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_ /0 FOCOI VIA6ENS NO PORTU6Ufs •••••••••••••••• 1ffJ!JUfJ

Interferencia e Variante Linguistica.Algumas Consideraqoes Sociolinguisticassobre 0 Portugues Faladoem M09ambique

o bilinguismo social, consequencia docontacto de linguas e determinante nodesenvolvimento de uma variante do por-tugues em Mocarnbique apresenta-se, tam-bem, diversificado «a priori» em do is tiposde situacao sociolinguistica: as zonas ruraise urbanas.

Nas zonas rurais a situacao caracteriza-sepor urn monolinguismo dominante (linguaBantu local), ou seja, a necessidade de uti-lizacao da lingua portuguesa quase nao sefaz sentir. 0 isolamento, 0 distanciamentoda cidade, dos orgaos governamentais, dosmeios de inforrnacao e, sobretudo, pelofacto de se tratarem de comunidades lin-guisticamente homogeneas, reduz a utiliza-cao do portugues a situacoes muito lirnita-das, pontuais e previsiveis (os limites daescola, a administracao, etc).

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~----Ilotio Gomes da Silva

aM1este artigo gostarfamos de sugeriralgumas reflex6es de caractersociolinguistico sobre factores queinterferem directa ou indirecta-

mente na fixacao de uma variante do por-tugues, neste caso, Mocambique.

A situacao da lingua portuguesa emMocambique ja foi varias vezes referenciadaem artigos, cornunicacoes e teses sobre 0

fen6meno linguistico em Mocambique, Estasituacao caracteriza-se essencialmente pelocontacto de linguas e dos fen6menos, avarios niveis de analise, dai decorrentes.

Ao se reflectir sobre 0 fen6meno davariacao da Iingua portuguesa em Mccarn-bique, deve imperativamente ter-se emconta uma serie de factores determinantese constrangentes. Esses factores vao desdea diversidade e variedade linguistica (esociolingufstica) do territ6rio ate as dificul-dades na delimitacao de urn «corpus» nacio-nal de estudo. As dificuldades de acessoaos locais e a multiplicidade/diversidade lin-guistica do territ6rio obrigam-nos a noscentrarmos em situacoes mais acessiveis.

• Universidade Eduardo Mondane.

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o caso das cidades, sobretudo Maputo,assemelha-se a muitos outros casos identi-cos em varies pafses do Terceiro Mundo.Existe urn grande afluxo populacional quea pr6pria cidade muitas vezes nao suporta,etc. Assim, 0 bilinguismo e dominante, ouseja, para se poder sobreviver na cidadetern que se falar portugues, a lfngua veicu-lar. Esta situacao provoca uma serie defen6menos caracterfsticos de situacoes delfnguas em contacto e que afectam commais ou menos incidencia as lfnguas emcausa. Para se falar do portugues de Maputo(e a partir de agora, pelas razoes apontadasno inicio falaremos s6 de Maputo) deve-seter em mente que 0 facto de este ser maio-ritariamente «rnanuseado» por falantes cujalingua materna e uma lingua Bantu, suscitauma serie de interferencias a todos os niveislinguisticos (sintactico, morfol6gico, lexical,etc.). Parece-nos que no portugues deMaputo comecam ja a aparecer urn certomirnero de erros e desvios que pela suafrequencia e regularidade constituem 0

embriao de uma futura norma da capital.E 6bvio que nao se pode falar de umavariante mocambicana, 0 que alias e validopara todos os paises do mundo. Quandomuito, e isso depended do que futurasinvestigacoes conseguirao trazer a lume, sepodera falar de variantes regionais especi-ficas a cada uma das zonas deste tao vastoterrit6rio.

Actualmente, as investigacoes sobre 0

portugues de Mocambique (em particularde Maputo) centram-se essencialmente deurn ponto de vista lingufstico. Podem-seindicar, p. ex.; nomes como Goncalves, P.,Machungo, 1., Carrilho, M. ]. Albarran, M.]., entre outros.

Parece-nos, no entanto, que apesar dagrande validade destes trabalhos, nao nospodemos desligar de outros factores naomenos importantes que contribuem para afixacao de uma variante do portugues. Seo tsonga (grupo de lfnguas Bantu faladasno suI, sendo 0 xi-ronga e 0 xi-changanaas lfnguas de Maputo) interfere no portu-gues de Maputo, existem por outro ladoalguns factores sociolingufsticos determi-nantes que institucionalizam» 0 desvio, con-tribuindo assim para a fixacao da variante.

A variante do Portuguesde Maputo

1. Norma I variante

Dos muitos factores sociolingufsticossobressai naturalmente 0 bilinguismo queresulta em fen6menos de alternancia dec6digo, de interferencia, de «calque», etc.o surgimento destes fen6menos faz como portugues de Maputo se distancie cadavez mais da norma do portugues padraoeuropeu, sobretudo depois de 1975 ondeo ensino e os contactos entre as regioesforam alargadas. As campanhas de alfabeti-zacao, a acessibilidade it escola e as pr6-prias exigencias da nova vida nacional,aumentaram consideravelmente 0 mimerode falantes do portugues.

A questao da variante de Maputo, levantaainda urn outro tipo de problema que, final-mente, parece-nos contribuir na fixacaodesta mesma variante. Sociolinguisticamentefalando, ela e urn fen6meno ainda malaceite e nao assumido. 0 sentimento colec-tivo e que apesar de inevitavel ela e «mar-ginal». Mesmo noutros paises em que sefala uma(s) variante(s) portugues europeu,a situacao e algo diferente: por exemplono Brasil, apesar das varias variantes regio-nais, a variante padrao do portugues brasi-leiro e a de S. Paulo ou a do Rio de Janeiro.Com Maputo nao acontece 0 mesmo. Narealidade 0 paradoxo actual e que a normapadrao mocambicana institucionalizada pelogoverno ligada it heranca da hist6ria colo-nial e a variante do portugues europeu,com a qual os mocambicanos praticamentenao tern nenhum contacto. De resto, essesmesmos falantes nao reproduzem essavariante. Alguns estudos linguisticos dosautores ja citados, demonstraram a regula-ridade de certos fen6menos linguisticos queapontam para uma variante do portuguesem Mocambique. No entanto, 0 estatutosocial do portugues, lingua de prestfgio,relega a essa mesma variante a imagem do«erro». Efectivamente, 0 arador politico, aprofessor, 0 tecnico, 0 comerciante, etc.que constituem as camadas altas da popu-lacao, esforcam-se par utilizar aquilo que

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eles julgam ser a norma do portugues euro-peu, portanto, norma de prestigio.

Deste ponto de vista sociolinguistico,parece-nos haver consequentemente doistipos de fenomenos que caracterizam 0 por-tugues de Maputo:

- fenomenos de hipercorreccao (obser-vaveis em utilizadores «piiblicos» doportugues. locutores da radio, homenspoliticos);

- fenornenos de inseguranca lingufstica.

o impacto destes fenomenos que inter-ferem na consolidacao do portugues deMaputo, sera tornado em conta maisadiante.

2. Factores de cccristalizaqaoll

da varianteSe admitirmos que uma situacao de Iin-

guas em contacto tern consequenternentefenomenos lingufsticos de interferencia,neste caso 0 portugues, parece-nos, poroutro lado, que essa mesma interferenciapode ser transitoria ou estavel, Quer istodizer que, para alem dos erros classicos deinterferencia de L 1 para L2, observamostambem que 0 erro muitas vezes dependedo grau de escolarizacao do falante. Istoleva-nos a crer que existem, no caso pre-sente, dois tipos de erro: 0 erro conse-quente do proprio processo de aprendiza-gem do portugues aquilo a que proviso-riamente chamarfamos de «erro cristalizado-ou «desvio». Este ultimo e comum a urngrande mimero de falantes, portanto, mas-sivamente reproduzido quer na utilizacaooral quer escrita da lingua.

Em relacao ao primeiro tipo de erro,trata-se normalmente daquilo a que classi-camente se chamaria de «interlingua» ouseja, no processo de aprendizagem da lin-gua 2, os individuos elaboram certas hipo-teses, criam mecanismos de economia,fazem generalizacoes. Normalmente, nosprocess os de aprendizagem existem variasinterllnguas sendo as formas incorrectasprogressivamente substituidas por formas

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socialmente aceites. Este fenomeno escapaao nosso objectivo de refelxao dado quese tratam de casos particulares, podendo--se dizer que cada individuo e especificona sua propria interlingua.o que nos parece particularmente inte-

ressante e 0 segundo tipo de erro. A partirdo momenta em que os desvios saocomuns a urn grande mimero de falantes,cornecam a ser a genese da propriavariante. Estes desvios continuam, noentanto a entrar em choque com 0 portu-gues, lingua de instituicao social e deensino, uma vez que a norma de prestigiosocial continua a ser a do portugues euro-peu.o desvio, para que se tome massiva-

mente reproduzido depende de uma seriede factores sociolingufsticos que contri-buem nao na fixacao ou «cristalizacao» doerro como na sua propria reproducao. Estaparece-nos ser uma perspectiva nova deinvestigacao que se abre ao estudo do por-tugues de Mocambique que infelizmente atehoje nao existe.

Da nossa pouca experiencia de trabalhoneste dominio, julgamos que existem nestemomenta quatro grandes factores sociolin-guisticos que necessitariam de uma inves-tigacao mais seria e rigorosa:

a) A classe social;b) A escola,c) Os orgaos de informacao,d) A nova geracao urbana.

a) A classe social

A sociedade mocarnbicana, particular-mente a de Maputo, sofreu urn processoabrupto de reorganizacao e restruturacaodesde 1975. Tendo acabado a «elite» colo-nial portuguesa, esta foi pouco a poucosubstituida por uma elite nacional de diri-gentes politicos e, essencialmente, quadrosdo aparelho do Estado. Nos ultimos anoscornecou tambem a aparecer urn grandenumero de comerciantes empresarios pri- 103vades com uma situacao economica privi-legiada.

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Esta nova burguesia emergente tern umagrande influencia nos varies sectores dasociedade. Nao se pode esquecer que setrata tambem de individuos bilingues comtodas as consequencias linguisticas e socio-linguisticas que dai advern.

A importancia desta classe na fixacao dodesvio e justamente pelo lugar que elaocupa na sociedade.

Trata-se de uma classe que, por ser deprestigio, utiliza normalmente a Hngua por-tuguesa em todas as relacoes familiares. asfilhos destes individuos tern acesso a escola,aprendem normalmente 0 portugues pre-cocemente e utilizarn-no no seu quotidiano.

E, portanto, uma classe que manuseia alingua na oralidade e na escrita e, pelo factode se tratar da classe elevada da populacaoconstitui frequentemente 0 modelo linguis-tico de outras classes da sociedade. a quenos parece e que esta classe, falando nor-malmente 0 portugues como L2 e respon-savel pela reproducao do desvio (demaneira inconsciente) do portugues e, pelascaracterlsticas sociais que the sao ineren-tes, na consequente fixacao da variante.Para alem disso, sao muito frequentes emindividuos desta classe, os fen6menos dehipercorreccao, sobretudo nos niveis fone-ticos e fonol6gico.

b) A Escola

Como ja foi anteriormente afirmado, 0

paradoxo Iinguistico actual e 0 facto de anorma oficial ser a do portugues europeu,norma essa com a qual a grande maioriados individuos nao tern praticamente con-tacto, sendo disso a escola urn exemplo fla-grante. Efectivamente 0 corpo docente eessencialmente constituido por individuosdo portugues L2 e, normalmente com fracapreparacao. Recorda-se que numa cidadesuperpovoada como Maputo 0 mimero dealunos e cada vez maior, chegando aoponto de por em risco 0 pr6prio processopedag6gico (p. ex., existem em media 90alunos para urn professor primario),

Sendo a escola 0 meio, por excelenciade difusao da norma linguistica, 0 caso deMaputo nao escapa a regra, tendo contudo,

as suas particularidades. a portugues, lin-gua de ensino e falado pelos alunos e pelosprofessores com os mesmos erros. a pro-fessor nao s6 nao controla 0 desvio comoao mesmo tempo 0 «institucionaliza» poisa escola e socialmente a norma. Esteparece-nos, por si s6, constituir uma fac-tor determinante na fixacao da variante. Poroutro lado quer nos parecer que pelo factode os programas de lingua portuguesa naoserem program as na perspectiva de ensinode uma segunda lingua, deixa em abertoa possibilidade de os alunos e professoresse fixarem em questoes de analise linguis-tica, por exemplo, escapando-lhes comple-tamente 0 controle da sua pr6pria "perfor-mance» do portugues. E por esta razao quemesmo a nivel do ensino universitario seencontra 0 registo daquilo a que se pode-ria chamar de variante do portugues deMaputo.

c) Os orgaos de informa9ao

as orgaos de informacao que no nossocaso nos parecern mais importantes, sao aRadio Mocarnbique e 0 jornal «Noticias» 0

diario de maior tiragem a nivel do pais. Talcomo a escola, estes orgaos constituem osveiculos difusores da lingua portuguesa, lin-gua oficial do Estado. Estes orgaos possuemjornalistas novos, provenientes e inseridosno contexto lingufstico de Maputo e, natu-ralmente falantes de portugues L2.

Assim, tanto a radio como 0 jornalrevelam-se potentes veiculos de reprodu-coes do erro, principalmente em progra-mas radiof6nicos de grande audiencia (emis-s6es que questionam os problemas dodia-a-dia dos cidadaos, programas de mesa-gens, etc.). a jornal reproduz 0 erro nasua forma escrita. Estes dois meios de infor-macae constituem assim, urn factor socialda variante. Isto quer dizer que 0 registolinguistico veiculado por estes orgaoscomeca aos poucos a deixar de entrar emcontradicao com 0 portugues de Maputo.A nosso ver, a cristalizacao do erro surgequando 0 leitor reconhece no que Ie nojornal ou ouve na Radio, a sua pr6priavariante.

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d) A nova geraqGo urbana

Por ultimo, existe urn factor que consti-tui 0 embriao da futura variante estavel doportugues de Maputo.

De ha alguns anos para ca, esta a surgirem Maputo uma nova geracao de criancasfilhos, principalmente, de pais da classe altada populacao de Maputo (mas nao so). Estageracao ou tern 0 portugues como lfnguamaterna, ou 0 aprende precocemente,sendo a sua competencia linguistica, noscasos de bilinguismo, normalmente supe-rior a do tsonga. Sendo filhos da classealta da populacao, a utilizacao e, como jadisse, por esta classe quase exclusivamenteo portugues, lingua de prestigio, no quoti-diano.

A importancia desta nova geracao na fixa-r,;aoda variante e que, 0 portugues que elaadquire e, nao a normal do portugues euro-peu, mas a variante a que nos temos vindoa referir. Esta aprendizagem quer por partedos pais, quer por via escolar, resulta final-mente na reproducao da variante utilizadapor estas «fontes» de aquisicao da lingua.E uma variante que a escola nao controla,reproduzindo-a e fixando-a.

No seu relacionamento quotidiano acrianca desta geracao esta, ela propria, aconstituir 0 futuro falante «native» de umafutura norma do portugues de Maputo.

ConclusaoPretendeu-se neste breve artigo mostrar

que existe em Maputo 0 fenomeno socio-linguistico da variante do portugues.o seu estudo pode ser feito numa pers-

pectiva linguistica (estudo dos fenomenosde interferencia, etc.). No entanto parece--nos que a descricao Iinguistica deste feno-meno nao explica, por si so, quais os meca-nismos sociais actuais que determinam aconsolidacao desta variante. Tentou-selevantar pistas de investigacao e factoressociolinguisticos que neste momentaentram em jogo no contexto da actualdinarnica do portugues em Mocambique,Estamos convencidos de que futuras inves-

tigacoes rigorosas neste dominie provavel-mente modificarao ou aprofundarao algu-mas afirrnacoes ou pressupostos que aolongo destas linhas se deixaram trans-parecer.

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