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1 INTRODUÇÃO Este artigo pretende trazer uma reflexão teórica sobre a questão do planejamento territorial rural, relacionando o tema com o programa Territórios da Cidadania e enfatizando a importância dos processos participativos, envolvendo mulheres rurais, para o desenvolvimento territorial. Uma prática qualificada de governança territorial é requisito indispensável para o desenvolvimento (DALABRIDA, 2003; 2007). Isso se justifica em razão de que a dimensão territorial tem vital importância na formulação da política de ordenamento, pela sua capacidade de integrar as dimensões ambiental, econômica, social, cultural e institucional, e por ter o território como base, sendo a arena onde as políticas se concretizam. A adoção do território como unidade de planejamento e gestão, considerando suas dinâmicas espaciais e sociais, fazem deste uma construção social diversificada, com potencial para o desenvolvimento. Essas dinâmicas de relação envolvem atores sociais e poder, na busca de soluções coletivas, que nem sempre pode ser de fácil consenso, e implica em passar de um modelo hierárquico (vertical) para um modelo de cooperação e participação (horizontal). Por isso, a articulação das políticas territoriais devem dialogar nos diversos níveis de governo, valorizando estruturas em rede, no sentido de empoderamento e organização dos movimentos sociais para o desenvolvimento dos territórios. Entende-se que aqui reside a necessidade de transcender as abordagens normativas, em relação a

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INTRODUÇÃO

Este artigo pretende trazer uma reflexão teórica sobre a questão do planejamento

territorial rural, relacionando o tema com o programa Territórios da Cidadania e

enfatizando a importância dos processos participativos, envolvendo mulheres rurais,

para o desenvolvimento territorial.

Uma prática qualificada de governança territorial é requisito indispensável para o

desenvolvimento (DALABRIDA, 2003; 2007). Isso se justifica em razão de que a

dimensão territorial tem vital importância na formulação da política de ordenamento,

pela sua capacidade de integrar as dimensões ambiental, econômica, social, cultural e

institucional, e por ter o território como base, sendo a arena onde as políticas se

concretizam.

A adoção do território como unidade de planejamento e gestão, considerando suas

dinâmicas espaciais e sociais, fazem deste uma construção social diversificada, com

potencial para o desenvolvimento. Essas dinâmicas de relação envolvem atores sociais e

poder, na busca de soluções coletivas, que nem sempre pode ser de fácil consenso, e

implica em passar de um modelo hierárquico (vertical) para um modelo de cooperação e

participação (horizontal). Por isso, a articulação das políticas territoriais devem dialogar

nos diversos níveis de governo, valorizando estruturas em rede, no sentido de

empoderamento e organização dos movimentos sociais para o desenvolvimento dos

territórios. Entende-se que aqui reside a necessidade de transcender as abordagens

normativas, em relação a processos de participação e sustentação de um modelo

colaborativo em ambientes de disputas, buscando nas pesquisas empíricas os elementos

para compreensão das dificuldades de articular esses processos, o que se constitui o

papel do planejamento no desenvolvimento territorial.

Para atender a proposta de investigação, o artigo encontra-se estruturado da

seguinte forma: na primeira seção apresenta-se de forma sintética, uma reflexão teórica

sobre governança territorial e planejamento territorial; na segunda seção aborda-se uma

breve retrospectiva sobre planejamento territorial no Brasil e sua importância para o

desenvolvimento; na terceira seção discute-se o planejamento territorial rural através da

experiência dos territórios da cidadania na região Central do Rio Grande do Sul, e por

fim, na quarta seção, avançando a reflexão teórica e aproximando-se da realidade

empírica, problematiza-se o planejamento e gestão social com perspectiva de gênero

no desenvolvimento territorial, e a organização das mulheres rurais frente aos processos

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participativos, abordando o desenvolvimento do Projeto Semeadura para região central

do Rio Grande do Sul.

1. CONSIDERAÇÕES TEORICAS SOBRE GOVERNANÇA E

PLANEJAMENTO TERRITORIAL

Governança territorial é um conceito que tem implícito o planejamento estratégico

de suporte à ação, incluindo instrumentos de monitoramento e avaliação de ações,

eficiência das estruturas administrativas e a coordenação de políticas e de unidades

administrativas e cooperação entre si e colaboração público/privada.

Nesse sentido, Farinós Dasi (2008), refere que

[...]a governança territorial pode ser encarada de dois pontos de vista: como mera aplicação dos princípios de boa governança às políticas territoriais e urbanas ou como um processo de planeamento e gestão de dinâmicas territoriais numa óptica inovadora, partilhada e colaborativa (FARINÓS DASI, 2008, p.13-14).

Na experiência brasileira, o tema vem sendo discutido por um conjunto de

autores, entre os quais Milani e Soilinis (2002); Dallabrida e Becker (2003); Favareto

(2009); Dallabrida (2011) Brandão (2007, 2015), que enfatizam a pratica do

planejamento para dinâmica territorial do desenvolvimento, em que a governança pode

ser entendida como

o exercício do poder e autoridade para gerenciar um pais, território ou região, compreendendo os mecanismos, processos e instituições através dois quais os cidadãos e grupos articulam seus interesses públicos, incluindo entre os atores representações dos agentes estatais (DALLABRIDA, 2011, p.2).

A governança territorial prescinde de um planejamento com a atuação de

diferentes atores, em perspectiva multiescalar, nas diferentes instituições incluindo o

Estado, de forma a valorizar os instrumentos utilizados para a ação, na chamada

“política de escala”, conforme destaca Brandão (2015).

Como modo particular de acumular, organizar e dispor de seus recursos políticos (incluindo a utilização de recursos simbólicos e discursivos), a “política de escala” se manifesta na constituição de arenas e instâncias, em que se buscam estabelecer alianças, confrontos etc., possibilitando acionar instrumentos, dispositivos e recursos diversos, segundo esse ângulo-prisma. Ou seja, escala espacial é também arena política e lócus do exercício de poder e hegemonia, que permite desvendar e antepor poderes diversos. Assim, a escala delimita, desenha e recorta, em processo constante de

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confrontos e por interação/oposição, compromissos sociopolíticos em movimento conflituoso e contingente (BRANDÃO, 2015, p.8).

A perspectiva de planejamento governamental baseado em territórios ou regiões

brasileiras possui aspectos característicos em função da dimensão territorial do país,

bem como da heterogeneidade e diferenciação do território, o que exige o

encaminhamento de soluções diferentes para atender aos diferentes espaços regionais.

Dessa forma, a consideração sobre as diversidades regionais são determinantes

para articulação do planejamento de políticas públicas e atuação governamental, entre

eles a dimensão continental, a heterogeneidade e a diferenciação do território,

conformado por complexos processos históricos e sociais, resultando no que se pode

chamar de diversidade regional ou “a questão regional brasileira”, um tema de

relevância nas atuais discussões acadêmicas. Nesse sentido, Nabuco (2007) vai afirmar

que

A grande estrutura territorial Brasileira, as fortes diferenças climáticas e geológicas entre as regiões, a preocupação com a integração nacional, aliadas à forte influência política da elite das regiões menos desenvolvidas (com forte representatividade no Congresso Nacional) e a necessidade de promoção da acumulação capitalista no país, são consideradas como fortes razões para justificar a mobilização do aparelho estatal no apoio ao desenvolvimento de políticas regionais (NABUCO, 2007, p.66).

Cabe aqui ressaltar as escalas espaciais e movimentos propostas por Brandão

(2015, p.9), “nos níveis: i) do plano escalar sul-americano ao nacional; ii) do plano

escalar nacional ao mesorregional; iii) do plano escalar mesorregional ao microrregional

/ supralocal / lugar / sítio”, em que território é local de articulação dos atores e

integração das forças para implementação das ações do planejamento, solidificando

estratégias de construção do desenvolvimento.

2. BREVE RETROSPECTIVA DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO

BRASIL

O planejamento territorial no Brasil, em suas experiências iniciais (1940 em

diante), está vinculado ao planejamento governamental voltado aos territórios e

centrado em problemas emergentes em fases do desenvolvimento nacional e regional,

como por exemplo as secas no nordeste, desenvolvimento de bacias hidrográficas, sobre

tudo a do Rio São Francisco ou a exploração da borracha na Amazônia (GUIMARÃES

NETO, 2010).

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Alguns autores como Monteiro Neto (2005) e Tavares et all,(2009), além de

Guimarães Neto (2010), na tentativa de situar em períodos a trajetória seguida pelo

planejamento territorial no Brasil, consideraram como importantes as seguintes fases:

i)fase 1959-1980, que pode ser denominada desenvolvimentista, pela criação e

consolidação de inciativas e instituições nos governos Getúlio Vargas e Juscelino

Kubitschek ( destacando-se o BNDE e o Plano de Metas), continuados no regime

militar e na fase de retomada da economia nos anos 60 e seguintes, do chamado milagre

econômico, com o I e II Plano nacional de Desenvolvimento ( de1970 até 1979); ii)

fase 1980-2002, que abarcou a crise do Estado brasileiro e intenso período de inflação,

culminando com políticas de corte neoliberal planos de estabilização econômica( Plano

Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Brasil Novo e Plano Real). O final dessa

década precedeu o processo de abertura política e retorno ao regime democrático; iii)

fase 2003- 2010, caracterizada pela transição e momento da retomada do crescimento

econômico, correspondendo ao governo Lula e sua reeleição. Essa fase é marcada pelo

surgimento de novas abordagens de planejamento territorial, associados ao processo de

democratização e de abertura política que marcaram a sociedade brasileira, bem como a

efervescência dos movimentos sociais na década de 90, revitalizando os movimentos

regionais.

Nos anos mais recentes, no governo Dilma, ainda que enfrentando uma crise

política, acentuada pelo desmantelamento de graves quadros de corrupção, muitas

demandas históricas se transformaram em políticas públicas, a exemplo da Política

Nacional de Participação Social, avançando em relação a formação de uma agenda

política participativa para conformação do planejamento territorial.

3. O PLANEJAMENTO TERRITORIAL RURAL E A EXPERIÊNCIA DOS

TERRITÓRIOS DA CIDADANIA: UM ENFOQUE PARA REGIÃO CENTRAL

DO RS

Nas últimas décadas, a mobilização social em torno de políticas públicas, para

promoção do desenvolvimento rural, dão lugar a emergência ao planejamento territorial

para o desenvolvimento rural, com o reconhecimento da importância das dinâmicas

espaciais, entre outros fatores para determinar melhorias na qualidade de vida das

populações rurais. Disso resulta a valorização do território como espaço privilegiado

para promoção do desenvolvimento, que prescinde da valorização de suas

potencialidades e mobilização dos atores sociais.

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O Programa Territórios da Cidadania articula diferentes áreas do executivo

visando à integração de políticas, com estratégias de gestão descentralizada. Ao

identificar as potencialidades estratégicas de canalizar ações sociais para promover a

redução da pobreza e aumentar as oportunidades de desenvolvimento das áreas rurais do

país, o programa territórios de identidade foi redefinido, sob um novo programa

denominado Territórios da Cidadania, (implementado em 25 de fevereiro de 2008)

visando contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população para a promoção

do desenvolvimento rural sustentável em diversas áreas, como apoio a atividades

produtivas; infraestrutura, direitos e cidadania a partir da integração de políticas

públicas e da articulação federativa, com participação social desde o planejamento até o

acompanhamento da execução das ações.

A justificativa de implementação de uma política territorial se ampara no modelo

de gestão descentralizada, onde os estados possuem importante papel na coordenação

dos processos de planejamento, enfoque dos investimentos e financiamento conjunto de

projetos específicos, incorporando critérios para diferenciação das intervenções de

acordo com as diversas características de cada região.

A denominação Territórios da Cidadania abarca a dimensão política da cidadania,

como categoria fundamental da visão de desenvolvimento, em um sentido de

desenvolvimento social cidadão, que vai muito além do econômico. Assim, são

direcionadas para esse programa ações oriundas dos diversos ministérios do governo

federal, com apoio e participação das organizações urbanas, com vistas a

universalização dos programas de cidadania e reconhecimento de garantias e direitos.

Essas motivações estão ligadas a um modelo de agenda social favorável ao

desenvolvimento rural sustentável, superação da pobreza, através da geração de trabalho

e renda.

Nessa linha de tempo, a região Central do RS foi consolidada como território

rural em 2005, e em 2009 passou a integrar os Territórios da Cidadania (CARVALHO,

A. e DAVID, C., 2011). Na concepção desses autores:

[...] No caso do Território Região Central/RS, o seu fortalecimento e a consolidação acontecem por meio da aproximação dos laços entre os povos rurais, que tem como base a produção familiar ou comunitária, mediada pela discussão e implementação de políticas públicas (CARVALHO, A. e DAVID, C., 2011, p. 63).

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O Território Região Central (RS) é composto por 34 municípios: Itaara, Ivorá,

Jaguari, Júlio de Castilhos, Novo Cabrais, Paraíso do Sul, Pinhal Grande, Restinga

Seca, Santa Maria, São Francisco de Assis, São Pedro do Sul, São Sepé, São Vicente do

Sul, Toropi, Agudo, Cacequi, Cachoeira do Sul, Capão do Cipó, Dilermando de Aguiar,

Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Formigueiro, Jari, Mata, Nova Esperança do Sul,

Nova Palma, Quevedos, Santiago, São João do Polêsine, São Martinho da Serra,

Silveira Martins, Tupanciretã, Unistalda e Vila Nova do Sul. A população total do

território é de 647.823 habitantes, dos quais 125.974 vivem na área rural, o que

corresponde a 19,45% do total. Possui 31.965 agricultores familiares, 1.250 famílias

assentadas e 10 comunidades quilombolas. Seu IDH médio é 0,81 (BRASIL, 2013)

Neumann (2003), pesquisando o formato das terras nos sistemas familiares de

produção, trouxe dados referentes ao zoneamento agroecológico e biogeofísico para

região central do RS, que a princípio seguem um padrão relativamente homogêneo para

toda a Região. Entretanto, pela sobreposição dos mapas temáticos existentes (solos,

relevo, vegetação) este autor identifica certa diversidade, que configura três zonas

distintas de paisagem agropecuária (Figura 01). FIGURA 01: REGIÕES FISIOGRÁFICAS DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO CENTRO/RS

Fonte: Neumann, 2003

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Na Zona I, que o autor denominou “Microrregião do Planalto”, há predomínio de

médias e grandes propriedades, com agricultura modernizada, com destaque para a

cultura da soja e do milho, com exploração da pecuária de corte. A Zona II, denominada

pelo autor “Microrregião da Serra”, tem origem e ocupação pela imigração italiana e

alemã, é caracterizada pela agricultura familiar, onde mais de 40% das propriedades têm

menos de 20 hectares. Há o predomínio de sistemas de produção com base nas culturas

de fumo, na batata inglesa, no feijão e no milho. A Zona III, situada na Depressão

Central do Estado, de relevo plano, é a tradicional região de Campo, onde se desenvolve

agricultura modernizada, cultivo de arroz e soja, com maior número de grandes

propriedades de pecuária extensiva.

A partir dessas características, o Programa Territórios da Cidadania possui uma

matriz de Ações gerais e metas territorializadas. Dentre as ações (Quadro1) a serem

executadas no Território da Cidadania - Região Central – RS, em favor das mulheres

rurais.

QUADRO 1: AÇÕES DIRECIONADAS ÀS MULHERES RURAIS

Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA

1.Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais

2.Apoio ao Planejamento e à Gestão Social com Perspectiva de Gênero no Desenvolvimento Territorial

Rural

3.Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar - PAA

4.Assistência Técnica Especializada para Mulheres Rurais

5.Documentação da Trabalhadora Rural

Ministério da Educação – MEC

Apoio à Formação Profissional e Tecnológica - PRONATEC CAMPO

Computador Interativo

Fonte: Territórios da Cidadania - Matriz de Ações 2013.

Elaborado: PEDROSO, 2016.

Em certa medida, essas ações se justificam porque as circunstancias de gênero

associadas à classe social e etnia, que tendem agravar a condição da mulher rural, que

muitas vezes enfrenta dificuldades de investimentos na atividade produtiva, reduzido

grau de escolaridade, limitações geográficas de acesso aos serviços de saúde, entre

outros. Nesse sentido, políticas de gênero se transformam em ações afirmativas, como

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medidas que tentam diminuir essa desigualdade, com base numa "diferenciação

positiva" em relação às mulheres. Assim,

O conceito de gênero agrega a dimensão social e cultural à diferença sexual, adotando a perspectiva da construção social dos papéis sociais que devem ser desempenhados por homens e mulheres, e nega a construção universal das diferenças, implicando a compreensão dos papéis em determinada estrutura temporal e espacial (SILVA et. al. 2010, p. 26).

Por outro lado, a participação efetiva das mulheres nos processos produtivos do

saber e das práticas vinculadas à agricultura, sempre foram determinante para a

manutenção da vida, no que se refere à produção de alimentos, como na preservação

ambiental, na garantia de renda e comercialização, ou seja, na reprodução da vida.

Porém, essa participação ao longo da história foi secundarizada diante da organização

social capitalista. (NEVES e MEDEIROS, 2013).

4. O PLANEJAMENTO E GESTÃO SOCIAL COM PERSPECTIVA DE

GÊNERO NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

Os estudos sobre mulheres rurais realizados no Brasil (SCHAF 2003; BRUMER

2004; HEREDIA 2006 e SCHNEIDER 2010) evidenciam sua condição de trabalhadoras

não remuneradas, destacando aspectos importantes relacionados à situação de

desigualdade nas relações de gênero no meio rural, as quais desqualificam a importância

da participação da mulher nas atividades agrícolas e seu papel na reprodução social das

famílias rurais.

No mesmo sentido, Neves e Medeiros (2013) reafirmam essas dificuldades,

quando indicam que,

Daí a necessidade de aprofundar o conhecimento para melhorar a ação política das mulheres no campo; para tornar clara a elaboração das necessidades concretas do campesinato; e produzir coletivamente um conjunto de métodos que permitam operar na construção da visibilidade do trabalho de todos os membros da família, tema que deve fazer parte não só da educação familiar, mas também das esferas mais ligadas à produção econômica. (NEVES e MEDEIROS, 2013, p.7-8)

A fim de minimizar a realidade de desigualdades a que se submetem tantas

mulheres rurais, ação de Apoio ao Planejamento e à Gestão Social com Perspectiva de

Gênero no Desenvolvimento Territorial Rural, que tem como executor o Ministério do

Desenvolvimento Agrário – MDA, através da Diretoria de Políticas para Mulheres

Rurais – DPMR, prevê a criação de instâncias colegiadas de mulheres e

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assessoramento, com perspectiva de gênero, para elaboração e revisão dos planos de

desenvolvimento territorial. Através desses procedimentos, busca-se contribuir na

identificação dos movimentos e organizações de mulheres rurais nos Territórios da

Cidadania, promovendo capacitação com vistas à articulação e à ampliação da

participação das mulheres nas instâncias de controle social da política pública, e à

formação sobre políticas públicas da agricultura familiar e reforma agrária.

A gestão social com perspectiva de gênero valoriza a experiência das mulheres

rurais, que organizadas em grupos podem possibilitar visibilidade à sua efetiva

participação nas atividades econômicas e políticas, promovendo uma melhoria na

qualidade de suas vidas, com mais autonomia.

4.1. MULHERES RURAIS E PROCESSOS PARTICIPATIVOS REGIÃO

CENTRAL DO RS: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO SEMEADURA

A todas as mulheres, que avancemos na consciência, no planejamento e na organização das nossas lutas, das nossas conquistas em todas as partes do país e do mundo, porque: Mulheres organizadas, sementes germinadas e a sociedade transformada. (Direção Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA/Brasil, 2013).

No ano de 2015, aconteceu o I Encontro de Articulação e Rearticulação do

Comitê Territorial de Mulheres Rurais do Território da Cidadania Central, em Santa

Maria/RS, onde foi apresentado o Projeto Semeadura (Figura 02), na busca uma

socialização da reflexão sobre a realidade das mulheres rurais, da inclusão produtiva, do

trabalho doméstico e de cuidados na perspectiva da economia familiar. Abrange quatro

territórios no RS (Região Sul, Central, Noroeste Colonial e Alto Uruguai) e dois

territórios no Paraná (Cantuquiriguaçu e Paraná Centro).

FIGURA 02: IDENTIFICAÇÃO VISUAL DO PROJETO SEMEADURA

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O Projeto Semeadura tem como objetivo contribuir para o fortalecimento da auto-

organização das mulheres trabalhadoras rurais, fomentando sua participação nos

espaços de gestão social, na perspectiva de um desenvolvimento rural sustentável,

solidário, contribuindo para a redução das desigualdades de gênero e para a ampliação

do protagonismo das mulheres.

Entre as diversas metas preestabelecidas destacam-se a capacitação para o acesso

das mulheres às políticas públicas de inclusão produtiva, através da Oficina Estadual de

Capacitação em Política Pública e Desenvolvimento Rural Sustentável tendo como

referência os princípios, a economia feminista e solidária, agroecologia e socialização

do trabalho doméstico e do cuidado.

Como encaminhamento foi criado o Comitê, que tem como tarefa executar o

projeto, que se reunirá periodicamente para planejar a forma de colocar em prática as

atividades e fortalecer a auto-organização das mulheres trabalhadoras rurais e para a sua

participação na política pública de desenvolvimento rural, solidário e sustentável.

As principais ações desse projeto visam: i)fortalecimento da participação das

mulheres nos espaços dos colegiados territoriais; ii) encontro de articulação e

rearticulação com o comitê territorial de mulheres rurais dos Territórios da Cidadania;

iii) realização de oficinas de socialização dos resultados das Conferencias Territoriais,

Estaduais e Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável; iv) participação em

encontro estadual com os Comitês Territoriais de Mulheres Rurais; v)capacitação para

o acesso das mulheres às políticas públicas de inclusão produtivas. A Oficina Estadual

de capacitação em políticas públicas e desenvolvimento rural sustentável tem como

referência os princípios a economia feminista e solidária, agroecologia e a socialização

do trabalho doméstico e do cuidado.

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Nos dias 17 e 18 de fevereiro de 2016, a cidade de Santa Maria, na região central

do estado, aconteceu mais um seminário estadual de capacitação em políticas públicas

de desenvolvimento rural sustentável referenciada nos princípios da economia solidária

feminista e na agroecologia, promovido pelo Projeto Semeadura, em continuação as

ações iniciadas no ano de 2015, incluindo dinâmicas, oficinas e palestras nos dois dias

de encontro. Entre as pautas, a história das mulheres e da luta feminista em relatos e

vídeos, a promoção de uma oficina sobre economia solidária feminista; debates sobre a

agroecologia e os novos cenários das políticas públicas, que ao longo dos tempos,

tinham como beneficiários, em maior parte, os chefes de família na figura masculina, e

suas alterações na última década. Os assuntos abordados entre essas mulheres devem

retornar e serem multiplicados em suas comunidades pelas representantes. São sementes

de cidadania a serem plantadas pelas mulheres rurais no território da região central/RS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da revisão bibliográfica realizada neste trabalho e da abordagem

empírica, buscou-se além da de uma reflexão teórica conceitual sobre governança e

planejamento territorial, trazer a análise da experiência dos Territórios da Cidadania

para o planejamento territorial rural, investigando mais precisamente o planejamento e

gestão social com perspectiva de gênero e a articulação do projeto semeadura na região

central/RS.

A abordagem sobre mulheres rurais e processos participativos região central do

RS e a experiência do projeto semeadura dão conta da importância da articulação e

capacitação dessas mulheres, com vistas à autonomia e empoderamento, visando o

fortalecimento da auto-organização das mulheres rurais e para a participação em

políticas públicas de desenvolvimento rural. Observa-se que ainda existe grande a

dificuldade de articular mulheres rurais, ainda muito ligadas a certos preconceitos e ao

atendimento dos afazeres domésticos e da família, o que torna mais difícil o caminho

para ocuparem seus espaços e tomarem posse das políticas públicas de desenvolvimento

rural a elas destinadas.

Por fim, a articulação das mulheres rurais no sentido de promover estratégias para

efetivação de direitos, cidadania e visibilidade das mulheres rurais, permitindo a

participação social em instâncias de debate ainda é um desafio a ser vencido pelos

planejamentos de desenvolvimento territorial rural no Brasil.

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REFERENCIAS

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