente funo pblica, ou seja, no pode exercer

    atividades no setor privado, salvo em raros casos previstos em Lei. A CLT, por outro

    lado, no garante estabilidade para o trabalhador, mas lhe assegura um Fundo de

    Garantia por Tempo de Servio (FGTS), alimentado por contribuio patronal e a ser

    sacado pelo trabalhador no momento da sua aposentadoria ou em casos especiais

    admitidos pela Lei. A CLT tampouco impe aos empregados do setor privado qualquer

    restrio para o exerccio de outras atividades remuneradas, nem limites de

    remunerao.

    Com relao adequao e justia das diferenas entre a legislao do setor pblico

    e a CLT, no existe consenso. No incomum o debate em torno dessas diferenas

    promovido pela imprensa, associaes profissionais e por sucessivos governos. O que

    importa compreender que diferenas jurdicas, conceituais e funcionalmente

    sustentveis no devem ser confundidas com privilgios. Os privilgios devem ser

    combatidos e eliminados, sempre que devidamente delimitados e identificados, uma

    vez que conflitam com o princpio bsico e fundamental da igualdade entre os cidados.

    As diferenas de direitos justificam-se plenamente, sem contradizer os princpios

    republicanos, sempre e quando forem embasadas em diferenas funcionais, legal elegitimamente estabelecidas pelo poder pblico, desde que consideradas necessrias

    defesa e consecuo do interesse pblico. No fosse isso, no haveria qualquer

    sentido em delimitar, conceitualmente, os espaos e os limites entre o pblico e o

    privado.

    14 Esses no so os nicos regimes existentes, pois os estados e municpios tm seus regimes prprios

    e a Constituio Federal prev casos de contratao temporria e a criao de empregos pblicos naesfera federal. No entanto, esses dois regimes so as duas grandes referncias das relaes detrabalho no Brasil.

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    ENAP3.5. A tica Profissional e o Servidor Pblico

    O servidor pblico exerce, na condio de agente do Estado e em nome deste, poder

    pblico que afeta ou impacta a vida de todos os cidados. A sua prtica, portanto, no pode

    estar dissociada de valores e regras de procedimentos fundadas ou orientadas por princpios

    ticos. O exerccio da funo pblica pressupe o compromisso com a legalidade, com acidadania e o cultivo permanente do esprito pblico. Nesse sentido, ele envolve um

    conceito de moralidade que no se limita distino entre o bem e o mal, devendo ser

    acrescida da ideia de que o fim sempre o bem comum15. O bem comum no sempre

    evidente, razo pela qual o servidor no deve restringir-se a distinguir o ato legal do ilegal,

    o justo do injusto, o conveniente do inconveniente e o oportuno do inoportuno, pois se

    esses so critrios necessrios, no so, entretanto, suficientes para garantir que a ao

    estatal, executada por seu intermdio, atenda ao bem e interesse pblicos. fundamental

    a conscincia crtica e a capacidade para identificar e resistir s presses sejam elas de

    superiores hierrquicos, de contratantes ou de outros interessados , que possam conduzi-lo a prticas inadequadas e antiticas.

    No trato com o pblico, assim como em qualquer outra situao, o servidor deve

    desempenhar suas funes como exerccio profissional. O que isso significa? Tudo o que

    fizer ou deixar de fazer no exerccio de sua funo no deve derivar da sua prpria vontade,

    simpatia ou antipatia com terceiros, mas da sua obrigao funcional, que tem como

    contrapartida o direito do usurio ou cidado. Como exerccio profissional, a funo pblica

    no pode ser reduzida ou encarada exclusivamente como fonte de rendimentos. Da mesma

    forma, os cargos ocupados pelos servidores no devem ser vistos como prebendas, isto ,

    como empregos rendosos, mas pouco trabalhosos, nem muito menos como sinecuras, queso empregos rendosos que no obrigam ao trabalho.

    O servidor deve tambm estar atento para evitar causar danos morais a outrem. Desse

    cuidado advm a obrigao de ser corts, de ter urbanidade, respeitando as diferenas dos

    usurios dos servios pblicos, sem fazer qualquer distino ou externar preconceito tnico,

    de classe, origem social, sexo, idade ou nacionalidade. tambm necessrio que todo

    servidor esteja consciente e, se necessrio, seja advertido pelos seus superiores

    hierrquicos, que deixar qualquer pessoa espera de soluo de questo que esteja no

    mbito de suas atribuies, permitindo a formao de longas filas, ou qualquer outro atraso

    na prestao dos servios, ato desumano que atenta contra a tica e causa dano moral aousurio. Por isso vedado ao servidorprocrastinar, ou seja, protelar e deixar para amanh

    o servido que pode e deve ser realizado hoje. De igual forma vedada e passvel de punio

    aprevaricao, que a falta do cumprimento do seu dever ou o abuso no exerccio das suas

    funes. O servidor deve estar atento para exercer com estrita moderao as prerrogativas

    funcionais que lhe forem atribudas, abstendo-se de exercer sua funo, poder ou autoridade

    contra os legtimos interesses dos usurios e com finalidades estranhas ao interesse pblico,

    ainda que todas as formalidades sejam cumpridas e no haja violao expressa da lei.

    15 Decreto 1.171/94, Cap. I, Inciso III.

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    ENAP Por fim, o servidor no pode requerer ou aceitar qualquer tipo de ajuda financeira ou

    vantagem para si, seus familiares ou qualquer outra pessoa para cumprir as funes

    inerentes ao seu cargo ou atribudas por seus superiores, nem tampouco utilizar informaes

    privilegiadas obtidas no exerccio de suas funes ou no mbito do seu servio com a

    finalidade de beneficiar ou prejudicar quem quer que seja. Tambm no pode, por esprito

    de solidariedade, ser conivente com o erro ou com a infrao do Cdigo de tica do Servio

    Pblico e da sua profisso. Em caso de dvida quanto adequao tica de aes que lhe

    so requeridas ou sobre as quais dever se pronunciar, o servidor poder fazer uma consulta

    comisso de tica de seu rgo ou consultar a Corregedoria Geral da Unio. Assim

    procedendo, estar se certificando se as aes sobre as quais tem dvida so, de fato,

    condizentes com a consecuo do interesse coletivo, e tambm se protegendo de eventuais

    transtornos no futuro.

    Tais recomendaes e observaes no so restritas aos segmentos inferiores da

    hierarquia administrativa. Elas abrangem todos os agentes a servio do Estado e, por essa

    razo, foi estabelecido um Cdigo de Conduta da Alta Administrao para os nveis

    superiores da Administrao Pblica, destinado a tornar claros os princpios de conduta

    dessas autoridades e oferecer sociedade um parmetro para aferir a integridade e lisura

    de suas aes. No contexto da Administrao Pblica Federal brasileira, integram esses

    nveis os ministros de Estado, os secretrios executivos e demais ocupantes de cargos de

    natureza especial, os presidentes de fundaes, autarquias e empresas estatais ou de

    economia mista e todos os demais ocupantes dos cargos do grupo de Direo e

    Assessoramento Superiores (DAS) localizados no nvel seis.

    O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal acrescenta aos preceitos gerais do

    Cdigo de tica da Administrao Pblica, cabveis a todos os agentes pblicos, outras

    exigncias, como o fornecimento Comisso de tica Pblica16de informaes referentes

    situao patrimonial do dirigente que possa suscitar conflito com o interesse pblico,

    indicando a forma de evit-lo. O Cdigo de Conduta detalha as condies em que as

    autoridades podero participar de seminrio, congressos e conferncias, recebendo

    eventualmente remunerao para isso; veda explicitamente ao dirigente pblico receber

    qualquer presente que ultrapasse o valor de cem reais (R$100,00), excetuando os casos

    protocolares de autoridade estrangeira; e probe s autoridades prestar consultoria a

    qualquer pessoa fsica ou jurdica antes de seis meses aps o trmino do seu exerccio em

    funo pblica.

    O que aqui foi tratado no esgota as atribuies, deveres, cuidados e obrigaes que

    envolvem o servidor pblico na sua qualidade de agente do Estado. O objetivo desta

    abordagem foi to somente apontar o essencial, pondo em relevo o nexo existente entre

    16 A Comisso de tica Pblica foi criada pelo Decreto de 26 de maio de 1999 e se vincula ao Presidenteda Repblica. Cabe Comisso rever as normas que dispem sobre conduta tica na Administrao

    Pblica Federal e zelar pelo cumprimento do Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal,orientando as autoridades para que se conduzam de acordo com suas normas em funo do respeitono servio pblico.

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    ENAPas diversas obrigaes e deveres dos ocupantes de cargos pblicos, que no so meras

    formalidades a serem decoradas e respeitadas porque as normas assim exigem, mas porque

    so, sobretudo, constitutivas da funo pblica em qualquer grau ou nvel hierrquico.

    A tica, bem como suas implicaes no exerccio da funo pblica, to

    importante para a melhoria do padro de desempenho e qualidade no setorpblico quanto os aspectos mais instrumentais que envolvem as atividades

    tcnicas e gerenciais. A eficincia profissional no setor pblico requer certa-

    mente o domnio de conhecimentos e habilidades, mas, sobretudo, o cultivo de

    valores e princpios que assegurem o compromisso e o respeito requeridos no

    trato da coisa pblica (res publica). Caso voc tenha o interesse em se aprofundar nesse

    assunto, a Escola Nacional de Administrao Pblica coloca sua disposio o curso tica e

    Servio Pblico, oferecido na modalidade a distncia. O curso abrange os seguintes tpicos:

    desenvolvimento histrico da tica; dimenses cognitivas e atitudinais da tica: mrito da

    ao (inteno e juzo desinteressado); escolha e deliberao; virtudes e carter; autonomia e

    responsabilidade; aspectos conceituais da vida pblica: repblica e democracia; estado,

    cidadania e imprio da lei; cargo pblico; prestao pblica de contas ( accountability); pre-

    missas da conduta tica da funo pblica e iniciativas governamentais: a gesto da tica.

    Ateno

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    ENAP 4. O servidor e o servio pblico

    Como verificamos anteriormente, o servidor pblico um agente a servio do Estado e,

    portanto, submete-se s prescries legais e constitucionais que afetam a Administrao

    Pblica. Em outras palavras, tudo aquilo que for requerido da Administrao Pblica ser,

    consequentemente, esperado e exigido dos seus servidores. Esse o caso dos princpiosorientadores ou norteadores estabelecidos pela Constituio brasileira em seu art. 37.

    4.1 Princpios orientadores da Administrao Pblica

    Os princpios que regem a Administrao Pblica brasileira, em todas as suas esferas, so

    princpios consagrados pelo Direito Pblico em quase todo o mundo. Inicialmente foram

    estabelecidos no texto constitucional quatro princpios: a legalidade, a impessoalidade, a

    moralidade e a publicidade. Em 1998, atravs de Emenda Constitucional, acrescentou-se a

    eficincia entre esses princpios. Vejamos o que eles significam e compreendem.

    Oprincpio da legalidadeestabelece a supremacia da lei escrita, condio para a existncia

    do Estado Democrtico de Direito. O objetivo principal de tal princpio evitar o arbtrio dos

    governantes. O Estado concentra sempre enorme poder nas mos dos governantes e de seus

    funcionrios e, no fosse o claro estabelecimento constitucional desse princpio, certamente

    o poder exercido pela Administrao Pblica sobre os cidados seria exorbitante. De acordo

    com esse princpio, toda ao estatal dever, necessariamente, encontrar-se respaldada em

    lei, e esta deve estar em conformidade com a Constituio. Alm disso, a garantia de legalidade

    na ao do poder pblico depende da qualidade das leis, que devem ser elaboradas de

    acordo com as normas e tcnicas legislativas consagradas pelo Direito. No Direito Positivo,

    que o direito de origem romana, vigente no Brasil, toda lei escrita, mas nem tudo que escrito e imposto pelo Estado configura uma lei. Para que um ordenamento escrito seja uma

    lei, ele dever apresentar as seguintes caractersticas: auto-aplicabilidade, a generalidade, a

    abstrao e o carter coercitivo.

    A autoaplicabilidade significa que a lei no necessita de nenhum outro ato para

    ser aplicada, excetuando os casos expressamente previstos no seu texto, como o caso

    de leis que preveem a edio de decretos para a sua regulamentao. Segundo Rousseau,

    a lei sempre um ato geral, no podendo jamais incidir sobre um objeto particular. Uma

    lei pode incidir sobre uma categoria de indivduos, de mercadorias ou de entidades

    pblicas, como os municpios, mas deve ser sempre genrica, no podendo nunca apontaro indivduo X, o fabricante Y de uma determinada mercadoria ou o municpio Z.

    Paralelamente generalidade, a lei deve ser sempre abstrata, no tratando jamais de

    casos concretos. O carter abstrato da lei aquele que designa uma qualidade separada

    do objeto que a possui. Por exemplo, a lei, na sua funo reguladora, pode estabelecer

    modelos e padres de condutas, para os administradores pblicos ou para os condutores

    de veculos no trnsito, mas no descrever nenhum caso concreto de conduta. Por

    fim, o carter coercitivo o que torna a aplicao da lei compulsria sobre o objeto da

    legislao. Por isso, uma lei difere de uma recomendao, que pode ou no ser aceita.

    A lei deve sempre ser acatada, ficando os infratores submetidos s sanescorrespondentes.

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    ENAPComo as leis destinam-se a regular um universo amplo de situaes, isto , todas aquelas

    em que o Poder pblico julgar relevante a sua interveno, a produo legal dever levar

    em conta as necessrias coerncia e harmonia legislativas, internas e externas.

    Internamente, as leis no devem apresentar contradies lgicas, nem incongruncias

    quanto aos seus princpios e objetivos. Externamente, elas devem guardar conformidade

    com a Constituio e com as demais leis vigentes. Para que o Estado e seus funcionrios

    administrativos no abusem do poder com que esto investidos, o princpio da legalidade

    precisa estar tambm acompanhado das necessrias preciso e clareza da norma escrita,

    evitando formulaes confusas e obscuras, de forma a permitir que as pessoas identifiquem

    o contedo, o sentido e as implicaes da lei a que se encontram submetidas. Alm disso,

    subjacente e complementarmente ao princpio da legalidade existe o princpio da

    necessidade e o requisito de um fundamento objetivo para a criao de leis. Isto quer dizer

    que ao se fazer uma lei deve-se demonstrar a sua necessidade, evitando o estabelecimento

    de restries suprfluas, o que feriria a presuno de liberdade subjacente ao Estado

    Democrtico de Direito, que pressupe um regime legal mnimo, de forma a reservar ao

    cidado uma esfera, o maior possvel, de liberdade negativa.

    O princpio da legalidade, embora fundamental para a defesa do Estado de Direto, no

    garante a legitimidade e justia das normas. Leis tecnicamente perfeitas podem ser

    ilegtimas se no emanaram do poder legitimamente constitudo para legislar. comum

    aps golpes de Estado a edio de leis diferentes das vigentes no regime derrubado. Essas

    leis podem at ser elaboradas em conformidade com a boa tcnica do Direito, mas no

    sero leis legtimas, porque editadas por um indivduo, ou grupo de indivduos, que

    usurparam o poder legislativo legtimo. Por outro lado, as leis podem ser legais e legtimas,

    mas causarem injustias sociais, como o aumento da diferena entre ricos e pobres ou a

    reduo dos servios sociais para os mais necessitados. Portanto, legalidade, legitimidade

    e justia so conceitos que no se confundem.

    Da observncia do princpio da legalidade, e de suas derivaes, decorre que todos os

    atos da Administrao Pblica ou todos os atos infralegais, normativos ou no, devem estar

    em conformidade com o que requerido pelas normas que lhes so superiores. por isso

    que na Administrao Pblica existem os memorandos e ofcios, que devem ser redigidos

    com objetividade, conciso e clareza para que os seus contedos sejam bem compreendidos

    e executados pelos seus destinatrios. claro que o abuso ao recurso da emisso de ofcios

    e memorandos constituiu uma disfuno, gerando papelada que sobrecarrega o fluxo dedocumentos nas organizaes pblicas, o que acaba provocando lentido nos servios com

    prejuzos para os seus usurios. Essa disfuno nociva ao interesse pblico e deve ser

    combatida pelos gerentes pblicos sempre que for identificada, cabendo aos gerentes

    reorganizar os fluxos e reorientar seus subordinados de forma a conferir racionalidade ao

    servio, sem prejuzo para a legalidade dos atos administrativos, que objetivam to somente

    a defesa e o cumprimento do interesse pblico.

    O princpio da impessoalidade decorre diretamente da legalidade com que os atos

    administrativos so revestidos. O servidor pblico, em qualquer nvel hierrquico, no age

    em nome prprio, mas em nome do poder pblico. O autor de todos os atos pblicos sempre o Estado, por intermdio dos cargos que compem a Administrao Pblica. Por

  • 7/26/2019 1. Apostila - Mdulo 1 - Administrao Pblica

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    ENAP isso, os atos administrativos so sempre impessoais, tanto no sentido de quem age, que

    o Estado, quanto no sentido da ao, que voltada para o interesse pblico. A

    impessoalidade dos atos administrativos encontra-se expressa na forma pela qual os

    diferentes atos so editados. As leis iniciam-se sempre com os seguintes dizeres: O

    PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a

    seguinte Lei:, ao que segue o texto da lei, encerrando-se o ato com a assinatura do

    presidente seguida dos ministros das reas envolvidas. Nessa formalidade encontra-se

    contido o princpio da impessoalidade, pois sempre o Congresso Nacional que decreta (e

    no os deputados e senadores tais e quais) e o presidente da Repblica que sanciona as

    leis, figurando apenas no fim do ato o nome dos agentes que o assinam. O mesmo ocorre

    com os decretos, resolues e portarias. Portanto, a impessoalidade deve estar presente

    no s nos atos externos da Administrao, mas tambm nos internos. por isso que, nos

    memorandos, os cargos de quem os emitem e de quem os recebem antecedem os nomes

    dos seus agentes.

    Oprincpio da moralidade atributo direto do agente pblico. Nesse sentido, ele difere

    do princpio da impessoalidade, que decorre da legalidade. Para que a Administrao

    Pblica aja de acordo com o princpio da moralidade essencial que os agentes pblicos

    demonstrem, no seu comportamento ou conduta, as virtudes morais consideradas

    necessrias pela sociedade. A moral refere-se a um conjunto de valores e comportamentos

    que a sociedade convencionou serem desejveis ou necessrios para o adequado

    funcionamento e convvio sociais17. Enquanto conveno, a moral mutvel ao longo do

    tempo e varivel de acordo com as diferentes culturas. De acordo com o princpio da

    moralidade, exige-se dos agentes da Administrao Pblica probidade e honestidade de

    conduta, no s na condio de servidores, mas tambm como cidados. Exige-se tambmlealdade instituio a que servem, o cumprimento das normas e regulamentos e das

    ordens superiores, sempre que estas estiverem dentro da legalidade. As condutas imorais

    so aquelas que contradizem o decoro e a lisura requerida no exerccio da funo pblica.

    Por exemplo: o abuso do poder e o uso dos recursos pblicos em benefcio prprio ou de

    outrem; a aceitao de propinas, a prtica da usura, a malversao e uso inadequado do

    patrimnio pblico18.

    O princpio da publicidade aponta essencialmente para a clareza e visibilidade social

    que devem envolver os atos da Administrao. Os atos do Estado so pblicos em mltiplos

    sentidos: 1) porque emanados do poder pblico; 2) no interesse pblico; 3) para o pblico;4) submetidos ao conhecimento pblico. Em verdade, o conhecimento pblico dos atos

    17 Os conceitos de moral e tica constituem objeto de muitas interpretaes e controvrsias. O senso-comum geralmente estabelece relao sinonmica entre os dois conceitos. H quem busque umadistino reservando tica a noo restrita dos cdigos de conduta. No entanto, no campo acadmico,a moral compreende os valores, normas ou regras de conduta, estabelecidos em dada ordem social eem determinado tempo histrico, ao passo que a tica deve ser compreendida como a cincia damoral, ou seja, como teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade. Noentanto, podemos admitir a tica como uma abordagem das constantes morais, isto , como o conjunto

    de valores e costumes mais ou menos permanente no tempo e uniforme no espao (Conferir VASQUEZ,1982 e LOPES, 1993).18 Ver, a propsito,