bibliologia - apostila módulo

53
“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério” BIBLIOLOGIA p.1 BACHARELADO EM TEOLOGIA DISCIPLINA: BIBLIOLOGIA PROFª. VÍVIAN NASCIMENTO MORAES DE SANTANA A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA Weldon E. Viertel 1 1 Estudos Teológicos Programados. 4.ed. Rio de Janeiro, JUERP, 1989. (Esta apostila é uma versão digitalizada do livro correspondente, obra não mais editada no Brasil).

Upload: liciarosalee2482

Post on 26-Jul-2015

337 views

Category:

Documents


22 download

TRANSCRIPT

Page 1: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .1

BACHARELADO EM TEOLOGIA

DISCIPLINA: BIBLIOLOGIA

PROFª. VÍVIAN NASCIMENTO MORAES DE SANTANA

A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA

Weldon E. Viertel1

1 Estudos Teológicos Programados. 4.ed. Rio de Janeiro, JUERP, 1989. (Esta apostila é uma versão

digitalizada do livro correspondente, obra não mais editada no Brasil).

Page 2: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .2

I. A NATUREZA DA BÍBLIA

INTRODUÇÃO

O que você sabe sobre a Bíblia? Antes de ler as páginas seguintes, faça um avaliação própria, respondendo as questões seguintes:

1. Quais são algumas boas razões que confirmam a nossa afirmação de que a Bíblia é o livro mais importante já escrito na face da terra?

2. A Bíblia é um livro de história, redenção, psicologia, filosofia, ou de ciência?

3. Quantos livros há no Velho e no Novo Testamento? Pode mencioná-los e encontrá-los facilmente?

4. Quais livros estão inclusos na Lei, nos Profetas e nas Epístolas?

5. De que maneira o conhecimento dos grupos literários da Bíblia pode auxiliar o estudante da Bíblia?

6. Por que razão a Bíblia deve ser traduzida?

A IMPORTÂNCIA DA BÍBLIA

Para os cristãos, a Bíblia é o livro mais importante que já se escreveu. Ainda que o mundo esteja cheio de literatura sacra, há somente um livro que merece crédito para o conhecimento da Verdade. É o único registro divinamente inspirado da revelação redentora que Deus fez de si mesmo e de sua vontade.

O cristão aumenta o seu conhecimento de Deus e de seu plano redentor mediante um conhecimento da Bíblia. Ainda que Deus se faça conhecido pelo homem por outras fontes além da Bíblia, Deus e sua vontade podem ser entendidos adequadamente somente à luz do registro bíblico da aulo-revelação de Deus.

A revelação mais completa e final do propósito de Deus veio na pessoa de Jesus Cristo, seu Filho. Deus falou de si mesmo e de seus propósitos ao homem de maneira que o homem pudesse compreender claramente sua revelação. Por meio de Seu Filho, Deus entrou na história para comunicar-se como uma pessoa física com o homem. Visto que Cristo não está mais presente corporalmente na terra, suas palavras e realizações podem ser conhecidas somente pelo registro bíblico desses acontecimentos. De acordo com o plano divino, o homem é incapaz de conhecer a revelação de Deus sem o concurso da Bíblia.

A Bíblia é importante porque explica a origem do homem e o propósito de sua existência. Como ser racional, o homem indaga a razão de sua existência. A questão é tão persistente que tem fornecido uma contínua fonte de cogitação para a filosofia. A Bíblia apresenta a única resposta satisfatória ao propósito da existência do homem e a natureza do seu destino. Cientistas e filósofos já propuseram várias teorias a respeito da origem e destino do homem, mas nenhuma explicação é tão satisfatória como a verdade bíblica de que o homem foi criado por Deus para viver em serviço fiel e amoroso a Deus e ao seu próximo e a passar a eternidade em companhia do seu Criador. A felicidade e uma existência significativa transformam-se num patrimônio real naqueles que se apropriaram desta verdade central em suas vidas.

A Bíblia é importante porque fornece orientação para a vida diária dos cristãos. Algumas teorias de psicologia moderna sobre a personalidade propõem que a chave para um padrão de personalidade encontra-se no aspecto das relações. A Bíblia nos apresenta um plano completo e eficiente para o devido relacionamento com outras pessoas. Não somente explica como se relacionar com a própria família, amigos e vizinhos, mas nos ensina como devemos tratar os inimigos. Se os ensinos da Bíblia fossem praticados, muitos dos problemas do mundo seriam resolvidos. Talvez os três maiores problemas do homem contemporâneo sejam: sua consciência de culpa e rejeição, causando um sentimento de alienação e solidão; sua incapacidade de relacionamento com seu próximo; e suas frustrações na vida, causadas por suas derrotas, que o levam a concluir que a vida não tem sentido. A Bíblia contém a única resposta adequada a cada um desses problemas.

A Bíblia é importante porque conduz o homem condenado ao Redentor, e o triste e sofredor ao único Confortador que pode resolver suas necessidades. Somente a Bíblia apresenta soluções aos dois grandes obstáculos do homem: seus erros ou más ações e a sempre presente possibilidade da morte que o destruirá.

A Bíblia é importante como um livro de conhecimento; traz ao alcance do homem o mais completo conhecimento da natureza de Deus e seu propósito redentor. Como livro de filosofia, a Bíblia dá a única explicação satisfatória sobre o ser humano e seu destino. Como livro de psicologia, a Bíblia proporciona uma explanação verdadeira da personalidade humana e a única solução adequada para seus problemas. Como livro de história, a Bíblia antecipa qualquer outro trabalho histórico e contém a única profecia plausível do final da história. Como livro de Ciência, a Bíblia fornece a verdadeira explicação da origem do mundo e uma declaração precisa e clara da fonte de operação da natureza.

Page 3: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .3

A Bíblia não tem por escopo, todavia, ser usada como livro de história, nem disputar ou estabelecer teorias modernas de ciência. A Bíblia é o livro da redenção que esclarece ao homem como reconciliar-se com Deus através de Jesus Cristo. Verdadeiramente é o "Livro dos livros", o maior livro do mundo!

A importância da Bíblia encontra-se revelada na descrição de sua natureza:

A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é o registro da revelação do próprio Deus ao homem. É um tesouro perfeito de instrução divina. Tem Deus por seu autor, a Salvação como finalidade, e a verdade, sem qualquer mistura de erro, como seu assunto. Revela os princípios pelos quais Deus nos julga; e, portanto, é, e permanecerá até o fim do mundo, o verdadeiro centro de união cristã e o padrão supremo pelo qual se aferirão toda conduta, credos e opiniões religiosas do ser humano. Jesus Cristo é o critério pelo qual a Bíblia deve ser interpretada.

O SIGNIFICADO DA PALAVRA BÍBLIA

A origem da palavra:

A palavra "bíblia" procede da palavra grega biblia - que significa "livros pequenos". Os livros da Bíblia foram escritos originalmente em peças separadas de material próprio para a escrita daquele tempo. Os livros individuais foram usados independentemente uns dos outros durante muitos anos. Eventualmente, os 39 livros do Velho Testamento e os 27 do Novo Testamento foram reunidos num só volume. Mais de 1.500 anos passaram durante o processo da escritura e reunião dos 66 livros do Velho e Novo Testamentos num só volume - a Bíblia.

Durante o último inverno de Paulo na prisão em Roma, ele escreveu a Timóteo: "Procura vir ter comigo breve... Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, especialmente os pergaminhos"( II Tm. 4:9, 13 - VIBB). A que se referiu Paulo, quando usou as palavras bíblia (livros) e membrana (pergaminhos)? Estas duas palavras esclarecem o tipo de material em que os escritos eram feitos.

Um biblion (livro) se referia principalmente a um rolo de papiro. O papiro era um tipo de material usado para se escrever, feito de junco, que crescia em pântanos. O caule da planta tinha cerca de 6 centímetros de diâmetro. Era cortado em seções que mediam cerca de 30 centímetros de comprimento. Cada seção era aberta em toda a sua extensão, e a medula cortada em tiras finas, que teriam 6 centímetros de largura e 30 centímetros de comprimento, e colocadas lado a lado. Uma segunda camadas de tiras, com fibras em ângulos retos à camada inferior, era colocada em cima. As duas camadas eram apertadas até que formassem um só tecido. Várias seções do material de escrita eram juntadas e enroladas em tamanho conveniente. A rolos dessa natureza provavelmente é que Paulo se referia como biblia (livros). Naturalmente, os rolos pertencentes a Paulo incluíam livros somente do V.T., a não ser que tivesse uma cópia primitiva das palavras e atividades de Jesus. A prática de se coser folhas de papiro e formar um livro com páginas não era comum, a não ser cem anos após a morte de Paulo.

O pergaminho constitui tipo diferente de material de escrita. Era feito de peles, ou melhor, de couros de gado, ovelhas, cabras e antílopes. O pêlo era retirado e o couro amaciado com pedras especialmente preparadas para essa finalidade. O pergaminho de qualidade superior era chamado vellum. Comumente eram tingidos de púrpura e se usavam tintas de ouro ou de prata sobre os mesmos. O nome "pergaminho" se origina da cidade de Pérgamo, da Ásia Menor, onde se fabricava o material com abundância no segundo século antes de Cristo, ao passo que o centro de produção do papiro era a região do delta do rio Nilo, no Egito.

Eventualmente a reunião dos livros do Velho e Novo Testamentos tornou-se conhecida para os cristãos do mundo grego como bíblia. O termo foi apropriado pelos cristãos do mundo latino, que trataram a palavra como substantivo singular. A palavra portuguesa "Bíblia" procede do latim - biblia. O termo já não indica mais material de escrita, mas mensagens escritas.

OS DOIS TESTAMENTOS

A Bíblia é uma coleção de 66 livros, divididos entre o Velho e o Novo Testamentos. O sentido do vocábulo Testamento é o de "um acordo" ou "pacto". O Velho Testamento menciona vários pactos ou acordos entre Deus e o homem. O mais significativo pacto do V.T. começou com uma promessa a Abraão (Gên. 12) e recebeu uma expressão muito mais desenvolvida no Monte Sinai com a recepção dos Dez Mandamentos.

Um pacto envolve responsabilidades entre as partes concordantes. Aquele com Abraão difere de outros, visto que as partes eram desiguais em natureza e responsabilidade. Deus prometeu-lhe fazer dele uma grande nação, dando-lhe possessão territorial, e aos seus descendentes. Abraão e seus familiares deveriam adorar e servir somente a Deus. Os Dez Mandamentos descrevem as exigências envolvidas na adoração e serviço a Deus.

O Velho Testamento narra o fracasso do homem em corresponder às suas responsabilidades perante Deus, e as atividades do Pai Celeste, no sentido de prover o perdão para os pecados do homem. O fracasso do homem

Page 4: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .4

na observância do pacto foi tão grande na época de Jeremias que a ênfase transferiu-se da exigência, no sentido de o homem viver uma vida de justiça, para a misericórdia de Deus em lidar com o homem pecador. As leis do Novo Pacto seriam escritas nos corações humanos, e o Senhor perdoaria as suas iniqüidades e não se lembraria mais dos seus pecados (Jr. 31:31 -34). Os 27 livros do Novo Testamento apresentam o Novo Pacto de Deus com o homem, pelo qual Deus em Cristo trata com seu povo mediante o perdão e a misericórdia.

AS DIVISÕES LITERÁRIAS DA BÍBLIA

Os Livros do Velho Testamento

Como foi observado previamente, os 66 livros da Bíblia estão divididos entre o Velho e o Novo Testamentos. Os 39 do Velho, por sua vez, subdividem-se em quatro grupos. Os livros com a mesma espécie de escrita estão colocados convenientemente no mesmo grupo. O tipo de literatura em cada grupos é praticamente o mesmo, contudo, há exceções. Os quatro gurpos são: LEI, HISTÓRIA, POESIA e os PROFETAS.

Na LEI há cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Os judeus chamavam esta primeira divisão de sua Bíblia Hebraica de Torah (lei ou instrução). O GÊNESIS contém muita orientação quanto às relações de Israel com Deus, porém poucas passagens poderiam ser consideradas no sentido do termo como leis ou regras especificas para a vida. Os outros quatro livros apresentam grande número de leis definindo 83 responsabilidades humanas perante o Senhor. Todos os livros encerram um pouco de história; o livro de Gênesis é de natureza primariamente histórica; já o livro de Levítico quase nada apresenta de história. Esse cinco livros, tradicionalmente, são atribuídos à autoria de Moisés, e foram os primeiros a serem reconhecidos de inspiração divina, logo, como fonte de autoridade. Em Gênesis 1-11, temos uma narrativa da criação, da queda do homem no pecado e da multiplicação da raça até a época de Abraão. Gênesis 12-50 apresenta uma história mais especifica, narrando os acontecimentos na vida de Abraão e seus descendentes em Canaã e no Egito. O livro do ÊXODO descreve a líberfação dos israelitas da escravidão egípcia, sua viagem ao Monte Sinai, e a recepção da Lei e as instruções para o tabernáculo. O livro de LEVÍTICO é uma coleção de leis que constitui a base legal da vida civil e religiosa de Israel. As leis são em grande parte de natureza ritual. O livro de NÚMEROS apresenta as peregrinações no deserto durante quarenta anos e a preparação para a entrada na terra de Canaã. O DEUTERONÔMIO significa a "segunda lei". Descreve Moisés fazendo uma revisão de todas as leis dadas por Deus a Israel antes da entrada em Canaã.

OS LIVROS HISTÓRICOS. Há doze livros históricos na Bíblia em Português. A Bíblia judaica uniu alguns desses livros, formando grupos; portanto, contém 24, em vez de 39. Os judeus classificaram seis de nossos livros históricos como "Os Primeiros Profetas". Dos seis livros, juntaram I e II Samuel num só, e I e II Reis, igualmente. Os primeiros profetas da Bíblia judaica incluem então Josué, Juízes, Samuel e Reis.

Os doze livros históricos na Bíblia em língua portuguesa descrevem os eventos na vida de Israel desde sua entrada na terra de Canaã (1290 a. C.) até cerca de 400 anos a.C. no período persa.

JOSUÉ descreve a ocupação da terra prometida a Abraão e seus descendentes.

JUÍZES narra os tempos tumultuosos em Israel antes que o povo fosse governado pelos reis e tivesse um regime político centralizado. Funcionavam em grupos de tribos e se uniam somente sob a direção dos juízes.

I e II SAMUEL contam a história de Samuel, o último juiz, e a nascimento do sistema monárquico em Israel, com a ascenção de Saul ao trono, e depois a passagem da autoridade real para Davi e sua família.

I e II REIS continua a saga dos reis de Israel, retratando a história da nação ao longo de vários séculos.

I e II CRÔNICAS repetem a história de Israel até o tempo da restauração feita poi Ciro, rei da Pérsia, em 538 a.C. O autor de Crônicas focaliza a história sob uma perspectiva teológica diferente.

ESDRAS e NEEMIAS continuam a história com a volta dos primeiros judeus sob o governo de Ciro até o ano 400 a.C.

ESTER descreve um nacionalismo forte e localizado no contexto histórico do período persa. O livro relata o sucesso dos judeus com seus dirigentes persas.

Há cinco livros de POESIA. São chamados também "Literatura de Sabedoria" porque tratam dos problemas da vida e seu significado. JÓ desafia a crença difusa de que o justo sempre prospera e que o sofrimento é indício de vida pecaminosa. Os SALMOS constituem um livro de cânticos e contêm muitas expressões de fé. Muitos Salmos apregoam que guardar a Lei resulta em receber bênçãos e que a confiança em Jeová nos protegerá dos inimigos. PROVÉRBIOS é uma coletânea de sábios conselhos relacionados a várias áreas da família e da vida pessoal. ECLESIASTES é um sermão que trata da questão de como se conseguir o máximo de proveito da vida. O CÂNTICO DOS CÂNTICOS é uma canção de amor, e sua interpretação continua sendo debatida pelos eruditos.

Page 5: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .5

Há dezessete livros sobre os PROFETAS que são classificados em dois grupos: os PROFETAS MAIORES e os PROFETAS MENORES. Cinco constituem os Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel e Daniel; os autores são quatro, visto que o livro de Lamentações se atribui a Jeremias. Os judeus não incluíram Daniel na literatura profética em sua Bíblia Hebraica. Eles o classificaram em sua terceira seção bíblica, com o nome de Escritos, e também juntaram os Doze Profetas Menores num livro só, "O Livro dos Doze".

A segunda divisão dos Profetas em nossa Bíblia, os profetas Menores, contém: Oséias – Joel – Amós – Obadias – Jonas – Miquéias – Naum –

Habacuque – Sofonias – Ageu – Zacarias – Malaquias.

Os livros do Novo Testamento

Os 27 livros do Novo Testamento classificam-se em quatro grupos: Os Evangelhos, Atos, as Epístolas, a Revelação ou Apocalipse. Abrangem quatro tipos literários: biografia, história, cartas, profecia.

OS QUATRO EVANGELHOS apresentam os acontecimentos do ministério de Jesus, que veio para estabelecer o Reino de Deus. Sua morte tornou-se essencial para a qualificação dos homens como cidadãos do Reino pela remissão dos seus pecados. De igual modo, sua ressurreição foi considerada essencial para assegurar aos cidadãos do Reino que seriam vitoriosos sobre a morte. Os três primeiros são: Mateus, Marcos e Lucas – que descrevem a vida de Cristo dentro da mesma perspectiva; portanto, são chamados Evangelhos Sinópticos (visto de uma mesma perspectiva). João focaliza a vida de Cristo numa perspectiva diferente.

O Livro de ATOS é o único exemplo no N.T. que se caracteriza por sua natureza primariamente histórica. Narra a história da Igreja Primitiva, mas a história contém muitas verdades teológicas. Uma das maiores verdades teológicas neste livro é que o Evangelho não pode ser limitado pelo racionalismo judaico a uma única e exclusiva nação. Jesus Cristo é o Senhor de todas as Nações,

Há treze cartas ou EPÍSTOLAS atribuídas à autoria de Paulo. Foi necessário que ele escrevesse cartas às igrejas que organizara, todas as vezes que não pudesse visitá-las. Poucas foram escritas a indivíduos. As cartas contêm grandes verdades teológicas, que auxiliaram os gentios a compreender o sentido da vida de Cristo, a natureza da salvação e as exigências que a vida cristã impõe. As epístolas Paulinas são: Romanos, l e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo, Tito e Filernon. Visto que há várias referências à volta de Cristo, l e II Tessalonicenses são consideradas, às vezes, como cartas Escatológicas. Romanos e Gálatas focalizam a doutrina da salvação e, por isso, às vezes, são chamadas Cartas Soteriológicas. Em I e II Coríntios, Paulo aborda vários problemas daquela igreja. Podiam, muito bem ser classificadas como Cartas Eclesiásticas (do grego eclesia = igreja).

Efésios, Colossenses, Filemon e Filipenses foram escritas por Paulo durante sua primeira prisão em Roma. Por esse motivo são definidas como Cartas da Prisão. Aproximando-se do fim de sua vida, ele escreveu a dois jovens pastores, Timóteo e Tito, dando-lhes instruções. Essas três cartas são em geral chamadas Epístolas Pastorais.

Há oito Epístolas Gerais. Esta designação é aplicada às cartas que não são dirigidas a uma igreja específica. Muitos eruditos julgam que Paulo seja também autor da Epístola aos Hebreus. Outros, porém, crêem que Apolo ou Barnabé a tenha escrito. Assim, Hebreus é colocada ao lado de Tiago, I e II Pedro, I, II e III João e Judas como Epístolas Gerais.

O livro da Revelação ou APOCALIPSE foi escrito para dar esperança de vitória aos cristãos perseguidos. Enfatiza que Jesus Cristo será vitorioso sobre todos os seus inimigos, e que seu triunfo final virá com sua volta à terra. O título do livro revela que as verdades até então escondidas, ou desconhecidas, serão descobertas.

A Importância em se Conhecer os Grupos Literários

A Bíblia é uma biblioteca de livros que não podem ser dominados totalmente apenas no espaço de uma vida dedicada ao seu estudo. No empreendimento do estudo de tão vasto material, é de conveniência que se divida a matéria em unidades menores; quando se estuda um tipo particular de literatura bíblica, pode-se entendê-lo melhor à medida que se fez o relacionamento desse com outro tipo ou grupo literário.

Observaremos adiante, que a interpretação da Bíblia se processa do várias maneiras. É claro que, ao se interpretar qualquer parte da Bíblia, deve-se levar em consideração o tipo de literatura. As seções históricas não podem ser abordadas do mesmo modo que as seções poéticas, por exemplo.

Não é fácil lembrar a ordem dos 66 livros da Bíblia. Entretanto, é importante saber onde se encontra determinado livro, quando o estudante da Bíblia precisa referir-se a uma passagem específica das Escrituras. É muito mais fácil relacionar um livro qualquer do Velho Testamento com seu grupo do que lembrar sua posição entre os 39 livros. Exemplo: se for feita qualquer referência a Eclesiastes, pode-se imediatamente identificar esse

Page 6: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .6

livro com o grupo dos Livros Poéticos ou de Sabedoria. Esse grupo fica depois dos Históricos e antes dos Profetas. Torna-se mais fácil encontrar Eclesiastes depois que o circunscrevemos aos cinco livros de Poesia.

A localização de uma passagem da Escritura, a escolha de um método correto para interpretar um livro e um sistema de conhecimento organizado no estudo da Bíblia são vantagens que redundam do relacionamento dos 66 livros do Velho e Novo Testamentos com os oito grupos.

AS LÍNGUAS DA BÍBLIA

Talvez o leitor esteja bem a par das várias traduções da Bíblia para o português, tais como a Versão Almeida, antiga; a Versão Almeida, revista, ambas publicadas pela Imprensa Bíblica Brasileira e Sociedade Bíblica do Brasil – e edições mais recentes, como A Bíblia na Linguagem de Hoje e a Bíblia Viva, ao lado de outras paráfrases. Visto que nos referimos a versões e traduções, logo, podemos concluir que as línguas originais da Bíblia eram diferentes da que conhecemos.

Se a Bíblia permanecesse somente nas línguas em que foi escrita, poucas pessoas poderiam lê-la. O primeiro versículo do livro de Gênesis apareceria no idioma hebraico, portanto, ilegível pura a grande maioria.

O Hebraico é a língua em que foi escrita a maior parte do Velho Testamento. Os pontos e traços embaixo e por cima das letras hebraicas formam as sua vogais, que foram acrescentadas à Bíblia Hebraica pelos judeus muitos séculos depois do nascimento de Cristo. Desde que o hebraico deixou de ser a língua comum falada pelos judeus, os sinais das vogais tornaram-se necessários a fim de preservar os sons corretos das palavras quando se fizesse a leitura da Bíblia Hebraica. Muito embora o hebraico permanecesse a língua sagrada da Bíblia, os judeus, depois do cativeiro babilônico, só falavam o aramaico. Poucas passagens no Velho Testamento foram escritas no aramaico. Estas incluem Jeremias 10:11; Daniel 2:4-7:28; e Esdras 4:8; 6:8; 7:12-26.

O hebraico pertence ao que se chama de família semítica de línguas. Outras semelhantes são: camita, moabita e fenícia. O aramaico é da mesma família, mas de um ramo semítico diferente. O alfabeto hebraico parece ter sido adotado do fenício.

Com a expansão do Império Grego, cerca de 325 a.C., promovida, por Alexandre, o Grande, a língua grega tornou-se dominante em muitas nações conquistadas. Cerca do ano 250 a.C., o V.T. começou a ser traduzido para o grego. Na Palestina nos tempos de Jesus, o grego era falado amplamente, e a tradução do V.T. para o grego (a Septuagihta) era lida freqüentemente ou citada pelos judeus mais liberais.

É interessante notar que muitas citações do V.T. originam-se da Septuaginta e não do V.T. hebraico. Nos dias de Jesus, a língua sagrada dos judeus era o hebraico; a falada, o aramalco; a língua oflolal era o latim e a universal, o grego. Alguns eruditos afirmam que Mateus escreveu seu Evangelho originalmente em aramaico, mas a maioria dos eruditos concorda que o N.T., em sua inteireza, foi escrito em grego.

Talvez grande parte do N.T. tenha sido escrita originalmente em letras "unciais". No início do século 9, o manuscrito foi alterado para letras menores, chamadas minúsculas. O texto impresso dos Novos Testamentos modernos em grego sai em letras menores.

O alfabeto português consta fundamentalmente de 23 letras, porém, três delas são usadas apenas em casos especiais. Ao todo é composto de 26 letras. Nosso alfabeto é filho do latino, que tem 23. Este procede do etrusco e do grego. De acordo com a tradição, o alfabeto grego foi recebido dos fenícios, portanto, os alfabetos português, grego e hebraico estão baseados no fenício. A língua grega, entretanto, era totalmente diferente da língua semítica dos fenícios.

Apesar de os alfabetos português, grego e hebraico terem letras semelhantes, as línguas são de características diferentes. O hebraico bíblico é vívido, concreto e de natureza direta e franca. Não lida com abstrações, mas com os fatos da experiência. A linguagem é bem adequada para descrever a revelação que Deus fez de si mesmo, mediante sua intervenção no curso da história de Israel.

A língua grega tornou-se a mais apropriada para a mensagem do Novo Pacto, visto que a remissão dos pecados deveria se pregada a todas as nações (Lc. 24:47). Era o idioma comum de várias nações. Tornou-se notável por sua elegância, variabilidade de estilo e precisão em suas afirmações. O grego usado pelos escritores do N.T. é chamado de grego "comum" ou "koinê". Era o grego comum que se usava difusamente em todo o império Romano, e não o grego clássico, empregado pelo filósofo Platão e outros intelectuais do seu tempo. O grego revela em si a influência semítica. Não é surpresa, pois os homens que escreveram os livros do N.T. eram versados nas Escrituras judaicas.

Page 7: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .7

II. A BÍBLIA E A REVELAÇÃO

INTRODUÇÃO

A religião tem por escopo o homem finito num esforço de relacionar-se com o Deus invisível. O homem demonstra uma fome natural de comunhão com Deus. As forças da natureza e da morte são fortes demais para ele enfrentá-las sozinho; logo, precisa de auxílio. A vida do homem está repleto de frustrações e de dificuldades porque fracassa em usar o seu, limitado ou extensivo, conhecimento de Deus e sua vontade de maneira responsável. Como pode o homem conhecer a Deus num sentido pessoal e benéfico? Esta questão vital está no centro do estudo da revelação e da Bíblia.

O SIGNIFICADO DA PALAVRA "REVELAÇÃO"

As palavras galah do V.T. e apocalipse do N.T. significam "revelação". Elas se referem a uma verdade, fato ou pessoa escondida, que possa ser conhecida ou trazida à luz. A raiz latina da nossa palavra "revelação" significa tirar o "véu" ou "descobrir". A palavra apocalipse do N.T. grego significa o ato de se puxar a cortina para que o auditório possa ver a atuação do artista na representação teatral. Um livro do N.T. é conhecido com o nome descritivo de Revelação ou Apocalipse.

O ato da revelação de Deus significa que ele está puxando a cortina para que se veja aquilo que está escondido. É uma ação em que Deus torna a sua pessoa e sua vontade conhecidas ao homem. O Senhor está tão acima da natureza e do poder do homem, para que esse possa discerni-lo, que é necessário Deus revelar-se ao homem. A revelação, portanto, é a atividade divina através da qual Deus se torna conhecido.

Em acréscimo à palavra "revelar" (revelação) são usadas outras expressões bíblicas que indicam como Deus e sua vontade se tornam conhecidos ao homem:

Deus admoesta; Deus torna conhecido; Deus permite que o homem aprenda; Deus fala; Deus instrui; Deus prediz; Deus testifica.

Duas frases – "Assim diz o Senhor" e "a Palavra do Senhor" – enfatizam a natureza verbal da revelação.

A NECESSIDADE DA REVELAÇÃO

“Deus é Espírito”. Informou Jesus à Samaritana que os verdadeiros adoradores devem adorar o Pai em espírito e em verdade, porque Deus é espírito (João 4:23-24). Visto que Deus é espírito, torna-se impossível ao homem vê-lo com seus olhos. João declara que "nenhum homem já viu a Deus em qualquer ocasião; o Filho unigênito, que está no seio do Pai, senão aquele que é vindo de Deus; só ele tem visto o Pai" (João 6:46).

O homem finito e limitado não pode ver a Deus, que é invisível.

A revelação é a atividade de Deus. Não pode o homem, sendo criatura, descobrir a Deus na natureza porque Deus não se corporificou em sua criação, nem se identificou com o mundo (doutrina do Panteísmo). O Criador está fora e além de sua criação. O homem, que é parte da criação, pode descobrir, nos fatos do mundo criado, alguma coisa que revela a natureza de Deus, mas não pode projetar sua mente no reino do Eterno e descobrir sua natureza.

Como o homem chega ao conhecimento? Por duas maneiras básicas: pelos cinco sentidos - visão, olfato, tato, paladar e audição – que o habilitam a conhecer a existência física ao seu redor. Possui também uma mente, com a qual classifica, correlaciona e percebe o conhecimento que resulta das experiências dos seus sentidos. Emprega também sua mente num processo de especulação, pelo qual se esforça em chegar à verdade por meio do raciocínio ou da lógica. Quer pelas experiências dos sentidos ou esforços do raciocínio, o homem não atinge o conhecimento de Deus.

Deus é o Criador do universo material, mas não se torna conhecido pelo homem quando este chega a conhecer a matéria através dos seus sentidos.

Segundo a filosofia materialista, o homem acredita que a natureza material é a essência da realidade. O mundo nada mais é senão a operação de forças físicas, e a alma do homem ou a vida é o resultado do trabalho da energia material sob a lei da necessidade mecânica. De acordo com essa filosofia, o homem não pode conhecer a Deus porque não há nada a ser conhecido.

O único objeto de conhecimento para o homem seria o material, que é descoberto e entendido por meio de processos científicos. Numa época científica, o perigo está sempre presente em se exaltar os métodos dos cientistas na aquisição do conhecimento. Por exemplo, aqueles que aceitaram a filosofia materialista concluem

Page 8: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .8

que a única realidade objetiva é aquela que pode ser investigada por meio do uso dos sentidos. Tal maneira de pensar elimina a realidade objetiva da existência espiritual.

Na relação de conhecimento do objeto e do sujeito, o homem é o sujeito que procura conhecer a Deus. Filósofos e cientistas têm lutado com a questão de como é que o homem, que é sujeito, conhece um objeto. Já se mencionou que os cinco sentidos e a mente do homem são envolvidos no processo de se conhecer a realidade física. O problema do homem surge porque ele não pode conhecer a realidade espiritual da mesma maneira como conhece a realidade física. Apesar do fato de que o Salmista usou a expressão "provando a Deus", todavia, não quis, com isso nos persuadir que o homem pudesse descobrir a Deus pelo uso dos seus cinco sentidos. Os escritores bíblicos expressaram a capacidade de o sujeito conhecer o objeto pela aplicação de conceitos comuns e compreensíveis. A revelação envolve o problema de como o homem, como sujeito, pode conhecer e entender um objeto espiritual.

Visto que Deus está num nível mais elevado de existência, ele revela sua natureza e sua vontade ao homem. O homem é incapaz de descobrir a Deus por causa de seus recursos limitados em conhecer a realidade objetiva. Depois que Deus revela sua natureza e vontade ao homem, este, então, deve correspondê-las e expressá-las em palavras correspondentes ao seu próprio nível de experiência. Descrevendo a Deus como nosso Pai, já estamos comunicando certas características da natureza de Deus. Um pai faz a provisão necessária aos membros de sua família, protegendo-os, e ministra-lhes orientação. É o símbolo da autoridade e da força no âmbito do lar. Usando o termo "pai" para descrever a natureza de Deus, o homem, como sujeito, estará em condições de entender alguma coisa a respeito do objeto: Deus.

Revelação Geral: Deus como Criador

Distinção entre revelação geral e teologia natural.

Os teólogos utilizam freqüentemente, duas expressões, que poderão ser confundidas: revelação geral e teologia natural. Refere-se a revelação geral àquilo que se pode saber a respeito de Deus por meio da natureza – o trabalho criativo de Deus. A teologia natural apresenta a doutrina da natureza e vontade de Deus baseada em fundamentos que não da Bíblia. A razão humana é a fonte fundamental na estrutura de uma teologia natural, mas a natureza também é uma fonte. São Tomaz de Aquino, na Idade Média, é conhecido por sua teologia natural, que se fundamentou, principalmente, sobre a razão. Porém, muitos teólogos conservadores têm desafiado a validade de seu sistema.

O teólogo contemporâneo Karl Barth afirma que nenhum conhecimento válido de Deus pode ser obtido por meio da revelação geral. O homem só pode conhecer a Deus pela revelação especial, que centraliza-se na pessoa de Jesus Cristo. Mantém que uma segunda fonte do conhecimento de Deus – por exemplo a Bíblia e a tradição, ou a Bíblia e a razão – sempre resulta numa desvalorização da primeira fonte. De acordo com o pensamento de Barth, pode haver uma revelação geral, mas não é possível existir uma teologia natural válida, porque a mente de homem pecador perverte o conhecimento de Deus por meio da natureza.

O ponto de vista de Paulo sobre a Revelação Geral

Referiu-se o apóstolo Paulo à revelação geral em Romanos, capítulos 1 e 2. O homem, que não tem conhecimento de Deus por meio da revelação especial de Jesus Cristo torna-se responsável perante Deus em face da revelação geral. Apesar do fato de que a natureza não diz nada sobre a misericórdia redentora de Deus, Paulo afirmou que as obras criadas por Deus desvendam seu poder sem limites, sua eterna existência, sua natureza divina (Rm. 1:20). Por meio da revelação geral, o homem obtém um conhecimento suficiente sobre sua responsabilidade perante Deus, e poderá tornar-se culpado quando deliberadamente o desobedece e se recusa a adorá-lo. A natureza perversa e pecaminosa do homem o faz desviar-se de sua responsabilidade perante o Senhor. Recusa-se a viver à altura do padrão de justiça que conhece. Em seu orgulho e egoísmo, escolhe exaltar e servir aos seus próprios desejos em vez de ao seu Criador.

Paulo afirma que a consciência do homem lhe fornece evidências de que ele tem certo conhecimento de sua responsabilidade perante Deus (Rom. 2:12 e ss.). Os gentios, que não haviam recebido uma revelação especial da Lei do V.T., mostraram que eles conheciam alguma coisa a respeito das exigências morais de Deus, porque estabeleceram uma lei para si mesmos. Seu padrão moral não era tão alto quanto o dos judeus, que tinham a revelação especial do V.T.; porém, sua condenação não se baseava em não terem uma lei moral superior, mas em não cumprirem a lei que tinham.

Page 9: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .9

O significado da Revelação Geral

A revelação geral é a base da culpa do homem e a justificação de Deus em condenar todos os homens como pecadores. A revelação geral não conduz a um conhecimento completo de Deus, mas provê ao homem alguma luz pela qual ele viva. O problema é que o homem desvia a luz da natureza e justifica seus atos injustos.

Lutero e Calvino, líderes da Reforma Protestante, rejeitaram como inadequada uma teologia baseada na revelação geral. Reagiram contra a teologia natural da Igreja Católica, derivada do pensamento de S. Tomaz de Aquino, e enfatizaram a depravação (a natureza pervertida e corrompida) do homem pecador. Concluíram que a mente do homem depravado não inspirava confiança para trazer luz ao conhecimento de Deus. A mente humana deveria ser empregada em compreender a revelação especial que Deus nos proporciona por meio das Sagradas Escrituras.

A Revelação Especial: Deus como Redentor

Através da revelação geral, o homem alcança certo conhecimento de Deus. Edifica-se nesse fundamento a revelação especial. A existência criada testifica ao homem sobre a existência de um poder mais alto, e o homem natural revela seu desejo de obter um conhecimento mais amplo de Deus por meio de várias formas de religião. O cristianismo parte do fundamento da aspiração inata do homem por Deus e oferece-lhe um conhecimento completo de Deus em Jesus Cristo. A revelação especial é a revelação bíblica.

A revelação especial relaciona-se especificamente cem o trabalho redentor de Deus na vida de Israel, seu povo escolhido, no V.T., e na vida da Igreja do N.T. A necessidade do homem por uma revelação especial é comprovada pelo fato de sua natureza pecaminosa e corrupta. Sem uma confrontação especial com Deus, o homem pecaminoso continua satisfeito com seu pecado. Persistindo o homem na prática dos seus desejos pervertidos, o pecado vai se alastrando, o que resulta na separação de Deus – que é a morte. O homem pecador é incapaz de ver a verdadeira situação em que se encontra sem a iniciativa e atividade especial de Deus. O homem depravado é incompetente para utilizar-se da revelação geral. Somente depois de sua regeneração, o homem toma-se habilitado a ler o "livro da natureza" com a devida compreensão.

A revelação especial substitui a geral ou a natural. O homem pode entender a natureza de Deus pela observação do seu trabalho criativo apenas de um modo parcial. De acordo com Calvino, um conhecimento da revelação especial do Velho e Novo Testamentos capacita o homem a ler "o livro da natureza" com óculos tais que possa ver realmente o que está e sempre estava disponível na natureza.

A revelação especial de Deus em Cristo fornece um entendimento superior da justiça e do amor de Deus ao que se poderia inferir do mundo natural. A revelação especial é a dádiva da graça de Deus ao homern pecaminoso, a fim de restaurá-lo nos benefícios da revelação geral natural dada ao homem originalmente. A revelação especial traz ao homem as boas-novas do trabalho redentor de Deus, mediante Jesus Cristo. A revelação especial de Deus, que começa no V.T., alcançou seu objetivo final em Jesus Cristo. Os eventos mais reveladores da vida de Cristo foram sua morte e ressurreição. Em sua morte, o amor e a justiça de Deus se evidenciaram. Um Deus de amor pune-se a si mesmo pelo pecado que o homem comete. Paulo nos instrui, no cap. 3 de Romanos, que, pela morte de Cristo, Deus pode ser justo e justificador daqueles que crêem na pessoa de Jesus Cristo. Em sua ressurreição, o poder e a vitória de Deus sobre o pecado e Satanás estão demonstrados. Em Jesus Cristo, Deus revela sua natureza e obra de amor.

A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO ESPECIAL

A comunicação de Deus com o homem

Após um estudo da Bíblia, chega-se à conclusão de que ela indica a História como um meio através do qual o Deus eterno se tem revelado de uma vez para sempre. Deus escolheu a nação israelita e guiou sua história. A influência de uma nação tão pequena sobre as demais, através dos séculos, não encontra explicação, exceto no fato de que Deus entrou na história desse povo de maneira especial. Acreditavam os judeus que a sua história estava sob o controle de Deus, que a dirigia para um ponto culminante na eternidade.

O controle especial de Deus sobre a história de Israel não implica em afirmar que também o não exercesse sobre a de outras nações. Deus revelou seu propósito para com as nações em relação à história da nação escolhida. Israel ficou responsabilizado em comunicar a revelação de Deus aos outros povos. Essa revelação incluía que Deus é justo e requer que todos os povos o sejam também. Deus é amoroso e misericordioso e perdoará a iniquidade de todos que se arrependam. Providenciou a vida eterna para todos que vivem pela fé nele.

Deus revelou sua justiça e exigiu justiça do seu povo nos seguintes acontecimentos históricos: na destruição de Sodoma e Gomorra, na entrega dos Dez Mandamentos, na punição dos peregrinos no deserto e no

Page 10: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .10

cativeiro, e na cruz de Cristo. Revelou Deus sua misericórdia e desejo de perdoar e libertar seu povo mediante acontecimentos como: a libertação do Egito, a provisão para suas viagens pelo deserto, a conquista da terra de Canaã, a libertação do cativeiro Babilônico, e a vida, morte e ressurreição de Cristo.

A maior revelação de Deus na história surgiu na pessoa de Jesus Cristo. Na pessoa do Filho, Deus vestiu-se de carne humana e entrou na história de Israel. Revelou Deus sua justiça, amor e misericórdia redentora em termos concretos, para que o homem os pudesse entender. Sua natureza e propósitos eternos estavam vestidos da carne humana e habitaram no meio do seu povo. Mediante as grandes experiências históricas da morte e ressurreição de Jesus, tornou Deus compreensível seu amor e plano para remir o seu povo. O ponto culminante da revelação de Deus na história cristalizou-se na encarnação, na morte e na ressurreição de Jesus.

A História tem que ser interpretada

Como Criador e Sustentador do universo, Deus controla toda a história. Os acontecimentos históricos especiais revelam os propósitos divinos particulares, mas precisam ser interpretados. O Senhor deve, por Sua graça, esclarecer o sentido dos seus atos. Ele o faz pelos profetas e apóstolos que escreveram as Escrituras. A Bíblia é, em grande parte, o relatório sagrado do que Deus tem feito na história e a interpretação inspirada desses eventos salvadores. A revelação não se encontra tanto no ensino sobre Deus, como na participação da vida de Deus, vindo ao encontro das necessidades do seu povo.

A Comunicação de Deus com o Homem

Não se pode compreender plenamente o modo como Deus tem se comunicado com o homem. A Bíblia afirma que Deus tem falado ao seu povo através dos tempos de maneiras variadas (Heb. 1:1). Os exemplos se encontram em muitas partes da Bíblia, será proveitoso examinar alguns:

a) A comunicação de Deus com Adão e Eva. O escritor de Gênesis diz: "Deus ordenou ao homem", "eles ouviram a voz de Deus, passeando pelo jardim" e "o Senhor chamou Adão" (Gên. 2:16; 3:8,9). O estilo vívido do escritor implica numa comunicação direta ente Adão e seu Deus.

b) A comunicação de Deus com Abraão. O escritor afirma que "o Senhor falou com Abraão" (Gên.12:1). Não explica do que maneira falou sobre o Pacto com Abraão. Noutra ocasião, "a palavra do Senhor veio a Abraão numa visão" (Gên.15:1). O relato marca que o Senhor apareceu a Abraão ao meio-dia. A aparição está associada à presença de três homens, que estiveram face a face com Abraão. Nenhuma distinção se fez entre os três homens e a voz do Senhor. (Gên.18:33). O versículo seguinte assevera que "vieram dois anjos a Sodoma" (Gên. 19:1). Os anjos são mensageiros de Deus. O escritor não faz diferença entre a aparição do Senhor e de seus mensageiros (homens ou anjos) que trouxeram sua palavra a Abraão.

c) A comunicação de Deus com Moisés. Moisés foi atraído pela sarça, que ardia, mas não era consumida. O escritor diz que "Deus o chamou de dentro da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Ele respondeu: Eis-me aqui" (Êx. 3:4). No Monte Sinai, Deus chamou Moisés e lhe apareceu no meio de uma nuvem escura e densa (Êx. 19:3,9).

d) A comunicação de Deus com Samuel. A afirmativa de que "a palavra do Senhor era preciosa naqueles dias; não havia visões freqüentes (I Sam. 3:1) implica em que a revelação da vontade de Deus para com seu povo era usualmente realizada por meio de visões. Samuel estava dormindo quando Deus o chamou (l Sam. 3:3 e versos seguintes).

e) A comunicação de Deus com Isaías. Deus revela seus propósitos, freqüentemente, ao seu povo em tempos de crise. Ele falou a Isaías na hora crítica da morte do rei Uzias. A comunicação do Senhor relacionou-se com uma visão no cenário do Templo, que era familiar a Isaías (Is. cap.6).

A participação do Espírito Santo na revelação especial

Parece que a maneira mais comum de Deus tornar conhecida sua vontade aos seus filhos era por meio de sonhos e visões. No dia de Pentecostes, Pedro cita o profeta Joel, ao explicar a descida do Espírito Santo e fazer a proclamação da mensagem de Deus. Joel predisse que nos últimos dias o Senhor daria visões aos jovens e sonhos aos anciãos (At. 2:17). Os sonhos e visões seriam o resultado da atividade do Espírito Santo.

A revelação interior é freqüentemente descrita em termos de sonhos e visões. Os sonhos e visões poderão ser reais, quer tenham relação com elementos físicos ou não, mas nem todos implicam em revelação divina. Em nosso século científico, nossas mentes, não raro, inconscientemente, concluem que, quando o homem sonha ou tem uma visão, não é real, porque não tem existência física. Tais conclusões limitam as atividades de Deus no setor da ordem física. Deus freqüentemente revelou sua Palavra aos profetas por meio da revelação interior. Muito

Page 11: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .11

embora o processo envolvido na comunicação de Deus ao profeta não seja claramente compreensível, o profeta tinha certeza de que não falava suas próprias palavras, mas a mensagem que Deus transmitia por seu intermédio.

De acordo com l Cor. 2:10,12, Paulo informa que os pensamentos e palavras de Deus devem ser revelados pelo Espírito. Nenhum homem pode, por si mesmo, conhecer a mente de Deus. Somente o Espírito de Deus pode revelar ao espírito do homem a sabedoria e a vontade de Deus. Somente o Espírito de Deus conhece completamente a verdade dos planos e propósitos de Deus. O Espírito usou métodos diferentes em tornar conhecida a Palavra de Deus ao Apóstolo. O Criador do universo não está limitado por qualquer método, quando deseja tornar a sua Palavra conhecida ao homem.

A comunicação do Espírito Santo à mente ou ao espírito do homem não se dá necessariamente de modo audível, mas é real. Ao registrar a revelação, o homem expressa com suas próprias palavras a Palavra que Deus lhe revelou. Por meio desse processo, a Palavra de Deus revelada toma características da personalidade e do ambiente em que veio à tona. As passagens das Escrituras são, não raro, interpretações dos atos de Deus na história. As interpretações não são conclusões humanas baseadas em observações astutas desses atos. O sentido dos atos em si é uma revelação divina em si mesma. O Espírito de Deus orienta a pessoa que lê a Bíblia para entender o significado dos atos e sua interpretação.

Revelação final por meio da pessoa de Jesus Cristo

Jesus Cristo é a revelação final e última de Deus. De acordo com o Evangelho de João, Jesus disse aos seus discípulos que os que o viram, viram o Pai. No período de seu Evangelho, João chama Jesus de “A Palavra de Deus”. Talvez João esteja dizendo que Jesus comunicou ou revelou o Pai e sua vontade ao homem. Os ensinos de Jesus eram a Palavra de Deus. Suas ações eram as expressões concretas da natureza de seu Pai Celestial na história. Por causa da natureza divina de Jesus e sua relação com o Pai, os homens ficaram habilitados a conhecer a Deus pessoalmente pela mediação dele. É difícil ao homem compreender a Deus como um ser espiritual.

AS VERDADES REVELADAS PELA BÍBLIA

As declarações sintéticas seguintes podem ser úteis em recordar as verdades importantes reveladas pela Bíblia.

Deus revela sua natureza.

Deus revela sua vontade e propósito ao homem.

Deus revela o caminho da salvação.

Deus revela as exigências da vida cristã e os recursos para vivê-la.

Deus revela soluções para os problemas pessoais.

Deus revela o poder do seu Reino e a promessa de sua vitória final.

Perspectivas contemporâneas da Bíblia e da Revelação

Três pontos de vista básicos emergem dos debates sobre o significado da revelação. Podem ser classificados geralmente como: liberal, neo-ortodoxo e conservador ou fundamentalista.

É impossível dar uma descrição de cada interpretação de modo que fosse aceita por todos dentro de um grupo particular; porém, cada grupo tem características básicas.

O LIBERAL declara que a Bíblia contém a Palavra de Deus, juntamente com as palavraa dos homens. A Bíblia não é para ser igualada com a Palavra de Deus, visto que Deus se revela e a sua vontade por outros meios além da Bíblia. Diz também o erudito liberal em sua crítica que nem tudo que a Bíblia ensina é digno de ser chamado a Revelação de Deus. Alguns teólogos liberais crêem que os escritores bíblicos eram inspirados somente ao ponto em que, de tempos em tempos, sua percepção religiosa e seu gênio eram aprofundados e afinados em descobrir "verdades divinas" para sua própria época. A ênfase do erudito liberal se focaliza na descoberta, que o homem faz de Deus, em vez de na Revelação que Deus faz de si mesmo. As objeções dos conservadores aos liberais consistem em que:

Page 12: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .12

a) Enfatizam a atividade do homem na descoberta de Deus;

b) Seu ponto de vista da revelação é racionalista e centralizado no homem;

c) Não é bíblico;

d) Colocam nas mãos falíveis do homem o poder para determinar quando Deus fala, na verdade.

O NEO-ORTODOXO declara que a Bíblia torna-se a Palavra de Deus. Críticos liberais do século 19 enfatizaram que a Bíblia está cheia de erros e imperfeições. Como pode ser a Bíblia a Palavra perfeita de Deus quando está cheia de palavras imperfeitas dos homens? Karl Barih respondeu que a Bíblia torna-se a Palavra de Deus quando Deus escolhe o canal imperfeito para confrontar o homem com sua Palavra Perfeita. A Bíblia revela Deus ao homem, não em proposições sobre Deus, mas unicamente ao servir como um canal através do qual se realiza o encontro pessoal de Deus com o homem num ato de revelação. Numa experiência existencial, as palavras das páginas da Bíblia tornam-se vivas e falam pessoalmente ao homem.

Rudplf Bullmann propôs a Bíblia conter dois níveis históricos: 1) o nível inferior ou história natural, que contém elementos da cultura e padrões de pensamento do mundo bíblico; 2) o nível superior ou sobrenatural, que contém a verdade de Deus que o homem existencial encontra em seu ambiente. A história sobrenatural, ou princípio divino, está entrelaçada nos relatos bíblicos com os conceitos e características culturais. Conceitos e características culturais mudam de geração em geração. Costumes do ambiente não fazem parte da revelação divina; portanto, a tarefa do intérprete é separar a história sobrenatural ou princípios divinos das expressões culturalmente orientadas. Visto que os povos do primeiro século eram limitados em conhecimento e cheios de erros e mitos, as verdades divinas não devem ser confundidas com as palavras culturalmente limitadas com que estão relacionadas. Bultmann concluiu que a crucificação e a ressurreição de Jesus não podiam ser verificadas como acontecimentos históricos; todavia, o fato da realidade da crucificação e ressurreição de Cristo no nível da história natural não é importante à sua realidade e verdade no nível sobrenatural. A revelação do amor altruísta de Deus em Cristo não depende do fato de uma crucificação natural fora dos muros de Jerusalém.

Visto que muitos criminosos morreram crucificados fora de Jerusalém, Bultmann tem ponto válido em focalizar que o sentido da crucificação é mais importante que o próprio ato, mas é difícil de se conceber como poderia ter qualquer sentido se o mesmo nunca aconteceu: Bultmann, como Barth, procurou explicar em que sentido a Bíblia pode ser revelação e entretanto conter erro humano.

A posição do neo-ortodoxo é por demais subjetiva. Limita a revelação ao encontro existencial do indivíduo com Deus. A Bíblia não é considerada como a Palavra de Deus, mas se define como o meio pelo qual vem a Palavra de Deus. A força da posição neo-ortodoxa é a ênfase sobre a revelação como pessoal, em vez de proposicional. A revelação é fundamentalmente um encontro com Deus, que é pessoal, em vez da crença num grupo de verdades reveladas. Por outro lado, a revelação não exclui proposições, visto que o conhecimento revelado de Deus deve tomar a forma proposicional para ser comunicado.

Os conservadores crêem que a Bíblia é a Palavra de Deus. As objeções são:

a) A identificação da revelação divina com as palavras humanas é depreciativa a Deus. Essa identificação torna Deus responsável pelas imperfeições embebidas na Bíblia e por todas as imperfeições morais, bem como quaisquer conceitos históricos ou científicos inadequados na Bíblia.

b) A Bíblia como revelação de Deus implica em que essa revelação é proposicional. Deus dita as verdades pelas quais o homem tem que viver. Tal posição reduz a devoção religiosa a uma aceitação individual e lealdade impessoal a verdades reveladas, e não a uma pessoa.

c) A Escritura personifica a revelação. É mais que um relato da revelação que aconteceu na história há muitos anos. As palavras da Escritura põem em forma tangível e permanente as verdades divinas conhecidas na história. Igualmente, o corpo físico de Jesus põe em expressão concreta a verdade divina. A revelação que Deus fez de Si mesmo em Cristo não é para ser igualada com o corpo físico de Jesus, mas este foi o veículo pelo qual a verdade divina se fez presente na história e dentro dos limites da percepção do homem. A verdade divina que esteve durante certo tempo circunscrita a um corpo tangível, agora se encontra presente em palavras tangíveis. É verdade que em Jesus Cristo a revelação tornou-se pessoal (uma pessoa comunicando a natureza pessoal de Deus a pessoas). Contudo, deve-se reconhecer que Deus não tem limitado a realidade a pessoas, nem a revelação ao conhecimento de sua natureza pessoal.

A Bíblia foi escrita por homens inspirados, que puseram a revelação de Deus em forma concreta, que poderia ser preservada e comunicada. As palavras da Escritura podem ser lidas sem se tornar revelação a um homem, exatamente como os homens nos tempos de Jesus poderiam olhar para o seu corpo humano sem se aperceberem da verdade divina que era revelada por meio dele. Visto que as palavras da Bíblia personificam a revelação, a leitura das palavras se torna o meio da revelação. O Espírito Santo usa declarações nas Escrituras

Page 13: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .13

para iluminar o entendimento do leitor. As palavras das Escrituras são o meio pelo qual o Espirito confronta o homem com as exigências de Deus.

As palavras das Escrituras como revelação não têm poder, uma vez que estejam separadas da obra do Espírito Santo. Jesus prometeu que o Espírito Santo guiaria o povo de Deus a toda verdade. A atividade do Espírito seria baseada nas palavras que Jesus proferiu; elas seriam relembradas (João 14:26). A palavra grega para "ler"(anaginosko) significa "saber de novo". A leitura das palavras da Escritura traz às nossas mentes as palavras de Jesus e se torna a base da atividade do Espírito Santo em nos guiar à verdade divina. As palavras da Bíblia podem ser lidas sem que se constituam em revelação para nós. Mas personifica a verdade divina, quer o leitor compreenda ou não a verdade.

Várias ênfases do ponto de vista contemporâneo da revelação são válidas:

a) A revelação não deve ser considerada como corpo de doutrina ou regras inspiradas pelas quais os homens deveriam viver.

b) A revelação não é um conjunto de informações que Deus comunica ao homem, mas é o próprio Deus dirigindo-se ao homem em comunhão.

c) A revelação do próprio Deus por meio de suas atividades na história é também uma ênfase válida. O caráter de uma pessoa se expressa mediante seus atos.

As declarações que seguem procuram relacionar a Bíblia com a revelação:

A Bíblia, contendo um relato dos atos de Deus na história e a interpretação desses atos, personifica a revelação de Deus, que é vivificada pelo trabalho do Espírito Santo.

A Bíblia é guia para se ter um entendimento mais aprofundado de Deus, mediante um encontro com ele, efetuado por meio do Espírito Santo.

A revelação pode ser personificada em declarações bíblicas, bem como em atos divinos, mas nenhum deles se torna verdadeira revelação para o indivíduo, a não ser que sejam aprendidos pelo trabalho de mediação do Espírito Santo.

III. INSPIRAÇÃO E AUTORIDADE DA BÍBLIA

INTRODUÇÃO

Distinção entre Revelação e Inspiração

Revelação e inspiração são dois conceitos muito entrelaçados. REVELAÇÃO é a atividade de Deus em que ele e seus propósitos se tornam conhecidos ao homem. Relacionam-se com a verdade recebida. INSPIRAÇÃO diz respeito ao método de receber, interpretar e relatar a verdade revelada por Deus. O Senhor revelou sua natureza e vontade ao homem por meio de anjos, sonhos, visões, natureza, escritos, vozes, lançamento de sortes, voz íntima da consciência individual e seu filho ("Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas..." – Heb. 1:1). O que Deus revelou foi recebido, interpretado e relatado pelos profetas.

A recepção, interpretação e transmissão da revelação de Deus envolve atividades humanas e divinas. A revelação pode ser transmitida oralmente ou relatada em forma de documentos. A atividade divina inspira e guia o homem em seu trabalho de interpretar e preservar a revelação. A Bíblia, personificando a revelação de Deus, é tanto humana quanto divina em sua origem. INSPIRAÇÃO é a atividade divina em que o Espírito Santo guia as mentes de homens selecionados e os torna instrumentos de Deus a fim de comunicarem a revelação.

SIGNIFICADO DA INSPIRAÇÃO

A inspiração pode referir-se à atividade da inspiração ou ao resultado daquela atividade. Baseado na declaração em II Tim. 3:16, B.B.Waarfield descreveu a inspiração como uma influência sobrenatural exercida

Page 14: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .14

sobre os escritores sagrados pelo Espírito de Deus (a atividade da inspiração). Por causa da influência divina, os escritores são autorizados e merecem confiança (o resultado da inspiração). A autoridade das Escrituras depende de sua inspiração. A negação contemporânea da autoridade da Bíblia se origina no ceticismo concernente à sua inspiração.

O VELHO TESTAMENTO

O Senhor instruiu a Moisés para que colocasse palavras na boca de Arão, "... e eu serei com a tua boca... e vos ensinarei o que haveis de fazer. E ele falará por ti ao povo; assim ele te será por boca, e tu lhe serás por Deus". (Êx. 4:15-16). Mais tarde, disse Deus: "... Eis que te tenho posto como Deus a Faraó, e Arão, teu irmão, será o teu profeta" (Êx. 7:1). O conceito nestas Escrituras é que o profeta é aquele que fala palavras que Deus pôs em sua boca. Amós afirmou: "... Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?" (Am. 3:8). Quando o profeta falava que a palavra era do Senhor: "... e desse-me o Senhor" (Is. 40:5). Deus disse a Jeremias: "... Eis que ponho as minhas palavras na tua boca" (Jer. 1:9).

O NOVO TESTAMENTO

Três passagens do Novo Testamento apresentam a doutrina da inspiração:

II Tim. 3:16-17: "Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir e para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra".

II Ped. 1:20-21 "... sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo".

Heb. 1:1-2: "Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho..."

Estas Escrituras ensinam que:

a) Os escritos, em vez de os escritores, são inspirados (II Tim. 3:16: "Toda Escritura é divinamente inspirada...")

b) A Escritura é de origem divina (II Tim. 3:16: "...inspirada por Deus", II Ped. 1:21: "Homens movidos pelo Espírito Santo falaram de Deus").

c) A Escritura é também resultado do trabalho de escritores humanos (II Ped. 1:21: "... homens movidos pelo Espírito Santo falaram de Deus").

d) A palavra que vinha de Deus era primeiro fatada e depois, escrita (II Ped. 1:20-21; por implicação). A Escritura era falada pelos profetas.

II Tim. 3:16 focaliza o resultado da inspiração no registro da Palavra ou Bíblia. É a Escritura que é inspirada. II Pedro 1:21 enfatiza que a atividade dos escritos era dirigida pelo Espírito. Hebreus 1:1 parece incluir o agente e o resultado da inspiração. Essas Escrituras nos afirmam que o homem era guiado pelo Espírito de Deus em receber, comunicar e relatar a Palavra de Deus.

O Espírito Santo foi a fonte da inspiração. Nenhum verdadeiro profeta poderia falar "Assim diz o Senhor", a não ser que tivesse um dom especial do Espírito Santo; ele devia ser "movido pelo Espírito Santo" (II Pe.1:21). Sob a direção do Espírito Santo, ele interpretava o sentido daquela revelação e a comunicava aos outros ("...homens ... falavam de Deus").

Em I Cor. 2:11 e versos seguintes, Paulo escreve que nenhum homem conhece os pensamentos de outro, senão o espírito daquele homem. Do mesmo modo, ninguém conhece os pensamentos de Deus, senão o Espírito de Deus. O Espírito está capacitado a fazer conhecida a mente de Deus aos homens espirituais.

Deveria ser lembrado que as Escrituras do Novo Testamento, ao descrever a inspiração, se referem ao Velho Testamento. Os livros do N.T. estavam, então, no processo de serem escritos e somente mais tarde é que foram reconhecidos como inspirados. O fato de que o N.T. veio a ser reconhecido como a Palavra de Deus, inspirada e autorizada, estabelece a inspiração do V .T.

O ponto de vista de Jesus sobre a inspiração

Jesus considerou o V.T. como a Palavra cie Deus, inspirada e autorizada. Ele freqüentemente citava as Escrituras, dizendo: "Está escrito" (Marcos 12:36); todavia, Jesus não excluiu a atividade humana de Davi que falou como instrumento nas mãos de Deus.

Page 15: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .15

O ponto de vista de Jesus sobre a inspiração e autoridade não tornou Todo o Velho Testamento dominante para todos os séculos. Ele acreditava que Moisés fosse o autor do Pentateuco e Davi, o dos Salmos. Ele não considerava que Moisés tivesse falado a palavra final. Quando interrogado sobre a questão do divórcio (Mat.19:2-9), Ele citou Gênesis 2:24 e interpretou a Escritura, dizendo que o homem e sua nulher não deviam se divorciar. Os fariseus objetaram à sua interpretação e se referiram a Deuteronômio 24:1, que permitia o divórcio, se por hipótese a mulher não fosse mais agradável, então, aos olhos do marido. Jesus replicou-lhes: "Pela dureza de vossos corações, Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas não foi assim desde o princípio" (Mat.19:8). Apesar de Jesus reconhecer o V.T. como inspirado e autorizado, Ele mostra que algumas partes do mesmo já não podiam mais ser recebidas como autorizadas. Mas uma pessoa que não tenha a autoridade de Jesus deveria ser cautelosa em desmerecer qualquer parte do V.T.

O ponto de vista dos apóstolos sobre a inspiração

O V.T. era a Bíblia dos apóstolos, bem como de Jesus. Eles tiveram elevado conceito da inspiração e da autoridade do V.T. Em Atos 1:16, disse Pedro: "Irmãos, convinha que se cumprisse a escritura que o Espírito Santo predisse pela boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam a Jesus". De acordo com esta Escritura, Pedro cria que o V.T. era a Palavra de Deus falada por Davi sob a liderança do Espírito Santo. Mateus manteve ponto de vista semelhante: "Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta" (Mat.1:7,2).

A INSPIRAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO

Os Evangelhos

Jesus afirmou que ele estava "no Pai" e o Pai estava "nele". As palavras que ele falou aos seus discípulos não procediam dele, mas do Pai, que morava nele (João 7:17). Se estas afirmacões são verdadeiras, e os apóstolos estavam convencidos de que eram, de modo que as palavras de Jesus eram do Pai, assim suas palavras relatadas nos Evangelhos são de Deus.

Sua vida estava sob o controle do Espírito Santo (Mat. 3:16; 4:1), e seu trabalho, sob o poder do Espírito de Deus (Mat. 12:28). A inspiração tem referência a palavras, e palavras resultantes da atividade do Espírito Santo. As palavras e as ações de Jesus eram inspiradas, e os escritores criam nisto quando eles escreveram os Evangelhos.

Os Escritos dos Apóstolos

A Escritura declara, em vários lugares, que as palavras de Deus foram expostas ou expressas pela boca do profeta. Nenhuma explicação foi dada a respeito de como isso aconteceu. Os discípulos de Jesus, os profetas do N.T., tinham a promessa de que na hora da necessidade o Espírito Santo falaria por eles (Mat.10:19-20). Jesus disse, a respeito do Espírito, que ele "... vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos falei" (João 14:26). Jesus declarou: "Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda a verdade, porque ele não falará de si mesmo, mas de tudo quanto ouvir, disso vos falará" (João 16:13).

As epístolas do N.T. são interpretações inspiradas sobre o sentido da vida e ensinos de Jesus. Paulo, Pedro e João escreveram às Igrejas para apresentar o tipo de vida que os cristãos deveriam viver, e a esperança que tinham num Senhor que ressuscitou e subiu para a glória.

Paulo cria que estava escrevendo sob a direção e comando do Senhor (I Cor. 7:6-12). Paulo explicou quando expunha suas próprias ideias ou quando transmitia a palavra do Senhor. João declarava que escrevia a mensagem que ouvira do Senhor e queria transmiti-la ao povo (I Jo 1:5). No processo da canonização, a igreja primitiva chegou à convicção do que o Espírito de Deus tinha falado a Palavra de Deus, autorizada e inspirada, por meio de certos escritores.

PONTOS DE VISTA SOBRE A INSPIRAÇÃO

As afirmações a respeito da várias posições doutrinárias deviam ser feitas com muita cautela porque:

Os teólogos que mantêm pontos de vista semelhantes, não concordam completamente; portanto, uma afirmativa resumida da posição doutrinária não descreve com precisão o modo de pensar de qualquer pessoa particular;

É difícil ser objetivo e entender a posição daquele com quem discordamos.

Page 16: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .16

Pontos de vista dos Liberais

Os teólogos liberais argumentam que o mundo tem sofrido transformações radicais desde a época em que os credos primitivos do cristianismo foram formulados. A teologia ortodoxa deve ser reformulada para o mundo moderno. Visto que o mundo moderno recusa aceitar as crenças de autoridade única, as doutrinas devem passar pelo teste da razão e da experiência. Considerando que novos fatos estão sendo trazidos à luz em nosso mundo progressista, a mente humana deve ser mantida aberta e suscetível a toda verdade. Declarações doutrinárias dogmáticas se restringem a um tempo e lugar particulares ou determinada cultura; logo, as proposições doutrinárias podem ser universal e continuamente aplicadas.

O liberal acredita que toda verdade deve ser a verdade de Deus. Ele não vê qualquer necessidade de proteger a Bíblia do exame critico. Usa os mesmos instrumentos da crítica literária usados no estudo dos escritos antigos. Os eruditos críticos são identificados também como eruditos liberais. Todavia, não é impossível ao erudito crítico manter posição teológica conservadora.

A erudição liberal enfatiza a dependência da habilidade do homem em raciocinar. Focaliza-se o elemento humano na origem da Bíblia. A maioria acredita que a Bíblia é o resultado de um processo evolucionário. Sua inspiração não é para ser negada, mas os liberais enfatizam a idéia de que Deus fala pela Bíblia, tanto quanto por meio da natureza, da filosofia e das artes.

A ênfase sobre o homem desloca em grande parte a autoridade divina das Escrituras, transferindo-a para a experiência e raciocínio humanos. Os eruditos liberais não dão muita importância à inspiração das Escrituras como fazem os conservadores. A revelação e inspiração divinas são substituídas pela razão humana. A Bíblia é considerada inspirada, mas na mesma base em que todos os livros são inspirados, isto é, pelo Deus, que é imanente (inerente) em todas as coisas. Eles concluem: visto que a Bíblia é humana, está sujeita a erros.

O ponto de vista liberal é, fundamentalmente, que a Bíblia contém a Palavra de Deus, ao lado de uma variedade de palavras dos homens. A Palavra de Deus pode ser encontrada na Bíblia pela reflexão racional e moral, mas não se deve igualar as palavras da Bíblia com a Palavra de Deus. Nem todas as palavras da Bíblia, tais como a matança de mulheres e crianças nas guerras do V.T., são dignas de serem chamadas de divinamente inspiradas e Palavra de Deus autorizada.

Pontos de vista Não-Ortodoxos

Karl Barth iniciou este movimento em reação à escola liberal, que enfatizava a mente crítica e o elemento humano da Bíblia. Esforçou-se em voltar do liberalismo à ortodoxia. Aproximou-se bastante da velha teoria da inspiração verbal e da Bíblia como expressão total da verdade. Ele acreditava que a Palavra de Deus fora dada por meio de homens falíveis e pecadores, mas o que é oferecido na Bíblia é a Palavra de Deus, e nada mais, nada menos.

Ele apresentou a Palavra de Deus como pregada, escrita e revelada. Referiu-se à Bíblia como a Palavra de Deus escrita. Distinguiu muito incisivamente a Palavra revelada e as palavras escritas da Escritura. A Palavra é de Deus; as palavras são dos homens. Recusou-se a identificar a revelação somente com a Bíblia. Declarou que a Bíblia é um dos meios ou instrumentos pelos quais a Palavra de Deus opera.

A Escritura não é para ser identificada com a revelação de Deus, porém é uma testemunha daquela revelação e se torna a forma ou evento pelos quais Deus fala na medida em que a lemos. É um registro da revelação, todavia, não é a revelação em si mesma. A Escritura é proclamação em forma escrita. A Bíblia é a Palavra de Deus, tanto quanto Deus lhe permite que seja, à medida que Deus fala por meio dela.

A pregação, da mesma maneira, pode tornar-se a Palavra de Deus quando Deus fala por ela. Em seu modo de pensar, Barth procura anular a bibliolatria (isto é, a veneração da Bíblia) e diminuir o problema da necessidade de uma Bíblia infalível. De acordo com o pensamento de Barth, a Bíblia é o registro ou testemunho de acontecimentos divinos, especiais ou da revelação. Visto que é a primeira testemunha dos eventos divinos, é o mais importante conjunto de escritos.

A neo-ortodoxia enfatiza o existencialismo. O existencialistno dá ênfase ao encontro pessoal do homem com Deus. O homem não se encontra com Deus nas palavras da Bíblia, mas quando lê as palavras. Deus fala a ele de modo pessoal.

Rudolf Bultmann sustentou que a verdade divina foi vestida na terminologia pré-científica do primeiro século. Muita coisa da verdade divina foi, portanto, expressa em mitos religiosos do primeiro século. Devemos, assim, considerar o documento histórico com todos os seus mitos e erros e fixar nossas vistas no acontecimento supra-histórico. As palavras da Bíblia orientadas ou condicionadas pelo ambiente histórico e cultural não são divinamente inspiradas; essas palavras devem ser escoimadas, a fim de podermos conseguir a verdade que esteja nelas contida.

Page 17: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .17

O ponto de vista neo-ortodoxo julga a Bíblia como se tornando a Palavra de Deus, oportunamente e subjetivamente, mas não como sendo a Palavra de Deus objetivamente. Nem liberais, nem neo-ortodoxos acreditam que a Bíblia seja a Palavra de Deus. Os liberais mantêm que a Bíblia contém a Palavra de Deus e os neo-ortodoxos, que a Bíblia se torna a Palavra de Deus.

A perspectiva dos Conservadores

Teoria do Ditado Verbal

Os ultraconservadores ou fundamentalistas têm sido acusados de ensinar a inspiração mecânica ou a do ditado verbal. De acordo com esta teoria, Deus ditou as palavras aos profetas, que agiram como se fossem secretários, transmitindo relatórios. Não muitos teólogos aceitaram esta teoria – "teoria estática” – da inspiração para toda a Bíblia. Objeções a esta teoria se baseiam no fato de que Deus tem usado agentes humanos, e não simplesmente receptores passivos, mas homens ativos e que têm apresentado sua colaboração ao escreverem as Escrituras (Rm. 16:26; Heb. 1:1). Uma leitura sobre a dádiva dos Dez Mandamentos pode dar-nos a impressão de um processo de ditado verbal (em que Deus ditou palavra por paía\ra) Êx. 31:18). Todavia, os arqueólogos descobriram que os códigos de leis, semelhantes aos Dez Mandamentos, estavam sendo usados pelos povos vizinhos de Israel já há centenas de anos antes do nascimento de Moisés. Essas descobertas não negam que Deus guiasse a Moisés em selecionar os Mandamentos, mas indica que Moisés já conhecia muitas leis, e assim não era um receptor passivo no Monte Sinai. Uma segunda objeção à teoria da inspiração verbal é que não permite fazer distinção sobre o estilo característico dos vários escritores. Até mesmo o principiante no estudo da Bíblia está em condições de observar a diferença de estilo entre Paulo e João, por exemplo.

A Teoria Dinâmica

Os neo-evangélicos propõem que não são as palavras, mas os pensamentos ou as idéias que Deus inspirou. Deus proporcionou os pensamentos aos profetas, os quais tiveram liberdade em relalá-los ou transmiti-los em suas próprias palavras. Esta teoria explica-nos as diferenças de personalidade e estilos literários que se refletem evidentemente nas Escrituras. Também mantêm que a Bíblia é a Palavra de Deus. O escritor bíblico põe as palavras de Deus no estilo de sua própria palavra humana.

A Teoria da Inspiração Plena

Afirmam alguns que esta representa a teoria dos conservadores. De acordo com a mesma, todas as palavras (verbais) foram sopradas por Deus (II Tim. 3:16). Deus deu plena expressão aos seus ensinamentos nas palavras dos relatos bíblicos. Deus guiou os escritores em escolher as palavras que eram características de sua época e cultura, mas que expressavam, adequadamente, a revelação divina.

PROBLEMAS CONFRONTADOS EM DEFINIR A INSPIRAÇÃO

Problema de definir os elementos divinos-humanos

A Bíblia representa o trabalho de ambos: Deus e o homem. O Espírito de Deus guiou a mente e o entendimento do homem para que ele conhecesse a palavra divina e a vontade de Deus. Em grande parte, a Bíblia é um registro de acontecimentos históricos. Esses eventos históricos se referem à atividade de Deus na história humana, porém, são interpretados pelos escritores humanos. A interpretação foi guiada pelo Espírito Santo. Muitos eventos na história de Israel não foram relatados. O Espírito Santo dirigiu os escritores para que selecionassem e registrassem os eventos reveladores.

Há evidências de que vários livros da Bíblia contêm registros políticos de cortes e narrativas históricas. Certo número de fontes foi usado nos registros de I Reis. Uma parte do material foi extraída dos anais de Salomão: "Quanto ao restante dos atos de Salomão, e tudo o que ele fez, e à sua sabedoria, porventura não está escrito no livro dos atos de Salomão?" (I Reis 11:41). Outra parte da matéria foi tirada dos anais dos reis de Israel (I Reis 14:19).

O autor de Crônicas usou pelo menos cinco livros históricos como fontes (I Crôn. 27; 24; II Crôn. 20:34; 27:7; 16:11; 24:27). Mencionou também onze escritores proféticos (II Crôn. 9:29; 12:15; 13:22; 20:34; 26:22; 32:32; 33:19). E materiais litúrgicos (II Crôn. 29:25; 35:4; 35:15). Há aproximadamente vinte fontes mencionadas nos livros de Crônicas com trinta referências explícitas a elas. Não há evidência de que os registros históricos da côrte e as fontes proféticas fossem divinamente inspirados ou ditados por Deus. Não há razão para duvidar,

Page 18: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .18

todavia, que o autor de Crônicas tenha sido guiado pelo Espírito de Deus na composição dos livros. Ele tirou a informação histórica de fontes conhecidas e foi guiado divinamente na interpretação e sentido da história. A mensagem divina consiste em ver a mão e os propósitos de Deus na história de Israel, não na minúcia histórica do número exato de anos que um rei governou. Os detalhes vieram dos registros da côrte. A interpretação foi dada por Deus. Os escritos foram julgados mais tarde pelos líderes de Israel como inspirados por Deus; portanto, foram reconhecidos como canônicos e julgados dignos de uma posição de autoridade.

No Novo Testamento, poucas referências se fazem às fontes, exceto com vistas às palavras e lições de Jesus. Uma exceção se encontra em Lucas, que admitiu, no início de seu Evangelho, que ele estava coligindo uma narrativa autêntica dos eventos relativos a Jesus (Lc. 1:1-4). Fez referência a um número de tradições ou testemunhas oculares sobre a vida e ensinos de Jesus. Ainda que número considerável desses tratados estivesse em circulação, Lucas se propôs a examiná-los cuidadosamente e pesquisar as narrativas para transmitir a Teófilo um relatório lúcido e minucioso. De acordo com o prólogo de Lucas, as palavras no Evangelho não vieram diretamente de Deus para ele. Esta informação não desacredita a inspiração do Evangelho de Lucas, mas não corrobora a teoria da inspiração do ditado verbal.

Apesar do fato de que eruditos críticos têm tentado desacreditar a fidedignidade da narrativa histórica de Lucas, não o conseguiram, porque as descobertas científicas recentesda arqueologia confirmam plenamente a obra do historiador.

O problema de palavras e conceito de pensamentos culturalmente orientadas

Para os cidadãos do tempo dos profetas poderem entender a Palavra de Deus, a revelação divina teria que ser expressa em palavras e conceitos de pensamentos que fossem compreensíveis a eles. Os conceitos a respeito do céu, que estava colocado acima da terra, e o do inferno, que estava embaixo, de que a terra era estática, parada, e que o sol girava em torno dela etc. Na atualidade, com nossas viagens espaciais, os conceitos antigos apresentam alguns problemas. O que está "abaixo da terra" e "acima da terra" para a nova geração que se orienta para uma nova perspectiva do mundo, em que a terra gira em volta do sol? Visto que a terra, agora se sabe, é redonda, como ficarão compreendidas as descrições espaciais do céu e inferno?

Não se nega a realidade do céu ou do inferno; porém o intérprete moderno precisa reconhecer que deverá usar expressões que comuniquem a verdade divina ao povo, cujos conceitos mudaram a respeito da estrutura do universo. Tomando em consideração a inspiração da Bíblia, como deveria alguém distinguir entre a linguagem do primeiro século, empregada para comunicar a verdade divina, e a verdade divina em si mesma? Se os escritores tivessem usado a linguagem científica do século 20, a mensagem de Deus não teria sido compreendida naqueles tempos. Da mesma forma, nossa linguagem contemporânea e nossos conceitos científicos serão anacrônicos dentro de 50 anos.

A linguagem condicionada culturalmente pela sua época tem influência, muito pequena sobre a Bíblia. A tarefa do intérprete e entender a mensagem apresentada originalmente naquela época e interpretar qual a sua aplicação para o dia de hoje. Deus pode nos orientar nesse processo mediante seu Espírito.

Problema de se evitar uma perversão da revelação divina

Para muitos, o cristianismo se constitui numa série de regras ou num sistema doutrinário enfeixado num livro divinamente inspirado. Desde que guarde os 10 Mandamentos e trate bem o seu próximo, o cidadão está satisfeito com a sua vida espiritual. Tal pessoa reconhece que é responsável a um Deus pessoal. Perde as bênçãos de estar em comunhão com Deus. Substitui Deus, que se faz conhecido ao homem, por uma Bíblia, que abrange a revelação divina.

O conhecimento acerca de Deus exposto na Bíblia e um encontro pessoal com Deus não podem absolutamente se separar. A Bíblia personifica a divina revelação nas palavras do homem. Como livro divinamente inspirado, as palavras da Bíblia têm poder dominante no dia de hoje. O elemento divino na Bíblia e a inspiração das palavras dos profetas são evidentes nas predições e cumprimento da profecia. A inspiração divina é também evidente na relevância contemporânea de um livro que foi escrito há 2000 anos.

A significação da Bíblia se concretiza em sua mensagem sobre um Pai amoroso que perdoa e redime. A proposição ou declaração bíblica de que Deus perdoará todos os que confessam seus pecados é essencial à experiência do perdão e do encontro com um Deus pessoal. A Bíblia, contendo declarações divinamente inspiradas, não pode ser separada da experiência existencial.

Page 19: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .19

O problema de se encontrar termos adequados

As palavras como veículos de comunicação somente são válidas na medida em que forem compreendidas.

É possível que o autor de uma frase tenha dado determinado sentido à mesma, mas quem a recebe poderá dar uma interpretação diferente. "Infalível" e "inerrante" são duas palavras freqüentemente empregadas para definir a doutrina da inspiração. Estas duas palavras comunicam conceitos muito precisos somente na medida em que o autor e o leitor tiverem o mesmo pensamento. Talvez muitos desacordos sobre a doutrina da inspiração surjam da compreensão diferente do sentido das palavras.

Inerrância simplesmente denota a não liberdade de divagação ou afastamento da verdade. Edward J. Young define a inerrância das Escrituras afirmando que cada asserção da Bíblia é verdadeira, quer a Bíblia se refira ao que se deve crer (doutrina) ou como devemos viver (ética), ou se narra acontecimentos históricos. A inerrância requer ausência de enganos em registrar fatos históricos? Os autores dos livros de Reis e de Crônicas dependeram de outros documentos para preparar muita informação de sua parte.

As cronologias dos reis de Israel e de Judá não podem ser correlacionadas. Estavam esses erros nas fontes originais, ou dispomos de informação insuficiente para correlacionar as datas dos Reis? Eruditos conservadores escreveram muitas páginas procurando resolver esses problemas. Eruditos liberais têm apresentado as "incoerências" para sustentar sua posição. Visto que as datas dos reis não são matéria da revelação divina, deveriam elas ser consideradas na questão da inspiração da Palavra de Deus? As cronologias estão inclusas na Bíblia, mas não são parte da revelação do próprio Deus. O Senhor desvendou a verdade aos escritores dos livros históricos, fazendo-os conhecedores da interpretação correta de bênçãos e derrotas na vida dos reis.

A AUTORIDADE DA BÍBLIA

A autoridade da Bíblia baseia-se no fato de que ela é a Palavra de Deus. O grau de autoridade atribuída à Bíblia depende do ponto de vista que se tem da revelação e da inspiração. As igrejas primitivas usaram expressões que atestam grande autoridade ao Velho e Novo Testamentos. Visto que acreditavam que o Espírito Santo preparou os escritores e dirigiu sua mentes para escrever como fizeram, os cristãos primitivos classificaram a Bíblia como “escrituras divinas", "livros sagrados" etc. A Bíblia era julgada como possuindo uma autoridade divina.

A autoridade do Velho Testamento

Israel acreditava que Deus tivesse falado com eles e com autoridade por meio da Lei e dos profetas. A Lei fora dada por Moisés como orientação nas relações do pacto. A Lei incluía regras sobre os rituais, e sobre moral questões cívicas. De acordo com Deut. 18:18, a estrutura da Lei não era para ser considerada fechada, mas poderia se acrescentar algumas palavras, contanto que proviessem de algum profeta. A Lei tinha autoridade e era considerada permanente ao ponto de, no caso de ser desrespeitada, ter o efeito de anular as relações do pacto entre Deus e Israel. Isso resultaria em que Deus (Yahweh) se esqueceria de Israel, e o povo seria entregue ao cativeiro.

Os profetas falaram com autoridade: "Assim diz o Senhor." As referências escriturísticas mostrando que as palavras de Deus eram faladas pela boca dos profetas já foram citadas. Quando os profetas falavam sob a orientação do Espírito Santo, falavam com autoridade divina especial. O registro de suas profecias freqüentemente incluía uma descrição escrita de como veio a eles a Palavra de Deus. A Palavra do Senhor implicava tal autoridade que não retomava de forma alguma vazia ao profeta (Is. 55:11). Era semelhante a um fogo consumidor, perante o qual o povo seria como lenha (Jer. 5:14).

Os "flashes'' que o Novo Testamento fornece sobre os debates entre fariseus e saduceus revelam alguma informação a respeito da autoridade da Lei na vida do Judaísmo. Os saduceus aceitaram somente os cinco livros de Moisés como a Palavra de Deus autorizada. Os fariseus aceitaram os livros de Moisés e as interpretações tradicionais dos livros ("tradições dos pais"). Em grau menor, os escritos dos profetas (incluindo nossos livros históricos do V.T.) e os Escritos (incluindo os Salmos etc.) eram considerados como a Palavra de Deus.

Os livros do V.T. vieram a ter autoridade dentro da igreja porque Jesus Cristo mostrou-lhes o devido respeito. O V.T. predisse o nascimento, a vida e a morte de Cristo. Essa Escritura era a Bíblia de Jesus e de Paulo. Jesus usou com liberdade o V.T. ao alinhavar os seus próprios ensinos, dando interpretações que muitas vezes diferiam das dos escribas e fariseus. Ele falou "com autoridade e não como os escribas e fariseus". Depois da ressurreição de Jesus, os apóstolos começaram a ver escrituras adicionais que poderiam ser interpretadas para serem aplicadas a um Messias sofredor, agonizante e ressureto. Os livros do V.T. vieram a ter autoridade da Igreja Cristã porque eles falavam acerca de Jesus Cristo.

Page 20: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .20

A autoridade do Novo Testamento

Cada área da atividade de Jesus foi acrescentada ao impacto do seu poder e autoridade excepcionais. Seus milagres e ressurreição provaram sua relação divina. Deus, operando sua ressurreição, evidenciou inquestionavelmente que o Senhor estava com ele; portanto, Jesus agiu e falou com autoridade de Deus. Seus ensinos eram reconhecidos desde o princípio como tendo autoridade. Antes de sua ascensão, ele podia afirmar: "Toda autoridade me foi dada."

Depois da ressurreição e ascensão de Jesus, suas palavras foram julgadas como a Palavra de Deus. Na época em que João escreveu seu Evangelho, Jesus já estava identificado como a Palavra encarnada. Desde que ele se identificou com o Pai como ambos sendo um, suas palavras e ações se tornaram muito significativas na vida de seus discípulos.

Os apóstolos tornaram-se mestres oficiais de sua palavras e intérpretes de sua ações, visto que tinham estado com ele e o tinham ouvido pessoalmente. Durante os anos imediatos à sua morte, os ensinos e atividades de Jesus foram transmitidos oralmente aos novos discípulos. Em breve as tradições orais seriam registradas nas narrativas dos Evangelhos. Estes se tornaram autorizados porque continham os ensinos de Jesus. Os Evangelhos que se relacionavam com a autoria dos apóstolos eram considerados autorizados.

Não obstante Paulo não ser um dos doze apóstolos originais, suas cartas às igrejas expressavam autoridade especial por causa de sua visão e encontro com Jesus e por sua posição como pai das igrejas dos gentios. Paulo não participou das experiências originais dos doze com Jesus em seus ensinos e atividades, mas, sob a liderança do Espírito Santo, ele tivera excelente orientação divina e percepção do significado da vida de Cristo. Ele organizou e deu expressão doutrinária ao conjunto de ensinos de Jesus. Seus escritos eram reconhecidos como autorizados, ao lado das narrativas da vida de Jesus e do V.T. que profetizavam a vinda de Cristo.

A BÍBLIA AUTORIZADA E A IGREJA CATÓLICA

Durante o período da igreja Primitiva e da Idade Média, a Bíblia continuava a ser reconhecida como expressão autorizada da Palavra de Deus. Durante a Idade Média, a igreja Católica desenvolveu o dogma de que ela era o intérprete oficial e competente das Escrituras. A Igreja referida considerou também que um conjunto de tradições não escritas e transmitidas pela Igreja, de geração em geração, fossem igualmente autorizadas tanto quanto as tradições escritas. A Igreja argumentou que ela era a fonte dos escritos das Escrituras, visto que foram escritos por seu membros e canonizados oficialmente por ela; portanto, a Igreja se arrogava ter maior autoridade que as Escrituras. Todavia, as Escrituras eram consideradas como a Palavra de Deus, mas a Igreja reservou-se a autoridade de interpretar o sentido das Escrituras.

DECLARAÇÃO BATISTA SOBRE A INSPIRAÇÃO E A AUTORIDADE DA BÍBLIA.

A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é o registro da revelação do próprio Deus ao homem. É o tesouro perfeito da instrução divina. Tem Deus por seu autor, salvação por fim, e a verdade, sem qualquer mistura de erro, por seu assunto. Revela o padrão supremo pelo qual toda conduta humana e todos os credos e opiniões religiosas deveriam ser tratados

Page 21: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .21

IV. A CANONIZAÇÃO DO VELHO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO

O processo de canonização do Velho Testamento é quase tão obscuro como a origem da literatura. Já na época de Jesus, os judeus reconheciam certos livros como divinamente inspirados e autorizados. Esses livros eram referidos como a Lei, os Profetas e os Escritos. O propósito deste capítulo é investigar o processo pelo qual os escritos bíblicos se tornaram oficialmente reconhecidos como a Palavra de Deus autorizada. Por que razão alguns escritos foram selecionados como sagrados e outros, porém, rejeitados?

O SIGNIFICADO DO CÂNON

A palavra "cânon" procede do grego, que, por sua vez, recebeu-a da língua semítica. O sentido da raiz da palavra é "junco". O junco ou a cana eram usados como instrumentos para medir, por isso o cânon tomou o significado de uma regra de padrão. No uso primitivo cristão, tomou o sentido de "regra de fé" ou "escritos normativos" ou "a palavra de Deus autorizada". No ano 350 D.C., o "Cânon da Igreja" foi aplicado por Atanásio à Bíblia, referindo-se aos livros que a Igreja reconhecia oficialmente serem o padrão de conduta e de fé. Com o reconhecimento oficial de alguns livros que continham inspiração e autoridade divina, a igreja acabava de reconhecer seu guia autorizado em matéria de fé e de prática.

Canonização, portanto, significa "ser oficialmente reconhecido como guia ou regra autorizada em matéria de fé ou de prática".

A RELAÇÃO ENTRE CANONICIDADE E AUTORIDADE BÍBLICA

Há diferença entre a canonicidade de um livro da Bíblia e sua autoridade. Um livro deve conter autoridade divina, por causa de sua inspiração divina, antes de ser qualificado para canonização. O livro não recebeu autoridade porque a Igreja decidiu incluí-lo na lista sagrada, mas porque a mesma reconheceu os livros que deram evidência de conter autoridade divina em virtude de sua inspiração divina.

A RELAÇÃO ENTRE CANONICIDADE, REVELAÇÃO E INSPIRAÇÃO

O processo da origem e desenvolvimento do Cânon do Velho Testamento envolveu três passos:

1º. Revelação: a manifestacão de um conhecimento de Deus e sua vontade para com o homem;

2º. Inspiração: o registro, sob a liderança do Espírito Santo, da verdade que Deus tornou conhecida na revelação;

3º. Canonização: o reconhecimento daqueles escritos que contêm a divina revelação e que são divinamente inspirados.

O problema que confrontamos é quanto ao modo como os livros das Sagradas Escrituras obtiveram reconhecimento como Cânon sagrado e autorizado.

H. E. Ryle, em seu livro The Canon of the Old Testament, declara que há três estágios no processo da canonização: (1) a proclamação e formação oral do conteúdo dos livros do Velho Testamento; (2) a redução desses livros na forma presente; e (3) a seleção desses livros para ocuparem devidas posições no Cânon nacional judaico das Sagradas Escrituras. Os dois primeiros estágios estão diretamente relacionados com a inspiração das Escrituras, e, indiretamente, com a canonização. O terceiro está diretamente relacionado com a canonização e, indiretamente, com a inspiração. O reconhecimento oficial dos escritos autorizados não pode ser estritamente separado da inspiração divina desses livros. É também trabalho do Espírito Santo guiar os homens no reconhecimento dos escritos inspirados.

A Bíblia é autorizada para a Igreja, em matéria de fé e ordem, porque contém a divina revelação. A autoridade é realmente Deus, que tem falado e que fala mediante seu Filho e mediante as palavras da Escritura. Canonização é o reconhecimento daqueles escritos sagrados pelos quais Deus fala com autoridade.

Page 22: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .22

O RECONHECIMENTO DOS LIVROS DIVINAMENTE INSPIRADOS

Reconhecimento Prático e Oficial

O problema, acompanhando a história da canonização do Velho Testamento, surge em que se determina que tipo de reconhecimento constitui a canonização. O cânon pode ser definido como "um corpo definido de literatura sagrada que foi reconhecido oficialmente como divinamente inspirado e autorizado". O que é que constitui o corpo oficial que afinal vem a determinar os livros que devem ser inclusos? A autoridade divina da maioria dos livros do Velho Testamento foi reconhecida pelo povo muito antes que qualquer autoridade oficial tivesse tomado qualquer decisão sobre a amplitude do Cânon. Porventura algumas atitudes referentes ao uso prático de certos livros como literatura sagrada com autoridade divina constituem canonicidade? Os eruditos não concordam nesta questão.

Cânon Palestino

Depois da destruição de Jerusalém e do Templo, no ano 70 D.C., os eruditos judeus mudaram-se para Jâmnia, para o estudo e ensino das Escrituras. Um concílio de líderes judeus em 90 d.C. (mais tarde chamado Concílio de Jâmnia) discutiu a questâo de quais livros deveriam ser inclusos no Cânon do Velho Testamento. O Concílio, após alguma divergência, afinal reconheceu oficialmente os 24 livros do Velho Testamento hebraico (os 39 de nossa Bíblia em português). Esses livros já tinham sido reunidos num processo de seleção baseado no uso e valor popular. Foram reconhecidos como expressando uma autoridade não possuída por outras literaturas. Foi o uso prévio e a seleção prática de livros inspirados ou a decisão do Concílio que constituiu a canonização? Alguns eruditos acharam que o Concílio não tinha autoridade para tomar tal decisão. O Concilio poderia expressar o pensamento harmônico dos eruditos, todavia, esses não representavam o judaísmo oficialmente. Mas os livros reconhecidos pelo Concílio continuaram a constituir a Bíblia hebraica, e a Igreja Evangélica, no século 16, foi grandemente influenciada pela decisão do Concílio, em reconhecer os mesmos livros como canônicos.

Cânon de Alexandria

Um grande grupo de judeus que falavam o grego vivia em Alexandria e sua proximidades, no Egito. Tinham também um templo e produziam literatura religiosa. Sua seleção de escritos religiosos incluía tratados gregos e hebraicos. Consideravam sagrados todos os livros da Bíblia hebraica, mas incluíram também alguns livros adicionais, que hoje se chamam de apócrifos. A diferença hoje entre o Velho Testamento Católico e o Protestante é o resultado das escolhas diferentes entre os livros da Bíblia hebraica da Palestina e os livros da Bíblia grega de Alexandria. Não se tem certeza se os livros da Bíblia grega foram, em qualquer época, reconhecidos oficialmente como o cânon. Todavia, a atitude para com certos livros e o seu uso prático, incluindo os livros Apócrifos, colocou-os acima de outros escritos religiosos da época.

Direção divina

Os teólogos reconheceram que o processo de canonização não era apenas um ato oficial humano da Igreja, mas também o trabalho providencial do Espírito Santo. Os historiadores poderão ajuizar que o cânon não foi dado por Deus, mas foi iniciativa do homem. Os teólogos afirmam que a canonização referente a certos livros é resultado da autoridade religiosa falando ao homem a respeito da vontade de Deus.

Atividade humana

A direçao divina na seleção dos livros não destrói a atividade humana. Os livros que eram mais freqüentemente usados na comunidade espiritual e que fizeram uma contribuição à vida espiritual do povo foram selecionados. Para serem livros espiritualmente benéficos, deveriam conter a voz autêntica da autoridade. Já se mencionou que a autoridade está baseada na revelação e na inspiração divina. Num período de várias gerações, certos livros de literatura sagrada de Israel foram julgados pelo povo como contendo a Palavra de Deus autorizada. Somente no ano 90 d.C. certos livros foram reconhecidos oficialmente como autorizados. A literatura religiosa que foi rejeitada tornou-se conhecida com o nome de livros apócrifos ou pseudo-epigráficos.

Não foi fácil a tarefa de determinar quais livros deveriam ser inclusos no Cânon. Até a segunda metade do século 2 d.C., um bispo cristão, Melito de Sardis, estava perplexo a respeito do número e ordem exatos dos livros de Velho Testamento, e assim fez uma viagem, especialmente ao Oriente, para poder determinar precisamente qual seria a verdade nesta matéria. Os próprios judeus não concordam, em absoluto, com a coleção que foi afinal objeto da decisão.

Page 23: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .23

Implicações bíblicas

Apesar de não sabermos em minúcias como os livros do Velho Testamento foram selecionados, algumas referências das Escrituras do V.T. nos informam o seguinte:

De acordo com Êxodo 20:1-24:8, certos códigos legais ficavam debaixo da sanção religiosa. As referidas leis eram guardadas na Arca e eram especialmente veneradas. A própria Arca era um símbolo da presença de Deus entre o seu povo. As leis tinham vindo do Senhor para guiar o seu povo nas relações do pacto. Era costume guardar documentos oficiais no santuário (Deut. 31:9 ss; Jos. 24:25-26; I Sam. 10:25).

Durante o reinado de Josias, cerca de 621 a.C., o sacerdote Hilquias descobriu um livro da Lei no santuário, durante sua reconstrução (II Reis 22:3 e ss.). Depois que Safã leu o livro para o rei Josias, este rasgou suas vestes e mandou que Hilquias e seus associados pedissem misericórdia a Deus, visto que eles, o rei e o povo estavam desobedecendo às palavras do livro. Apesar de terem passado 700 anos antes que se reconhecesse um Cânon oficial, os atos do rei Josias e do povo revelam que eles reconheceram a autoridade divina expressa no livro sagrado.

Depois de sua volta da Babilônia em 458 a.C., Esdras trouxe o livro da Lei ao povo em Jerusalém. A Lei continha a sabedoria de Deus (Esdras 7:25) e deveria ser seguida na organização oficial dos líderes e Juizes do povo. A Lei continha autoridade sobre a vida dos homens ao ponto de punir, com a pena capital ou banimento, aqueles que a desrespeitassem. A reverência do povo pela lei se revela pela sua posição (postados de pé) ao Esdras ler o Livro (Neem. 8:5 ss.). A Lei era o guia para a vida espiritual e civil da comunidade.

FATORES DETERMINANTES NA CANONIZAÇÃO

O trabalho do Espírito Santo era o critério pelo qual se determinava qualquer livro ser divinamente inspirado. O Talmude, em Seder Olam Rabba 30, afirma: “Até esta época (época de Alexandre, o Grande), os profetas profetizaram mediante o Espírito Santo; dessa época em diante, incline seu ouvido e ouça as coisas do sábio". Essa afirmação implica duas coisas:

(1) Os profetas estavam habilitados a falar a Palavra de Deus por causa da presença do Espírito Santo. De acordo com outra seção do Talmude, o Espírito Santo tinha sido removido do mundo durante cem anos (o século 4 a.C.); portanto, nenhuma palavra adicional, divinamente inspirada, poderia ser proferida e registrada.

(2) A palavra e os escritos inspirados adicionais não eram necessários, visto que o povo dispunha da Lei para guiá-los em suas relações com Deus. Nenhum livro mais seria elegível para o Cânon depois do século 3 a.C., porque não poderia ter a chancela do Espírito Santo e a inspiração divina.

Somente os livros escritos na língua hebraica poderiam ser qualificados para o Cânon Palestiniano. Os livros de Daniel e Esdras, todavia, contêm algumas passagens em aramaico. O Cânon de Alexandria estava aberto para alguns livros escritos somente em grego como I Esdras, Tobias, Sabedoria de Salomão, Baruque e II Macabeus.

De acordo com uma declaração no Talmude (Baba Bathra 14B), Moisés, Josué, Samuel, Esdras e os profetas reeberam crédito como tendo escrito as composições que lhes foram atribuídas. Moisés recebeu o crédito também como autor de Jó; Samuel, de Juizes e Rute; Jeremias, de Reis e Lamentações; e Esdras de Crônicas. Davi e Salomão estavam inclusos na linha inquebrável dos profetas desde Moisés até Malaquias como autores dos livros sagrados. Somente Ester não foi atribuído a qualquer autor profético. Não nos surpreende, portanto, que a autoria profética fosse um fator determinante na seleção dos livros para o Cânon, visto que a primeira qualificação de um profeta seria a de ser possuído pelo Espírito Santo para que Deus pudesse falar sua Palavra por meio dele.

AS DIVISÕES DO CÂNON DO VELHO TESTAMENTO

O Velho Testamento hebraico estava dividido em três parles: A Lei (Torah), os Profetas e os Escritos. Estas divisões parecem representar os estágios no processo da canonização. Não ha determinação específicas se estas expressões se referem à seqüência cronológica em que os livros surgiram ou se à sua posição no Cânon.

A Bíblia Grega de Alexandria (Septuaginta) colecionou os livros diferentes e inclui os livros Apócrifos. As quatro divisões da Bíbl;ia, de acordo com o assunto- Lei. História, Poesia e Profecia. Nosso primeiro interesse no estudo da canonização se refere às três divisões da Bíblia hebraica e à questão dos livros Apócrifos.

Page 24: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .24

A Lei

Não há certeza quando a Lei foi formalmente ou oficialmente reconhecida como um. documento contendo aulordade divina. Talvez algumas leis tenham sido dadas: as instruções proporcionadas pelos sacerdotes, as palavras de conselhos dadas em regras de conduta, os julgamentos de um juiz ou de um jurisconsulto foram reconhecidos logo como precedentes de Deus e traduzindo a Lei. A Lei estava tão profundamente arraigada na antigüidade e na santidade da tradição Mosaica, que o termo Torah não era aplicado somente aos primeiros livros do Cânon, que se desenvolvia, mas também ao corpo inteiro das Escrituras Hebraicas até a um período posterior (Esdras 19:20; João 10:34). Uma indicação da reverência do povo pela lei se encontra em Esdras 7 e Neemias 8. Esdras, persona grata do Rei Artexerxes, rei da Pérsia, foi enviado com plenos poderes a Jerusalém. O rei referiu-se à Lei como "a sabedoria do teu Deus que está em tua mão..." (Esdras 7:25). O rei ordenou que qualquer pessoa que desrespeitasse esta lei ou a lei de Deus fosse condenada à morte. À Lei era reconhecida como um corpo confeccionado de material que continha autoridade divina.

O respeito e a reverência pela lei se revelam em Neemias 8. Quando a Lei era lida, o povo se postava de pé. Depois que ouviram a leitura da Lei, eles choraram. O reconhecimento da autoridade de Deus expresso mediante a lei se encontra em Neemias 13. O Livro era freqüentemente referido como o "Livro da Lei de Deus" (Neemias 8:10; 9:3). A canonicidade da lei data, então, pelo menos, da época de Esdras.

Os profetas

Semelhantemente à Lei, as mensagens dos profetas eram reconhecidas desde tempos antigos como procedentes do Senhor e portadoras de autoridade divina. As palavras dos verdadeiros profetas eram dirigidas pelo Espírito e reconhecidas, quando faladas, como "A Palavra do Senhor". Entretanto, os livros dos profetas não foram colecionados nem reconhecidos como canônicos, senão séculos mais tarde. Referências à coleção profética surgiram depois do retorno de Esdras.

A segunda divisão do Cânon foi mais tarde subdividida em duas partes. Os Primeiros Profetas consistiam de Josué, Juízes, Samuel e Reis. Os Profetas Posteriores consistiam de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze Menores. A importância dos Primeiros Profetas está em sua descrição das provisões do pacto ou aliança entre Deus e o seu povo. Alguns reconheceram a importância dos profetas Posteriores no tempo em que suas mensagens foram proferidas. Ainda outros reconheceram a autoridade das palavras que os profetas enunciaram quando suas profecias de desastre se cumpriram no Exílio. Os profetas mesmos não ligavam para as conseqüências, contanto que falassem "A Palavra do Senhor". Muitas de suas mensagens vieram a lume, em forma escrita, no tempo mesmo de sua existência.

Os escritos

Os Escritos do V.T. hebraico podem ser divididos ainda em Livros de poesia, abrangendo os Salmos, Provérbios e Jó; e os Cinco Rolos (Megiiloth) consistindo de Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas. Os Escritos são diversos em caráter e procedem de vários autores; contudo, o grupo inteiro pode ter sido mencionado em certas ocasiões como "Os Salmos" (Lc. 24:44). Flávio Josefo, importante historiador judeu do primeiro século d.C., referiu-se aos quatro livros como "Hinos de Deus e preceitos para a conduta da vida humana" (Contra Apion II.8).

Semelhantes aos livros nas duas seções prévias, os desta Secção foram reconhecidos como contendo a Palavra de Deus muito antes de serem colecionados como um corpo de material e oficialmente considerados como parte do Cânon. A canonizacão dos Escritos efetuou-se mais tarde que a dos Profetas. Se o Cântico dos Cânticos, Eclesiastes e Ester deviam ser inclusos ou não, continuou a ser debatido durante e depois da época de Jesus (Yad. 2:5).

Os Apócrifos

Certo número de escritos religiosos que não foram considerados canônicos pelos eruditos reunidos em Jâmnia, mas reverenciados e usados por outros grupos são referidos como os Apócrifos e Pseudo-epigráficos (escritos falsos). “Apócrifos” tem o sentido de "secretos” ou “escondidos". Talvez a idéia fosse que eles seriam disponíveis somente aos iniciados, à pessoa madura espiritualmente. Deveriam ser excluídos do uso público.

A literatura apócrifa era largamente lida na Palestina. Os autores do Novo Testamento aparentemente conheciam todos os livros apócrifos e muitos dos pseudo-epigráficos. Os livros apócrifos eram tão populares entre as pessoas que falavam o grego e o latim que foram inclusos no Cânon do V.T.. Jerônimo favoreceu o Cânon adotado pelos judeus da Palestina e distinguiu entre os livros contidos no mesmo e os Apócrifos para o latim e incluiu-os no Cânon Hebraico. Os livros foram usados na Idade Média pela Igreja Latina, e em geral não se fazia

Page 25: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .25

distinção entre o Cânon e os livros apócrifos inclusos. No Concílio de Titnto, em 1546, a Igreja Católica Romana declarou oficialmente o status canônico dos livros Apócrifos e referiu-se a eles como “deuterocanônicos”.

Lutero negou a infalibilidade do Papa e de certas doutrinas da Igreja Católica que se baseavam nos livros Apócrifos. Desafiou a doutrina do purgatório, negando o direito de acrescentar ao cânon II Macabeus 12:46. Argumentou que os livros Apócrifos não estavam no Cânon hebraico. Ele acrescentou os livros no final da Bíblia alemã, em 1534, mas conferiu-lhes um status inferior. Outros grupos protestantes acompanharam a decisão do concílio judaico, a distinção feita por Jerônimo e a posição de Marinho Lutero em rejeitar os livros Apócrifos como canônicos.

EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS DO PROCESSO DE CANONIZAÇÃO

Os eruditos conservadores observam que:

1. A canonização se baseia na autoridade divina contida num livro.

2. A canonicidade é determinada por Deus, que inspira os escritos.

3. Deus também inspira os homens a reconhecer os livros canônicos.

É verdade que um livro deveria ser reconhecido como canônico somente na medida em que contém a Palavra de Deus autorizada. É verdade também que o Espírito Santo guiou os homens em reconhecer, com discernimento, quais livros eram inspirados. A canonização é um reconhecimento humano, sob a liderança do Espírito Santo, de que uma coleção especifica de livros contém a autoridade divina. O propósito desta seção é explorar as evidências históricas primitivas, disponíveis a respeito do reconhecimento amplo de certos livros qualificados como canônicos.

O Pentateuco Samaritano

Durante as reformas religiosas sob a liderança de Esdras e a reconstrução das paredes sob a liderança de Neemias, mais ou menos no ano 450 a.C., foi exigida a separação entre judeus e estrangeiros. Visto que os samaritanos se casaram com estrangeiros, os judeus deixaram de se associar com eles (Neem. 13:23 ss.) Essa atitude forçou os samaritanos a estabelecer o seu próprio lugar para adoração. A liderança religiosa para a nova comunidade samaritana foi dada provavelmente por Eliasibe, que era sumo sacerdote e genro de Sambalate. Foi forçado a deixar Jerusalém por causa do seu casamento com uma estrangeira (Neem. 13:28). De acordo com Josefo (historiador judeu), existia um templo samaritano no Monte Gerizim no ano 332 a.C. A Bíblia samaritana consistia somente de cinco livros da Lei. Muitos eruditos concluíram que os samaritanos providenciaram para si um texto da Lei depois que eles cortaram as relações com os judeus. A realidade de que eles adotaram somente o Pentateuco se infere que somente essa parte do V.T. era reconhecida oficialmente como autorizada na época do rompimento de relações.

A semelhança do Pentateuco Samaritano com os livros judaicos da Lei indica que o Pentateuco era um escrito não somente reconhecido oficialmente com autorização, mas já tinha alcançado uma forma fixa. Esta seleção única do Pentateuco nos fez pensar no alto apreço pelos livros da Lei, O fato de não terem adotado os Profetas poderá sugerir que a segunda divisão não fosse ainda muito considerada ou não tivesse sido reconhecida como coleção oficial ou escritos inspirados. É preciso que se tenha prudência, porém, com respeito a critérios baseados nas limitações do Cânon Samaritano a apenas cinco livros.

A Septuagnta

Uma grande comunidade judaica tinha se desenvolvido no Egito, especialmente na vizinhança de Alexandria. Os judeus de Alexandria falavam o idioma grego e precisavam de uma versão grega dos seus escritos religiosos. O livro da Lei foi traduzido no ano 250 a.C. Os outros livros foram traduzidos para o grego no ano 150 a.C. A Bíblia grega contém todos os escritos contidos na Bíblia hebraica, acrescida de material adicional. Temos atualmente fragmentos da mesma desde a metade do 2º século a.C. A semelhança da Septuaginta com a Bíblia hebraica sugere que não houve grandes mudanças no conteúdo depois de feita a tradução para o grego. Ao tempo em que se completou a Bíblia grega, o Cânon já tinha assumido forma definitiva.

Flávio Josefo registra uma tradição interessante a respeito da origem da Bíblia grega (Antigüidades XII, 2, 1-14). Descreve como o rei egípcio, Ptolomeu Filadelfo (285-246 a.C.) desejou possuir os livros da lei judaica em sua biblioteca particular. Seu bibliotecário, Demétrio, sugeriu que os livros solicitados fossem traduzidos para o grego. Demétrio deu a entender que os livros já tinham sido traduzidos, mas a tradução fora precária e imprecisa. O rei, então, ordenou que o sumo sacerdote Eleazar mandasse buscar em Jerusalém 72 tradutores (6 de cada

Page 26: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .26

tribo). Na sua chegada, os tradutores foram banqueteados durante 7 dias consecutivos. Para efetuarem a tradução das Escrituras Judaicas, tiveram o privilégio de ficar isolados na Ilha de Faros. Cumpriram a missão em 72 dias, e a população judaica e o rei foram convidados para aprovar a tradução. Depois que Sua Majestade ouviu a leitura do livro da Lei, ele ficou deslumbrado com a profunda significação e sabedoria daquele que o escreveu. O rei perguntou a Demétrio por que razão o livro da Lei não fora anteriormente considerado pelos poetas e historiadores. Demétrio respondeu que "ninguém ousaria nem sequer tocar de leve na descrição dessas leis, porque eram divinas e veneráveis, e porque alguns que o quiseram fazer foram castigados por Deus" (Antigüidades XII, 2,14).

A história revela a reverência judaica pelas Escrituras. Ainda que a autenticidade histórica seja questionável, não há razão para se duvidar que o Pentateuco tivesse sido traduzido para o grego no ano 250 a.C.

Eclesiástico

Jesus, filho de Siraque, escreveu, no ano 190 a.C., um livro de Sabedoria (Eclesiástico) que foi traduzido para o grego por seu neto no ano 132 a.C. O neto declarou no Prólogo que seu avô tinha estudado diligentemente "a Lei, os Profetas e outros escritos de nossos antepassados". Esta afirmação estabelece que as três seções do V.T. já tinham se tornado coleções definitivas; todavia, provavelmente ainda não tinham sido fixadas ou fechadas. A Lei e os Profetas parecem se referir a corpos definidos da literatura, mas os outros, a menos definidos. Os Escritos eram tidos em alto apreço, mas provavelmente o número de livros a ser incluso ainda não estivesse resolvido. O livro de Daniel não havia sido incluso na lista dos Profetas. Nenhum livro conseguiu entrar na segunda seção do Cânon do V.T. depois do ano 200 a C.

O autor de Eclesiástico fez uma avaliação dos heróis nacionais, e é significativo que os mencionasse numa ordem particular. Nos capítulos 44-45, seguiu o Pentateuco. No capítulo 46:1-12 refere-se a Josué e Juizes; no capítulo 46:13-47:11 se refere a Samuel. Nos capítulos 47:12-48:25, se baseia em Reis e Crônicas. No capítulo 49:7-16 faz referências a Jeremias, Ezequiel, os Doze e Esdras-Neemias. Não há menção de Daniel ou Ester, mas se refere aos louvores de Davi (47:8), Cânticos, Provérbios e às parábolas de Salomão (47:17) e profecias de Isaías (48:22ss.).

O neto que traduziu o original hebraico para o grego explicou que seu avô escrevera o livro para auxiliar os gentios a amar e a se comprometer com "a Lei, os Profetas e os outros livros de nossos pais". A afirmativa revela várias coisas concernentes à Bíblia hebraica primitiva:

(1) a Bíblia hebraica estava dividida em 3 seções: A Lei, os Profetas e os Escritos;

(2) a Lei e os Profetas parecem se referir a corpos definidos de literatura, enquanto "os outros livros" a um grupo menos definido;

(3) a Lei, os cinco livros de Moisés, há muito tempo já se consideravam como as Escrituras;

(4) os Escritos ou "outros livros" eram todos em alto apreço, talvez como Escritura, mas o número aceito ainda não estava resolvido.

O Tratado Talmúdio Baba Bathra

"A ordem dos profetas é Josué, Juizes, Samuel, Jeremias, Ezequiel, Isaías e os doze (Profetas Menores). Que a dos Escritos é: Rute, Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos, Lamentações, Daniel, o rolo de Ester e Crônicas”

Os ensinos do Talmúdio (ou Talmude) prosseguem em declarar a autoria dos vários livros do V.T. Ainda que a declaração não inclua o Pentateuco, antecedendo os Primeiros Profetas, no parágrafo seguinte o escritor afirma que Moisés escreveu seus livros.

A declaração é interessante por causa da ordem dos livros do V.T. Há uma divisão definida em três seções, incluindo Daniel nos Escritos, em vez de nos Profetas. Crônicas vem em último lugar. Isto tem sentido quando comparados com Mateus 23:35: "... para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que mataste entre o santuário e o altar". Abel é mencionado no primeiro livro do V.T., e Zacarias em II Crônicas 24:20, o último livro na Escritura Hebraica. A declaração de Jesus em Mateus 23:35 se refere ao V.T. hebraico inteiro, em que o livro de Crônicas aparecia em último lugar.

Page 27: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .27

II Macabeus

O livro II Macabeus data aproximadamente do ano 100 a.C. O escritor considerou a Lei de Moisés fundamental em toda a vida social e religiosa do seu povo. Afirmou que Judas encorajou seus homens, "desde a Lei os Profetas" (15:9). Em 2:13-15 disse: "As mesmas coisas foram registradas, também nos escritos e memórias sobre Neemias, como, na formação de uma biblioteca, ele conseguiu reunir os livros sobre os reis e os profetas, os sobre Davi e cartas de Reis sobre dádivas". A declaração reflete a reminiscência de um estágio primitivo na formação de um Cânon referente à época de Neemias no século 5 a.C. "Os reis e os Profetas" é uma referência aos Profetas Primeiros e aos Posteriores. "Os de Davi" se referem aos Salmos. Na realidade, o objetivo de Neemias era fundar uma biblioteca que resultasse numa coleção, que viesse finalmente preservar a antiga literatura nacional.

II Esdras (IV Esdras)

Este livro data do ano 90 d.C. Contém uma lenda interessante sobre a destruição da lei pelo fogo e a restauração de seus livros por meio da liderança do Espírito Santo. Esdras lembrou a Deus que o mundo ficaria nas trevas porque os livros da Lei tinham sido destruídos em Jerusalém. Ele pediu que o Espírito Santo descesse para guiá-lo na restauração dos livros. Foi, então, instruído a reunir-se com cinco escribas e conseguir grande material para escrever. No dia seguinte "uma voz lhe ofereceu uma xícara cheia de alguma coisa semelhante à água, mas sua cor era como de fogo" (14:39). Depois de bebê-la, seu coração extravasou de sabedoria. Ele ficou inspirado a ditar continuamente por 40 dias aos cinco escribas, resultando na produção de 49 livros. 24 desses livros compuseram o V.T. hebraico ou os livros canônicos, os quais tinham que ser publicados.

Josefo

Josefo afirmou (por volta do ano 100 d.C.) que os judeus só tinham 22 livros, os quais continham o registro de todo o passado, e que eram aceitos como divinos. Mencionou cinco livros de Moisés que encerravam sua leis e as tradições da origem da humanidade até sua morte. Treze continham a história, desde a morte de Moisés até o reino de Artexerxes, rei da Pérsia. Os outros quatro livros continham hinos a Deus e preceitos para a conduta da vida humana (Contra Apion 1.8). Talvez alcançasse o número "22" pela união de Lamentações com Jeremias, e o livro de Rute com Juizes.

Novo Testamento

O Novo Testamento contém abundante evidência de que os livros do V.T. eram considerados sagrados. São chamados "Escritos Santos" e considerados como dados por Deus. Não há dúvida quanto à sua autoridade (Mat. 21:42; Rm. 11:2). As primeiras duas seções se referem a Mat. 5:17 e Lc. 16:16. As três divisões, a Luc. 24:44. Em certas ocasiões, o vocábulo Lei parece designar todo o V.T.

Livros disputados

Em Mislinah (Yad. 3:5) dúvidas são levantadas quanto à inclusão do Cântico dos Cânticos e Eclesiastes. Os rabinos declaram que "os livros sagrados maculam as mãos". O sentido da frase é incerto, mas implica num reconhecimento de santidade especial de alguns escritos e não de outros. A santidade especial que "macula as mãos" era um marco da canonicidade. Alguns rabinos argumentavam que o livro do Cântico dos Cânticos maculava as mãos, enquanto que outros usavam do mesmo argumento, com relação a Eclesiastes. No Concílio de Jâmnia, os rabinos concordaram que os dois livros eram Escritura Sagrada.

Hanison observa que no tempo de Cristo já existia o V.T. na forma de uma coleção completa. O fato de que a comunidade de Qumran citava a maioria dos livros do V.T., incluindo aqueles mais tarde classificados na terceira seção do Cânon, proporciona fundamento para este ponto de vista. Não ocorreu qualquer controvérsia a respeito dos livros apócrifos, porque todos concordaram que não eram canônicos. A ligação dos livros apócrifos às Bíblias Gregas e Latinas e seu reconhecimento como canônicos pela igreja Católica no Concílio de Trento são assuntos que já foram ventilados.

Page 28: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .28

V. A CANONIZAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO

A palavra "Cânon" significa "regra" ou "padrão". Significa a lista de livros sagrados aceitos pela igreja como autorizados em matéria de fé e vida. Não é difícil entender porque os Evangelhos chegaram a ser reconhecidos como autorizados, visto que eles contêm relatos da vida e dos ensinos de Jesus. Já não é assim tão óbvio por que os 4 Evangelhos foram selecionados para o nosso Novo Testamento, e não outros. É menos evidente o processo pelo qual as cartas pessoais de Paulo às igrejas gentílicas foram reconhecidas como divinamente inspiradas.

Depois da morte de Jesus, durante cem anos, ou no período de cem, os 27 livros do N.T. foram escritos e coligidos vagarosamente em um só volume. Esta coleção fixa de trabalhos tornou-se reconhecida como autorizada para a fé e vida da igreja. O uso prático determinou quais livros seriam inclusos na coleção muito antes do seu reconhecimento oficial em 397 d.C.

A valiosa literatura dos cristãos primitivos que expressavam sua fé e dedicação era preservada pelas congregações em todo o Império Romano. Eventualmente, essas literaturas ficaram associadas umas com as outras por causa de fatores tais como origem ou assuntos comum. As cartas de Paulo figuram, talvez, entre as coleções mais antigas, especialmente nas igrejas dos gentios. As igrejas que recebiam suas cartas originais começaram a partilhá-las com outras. Algumas delas foram escritas com esse objetivo de circular entre as igrejas (Col. 4:16). As cartas eram tão apreciadas na época em que a de II Pedro foi escrita, que o autor assim se expressou: "Assim, nosso amado irmão Paulo vos escreveu de acordo com sua sabedoria, falando disto, como o faz em todas as suas cartas". (II Ped. 3:15-16). Como se vê, as cartas de Paulo já eram reconhecidas como contendo autoridade religiosa no tempo em que a de II Pedro foi escrita.

Para a mentalidade do século 20, o processo da canonização poderá parecer de lenta evolução; todavia, levando em consideração a dificuldade em se conseguir livros feitos com cópias manuscritas e também a morosidade em se fazer viagens, o processo da canonização realmente foi extraordinário e rápido. O valor intrínseco e a inspiração divina dos livros escolhidos deve ter sido evidente desde o tempo de sua primeira leitura. Talvez os Evangelhos já existissem encaixados numa coleção pelo ano 100 d.C.. Os escritos de Paulo constituíram uma coleção provavelmente anterior a essa data. A morte daqueles que foram testemunhas oculares da vida e dos ensinos de Jesus tornaram a preservação dos livros tanto mais importante. Ao findar o primeiro século, as cartas e os livros associados aos nomes dos apóstolos eram altamente prestigiados.

LIVROS ADICIONAIS DE GRANDE VALOR

Os cristãos dos dois primeiros séculos não eram críticos em sua seleção da literatura educacional. Não procuraram imediatamente estabelecer uma coleção fixa de livros autorizados. Escritos além dos 27 livros de nosso Novo Testamento circulavam dentro da igreja.

l Clemente. Uma carta escrita pelo pastor de Roma, representando sua igreja, à igreja de Corinto, 96 d.C., era grandemente considerada. Clemente era discípulo imediato dos apóstolos (talvez de Pedro) e era superintendente da igreja. Westcott considerou seu trabalho subseqüente ao das Epístolas Pastorais. Clemente mencionou I Coríntios e "as palavras do Senhor Jesus" (13:46). Revelou conhecimento com Hebreus e outros escritos. Sua doutrina da justificação pela fé era semelhante à de Paulo. Sua ênfase sobre trabalhos de justiça assemelha-se à de Tiago. l Clemente era lida nos cultos públicos da igreja em Corinto, no ano 170 d.C. Irineu, de Lyon (França ou Gália), e Clemente e Orígenes de Alexandria consideravam-na valiosa.

Didaché (O Ensino dos 12 Apóstolos). Este documento é uma coleção de preceitos de moral cristã, orientação para o batismo e a eucaristia, e instruções para ministros. Clemente de Alexandria e Orígenes consideravam-no como as Escrituras Sagradas. Foi escrito no ano 120, ou antes, e citava Mateus freqüentemente.

A Epístola de Barnabé. Clemente de Alexandria e Orígenes trataram este livro também como canônico. Foi provavelmente escrito em Alexandria no ano 130 d.C. Mostra algumas afinidades com Hebreus.

Pastor de Hérmas. Este livro foi escrito no ano 140 D.C. por Hermas, que era irmão do Bispo Pio, de Roma. Irineu citava-o como Escritura Sagrada.

O Apocalipse de Pedro. Contém duas visões: uma do céu, e outra, do inferno. Foi escrito em 150 d.C. e muito usado na Igreja Grega do Oriente, bem como na Igreja Latina do Ocidente.

Page 29: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .29

FATORES NO DESENVOLVIMENTO DO CÂNON

Uma declaração formal a respeito da fixação do Cânon não era assunto de urgência a princípio. Westcott sugeriu que a formação do Cânon fosse impedida:

pelos meios de comunicação, que eram vagarosos e precários;

em virtude dos gastos e das dificuldades em reproduzir os manuscritos (cópias feitas à mão);

devido à destruição do lugar comum em que os cristãos se reuniam em Jerusalém;

por causa dos vários grupos eclesiásticos que se reuniam em várias partes do Império e que tinham as suas próprias opções de livros.

Antes do fim do primeiro século, as circunstâncias não exigiam que se tivesse uma literatura autorizada. Com a morte dos apóstolos, a igreja ficou sem uma voz autorizada. Começaram, então, a surgir os grupos heréticos, e a única e indiscutível maneira de resolver as questões seria mediante documentos que estivessem acima de mudanças, isto é, fossem incorruptíveis. A Igreja que se desenvolvia e se expandia precisava de uma liderança em questões de fé e de prática. Deus resolveu a problemática por meio do Espírito Santo, o Espírito da Verdade, que guiou os apóstolos e a Igreja em desenvolver e canonizar a Palavra inspirada e autorizada.

TESTEMUNHOS DO SEGUNDO SÉCULO, DOS LIVROS DO N.T.

O primeiro livro do N.T. foi escrito no ano 50, e o último ficou completo no ano 95 d.C. Pelo tempo que a segunda carta de Pedro foi escrita, as cartas Paulinas já eram consideradas como Escrituras (II Pedro 3:15,16). As cartas de Paulo parecem ter sido as primeiras a serem colecionadas. Depois da destruição de Jerusalém, o centro do cristianismo transferiu-se para Antioquia (da Síria) e Éfeso. Os escritos de Paulo seriam naturalmente prestigiados firmemente nessas áreas. Os Evangelhos Sinópticos provavelmente foram colecionados em data idêntica a das epístolas paulinas.

A adoção da forma de códice para os livros (costura de muitas folhas de papiro juntas, como os livros atuais) pelos cristãos primitivos no segundo século tornou possível a coleção de uma quantidade maior de material dentro de um livro. As coleções dos quatro Evangelhos e das cartas de Paulo eram reconhecidas como autorizadas já no começo do século 2.

Clemente de Roma (96 d.C.)

Parece que ele conhecia a primeira carta aos Coríntios, os ensinos de Cristo (talvez um dos Evangelhos) e a Epístola aos Hebreus; todavia, não se referiu a eles como Escritura. Quando Clemente escreveu sua literatura, alguns dos apóstolos ainda estavam vivos. Os guias da Igreja eram nomeados pelos apóstolos; portanto, a igreja continuava a sentir o prolongamento da autoridade apostólica e, portanto, não necessitava com urgência de escritos autorizados.

Inácio, Bispo de Antioquia (116 d.C.)

Roma e Antioquia já eram centros fortes do cristianismo no começo do segundo século. Os escritos de Inácio, que era bispo com prestígio no Oriente, mostram que ele conhecia as epístolas de Paulo e os Evangelhos de Mateus e João. Recebeu grande influência de João. Contudo, não fez qualquer referência aos livros do N.T. como Escritura.

Policarpo, Bispo de Esmirna (69-155 d.C.)

Em cerca de 115 d.C., Policarpo escreveu uma epístola aos filipenses. Fez mais referências aos escritos do N.T. do que qualquer outro trabalho antigo; todavia, raras vezes citou passagens de qualquer livro do N.T. Ele ouviu o apóstolo João e tornou-se o mestre de Irineu, que, por sua vez, disse que havia aprendido dos apóstolos os ensinos que continuavam a ser as tradições da Igreja. Ele se referiu a Efésios 4:26 como Escritura.

Papias, Bispo de Hierápolis (80-155 d.C.)

Papias também ouviu o apóstolo João antes da morte deste. Disse ele: "Não pensei que pudesse tirar tanto proveito do conteúdo de livros quanto em ouvir a palavra de uma voz viva e permanente" (Eusébio, História Eclesiástica 3:39). Esta declaração explica porque os escritos não eram muito prestigiados no começo do segundo

Page 30: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .30

século. Papias afirmou que Marcos escreveu diligentemente tudo aquilo de que se lembrava dos ensinos e das ações de Cristo. Ainda afirmou Papias que Mateus compusera "os oráculos no idioma hebraico, e cada qual os interpretava como pudesse" (Eusébio, História Eclesiástica 3:39). Eusébio também declarou que Papias citava I João e l Pedro.

O Evangelho da Verdade (140 d.C.)

Este documento provavelmente foi escrito por Valentino, em Roma. Contém tendências gnósticas. Harrison, analisando a referida obra, conclui que seu uso compreensivo do N.T. permite afirmar que o N.T. que circulava em Roma naquele tempo correspondia precisamente, ou melhor, aproximadamente, com os Evangelhos, os Atos, as Epístolas de Paulo, Hebreus e a Revelação, os quais eram considerados como autorizados.

Justino Mártir, de Samaria e Roma (140 d.C.)

Justino Mártir havia estudado filosofia grega antes de se tomar cristâo. Descobriu no cristianismo a única filosofia certa e que supre as necessidades do homem. Fundou uma escola em Roma para satisfazer às dúvidas dos gregos. Num documento que escreveu ao Imperador, teve a habilidade de mostrar a S. Majestade que as Escrituras eram reconhecidas pela Igreja, e não somente por ele. Referiu-se aos Evangelhos como memórias dos Apóstolos. Os Evangelhos eram lidos em cultos públicos, e as instruções eram baseadas neles. Justino freqüentemente pressupunha a autoridade escriturística dos Evangelhos pelo uso da fórmula "está escrito". Sua obra confirma o seu conhecimento de Atos, I Pedro, Romanos, I Coríntios, Gálatas, Efésios, Colossenses, II Tessalonicenses, Hebreus e Revelação, em acréscimo aos Evangelhos.

Marcião, de Ponto e Roma (140 d.C.)

O pai de Marcião, que era Bispo de Ponto (na Ásia Menor), excomungou-o em face de sua imoralidade e por ter abraçado erro doutrinário. Marcião, então, foi para Roma, e lá foi excomungado novamente pela Igreja porque abraçara os ensinos dos gnósticos. Ele ensinava que Deus, que criou e governa o mundo, não é o pai de Jesus porque se alegrava com sacrifícios de sangue e com a morte de pessoas, conforme o V.T. Cristo veio para nos livrar do Deus do V.T. Cristo não era um homem real, que veio na carne, com sua natureza humana; do contrário, ele estaria sob o controle do Deus do V.T. O Deus do N.T. não exigia a guarda da Lei, mas deu ênfase à fé, ao amor e à confiança, O Evangelho do Cânon de Marcião era uma revisão de Lucas com numerosas omissões. Aceitou as 10 epístolas de Paulo como autorizadas, mas rejeitou o livro de Atos porque continha a doutrina de Pedro em medida excessiva. Procurou excluir do seu Cânon todos os elementos do judaísmo.

Em cerca de 150 d.C., a Igreja ainda não tinha o seu Cânon, formalmente expresso; contudo, referências prévias mostraram que a maioria dos livros do N.T. estava praticamente em uso na Síria, na Ásia Menor e em Roma. Já na metade do segundo século, a força do cristianismo se havia transferido para Roma, a cidade imperial. Os ensinos heréticos de Marcião, sua adoção de um Cânon e a popularidade dos seus ensinos poderiam ter forçado a Igreja a reconhecer formalmente um Cânon.

Taciano de Roma (170 d.C.)

A obra de Taciano, "Diatessaron" (ou Harmonia dos 4 Evangelhos), é aparentemente o primeiro reconhecimento dos 4 Evangelhos. Ele entrelaçou o material dos 4 Evangelhos numa história contínua (uma Harmonia dos Evangelhos). Em acréscimo aos Evangelhos, revela ter conhecimento das epístolas de Paulo e do Apocalipse.

O Cânon Muratoriano (170 d.C.)

Um documento mutilado, de origem latina, foi descoberto numa biblioteca em Milão. Continha uma lista de livros do N.T., provavelmente alistados ao Cânon do herege Marcião. O começo do documento foi perdido. Inicia-se com as últimas palavras de uma sentença que provavelmente se referiam a Marcos. O documento afirma que Lucas permanece terceiro em ordem, tendo sido escrito por Lucas, o médico. O quarto lugar é dado ao Evangelho de João. A declaração implica que Mateus era o primeiro Evangelho. Menciona Atos, 13 cartas atribuídas a Paulo, Judas e as epístolas de João e Pedro, e a Revelação. Refere-se a todos os livros do nosso Cânon, exceto 4: Hebreus, Tiago, I Pedro e I João. O Apocalipse de Pedro é o único acrescentado que não está em nosso Cânon. O Cânon Muratoriano parece ter sido mais a expressão do ponto de vista da igreja do que de um indivíduo. O fragmento Muratoriano representa uma coleção oficial de livros que difere de nosso N.T. apenas pela exclusão de quatro e acréscimo de um.

Page 31: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .31

Irineu, de Lyon, Gália (177 d.C.)

Irineu nasceu provavelmente em Esmirna, província da Ásia Menor. Ele ouviu Policarpo falar sobre seu relacionamento com o apóstolo João e com várias outras "testemunhas da Palavra da Vida". Suas associações deram-lhe elementos para combinar as tradições da Ásia Menor, Roma e Gália. Não forneceu uma lista formal dos eruditos do N.T.; contudo, ele usou definitivamente a maioria dos livros do N.T.

Clemente de Alexandria (215 d.C.)

A tradição designa Marcos como iniciante do trabalho cristão no Egito. Uma escola para os "fiéis" foi dirigida por Pantenos, que era ouvinte dos Apóstolos. Clemente estudava sob a sua direção, e escreveu comentários sobre todos os livros do N.T., exceto Tiago, II Pedro e III João. Orígenes, que sucedeu a Clemente, declarou que os livros do N.T, com a possível exceção de II Pedro, II e III João, foram aceitos pela igreja.

BASES PARA SELECIONAR OS LIVROS CANÔNICOS

Aceitação e uso em congregações ortodoxas

Os livros que foram eventualmente canonizados levam autoridade inerente, o que causava certo impacto sobre as igrejas. Os livros eram usados há muito tempo em várias partes do Império Romano. Com exceção de Hebreus, Tiago, II Pedro, II e III João, Judas e Revelação, todos os outros livros do N.T. eram reconhecidos como apostólicos e autorizados em toda a igreja antes do fim do segundo século. Até mesmo os sete livros que não tinham confirmação universal eram usados amplamente.

Consistência doutrinária

A Igreja havia lutado contra as heresias dos gnósticos e ebionitas. Os gnósticos procuraram ligar o cristianismo com o helenismo e filosofias pagãs. Tentaram tornar o cristianismo aceitável aos intelectuais. Ensinava-se que se conseguia a salvação por meio da comunicação de algum conhecimento escondido ou secreto (gnosis), que poderia ser revelado por uma palavra secreta, ou um ato ritualista, uma doutrina sobre o começo do mundo, ou pela relação do espírito com a matéria. O objetivo do homem era escapar do mundo, que era considerado mau. Visto que toda matéria é ruim, porque é imperfeita, um Deus bom não poderia ter criado o mundo. A criação material procedeu de algum poder inferior, que era hostil a Deus. Eles negaram a encarnação de Cristo, porque a carne, isto é, a natureza humana, é pecaminosa. Alguns, pois, tomaram a seguinte posição: visto que a natureza humana é pecaminosa e inescapável, então o cristão está livre para entregar-se a atividades imorais, que não afetam o espírito. O espírito eventualmente escapará da carne.

O ebionismo foi um resultado das tendências judaizantes que se refletiram em Atos 15 e Gálatas. Uma questão primitiva confrontando a igreja foi a relação das leis de Moisés e "as tradições dos anciãos" com o cristianismo. A decisão da Conferência de Jerusalém, em Atos 15, libertou a Igreja das tendências judaicas. Os judaizantes que se opunham a Paulo davam ênfase ao absoluto monoteísmo (um Deus); portanto, concluíram que Jesus não podia ser Deus. Eles se firmaram no conceito de que a Lei é sagrada; portanto, mantinham o respeito e a observação dos rituais dos sacrifícios e purificação. Visto que se opunham aos escritos de Paulo, assim, preferiam Mateus e Tiago. Ensinavam que os cristãos ]udeus, bem como os gentios, eram obrigados a guardar a lei mosaica, depois da salvação pela fé. Consideravam Cristo como sendo um homem inspirado, que foi adotado em seu batismo como filho de Deus, por causa de sua vida digna.

Quaisquer livros que tivessem a influência do gnosticismo ou do ebionismo seriam questionados pela direação da Igreja.

Origem dos apóstolos

Visto que as palavras dos apóstolos que tinham estado com Jesus eram muito prestigiadas, espera-se também que os escritos associados com os apóstolos seriam igualmente apreciados. Marcos não era apóstolo, nem seguidor de Jesus, mas seu trabalho está associado com o apóstolo Pedro. Paulo era apóstolo "nascido fora do tempo". O nome de Paulo estava ligado aos hebreus pelos alexandrinos, idéia que espalharam amplamente, mais no Oriente que no Ocidente. Lucas era também muito considerado por causa de sua associação com Paulo.

Apesar de Paulo não ter tido associação com Jesus em seu ministério, contudo, era o pai das igrejas gentílicas, e isso aumentou o respeito pelos seus escritos.

Page 32: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .32

Inspiração

A última prova para canonizar era a inspiração. Os livros escolhidos davam evidências de serem divinamente inspirados e autorizados. O Espírito Santo guiou a Igreja para que ela discernisse entre a literatura religiosa genuína e a espúria. Houve necessidade de um período de tempo antes que a Igreja, em várias partes do Império Romano, chegasse a uma decisão unânime a respeito dos 27 livros. Desde a época de Irineu à atualidade, os livros do N.T. reconhecidos pelo uso prático na igreja são os mesmos 27 do atual N.T.

OS LIVROS DISPUTADOS

Hebreus, Tiago, II Pedro, II e IIl João, Judas e a Revelação foram os últimos a serem aceitos por unanimidade no Cânon. A autenticidade de II Pedro, que reclamava ser o trabalho de um apóstolo, foi questionada. Tiago, Judas e Hebreus estavam associados a apóstolos no mesmo sentido como Marcos e Lucas, porém, não eram trabalho de apóstolos.

Hebreus foi referida por Clemente de Roma e possivelmente por Justino Mártir, mas não estava inclusa no Cânon de Muratori (o Cânon da Igreja Romana ou do Ocidente) por causa da questão de autoria apostólica. Foi aceita na Igreja Oriental mediante o apoio dos alexandrinos em favor da autoria Paulina. Apesar de Tertuliano, da Igreja Latina na África, ter mencionado Hebreus, ainda assim a classificou abaixo da autoridade dos trabalhos apostólicos.

Tiago foi questionada por causa da incerteza quanto à identidade de Tiago. A Segunda de Pedro por causa da grande diferença no vocabulário e estilo da primeira epístola. Segunda e Terceira de João eram breves e de natureza pessoal. Fazem pequena contribuição doutrinária. A falta de relação apostólica da carta de Judas impediu-a de ser aceita. O Apocalipse foi incluso em tempos primitivos, mas não foi aceito no Oriente durante o quarto século. Dionísio de Alexandria aludiu às diferenças entre o Apocalipse e o quarto Evangelho, que levantaram questões quanto à sua autoria apostólica.

O Cânon do Quarto Século

Eusébio, Bispo de Cesaréia e historiador da Igreja Primitiva (270-340 A.D,), menciona somente Tiago, II Pedro, II e III João e Judas como livros disputados. Classificou os escritos que reclamavam autoridade apostólica entre os livros confirmados, disputados e heréticos. Declarou que as cinco epístolas gerais eram controvertidas, mas apesar disto eram bem conhecidas e reconhecidas pela maioria. Os livros que clarificou como heréticos são: Os atos de Paulo, O Pastor, O Apocalipse de Pedro, Bamabé e o Didachê (Ensino dos Doze).

Agostinho de Hipona, na África do Norte (354-430 d.C.), aceitou todos os 7 livros que tinham sido questionados em várias seções da Igreja. Entretanto, fez diferença em vários graus de valor entre os livros canônicos. Nem todos os livros tinham autoridade igual.

No começo do quarto século, o Imperador Diocleciano tentou destruir os escritos da Igreja. Depois que Constantino abraçou o cristianismo em 313 d.C., ele alterou a política e mandou copiar certo número de Bíblias. 50 Bíblias foram feitas em pergaminho para uso nas igrejas. Pelo ano 325 d.C., as epístolas gerais questionadas já estavam reconhecidas e juntadas numa coleçao definitiva.

Concílio de Laodicéia (363 d.C.)

Trinta e dois líderes cristãos se reuniram num sínodo (um ajuntamento local), e decretaram, no qüinquagésimo nono Concílio, que somente os livros canonizados de ambos – Velho e Novo Testamentos – fossem lidos nas igrejas. O sexagésimo Cânon apresentou uma lista de 20 livros para o Novo Testamento, excluindo a Revelação. O sexagésimo Cânon, entretanto, tem se revelado como inautêntico. No Concílio de Laodicéia pareceu que os livros da Bíblia eram pela primeira vez submetidos a um estudo especial.

Atanásio de Alexandria (298-373 d.C.)

Em sua trigésima nona epístola festiva (367), Atanásio talvez seja o primeiro a aplicar o termo "canônico" aos 27 livros exatos, como os temos em nosso N.T. na atualidade. Ponderou que o Didachê e O Pastor seriam úteis para os jovens cristãos, mas distinguiu-os dos livros canônicos. Mencionou tanbém os Apócrifos, classificando-os em 3 categoria.

Page 33: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .33

Terceiro Concílio de Cartago (397 d.C.)

Sob a liderança influente de Agostinho, Bispo de Hipona, o Concílio adotou uma lista de livros das Sagradas Escrituras. O Concílio decretou que nada poderia ser lido na igreja sob o título de Escritura divina, a não ser os livros canônicos. A Iista de livros dada para o N.T. se constituía dos seguintes: quatro livros dos Evangelhos, um livro de Atos dos Apóstolos, treze epístolas de Paulo, uma epístola do mesmo aos Hebreus, duas epístolas de Tiago e uma de Judas, e um livro do Apocalipse de João. A decisão do Concílio de Cartago estabilizou os livros do Cânon, e tem sido reconhecido pelos eruditos como o ponto culminante no processo de canonização. O apoio de Jerônimo e Agostinho tornou o Cânon aceitável onde quer que se falasse a língua Latina.

Novo Testamento no Século 16

Durante a Idade Média, a Igreja Católica Romana tinha se tornado autoridade suprema em todas as questões eclesiásticas. A Bíblia oficial da Igreja Romana era a tradução latina feita por Jerônimo (a Vulgata). Jerônimo fizera distinção entre livros canônicos e apócrifos, mas incluíra os livros Apócrifos na Vulgata. Durante a Idade Média, as doutrinas baseadas nos livros Apócrifos ficaram estabelecidas na Igreja. A hierarquia da Igreja reivindicava autoridade para interpretar a Escrituras. E também reclamava o mesmo direito para interpretar a tradição não escrita. Os reformadores transferiram para a Bíblia, em sua forma colecionada, a infalibilidade que antes se pressupunha residir na hierarquia da Igreja. Esta decisão teve por efeito a renovação dos debates a respeito do Cânon.

Lutero declarou que somente as Escrituras, sem a tradição, eram a fonte única e completa da doutrina; que somente o Cânon Hebraico do Velho Testamento e os livros reconhecidos do N.T. devem ser admitidos como autorizados. Discutindo e condenando a matéria apresentada por Lutero, a Igreja Católica Romana se dividiu. Alguns queriam incluir a tradição oral como fonte coordenada de doutrina, juntamente com a Escritura. Outros queriam formar três classes de livros do V.T.: reconhecidos, disputados e apócrifos. Ainda outros desejavam ratificar toda a autoridade divina. Em 8 de Abril de 1546, o decreto foi promulgado nestes termos: "O Santo concílio Geral ecumênico deTrento, ... seguindo os exemplos dos Pais ortodoxos, recebe e venera todos os livros do Velho e do Novo Testamentos... e também as tradições pertencentes à fé e conduta... com um sentimento igual de devoção e reverência".

Lutero concluiu que alguns livros do N.T. são superiores a outros. Mencionou os livros superiores tais como o Evangelho de João, as epístolas de Paulo, especialmente Romanos, e I Pedro. Declarou que a epístola de Tiago é uma "epístola de palha", comparada com os livros citados acima, porque não apresenta características do Evangelho. Colocou Hebreus, Tiago, Judas e o Apocalipse no fim de sua tradução, porque sua aceitação no Cânon tinha sido questionada. Chegou à conclusão de que Tiago contradiz Paulo, porque ensina que a justiça se consegue pelas obras. Tiago não faz menção à Paixão, à Ressurreição e ao Espírito de Cristo. Para que um livro fosse canônico, acreditava Lutero, deveria pregar a Cristo, sua morte e sua ressurreição. Considerava o livro da Revelação como "profecia muda". Na Bíblia Luterana, os livros Apócrifos estão inclusos, mas separados das "Escrituras Sagradas".

Calvino deixou de lado II e III João e o Apocalipse. Aceitou Hebreus como epístola apostólica, mas atribuiu a Pedro, em vez de a Paulo, sua autoria. Considerava II Pedro ser de um discípulo de Pedro. Reconheceu as disputas sobre Tiago e Judas; contudo, aceitou-as. A despeito da oposição de Lutero a Tiago, a Igreja Luterana fez causa comum com as demais igrejas protestantes e aceitou o mesmo Cânon do Novo Testamento.

Page 34: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .34

VI. A TRANSMISSÃO DA BÍBLIA

INTRODUÇÃO

Antes da invenção da imprensa há 550 anos, cada exemplar do Velho ou do Novo Testamento tinha que ser escrito individualmente à mão. O processo era vagaroso, dispendioso e nem sempre de muita precisão. Uma classe profissional de escribas surgiu e realizou esse trabalho.

O V.T. foi escrito primeiramente em hebraico, e o Novo, em grego. Quando o judaísmo e o cristianismo se expandiram por outras áreas de outros idiomas, tornou-se necessário traduzir as Escrituras em novos idiomas. A Bíblia em português é o resultado de uma longa história de tradução e transmissão das Escrituras.

Previamente foi observado que o material antigo usado para a escrita era o papiro e o pergaminho; outros materiais empregados eram: tabletes de barro, pedra, osso, madeira e vários metais, cobre e cerâmica. Os escritos mais antigos do N.T. provavelmente foram transmitidos pelo papiro. Cedo, no 2º século, o códice ou a forma do livro em folhas começou a ser usado. As folhas de papiro eram dobradas ao meio e costuradas tornando possível a combinação de uma coleçao maior de material num volume do que num rolo. Nessa coleção era mais fácil encontrar um verso particular das escrituras do que ao proceder o desenrolamento. Mais tarde, os pergaminhos eram empregados para só reproduzir cópias das Escrituras.

A cópia de documentos à mão favoreceu erros acidentais. Certo número de escribas poderia escrever as palavras ditadas por outros. Se, porventura, um escriba não compreendesse bem uma palavra ou não a soletrasse bem, por certo o erro seria transmitido ao papel. Se a cópia, então, tivesse um erro, e se fizessem cópias adicionais, o erro seria perpetuado. Um manuscrito, portanto, transmitido através de muitas cópias, teria, por certo, mais erros que o original. O trabalho do crítico do texto é exatamente restaurar o texto ao seu original acurado. Na ciência do criticismo textual, os manuscritos mais antigos são mais valiosos porque contêm menos erros. Autógrafos de livros bíblicos antigos não foi possível preservar.

É impossível que numa breve exposição se possa dar atenção aos detalhes da ciência do criticismo textual. Número excelente de livros sobre o assunto são disponíveis na atualidade. A crítica textual é importante, visto ser básica no estudo bíblico. Não queremos dizer que

todos os que estudam a Bíblia sejam críticos do texto; todavia, o

assunto merece a atenção de todos os que encaram seriamente o conhecimento da Bíblia.

O VELHO TESTAMENTO

Traçando a transmissão do V.T., 4 fontes de estudo são importantes: o texto hebraico, o texto grego, os textos de Qumran e outras traduções. Antes das descobertas de Qumran em 1948, o mais antigo texto hebraico conhecido era um manuscrito dos Profetas (o Códice do Cairo) datado cerca do ano 895 d.C.. Apesar de ter mais de 1000 anos, está datado após muitas gerações depois dos escritos originais dos profetas.

As descobertas do Mar Morto são importantes porque produziram fragmentos sobreviventes da bibliografia de uma comunidade judaica nos anos 130 a.C. a 70 d.C. Um rolo do 2º século a.C. de Isaías habilitou os eruditos a se aproximarem mais de 1000 anos aos escritos (autógrafos). Visto que todos os livros do V.T, exceto Ester, estão representados nos Rolos do Mar Morto, sua descoberta implica numa grande contribuição no estudo da transmissão do V.T.

VELHO TESTAMENTO HEBRAICO

Manuscritos

As partes mais velhas do V.T. foram provavelmente primeiro escritas no sistema antigo hebraico de origem fenícia. Essa forma de escrever foi a primeira a empregar um alfabeto em que a escrita ficou reduzida a uma combinação de cerca de vinte símbolos. A escrita precedente havia empregado milhares de pictogramas (quadros rudes, representando coisas tais como o sol etc.). Cerca do século 4 a.C., o manuscrito do hebraico antigo modificou-se para o manuscrito quadrado de origem assíria. O manuscrito hebraico continua a ser usado no Velho Testamento hebraico.

A destruição de manuscritos em Antioquia

Antes da revolta dos Macabeus em 167 a.C., os sírios haviam destruído a maior parte dos manuscritos existentes do V.T. Antíoco Epifânio (rei Sírio, 175-163 a.C.) tentou abolir a religião judaica mediante a destruição de seus escritos e de seu culto. A comunidade de Qumran fez uma contribuição de grande mérito, preservando os

Page 35: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .35

rolos do V.T. durante esse período. À parte dos escritos de Qumran, nenhum manuscrito dos livros do V.T. antes do século 9 d.C. sobreviveu.

Manuscritos básicos da Bíblia hebraica moderna

A edição corrente da Bíblia hebraica – Bíblia Hebraica de Kittel – é baseada primeiramente nos manuscritos seguintes: o Códice de Cairo (895) – o mais antigo manuscrito Massorético dos Profetas que se conhece; o Códice de Leningrado – dos Profetas Posteriores (916); o Códice de Allepo (930) – uma manuscrito inteiro de todo o V.T. que foi parcialmente queimado numa sinagoga em 1948; o Códice de Leningrado – de todo o Velho Testamento (1008).

Os Fragmentos de Geniza

Durante a reconstrução de uma velha sinagoga do Cairo (Egito) em 1890, cerca de 200.000 fragmentos de escritos bíblicos, entre outros documentos, foram desenterrados. Paia evitar o uso indevido do um manuscrito que continha o Nome Sagrado, os judeus colocavam os manuscritos estragados em uma "geniza" (esconderijo) até que fossem destruídos pelo enterramento. Esta prática explica a razão por que velhos manuscritos não sobreviveram. Os fragmentos de Geniza do Cairo são datados dos séculos 6 a 9 d.C.

O Papiro de Nash

W.L. Nash, em 1902, comprou no Egito uma folha de Papiro que continha uma cópia dos 10 mandamentos de Êxodo 20:2 e seg. e Deuteronômio 6:4 e seg. A coleção breve de textos foi provavelmente usada em propósitos litúrgicos ou educacionais. Albright datou-a no período dos Macabeus. Outros eruditos classificaram-na como sendo de um período posterior.

Os rolos do Mar Morto

As descobertas do Mar Morto têm produzido fragmentos valiosos de livros do V.T. Somente o manuscrito de Isaías está completo. Um comentário contendo os dois primeiros capítulos de Habacuque fornece um exemplo significativo dos métodos judaicos de interpretação.

O Texto Massorético

Cerca de 100 d.C., líderes judeus produziram uma edição padronizada do texto hebraico, consonantal, do V.T. Gerações sucessivas de editores inseriram um grande número de sinais para orientar os leitores nas sinagogas na enunciação correta dos escritos sagrados. Essas edições incluíam as marcas de pontuação e os pontos das vogais. Notas eram colocadas às margens, no começo e no fim dos manuscritos. Os escribas judeus que faziam esse trabalho eram chamados de Masoretas, derivação da palavra Massorah (tradição). O texto que os massoretas estabeleceram tornou-se conhecido como "texto Massorético". Os escribas judeus faziam seu trabalho de modo reverente e cuidadoso. Tinham regras precisas, que determinavam a qualidade e o tamanho dos couros a serem usados, o tamanho das colunas em cada página e as letras. Tinham que contar o número de vezes que cada letra do alfabeto apareceria em cada livro. Seus cálculos minuciosos incluíam a determinação da letra do meio do Pentateueo e a letra do meio de toda a Bíblia hebraica. Nossa Bíblia atual é baseada no trabalho desses eruditos judeus. Apesar de o mais antigo manuscrito ser datado de 895 d.C., é realmente maravilhoso como sua concordância é quase total com o segundo rolo de Isaías da comunidade de Qumran. As descobertas de Qumran confirmaram que o V.T. tem sido bem preservado.

O Pentateuco Samaritano

O Pentateueo Samaritano não é uma tradução ou versão do V.T., mas um manuscrito do hebraico antigo, contendo os 5 livros de Moisés. A divisão entre judeus e samaritanos possivelmente ocorreu durante o período em que Neemias reconstruiu a cidade de Jerusalém, o que fez os samaritanos adotarem o seu próprio cânon, ocnstando somente dos livros de Moisés.

O Pentateuco Samaritano resultou noutra tradição textual para a lei. É valioso para a comparação com o texto massorético. Os mansucritos mais antigos em forma de rolos do pentateuco samaritano datam da metade do século 11. O mais antigo Códice leva uma observação sobre sua venda em 1150 d.C., mas o manuscrito é muito mais velho. O Pentateuco Samaritano contém aproximadamente 6.000 variações do texto Massorético, mas

Page 36: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .36

ocorre que são insignificantes. A leitura do texto Massorético é considerada original, a não ser que o Pentateuco Samaritano e a Septuaginta discordem do mesmo.

A Septuanginta

Em virtude da grande comunidade de judeus que falavam o grego em vez do hebraico e residiam em Alexandria, o Pentateuco foi traduzido para o grego no ano 250 a.C. A audição de que foi traduzida por 70 judeus eruditos deu origem ao nome Septuaginta (70). A tradução de outros livros do V.T. em grego parece ter sido completada no ano 150 a.C.

Geisler e Nix apresentam quatro observações a respeito da qualidade da Septuaginta:

1) Varia das traduções literais e dependentes do Torah para as traduções livres dos escritos;

2) Foi designada para uso público nas sinagogas, em vez do uso erudito dos rabinos;

3) Foi a primeira tentativa de se traduzir o V.T. para outra língua;

4) É geralmente fiel às passagens do texto hebraico, original.

A Septuaginta aparentemente foi usada por Jesus e os apóstolos. A maioria das citações do N.T. é extraída da mesma. Foi perpetuada pelos cristãos, em vez dos judeus, e os mais antigos códices dela incluem também os escritos do N.T. O melhor manuscrito da Septuaginta é o Vaticanus (Códice B), datado de 325 d.C.

Outras traduções gregas

Logo que a Septuaginta foi traduzida, a comunidade judaica de Alexandria declarou que era bela, piedosa e exata. Filo falou a respeito da tradução como um trabalho de inspiração divina e dos tradutores como profetas. Todavia, depois que os cristãos se serviram muito da Septuaginta nas disputas que tiveram com os judeus, estes rejeitaram-na, apesar de antes a haverem considerado indispensável e intocável. Continuaram a necessitar de traduções gregas; portanto, nova tradução foi feita por Áquila, em 130 d.C. Apesar de ter bom conhecimento do idioma grego, fez uma tradução literal que não parecia ser grego de forma alguma. Outra tradução grega foi realizada por Símaco em 170 d.C. Uma terceira foi feita por Teodósio, em 200 d.C.

A Hexapla de Orígenes

O teólogo de Alexandria compôs uma Bíblia com seis colunas paralelas; o texto hebraico, o texto hebraico sem letras gregas (uma transliteração), o texto grego de Áquila, o texto grego de Símaco, a Septuaginta e o texto grego de Teodósio.

O arranjo dos textos feito por Orígenes se baseou no princípio de que o texto hebraico é o original, seguido pelos trabalhos de tradução grega literal e a tradução literal de Áquila.

Traduções em outras línguas

Depois do exílio, o judaísmo substituiu, a língua hebraica falada pelo aramaico. Tornou-se, então, necessário traduzir as Escrituras hebraicas para o aramaico para o culto nas sinagogas. O ato de traduzir chamou-se targem e a própria tradução se chamou targum. A tradução podia ser dada oralmente com observações interpretativas. As traduções eram eventualmente registradas em vários lugares e uma explicação da mensagem do texto era inclusa. De quando em quando, o texto era reinterpretado. O velho Targum Palestiniano do Pentateuco é conhecido mediante os fragmentos que sobreviveram de sete manuscritos do 7º ao 9º séculos. O Targum Onkelos do Pentateuco e o Targum Jonathan dos Profetas tornaram-se oficiais pelo século 5 d.C.

A Igreja Síria requereu uma tradução simples do V.T. em aramaico sírio, que é um dialeto aramaico da Palestina. A Bíblia síria é conhecida com o nome de "Peschitta", que significa "tradução simples". A tradução foi feita provavelmente na metade do Primeiro século d.C.

Com a difusão da língua oficial do Império Romano, surgiu a necessidade de se traduzir o V.T. para o Latim. Traduções latinas da Septuaglnta já estavam sendo usadas no ano 150 d.C. A tradução de Jerônimo, a Vulgata, em 400 d.C. substituiu todas as antigas versões latinas.

NOVO TESTAMENTO

Os manuscritos mais antigos do Novo Testamento que existem na atualidade são em papiro. Depois do quarto século d.C., praticamente todos os manuscritos foram escritos em pergaminho. Em 331 d.C., Constantino,

Page 37: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .37

imperador romano, mandou fazer 50 exemplares da Bíblia em pergaminho, para serem usadas nas igrejas de Constantinopla. A transmissão do Novo Testamento em grego se divide em dois períodos, de acordo com o material em que foi escrito: manuscritos em papiro (no segundo e terceiro séculos) e os manuscritos em pergaminho (nos séculos quarto e nono).

Manuscritos em Papiro

Um fragmento de papiro, de 6,5 cm por 8,5 cm, contendo poucos versos do quarto Evangelho, é o exemplar mais antigo de qualquer porção do Novo Testamento que existe atualmente. Teve sua origem provavelmente entre 117 e 138 d.C.

Em 1930 e 1931, Chester Beatty, Londres, comprou importantes papiros bíblicos, contendo muita coisa dos Evangelhos e dos Atos, as Epístolas Paulinas e o Apocalipse. Os papiros estão agora no museu de Beatty, próximo de Dublin. Contêm 30 folhas de papiro códice: 2 de Mateus, 2 de João, 6 de Marcos, 7 de Lucas e 13 de Atos. Originalmente, o códice consistia de cerca de 220 folhas (todas um pouco mutiladas) removidas de um original que continha 104 páginas das epístolas de Paulo. As espístolas estão em ordem fora do comum – Romanos, Hebreus, I e II Coríntios, Efésios, Gálatas, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses. É datado um pouco antes que o documento P45 (200 d.C.) O P47 consiste de 10 folhas pouco mutiladas de um códice do livro do Apocalipse. O livro total se calcula ter tido 32 folhas em comprimento. É datado de 250-290 d.C.

P66, P72, P75. A biblioteca Bodmer, em Genebra, comprou uma grande coleção de papiros, que inclui textos nas línguas grega e copta (língua do Egito). O documento P66 contém a maior parte do Evangelho de João, e é datado de 200 d.C. O P72 contém Judas e as Epístolas de Paulo, e é datado do século III. Contém também vários livros apócrifos e Salmos. O P75 contém 102 das 144 páginas de um códice de Lucas e João. É datado de 175-225 d.C.

Manuscritos de pergaminho

Pelo século IV, Velho e Novo Testamentos eram transmitidos juntos pela igreja em pergaminho, na forma de códice. O grego era escrito em letras unciais (letras maiúsculas). A seguir, os principais documentos em pergaminho:

Códice Vaticano (B). Este códice é datado da 1ª parte do século IV (325 d.C.) e é um dos mais valiosos de todos os manuscritos da Bíblia grega. Estaria Biblioteca do Vaticano e tem sido colocado à disposição dos eruditos somente desde o século XIX, devido à relutância das autoridades da Biblioteca em permitir que os eruditos o estudassem. Faltam ao códice 46 capítulos de Gênesis, uma seção de 30 Salmos, e o resto do Novo Testamento depois do capítulo 9 de Hebreus. Alguns eruditos crêem que este manuscrito e o Códice Sinaítico estavam entre os 50 exemplares originais das Escrituras que o imperador romano Constantino comissionou a Eusébio para escrever em 331 d.C.

Códice Sinaítico. Este códice foi escrito no século IV, um pouco depois do Códice Vaticano. Foi conseguido no Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, por Tischendorf, em 1859. Enquanto ele visitava o Mosteiro, viu folhas de pergarninho na cesta de papel. Estas eram parte de um exemplar da versão Septuaginta do V.T., escrito na forma antiga oficial (letras gregas maiúsculas). Ao ele tirar 43 folhas da cesta de papel, um monge casualmente observou que duas cestas de papel, contendo material idêntico, já tinham sido queimadas. Em sua terceira viagem ao Mosteiro, conseguiu o códice contendo o único exemplar conhecido e completo do N.T. grego e a maior parte do V.T. em escrita uncial (letras maiúsculas). Persuadiu aos monges a fazer uma dádiva do referido documento ao Czar da Rússia, mais tarde, em 1933, aproximadamente por $500,000 (quinhentos mil dólares).

Códice Alexandrino. Este códice foi escrito no século V e contém o V.T., exceto mutilações, e a maior parte do N.T. Foi presente do Patriarca de Cosntantinopla ao rei da Inglaterra em 1627.

Códice de Efraim, Reescrito. Este manuscrito do 5º século foi apagado no 12° século e as folhas usadas por Sto. Efraim para uma tradução grega de sermões. Tischendorf, mediante o uso de elementos químicos, conseguiu decifrar os originais subscritos deste palimpsesto (manuscrito de pergaminho que foi raspado para receber novo texto).

Códice de Bezae. Bezae era um erudito francês que sucedeu Calvino como líder da Igreja Protestante em Genebra. Apresentou à Biblioteca de Cambridge, em 1581, um manuscrito do século VI, dos Evangelhos e Atos em grego e latim, confrontando-se as duas línguas nas páginas. O Códice contém variações livres de palavras e sentenças do que se considera ser o texto normal do N.T.

Page 38: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .38

A VULGATA LATINA DE JERÔNIMO

Em 382 d.C., o Papa Damasco comissionou a Jerônimo para fazer uma revisão da velha tradução Latina. Jerônimo escolheu um texto latino relativamente bom e comparou-o com manuscritos em grego antigo. Os Evangelhos foram corrigidos primeiro e o V.T. completado em 405 d.C. O trabalho tornou-se a Bíblia oficial da Igreja Latina e continua a ser a Bíblia atual da Igreja Católica Romana. "Vulgata" significa "usual" ou "comum". Um professor de Paris, Estêvão Langton, que se tomou Arcebispo de Canterbury em 1228, dividiu a Vulgata em capítulos modernos. O Concílio de Trento, em 6 de Abril de 1546, declarou que a Vulgata é a Bíblia autorizada da Igreja Católica.

A imprensa, usando tipos móveis e inventada por João Gutemberg, tornou possível a impressão de livros mais rápida, mais barata e em grau mais alto de exatidão do que a cópia à mão. O primeiro livro a ser impresso foi a Vulgata Latina de Jerônimo (entre 1450 e 1456). Exemplares múltiplos da Bíblia, resultantes do processo de impressão, deram ênfase à necessidade de um texto padronizado.

A IMPRESSÃO DO TEXTO GREGO

O renascimento da cultura (a Renascença), no século XV, criou um desejo de se estudar a literatura em sua língua ou texto original. Todavia, a Vulgata Latina estava tão firmemente estabelecida com os eruditos bíblicos que somente 50 anos depois da invenção da imprensa é que foi possível imprimir o primeiro Novo Testamento grego. A primeira tentativa de se imprimir a Bíblia no grego foi difícil e dispendiosa porque a letra grega minúscula no manuscrito fora imitada. As formas alteradas da mesma letra, bem como as muitas combinações de duas ou mais letras resultaram em aproximadamente 200 caracteres diferentes.

Em 1502, o Cardeal Ximenes, da Espanha, planejou uma Bíblia poliglota (em muitas línguas), cuja edição do Novo Testamento impressa continha textos em colunas paralelas do hebraico, aramaico, grego e latim. O V.T. foi impresso em 1517, todavia, a Bíblia Poliglota foi publicada somente em 1522. A Bíblia tornou-se conhecida como a Poliglota Complutensiana (Complutum é o nome da cidade em que foi impressa).

Um editor suíço, Froben, conseguiu os serviços do erudito humanista Erasmo, em 1515, para preparar uma edição do Novo Testamento em grego. Foi publicado sete meses mais tarde, em março de 1516. Em virtude da pressa que se teve em publicar o volume, saiu com uma centena de erros tipográficos. Erasmo não encontrou um manuscrito que contivesse o N.T. grego completo, portanto, usou parte de vários Novos Testamentos. Baseou-se principalmente em dois manuscritos inferiores do século XII que havia encontrado numa biblioteca de um mosteiro em Basileia, na Suíça. No único exemplar que tinha do livro da Revelação faltava a página final; portanto, providenciou-a, traduzindo-a da Vulgata Latina para o grego. A primeira impressão do N.T. grego teve logo mercado aberto e a venda foi ampla. A segunda edição foi usada por Lutero para sua tradução em alemão. A quarta edição de Erasmo, do texto de 1527, foi melhorada por meio de correções baseadas no texto superior usado na Bíblia poliglota de Ximenes. Seu texto é inferior em valor crítico ao da Bíblia poliglota, mas, por ser o primeiro no mercado e mais barato, circulou mais difusamente e tornou-se o texto aceito (Textus Receptus).

Estefânio, um famoso editor parisiense, fez quatro edições do N.T. grego (1546, 1549, 1550 e 1551). Na terceira edição, imprimiu, às margens das páginas, vários extratos de 14 códigos. Na quarta edição, dividiu o texto em versículos numerados. Seu filho afirmou que dividiu o trabalho em versículos enquanto viajava de Paris para Lyon. O texto de Estefânio, que se baseou em Erasmo e na Bíblia poliglota, também tornou-se conhecido como Textus Receptus (texto aceito).

A BÍBLIA EM INGLÊS

Apesar de o cristianismo ter sido levado à Inglaterra no começo do século IV, o trabalho missionário era feito em latim. Alguns poemas e poucos versículos das Escrituras apareceram no inglês antigo no século VIII. Alfredo, o Grande (901), pôs partes da Bíblia em inglês para seu povo. O período inglês antigo encerrou-se logo depois da conquista normanda, em 1066.

A tradução da Bíblia para o inglês da Idade Média começou no século XIV. William de Shoreham produziu a primeira tradução em prosa da porção da Bíblia em um dialeto sulino da Inglaterra em 1320. Richard Rolle fez uma tradução literal da Vulgata latina para um dialeto do norte da Inglaterra em 1340. Esses trabalhos prepararam o caminho para John Wycliffe (1320-1384).

A tradução de Wycliffe (1383)

John Wycliffe esteve associado à Universidade de Oxford durante muito tempo. Mais tarde, tornou-se político e, finalmente, reformador, pregando contra vários males do seu dia ao ponto de ser chamado "a estrela-

Page 39: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .39

d'alva da Reforma". Wycliffe foi, provavelmente, assessorado na tradução da Bíblia; todavia, sua direção erudita e autorizada do trabalho justifica a ele a autoria da empreitada. Sua tradução é uma tradução muito literal dos textos inferiores da Vulgata, completada em 1383, um ano antes de sua morte. Os exemplares tinham que ser escritos à mão e secretamente. Foram distribuídos aos seus seguidores, chamados lollardos, que viajavam por toda a Inglaterra, lendo-os para o povo.

A pregação dos lollardos perturbou a Igreja, pelo que a Igreja baniu o uso da tradução inglesa de Wycliffe e proibiu o trabalho dos seus seguidores. Ele morreu antes de lavrar a perseguição, porém o seu corpo foi exumado e queimado em 1428. As cinzas foram lançadas num rio próximo. A despeito de todas as perseguições, a Bíblia de Wycliffe continuou a ser usada largamente no século XV. Alguns pagavam tanto quanto $400,00 (quatrocentos dólares) por um manuscrito da Bíblia.

As escrituras impressas por Tyndale (1526)

William Tyndale recebeu o grau de mestre em 1515, em Oxford, antes de ir para Cambridge, onde Erasmo tinha despertado interesse pelo Novo Testamento grego. Sua ambição era fazer pela Inglaterra o que Lutero fizera pela Alemanha. Declarou que dentro em breve ele proporcionaria a um rapaz que usasse o arado condições de possuir mais conhecimentos da Bíblia que os líderes da Igreja. Sentiu que o povo tinha o direito de saber o que lhes fora prometido pela Palavra, mas muitos não podiam ler o latim.

Visto que o rei e a Igreja da Inglaterra tinham proibido o uso da tradução inglesa de Wycliffe, Tyndale foi à Alemanha para imprimir o N.T. Exemplares da tradução apareceram na Inglaterra no princípio de 1526. De 1527 a 1531, Tyndale estava em Marburgo (Alemanha), trabalhando na tradução do V.T. Foi traído em 1535 enquanto trabalhava na tradução do V.T., sendo condenado à forca e queimado. Suas últimas palavras foram: "Senhor, abre os olhos do rei da Inglaterra". Sua tradução do N.T. baseou-se na 2ª e 3ª edições de Erasmo, na Vulgata e na tradução alemã de Lutero. A tradução do V.T. foi baseada no hebraico, mas consultou também outras traduções. Muito do trabalho de Tyndale foi usado na prodição da Authorized Version (Versão Autorizada), em 1611. 15.000 exemplares do N.T. foram vendidos até o ano de 1535.

O trabalho que Tyndale começou foi completado por Myles Coverdale, que nasceu em Yorkshire, cerca de 1488. Depois de diplomar-se em Direito Canônico pela Universidade de Cambridge, em 1531, Coverdale deixou o sacerdócio da ordem dos Agostinhos e iniciou uma série de pregações contra várias práticas religiosas. É possível que tenha se encontrado com Tyndale em Hamburgo em 1529. Sua tradução da Bíblia foi impressa em 1535, talvez em Marburgo (Alemanha). Coverdale dedicou-a ao rei Henrique VIII, provavelmente na expectativa de alcançar a aprovação do rei para sua circulação na Inglaterra. Coverdale distinguiu sua Bíblia da tradução de Tyndale, que fora banida na Inglaterra, e assinou seu nome no Prólogo que foi dirigido ao leitor. Apesar de o rei não ter dado permissão para a sua venda, a versão de Coverdale não foi banida do país.

O trabalho de Coverdale é uma tradução secundária (não foi baseada no original hebraico ou grego, mas numa tradução do latim). De acordo com o Bispo Westcott, o N.T. de Coverdale se constitui da 1ª Edição da Vulgata e da tradução alemã de Lutero. Coverdale continuou e enriqueceu o trabalho do seu predecessor, Tyndale, e sua Bíblia é significativa porque é a primeira impressa em inglês.

A Grande Bíblia (1539)

A política do governo inglês referente à Bíblia estava evoluindo, mesmo antes da morte de Tyndale. Henrique VIII tinha repudiado a autoridade do Papa em 1535. A Bíblia de Mattew fora publicada em 1537. Baseou-se no Pentateuco e N.T. de Tyndale, na versão dos livros de Esdras e Malaquias de Coverdale e em uma versão anônima, possivelmente de trabalhos de Tyndale que não tinham sido publicados ainda, dos livros de Josué a II Crônicas. De acordo com Bruce, ambas as Bíblias, de Coverdale e de Mattew, receberam a permissão real em 1537. Visto que havia duas formas da Bíblia inglesa, o rei Henrique Vlll autorizou Cromwell a providenciar uma tradução nova que fosse uniforme, autorizada e livre de interpretações.

Em 1538, Cromwell concordou em unir-se a Richard Grafton na preparação de um novo texto em que o trabalho de outros homens pudesse ser usado em preferência ao de Coverdale. A "Grande Bíblia" (assim chamada por causa do seu tamanho), que apareceu em 1539, era, na verdade, uma revisão da Bíblia de Mattew. De acordo com a injuncão do rei, um exemplar foi colocado em cada igreja da Inglaterra. A Grande Bíblia trazia em sua primeira página: "Esta é a Bíblia indicada para uso das igrejas". Era de fato uma edição revista da versão de Tyndale. Depois do trabalho de Cromwell, a Grande Bíblia foi aprovada pelo Bispo de Londres que condenara Tyndale e seu trabalho. Agora, ele oficialmente autorizava uma Bíblia que continha a maior parte do trabalho de Tyndale.

A distribuição da Grande Bíblia foi acompanhada de uma declaração real encorajando todos a ler a Bíblia. A resposta foi tão grande e os conseqüentes argumentos públicos sobre o significado da Bíblia foram tão intensos

Page 40: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .40

que o rei emitiu uma segunda declaração aconselhando aos leitores que a leitura fosse feita ''humilde e reverentemente". Os líderes eclesiásticos conservadores reagiram contra a liberdade de interpretação dos leigos. Em 1543 todas as traduções que levavam o nome de Tyndale foram proscritas (denunciadas).

Em 1546, a tradução do N.T. de Coverdale foi também proscrita. Quando o rei Henrique Vlll morreu, a Grande Bíblia foi restaurada ao seu lugar nas igrejas. A rainha Maria suprimiu a impressão de Bíblias durante seu reinado, mas a rainha Elizabeth viu a produção de duas versões mais da Bíblia Inglesa.

A Bíblia de Genebra (1560)

O primeiro N.T. inglês com os capítulos divididos em versículos de acordo com o Novo Testamento em grego de Estefânio era a Bíblia de Genebra, impressa em 1557. Este N.T. era uma correçao do texto de Tyndale pelo testamento latino de Beza. Em 1560, a Bíblia inteira foi revista e impressa em Genebra. O tipo, o tamanho e as notas deram-lhe grande popularidade entre o povo.

A Versão King James (Rei Tiago)

Pelo fim do século XVI, os protestantes de fala inglesa tinham duas versões da Bíblia: a Grande Bíblia, preferida pelos anglicanos, e a Bíblia de Genebra, preferida pelos protestantes calvinistas. Em 1604, o rei James (Tiago) convocou uma conferência para aceitar as diferenças de opinião sobre as versões da Bíblia. 54 eruditos foram nomeados para providenciar, então, uma tradução nova que fosse aprovada por todas as igrejas. O novo trabalho foi baseado num estudo dos manuscritos antigos hebraico e grego, bem como em muitas das traduções posteriores. Foi dada atenção à beleza da língua inglesa e a Bíblia King James (1611) foi usada por mais de 300 anos e ainda é tida como um exemplar especial de literatura inglesa. Eruditos judeus, bem como católicos, reconheceram a excelência da versão.

Edições recentes

A versão inglesa revista foi aprovada em 1870 e foi publicada nos anos de 1881-1885. Novos manuscritos têm sido descobertos e os antigos foram melhor compreendidos. O texto estava mais esclarecido, mas o povo ficou desapontado em notar que muitas frases familiares foram abandonadas e palavras mudadas. Outros se sentiram frustrados porque não encontraram mudanças maiores no inglês.

Eruditos americanos foram convidados a participar no trabalho da versão inglesa revista. Em 1901, depois de sancionar por 14 anos a edição inglesa revista, a comissão americana preparou uma edição que continha suas preferências. A palavra "Jehovah" foi substituída por "Senhor" ou "Deus", e a palavra "amor" por "caridade". A versão americana tornou-se conhecida como a versão americana padrão (American Standard Version). Esta versão não contém a beleza da versão autorizada ou as expressões modernas das versões recentes, mas a sua clareza se recomenda aos mestres e aos estudantes.

O Concílio Internacional de Educação Religiosa autorizou uma comissão para proceder a outra revisão. Esta versão deveria reunir os melhores resultados da erudição moderna e expressar a Escritura na dicção inglesa designada para uso em culto público e privado. O N.T. foi publicado em 1946 e o V.T. foi completado em 1952. A revisão feita por eruditos americanos estava baseada nas versões de 1611 e 1901. A nova versão tem sido criticada, por obscurecer as passagens tradicionais messiânicas. Chama-se Versão Revista Padrão (Revised Standard Version).

A Assembléia Geral da Igreja da Escócia consultou a Igreja da Inglaterra e as principais igrejas livres a respeito de uma revisão da versão inglesa revista. A versão revista padrão feita pelos americanos usou um bom inglês literário, reconhecido de ambos os lados do Atlântico. Todavia, não reteve a idéia de Cambridge de se prestar atenção meticulosa à clareza verbal e traduzir tão literalmente quanto possível, sem violência positiva ao uso do inglês. As igrejas britânicas começaram a revisão da versão inglesa revista em 1947, a fim de preparar uma tradução nova da Bíblia em inglês moderno. A Nova Bíblia Inglesa (New English Bíble), publicada em 1961 e 1970, continua longamente estabelecida segundo a tradição das versões inglesas mais antigas. É genuinamente inglesa na língua, evitando arcaísmos e modernismos passageiros, e bastante clara para ser entendida por um povo razoavelmente intelectual.

A versão americana padrão tem sido revista e publicada pela Fundação Locman sob o título Nova Bíblia Americana Padrão (New American Standard Bible). O prefácio declara que se propôs manter a tradução tão fiel quanto possível à língua original das Sagradas Escrituras e fazê-la fluente e legível de acordo com o uso corrente do inglês.

Page 41: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .41

A BÍBLIA EM LÍNGUA PORTUGUESA

A Versão de Almeida

Até o último quarto do século XVI, não havia versão alguma completa e impressa das Escrituras em português. A zelosa rainha D. Leonor, mulher de D. João II, tentou popularizar as Escrituras. Ela mandou traduzir e imprimir em 1495, a expensas suas, a Vida de Cristo que foi originalmente escrita na língua latina pelo Dr.Ludolfo, da Saxônia, eque continha muitas citações da Bíblia. Dez anos depois, ela mandou publicar na língua lusitana os Atos dos Apóstolos e as epístolas universais de Tiago, Pedro, João e Judas. Esta nobre senhora faleceu em 1525, e por uma reação do clero essas obras desapareceram das bibliotecas. Uma segunda edição da Vida de Cristo foi publicada em 1554, mas esta teve a mesma sorte.

Nessa época, organizaram-se diversas companhias comerciais para o desenvolvimento das várias colônias dos países europeus. Entre estas, a Companhia Holandesa das índias Orientais, que se organizou em 1602, cuja carta patente exigia que se cuidasse em plantar a Igreja entre os povos e procurasse a sua conversão nas possessões tomadas aos portugueses nas Índias Orientais. Foi esta a Companhia que mais tarde, em 1693, patrocinou a revisão do Novo Testamento de João Ferreira de Almeida.

Almeida nasceu em Lisboa, de pais católicos romanos, em 1628, e, passando aos tenros anos para a Holanda, aceitou a fé da Igreja Reformada em 1642, pela profunda impressão que causou em seu espírito a leitura de um folheto espanhol. Desde o princípio de sua conversão, mostrou a sua aptidão para o estudo eclesiástico. Ignoram-se as circunstâncias que o fizeram transportar-se à Batávia, onde se tornou muito ativo e zeloso no trabalho da evangelização, pregando nas línguas portuguesa, espanhola, francesa e holandesa. Durante a sua longa vida pastoral, escreveu e publicou várias obras de caráter religioso, entre às quais sobressai a versão portuguesa da Bíblia. Deixou completa a coleção de todos os livros do N.T., não logrando, porém, concluir a tradução do V.T., que só chegou até o livro de Ezequiel, capítulo 48, versículo 21. Ele foi casado, mas não consta que tivesse descendência. Faleceu na Batávia, aos 6 de agosto de 1691.

João Ferreira de Almeida traduziu o N.T. do próprio texto grego, com o auxílio da Vulgata; porém seguiu o grego quando se achou em desacordo com a Vulgata. Na sua obra, acrescentou os textos paralelos da Escritura, na margem, e no princípio de cada capítulo pôs o sumário ou os artigos de que nele tratava.

Em 1681, começou a publicação da Bíblia de Almeida pelo N.T. A primeira edição foi feita em Amsterdan, por ordem da Companhia Holandesa das Índies Orientais, para circular entre as igrejas evangélicas portuguesas que esta companhia estabelecera nas suas feitorias asiáticas. Eis o título: "Novo Testamento, isto é, todos os sacrossantos livros e escritos evangélicos e apostólicos do Novo Concerto de nosso fiel Senhor, Salvador e Redentor Jesus Cristo, agora traduzidos em português pelo Padre João Ferreira de Almeida, pregador do Santo Evangelho. Com todas as licenças necessárias, em Amsterdan, pela viúva J.V. Someren. Ano 1681."

No reverso do frontispício vem esta declaração: "Este S.S. Novo Testamento é imprimido por mandado e ordem da ilustre Companhia da Índia Oriental das Unidas Províncias, e com o conhecimento da Reverenda Classe da cidade de Amsterdan, revisto pelos ministros pregadores do Santo Evangelho, Bartolomeus Heynen, Johannes de Vaught." O trabalho tipográfico continha muitos erros e o próprio autor revoltou-se contra a incapacidade dos revisores.

Dois anos depois do falecimento de João Ferreira de Almeida, em 1693, saiu uma segunda edição do N.T., revista pelos missionários da Companhia Holandesa e às suas próprias expensas. Eis aqui a cópia do seu título: "O Novo Testamento, isto é, todos os livros do Novo Concerto; do nosso fiel Senhor e Redentor Jesus Cristo – traduzido na língua portuguesa pelo Reverendo Padre João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Santo Evangelho nesta cidade de Batávia, em Java Maior. Em Batávia. Por João de Vries, impressor da Ilustre Companhia, e desta nobre cidade. Ano 1693".

No verso do frontispício lê-se o seguinte: "Esta segunda impressão do S.S. Novo Testamento, emendada e, na margem, aumentada com os concordantes passos da Escritura Sagrada, à luz saiu por mandado e ordem do supremo governo ilustre da Companhia das Unidas Províncias na Índia Oriental e foi revista com aprovação da reverenda Congregação Eclesiástica da cidade de Batávia, pelos ministros pregadores do Santo Evangelho, na Igreja da mesma cidade. Theodorus Zas, Jacobus op den Akker".

Estes revisores, sendo estrangeiros e incompetentes para rever a língua portuguesa, conseqüentemente fizeram consideráveis alterações, até mesmo desfigurando e corrompendo a beleza do original.

O saltério de Almeida foi publicado no livro da Oração Comum para o uso das congregações da Igreja Anglicana nas índias Orientais, em 1695. Nessa época, o rei da Dinamarca, Frederico IV, interessou-se em desenvolver no Oriente o conhecimento das Escrituras Sagradas e, pelo seu patrocínio, foi estabelecido o trabalho em Tranquebar, aonde foram muitos missionários célebres. Para este trabalho foi publicada, em Amsterdan, uma 3

a edição do Novo Testamento de Almeida, às expensas da Sociedade de Propaganda do Conhecimento Cristão,

em 1712. Os revisores são desconhecidos. Nesta edição desapareceram os sumários de capítulos.

Page 42: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .42

Essa sociedade de Londres, reconhecendo a inconveniência e a despesa de fazer imprimir a Palavra de Deus na Europa para uso de propaganda na Ásia, resolveu estabelecer uma oficina tipográfica em Tranquebar, encarregando-se os missionários dinamarqueses da direção da mesma. Deus estava certamente cuidando da impressão da Bíblia portuguesa, porque no transporte do material houve uma evidência de sua intervenção. O material da tipografia foi embarcado em um navio da Companhia Holandesa, para ser transportado ao seu destino. À saída do Rio de Janeiro, onde arribara, foi este navio apossado pela esquadra francesa, que se apoderou de todo o carregamento, voltando o navio ao poder da companhia armadora a troco de avultado resgate. Por circunstâncias absolutamente inexplicáveis e que muitos tiveram por miraculosas, os volumes que continham o material tipográfico foram encontrados intactos no fundo do porão, e no mesmo navio continuaram a viagem para Tranquebar. Com a chegada do material, alguns dos missionários se ocuparam na tradução da Bíblia e publicaram periodicamente diversas partes das Escrituras.

Pela intervenção amigável de Theodoro van Cloon, um oficial holandês da Batávia, receberam eles os originais (Gên.–Ez.48:21) de Almeida em 1731. Quando o Sr. Cloon foi nomeado governador de Negapatão, interessou-se na obra da tradução pelos missionários holandeses e prometeu mandar-lhes a versão de Almeida tão logo que chegasse à Batávia para ocupar o seu novo cargo, o que efetivamente fez no ano seguinte. Com os manuscritos, ele mandou a quantia de oitocentos escudos para ajudar nas despesas da impressão.

Ao ouvir que existiam os manuscritos de Almeida, os missionários apressaram-se em traduzir os profetas menores para que pudessem publicar a Bíblia completa: porém, ao receber os originais, repararam que a revisão do mesmo seria muito demorada, razão por que publicaram os Profetas Menores só em 1732.

Saiu esta obra, em Tranquebar, com este título: "Os Doze Profetas Menores, convém saber: Oséias, Joel, Amós, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Com toda diligência traduzidos na língua portuguesa pelos padres missionários da Tranquebar, na oficina da Real Missão Dinamarquesa. Ano de 1732."

Foram publicados os demais livros do Velho Testamento na seguinte ordem: os livros históricos Josué e Ester em 1738, revistos de acordo com o texto original pelos missionários holandeses de Tranquebar. Em 1740, saíram os Salmos, revistos e conferidos com os livros históricos de 1738. Quatro anos depois, foram publicados os livros dogmáticos – Jó a Cantares de Salomão. Em 1751, saíram os quatro profetas maiores – Isaías a Daniel. Os três primeiros, por Almeida, e o quarto, por Cristóvão Theodósio Walter. Com a publicação dos profetas maiores deu-se por terminada a primeira impressão do Velho Testamento na língua portuguesa. Porém o Pentateuco de João Ferreira de Almeida ficara por imprimir, o que se fez em 1757.

A primeira edição completa do Velho Testamento, segundo a versão de João Ferreira de Almeida, saiu na cidade de Batávia, no período de 1743-53, em dois volumes. Os livros de Gênesis a Ester compunham o primeiro volume, que foi publicado em 1748. Em 1753, saiu o segundo, com os livros de Jó a Malaquias. Estes dois volumes têm todas as páginas numeradas e, depois da do título, vem uma folha, dizendo: "Esta primeira impressão do V.T. sai à luz às custas da Ilustre Companhia Holandesa da Índia Oriental, por mandado do Ilmo. Sr. Gustavo Guilherme, Barão d'Imhoff, Governador-Geral, e dos Nobilíssimos Srs. Conselheiros da Índia..."

Deste trabalho escreve o Dr. Teófilo Braga: "É esta tradução o maior e mais importante documento para se estudar o estado da língua portuguesa no século XVII: o Padre João Ferreira de Almeida, pregador do evangelho em Batávia, pela sua longa residência no estrangeiro, escapou incólume à retórica dos seiscentistas; a sua origem popular e a sua comunicação com o povo levaram-no a empregar formas vulgares, que nenhum escritor cultista do seu tempo ousaria escrever. Muitas vezes o esquecimento das palavras usuais portuguesas leva-o a recordar-se de termos equivalentes, e é esta uma das causas da riqueza do seu vocabulário. Além disto, a tradução completa da Bíblia presta-se a um severo estudo comparativo com às traduções do século XVI e com a tradução do Padre Figueiredo do século XVIII. É um magnífico monumento literário"

Para o fim do século XVIII e princípio do XIX, a coroa britânica incorporou Tranquebar aos seus domínios, e o idioma português foi gradualmente abandonado como a língua comercial, e conseqüentemente banido do uso das igrejas reformadas. Porém, a divina providência estava preparando outro meio para a evangelização das terras do velho Portugal, que, até então mergulhado nas densas trevas da superstição romana, experimentou uma renascença.

Isto veio por uma série de acontecimentos. Pela opressão política, umas pessoas refugiaram-se em Plymouth e em outras cidades da Inglaterra. O território nacional foi ocupado por tropas inglesas e o exército lusitano organizado segundo o gênio disciplinador inglês; as relações comerciais e políticas foram estreitadas com a Grã-Bretanha, e propagou-se rapidamente por todo o reino o sentimento de tolerância religiosa. Isso, com as facilidades de comunicação com as ilhas e colônias portuguesas, induziu a Sociedade Bíblica Britânica a publicar uma edição do Novo Testamento em português da versão de João Ferreira de Almeida em 1809. Desde então, esta sociedade tem publicado muitas edições, e, sob a mão de Deus, tem sido usada maravilhosamente para a disseminação da Bíblia em português.

Page 43: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .43

Em 1819, a Bíblia completa de João Ferreira de Almeida foi publicada em um só volume pela primeira vez, com este título: "A Bíblia Sagrada, contendo o Novo e o Velho Testamento, traduzido em português pelo Padre João Ferreira de Almeida, ministro pregador do Santo Evangelho em Baviera – Londres, nas oficinas de R. e A. Taylor, 1819 – 8º gr. De IV – 884 pp., a que se segue, com rosto e numeração o Novo Testamento, contendo IV – 279 páginas." Sob os auspícios da Sociedade Britânica, a Bíblia de Almeida foi revista e conferida com os textos originais, em 1894, para melhorar a ortografia e corrigir os erros óbvios.

A Bíblia por João Ferreira de Almeida que existe atualmente não é realmente dele por causa das diversas correções e versões por que tem passado; entretanto, o texto original era dele e as modificações foram feitas devido às exigências da língua e à luz dos textos originais, e, sendo o primeiro a dar ao protestantismo português as sagradas letras, é digno de ser reconhecido como o autor da Bíblia que tem o seu nome.

A Versão de Figueiredo

Durante o tempo do Papa Benedito XIV, por um decreto da Congregação Do Index, de 13 de Julho de 1757, a Bíblia foi reconhecida como útil para robustecer a fé dos crentes pelas cerebrinas anotações. Esta nova atitude da Igreja Católica Romana deu um impulso à tradução da Bíblia, tomando-se a Vulgata como base. Entre os redatores mais fervorosos está Antônio Ferreira de Figueiredo, nascido em Tomar, perto de Lisboa, em 1725, que se tornou um padre secular, e morreu num convento em Lisboa, em 1797, onde tinha estado por doze anos.

Afamado como latinista, historiador e, sobretudo, como teólogo com idéias liberais, ele estava habilitado para a tarefa da tradução. A sua versão da Bíblia foi feita da Vulgata, com referências aos textos gregos originais. Por dezoito anos ele se ocupou com esta obra, a qual foi submetida a duas revisões cuidadosas antes de ser publicada. A primeira edição saiu em 1778 pelo Novo Testamento, em seis volumes, de cerca de 400 páginas, com este título: "O Novo Testamento de Jesus Cristo, traduzido em Português segundo a Vulgata, com várias anotações, dogmáticas e morais, e apontadas as diferenças mais notáveis do original grego. Por Antônio Pereira de Figueiredo, deputado ordinário da Real Mesa Censória."

Em 1782, foi publicada a tradução do Saltério, com uma nota assinada pelo tradutor, que se acha no fim do segundo volume, dando a data em que ele começou a obra, nestas palavras: "Comecei a tradução do Saltério a 22 de Outubro de 1779 e acabei-a a 12 de Janeiro de 1780. Seja Deus Bendito para sempre."

O Velho Testamento de Figueiredo foi publicado em dezessete tomos seguidamente desde 1783 a 1790, com o seguinte título: "Testamento Velho, traduzido em português, segundo a Vulgata latina, ilustrado de prefações, notas e lições variantes. Por Antônio Pereira de Figueiredo, deputado ordinário da Real Mesa Censória. Contém, este Velho Testamento, além dos livros canônicos, geralmente recebidos, todos os livros apócrifos, de que foi esta a primeira impressão regular em língua portuguesa. Cada livro é precedido de uma prefação, em que o talento e a erudição do autor se manifestam a cada passo."

A edição de sete volumes, completada em 1819, é considerada o padrão das versões de Figueiredo e inclui uma prefação importante. O primeiro volume traz o retrato de D. João, príncipe do Brasil, que se tornou D. João VI, rei de Portugal, em 1799. Eis o seu título:

"A Bíblia Sagrada, traduzida em português segundo a Vulgata latina. Ilustrada com prefações, notas, lições variantes. Dedicada ao príncipe Nosso Senhor, por Antônio Pereira de Figueiredo, deputado da Real Mesa da Comissão Geral sobre o exame e censura dos livros. Edição nova, pelo texto latino que se ajuntou e pelos muitos lugares que vão retocados na tradução e notas"

A Bíblia de Figueiredo em um só volume foi publicada pela primeira vez em 1821, com o seguinte título: "A Santa Bíblia, contendo o Velho e o Novo Testamento. Traduzidos em português pelo Padre Antônio Pereira de Figueiredo – Londres: impresso na oficina de Bensley, em Bolt-Coult, Fleet-Street, 1821."

Há duas coisas notáveis na edição de 1828, que foi preparada por Bagster, o grande editor inglês de Bíblias, a saber: ela não contém os livros Apócrifos e foi aprovada em 1842 pela rainha D. Maria II, com a consulta do patriarca arcebispo eleito de Lisboa.

Em 1840, uma cópia desta Bíblia foi oferecida ao governador de Terceira, uma ilha dos Açores, pelo vice-cônsul britânico, em nome da Sociedade Bíblica Britânica, junto com um pedido para uma licença de distribuir cópias similares a esta éntre os pobres. Este pedido foi transmitido ao governo central em Lisboa, conseqüentemente uma ordem real foi obtida para os oficiais da alfândega do porto de Angra do Heroísmo, para deixar entrar, livre de impostos, a remessa das Bíblias, e que, antes de distribuí-las, um exemplar fosse enviado a Lisboa para um exame oficial. Conforme esta ordem, uma cópia da Bíblia foi remetida a Lisboa em 1842, a qual foi submetida ao patriarca arcebispo eleito de Lisboa, Francisco de S. Luiz (mais tarde Cardeal Saraiva), que deu um parecer favorável sobre o livro, como o resultado que em Outubro do mesmo ano uma ordem real foi enviada à Terceira, exprimindo a aprovação do livro pela rainha de Portugal, baseada sobre a sanção do patriarca e licenciado a distribuição gratuita, que se tornou efetiva antes do fim do mesmo ano com o auxílio dos oficiais e

Page 44: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .44

para a satisfação geral da população. A distribuição foi feita aos professores de instrução primária e secundária, uma para cada professor e duas para dois dos seus educandos dos mais pobres. Um apelo foi feito ao vice-cônsul britânico para que ele empregasse os seus esforços para que fosse entregue mais uma remessa de Bíblias. Devido a esta ordem real, a sociedade Bíblica Britânica tem publicado no frontispício da Bíblia de Figueiredo, desde 1890, estas palavras: "Da edição aprovada em 1842 pela rainha D. Maria II, com a consulta do patriarca arcebispo eleito de Lisboa". Esta frase se encontra nas edições atuais.

A Edição Brasileira

Em 1879, uma edição do N.T. foi publicada pela sociedade de Literatura Religiosa e Moral do Rio de Janeiro, que foi anunciada como "A Primeira Edição Brasileira". É, contudo, uma versão de Almeida revista pelos sehores Dr. José Manoel Garcia, lente do Colégio D. Pedro II, Rev. M.P.B. de Carvalhosa, ministro do evangelho em Campos, e Rev. A L. Blackford, ministro do evangelho no Rio de Janeiro e o primeiro agente da Sociedade Bíblica Americana no Brasil.

As sociedades bíblicas empenhadas na disseminação da Bíblia no Brasil reuniram-se, em 1902, para nomear uma comissão para traduzir os textos hebraico e grego em português. A comissão tradutora foi composta de três estrangeiros, missionários de diversas juntas operando no Brasil, e diversos brasileiros, os quais foram: Dr. W.C. Brown, da Igreja Episcopal; J.R. Smith, da Igreja Presbiteriana Americana (Igreja do Sul); J.M. Kyle, da Igreja Presbiteriana (Igreja do Norte); A.B. Trajano, Eduardo Carlos Pereira e Hipólito de Oliveira Campos. Estes foram auxiliados na sua tarefa por diversos pregadores e leigos das igrejas evangélicas e alguns educadores eminentes do Brasil.

Além do texto grego e de todas as versões portuguesas existentes, a comissão tinha ao seu dispor muitos comentários e obras críticas que contêm os mais novos e mais úteis resultados da investigação e estudo moderno do N.T. que em 1904 eram publicadas e, depois de alguma critica e revisão, o Evangelho Segundo Mateus saiu em 1905. Os Evangelhos e o livro dos Atos dos Apóstolos foram publicados em 1906, e o N.T. completo, em 1910. A Bíblia inteira apareceu em 1917.

A Edição Revista e Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil teve por base a edição de João Ferreira de Almeida (1940). Foi esta que a Comissão Revisora estudou e repassou, com certo reajuste vocabular quanto aos originais e atualização da linguagem. A Comissão composta de hebraístas e helenistas competentes, e de vernaculistas e seu relator, durante alguns anos processou a obra zelosamente, com vistas na realidade que se impunha: falar a linguagem de hoje, português mais nosso do Brasil, já mui diferente do de Portugal, e, por isso mesmo, esperado ao livro por excelência – a Bíblia – de considerável divulgação em nosso país. O secretário da Comissão Revisora foi o Rev. Antônio Campos Gonçalves, que, ao lado de seus nobres colegas, redigiu o texto de toda a Bíblia.

A Tradução Revisada da Imprensa Bíblia Brasileira

Na primeira reunião da Imprensa Bíblica Brasileira, em 2 de Julho de 1940, a primeira decisão tomada foi de iniciar imediatamente a impressão da Bíblia no Brasil. A segunda decisão foi a de iniciar a revisão do texto da tradução de Almeida. Comissões foram nomeadas para iniciar os trabalhos e foi eleito presidente da comissão revisora o Dr. S. L. Watson, diretor do Colégio e Seminário Batista do Rio de Janeiro, em 1917-18 e 1935-36; diretor do Seminário Teológico Batista do Recife, em 1941, diretor da Casa Publicadora Batista, várias vezes, professor e autoridade na língua hebraica. O Pastor Manoel Avelino de Souza, o Dr. W. E. Allen, professor de Grego no Semínário Batista do Sul do Brasil, o Dr. A. R. Crabtree, professor de hebraico, e outros fizeram parte dessas comissões.

Já havia muitos anos, sentia-se a necessidade de uma revisão na tradução de Almeida. As modificações naturais do sentido de certas palavras através de muitos anos, e, especialmente, o progresso nos estudos do texto grego exigiam modificações no texto antigo, que tanto havia servido ao povo do idioma português.

O primeiro resultado do trabalho da comissão apareceu em A Harmonia dos Evangelhos de Watson e Allen, sendo impresso em 1942, com o texto revisado. Um trabalho desta natureza, que implica em tanta responsabilidade, não pode ser feito com pressa. E, assim, os anos passaram com a comissão continuando suas pesquisas, seus estudos, e a revisão prosseguindo com firmeza.

A comissão usou os melhores textos gregos pois têm havido milhares de descobertos e grande progresso no estudo crítico desde os dias de Erasmo. Pois a velha tradução de Almeida, na parte do N.T., foi do Textus Receptus, N.T. grego compilado por Erasmo e publicado em 1516, baseado em manuscritos gregos eivados de modificações, acréscimos e omissões, dependendo da capacidade e do zelo dos copistas daqueles dias.

A tendência de muitos copistas era sempre "melhorar" ou '"revisar" o texto, como muitas "comissões da redação" revisam o texto de estatutos de nossas organizações hoje em dia. O resultado do zelo destes copistas

Page 45: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .45

geralmente foi acrescentar ao texto original uma palavra ou expressão, quando o copista achava por bem harmonizar os textos ou às vezes, e isto raramente, omitir.

Outro princípio básico da revisão da Imprensa Bíblica Brasileira é o de modificar o mínimo possível a tradução antiga. Modificações foram introduzidas somente quando necessárias. A grande comissão de Jesus em Mateus 28:18-20 serve de exemplo. A antiga Almeida diz: "Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo: ensinando-as a guardar..." A revisão diz, com precisão, o que modifica realmente o sentido da expressão, "Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os..."

Como resolver o problema das modificações textuais quando se deve omitir expressão tradicional? A Imprensa Bíblica Brasileira concluiu pelo uso de colchetes para indicar aquelas palavras ou expressões, e a nota ainda na margem, do fato. O ideal será o texto limpo, sem colchetes, como está na Bíblia de Púlpito, publicada em 1968, e, naturalmente, chegará o dia quando isto será possível para todas as edições. Contudo, por enquanto há muitos que não conhecem os problemas envolvidos numa revisão das Escrituras e não entendem o significado de um acréscimo ao texto. Eles recordam a advertência de João em Apocalipse 22:19, mas esquecem a advertência do versículo 18. Não se pode tirar qualquer palavra da Bíblia, mas não se pode acrescentar também. É preciso confiar nos homens de Deus que têm estudado com tanta dedicação e tanto amor as questões do texto, para que a Palavra de Deus fosse impressa na sua pureza.

A Imprensa Bíblica Brasileira tinha pronta sua revisão do N.T. em 1949, a qual apareceu em edição especial naquele ano. Essa edição mereceu a consulta de outros, como subsídio para ajudar no trabalho da "Edição Revista e Atualizada no Brasil" da Sociedade Bíblica do Brasil.

A revisão do V.T. foi muito mais difícil e mais árdua. O texto hebraico era mais difícil, e há três vezes o volume em páginas. No entanto, o trabalho foi terminado em 1960, justamente na ocasião quando a Sociedade Bíblica do Brasil estava lançando a sua revisão. A Imprensa Bíblica Brasileira achou que não ficaria muito bem aparecerem as duas revisões na mesma ocasião, e resolveu então aguardar alguns anos.

Passados vários anos desde o aparecimento daquela edição revista e alualizada, a Imprensa Bíblica Brasileira julgou oportuno lançar a sua revisão, fruto de 20 anos de trabalho dedicado e cuidadoso. Em 1968, foi publicada a revisão da Imprensa Bíblica Brasileira em forma de Bíblia de Púlpito. No princípio de 1972, apareceu a tradução de Almeida em revisão da Imprensa Bíblica Brasileira no formato popular. Esperamos que venha ajudar a todos os crentes a compreenderem melhor a Palavra de Deus, a ser instrumento do Espírito Santo para a edificação dos santos e o crescimento do Reino de Deus na terra.

Page 46: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .46

ANEXOS

Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia2

NOTA: Esta foi a Declaração que deu origem ao Concílio Internacional sobre Inerrância Bíblica (ICBI - International Council on Biblical Inerrancy), um esforço comum inter-denominacional de centenas de eruditos e líderes evangélicos para defender a inerrância bíblica contra os conceitos da Escritura de tendência liberal e neo-ortodoxa.

A Declaração foi produzida Hyatt Regency O'Hare, em Chicago, no verão de 1978, durante uma conferência internacional suprema de líderes evangélicos interessados. Ela foi assinada por aproximadamente 300 eruditos evangélicos famosos, incluindo Boice, Norman L. Geisler, John Gerstner, Carl F. H. Henry, Kenneth Kantzer, Harold Lindsell, John Warwick Montgomery, Roger Nicole, J.I. Packer, Robert Preus, Earl Radmacher, Francis Schaeffer, R.C. Sproul e John Wenham.

A ICBI se despediu em 1988 com sua obra completa. O congresso no final das contas produziu três maiores declarações: esta sobre inerrância bíblica, em 1978; uma sobre hermenêutica bíblica, em 1982, e uma sobre aplicação bíblica, em 1986.

A Declaração a seguir discorre sobre a doutrina da inerrância das Escrituras, esclarecendo-nos sobre o que isso vem a ser e advertindo-nos contra a sua negação. Estamos convencidos de que negá-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e rejeitar aquela submissão às reivindicações da própria palavra de Deus. Diante da enxurrada de desvios doutrinários que tem invadido a Igreja, é dever de cada crente manter-se firmemente apegado à Escritura, tendo como certa a sua suficiência e a sua inerrância.

A Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia

Prefácio

A autoridade das Escrituras é um tema chave para a igreja cristã, tanto desta quanto de qualquer outra época. Aqueles que professam fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador são chamados a demonstrar a realidade de seu discipulado cristão mediante obediência humilde e fiel à Palavra escrita de Deus. Afastar-se das Escrituras, tanto em questões de fé quanto em questões de conduta, é deslealdade para com nosso Mestre. Para que haja uma compreensão plena e uma confissão correta da autoridade das Sagradas Escrituras é essencial um reconhecimento da sua total veracidade e confiabilidade.

A Declaração a seguir afirma sob nova forma essa inerrância das Escrituras, esclarecendo nosso entendimento a respeito dela e advertindo contra sua negação. Estamos convencidos de que negá-la é ignorar o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, e rejeitar aquela submissão às reivindicações da própria palavra de Deus, submissão esta que caracteriza a verdadeira fé cristã. Entendemos que é nosso dever nesta hora fazer esta afirmação diante dos atuais desvios da verdade da inerrância entre nossos irmãos em Cristo e diante do entendimento errôneo que esta doutrina tem tido no mundo em geral.

Esta Declaração consiste de três partes: uma Declaração Resumida, Artigos de Afirmação e Negação, e uma Explanação. Preparou-se a Declaração durante uma consulta de três dias de duração, realizada em Chicago, nos Estados Unidos. Aqueles que subscreveram a Declaração Resumida e os Artigos desejam expressar suas próprias convicções quanto à inerrância das Escrituras e estimular e desafiar uns aos outros e a todos os cristãos a uma compreensão e entendimento cada vez maiores desta doutrina. Reconhecemos as limitações de um documento preparado numa conferência rápida e intensiva e não propomos que esta Declaração receba o valor de um credo. Regozijamo-nos, no entanto, com o aprofundamento de nossas próprias convicções através dos debates que tivemos juntos, e oramos para que esta Declaração que assinamos seja usada para a glória de Deus com vistas a uma nova reforma na Igreja no que tange a sua fé, vida e missão.

Apresentamos esta Declaração não num espírito de contenda, mas de humildade e amor, o que, com a graça de Deus, pretendemos manter em qualquer diálogo que, no futuro, surja daquilo que dissemos. Reconhecemos (...) que muitos que negam a inerrância das Escrituras não apresentam em suas crenças e comportamento as conseqüências dessa negação, e estamos conscientes de que nós, que confessamos essa doutrina, freqüentemente a negamos em nossa vida, por deixarmos de trazer nossos pensamentos e orações, tradições e costumes, em verdadeira sujeição à Palavra divina.

2 IN: http://www.monergismo.com/textos/credos/declaracao_chicago.htm. Retirado do apêndice do livro O ALICERCE DA

AUTORIDADE BÍBLICA, de James Montgomery Boice, p. 183 a 196. Edições Vida Nova. Edição: 1989; Reimpressão: 1997.

Page 47: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .47

Qualquer pessoa que veja razões, à luz das Escrituras, para fazer emendas às afirmações desta Declaração sobre as próprias Escrituras (sob cuja autoridade infalível estamos, enquanto falamos), é convidada a fazê-lo. Não reivindicamos qualquer infalibilidade pessoal para o testemunho que damos, e seremos gratos por qualquer ajuda que nos possibilite fortalecer este testemunho acerca da Palavra de Deus.

A COMISSÃO DE REDAÇÃO

Uma Breve Declaração

Deus, sendo Ele Próprio a Verdade e falando somente a verdade, inspirou as Sagradas Escrituras a fim de, desse modo, revelar-Se à humanidade perdida, através de Jesus Cristo, como Criador e Senhor, Redentor e Juiz. As Escrituras Sagradas são o testemunho de Deus sobre Si mesmo.

As Escrituras Sagradas, sendo apropria Palavra de Deus, escritas por homens preparados e supervisionados por Seu Espírito, possuem autoridade divina infalível em todos os assuntos que abordam: devem ser cridas, como instrução divina, em tudo o que afirmam; obedecidas, como mandamento divino, em tudo o que determinam; aceitas, como penhor divino, em tudo que prometem.

O Espírito Santo, seu divino Autor, ao mesmo tempo no-las confirma através de Seu testemunho interior e abre nossas mentes para compreender seu significado.

Tendo sido na sua totalidade e verbalmente dadas por Deus, as Escrituras não possuem erro ou falha em tudo o que ensinam, quer naquilo que afirmam a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos da história mundial, quer na sua própria origem literária sob a direção de Deus, quer no testemunho que dão sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas.

A autoridade das Escrituras fica inevitavelmente prejudicada, caso essa inerrância divina absoluta seja de alguma forma limitada ou desconsiderada, ou caso dependa de um ponto de vista acerca da verdade que seja contrário ao próprio ponto de vista da Bíblia; e tais desvios provocam sérias perdas tanto para o indivíduo quanto para a Igreja.

Artigos de Afirmação e Negação

Artigo I. Afirmamos que as Sagradas Escrituras devem ser recebidas como a Palavra oficial de Deus. Negamos que a autoridade das Escrituras provenha da Igreja, da tradição ou de qualquer outra fonte humana.

Artigo II. Afirmamos que as Sagradas Escrituras são a suprema norma escrita, pela qual Deus compele a consciência, e que a autoridade da Igreja está subordinada à das Escrituras. Negamos que os credos, concílios ou declarações doutrinárias da Igreja tenham uma autoridade igual ou maior do que a autoridade da Bíblia.

Artigo III. Afirmamos que a Palavra escrita é, em sua totalidade, revelação dada por Deus. Negamos que a Bíblia seja um mero testemunho a respeito da revelação, ou que somente se torne revelação mediante encontro, ou que dependa das reações dos homens para ter validade.

Artigo IV Afirmamos que Deus, que fez a humanidade à Sua imagem, utilizou a linguagem como um meio de revelação. Negamos que a linguagem humana seja limitada pela condição de sermos criaturas, a tal ponto que se apresente imprópria como veículo de revelação divina. Negamos ainda mais que a corrupção, através do pecado, da cultura e linguagem humanas tenha impedido a obra divina de inspiração.

Artigo V Afirmamos que a revelação de Deus dentro das Sagradas Escrituras foi progressiva. Negamos que revelações posteriores, que podem completar revelações mais antigas, tenham alguma vez corrigido ou contrariado tais revelações. Negamos ainda mais que qualquer revelação normativa tenha sido dada desde o término dos escritos do Novo Testamento.

Page 48: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .48

Artigo VI Afirmamos que a totalidade das Escrituras e todas as suas partes, chegando às próprias palavras do original, foram por inspiração divina. Negamos que se possa corretamente falar de inspiração das Escrituras, alcançando-se o todo mas não as partes, ou algumas partes mas não o todo.

Artigo VII Afirmamos que a inspiração foi a obra em que Deus, por Seu Espírito, através de escritores humanos, nos deus Sua palavra. A origem das Escrituras é divina. O modo como se deu a inspiração permanece em grande parte um mistério para nós. Negamos que se possa reduzir a inspiração à capacidade intuitiva do homem, ou a qualquer tipo de níveis superiores de consciência.

Artigo VIII Afirmamos que Deus, em Sua obra de inspiração, empregou as diferentes personalidades e estilos literários dos escritores que Ele escolheu e preparou. Negamos que Deus, ao fazer esses escritores usarem as próprias palavras que Ele escolheu, tenha passado por cima de suas personalidades.

Artigo IX Afirmamos que a inspiração, embora não outorgando onisciência, garantiu uma expressão verdadeira e fidedigna em todas as questões sobre as quais os autores bíblicos foram levados a falar e a escrever. Negamos que a finitude ou a condição caída desses escritores tenha, direta ou indiretamente, introduzido distorção ou falsidade na Palavra de Deus.

Artigo X Afirmamos que, estritamente falando, a inspiração diz respeito somente ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de Deus, pode-se determinar com grande exatidão a partir de manuscritos disponíveis. Afirmamos ainda mais que as cópias e traduções das Escrituras são a Palavra de Deus na medida em que fielmente representam o original. Negamos que qualquer aspecto essencial da fé cristã seja afetado pela falta dos autógrafos. Negamos ainda mais que essa falta torne inválida ou irrelevante a afirmação da inerrância da Bíblia.

Artigo XI Afirmamos que as Escrituras, tendo sido dadas por inspiração divina, são infalíveis, de modo que, longe de nos desorientar, são verdadeiras e confiáveis em todas as questões de que tratam. Negamos que seja possível a Bíblia ser, ao mesmo tempo infalível e errônea em suas afirmações. Infalibilidade e inerrância podem ser distinguidas, mas não separadas.

Artigo XII Afirmamos que, em sua totalidade, as Escrituras são inerrantes, estando isentas de toda falsidade, fraude ou engano. Negamos que a infalibilidade e a inerrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais, religiosos ou redentores, não alcançando informações de natureza histórica e científica. Negamos ainda mais que hipóteses científicas acerca da história da terra possam ser corretamente empregadas para desmentir o ensino das Escrituras a respeito da criação e do dilúvio.

Artigo XIII Afirmamos a propriedade do uso de inerrância como um termo teológico referente à total veracidade das Escrituras. Negamos que seja correto avaliar as Escrituras de acordo com padrões de verdade e erro estranhos ao uso ou propósito da Bíblia. Negamos ainda mais que a inerrância seja contestada por fenômenos bíblicos, tais como uma falta de precisão técnica contemporânea, irregularidades de gramática ou ortografia, descrições da natureza feitas com base em observação, referência a falsidades, uso de hipérbole e números arredondados, disposição tópica do material, diferentes seleções de material em relatos paralelos ou uso de citações livres.

Artigo XIV Afirmamos a unidade e a coerência interna das Escrituras. Negamos que alegados erros e discrepâncias que ainda não tenham sido solucionados invalidem as declarações da Bíblia quanto à verdade.

Page 49: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .49

Artigo XV Afirmamos que a doutrina da inerrância está alicerçada no ensino da Bíblia acerca da inspiração. Negamos que o ensino de Jesus acerca das Escrituras possa ser desconhecido sob o argumento de adaptação ou de qualquer limitação natural decorrente de Sua humanidade.

Artigo XVI Afirmamos que a doutrina da inerrância tem sido parte integrante da fé da Igreja ao longo de sua história. Negamos que a inerrância seja uma doutrina inventada pelo protestantismo escolástico ou que seja uma posição defendida como reação contra a alta crítica negativa.

Artigo XVII Afirmamos que o Espírito Santo dá testemunho acerca das Escrituras, assegurando aos crentes a veracidade da Palavra de Deus escrita. Negamos que esse testemunho do Espírito Santo opere isoladamente das Escrituras ou em oposição a elas.

Artigo XVIII Afirmamos que o texto das Escrituras deve ser interpretado mediante exegese histórico-gramatical, levando em conta suas formas e recursos literários, e que as Escrituras devem interpretar as Escrituras. Negamos a legitimidade de qualquer abordagem do texto ou de busca de fontes por trás do texto que conduzam a um revigoramento, desistorização ou minimização de seu ensino, ou a uma rejeição de suas afirmações quanto à autoria.

Artigo XIX Afirmamos que uma confissão da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para uma correta compreensão da totalidade da fé cristã. Afirmamos ainda mais que tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior à imagem de Cristo. Negamos que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, negamos ainda mais que se possa rejeitar a inerrância sem graves conseqüências, quer para o indivíduo quer para a Igreja.

Explanação

Nossa compreensão da doutrina da inerrância deve dar-se no contexto mais amplo dos ensinos das Escrituras sobre si mesma. Esta explanação apresenta uma descrição do esboço da doutrina, na qual se baseiam nossa breve declaração e os artigos.

Criação, Revelação e Inspiração

O Deus Triúno, que formou todas as coisas por Sues proferimentos criadores e que a tudo governa pela Palavra de Sua vontade, criou a humanidade à Sua própria imagem para uma vida de comunhão consigo mesmo, tendo por modelo a eterna comunhão da comunicação dentro da Divindade. Como portador da imagem de Deus, o homem deve ouvir a Palavra de Deus dirigida a ele e reagir com a alegria de uma obediência em adoração. Além da auto-revelação de Deus na ordem criada e na seqüência de acontecimentos dentro dessa ordem, desde Adão os seres humanos têm recebido mensagens verbais dEle, quer diretamente, conforme declarado nas Escrituras, quer indiretamente na forma de parte ou totalidade das próprias Escrituras.

Quando Adão caiu, o Criador não abandonou a humanidade ao juízo final, mas prometeu salvação e começou a revelar-Se como Redentor numa seqüência de acontecimentos históricos centralizados na família de Abraão e que culminam com a vida, morte, ressurreição, atual ministério celestial e a prometida volta de Jesus Cristo. Dentro desse arcabouço, de tempos em tempos Deus tem proferido palavras específicas de juízo e misericórdia, promessa e mandamento, a seres humanos pecaminosos, de modo a conduzi-los a um relacionamento, uma aliança, de compromisso mútuo entre as duas partes, mediante o qual Ele os abençoa com dons da graça, e eles O bendizem numa reação de adoração. Moisés, que Deus usou como mediador para transmitir Suas palavras a Seu povo à época do êxodo, está no início de uma longa linhagem de profetas em cujas bocas e escritos Deus colocou Suas palavras para serem entregues a Israel. O propósito de Deus nesta sucessão de mensagens era manter Sua aliança ao fazer com que Seu povo conhecesse Seu Nome, isto é, Sua natureza, e tantos preceitos quanto os propósitos de Sua vontade, quer para o presente, que para o futuro. Essa linhagem de porta-vozes proféticos da parte de Deus culminou em Jesus Cristo, a Palavra encarnada de Deus, sendo Ele um profeta (mais do que um profeta, mas não menos do que isso), e nos apóstolos e profetas da primeira geração de cristãos. Quando a mensagem final e culminante de Deus, Sua palavra ao mundo a respeito de Jesus Cristo, foi proferida e esclarecida por aqueles que pertenciam ao círculo apostólico, cessou a seqüência de mensagens

Page 50: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .50

reveladas. Daí por diante, a Igreja devia viver e conhecer a Deus através daquilo que Ele já havia dito, e dito para todas as épocas.

No Sinai, Deus escreveu os termos de Sua aliança em tábuas de pedra, como Seu testemunho duradouro e para ser permanentemente acessível, e ao longo do período de revelação profética e apostólica levantou homens para escreverem as mensagens dadas a eles e através deles, junto com os registros que celebravam Seu envolvimento com Seu povo, além de reflexões éticas sobre a vida em aliança e de formas de louvor e oração em que se pede a misericórdia da aliança. A realidade teológica da inspiração na elaboração de documentos bíblicos corresponde à das profecias faladas: embora as personalidades dos escritores humanos se manifestassem naquilo que escreveram, as palavras foram divinamente dadas. Assim, aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz; a autoridade das Escrituras é a autoridade de Deus, pois Ele é seu derradeiro Autor, tendo entregue as Escrituras através das mentes e palavras dos homens escolhidos e preparados, os quais, livre e fielmente, "falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo" (2 Pe 1.21). Deve-se reconhecer as Escrituras Sagradas como a Palavra de Deus em virtude de sua origem divina.

Autoridade: Cristo e a Bíblia

Jesus Cristo, o Filho de Deus, que é a Palavra (Verbo) feita carne, nosso Profeta, Sacerdote e Rei, é o Mediador último da comunicação de Deus ao homem, como também o é de todos os dons da graça de Deus. A revelação dada por Ele foi mais do que verbal; Ele também revelou o Pai mediante Sua presença e Seus atos. Suas palavras, no entanto, foram de importância crucial, pois Ele era Deus, Ele falou da parte do Pai, e Suas palavras julgarão ao todos os homens no último dia.

Na qualidade de Messias prometido, Jesus Cristo é o tema central das Escrituras. O Antigo Testamento olhava para Ele no futuro; o Novo Testamento olha para trás, ao vê-lo em Sua primeira vinda, e para frente em Sua segunda vinda. As Escrituras canônicas são o testemunho divinamente inspirado e, portanto, normativo, a respeito de Cristo. Deste modo, não é aceitável alguma hermenêutica em que Cristo não seja o ponto central. Deve-se tratar as Escrituras Sagradas como aquilo que são em essência: o testemunho do Pai a respeito do Filho encarnado.

Parece que o cânon do Antigo Testamento já estava estabelecido à época de Jesus. Semelhantemente, o cânon do Novo Testamento está encerrado na medida em que nenhuma nova testemunha apostólica do Cristo histórico pode nascer agora. Nenhuma nova revelação (distinta da compreensão que o Espírito dá acerca da revelação existente) será dada até que Cristo volte. O cânon foi criado no princípio por inspiração divina. A parte da Igreja foi discernir o cânon que Deus havia criado, não elaborar o seu próprio cânon. Os critérios relevantes foram e são: autoria (ou Sua confirmação), conteúdo e o testemunho confirmador do Espírito Santo.

A palavra cânon, que significa regra ou padrão, é um indicador de autoridade, o que significa o direito de governar e controlar. No cristianismo a autoridade pertence a Deus em Sua revelação, o que significa, de um lado, Jesus Cristo, a Palavra viva, e, de outro, as Sagradas Escrituras, a Palavra escrita. Mas a autoridade de Cristo e das Escrituras são uma só. Como nosso Profeta, Cristo deu testemunho de que as Escrituras não podem falhar. Como nosso Sacerdote e Rei, Ele dedicou Sua vida terrena a cumprir a lei e os profetas, até ao ponto de morrer em obediência às palavras da profecia messiânica. Desta forma, assim como Ele via as Escrituras testemunhando dEle e de Sua autoridade, de igual modo, por Sua própria submissão às Escrituras, Ele testemunhou da autoridade delas. Assim como Ele se curvou diante da instrução de Seu Pai dada em Sua Bíblia (nosso Antigo Testamento), de igual maneira Ele requer que Seus discípulos assim o façam, todavia não isoladamente, mas em conjunto com o testemunho apostólico acerca dEle, testemunho que ele passou a inspirar mediante a Sua dádiva do Espírito Santo. Desta maneira, os cristãos revelam-se servos fiéis de seu Senhor, por se curvarem diante da instrução divina dada nos escritos proféticos e apostólicos que, juntos, constituem nossa Bíblia.

Ao confirmarem a autoridade um do outro, Cristo e as Escrituras fundem-se numa única fonte de autoridade. O Cristo biblicamente interpretado e a Bíblia centralizada em Cristo e que O proclama são, desse ponto de vista, uma só coisa. Assim como a partir do fato da inspiração inferimos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz, assim também a partir do relacionamento revelado entre Jesus Cristo e as Escrituras podemos igualmente declarar que aquilo que as Escrituras dizem, Cristo diz.

Infalibilidade, Inerrância, Interpretação

As Escrituras Sagradas, na qualidade de Palavra inspirada de Deus que dá testemunho oficial acerca de Jesus Cristo, podem ser adequadamente chamadas de infalíveis e inerrantes. Estes termos negativos possuem especial valor, pois salvaguardam explicitamente verdades positivas.

Infalível significa a qualidade de não desorientar nem ser desorientado e, dessa forma, salvaguarda em termos categóricos a verdade de que as Santas Escrituras são uma regra e um guia certos, seguros e confiáveis em todas as questões.

Page 51: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .51

Semelhantemente, inerrante significa a qualidade de estar livre de toda falsidade ou engano e, dessa forma, salvaguarda a verdade de que as Santas Escrituras são totalmente verídicas e fidedignas em todas as suas afirmações.

Afirmamos que as Escrituras canônicas sempre devem ser interpretadas com base no fato de que são infalíveis e inerrantes. No entanto, ao determinar o que o escritor ensinado por Deus está afirmando em cada passagem, temos de dedicar a mais cuidadosa atenção às afirmações e ao caráter do texto como sendo uma produção humana. Na inspiração Deus utilizou a cultura e os costumes do ambiente de seus escritores, um ambiente que Deus controla em Sua soberana providência; é interpretação errônea imaginar algo diferente.

Assim, deve-se tratar história como história, poesia como poesia, e hipérbole e metáfora como hipérbole e metáfora, generalização e aproximações como aquilo que são, e assim por diante. Também se deve observar diferenças de práticas literárias entre os períodos bíblicos e o nosso: visto que, por exemplo, naqueles dias, narrativas são cronológicas e citações imprecisas eram habituais e aceitáveis e não violavam quaisquer expectativas, não devemos considerar tais coisas como falhas, quando as encontramos nos autores bíblicos. Quando não se esperava nem se buscava algum tipo específico de precisão absoluta, não constitui erro o fato de ela existir. As Escrituras são inerrantes não no sentido de serem totalmente precisas de acordo com os padrões atuais, mas no sentido de que validam suas afirmações e atingem a medida de verdade que seus autores buscaram alcançar.

A veracidade das Escrituras não é negada pela aparição, no texto, de irregularidades gramaticais ou ortográficas, de descrições fenomenológicas da natureza, de relatos de afirmações falsas (por exemplo, as mentiras de Satanás), ou as aparentes discrepâncias entre uma passagem e outra. Não é certo jogar os chamados fenômenos das Escrituras contra o ensino da Escritura sobre si mesma. Não se devem ignorar aparentes incoerências. A solução delas, onde se possa convincentemente alcançá-las, estimulará nossa fé, e, o-nde no momento não houver uma solução convincente disponível, significativamente daremos honra a Deus, por confiar em Sua garantia de que Sua Palavra é verdadeira, apesar das aparências em contrário, e por manter a confiança de que um dia se verá que elas eram enganos.

Na medida em que toda a Escritura é o produto de uma só mente divina, a interpretação tem de permanecer dentro dos limites da analogia das Escrituras e abster-se de hipóteses que visam corrigir uma passagem bíblica por meio de outra, seja em nome da revelação progressiva ou do entendimento imperfeito por parte do escritor inspirado.

Embora as Sagradas Escrituras em lugar algum estejam limitadas pela cultura, no sentido de que seus ensinos carecem de validade universal, algumas vezes estão culturalmente condicionadas pelos hábitos e pelas idéias aceitas de um período em particular, de modo que a aplicação de seus princípios, hoje em dia, requer um tipo diferente de ação (por exemplo, na questão do corte de cabelo e do penteado das mulheres, cf. 1 Co 11).

Ceticismo e Crítica

Desde a Renascença, e mais especificamente desde o Iluminismo, têm-se desenvolvido filosofias que envolvem o ceticismo diante das crenças cristãs básicas. É o caso do agnosticismo, que nega que Deus seja cognoscível; do racionalismo, que nega que Ele seja incompreensível; do idealismo, que nega que Ele seja transcendente; e do existencialismo, que nega a racionalidade de Seus relacionamentos conosco. Quanto esses princípios não bíblicos e antibíblicos infiltram-se nas teologias do homem a nível das pressuposições, como freqüentemente acontecem hoje em dia, a fiel interpretação das Sagradas Escrituras torna-se impossível.

Transmissão e Tradução

Uma vez que em nenhum lugar Deus prometeu uma transmissão inerrante da Escritura, é necessário afirmar que somente o texto autográfico dos documentos originais foi inspirado e manter a necessidade da crítica textual como meio de detectar quaisquer desvios que possam ter se infiltrado no texto durante o processo de sua transmissão. O veredicto dessa ciência é, entretanto, que os textos hebraico e grego parecem estar surpreendentemente bem preservados, de modo que tempos amplo apoio para afirmar, junto com a Confissão de Westminster, uma providência especial de Deus nessa questão e em declarar que de modo algum a autoridade das Escrituras corre perigo devido ao fato de que as cópias que possuímos não estão totalmente livres de erros.

Semelhantemente, tradução alguma é perfeita, nem pode sê-lo, e todas as traduções são um passo adicional de distanciamento dos autographa. Porém, o veredicto da lingüística é que pelo menos os cristãos de língua inglesa estão muitíssimo bem servidos na atualidade com uma infinidade de traduções excelentes e não têm motivo para hesitar em concluir que a Palavra verdadeira de Deus está ao seu alcance. Aliás, em vista da freqüente repetição, nas Escrituras, dos principais assuntos de que elas tratam e também em vista do constante testemunho do Espírito Santo a respeito da Palavra e através dela, nenhuma tradução séria das Santas Escrituras chegará a de tal forma destruir seu sentido, a ponto de tornar inviável que elas façam o seu leitor "sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2 Tm 3.15).

Page 52: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .52

Inerrância e Autoridade

Ao confiarmos que a autoridade das Escrituras envolve a verdade total da Bíblia, estamos conscientemente nos posicionando ao lado de Cristo e de Seus apóstolos, aliás, ao lado da Bíblia inteira e da principal vertente da história da igreja, desde os primeiros dias até bem recentemente. Estamos preocupados com a maneira casual, inadvertida e aparentemente impensada como uma crença de importância e alcance tão vastos foi por tantas pessoas abandonada em nossos dias.

Também estamos cônscios de que uma grande e grave confusão é resultado de parar de afirmar a total veracidade da Bíblia, cuja autoridade as pessoas professam conhecer. O resultado de dar esse passo é que a Bíblia que Deus entregou perde sua autoridade e, no lugar disso, o que tem autoridade é uma Bíblia com o conteúdo reduzido de acordo com as exigências do raciocínio crítico das pessoas, sendo que, a partir do momento em que a pessoa deu início a essa redução, esse conteúdo pode em princípio ser reduzido mais e mais. Isto significa que, no fundo, a razão independente possui atualmente a autoridade, em oposição ao ensino das Escrituras. Se isso não é visto e se, por enquanto, ainda são sustentadas as doutrinas evangélicas fundamentais, as pessoas que negam a total veracidade das Escrituras podem reivindicar uma identidade com os evangélicos, ao mesmo tempo em que, metodologicamente, se afastaram da posição evangélica acerca do conhecimento para um subjetivismo instável, e não acharão difícil ir ainda mais longe.

Afirmamos que aquilo que as Escrituras dizem, Deus diz. Que Ele seja glorificado. Amém e amém.

Page 53: BIBLIOLOGIA - Apostila Módulo

“Habilitando os santos para o desempenho do seu ministério”

B I B L I O L O G I A – p .53

CÂNTICO EM GREGO

(transliteração)

Ô kaireté em Kirios 2 vezes

Pantoté, pantakos, pantós

Kaireté, pantoté, 2 vezes

Kaireté em Kirios

CÂNTICO EM HEBRAICO

(transliteração)

Aleluia! La olam

Aleluia! Rachid colam

Bemilá arrat bodedá

Hia alev malé biamon toda

Hio olé anhru em cê olam niflá

Aleluia! In nachim

Aleluia! Raion shemerim

Aleluia! Haiá shimalom

Raiá shimalom niflá

Aleluia!