001ctextos de história da antiga

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    A Baixa Mesopotmia: da sua ocupao at a Babilnia Cassita*

    Texto organizado por Lus Manuel Domingues

    O meio fsico da Mesopotmia

    Os rios que formam a plancie aluvional mesopotmica - o Eufrates e o Tigre - nascem nas

    montanhas da Anatlia. O primeiro depende do desgelo das neves durante a primavera e de dois afluentes

    da sua margem esquerda (Balikh e Khabur); o segundo, das chuvas da regio dos montes Zagros e de

    numerosos rios tributrios (os dois Zab, o Diyala e o Karum). Nos perodos de cheias, os dois rios inundam

    suas margens e as fertilizam. A cheia do Tigre atinge o mximo em abril, a do Eufrates, em maio, atingindo

    ambos o nvel mais baixo nos meses de setembro e outubro. O Tigre, mais impetuoso e de curso muito

    irregular em relao plancie, menos favorvel a irrigao do que o Eufrates, que corre acima do nvel do

    seu vale. Apesar das enchentes dos rios mesopotmicos renovarem anualmente a fertilidade do solo com

    aluvies, elas ocorrem justamente no momento em se aproxima colheita, sendo necessrio, portanto,

    proteger os cereais e plantas cultivadas das guas fluviais que transbordam com mpeto.

    Em termos geolgicos, a Mesopotmia uma depresso formada pela juno, no Plioceno, da placa

    tectnica da Arbia com a da sia Ocidental, que foi posteriormente recheada de sedimentos aluviais

    depositados pelos dois grandes rios.

    Acreditou-se, durante muito tempo, que os rios Tigre e Eufrates desembocavam separadamente no

    golfo Prsico, sem se juntarem, como hoje, no Shatt al-Arab. Esta compreenso adivinha das informaes

    dos documentos sumrios mencionarem cidades como Ur e Eridu, hoje distantes do golfo, como detentoras

    de portos martimos. A nova pesquisa tem levado os especialistas a afirmarem que a regio de lagos

    semipermanentes e pntanos, ao sul das cidades sumrias, era vista, pelos antigos habitantes, como parte

    integrante da paisagem ocenica, haja vista que os navios martimos podiam atravessar os pntanos e

    penetrar facilmente no Eufrates at chegar quelas cidades e seus portos.Tomando como limite o ponto do seu curso mdio onde o Eufrates e o Tigre mais se aproximam um

    do outro, possvel considerar duas sub-regies: a Alta Mesopotmia, a noroeste, e a Baixa Mesopotmia,

    a sudeste. A primeira mais elevada, menos propcia irrigao e, em parte, adequada agricultura de

    chuva (no planalto assrio, no lado leste) ou criao (Assria, mais a oeste), contendo, ainda, ricos recurso

    florestais. A Baixa Mesopotmia pouco servida pelas chuvas, baixa, muito plana e potencialmente

    fertilssima - dependendo de um sistema de irrigao artificial para conter as destruies das cheias e da

    drenagem que evite a salinizao -, mas de todo carente de madeira, pedra e minrios. A terra frtil forma

    um conjunto de bacias entremeadas e propcias para o gado, sendo que os vales fluviais so cercados,

    para oeste e para leste, por outras faixas estpicas freqentadas por pastores. As zonas pantanosas

    prximas ao golfo continham pastos extensos e serviam pesca e coleta vegetal. A argila de alta

    qualidade e abundante foi tambm explorada na Antigidade. A navegao fluvial era realizada atravs dos

    rios e dos canais maiores e foi o principal meio de comunicao. O transporte terrestre, at a difuso do

    dromedrio, dependia de caravanas de muares ou carros e trens puxados por bovinos e asinos.

    Quando de suas cheias anuais, o Eufrates e o Tigre depositam no leito normal os sedimentos mais

    pesados, formando diques naturais ou leves. Era nestes diques naturais que se concentrava o habitat

    humano na Baixa Mesopotmia, nos quais desenvolviam preferencialmente a agricultura irrigada em virtude

    de apresentarem menos problemas quanto drenagem. Quanto aos problemas relacionados com asatividades agrcolas estava o da salinizao causada por drenagem insuficiente e o avano do deserto

    sobre as terras cultivadas - condio que deve ter motivado as disputas por terras cultivveis.

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    A ocupao, colonizao e revoluo urbana na Baixa Mesopotmia

    Durante o terceiro milnio, do ponto de vista lingistico, a Baixa Mesopotmia podia ser dividida em

    duas partes: ao sul, a Sumria, ou pas de Sumer, onde predominava o sumrio, lngua aglutinante sem

    vnculos conhecidos e que deixaria de ser falada no incio do segundo milnio; ao norte, o pas de Akkad,

    onde se concentrava a maioria da populao que falava o acdio, uma lngua de flexo do grupo semita e

    que predominou, juntamente com o babilnico dele derivado e o aramaico, na regio baixo-mesopotmica apartir do segundo milnio.

    Nos textos, escritos em sumrio e acadiano, ainda no terceiro milnio, constatou-se a presena de

    palavras no-sumrias e de vocbulos estranho estrutura das duas lnguas faladas na regio baixo-

    mesopotmica, levando a supor a idia de uma tradio tardia sumria na qual tanto o sumrio como

    acadiano teriam substitudo uma lngua falada num passado pr-histrico. Foi esta idia que aventou a

    possibilidade da chegado dos sumrios pelo golfo Prsico, por volta de 3100 a.C., mas as pesquisas

    arqueolgicas os vincularam ao sudoeste do Ir (o Elam, ou Susiana). Recentemente, foi formulada a

    opinio, luz da lingstica e levando em conta as noes tnicas bem posteriores provenientes da

    Babilnia, que os habitantes encontrados pelos antepassados dos sumrios fossem a gente de Subaru (Alta

    Mesopotmia), que arqueologicamente j estavam presentes na Baixa Mesopotmia desde mais ou menos

    3500 a.C.; o que implica ter havido na regio um povoamento mais remoto de populaes oriundas das

    reas plenamente neolticas.

    Enquanto na Anatlia, Siro-Palestina e Alta Mesopotmia a ocupao permanente por aldeias

    neolticas plenamente sedentrias, comunidades que baseavam sua subsistncia numa agropecuria

    estvel e no mais na caa, na pesca e na coleta de plantas selvagens, ocorreu no perodo de 9000 a 7000

    a.C., a ocupao por cultivadores da Baixa Mesopotmia - potencialmente frtil, mas pouco adequada

    agricultura de chuva - s tem incio, de forma espordica, entre 6000 a 4500 a.C., por cultivadores oriundosdos macios do Curdisto e dos Zagros, formando as culturas de Hasssunah, Samarra e Halaf. S a partir

    do 5 milnio, a plancie aluvial do Tigre e do Eufraste ser ocupada permanentemente por grupos de

    cultivadores oriundos do leste, introduzindo mudanas importantes na atividade agropastoril e preparando o

    longo caminho que conduziu ao modo de vida urbano e, consequentemente, ao surgimento das civilizaes.

    A mudana importante dessa fase foi o desenvolvimento de tcnicas eficazes de irrigao, permitindo a

    expanso do povoamento.

    No 5 milnio, com o surgimento de comunidades nas encostas prximas aos rios que atravessavam

    as plancies da Baixa Mesopotmia, simples valas eram construdas para desviar os cursos de gua que

    corriam para os campos prximos. Esta irrigao em pequena escala era usada de incio como preveno

    contra a seca em reas j alimentadas pela chuva. Entretanto, no decorrer do 5 e 4 milnio, os sistemas

    de irrigao conhecidos e desenvolvidos permitiram a colonizao de regies ridas, antes fora do alcance

    das comunidades agrcolas. Como conseqncia desta empreitada, inmeras pequenas aldeias surgiram s

    margens da plancie fluvial da Baixa Mesopotmia, rea de enorme potencial agrcola, mas deficiente em

    madeira, pedra dura e minrios para a produo de utenslios e armas.

    Por volta de 3100-2900 a.C., quase dois mil anos aps o incio da ocupao efetiva e construo dos

    pequenos sistemas de irrigao, a Baixa Mesopotmia estava j urbanizada, apresentando quatorze

    cidades mais importantes que subordinavam outras menores e numerosas aldeias. Trata-se da mais antiga

    regio do mundo a urbaniza-se. Portanto, constitui-se na nica regio que efetuo por si s o processo de

    urbanizao sem dispor de modelos externos a que se pudesse referir. Ao longo de milnios, a regio

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    precisou buscar solues para os problemas novos que fossem surgindo, enquanto o modo de vida urbano

    vai se delineando e se consolidando.

    Entre o ano 5000 e 2900 a.C. a Baixa Mesopotmia transitou de uma fase basicamente neoltica para

    uma poca caracterizada pelo que se convencionou chamar de revoluo urbana. Entre 5000 e 3500 a.C., a

    regio conheceu a fase de Ubaid, em que o modo de vida era neoltico, com o aparecimento de cermica

    pintada, o surgimento dos primeiros objetos fabricados de cobre - a partir de 4500 a.C.-, e a construo dosprimeiros santurios como o de Eridu. A fase seguinte, a de Uruk, de 3500 a 3100 a.C., caracteriza-se pelo

    incio da urbanizao, inveno da escrita e dos processos de numerao e pelo aparecimento de uma

    clerezia dedicada ao servio de deus com residncia nos lugares santos e exercendo um domnio sobre as

    comunidades rurais. A transio da civilizao urbana completada no perodo de 3100 a 2900 a.C.,

    durante a fase de Jemdet-Nasr, marcada pelo desenvolvimento da organizao social e de instituies

    poltico-administrativas nas cidades, que reconhecem como soberano uma grande divindade que personifica

    uma das foras da natureza (Enlil, o vento; Anu, o cu; Enki, a gua; Ianna, a fertilidade). Ao mesmo tempo,

    esta fase conhece uma grande concentrao de residncias dos cultivadores nas plancies e o

    aparecimento de um grande contingente de artesos especializados e trabalhando em tempo integral nas

    cidades. a fase com a qual comeou a poca Inicial do Bronze.

    As razes da revoluo urbana na Baixa Mesopotmia

    Desde o perodo basicamente neoltico at os incios da urbanizao e das cidades nascentes da

    Baixa Mesopotmia, as populaes locais tiveram que enfrentar dificuldades considerveis e buscar

    solues aos problemas em princpio intransponveis. Contudo, foi no enfrentamento das dificuldades e na

    busca de solues que a regio transitou para civilizaes urbanizadas com instituies poltico-

    institucionais e administrativas.

    O povoamento da Baixa Mesopotmia dependia dos rios que cortam as plancies fluviais. Aagricultura de chuva, tpica das regies do Levante e da Anatlia, no praticvel na regio. Por outro lado,

    os rios se acham em vazante na parte do ano em que preciso semear. As enchentes possuem um efeito,

    por um lado, fertilizador, mas, por outro lado, d-se em pocas em que os cereais cultivados j esto

    crescidos e, em sua violncia, ameaa lev-los de roldo juntamente com rebanhos e casas. Tinha-se,

    portanto, que dispor de reserva de gua para os meses mais secos do ano, e de obras hidrulicas de

    proteo contra os efeitos das enchentes fluviais. Estas necessidades obrigaram a construo de um

    sistema complexo de barragens, diques, canais de irrigao e drenagem, cuja manuteno e extenso

    exigiram um enorme e constante esforo.

    Por outro lado, a Mesopotmia tinha sua volta estepes habitadas por nmades criadores a oeste e

    a leste nas montanhas. A plancie frtil do Eufraste e do Tigre tinha que ser disputada com armas nas mos

    aos pastores nmades que nelas tentavam se estabelecer ou, simplesmente, pilhar os assentamentos

    sedentrios. Alm do mais, em virtude da salinizao causada por drenagem insuficiente e ao avano do

    deserto sobre as terras cultivadas, estes ltimos competiam entre si pelos recursos naturais: gua, campos,

    bosques.

    Sendo a regio da Baixa Mesopotmia carente em madeira, pedra dura e metais era preciso suprir os

    povoamentos em expanso de materiais bsicos que s podiam ser encontrados em reas elevadas e

    distantes. As recentes escavaes arqueolgicas comprovam que, desde a fase basicamente neoltica, as

    comunidades locais efetuavam trocas regulares, s vezes a distncias muito considerveis.

    A questo pertinente para a histria poltico- institucional e administrativa e de formao das

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    cidades com espaos urbanos institucionais : quem tinha a responsabilidade de procurar solues para os

    problemas apresentados acima?

    Ante as presses descritas, os vilarejos da Baixa Mesopotmia comearam a organizar rgos

    colegiados e a caminhar para instituies poltico-institucionais com a responsabilidade de buscar solues.

    Segundo Ciro Flamarion Cardoso, trs instituies, sucessivas e recentes, encarregaram-se de enfrentar as

    dificuldades que apareceram ao longo do processo de urbanizao e, depois, no perodo inicial da vida jtotalmente urbana: rgos colegiados com origem nas organizaes tribais, que sobrevivem ao processo de

    destribalizao; os templos, compreendidos como complexos econmicos e administrativos, alm das

    funes religiosas; e o palcio real, tambm, um complexo com mltiplas funes.

    Ao iniciar os tempos histricos, o sul da Mesopotmia estava dividido, ento, em uma dzia de

    cidades-Estados bem consolidadas e ciosas de sua independncia. J existiam em cada cidade baixo-

    mesopotmica privilgios fiscais, legais e de jurisdio reconhecidos aos homens livres proprietrios,

    integrantes do corpo de cidados dotados de direitos bem estabelecidos. Estes traos so compreensveis

    ao se admitir a origem tribal - e, portanto local e dispersa - dos primeiros rgos colegiados de poder que

    existiram nas cidades nascentes, anteriores ao surgimento das instituies centralizadoras e

    subordinadoras dos complexos templrios e palaciais.

    Desde o comeo do processo de urbanizao, os rgos encarregados de tomar as decises mais

    importantes eram dois: o conselho de ancios (notveis locais) e a assemblia dos homens livres. S com

    urbanizao plena, por volta de 3100 a 2900 a.C., surgem os templos como complexos poltico-econmicos

    com controle sobre a administrao das cidades-Estados. Mas, s em meados do terceiros milnio, que

    vai aparecer o palcio real como entidade diferente dos templos, deles separada no espao, e epicentro

    poltico-administrativo no sul da Mesopotmia.

    Cada cidade-Estado do sul da Baixa Mesopotmia compreendia trs setores urbanos: a cidadepropriamente dita, cercada de muralhas; uma rea perifrica (chamada de cidade externa em sumrio),

    ocupada por residncias, estbulos, campos, hortas e pomares, na qual residiam os habitantes da cidade; e

    o porto (fluvial na maior parte dos casos), centro da atividade comercial de longa distncia e lugar de

    residncia dos mercadores estrangeiros (no admitidos intramuros). A sede urbana controlava um territrio

    composto de aldeias, campos, bosques, pastos, e, no muitos raros, outras cidades subordinadas. Cada

    cidade-Estado tinha uma divindade principal que a possua.

    O perodo de domnio das cidades-Estados templrias na Baixa Mesopotmia

    Uma histria da evoluo poltico-administrativa da Baixa Mesopotmia do momento em que aparece

    plenamente urbanizada, perodo de Jemdet Nasr (3100 a 2900 a.C.), at 2500 a.C. apresenta dificuldades

    acerca de conhecimento, no mnimo razovel, sobre as realidades polticas locais. Os textos so raros e os

    que se tem em mo so parcialmente legveis e pouco informativos a esse respeito. A arqueologia a base

    quase nica de conhecimento direto da primeira poca urbana, sendo, contudo difcil extrair dela

    informaes precisas sobre o poder e as instituies. Um dos poucos documentos que nos fornece

    informaes sobre os primeiros tempos da urbanizao a Lista real sumria, redigido em poca bem

    posteriormente. O texto fala que a realeza que desceu do cu, pela primeira vez, antes do dilvio e de que

    cinco cidades dominaram sucessivamente a cena poltica regional antes do dilvio: Eridu, Badtibira,

    Sippar, Larak e Shuruppak. O ltimo rei de Shuruppak nesta longnqua fase o heri mesopotmico do

    dilvio, Ubartutut ou Ziusudra. A arqueologia confirma uma inundao fluvial localizada na localidade onde

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    foi achada a cidade de Shuruppak, mais ou menos em 2900 a.C., podendo esta relacionada ao dilvio da

    tradio mesopotmica.

    As informaes so mais precisas sobre a histria poltica da Baixa Mesopotmia para o perodo

    dinstico primitivo, ou perodo pr-sargnico (2900-2334 a.C.), ocasio em que a realeza desceu do cu

    depois do dilvio. Para este perodo, de norte a sul, quatorze aglomeraes urbanas mais importantes

    podem ser relacionadas: Sippar, Kish, Akshak, Larak, Nippur, Adab, Shuruppak, Umma, Lagash, Badtibira,Uruk, Larsa, Ur e Eridu. Nem todas as cidades-Estados estavam organizadas segundo um mesmo modelo.

    o caso de Nippur, centro religioso de toda a regio, e Sippar, aglomerado de acampamentos comerciais

    de tribos nmades no extremo norte da zona urbanizada. Outras aglomeraes urbanas menores

    dependiam das principais. Outras aglomeraes urbanas de tradio sumria esto situadas fora da Baixa

    Mesopotmia, so os casos de: Mari, situada na margem direita do Mdio Eufrates, Assur na Alta

    Mesopotmia, Tell Khuera na Sria, Tell Asmar no vale do Diyala. Somadas as cidades-Estados mais

    importantes da Baixa Mesopotmia e mais algumas aglomeraes menores, mas de alguma importncia -

    sedes de governadores de provncias - teremos algumas dezenas.

    Segundo Ciro Flamarion Cardos, no livro Sete olhares sobre a Antigidade, a evoluo poltico-

    administrativa da Baixa Mesopotmia apresenta duas tendncias persistentes ao longo do terceiro milnio

    a.C.: 1. um aparente predomnio das instituies templrias e de rgos colegiados que representavam os

    cidados livres foi cedendo lugar a uma realeza cada vez mais laica e poderosa, com o palcio se

    constituindo numa instituio independente que acabou por superar os templos no seu grau de controle

    sobre recursos e pessoas; 2. ocorreu uma alternncia entre fases de independncia poltica das cidades-

    Estados com outras em que se deram tentativas, cada vez mais consistentes, de formao de unidades

    polticas mais amplas.

    De incio, a arqueologia e os documentos mais antigos mostram a inexistncia de palcios reais comoestruturas separadas. O governante da cidade era chamado de en, senhor, atuando tanto como chefe

    secular como sumo sacerdote do deus principal (o dono da c idade), em cujo templo residia. Embora

    persistisse por muito tempo a designao de en, documentos posteriores evidenciam duas outras formas de

    referir-se aos governantes da cidade durante o dinstico primitivo: ensi, governador, e lugal, grande

    homem, traduzido como rei. A relao entre os trs ttulos encontra dificuldades de explicao luz dos

    documentos e da arqueologia. Em alguns casos, porm, o rei dominava vrias cidades e tinha sob sua

    autoridade os respectivos governadores.

    provvel que, antes de se separar do cargo de sumo sacerdote e, fisicamente, do templo, o

    governante da cidade era uma espcie de encarnao viva do deus principal da cidade-Estado. Era o

    encarregado de cerimnias relacionadas com a liturgia do deus da localidade: o casamento sagrado anual,

    no qual tomava o lugar do deus e se unia sacerdotisa que representava a deusa, operacionalizando uma

    liturgia que visava liberar as foras da natureza. No cemitrio real de Ur, at pouco antes de 2500 a.C., h

    comprovao da existncia de uma realeza sagrada constituda de um rei e uma rainha (com o ttulo de nin,

    senhora), que eram enterrados com suas riquezas e servidores ritualmente mortos.

    A partir de 2400 a.C., h provas de que o governante supremo deixou de ser o sumo sacerdote e do

    surgimento de complexos palaciais independentes do templo (Eridu, Kish e, fora da Baixa Mesopotmia,

    Mari), sem, contudo, perder de todo as funes sacerdotais e a justificao religiosa do seu poder. Outras

    provas de que a realeza se laicizava a manuteno pelos palcios de algumas cidades de milcias

    permanentes, embora no pudssemos falar de um exrcito profissional, o recrutamento de milcias era

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    feito entre os dependentes do templo. Os textos de Shuruppak mencionam que o palcio real passou a

    manter entre 600 e 700 guardas permanentes em servio, alm de carros de guerra puxados por muares.

    Os fatos apontados mostram uma crescente independncia da instituio real em relao ao templo, bem

    como em relao ao conselho de ancios e assemblia dos homens livres influentes das cidades-Estados.

    Em meados do terceiro milnio a.C. as monarquias j eram permanentes e hereditrias, se levarmos em

    conta que no passado elas eram eletivas.O perodo dinstico ou sargnico da Baixa Mesopotmia

    Estas transformaes reformularam em profundidade o domnio sobre as riquezas e as pessoas. O

    palcio real, aps a sua laicizao, avanou sobre muitas terras, rebanhos e outros bens dos templos, como

    tambm forou particulares a vender-lhes terras, redistribuio de excedentes e distribuindo concesses de

    terras como forma de pagamento aos servios prestados por funcionrios. Exemplo deste processo o

    sistema estatizante da III dinastia de Ur, no qual o palcio controlava a maioria das terras e rebanhos, o

    comrcio exterior e boa parte da mo-de-obra, sustentada com raes aparentemente nfimas.

    A partir de meados do terceiro milnio a.C., as funes dos reis mesopotmicos aparecem com muita

    clareza. So funes suas: a iniciativa da construo e reconstruo dos santurios; passou a ser sua

    atribuio construo e o conserto de canais, diques e reservatrios, apresentando-se como o distribudos

    da 'gua em abundncia; manter abertas as rotas de comrcio, tanto a fluvial como a feita atravs de

    caravanas de muares, garantindo assim o fluxo de matrias-primas carentes na Baixa Mesopotmia; manter

    a integridade do territrio e a posse dos recursos naturais. Boa parte destas funes requeria uma ao

    guerreira crescente ora contra as cidades-Estados vizinhas ora contra os povos estranhos a regio, que ao

    que parece se constituiu num dos fatores fundamentais na consolidao de uma realeza independente e

    forte.

    A segunda metade do terceiro milnio a.C. caracterizada pela alternncia de fases dedescentralizaes com outras em se tentavam unir as cidades-Estados em unidade poltico-territoriais

    maiores. As cidades-Estados possuda pelo seu deus, com seus cidados livres mais notveis detendo

    prerrogativas e com um clero igualmente privilegiado, um fator poltico que tinha fundas razes polticas e

    histricas constitua uma tendncia com bases slidas e reais. Contudo, um conjunto de cidades-Estados

    sob o comando nico de um rei poderoso se apresentava, tambm, como uma tendncia slida e real,

    medida que um poder concentrado podia garantir melhores as rotas comerciais do comrcio de longa

    distncia, constituir uma barreira mais eficaz aos ataques externos e a possibilidade de garantir um fluxo

    maior de riquezas como resultado de saques e tributos para a capital. Temos aqui, de certo modo, um

    conflito entre o particularismo das cidades-Estados e uma conscincia tnica unitria.

    Entre meados do sculo XXV e final do sculo XXI a.C., possvel delinear quatro grandes fases da

    histria poltica da Baixa Mesopotmia: 1. as primeiras tentativas conhecidas de centralizao do poder; 2. o

    imprio de Akkad; 3. o domnio gtion, seguido de uma volta fragmentao poltica de cidades-Estados

    independente; 4. o renascimento sumrio e a III terceira dinastia de Ur.

    Na estela dos abutres, o ensi de Lagash, Eannatum (2454-2425 a.C.), relata sua vitria sobre a

    cidade-Estado vizinha de Umma, em funo de disputas de fronteiras. a seguir fala de vitrias sobre os

    lemaitas estabelecidos em parte de Sumer e de expedies ao Elam. Ele chegou tambm a obter a realeza

    de Kish e enviar expedies militares ao norte (Mari). Posteriormente, Lagash conheceu um novo perodo

    de vitrias contra Umma sob o domnio do seu sobrinho Entemena (2404-22375 a.C.), que teria feito

    alianas com o rei de Uruk e Ur, ento reunidas sob um nico governo. A seguir, a Baixa Mesopotmia foi

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    controlado em termos poltico, sucessivamente, por Uruk, Adab e Mari. J na cidade de Lagash, dois

    sacerdotes de Ningirsu tomaram o poder e avanaram sobre as propriedades dos templos, com as suas

    famlias submetendo a populao local a vexames e extorses. Esta situao s foi interrompida pela ao

    e reformas do ensiUrukagina (2351-2341 a.C.), que teve a sua carreira interrompida pela expanso do ensi

    de Umma, que depois de instalado em Uruk e Lugalzagesi (2340-2316 a.C.), fez-se rei de Sumer e Akkad e

    tendo ainda, mesmo que passageiramente, dominado a Mesopotmia e a Sria, avanando at oMediterrneo.

    Foi aps este perodo que se formou o primeiro imprio na regio, o de Sargo I de Akkad (2334-

    2279 a.C.). A origem de Sargo obscura, inicialmente ele teria prestado servios ao rei Urzababa de Kish,

    tendo aparentemente destronado-o. Aps dezenas de guerra venceu Lugalzagesi e outros governadores da

    Baixa Mesopotmia. Dominou toda a Mesopotmia e seus arredores imediatos e, de forma menos direta,

    parte da Sria, sia Menor regies costeiras do golfo Prsico. Para capital do imprio fundou uma nova

    cidade, Akkad - at hoje no localizada pelos arquelogos.

    Tanto no campo de batalha como no institucional, Sargo I e seus de sucessores imediatos

    dispensaram enormes esforos para a estabilizao do imprio. Entre os esforos de consagrar a unidade

    poltica da regio est o de Sargo ter inaugurado o costume de nomear as filhas do soberano supremo da

    Mesopotmia como chefe do clero do deus lunar de Ur na tentativa de aproximar-se do sul sumrio. Por

    outro lado, membros da famlia real e outros acadianos foram nomeados governadores de cidades e

    provncias, embora em certos casos se mantivessem os governantes originais. Ainda com o propsito de

    manter o controle da administrao do imprio, o rei ampliou as dependncias e capacidade de servios do

    palcio real e da burocracia a ele ligado, com o acdio, ao lado do sumrio, assumindo o status de lngua

    administrativa. Ante o trabalho de grande organizao, especialmente no Elam e na Assria, o exrcito foi

    muito ampliado e modificado, baseando-se, agora, no mais na falange, mas em arqueiros seguidos poruma infantaria mais leve do que no passado.

    Contudo, Sargo e os seus sucessores tiveram de lutar contra o separatismo das cidades-Estados e

    contra a presso crescente dos montanheses do Elam e dos Zagros (llullubi, gtions), bem como de grupos

    tribais de pastores da sria.

    No interldio seguinte, algum ponto da Baixa Mesopotmia conheceu o domnio dos gtions e vrias

    cidades-Estados reassumirem a sua independncia. No perodo 2141-2122 a.C., o ensiGudea de Lagash

    fomentou importantes construes sagradas em sua cidade, obras de arte e a expanso do comrcio para o

    exterior, compondo ainda, em sumrio, um belo hino religioso.

    Aps a vitria sobre os gntions pelo enside Uruk, Utuhegal (em 2120 a.C.), o governador de Ur,

    Urnammu, assumiu os ttulos de rei de Ur, de Sumer e Akkad, fundando a III dinastia de Ur, capital do

    imprio que durou entre 2112-2004 a.C. desta poca a construo da torre de degraus ou zigguratpara

    servir de base a um santurio, tornando-se por excelncia o smbolo da arquitetura da Mesopotmia. Seus

    sucessores empreenderam esforos na construo de uma realeza divina, declarando-se deuses, para a

    qual construram templos em que esttuas do soberano reinante recebiam cultos.

    O filho e sucessor de Urnammu, Shulgu (2094-2047 a.C.), na metade do seu reinado tentou controlar

    a situao a leste, guerreando nos Zagros, e, depois, utilizando-se do expediente de casar sua filha com um

    dos governantes elamitas, o que no impediu de novas guerras com o Elam. No seu apogeu, o imprio

    chegou a compreender a Mesopotmia, a maior parte do Elma e algumas cidades da Sria e Fencia (Ebla,

    Mari e Biblos).

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    A principal caracterstica da III dinastia de Ur est em ter tentado um sistema administrativo coerente

    e homogneo na Baixa Mesopotmia. Separou-se o poder civil do militar, entregando tais postos a

    funcionrios. Em algumas reas perifricas foram mantidos os governantes de extrao local, mas mesmo

    nelas tendeu-se a processar o que se vinha operando nas outras partes do imprio: a substituio dos

    governantes locais por funcionrios do rei. Para tornar mais gil a administrao e a segurana do imprio

    foram criadas um sistema de guarnies, correio (mensageiros reais) e aberto e/ou melhorados as vias decomunicao da regio. A economia era gerada, sobretudo pelo palcio, apesar do comrcio externo tenha

    sido feito em proveito dos altos funcionrios e de comerciantes comissionados. Alm de prata e raes, os

    grandes funcionrios recebiam terras estatais em usufruto e outras vantagens. Foi tambm institudo um

    sistema judicirio que recebeu grande ateno, tendo o fundador da dinastia publicado uma srie de

    precedentes ou julgamentos tpicos (as leis de Urnammu) com o objetivo de regular as relaes dos

    cidados com os Estado e demonstrar que o monarca cumpria a sua funo de promover a justia nos

    territrios sob sua administrao, com o imprio arcando com os custos e nomeao dos juizes.

    Aps o reinado de Shulgi, os reis de Ur investiram muitos recursos e esforos na conquista e na

    organizao do Elam, tentando bloquear as investidas que no passado haviam derrubado o imprio de

    Akkad e, por conseguinte, devolvendo a Lagash a sua importncia. Contudo, eram agora, sobretudo os

    pastores tribais amorreus (ou amorritas) que ameaavam a oeste o imprio. Ao mesmo tempo, os

    particularismos locais debilitavam a unificao. Antes mesmos de desaparecer, o imprio foi divido em trs

    partes: a oeste, uma zona de rebelio, sob o comando de um ex-governador nomeado por Ur, Ishbierra de

    Isin conseguiu se por frente dos amorreus; a nordeste, um reino com a capital em Larsa, sob o comando

    de Naplanum, provavelmente de origem semita; ao sul, reinava o ltimo rei da III dinastia, Ibbisuem (2028-

    2004 a.C.), sobre Ur e parte do Estado de Lagash. No ano de 2004 a.C., os elamitas, aliados aos su (ou

    sua), povo dos Zagros, destruram e saquearam Ur, levando cativo, para o Elam, o ltimo rei da III dinastiade Ur.

    O perodo de domnio dos grandes Estados na Baixa Mesopotmia

    Logo aps a queda de Ur, uma dinastia instalada em Isin recolheu com sucesso a herana do imprio

    sumrio. Sob a hegemonia de Isin, os elamitas foram expulso e a economia da Baixa Mesopotmia

    permaneceu estatizada, com os monarcas mantendo cuidadosamente os padres tradicionais da realeza

    sumria. O sumrio foi mantido como lngua oficial e floresceu literariamente, embora a maioria da

    populao falasse lnguas semticas e o sumrio j tivesse desaparecido como lngua viva. Um dos reis de

    Isin retomou a tradio de publicar coleo de preceitos legais ou precedentes judicirios, o chamado

    cdigo de Lipitishtar (1934-1924 a.C.).

    Desde meados do sculo XX a.C., os reis de Isin legislaram no sentido reformista de abolio das

    injustias sociais e econmicas devido s dificuldades profundas na regio, ligadas s dvidas e ao avano

    dos interesses e atividades privadas. Contudo, por detrs da hegemonia de Isin, escondia-se uma

    considervel disperso do poder, principalmente com continuao da entrada macia de amorreus.

    Uma dinastia amorrita, estabelecida em Larsa, surgiu como nova fora na regio com o rei Gungunun

    (1932-1906 a.C.), tomando Ur ao rei de Isin e abrindo uma longa disputa pela hegemonia da regio. Esta

    disputa parece estar ligada, por um lado, ao controle do comrcio do golfo Prsico, e, por outro lado, a

    tentativa de uma das duas cidades de controlar o sistema de canais da Baixa Mesopotmia.

    A luta quase permanente entre Isin e Larsa teve como conseqncia a pulverizao do poder na

    regio, criando a oportunidade do surgimento de diversas dinastias de chefes amorreus, os quais,

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    apoiados em suas tribos, tornaram-se reis de Kish, Uruk, Sippar e outras. Uma destas dinastias se

    estabeleceu por volta de 1894 a.C. em uma localidade mencionada desde a poca do imprio de Akkad,

    mas sem grande importncia no passado, de Babilnia.

    Hammurapi foi o sexto rei amorita da Babilnia (1792-1750 a.C.). Cerca de uma dcada depois de ter

    subido ao trono, na mesma poca em que caa o Primeiro Imprio Assrio, Hammurapi encontrou um certo

    equilbrio de poder na Mesopotmia, estabelecido entre si e Larsa e os demais governantes vitoriosos nosanos anteriores (Rimsin, vencedor de Isin, Ibalpiel de Eshunna, Zimrilim de Mari). Entre o quinto e dcimo

    primeiro ano de seu reinado, Hammurapi tratou de aumentar o seu pequeno territrio inicial com a ocupao

    de Isin, Malgium e outras cidades. Aps estes sucessos militares, voltou-se, durante quase vinte anos, para

    a fortificao de cidades, at que, a partir do vigsimo nono ano do seu reinado, comeou a avanar

    decisivamente, aliando diplomacia a operaes militares limitadas, mas muito bem calculadas. Depois de

    vencer cidades ou coalizes de cidades, passou a dominar toda a regio da Baixa Mesopotmia, do reino

    de Mari ao vale do Diyala, estabelecendo ainda uma hegemonia sobre a Alta Mesopotmia e

    passageiramente sobre o Elam. Consolidado o seu domnio e hegemonia, Hammurapi se declarou rei das

    quatro regies do Universo, sem buscar se divinizar.

    O Imprio Paleobabilnico assim criado foi efmero. J sob Samsuiluna (1749-1712 a.C.), filho e

    sucessor de Hammurapi, o territrio j havia sido reduzido em boa parte e, sob outros soberanos, at o fim

    da dinastia em 1595 a.C., no cessou de diminuir. Hammurapi na prtica surge como um dos grandes

    soberanos de sua poca. Contudo, muitos historiadores tendem a situ-lo em uma categoria parte pelo

    seu cdigo - o mais extenso e importante documento em lngua acdia -, cuja descoberta em 1901-1902

    permitiu iluminar um perodo pouco conhecido da histrica mesopotmica. Por outro lado, o seu reinado

    comeou a importncia da cidade da Babilnia como metrpole poltica, econmica, religiosa e cultural da

    Baixa Mesopotmia.Na estrutura administrativa do Imprio de Hammurapi encontramos remanescentes das cidades-

    Estados primitivas como a assemblia dos homens livres gozando de plenos direitos (puthum) e o conselho

    de ancios (shibutum), existente em cada cidade. Prevalecia o princpio de que cidado estava vinculado,

    primeiramente, sua cidade: filhos da cidade (maru alim). No entanto o tais rgos colegiados s tinham

    certas funes judicirias e funcionavam como corpos assessores do prefeito (rabianum) da cidade.

    Inspirado no sistema administrativo instalado por Shamshiaddu da Assria, dcadas antes,

    Hammurapi instalou nas cidades maiores um governador ou um lugar-tenente (shakanakum), superior aos

    prefeitos mencionados. Os coletores de impostos (makisu) garantiam o fluxo de tributos (cereais, gado,

    metais preciosos). As corvias eram requisitadas para diversas atividades civis e militares. O palcio real,

    centro da administrao do imprio, compreendia mltiplos escritrios povoados de escribas, permitindo a

    Hammurapi manter uma correspondncia muito copiosa e constante com os seus subordinados. Admitia-se

    o apelo direto ao monarca em matria judiciria ou administrativa. As funes pblicas e as militares eram

    remuneradas com a concesso do usufruto de terras pblicas a indivduos ou a grupos: tanto aos servios

    quanto terra concedida aplicava-se o termo ilkum. Os grandes comerciantes - tamkarum - conduziam

    negcios do Estado e os prprios, sendo vigiados por superintendentes da administrao pblica ( uaki

    tamkari). Contudo, os servios dos grandes comerciantes s podiam ser realizados com o recebimento de

    um documento do rei que autorizava aos mesmos ou aos seus subordinados fazerem expedies mercantis

    ao exterior.

    O Cdigo de Hammurapiparece ter sido uma proclamao da justia real para servir como

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    exemplo e precedente, mas com limitado poder de fora de lei. As medidas decididas pelo rei que

    estabeleciam a justia (misharum) tinham mais poder de fora de lei que o prprio cdigo, principalmente

    quando intervinham esporadicamente no sentido de anular as dvidas e a servido (temporria) por dvidas

    em que caam pessoas nascidas livres.

    Como codificao e reforma legal, uma tentativa de unificar o direito durante o seu reinado, O Cdigo

    de Hammurapifoi precedido por outros cdigos e conjuntos de leis na Baixa Mesopotmia, como o cdigode Lipitishtar (1934-1924 a.C.), as leis reformistas de Urukagina de Lagash (2351-2341 a.C.) e as leis da III

    dinastia de Ur (2112-2004 a.C.). Mesmo com conhecimento da limitao da fora de lei do Cdigo, ele se

    revela como o mais extenso, importante e um dos mais completos documentos da Baixa Mesopotmia para

    o conhecimento de certos aspectos da economia, vida social, relaes sociais, religio, estrutura social,

    estrutura familiar e de certos costumes.

    O Cdigo de Hammurapi dividido em prlogo, corpo legal e eplogo. Logo nos primeiros pargrafos

    do prlogo ntida a tentativa de legitimar o Cdigo atravs da reverncia e da consagrao divina. A

    seguir, no seu corpo legal, possvel vislumbrar os seguintes aspectos: a compensao pecuniria que

    fosse julgada insuficiente podia ser recorrida para reviso junto ao soberano, chegando at a aplicao

    rgida da pena de talio; interveno no domnio econmico, com estabelecimento de preos correntes e

    salrios e a manipulao do padro de valor; consagrao da desigualdade social a nvel jurdico-social a

    partir da legitimao jurdica de trs classes sociais (Awilum, Muskenum, Wardum); legitima e regula as

    operaes do tamkarum. Por outro lado, o Cdigo atuava como moderador das tenses sociais ao

    estabelecer emprstimos abaixo da taxa autorizada, ajudar os indivduos submetidos servido por dvida a

    adquirir a liberdade, instituir o perdo das penas. No entanto, muito destas decises dependiam das

    medidas deliberadas pelo rei, que estabelecia a justia, e no eram de aplicao automtica pelas

    instncias jurdicas existentes.Como fonte de conhecimento histrico, o Cdigo nos permitiu identificar a existncia de trs classes,

    pelo menos ao nvel jurdico-social: o awilum, homem livre que gozava de plenos direitos polticos

    (funcionrios, escribas, sacerdotes, profissionais independentes, comerciantes e soldados de patente), mas

    com diferenas sociais entre os seus membros; o muskenum, homem livre de status inferior e intermedirio

    entre o awilum e o wardum, compreendendo grande parte da populao (pequenos arrendatrios, pastores,

    camponeses, saldados de patentes mais simples, libertos) e os indivduos que trabalhavam como

    jornaleiros; o wardum, integrantes de uma camada nfima da sociedade e com sorte dependente da vontade

    de terceiros, compreendiam indivduos submetidos servido, os servos por dvidas e os escravos, sendo

    que o Cdigo estabelecia diferena entre os escravos (a escrava que dava filhos no lugar da esposa era

    privilegiada e os escravos de guerra eram os mais explorados), o limite mximo do tempo de trabalho por

    dvida, o indivduo submetido servido ou escravido podia casar com o(a) filho(a) de um homem livre e

    que os filhos do deste casamento eram livres. O Cdigo ainda estabelece sanes do crime segundo a

    classe da vtima.

    Por fim, a partir do Cdigo de Hammurapi possvel observar a existncia de uma estrutura familiar

    com bases no sistema patriarcal. Mesmo a poligamia sendo permitida, o casamento monogmico era

    reconhecido e s valia para a primeira mulher do homem que optasse pela poligamia, ficando esta com

    plenos direitos. O pai escolhia a esposa para o filho e pagava uma espcie de dote, o terhatum, sendo que

    nas famlias mais ricas, alm do terhatum, pagavam o biblum. A esposa levava consigo para o casamento

    um dote, o seriktum, que era sua propriedade durante o matrimonio, destinado-o aos filhos aps a

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    sua morte ou levando consigo quando voltava para a casa dos pais caso o contrato matrimonial fosse

    rompido. Havia ainda o costume de filiao adotiva entre as famlias.

    No ano de 1595 a.C., uma expedio hitita derrubou a primeira dinastia da Babilnia e conseguiram

    se estabelecer na cidade por um breve tempo, fundando a II dinastia da Babilnia, em cujo governo foi

    sucedido por reis cassitas ( III dinastia da Babilnia) a partir de 1570 a.C. Mais tarde, no final do segundo

    milnio a.C., a regio foi controlada pelo Imprio Assrio, at que no sculo VII os caldeus restabeleceram adomnio da Babilnia sobre a regio, fundado o Imprio Neobabilnico. Neste tempo todo, a estela do

    Cdigo de Hammurapi circulou por diversos lugares at se perder, s sendo recuperado no incio deste

    sculo e s assim nos permitindo ter um conhecimento mais confivel tanto sobre o perodo de Hammurapi

    como sobre as pocas anteriores das regies de Sumer e Akkad.

    Queda do Imprio da Babilnia e a poca kassita***

    O Imprio da Babilnia ir afundar-se durante os dois ltimos reinados da primeira dinastia babilnica.

    Quatro inimigos o assaltaram, um aps outro: os Semitas, das regies martimas da Sumria; os Elamitas,

    dos montes Zagros; os Hititas, vindos do norte; e, por fim, os criadores de cavalos kassitas que viviam ao

    norte do Elam. A vitria coube s tribos martimas que se apoderaram do Sul do imprio e aos kassitas que

    se estabeleceram no Centro e no Norte da Babilnia.

    O rei kassita Gandash a fundou uma dinastia. Os seus sucessores submeteram a parte meridional do

    pas. A dominao dos kassitas durou at o ano 1165 antes da nossa era.

    Descendo das montanhas e tornando-se senhores da Babilnia, os Kassitas instalaram-se a em

    comunidades de cl. Aps se terem apoderado de vastas regies despovoadas e dizimadas pelas invases

    e pelas guerras, eles passam rapidamente agricultura sedentria, utilizando as tcnicas dos Babilnios.

    Os reis kassitas apoiam-se sobre as suas prprias milcias, mas encontram tambm aliados entre os

    sacerdotes da Babilnia, sobretudo os da cidade santa de Nippur.A poca kassita divide-se em dois perodos. Durante o primeiro, at cerca do ltimo quartel do sculo

    XV antes da nossa era, o pas restabelece-se das terrveis devastaes e da runa econmica. So

    empreendidos grandes trabalhos para reparar a rede de irrigao das guas, reconstruir os diques e

    construir novos reservatrios.

    No fim do sculo XV antes da nossa era comea o segundo perodo, durante o qual a vida econmica

    se desenvolve intensamente. Estabelece-se um comrcio regular com o Egito e outros pases, o que impele

    os reis kassitas a melhorar as rotas das caravanas, empregando grandes esforos para as defenderem dos

    ladres assaltantes. Ao mesmo tempo continuam a construir-se templos. As comunidades kassitas

    desagregam-se e por esse fato consolida-se a propriedade privada das terras Os reis gratificam

    perpetuamente os seus senhores com terras obtidas daquelas comunidades (na maior parte kassitas). Os

    decretos reais de alienao e de gratificao so geralmente inscritos em pedras chamadas kudurru,

    colocadas nos limites dos terrenos em questo. As dimenses destes novos domnios so bastante maiores

    do que no Antigo imprio da Babilnia (vo de 20 a 200 hectares); mas o seu nmero sem dvida muito

    inferior ao do tempo de Hammurabi.

    O desenvolvimento da economia real e privada devido espoliao das comunidades e dos seus

    membros, a custo restabelecidos da guerra e da runa. A restaurao do comrcio real pressupe um

    recrudescimento da opresso, do mesmo modo que a ereco de novos templos gera um agravamento da

    obrigatoriedade do trabalho braal em benefcio do Palcio. A alienao dos bens comunitrios uma

    autntica pilhagem feita aos aldees, que nada recebem em troca, pois o pagamento, se o h,

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    A Assria e o primeiro ensaio de imprio no Antigo Oriente Prximo

    Por Lus Manuel Domingues do Nascimento

    Os rios que formam a plancie aluvional mesopotmica - o Eufrates e o Tigre - nascem nas

    montanhas da Anatlia. O primeiro depende das neves derretidas na primavera e de dois afluentes da

    margem esquerda (Balikh e Khabur); o segundo, das chuvas da regio dos montes Zagros e de numerosos

    rios tributrios (os dois Zab, o Diyala e o Karum). Em termos geolgicos, a Mesopotmia uma depresso

    formada pela juno, no Plioceno, da placa teutnica da Arbia com a da sia Ocidental, que

    posteriormente foi recheada de sedimentos aluviais depositados pelos dois grandes rios.

    Tomando como limite o ponto do seu curso mdio onde o Eufrates e o Tigre mais se aproximam um

    do outro, possvel considerar duas sub-regies: a Alta Mesopotmia, a noroeste, e a Baixa Mesopotmia,

    a sudeste. A primeira mais elevada, menos propcia irrigao e, em parte, adequada agricultura de

    chuva (no planalto assrio, a leste) ou criao (Assria, mais a oeste), contendo, ainda, ricos recursos

    florestais. A Baixa Mesopotmia pouco servida pelas chuvas, baixa, muito plana e potencialmente

    fertilssima - dependendo de um sistema de irrigao artificial para conter as destrues das cheias e dadrenagem que evite a salinizao -, mas de todo carente de madeira, pedra e minrios. A terra frtil formam

    bacias entremeadas que so propcias para o gado, sendo que os vales fluviais so cercados, para oeste e

    para leste, por outras faixas estpicas freqentadas por pastores.

    Como na Anatlia e na regio Srio-Palestina, a ocupao permanente na Alta Mesopotmia por

    aldeias neolticas plenamente sedentrias, comunidades que baseavam sua subsistncia numa

    agropecuria estvel e no mais na caa, na pesca e na coleta de plantas selvagens, ocorreu no perodo de

    9000 a 7000 a.C., enquanto que a ocupao por cultivadores da Baixa Mesopotmia - potencialmente frtil,

    mas pouco adequada a agricultura de chuva - s tem incio, de forma espordica, entre 6000 a 4500 a.C.,

    por cultivadores oriundos dos macios do Curdisto e dos Zagros. S a partir do 5 milnio, a plancie

    aluvial do Tigre e do Eufrastes ser ocupada permanentemente por grupos de cultivadores oriundos do

    leste, introduzindo mudanas importantes na atividade agropastoril e preparando o longo caminho que

    conduziu ao modo de vida urbano na regio.

    As primeira menes aos governantes na Alta Mesopotmia, mais especificamente na Assria, esto

    contida numa lista real assria que menciona em primeiro lugar dezessete reis que viviam em tendas. A

    julgar pelos nomes, parecem que eram chefes tribais hurritas e amoritas. No entanto, a histria dos assrios

    est diretamente relacionada a cidade de Assur, localizada as margens do Tigre, que tem o nome do seu

    deus. A partir do sculo XX a.C., a cidade passou a ser independente e capital de um reino assrio mal

    conhecido que foi se expandido durante a primeira parte deste sculo, at ento tinha sido o centro de

    poder dos acdios e depois de Ur na Alta Mesopotmia. No reinado do monarca Ilushuma, meados do

    sculo XX a.C., empreendeu uma campanha militar vitoriosa, mas sem maiores conseqncias, na Baixa

    Mesopotmia.

    Do fim desse sculo, e sobretudo do sculo XIX a.C., at aproximadamente 1780 a.C., a cidade de

    Assur passou a explorar por sua conta a grande rota comercial ao longo do seu rio e atingir uma riqueza

    que a sua agricultura no podia lhe fornecer. Nas feitorias comerciais assrias, instaladas na sia Menor,

    junto a cidades e fortalezas de principados locais, foram encontrados arquivos dos mercadores assrios (as

    famosas Placas da Capadcia) onde esto informaes sobre caravanas de muares carregadas de estanho(proveniente do Elam) e de tecidos de Assur que se dirigiam Anatlia, onde estavam as feitorias assrias,

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    e voltavam Alta Mesopotmia carregadas de ouro, prata e cobre. Tratados que protegiam cada feitoria e

    lhe garantiam certa autonomia administrativa eram negociados entre o reino assrio e os numerosos

    principados anatlicos. Atravs destas feitorias, o soberano da Assria, modestamente se dizia sumo

    sacerdote de Assur, transmitia as ordens do seu governo e oferecia proteo aos principados locais.

    No final do sculo XIX a.C., e incio do seguinte, deu-se uma breve expanso que conhecida como

    Antigo Imprio Assrio, sob Shamschiaddu (1813-1781 a.C.). Filho mais novo de uma dinastia amorita quereinava na regio do Alto Habur, no mdio Eufrates, este monarca comeou a carreira destronando o sumo

    sacerdotes de Assur (1813 a.C.) e toma nesta cidade o ttulo real at a reservado ao deus. Tentou ento

    uma incurso militar, sem maiores conseqncias, at o Mediterrneo. Mais tarde, aproveitando-se do

    assassnio do rei de Mari, Iahdun-Lim, apodera-se da grande cidade e domina ento toda a Alta

    Mesopotmia, do Tigre ao Eufrates, subordinando tambm os reinos de Akkad e diz ser rei do universo. Em

    seguida, dividiu o poder com dois filhos seus, um instalado em Mari e o outro em Ekallatum, cidade do

    mdio Tigre. Os trs governantes tiveram srios problemas com os nmades, particularmente numerosos,

    volta de Mari.

    Trs grupos nmades so mencionados nas fontes: haneus, ben-iamina e suteus. Os heneus

    formavam, junto com os acdios, a populao mais numerosa do mdio Eufrates e viviam em

    acampamentos e aldeias com chefes prprios. Estavam integrados s estruturas estatais organizadas,

    mantendo relaes estveis com o governo, sujeitando-se aos censos, pagando tributos e fornecendo

    soldados para o exrcito. Os ben-iamina do Klabur e do Eufrates tanto resistiam tenazmente s tentativas

    de domin-los e explor-lo, que tinha o objetivo de sedentariz-los, como tambm se aliaram sempre que

    possvel aos inimigos dos assrios. Os suteus aparecem nas fontes como bandidos saqueadores de cidades

    e caravanas, sendo constantemente reprimidos.

    Os trs monarcas assrios mantiveram boas relaes com os reinos e principados da Sria - ajudamilitar, garantias de pastagens, concesses de minerao, trocas de presentes -, mas relaes difceis com

    as tribos a oeste, ao norte e a leste da Assria; mas tiveram como principal adversrio o reino de Eshnunna,

    que no passado chegou a dominar por algum tempo a Assria.

    Depois da morte de Shamshiaaddu, o Antigo Imprio Assrio se desagregou. Mari voltou aos

    herdeiros da antiga dinastia amorrita; as colnias assrias na Capadcia desapareceram com a unificao

    do pas pelos prncipes hititas; a prpria Assria caiu sob a hegemonia da Babilnia em meados do sculo

    XVIII a.C.; depois desta, a dinastia amorrita expulsa de Assur, com o territrio sendo reduzido a pouca

    coisa e disputado entre usurpadores efmeros.

    No fim do sculo XII a.C., a Assria encontrava-se numa penosa defensiva face as incurses dos

    arameus, que efetuavam pilhagens, reduziam a populao a condio de cativos, levavam rebanhos e, no

    raramente, destruam e queimavam cidades e aldeias. Os habitantes refugiavam-se nas montanhas,

    despovoando as cidades. A seguir veio um outro inimigo: eram as tribos que viviam na atual Armnia,

    volta do lago Van e ainda mais ao norte. Os assrios chamavam-lhe urartianos (Urartu).

    No sculo X a.C., os arameus se estabeleceram entre o Tigre e o Eufrates e avano sobre a Assria

    diminuiu. J no fim deste sculo a Assria havia reestruturado o seu reino e passou a ofensiva contra os

    adversrios de ento. So empreendidas campanhas contra os arameus, alternadas com incurses no

    Urartu e nos Zagros. Desde ento, calcado num forte movimento nacional e na qualidade potncia

    emergente do Oriente Prximo, os exrcitos assrios vo todos os anos cobrar tributos nas cidades

    submetidas. Caso no ano seguinte as cidades deixassem de pagar os tributos, eram consideradas

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    como rebeldes ao deus Assur e ao rei da Assria e tudo era permitido contra elas, dando lugar ao saque e a

    operaes militares com um carter de atrocidades at ento desconhecido. Com efeito, o temperamento

    nacional, a inquietao de um povo sem fronteiras naturais, habitando uma regio que foi palco de diversas

    incurses de povos migrantes e governantes desejosos de expandir seus domnios, e o desejo de vingar

    das crueldades cometidas pelos pastores arameus foram os fatores que criaram entres os assrios uma

    cultura de atrocidades e dio para com todos os outros no-assrios. Mas, por outro lado, raramente os reisassrios do sculo IX a.C. se atentaram para a idia de anexar as cidades vencidas.

    Com Assurnatsirapli II (884-859 a.C.), so intensificadas as campanhas militares. Depois de 876 a.C,

    ele fora a passagem do Eufrates e avana sobre as cidades hititas, arameias e fencias do norte da Sria,

    chegando at Tiro. A todas as cidades submetidas exige tributos e aquelas que conseguiram manter uma

    resistncia prolongada foram saqueadas e destrudas, com a sua populao sendo massacrada. Um

    exemplo clssico desta ao a cidade de Dirra, que segundo um relato do prprio Assurnatsirapli II, foi

    submetida ao saque e destruda, com os seus habitantes sendo objeto das mais variadas atrocidades

    (empalamentos, decepo de membros do corpo, cremao e extermnio em massa). O seu filho Shulman-

    asharedu III (859-824 a.C.) anexa o Bit Adini (reino arameu na passagem do Eufrates), submete os hititas e

    ataca os arameus; mas feito prisioneiro na batalha de Qurquar, junto a Hamat (853 a.C.), por uma

    coligao sob a direo de Damasco. Ainda em 841 a.C., os assrios voltam a Sria e impe tributos Israel.

    Contudo, os hititas e arameus continuam a revoltar-se, e logo que os assrios a abandonam os seus pases

    recuperam a sua soberania.

    Os lucros das pilhagens so utilizados basicamente no embelezamento de Calu, capital desde

    Assurnatsirapli II. A cidade composta de palcios com decoraes e mobilirios que mostram os

    caracteres permanentes da arte assria, totalmente consagrada glorificao do rei, o grande sacerdote do

    deus Assur, escolhido durante um milnio numa famlia sagrada. O rei representado conforme o tipotnico e na funo de sumo sacerdote dos deuses, com os relevos mostrando ele recebendo tributos,

    caando animais, banqueteando-se em honra dos deuses e derramando a libao sobre os cadveres. H

    tambm figuras com cenas de guerra. Por outro lado, so raras as representaes do deus Assur, o deus

    do imprio, em nome do qual se fazem todas as guerras. S em alguns santurios rupestres aparece com

    um aspecto humano, j nos palcios aparece apenas, na parte superior de algumas cenas, os smbolos

    tradicionais de Assur: a espada ou disco alado, de onde emerge por vezes o busto do deus.

    A arte assria produz sobretudo baixos-relevos esculpidos no ortoestatos que disfaram a base de

    muros de tijolos. A um tratamento estereotipado dos membros do corpo humano, principalmente das pernas

    e dos braos, s ocorrendo originalidade e exatido na representao de animais. Um progresso na

    composio ser verificado durante o reinado de Tukultiapilesharra III (746-727 a.C.), mas ser durante o

    reinado de Assur-ban-apli (659-627 a. C.) que os relevos de um grande palcio de Nnive atingiram o

    mximo da escultura assria. Tambm, durante o reinado deste governante, ser construda a Biblioteca de

    Nnive, que chegou a reunir mais 5000 placas com uma antologia da literatura e da adivinhao de Sumer e

    da Babilnia. A estaturia, praticada aps o sculo IX a.C., pesada e convencional. Os afrescos

    manifestam um gosto artstico mais seguro. Por fim, os soberanos assrios colecionam marfins retirados aos

    povos submetidos ou trabalhados na Assria por deportados ou nativos formados localmente no trabalho

    com o marfim.

    No fim do reinado de Shulman-asharedu III, os seus filhos envolvem-se numa guerra civil pela

    sucesso do trono. O vencedor Shamshi-Adad VI (824-810 a.C.) obrigado a fazer concesses

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    grande nobreza, com o seu representante se tornando inamovveis nos seus cargos de altos funcionrios e

    de governadores e exercendo um controle mais estreito sobre a sucesso real, sobre o governo central e

    sobre a redistribuio dos lucros das pilhagens. Na prtica, so os altos funcionrios, na primeira metade do

    sculo VIII a.C., que passam a dirigir o imprio assrio, evidenciado pela fundao de cidades com nomes

    de altos funcionrios e a ausncia de meno aos reis assrios nas suas inscries. Irritadas com o poderio

    das grandes famlias e pela poltica de distribuio dos lucros das pilhagens, as revoltas da populao semultiplicam no pas, provocadas, basicamente, pela pequena nobreza sem poder e bens e pelos homens

    livres despossudos. Este quadro poltico levou a um enfraquecimento da Assria, permitindo a Urartu

    (sculos IX-VII a.C.) aparecer em primeiro plano na regio como um novo e forte Estado.

    com Tukultiapilesharra III (746-727 a.C.) que tem incio uma srie de reformas que restituem todo o

    vigor Assria. A multiplicao de cargos ulicos e dos governos provinciais enfraquece a alta nobreza,

    aumentando os seus efetivos. No exrcito so criados corpos permanentes, recrutados entre escravos e os

    vencidos de vspera, que tendem a substituir as milcias locais, ficando os assrios s aparecendo nas

    tropas especiais (fortificaes, carros, cavalaria). A cavalaria passa a substituir os carros de guerra como

    tropa de choque, ficando os carros para o transporte das tropas. A sua poltica externa passa ser

    conseqente: interveno sistemtica nas disputas dinsticas e nas guerras locais; campanhas conduzidas

    para o esmagamento do adversrio; deportaes locais com o objetivo de quebrar as unidades culturais e

    polticas locais.

    A nova fase de conquistas e expansionismo assrio redefinido em seus objetivos. Se at ento o

    propsito maior era garantir um fluxo de riquezas, atravs de saques e da imposio de tributos,

    redistribudo entre o poder central e os altos funcionrios e a grande nobreza, a conquista de terras passa a

    ter como propsito o de anex-las ao Estado assrio. Com isto, foi possvel fazer uma redistribuio de

    terras de terceiros entre os assrios sem posse e criar espaos polticos e condies de obteno deriquezas e de status pequena nobreza. Ao mesmo tempo, a distribuio do fluxo de riquezas para o centro

    do imprio foi redefinido de forma a atender a subsistncia de setores no beneficiados at ento com os

    saques e tributos. Em outras palavras, o imperialismo assrio vai se caracterizar pela conquista e domnio de

    regies que garantam recursos bsicos para sua existncia e proporcionar um suprimento de bens de todos

    os tipos, objetivando ainda a obteno de territrios que seriam administrados e distribudos entre os

    assrios.

    A partir de 743 a.C., os assrios do incio a uma fases de conquistas, invadindo o norte da Sria e

    expulsando os urartenses desta regio. A populao local, aps algumas revoltas, deportada e o pas

    passa a ser governado por assrios. Em seguida, o Egito (734 a.C.) e Damasco (733 a.C.) so ocupados.

    Na outra extremidade do Oriente Prximo, os assrios ocupam o norte dos Zagros at o centro do Ir (737

    a.C.), criando uma linha defensiva contra as invases dos medos. Na Baixa Mesopotmia, aproveitando-se

    da anarquia poltica local, os assrios tomam a Babilnia (729 a.C.).

    Com a chegada ao poder de Sargo II (722-705 a.C.), aps algumas perturbaes na sucesso, os

    assrios voltam-se para defesa dos domnios ameaados pelos faras, esmagando o rei arameu de Hamat e

    fazendo recuar o exrcito egpcio no delta do Nilo. Igualmente a preocupao de Sargo II em proteger as

    suas fronteiras setentrionais ameaadas pelo reino de Urartu e Mita, tendo derrotado estes dois reinos,

    respectivamente, em 719 e 714 a.C., o que permitiu se expandir e anexar a regio da Capadcia.

    Finalmente, em 710 a.C., retomado o domnio da Babilnia , que havia sido tomada pelo chefe caldeu

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    Marduk-apla-iddin, e vencidos os arameus, deportados em seguida para garantir a paz na regio.

    No incio do VII a.C., os assrios pareciam caminhar para a constituio de um domnio universal no

    Antigo Oriente Prximo e adjacncias. Contudo, j nas primeiras dcadas deste sculo o ensaio de um

    imprio universal mostrava a sua impossibilidade. Segundo Godofredo Goossens, o imprio era

    demasiadamente vasto para o povo que o deve manter e administrar; a Assria se esgotou ao querer manter

    domnios como a Sria e Babilnia, pois por trs dos rebeldes destas regies estavam o interesse e o apoioestratgico de Estados poderosos, o Elo e o Egito; os reis assrios se fixaram neste dois objetivos,

    relegando a um segundo plano a presso dos povos migrantes e nmades. Poderamos ainda acrescentar

    outros fatores como: a capacidade de conquista e de represso no foram acompanhadas por uma

    estrutura administrativa e burocrtica que pudessem gerir os territrios dominados; a poltica de

    deportaes e o uso sistemtico de atrocidades como instrumento de dominao criou entre as mais

    diversas etnias, culturas e formas polticas o consenso da necessidade de reagir e aniquilar o imprio

    assrio.

    Aps Sargo II, Sin-ahe-eribe (705-681 a.C.) , que transferiu a capital para Nnive e a dotou de

    numerosos edifcios e enormes aquedutos, teve problemas para manter os domnios sobre a Babilnia e

    dificuldades para reprimir as rebelies dos fencios e dos palestinos. O mesmo foi assassinado por dois

    filhos seus que disputavam a sucesso, seguindo-se uma guerra civil. Assur-ah-iddin (681-699 a.C.), outro

    filho de Sin-ahe-eribe, finalmente chega ao trono e manifesta a ansiedade de seguir a poltica de conquista

    de seus predecessores, decidindo conquistar o Egito, mas os preparativos da empreitada inviabilizada

    pelas revoltas de Sidon e Tiro. Ao mesmo tempo, os nmades da Grande Estepe invadem o Oriente

    Prximo. Assur-ah-iddin, aps muito esforo, consegue deter os nmades e retomar o controle sobre as

    cidades fencias e a regio do delta do Nilo. Mesmo assim, em 669 a.C., os exrcitos egpcios reaparecem

    no delta.A ltima fase de expanso assria foi durante o reinado de Assur-ban-apli (659-627 a.C.). Conhecido

    como administrador e homem letrado, o soberano assrio quase no abandona a capital (Nnive) e delega o

    comando dos seus exrcitos. Primeiramente, os seus exrcitos restabelecem a dominao sobre o Egito,

    depois volta-se para disputas contra o reino do Elo e os arameus pelo controle da Babilnia, retomando-a

    em 648 a.C. Contudo, j a partir de 652 a.C., a Assria tem de se defender de uma coligao de povos

    (elamitas, rabes, cidades srias, reis da Babilnia, e, posteriormente, medos, cimrios e citas, estes dois

    ltimos povos oriundos das Grandes Estepes).

    Os sucessores de Assur-ban-apli tm que fazer frente a um duplo ataque ao seu imprio. De um lado,

    a ofensiva da coligao comanda pelos medos, do outro lado, o do rei Nabuapla-utsur, que fundou na

    Babilnia a dinastia caldeia (626-539 a.C.). Aos poucos o territrio do imprio assrio volta a se restringir ao

    do reino da Assria, mas a ofensiva avanam sobre o prprio territrio assrio, com as capitais do reino

    sucumbindo uma a uma (Assur, 614 a.C., Calu e Nnive, em 612 a.C.) e os destroos do exrcito assrio

    fogem para o Ururtu. Os mtodos impiedosos dos conquistadores assrios voltam-se contra eles mesmos;

    as sua cidades queimadas j so apenas um amontoados de tijolos.

    A Assria com a sua poltica de anexaes e deportaes realizou na prtica uma unificao e fuso

    cultural das populaes do Antigo Oriente Prximo, que desde ento passam a caminhar para a

    constituio de uma cultura comum.

    Enquanto os medos continuavam acampados na Alta Mesopotmia e logo depois tiveram que

    regressar para o Ir para fazer frente aos problemas polticos internos, a herdeira da Assria passou a

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    ser a dinastia caldaica da Babilnia, fundada em 626 a.C. Os reis da Babilnia empreendem campanhas de

    conquistas Sria e a Palestina, dominando a regio durante o reinado de Nabu-kudur-utsur II (605-562 a.

    C.). Contudo, foram obrigados a fazer incurses contra Tiro (Fencia) e o reino de Jud (Palestina),

    submetendo a populao local a deportao, para fazer frente as revoltas que a explodem com o apoio do

    Egito, que o exrcito babilnico tentou vrias vezes invadir.

    Os empreendimentos militares so, contudo, limitados e a Babilnia, aps cinco sculos deinsegurana, volta a conhecer finalmente um perodo de paz, que vai possibilitar a regio se torna a mais

    evoluda e rica da sia Ocidental poca.

    A populao que emprega o aramaico, o acdio da Babilnia e o cuneiforme continuam a ser a lngua

    e a escrita dos escribas, que continuam a redigir os seus anais e a colecionar pressgios. No sculo VI a.C.,

    so aperfeioados os mtodos de observao e de clculos astronmicos. Mas a civilizao neobabilnica

    celebre pelos trabalhos de Nabu-kudur-utsur II na grande cidade da Babilnia. Em primeiro lugar, o rei se

    preocupou em proteger a capital contra um ataque dos medos, mandando construir um muro e barragem no

    istmo entre o Tigre e o Eufrates; depois , a capital foi cercada por uma muralha com 8 e 18 km de permetro;

    as duas metades de Babilnia separadas pelo Eufrates esto apenas ligadas por uma ponte cujas traves

    so retiradas todas as noites. Na cidade da Babilnia so construdos o palcio da cidadela com os seus

    jardins suspensos, o palcio de Vero, o pavilho da Festa de Ano Novo, o templo de Marduk revestido de

    ouro, de mrmore e de lpis-lazuli, a sua ziguratde sete pisos, monumento de 90 m de altura. Da Assria, a

    arte babilnica herdou o gosto pelo colossal, mas a nova concepo religiosa probe a representao de

    cenas histricas ou culturais e limita as figuras aos animais simblicos (drago de Marduk, auroque de

    Adad, leo de Ishtar) em relevos de tijolo esmaltado cujos frisos adornam os lugares santos (porta de Ishtar,

    muralhas dos templos e muros da via das procisses).

    Embora menos extenso, o imprio babilnico mais frgil do que o dos assrios. Aps a morte deNabu-kudur-utsur II, em 562 a. C., a sucesso motivo de uma revoluo no palcio. S em 556 a.C., os

    chamados fazedores de reis escolhem Nabu-nad como soberano. Este se volta para a restaurao de

    cultos e templos e termina por perder toda a autoridade sobre a Babilnia. Ante o avano das tropas persas,

    comandadas pelo rei Ciro, o reino neobabilnico escolhe a defensiva para conter o avano destes. Contudo,

    em 539 a.C., a Babilnia cai sob os golpes de Ciro e finda o reino neobabilnico.

    Os anos seguintes sero marcados pela expanso e conquista persa de todo o Antigo Oriente

    Prximo. A vitria persa foi sem dvida facilitada pelas guerras e pelas deportaes assrias que, desde o

    sculo IX ao VI a.C., enfraqueceram a conscincia dos povos e prepararam assim o terreno para um

    imprio que ser mais vasto e menos contestado que o da Assria.

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    O Egito Antigo*

    Texto organizado por Lus Manuel Domingues do Nascimento**

    1. A paisag em g eog rfic a do Eg ito

    Atualmente, sabe-se que a disposio geral da paisagem geogrfica do Egito no mudou nos ltimos

    25.000 anos; j ento como no perodo histrico, os pntanos de papiros e os lagos cobertos de ltus e

    canios, com sua fauna de hipoptamos, crocodilos e aves aquticas, cobriam uma pequena parte do pas.

    Em termos climticos, porm, as mudanas foram maiores. No Holoceno, na fase subpluvial neoltica

    (mais ou menos 5500-2350 a.C.), algumas partes dos atuais desertos ainda abrigavam uma fauna

    numerosa e variada e a vegetao da estepe podia sustentar rebanhos, atraindo caadores. A ocupao

    humana compreendia uma faixa de cinco a seis quilmetros de distncia, de cada lado do rio. A prpria

    plancie inundvel do rio Nilo atraia animais aquticos dos bosques marginais e das estepes para beber,

    que eram perseguidos pelos caadores e pescadores.

    Em linhas gerais, o regime do rio Nilo era caracterizado por cobrir anualmente a sua plancie

    aluvional. Sua hidrografia uma das mais regulares e previsveis do que a de outros rios sujeitos as cheiasanuais. Suas cheias dependem das mones climticas e do derretimento das neves na atual Etipia

    durante o vero; e das chuvas equacionais e bianuais no que so hoje Uganda e Tanznia. A cheia ocorre,

    no Egito, entre julho e novembro, para em seguida as guas da inundao recuarem e o rio diminuir o seu

    nvel paulatinamente, sem nunca secar totalmente.

    Com os transbordamentos, os sedimentos mais pesados so depositados junto s margens,

    formando-se em ambas as margens diques naturais ou leves, que ficam acima do nvel da plancie

    aluvional. Os sedimentos ou aluvies mais leves, altamente fertilizantes, so carregados e depositados nas

    margens a medida que as guas se espraiam e diminuem a sua velocidade.

    A plancie niltica do Egito do tipo convexo, sendo naturalmente inundvel e drenvel. A gua das

    enchentes penetram, atravs de pequenos canais naturais ou por pontos mais baixos das leves, em bacias

    naturais. Quando as guas voltam ao seu nvel normal, as guas acumuladas nas bacias voltam ao leito

    normal do rio atravs de uma srie de correntezas naturais. No delta, o rio abre-se em leque, correndo por

    numerosos braos. Como a inclinao do terreno e a fora da correnteza so menores, os sedimentos mais

    pesados no podem ser depositados em grande quantidade. Nesta rea, as leves so mais baixas, e as

    bacias podem tornar-se pntanos ou lagos perenes com maior freqncia.

    Desde o Paleoltico, utilizando-se dos diques naturais ou leves para residncia, a ocupao humana

    mais densa se deu junto ao Nilo. Durante o Neoltico, aps o escoamento das guas, as bacias serviam

    para plantar cereais, dispensado o trabalho de reg-los. O gado pastava na pradarias verdejantes que se

    formavam naturalmente ou nos pntanos. As leves eram cobertas de bosques de sicmoros, accias,

    tamarindos e salgueiros. J nestes, as chuvas no eram suficientes para a agricultura.

    De 3300 a.C. at mais ou menos 2200 a.C., houve uma queda radical da pluviosidade e, como

    conseqncia direta, uma reduo drstica da flora e da fauna na ex-estepes, transformada finalmente em

    deserto. Ainda neste perodo, secaram-se os pequenos rios tributrios do Nilo.

    Recentemente, constatou-se que o rio Nilo mudou muitas vezes de leito, e que, alm das flutuaes

    curtas, houve fases mais longas com tendncias a cheias, seja de nvel decrescente (durante todo o terceiro

    milnio a.C. e no perodo entre 1200 e 900 a.C.), sejam muito altas ou as vezes catastrficas (entre 1840 e1770 a.C. e entre os sculos IX e VII a.C.).

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    A pesca e a caa eram atividades essenciais. A coleta objetivava plantas como o papiro, os juncos e

    os canios. A caa era prtica nos pntanos marginais do vale, nos tremedais do delta e no deserto,

    posteriormente, nos tempos histricos, tornou-se menos essencial economicamente, mas provia um

    complemento alimentar e animais para a domesticao.

    A pedra para construo, as pedras semipreciosas, as pedras duras para ferramentas e os minrios

    eram fornecidos pelas colinas que delimitam o vale a oeste e a leste, pela parte oriental do deserto daArbia e reas da pennsula do Sinai. O slex era extrado em todo o vale. O ouro vinha do deserto da

    Arbia. J o cobre era extrado no mesmo deserto e no Sinai. Da regio da Nbia vinha ouro, ametistas e

    pedra dura para construo.

    A importao de minrio adicional aos trabalhos de metalurgia e outras atividades eram trazidos de

    diversas fontes fornecedoras: o lpis-lazuli vinha do atual Afeganisto atravs do Oriente Prximo; o cobre

    de Chipre; o estanho da sia; a osidiana da costa da Etipia e da Somlia; o arsnico vinha da sia; a

    madeira era importada do Lbano, especialmente o cedro.

    No se sabe ao certo quando teve incio as expedies martimas realizadas pelos egpcios, mas

    sabe-se que no muito tardiamente elas eram feitas no Mediterrneo e no Mar Vermelho. A navegao no

    rio Nilo dava-se em condies muito favorveis: a correnteza fluvial no sentido sul-norte e as velas para

    aproveitar o vento constante no sentido norte-sul proporcionavam um excelente meio de comunicao

    durante o ano inteiro. J para a comunicao terrestre, dentro e fora do pas, os caminhos eram raros e o

    transporte era feito de burro at a difuso do dromedrio, j no primeiro milnio a.C.

    2. Ques tes ac erc a do po vo ament o d o Eg ito e a sua ocup ao e col on izao

    Dentre os grandes problemas acerca da histria do Egito, talvez o que mais tenha suscitado polmica

    a partir da dcada de 50 foi a questo do povoamento. Baseado no estudo de ossadas, muito escassas e

    mal distribudas - basicamente localizadas no Alto Egito -, trs teorias quanto ao povoamento egpciopartiram de noes raciais - ou similares - e se defrontaram a partir de meados deste sculo. A primeira,

    sem levar em conta os estudos de F. Falkenburger, que a partir da anlise de crnios afirmou existirem, j

    no quarto milnio a.C., na populao egpcia, em propores parecidas, trs grupos de habitantes:

    negroides, mediterrneos e mestios ou pessoas similares ao homem de Cro-magnon, retomou uma tese

    do sculo passado que afirmava que a populao egpcia antiga era fundamentalmente caucaside ou

    branca: os hamitasou camitas.

    Diametralmente oposta a teoria proposta por Chikh Anta Diop e Thophile Obenga. No calor do

    pan-africanismo dos anos 50, estes autores afirmaram que: O Egito faranica, pela etnia de seus

    habitantes, pela lngua dos mesmos, pertence totalmente, dos balbuceios neolticos ao fim das dinastias

    arqueolgicas, ao passado humano dos negros da frica (...)

    As duas posies polares se apegam de forma inaceitvel a noo de raa. Uma terceira teoria,

    desenvolvida por Francois Duma, afirmou serem os egpcios antigos o resultado de uma mescla de pessoas

    de pele escura oriundas do sul do vale do Nilo com outras de pele mais clara que vieram do Saara, da sia

    Ocidental e talvez restos de populaes pr-histrica da bacia do Mediterrneo, sem que haja condies de

    precisar que camadas tnicas representam esses tipos anatmicos. O problema desta teoria o de ainda

    insistir em correlacionar os supostos grupos tnicos da mescla as raas humanas. Pois hoje est cada vez

    mais evidente o quanto estril e que no existem meios unvocos e comprovveis de correlacionar

    determinados tipos anatmicos a idia de raas humanas ou a cor da pele.

    Sabe-se hoje que o carter fundamental africano do povoamento e da cultura do antigo Egito

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    essencial, mas sem se recair na discusso intil sobre peles mais claras ou mais escuras. Tem-se

    tambm a convico de que o Neoltico foi o perodo de mais fortes migraes povoadoras em direo ao

    vale do Nilo, e que populao egpcia absorveu, permanecendo estvel em suas caractersticas e sem

    mudar muito, as diversas migraes posteriores nos tempos histricos. Por fim, a descrena de serem os

    hamitasou camitas algo mais do que um grupo lingstico, negando-lhes qualquer conotao racial.

    S no fim do quarto milnio a.C., a agropecuria superou as atividades extrativas no vale, eposteriormente, na regio do delta. A economia agrcola j existia desde o sexto milnio a.C. em

    concorrncia com o extrativismo. Contudo, a riqueza dos recursos naturais aproveitada em forma de caa,

    pesca e coleta vegetal era tanta, na plancie fluvial do Nilo e nas estepes depois substitudas pelo deserto,

    que pode ter retardado o desenvolvimento da agricultura. Os primeiros sinais de agricultura aparecem em

    stios arqueolgicos do extremo ocidental do Delta, do Fayum e do Mdio Egito, e mostram o

    desenvolvimento de grupos sedentrios plantando cereais e linho, fabricando cestas, tecidos, cermica

    grosseira, variados instrumentos de slex e de outras pedras. J usavam uma verso primitiva da foice de

    madeira com incrustaes de slex. Esta fase conhecida el-Badari, incluindo a de Deir Tasa,

    compreendendo o perodo de 4500 at 4000 a.C. Nesta fase foram encontrados importantes stios

    arqueolgicos que atestam a crescente importncia da agricultura: no primeiro, na regio de Deir Tasa, no

    curso mdio do Nilo, foram encontrados cemitrios especiais nos quais os mortos esto amortalhados e

    acompanhados de vasos de comida, chamada de cultura tasiana; no segundo, nas regies de Htuan e de

    Merind, ao norte do Egito, por volta de 4200 a.C., as tribos locais enterravam os mortos sob a terra das

    cabanas e os deitavam de lado, com a face virada para o Nilo e provises de alimentos.

    Na fase seguinte, conhecida como Nagada I, entre 4000-3600 a.C., o empobrecimento dos osis e a

    secura das torrentes de gua forou as populaes sedentrias a manter um cultivo anual nas terras

    regadas pelo Nilo. A partir desta fase j surgem os primeiros utenslios de cobre martelado e o corte do slexe a fabricao da cermica aperfeioada.

    Nos ltimos sculos do quarto milnio a.C., fase gerzeense ou de Nagada II, entre 3600-3100 a.C.,

    mudanas sociais maiores passam a ser perceptveis pela arqueologia. Os indcios das mudanas

    comeam quando detectamos o aparecimento de peas de cobre preparadas seja em bigornas, seja em

    moldes, depois da fuso, que requereu uma tecnologia de apoio - minas, transporte e armazenamento de

    minrios, alm das tcnicas para a fuso, a forja, o refinamento e o molde. Isto significou a necessidade de

    transformaes polticas e sociais de peso para organizar a contento um complexo integrado por numerosas

    atividades interligadas. Reforando esta situao, os cemitrios de Nagada II indicam a existncia de um

    sociedade estratificada e no igualitria nos ncleos populosos de Hieracmpolis, Koptos, Nagada, Abydos.

    H tambm indcios de contatos comerciais e culturais com sia: importao de lpis-lazuli e influncia da

    Baixa Mesopotmia.

    3. O Eg it o pr-d insti co

    Ao contrrio da fragmentao poltica das cidades-Estados baixo-mesopotmica, o Egito, no incio do

    3 milnio, j emergia como reino unificado. Aps um perodo neoltico, entre 5000 e 3300 a.C., em que

    permaneceu quase inalterado o modo de vida nas aldeias, no perodo Pr-Dinstico (3300 a 3000 a.C.)

    que no Egito as mudanas sociais maiores passam a ser perceptveis pela arqueologia e que nos permitem

    identificar o final deste perodo como a fase decisiva na passagem de formas dispersa de poder nas aldeias

    para formas de poder concentrado mos de grupos locais com numerosos dependentes.

    No ltimo sculo, anos antes da unificao do pas e da constituio Estado faranico, o stio

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    arqueolgico de Hieracmpolis, ao sul do Vale do Nilo, tinha uma populao importante que se encontrava

    concentrando em aglomeraes fortificadas, contando ainda a regio com um templo prestigioso e um

    sistema de irrigao baseado em tanques ou bacias formadas e fertilizadas naturalmente pelo rio, atraindo a

    populao imigrante das estepes saarianas que atravessavam uma radical desertificao. Por outro lado, a

    regio mostra uma diversidade nos graus de riqueza das tumbas j a partir da segunda metade do quarto

    milnio, evidenciando uma populao socialmente estratificada e no mais igualitria. Existem, tambm,sinais de conflito com a Nbia, que podem ter favorecido localmente na formao grupos militares bem

    definidos.

    A presena de um sistema local de poder no foi um privilgio s de Hieracmpolis. Existem provas

    arqueolgicas da existncia de uma diversificao social mais intensa e da presena de sistema locais de

    poder em outras partes do Nilo, centenas de anos antes da unificao do Egito. Em meados do quarto

    milnio a.C., as tumbas maiores e mais ricas apareciam dispersas nas necrpoles, mas depois, com o

    aumento das riquezas, tenderam a se aglomerar. Os cemitrios passaram a perpetuar a segregao dos

    membros mais privilegiados em relao ao resto da populao. Como provas indiretas do estabelecimento

    de poderes locais, encontrou-se em diversas localidades indcios da existncia de artesos de alta

    qualificao; presena de celeiros de grande capacidade; metalurgia do cobre; construes de grande porte

    que exigiam um contingente numeroso de trabalhadores disponveis e, portanto, um sistema de distribuio

    de rao aos trabalhadores e algum sistema de concentrao tributria que permitisse armazenar

    excedentes de cereais.

    A arqueologia tem comprovado que a irrigao foi em boa parte controlada regionalmente com a

    formao de entidades territoriais regionais; spatou nomos. Isto no vale, j que no delta a introduo do

    sistema de nomos parece ter ocorrido tardiamente. No Alto Egito ou vale, o nomo tinha um deus local

    prprio, um chefe e uma confederao tribal estabelecida em territrio fixo, configurando-se como unidadeem que se deram primeiro as relaes urbano-rurais nascentes e o aparecimento de um poder separado

    das relaes de parentesco. Situao que foi fazendo desaparecer as organizaes em linhagens de tribos,

    terminado por no haver mais sinais das mesma no perodo do Egito histrico.

    Neste contexto, no de estranhar a existncia de conflitos armados entre as entidades territoriais

    regionais que terminaram por gerar blocos polticos crescente. Segundo Hoffman, ao tentar explicar as

    razes destes conflitos, tais embates surgiram das tentativas de monopolizar bens armazenados, os

    sistemas locais de clientelas e de centralizao tributria, de controle do comrcio de longa distncia e de

    deter smbolos de poder pelos quais eram definidos o prprio status dos chefes e de seus seguidores.

    No total, podemos falar de cerca de quatro dezenas de entidades territoriais regionais (os spat ou

    nomos) como sistema locais de poder, que mais tarde funcionariam como provncias do reino unificado. O

    aparecimento, primeiro nos nomos, de relaes urbano-rurais nascentes e o surgimento em carter pioneiro

    de ncleos polticos-territoriais definidos devem ter levado os conflito a desembocar em confederaes

    crescente e, por fim, no reino do Egito, duplo (Baixo Egito e Alto Egito), mas unido sob um nico monarca (

    o fara).

    A formao de um Estado centralizado no Egito nas condies descrita, leva-nos de imediato a

    questionar uma velha hiptese de que colocava a construo de obras de irrigao como causa direta da

    formao do mesmo. As pesquisas arqueolgicas, principalmente a partir dos anos 60, tem comprovado o

    quanto eram incipientes as construes de obras de irrigao no perodo anterior e posterior ao surgimento

    do reino unificado no Egito. Mas ainda, as pesquisas tem demonstrado que a construo,

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    manuteno e controle dos sistemas de irrigao existentes eram da alada local e regional.

    Outro sistema interpretativo do surgimento do Estado centralizado no Egito se apoia decisivamente

    na idia de que os conflitos teriam proporcionado a unificao de dois Estados j pr-existente no perodo

    Pr-dinstico. Segundo os adeptos deste sistema interpretativo, em virtude da cultura do norte ter se

    estendido ao Egito inteiro falariam a favor de uma unificao, em favor do delta, mas que no perdurou.

    Posteriormente, desta vez partindo do sul, um novo processo de unificao teria dado origem monarquiahistrica. A questo colocada se um processo de fuso cultural necessita mesmo de um processo poltico

    para que ocorra. Por outro lado, a idia se baseia em achar a oposio entre as duas partes da monarquia

    dual (o fara era rei do Alto e Baixo Egito e sua coroa era dupla) como elemento da existncia de dois

    Estados e padres culturais existente no Pr-dinstico que foram unificados a fora e no em uma forma de

    raciocnio que se baseia em pares de oposio complementares.

    a partir destas interpretaes que se tentou elaborar um esquema de consenso sobre a evoluo

    poltica que resultou na unificao do Egito. Em breves linhas, o esquema nos explica que um certo rei

    scorpio teria reunido todo o vale at Tura, mas como o seu tacape de pedra cerimonial s o mostra

    usando a coroa branca do Alto Egito, e no a vermelha do Baixo Egito, ele no teria completado a

    unificao. A tarefa teria sido completado pelo seu sucessor, o rei Narmer. Esta explicao dada a partir

    de uma paleta votiva que mostra Narmer como vitorioso sobre os habitantes do delta. O mesmo Narmer

    identificado como o Men ou Meni de listas dinticas posteriores (Papiro de Turim, Lista real de Abidos) ou

    Menes de que fala o sacerdote da poca helenstica, Manethon. Outras listas reais compiladas sob a V

    dinastia do como primeiro monarca o rei Aha, arqueologicamente comprovado como monarca da I dinastia.

    A partir deste fato, chegou-se a supor que Narmer, Meni e Aha eram a mesma pessoas. Outros viam

    Narmer e Aha como reis sucessivos ou, ainda, que Meni ou Menes no passavam de figuras lendrias ou

    evocadoras de chefes que lutaram pela unificao do Egito. Posteriormente, os arquelogos descobriramum vaso no cemitrio protodinstico de Tura, no qual se acreditava ler o nome de Escorpio, mostrou -se

    que a leitura estava incorreta e que o nome indicava mas um ttulo do que um nome prprio. Em 1963, um

    outro tacape cerimonial de pedra foi achado com uma representao de Escorpio com a coroa do Baixo

    Egito. A partir da outras questes foram levantadas, como: teria havido mais de uma unificao? Namer

    teria simplismente dirigido uma expedio punitiva, depois da unificao realizada contra os revoltosos do

    delta.

    Seja qual for a resposta, o importante constatar que um processo partiu do sul, mais densamente

    povoado, em direo ao norte, com o Egito se tornando o primeiro reino unificado da histria, por volta de

    3000 a.C.

    4. O Reino An tig o e o p rim eiro p erodo in term edirio d o Eg ito

    Para a histria posterior ao protodinstico ou da unificao do Egito, quase todo o terceiro milnio

    a.C., Ciro Falmarion Cardoso prope uma periodizao, partindo do ponto de vista poltico-administrativo,

    divididas em trs etapas: 1) as trs primeiras dinastias, fase de formao das instituies monrquicas; 2)

    o apogeu do Reino Antigo - dinastias IV a VII, 2575-2150 a.C.; 3) o fim do Reino Antigo e o Primeiro

    Perodo Intermedirio - dinastias VIII a VII, 2150-2040 a.C., anos de desagregao poltica seguida da

    reconstruo da unidade.

    Tendo a unificao ocorrido num momento imaturo do processo de urbanizao, possvel que tenha

    eliminado o elemento de conflito - a luta entre comunidades vizinhas - que na, Baixa Mesopotmia, facilitou

    o desenvolvimento das cidades-Estados. A ausncia de ameaas externas durante muitos

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    sculos eliminou outro dess