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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SANTA CATARINA As instituições que assinam este documento vêm perante vossa excelência propor representação para fins de promoção do processo de impeachment do excelentíssimo senhor Governado do Estado de Santa Catarina, João Raimundo Colombo, em razão das práticas ilícitas adotadas pelo Estado de Santa Catarina para não repassar receitas tributárias aos municípios catarinenses e aos demais poderes e órgãos estaduais, bem como para apurar a abertura de créditos suplementares sem a comprovação do excesso de arrecadação e do superávit financeiro. 1. Não contabilização de ICMS como receita tributária para fins de divisão do imposto com os municípios, com os demais poderes e com órgãos estaduais e, ainda, para a contabilização de investimento mínimo em educação e saúde 1.1. Considerações preliminares Ressalte-se, inicialmente, que a Lei nº 4.320/1964 prevê a possibilidade de constituição de 1

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE

SANTA CATARINA

As instituições que assinam este documento vêm perante vossa excelência propor

representação para fins de promoção do processo de impeachment do excelentíssimo

senhor Governado do Estado de Santa Catarina, João Raimundo Colombo, em razão das

práticas ilícitas adotadas pelo Estado de Santa Catarina para não repassar receitas tributárias

aos municípios catarinenses e aos demais poderes e órgãos estaduais, bem como para apurar a

abertura de créditos suplementares sem a comprovação do excesso de arrecadação e do

superávit financeiro.

1. Não contabilização de ICMS como receita

tributária para fins de divisão do imposto com os municípios, com os demais poderes e

com órgãos estaduais e, ainda, para a contabilização de investimento mínimo em

educação e saúde

1.1. Considerações preliminares

Ressalte-se, inicialmente, que a Lei nº 4.320/1964

prevê a possibilidade de constituição de fundos sociais, com vistas à realização de

determinados objetivos ou serviços1.

Sobre o assunto, Heraldo da Costa Reis e José

Teixeira Machado2 asseveram:

Assim, chega-se a um conceito que deve estar presente: o fundo especial não é detentor de patrimônio, porque é o próprio patrimônio, não é entidade jurídica, não é órgão ou unidade orçamentária, ou, ainda, não é apenas uma conta mantida na Contabilidade, mas tão somente um tipo de gestão de recursos ou conjunto de recursos financeiros destinados aos pagamentos de obrigações por assunção de encargos de várias naturezas, bem como por aquisições de bens e serviços a ser aplicados em projetos ou

1 O art. 71 da Lei nº 4.320/1964 prescreve: “Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.

2 REIS, Heraldo da Costa; MACHADO JÚNIOR, José Teixeira. A Lei nº 4.320 comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal. p. 150.

1

atividades vinculados a um programa de trabalho para cumprimento de objetivos específicos em uma área de responsabilidade que a Contabilidade tem por função evidenciar, como é do seu próprio objetivo, através de contas próprias, segregadas para tal fim.

Acrescente-se que o Estado de Santa Catarina,

através da Lei Estadual nº 13.334/2005, criou o Fundo de Desenvolvimento Social –

FUNDOSOCIAL, o qual tem por objetivo financiar programas e ações de desenvolvimento,

geração de emprego e renda, inclusão e promoção social nas áreas de cultura, de esporte, de

turismo e, ainda, nas áreas afetas à educação especial e à educação superior.

Nos termos da Lei Estadual nº 13.334/2005, o Fundo

de Desenvolvimento Social, o qual é vinculado à Secretaria de Estado da Casa Civil, é

constituído com recursos provenientes das seguintes fontes:

Art. 2º O FUNDOSOCIAL é constituído com recursos desvinculados provenientes das seguintes fontes:

I – contribuições, doações, financiamentos e recursos oriundos de entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais, ou estrangeiras;

II – REVOGADO.II – REVOGADO.III – recursos decorrentes de transação com devedores da

Fazenda Pública; eIV - outros recursos que lhe venham a ser destinados.§ 1º Os recursos do FUNDOSOCIAL podem ser utilizados em

custeio, manutenção e pagamento das despesas conexas aos objetivos do Fundo, inclusive com servidores ativos e inativos e

§ 2º Os recursos do FUNDOSOCIAL poderão servir para financiar despesas decorrentes de projetos realizados em parceria com municípios, outros Estados da Federação, União e seus órgãos, ou entidades privadas, organizações sociais ou não-governamentais, bem como demais instituições que tenham finalidades e programas congêneres.

§ 3º O eventual superávit financeiro do FUNDOSOCIAL, verificado ao final de cada exercício, será convertido em Recursos do Tesouro - Recursos Ordinários.

A referida lei dispõe ainda que os programas

desenvolvidos pelo Fundo de Desenvolvimento Social poderão contar com a participação e

colaboração de pessoas jurídicas contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à

Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e

Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

A partir do primeiro semestre de 2015, o Estado de

Santa Catarina, através do Secretário de Estado da Fazenda, solicitou a Centrais Elétricas de

Santa Catarina (CELESC) contribuições ao Fundo de Desenvolvimento Social, através de

recolhimentos no código 3654 – FUNDOSOCIAL – DOAÇÕES – SAÚDE e no código 3662

2

– FUNDOSOCIAL – DOAÇÕES VINCULADAS A TRATAMENTO TRIBUTÁRIO

DIFERENCIADO ESPECÍFICO.

No entanto, denota-se que tais “doações”, as quais

chegaram ao vultoso montante de 615 milhões só no ano de 2015, foram compensadas

integralmente com abatimento do ICMS a pagar.

Em outras palavras, o Estado de Santa Catarina

autorizou o sujeito passivo a não mais recolher a sua dívida de ICMS (lançada ou não em

dívida ativa) e o obrigou a repassar recursos, através de códigos específicos e sob a

denominação de “doação”, ao Fundo de Desenvolvimento Social.

Duas são as consequências advindas dessa

“contabilidade criativa”:

a) não há a inclusão de receitas de natureza tributária

para fins de distribuição aos municípios, aos demais poderes e aos órgãos estaduais;

b) os valores repassados pelas Centrais Elétricas de

Santa Catarina, os quais possuem natureza essencialmente tributária, não são computados no

cálculo constitucional com o objetivo de aplicação mínima em manutenção e

desenvolvimento de ensino e saúde.

Como se vê, a engenharia financeira criada pelo

Estado de Santa Catarina causou aos municípios, aos demais poderes, aos órgãos estaduais e,

ainda, à saúde e à educação catarinense prejuízos de elevada monta, ensejando, portanto, a

adoção de medidas urgentes.

1.2. Da contabilidade criativa realizada pelo

Estado de Santa Catarina

Os fatos noticiados são manobras feitas com o

objetivo de “aliviar”, momentaneamente, as contas do governo, sendo, ao menos em tese,

consideradas crimes de responsabilidade fiscal.

Com efeito, mostra-se oportuno comentar que foi o

estado catarinense quem solicitou a Centrais Elétricas de Santa Catarina, através de diversos

ofícios, contribuição para o Fundo de Desenvolvimento Social.

No quadro a seguir os números dos ofícios, suas

respectivas datas e os valores solicitados:

3

Ofício Data do ofício Valor solicitado

096/20153 06.02.2015 -

225/2015 07.04.2015 R$ 21.000.000,00

245/2015 16.04.2015 R$ 20.000.000,00

297/2015 06.05.2015 R$ 60.000.000,00

372/20154 08.06.2015 -

377/2015 09.06.2015 R$ 30.000.000,00

499/2015 07.07.2015 R$ 60.000.000,00

525/2015 14.07.2015 R$ 24.000.000,00

574/2015 06.07.2015 R$ 60.000.000,00

640/2015 03.09.2015 R$ 60.000.000,00

672/2015 17.09.2015 R$ 20.000.000,00

716/2015 07.10.2015 R$ 80.000.000,00

794/2015 05.11.2015 R$ 80.000.000,00

918/2015 07.12.2015 R$ 100.000.000,00

Total solicitado R$ 615.000.000,00

Ao requisitar as aludidas importâncias, o Secretário

da Fazenda informava o código de receita que deveria ser utilizado pela Celesc para tal

recolhimento.

A propósito, registrem-se os códigos de receitas

concernentes ao Fundo de Desenvolvimento Social que foram utilizados ao longo do

exercício de 2015: a) 3700 – ICMS – Cta Gráfica; b) 3751 – Doação5; c) 3662 – Doações

Vinculadas a TTD; d) 3654 – Doações Celesc; e) 3638 – Doações pagamento integral.

Nos primeiros ofícios encaminhados pelo Governo

catarinense à estatal, solicitou-se a utilização do código nº 3654. Posteriormente, o ofício nº

372, de 08 de junho de 2015, requereu a utilização do código nº 3662.

3 O Ofício nº 096/2015 tem por objetivo requisitar contribuições para o Fundo de Desenvolvimento Social no valor de R$ 14.500.000,00. Cumpre ressaltar, no entanto, que tal valor foi compartilhado com os demais poderes e órgãos estaduais, já que foi repassado sob o código de receita nº 3700, de natureza tributária.

4 O ofício nº 372/2015 solicita a alteração do código de receita nº 3654 para o código de receita nº 3662.5 Os recolhimentos efetuados através do código de receita nº 3751 não puderam ser objeto de análise pelos

técnicos do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, haja vista que a Secretaria de Estado da Fazenda impediu a realização dos trabalhos afetos à fiscalização, sob a alegação de sigilo fiscal.

4

Cabe abrir parênteses, na oportunidade, para

comentar que os códigos nº 3654 e nº 3662 foram criados somente em 29.01.2016, através da

Portaria nº SEF 10/20166. Ocorre que os repasses foram efetuados no decorrer do ano de

2015, o que nos faz concluir que estes códigos sequer existiam formalmente à época.

A CELESC, atendendo às solicitações, efetuou o

recolhimento dos valores, nos seguintes moldes:

Código da Receita Valor Data do pagamento Compensado na DIME do período

3654 R$ 21.000.000,00 10.04.2015 Março/2015

3654 R$ 20.000.000,00 20.04.2015 Abril/2015

3654 R$ 30.000.000,00 11.05.2015 Abril/2015

3654 R$ 30.000.000,00 22.05.2015 Maio/2015

3662 R$ 30.000.000,00 10.06.2015 Maio/2015

3665 R$ 60.000.000,00 10.07.2015 Junho/2015

3662 R$ 24.000.000,00 22.07.2015 Junho/2015

3662 R$ 40.000.000,00 10.08.2015 Julho/2015

3662 R$ 20.000.000,00 24.08.2015 Agosto/2015

3662 R$ 60.000.000,00 10.09.2015 Agosto/2015

3662 R$ 20.000.000,00 22.09.2015 Setembro/2015

3662 R$ 40.000.000,00 13.10.2015 Setembro/2015

3662 R$ 40.000.000,00 22.10.2015 Outubro/2015

3662 R$ 40.000.000,00 10.11.2015 Outubro/2015

3662 R$ 40.000.000,00 23.11.2015 Novembro/2015

3662 R$ 100.000.000,00 10.12.2015 Novembro/2015

Total Recolhido R$ 615.000.000,00

Cumpre ressaltar que apesar da natureza tributária

dos recolhimentos, o Poder Executivo catarinense não repartiu com os municípios e com os

demais poderes e órgãos estaduais a receita citada acima, tampouco considerou tais valores

para fins de aplicação do mínimo constitucional em educação e saúde.

6 A Portaria nº 10/2016 da Secretaria de Estado da Fazenda somente foi editada após a auditoria realizada pelos técnicos do Tribunal de Contas de Santa Catarina, onde se constatou que não havia qualquer ato normativo que dispusesse sobre os códigos de receitas nº 3654 e nº 3662.

5

Somente os recursos recolhidos através do código

3700 foram partilhados, pois, no entender do Poder Executivo, só estes possuem natureza

tributária, o que não procede.

Com efeito, sabe-se que 25% do produto de

arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e

sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação –

ICMS pertence aos municípios.

Nesse sentido, cabe trazer à baila a previsão

constante na Constituição da República:

Art. 158. Pertencem aos Municípios:I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e

proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;

II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;

IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:

I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;

II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal. (Grifos)

De igual sorte, prescreve a Constituição do Estado

de Santa Catarina:

Art. 133. Pertencem aos Municípios: I - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto

sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios; II - vinte e cinco por cento: a) do produto da arrecadação do imposto sobre operações

relativas a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação;

b) dos recursos que, nos termos do disposto no art. 159, inciso II, da Constituição Federal, o Estado receber da União.

§ 1º É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos aos Municípios, ressalvado o condicionamento ao cumprimento do disposto no art. 155, § 2º, incisos I e II. (Redação dada pela EC/20, de 1999).

6

§ 2º Na quantificação das participações municipais serão considerados os valores do principal e dos acessórios que a ele acrescerem, inclusive penalidades pecuniárias.

3º As parcelas de receitas pertencentes aos Municípios mencionados no inciso II serão creditadas conforme os seguintes critérios:

I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas em seus territórios;

II- até um quarto de acordo com o que dispuser a lei estadual. § 4º Os índices de rateio das parcelas previstas no inciso II

serão calculados com a participação dos Municípios, através de suas associações representativas, sendo-lhes assegurado livre acesso a todos os elementos utilizados no processo.

§ 5º O Estado divulgará, até o último dia do mês subsequente ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos arrecadados, os valores de origem tributária entregues e a entregar, e a expressão numérica dos critérios de rateio.

§ 6º Os dados divulgados serão discriminados por Município, no que couber

No mesmo passo, tem-se, ainda, a seguinte

disposição normativa prevista na Lei Complementar nº 63/19907:

Art. 3º. 25% (vinte e cinco por cento) do produto da arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação serão creditados, pelos Estados, aos respectivos Municípios, conforme os seguintes critérios:

[...]

Como se pode perceber, a legislação é cristalina ao

tratar do assunto, sendo inconteste que o ICMS já nasce, na sua origem, com dois titulares no

que concerne ao produto de sua arrecadação.

Sobre o assunto, ministra-nos Kiyoshi Harada8:

No imposto de receita partilhada há, necessariamente, mais de um titular, pelo que cabe à entidade contemplada com o poder impositivo restituir e não repassar a parcela pertencente à outra entidade política. O imposto já nasce, por expressa determinação do Texto Magno, com dois titulares no que tange ao produto de sua arrecadação.

O fato de o Estado-membro deter a competência tributária em relação ao ICMS não lhe confere superioridade hierárquica em relação ao município no que tange à participação de cada entidade no produto de arrecadação desse imposto. A Carta Política já partilhou o produto de arrecadação desse imposto na proporção de 75% para o Estado-membro, titular da competência impositiva, e 25% para os Municípios, prescrevendo no parágrafo único do art. 158 os critérios para creditar as parcelas cabentes às comuns [...]. (Grifos)

7 A Lei Complementar nº 63/1990 dispõe sobre critérios e prazos de crédito das parcelas do produto da arrecadação de impostos de competência dos Estados e de transferências por estes recebidos, pertencentes aos Municípios, e dá outras providências.

8 HARADA, Kiyoshi. Vinculação, pelo município, das cotas do ICMS para garantia de operações de crédito: efeitos. In: Repertório IOB Jurisprudência, nº 03, fevereiro/1999, p. 97.

7

Aliado a isso, tem-se o seguinte posicionamento do Supremo

Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO.

I - A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno direito aos Municípios.

II - O repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual.

III - Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias.

IV - Recurso extraordinário desprovido9. (Grifos)

A engenharia financeira realizada pelo Poder

Executivo catarinense trata-se de uma manobra muito bem articulada, sob o nome de

“doação”, com vistas à retenção de toda a receita de ICMS.

Na verdade, está ocorrendo uma compensação, já

que o Estado de Santa Catarina, ao requisitar as contribuições, abate os valores devidos pelas

Celesc a título de ICMS.

Nota-se, ao cotejar os ofícios encaminhados pela

Secretaria de Estado da Fazenda, que foi utilizado o art. 2º da Lei Estadual nº 15.242/2010

como fundamento para a solicitação dos valores, cujo teor dispõe:

Art. 2º Mediante autorização prévia da Secretaria de Estado da Fazenda, o contribuinte do ICMS poderá efetuar contribuições para o desenvolvimento dos programas de que trata a Lei nº 13.334, de 28 de fevereiro de 2005, arbitrando-as com base no montante do imposto por ele recolhido no ano civil anterior, podendo ser recolhidas integralmente em um único mês, ou parceladamente, durante o exercício.

§ 1º As contribuições não poderão ser efetuadas em limite inferior ao disposto no § 1º do art. 8º da Lei nº 13.334, de 2005, ou superior ao patamar fixado no art. 8º, § 3º, da Lei nº 13.336, de 08 de março de 2005, podendo ocorrer a suspensão do benefício, temporariamente, por ato do Chefe do Poder Executivo, toda a vez que sua concessão vier a prejudicar o fluxo de desembolso das atividades de custeio e investimento da Fazenda Estadual.

§ 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos projetos e ações descritos no art. 8º, § 1º, incisos II e III, da Lei nº 13.334, de 2005, aos quais ficam mantidos os percentuais já estabelecidos.

§ 3º Não se aplicam às contribuições efetuadas com base neste artigo as disposições dos §§ 2º e 6º do art. 8º da Lei nº 13.336, de 2005.

9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 572.762. Rel. Ricardo Lewandowski. J. em: 18 jun. 2008. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 29 ago. 2016.

8

À luz da prescrição normativa menciona acima,

pode-se inferir que os contribuintes do ICMS poderão efetuar contribuições para o

desenvolvimento dos programas de que trata a Lei Estadual nº 13.334/2005, mas em momento

algum a norma prevê a possibilidade de compensações, a fim de permitir o abatimento do

ICMS devido.

Ainda que houvesse tal previsão, os valores

originários de receitas advindas do ICMS deveriam, necessariamente, ser compartilhados com

os municípios e com os demais poderes e entes, além de serem considerados no cálculo do

investimento mínimo em manutenção e desenvolvimento de ensino e saúde.

Certamente também não se pode afirmar que tais

“contribuições” são colaborações ou doações espontâneas, haja vista que é o próprio Poder

Executivo quem faz a requisição dos valores.

Além do grande prejuízo causado aos municípios

catarinenses, verificam-se, igualmente, danos aos demais poderes (Legislativo e Judiciário) e

órgãos (Tribunal de Contas, Ministério Público e Fundação Universidade do Estado de Santa

Catarina).

Como é sabido, o Estado arrecada e distribui

percentual sobre a Receita Liquida Disponível – RLD aos seus poderes e órgãos para o bom

desempenho das funções estabelecidas na Constituição.

A Lei Estadual nº 16.445/2014, a qual estabelece as

diretrizes orçamentárias para o exercício de 2015, previu os seguintes limites percentuais de

despesas em relação à RLD:

Art. 26. Na elaboração dos orçamentos da ALESC, do TCE/SC, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), do MPSC e da UDESC, serão observados os seguintes limites percentuais de despesas em relação à Receita Líquida Disponível (RLD):

I – ALESC: 4,51% (quatro inteiros e cinquenta e um centésimos por cento);

II – TCE/SC: 1,66% (um inteiro e sessenta e seis centésimos por cento);

III – TJSC: 9,31% (nove inteiros e trinta e um centésimos por cento), acrescidos dos recursos destinados ao pagamento de precatórios judiciais e da folha de pagamento dos servidores inativos e pensionistas pertencentes às categorias funcionais de Serventuários de Justiça, Auxiliares e Juízes de Paz transferidos ao Poder Judiciário por meio da Lei Complementar nº 127, de 12 de agosto de 1994;

IV – MPSC: 3,91% (três inteiros e noventa e um centésimos por cento); e

V – UDESC: 2,49% (dois inteiros e quarenta e nove centésimos por cento).

9

§ 1º Os recursos discriminados no caput deste artigo, acrescidos dos créditos adicionais, serão entregues em conformidade com o art. 124 da Constituição do Estado.

§ 2º Para efeito do cálculo dos percentuais contidos nos incisos do caput deste artigo, será levada em conta a RLD do mês imediatamente anterior àquele do repasse.

§ 3º Fica assegurado ao Poder Legislativo o repasse de recursos em cumprimento ao disposto no art. 94, combinado com o § 2º do art. 23 da Lei Complementar nº 412, de 26 de junho de 2008.

§ 4º Fica assegurado ao Poder Executivo deduzir do repasse de recursos financeiros correspondentes às dotações orçamentárias previstas no caput deste artigo os valores retidos do Fundo de Participação do Estado (FPE) para a quitação de débitos de contribuições sociais, nos termos da Lei federal nº 12.810, de 15 de maio de 2013, de responsabilidade da ALESC, do TJSC, do MPSC e do TCE/SC.

Nos termos da aludida norma, considera-se receita

líquida disponível o total das receitas correntes do tesouro do Estado, com algumas deduções,

senão vejamos:

Art. 27. Para fins de atendimento ao disposto no art. 26 desta Lei, considera-se RLD, observado o disposto no inciso V do art. 123 da Constituição do Estado, o total das Receitas Correntes do Tesouro do Estado, deduzidos os recursos vinculados provenientes de taxas que, por legislação específica, devem ser alocadas a determinados órgãos ou entidades, de receitas patrimoniais, indenizações e restituições do Tesouro do Estado, de transferências voluntárias ou doações recebidas, da compensação previdenciária entre o regime geral e o regime próprio dos servidores, da cota-parte do Salário-Educação, da cota-parte da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE), da cota-parte da Compensação Financeira de Recursos Hídricos e dos recursos recebidos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), criado pela Lei federal nº 11.494, de 20 de junho de 2007.

A receita advinda de impostos deve ser dividida com

os demais poderes e órgãos. Não há, pois, qualquer previsão de que receitas originárias de

créditos de ICMS pertencem somente ao Poder Executivo Estadual.

O assunto inclusive já foi objeto de análise pelo

Tribunal de Justiça de Santa Catarina, haja vista que foi proposta ação direita de

inconstitucionalidade em face da lei que criou o Fundo de Desenvolvimento Social.

Na ocasião, o Poder Judiciário firmou a seguinte

decisão:

Decisão: por maioria de votos, julgar parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na ação direta para declarar a perda superveniente de interesse processual relativamente às normas revogadas no curso da ação direta de inconstitucionalidade (§§ do art. 14 - excluído o caput - e art. 15 da Lei); conferir ao dispositivo com estrutura de linguagem mantida (art. 14, caput, da Lei), por ocasião da alteração normativa, interpretação conforme a Constituição Estadual, a fim de que só seja aplicado como franqueando aos municípios a livre aplicação, em linhas e programas autonomamente definidos, dos recursos objeto de repasse; emprestar aos artigos

10

impugnados (art. 2°, III; §§ 1°, 2°, 3° e 4° do art. 8° - excluído o caput -; art. 9° e seus parágrafos; art. 10; e art. 16) interpretação conforme a Constituição Estadual, determinando que dos recursos angariados ao FUNDOSOCIAL, decorrentes de créditos relativos ao ICMS, sejam deduzidos os percentuais devidos ao Tribunal de Justiça, à Assembléia Legislativa, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e à Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), procedendo-se aos respectivos depósitos na forma da lei. Vencidos os eminentes Desembargadores Anselmo Cerello, Gaspar Rubik e Cláudio Barreto Dutra que votaram no sentido de julgar parcialmente procedente o pedido, acrescendo ao voto da eminente Desembargadora Relatora,a inconstitucionalidade do § 2° do art. 8° e do art. 9° do diploma legal impugnado; e os Exmos. Srs. Des. Newton Trisotto, Volnei Calin e Torres Marques que julgavam totalmente procedente o pedido. O Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato proferiu seu voto em sessão passada10.

Nas razões que motivaram o acórdão transcrito

acima:

[...] Quanto aos parágrafos do art. 8º, como em relação ao art. 9º e

seus parágrafos e art. 10, que autorizam sejam injetados no fundo valores classificados como “contribuição voluntária”, mas que correspondem a uma transação (art. 2, III, da Lei, também impugnado de inconstitucional), envolvendo pagamento de obrigações tributárias (ICMS), passadas e futuras (pagamento por antecipação), com desconto, sinalizam, segundo deduzem, violação aos arts. 110; 123, V; 128, II e § 4º; 133, II, “a” e § 1º e 135,§ 4º da C.E.

Concentra-se aqui o problema fundamental. Entre as fontes de aporte financeiro, elencadas no art. 2º da Lei 13.334 estão as doações e os recursos decorrentes de transação. As doações são tratadas nos parágrafos que informam o art. 8º, prevendo em contrapartida compensações na conta gráfica do ICMS. A transação desponta no art. 9º e parágrafos e se projeta no art. 10, traduzindo-se na extinção dos débitos provenientes do ICMS mediante a contraprestação de uma contribuição voluntária ao FUNDOSOCIAL. Assim, a despeito de traduzirem liberalidade, a doação e a contribuição voluntária, porque originárias da transação, instituto mediante o qual, por concessões mútuas, credor e devedor extinguem uma relação jurídica, representam pura e simplesmente uma forma de pagamento, de satisfação da obrigação tributária. Tanto é verdade que a Lei Complementar Federal nº 63, de 11 de janeiro de 1990, que dispõe sobre os critérios e prazos de crédito das parcelas do produto da arrecadação de impostos de competência dos Estados e de transferências por estes recebidos, pertencentes aos Municípios, em seu art. 4º, § 1º, impõe que extinto o crédito relativo ao ICMS   por compensação ou transação, a repartição estadual deverá, no mesmo ato, efetuar o depósito ou a remessa dos 25% (cinte e cinco por cento) pertencentes aos Municípios na conta de que trata este artigo.

Surge então a indagação: Haverá ou não, com a fórmula apresentada, redução da participação financeira dos Municípios no produto da arrecadação do ICMS? Haverá ou não, por via reflexa, incremento maior do que os 0,5% autorizados pelo parágrafo único do art. 204 da CF, para vinculação a programa de apoio à inclusão e promoção social e, portanto, vulneração ao seu comando? A primeira pergunta pode ser respondida pela Corte, e a resposta é positiva. A segunda depende de provocação da Suprema Corte.

Não se argumente, relembrando as discussões que marcaram o julgamento das ações mandamentais no caso do PRODEC, que o direito do Município à parcela do ICMS só nasce no momento em que o tributo é arrecadado, posto que aqui não se está tratando de pagamento postergado, mas de solução legislativa que retira definitivamente do patrimônio jurídico do Município parcela de ICMS que lhe é constitucionalmente assegurada, transferindo-a, por inteiro, para

10 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. ADI 53161. Rel. Maria do Rocio Luz Santa Ritta. J. em: 15 ago. 2007. Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso em: 27 ago. 2016.

11

um   fundo   administrado pelo Estado que, não só promove a redução no ingresso de receita no caixa, como consome parte do tributo devido ao Município . E, não se diga que o fundo, ao cumprir o seu propósito, estará compensando o Município atingido pela perda, porque alvejada não apenas as finanças, mas, fundamentalmente, a autonomia municipal, porque o Estado estará com o próprio dinheiro do Município lhe ditando as prioridades e os interesses.

Embora não ofenda o princípio da isonomia, na medida em que a Constituição permite ao ente tributante a remissão parcial de créditos tributários em favor de contribuintes inadimplentes (art. 150, § 6º, da CF e 128, § 4º da CE, Ap. Cível nº 2002.019845-0, Rel. Jaime Ramos),   fere mortalmente o princípio federativo, ao comprometer a repartição de rendas . Aliás, consoante Raul Machado Horta, A repartição da receita tributária, organizada no Sistema Tributário Nacional, contemplando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, é o desdobramento econômico-financeiro da repartição constitucional de competências e nela se integra, como parte definidora da forma federativa de Estado. Nestas condições, como já se registrou na exposição, a repartição de competências tributárias dos entes da república federativa é matéria que não pode constituir objeto de proposta de emenda, para aboli-la, estando protegida pela cláusula da irreformabilidade. (Reforma Constitucional e a Federação, Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, pp. 123-124)

Corolário desse entendimento, a autonomia financeira corresponde à garantia efetiva da autonomia política do Município e, portanto, qualquer abalo ou apropriação de receita, agressão ao princípio federativo.

Dispõe o art. 133, II, “a” da CE que pertencem aos Municípios 25% do total do produto da arrecadação do ICMS. O dinheiro, assim, proveniente da arrecadação pertence não só ao Estado, como adverte o legislador constituinte federal ao estabelecer a repartição das receitas tributárias (art. 158, IV, da CF), mas igualmente aos Municípios, sancionando o primeiro com intervenção, acaso não repassadas as receitas tributárias devidas ou comprometida a autonomia municipal (art. 34, V, b, e VII, c, da CF e LC nº 63, de 11.01.90, art. 10)

A legislação impugnada, não há dúvida, ao propor “doações” e “contribuições voluntárias” ao FUNDOSOCIAL, está patrocinando o   desvio   de receitas dos Municípios, em ofensa direta à Constituição Estadual   (art. 133, II, a, da CE), o quanto basta para se ver caracterizado o fumus boni juris. O periculum in mora decorre da conhecida escassez de recursos nos cofres municipais, penalizados, é bem verdade, tanto quanto o Estado, por um processo constitucional de centralização de receitas. Entretanto, a perda de receita para os Municípios representa o comprometimento da autonomia (art. 110, da CE), enquanto para o Estado, o redesenhar das políticas públicas que as receitas assim constituídas se propunham a financiar.

Sinalizam, ainda, os proponentes, com a inconstitucionalidade dos arts.14, 15 e 16 da lei 13.334 frente aos arts. 133, II, a; 32,parágrafo único e 56, § 1º da CE.

O art. 14 não padece de vício haja vista que conferido aos §§ do art. 8º e ao art. 9º e §§, interpretação conforme a Constituição do Estado, preservada estará a autonomia municipal, não estando o Estado, com os recursos provenientes de outras fontes claramente especificadas, proibido de dar consecução aos convênios ali delineados.

Quanto ao art. 15, que concede ao Executivo a prerrogativa de incluir no Plano Plurianual e na Lei do Orçamento Anual de 2005 os investimentos correspondentes às ações e programas de desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão e promoção social a serem desenvolvidos com recursos do FUNDOSOCIAL, bem como promover as necessárias adequações orçamentárias para fins de implementação da lei ora discutida, tem-se que corresponde a quebra do princípio da indelegabilidade que preside a inter-relação entre os Poderes constituídos do Estado, com violação ao parágrafo único do art. 32 da CE, que veda a delegação de competência por quaisquer dos Poderes e o § 1º do art. 56, que desautoriza a delegação em matéria de competência exclusiva do Legislativo, incluído aí a legislação sobre os planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. Aliás, no dizer do STF, o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado – como o Poder Executivo – produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. (ADI nº 1.247-9 – PA).

12

Relativamente ao art. 16, que autoriza o Poder Executivo a compensar os demais Poderes, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, os quais detêm autonomia financeira assegurada pela Constituição do Estado (arts. 81, 38, 98, 124 e LC 202/2000 ,e 169 c/c 39 da ADCT), vê-se, igualmente, afrontados o art. 56, parágrafo primeiro e os demais supramencionados . É que se para elaborar a lei de diretrizes orçamentárias há necessidade de iniciativa conjunta dos Poderes, parece óbvio que qualquer lei que implique em desvio de receita, igualmente, exija-se a participação dos interessados ou afetados. Sobre o assunto assentou o Min. Ilmar Galvão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. IMPUGNAÇÃO DIRIGIDA CONTRA A LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS DO ESTADO DO PARANÁ, QUE FIXOU LIMITE DE PARTICIPAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO SEM A SUA INTERVENÇÃO. AFRONTA AO § 1º DO ARTIGO 99 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (ADI n. 1911-7 – PR)

E   o desvio importa sempre em perda de receita, na medida em que os valores levados ao fundo não se contabilizam para o efeito de verificação da receita líquida disponível. A receita real, assim, restará minimizada e a compensação, mera faculdade do Executivo, um mecanismo de reposição de perdas, parcial em certas circunstâncias. Explica-se: Se a receita real for inferior a estimada poderá haver compensação considerado o limite dos valores não contabilizados para aquele efeito (de receita real) carreados ao fundo; se superior, não haverá compensação. Portanto, a perda só será objeto de consideração se a receita real, com essa nova feição, for inferior a estimada. [...] (Grifos)

À vista disso, constata-se que o Poder Judiciário, há

nove anos, adotou o seguinte entendimento:

a) as “doações” efetuadas pelo sujeito passivo são,

em sua essência, impostos, razão pela qual deve haver a devida repartição aos municípios;

b) dos montantes angariados ao Fundo de

Desenvolvimento Social, decorrentes de créditos relativos ao ICMS, devem ser deduzidos os

percentuais devidos ao Tribunal de Justiça, à Assembleia Legislativa, ao Ministério Público,

ao Tribunal de Contas e à Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina, por tratar-se

de recursos que compõem a base de cálculo da Receita Líquida Disponível (RLD).

Considerando a decisão supracitada e a atual

conjuntura fática, percebe-se que o Estado de Santa Catarina descumpre, flagrantemente, uma

determinação judicial, caracterizando, assim, a prática do crime de responsabilidade11.

Somado a isso, afigura-se oportuno comentar,

também, que o assunto em tela já foi analisado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa

Catarina, o qual, em 2010, fez a seguinte determinação à Secretaria de Estado da Fazenda:

11 A Constituição do Estado de Santa Catarina prevê: “Art. 72 — São crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentem contra a Constituição Federal, contra a Constituição Estadual e especialmente contra: I - a existência da União, Estado ou Município; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do Estado e dos Municípios; V - a probidade na administração pública; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.

13

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à auditoria para verificação do montante de recursos não repassados pelo Poder Executivo para as áreas de saúde e educação, em função da criação do FUNDOSOCIAL, realizada na Secretaria de Estado da Fazenda, pertinente aos exercícios de 2005 e 2006.

Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 61 dos presentes autos;

Considerando que as justificativas e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes dos Relatórios de Auditoria DCE/Insp.1/Div.3 nº 432/2007 e de Reinstrução DCE/Insp.1/Div.3 nº 410/2009;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer dos Relatórios de Auditoria e de Reinstrução DCE, com abrangência sobre a verificação do montante de recursos não repassados pelo Poder Executivo nos exercícios de 2005 e 2006 para as áreas de saúde e educação, em função da criação do FUNDOSOCIAL.

6.2. Aplicar ao Sr. Sr. Max Roberto Bornholdt – ex-Secretário de Estado da Fazenda, CPF nº 019.570.829-68, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em face da ausência de repasse de parcela dos recursos do FUNDOSOCIAL, originários de receita relacionada a impostos, às áreas de educação e saúde, contrariando o disposto no caput do art. 212 da Constituição Federal e no art. 77, II e § 4º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (subitem 3.1.1 do Relatório DCE nº 410/2009), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar à Secretaria de Estado da Fazenda que, doravante, efetue o repasse da parte que cabe às áreas da educação e da saúde dos valores arrecadados pelo FUNDOSOCIAL, originários de receita tributária, visto que a irregularidade apontada no item 6.2 desta deliberação perdura até a presente data (subitem 3.2 do Relatório DCE nº 410/2009).

6.4. Alertar a Secretaria de Estado da Fazenda, na pessoa do Secretário de Estado Cleverson Siewert, que o não cumprimento do item 6.3 desta deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, § 1º, do mesmo diploma legal.

[...]12 (Grifos)

Do corpo do voto condutor do acórdão, retira-se o

seguinte excerto:

A discussão central que paira sobre esta restrição é se a receita que ingressa no FUNDOSOCIAL sob as rubricas “doações” e “transações” deve integrar a base de cálculo utilizada como parâmetro de aferição da aplicação mínima da receita de impostos, pelo Estado, em ações e serviços de saúde e com manutenção e desenvolvimento do ensino. Em última análise, trata-se de saber se os valores das “doações” e “transações” que ingressam no referido fundo possuem natureza jurídica tributária.

12 SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. PDA 06/00534618. Rel. Gerson dos Santos Sicca. J. em: 20 dez. 2010.

14

Quanto a isso, é pertinente fazer as seguintes considerações que seguem.

O FUNDOSOCIAL é um fundo especial, cujo conceito é encontrado no art. 71 da Lei (Federal) nº 4.320/1964, motivo pelo qual as receitas destinadas a ele devem ser respeitadas conforme as finalidades previstas. Tal ponto não foi questionado pela Área Técnica deste Tribunal, mas levantado pela defesa (fls. 82).

De toda sorte, não se está aqui a discutir a receita destinada ao referido fundo, uma vez que sobre isso a Lei (Estadual) nº 13.334/2005 – que instituiu o FUNDOSOCIAL – é bastante clara, e sim se o montante dessa receita que ingressa no fundo deve fazer soma à base de cálculo de onde se extraem os percentuais de repasse às áreas da educação e saúde.

No tocante à receita ingressante do FUNDOSOCIAL, entendo que essa tem, sem sombra de dúvidas, natureza jurídica tributária, uma vez que é originária de tributo, ou seja, advém de algum crédito tributário pertencente ao Estado, ou de ICMS mensal devido (doação), ou ainda de crédito tributário inscrito ou não em dívida ativa (transação), conforme prevê os arts. 8º e 9º da Lei (Estadual) nº 13.334/2005.

Entre essas receitas tributárias, consideradas gêneros, existem as receitas com impostos, consideradas espécies, que têm reflexo direto nos repasses compulsórios em educação e saúde pelo poder estatal.

Pelo entendimento esposado, considero improcedente a assertiva da defesa no sentido de que as receitas do FUNDOSOCIAL são simples contribuições voluntárias e destituídas da natureza compulsória dos tributos.

Além disso, os Responsáveis alegaram que pelo fato de serem registradas contabilmente como “receitas de doações” não devem ser consideradas como receita tributária.

Todavia, esquece a defesa que antes de ser “doado” ou “transacionado” o valor destinado ao fundo, esse se constituía em crédito tributário do Estado e assim deveria ter sido o seu lançamento contábil antes de ingressar no FUNDOSOCIAL. Em outras palavras, seu lastro tributário não se extingue pela razão de ser destinado ao referido fundo.

Logo, quaisquer recursos dirigidos ao FUNDOSOCIAL devem ser computados na base de cálculo que incidirá nos percentuais mínimos de 25% e 12%, respectivamente às ações e serviços de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino.

[...]Voltando-se os olhos para o referido estudo,  se incluído o total

de recursos do FUNDOSOCIAL, em 2005 o Estado de Santa Catarina acabou atendendo a contento (25,90%) o piso mínimo exigido de aplicação de receitas com impostos e transferências à área da educação, conforme determinado pelo caput do art. 212 da Constituição Federal.

Contudo, utilizando-se dessa nova base de cálculo, no ano 2006 o percentual aplicado das receitas com impostos e transferências ficou aquém (20,16%) do exigido constitucionalmente, ou seja, o Estado deixou de aplicar 4,84% em educação para alcançar o piso mínimo constitucional de 25%.

Na área da saúde (fls. 48-50) a situação ainda é mais grave, se utilizado o total de recursos do FUNDOSOCIAL. Em 2005 o percentual de receitas com impostos e transferências à área da saúde ficou em 9,98%, o que significa dizer que ficou 2,02% abaixo dos 12% estabelecidos no art. 77, II e § 4º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Em 2006 a aplicação de recursos na área da saúde também ficou aquém do determinado pelo mandamento constitucional em 0,08% do piso mínimo exigido.

Para melhor esclarecer meu entendimento diante ao exposto cito o seguinte exemplo:

Caso o contribuinte de ICMS opte por “doar” ou “transacionar” com o Estado R$ 1.000,00 e destiná-los ao FUNDOSOCIAL, esse valor, antes de ingressar ao fundo, deve fazer parte do total das receitas com impostos para fins de cálculo do repasse constitucional mínimo em ações e serviços de saúde e com manutenção e desenvolvimento do ensino.

15

Dessa forma, os R$ 1.000,00 continuarão ingressando integralmente no referido fundo, sem qualquer desconto relativo aos repasses às áreas de educação e saúde.

Porém, por esse valor ser considerado uma receita com impostos, o Estado deverá aplicar no mínimo, R$ 250,00 em educação (25%) e R$ 120,00 em saúde (12%), recursos retirados do Tesouro do Estado e não do FUNDOSOCIAL.

Por estarem em discussão recursos fundamentais ao atendimento das necessidades básicas da população e a áreas tão carentes de investimentos, não pode esta Corte de Contas deixar de impor o devido tratamento constitucional. (Grifos)

Forçoso concluir que o posicionamento exarado pelo

TJ/SC e pelo TCE/SC segue a mesma linha de raciocínio, restando assente, portanto, que as

“doações” e as “contribuições” repassadas ao Fundo de Desenvolvimento Social têm, em sua

essência, origem tributária.

A Corte de Contas catarinense firmou esse

entendimento em 20.12.2010, sendo a decisão publicada no diário oficial em 15.02.2011, ou

seja, no primeiro ano do mandato do Exmo. Governador João Raimundo Colombo.

Logo, mostra-se evidente que o Chefe do Poder

Executivo catarinense e a sua equipe de governo tinham conhecimento e plena consciência de

que a prática dessa contabilidade criativa se trata de manobra ardilosa e que causa sérios

prejuízos aos municípios e aos demais poderes e órgãos.

Merece relevo, ainda, que, no ano de 2012, o

Tribunal de Contas de Santa Catarina, diante de recurso interposto em face da decisão

supracitada, reiterou o seu posicionamento:

RECURSO DE REEXAME. CONHECIMENTO PARCIAL. NÃO-PROVER.

 As doações discriminadas no inciso I do art. 2º c/c art. 8º da Lei n.º 13.334/05 e os recursos decorrentes de transação com devedores do Estado discriminados no inciso III do art. 2º c/c o art. 9º da mesma lei, devem, antes de ingressarem ao FUNDOSOCIAL, ser contabilizados como receitas tributárias, computando-se na base de cálculo para efeito de aplicação em gasto obrigatório com educação e saúde13. 

Para sedimentar a questão, sobreleva realçar que, na

análise das contas do exercício de 2015 do Governo catarinense, o TCE/SC apontou a seguinte

ressalva:

Considerando todo o exposto e tudo mais o que consta dos presentes autos do Processo nº PCG 16/00145148, com destaque para o Parecer do Ministério Público de Contas que recomendou a aprovação das contas, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a emissão de Parecer Prévio pela APROVAÇÃO das contas anuais

13 SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. REC 11/00102482. Rel. Cleber Muniz Gavi. J. em: 21 maio 2012.

16

do Governo do Estado de Santa Catarina, relativas ao exercício de 2015, de responsabilidade do Senhor João Raimundo Colombo, com as seguintes ressalvas, recomendações e determinações:

1. RESSALVAS[...] 1.2. Achados de Auditoria - Processo RLA 16/00022577 1.2.1. Classificação contábil inapropriada das doações

efetivadas pela CELESC em favor do FUNDOSOCIAL, gerando distorções na base de cálculo utilizada para fins do cálculo dos repasses do Poder Executivo Estadual aos Municípios Catarinenses, FUNDEB, Poderes e Órgãos e, causando reflexos no cômputo dos gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino e ações e serviços públicos de saúde14. (Grifos)

Diante de tudo o que foi exposto, percebe-se que há

dolo manifesto na conduta dos agentes públicos, os quais agiram em prejuízo dos municípios

catarinenses e dos demais poderes e órgãos estaduais.

A situação fática aqui narrada foi constatada através

de uma auditoria realizada na Secretaria de Estado da Fazenda em janeiro de 2016 pelos

técnicos do TCE/SC.

A propósito, são relevantes os seguintes trechos da

conclusão apresentada pela equipe técnica da Corte de Contas catarinense:

Diante destas observações verifica-se claramente a não inclusão de receitas de natureza tributária para fins de distribuição aos municípios, poderes e órgão estaduais e, ainda, para fins de cálculos constitucionais com o objetivo de aplicação mínima em Saúde e Educação, tornando o Fundosocial uma ferramenta concebida para a diminuição irregular dos compromissos legais do Estado ao arrecadar tributos/ICMS.

[...]Portanto, a injeção de receitas ao Estado - provenientes de

transações envolvendo créditos de ICMS - por meio de (a) doações, (b) contribuições “voluntárias”, (c) contribuições condicionadas a uma concessão de um Tratamento Tributário Diferenciado – TTD ou (d) depósito do ICMS devido diretamente a um fundo (neste caso FUNDOSOCIAL) contabilizado como doação, compensado do ICMS a recolher e cuja requisição origina-se da Secretaria de Estado da Fazenda, sem a devida repartição a poderes, órgãos e municípios, evidencia uma irregular modalidade de apropriação indevida de recursos.

Reitera-se que o imposto devido pela CELESC continua sendo devido, porém, por força dos Ofícios da Secretaria de Estado da Fazenda, a Companhia Elétrica direcionou o tributo/ICMS ao Fundosocial, a título de “doação”, em substituição ao recolhimento de um DARE específico do ICMS. E, ainda, compensou tais recolhimentos com o total do ICMS devido no mês, conforme demonstram as DIMEs, sob o conhecimento e orientação do Secretário de Estado da Fazenda (fl. 22 a 82). Os outros contribuintes do Fundosocial, além da CELESC, que recebem benefícios fiscais, são obrigados a recolher ao fundo para a fruição de seus benefícios.

Destaca-se que, em relação ao ICMS originário da CELESC depositado diretamente ao FUNDOSOCIAL, código DARE 3662 sob a denominação de “doação TTD”, este imposto possui em sua essência incontestável natureza tributária, visto

14 SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. PCG 16/00145148 - Análise das contas do governo do Estado de Santa Catarina - exercício de 2015. Rel. Wilson Rogério Wan-Dall. Disponível em: http://consulta.tce.sc.gov.br/Download/ACOM/FINAL-RelatorioRelatoreParecerPrevio2015Definitivo.pdf. Acesso em: 11 ago. 2016.

17

que se trata do próprio ICMS devido e por já ter sido repassado ao Estado/FUNDOSOCIAL a companhia elétrica se compensa do ICMS a recolher. Apesar disso, o Estado insiste arbitrariamente em manter em seu poder 100% do valor recolhido, ignorando todas as Decisões e legislações vigentes.

Considerando o montante das contribuições da CELESC no valor de R$ 615.000.000,00, sob o código de recolhimento 3662, verifica-se que o Estado deixou de realizar o depósito de R$ 153.750.000,00 que pertencem aos municípios catarinenses.

Considerando o montante das contribuições e doações, exceto as da CELESC e as contribuições código DARE 3700 e 3751, verifica-se o total de R$ 180.808.742,00, deste valor o Estado deixou de realizar o depósito de R$ 45.202.185,50 (25%) que pertencem aos municípios catarinenses. Reitera-se que receitas de 2015 provenientes do DARE 3751 não foram analisadas quanto a sua origem tributária por motivos de sigilo fiscal alegado pelo Estado.

Portanto, considerando a natureza tributária/ICMS de recursos do Fundosocial, o montante não repassado aos municípios importa em R$ 198.952.185,50 em 2015.

[....]Considerando o montante das contribuições da CELESC no

valor de R$ 615.000.000,00, sob o código de recolhimento 3662, descontada a parte pertencente aos municípios (R$ 153.750.000,00) e posteriormente a parcela pertencente ao FUNDEB (20% ou R$ 92.250.000,00 - olvidados pelo Estado e devidos sobre os valores de natureza tributária do Fundosocial), verifica-se que o Estado não fez o depósito de R$ 80.737.200,00 aos poderes e órgãos.

Considerando o montante das contribuições e doações, exceto as da CELESC e as contribuições código DARE 3700 e 3751, verifica-se o total de R$ 180.808.742,00, deste valor, descontada a parcela pertencente aos municípios (R$ 45.202.185,00) e posteriormente a parcela pertencente ao FUNDEB (20% 27.121.311,30) o Estado deixou de realizar o depósito de R$ 23.736.571,65 (21,88% sobre R$ 108.485.245,20) que pertencem aos poderes e órgãos.

Portanto, o total não repassado aos poderes e órgãos estaduais importa no montante de R$ 104.473.771,65 em 2015, sem considerar os valores do código 3751 15 .

Pode-se observar que, somente no exercício de 2015,

os municípios catarinenses obtiveram um prejuízo de R$ 198.952.185,50 e os demais poderes

e órgãos um dano de R$ 104.473.771,65.

Mister salientar, em tempo, que tal prática continua

sendo efetuada pelo Poder Executivo catarinense no decorrer deste ano, razão pela qual se

deixou de repassar, somente no primeiro semestre de 2016, o montante de R$ 84.493.953,33

aos municípios catarinenses e a importância de R$ 44.369.464,77 aos demais poderes e

órgãos estaduais16.

Para agravar a situação, percebe-se que o único

recolhimento que distribuía participação aos municípios e aos demais entes (código 3700)

deixou de receber receitas, pois o Secretário de Estado da Fazenda encaminhou ofício a

15 Santa Catarina, Tribunal de Contas. RLA 16/00022577 (Relatório Técnico nº 14/2016, da Diretoria de Controle da Administração Estadual). Equipe de Auditoria: Hélio Silveira Antunes (Coord.) e Marcelo da Silva Mafra. Em: 12 fev. 2016.

16 Dados extraídos do relatório técnico nº 241/2016, da Diretoria de Controle da Administração Estadual do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (RLA 16/00022577).

18

Centrais Elétricas de Santa Catarina, em 07.01.2016, requerendo que os valores fossem

depositados sob outro código.

Assim, pode-se inferir que, atualmente, os

municípios catarinenses, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e a

Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina não recebem um único centavo sequer

dos valores advindos do ICMS depositados na conta do Fundo de Desenvolvimento Social.

Em razão disso, faz-se necessária a adoção de

providências urgentes, pois os fatos aqui expostos, além de caracterizarem crime de

responsabilidade e ensejarem a intervenção federal, causam gravosos prejuízos aos outros

poderes e entes públicos.

1.3. Das consequências do não repasse de receitas

tributárias aos municí0pios e aos demais poderes e órgãos estaduais

Com efeito, impende acentuar, primeiramente, que

deixar de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas na Constituição da

República, afrontar a autonomia municipal e, ainda, deixar de cumprir decisão judicial

são atos que ensejam a intervenção da União nos Estados.

Nessa direção, anote-se a dicção do texto

constitucional:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação

em outra;III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas

unidades da Federação;V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois

anos consecutivos, salvo motivo de força maior;b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias

fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão

judicial;VII - assegurar a observância dos seguintes princípios

constitucionais:a) forma republicana, sistema representativo e regime

democrático;b) direitos da pessoa humana;c) autonomia municipal;

19

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Grifos)

No caso vertente, percebe-se a ocorrência das

condutas grifadas acima, o que demonstra a gravidade da situação fática e, ainda, a má-fé dos

agentes públicos envolvidos.

É cediço que, embora a intervenção seja uma medida

excepcional, ela se faz necessária para reorganizar as finanças do Estado de Santa Catarina, o

qual está atentando contra os seus próprios municípios.

Na esteira de tal raciocínio, preconiza a Lei

Complementar nº 64/1990:

Art. 10. A falta de entrega, total ou parcial, aos Municípios, dos recursos que lhes pertencem na forma e nos prazos previstos nesta Lei Complementar, sujeita o Estado faltoso à intervenção, nos termos do disposto na  alínea b do inciso V do art. 34 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Independentemente da aplicação do disposto no caput deste artigo, o pagamento dos recursos pertencentes aos Municípios, fora dos prazos estabelecidos nesta Lei Complementar, ficará sujeito à atualização monetária de seu valor e a juros de mora de 1% (um por cento) por mês ou fração de atraso. (Grifos)

Vale rememorar, ademais, que violar princípios

sensíveis - no caso, a autonomia municipal - exige a aplicação da sanção política mais grave

em um Estado Federal.

Sobre o assunto, Vicente Paulo e Marcelo

Alexandrino17 comentam:

[...] suponhamos que o Estado da Bahia, em razão de conflitos de ordem política, esteja repassando a certos municípios de seu território, em valor menor do que o devido e com atraso, as receitas tributárias obrigatórias determinadas pela Constituição Federal (CF, art. 158, III e IV), violando, portanto, a autonomia municipal, princípio sensível da ordem federativa (CF, art. 34, VII, “c”). Nessa situação, o Presidente da República não poderá, por sua iniciativa, decretar a intervenção no Estado. Dependerá ele da iniciativa, mediante representação, do Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal. Caso o Procurador-Geral da República represente e o Supremo Tribunal Federal dê provimento à representação, o Presidente da República será provocado pelo Supremo Tribunal Federal, para que expeça, obrigatoriamente, o decreto interventivo. (Grifos no original)

17 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. p. 319.

20

Além de as condutas aqui discutidas ensejarem a intervenção

federal, denota-se que o descumprimento da lei orçamentária, o desrespeito à probidade na administração

pública e o desacato à decisão judicial caracterizam também crimes de responsabilidade do Governador.

Assim prevê a Constituição do Estado de Santa Catarina:

Art. 72 — São crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentem contra a Constituição Federal, contra a Constituição Estadual e especialmente contra:

I - a existência da União, Estado ou Município; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário

e do Ministério Público; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do Estado e dos Municípios; V - a probidade na administração pública; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.Parágrafo único. As normas de processo e julgamento desses

crimes serão definidas em lei especial. (Grifos)

Ao encontro disso, prescreve a Lei nº 1079/1950:

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

[...]4 - expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às

disposições expressas da Constituição; [...]Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei

orçamentária:[...]4 - Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da

lei orçamentária. [...]

Como se pode perceber, o caso em tela caracteriza

crime de responsabilidade e possível causa jurídica para “impeachment” do Governador, já

que este praticou, de forma dolosa, a conduta descrita nos artigos supracitados.

Conquanto os ofícios encaminhados à Celesc

tenham sido assinados pelo Secretário de Estado da Fazenda, é inegável que o Exmo.

Governador catarinense tinha pleno conhecimento da artimanha realizada pela sua equipe para

aliviar momentaneamente as contas do governo.

Lembra-se, oportunamente, que não se trata apenas

de um ofício encaminhado a Centrais Elétricas de Santa Catarina, mas de diversos

documentos requisitando “doações”, o que originou o depósito de 615 milhões aos cofres do

Poder Executivo só no exercício de 2015.

21

Devem ser responsabilizados também, por corolário

lógico, o Secretário de Estado da Fazenda – Sr. Antônio Marcos Gavazzoni, que assinou os

ofícios encaminhados à Celesc – e o Secretário Executivo de Supervisão de Recursos

Desvinculados da Casa Civil – Sr. Celso Antônio Calcagnotto, em razão da sua omissão em

patrocinar aos poderes e órgãos estaduais valores de natureza tributária ingressados no Fundo

de Desenvolvimento Social18.

Todos os agentes públicos supracitados agiram de

forma dolosa, uma vez que tinham plena consciência da ilegalidade que estavam cometendo.

Não constitui demasia rememorar que o Poder

Judiciário, já em 2007, determinou que toda a receita advinda do ICMS fosse partilhada com

os municípios e com os demais poderes e órgãos estaduais, o que foi perfilhado pelo Tribunal

de Contas catarinense em 2010.

Não se pode olvidar, também, que a conduta dos

agentes públicos constitui ato de improbidade administrativa, pois causou lesão aos

municípios, aos demais poderes e órgãos estaduais e, ainda, atentou contra os princípios

aplicáveis à administração pública.

A propósito, dispõe a Lei nº 8.429/1992:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que

atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições , e notadamente:

[...] (Grifos)

Assim, pode-se concluir que os gestores citados

anteriormente devem ser devidamente responsabilizados pelas suas condutas ilegais e

ímprobas, eis que, com dolo manifesto, agiram em contrariedade à Constituição da República,

à Constituição Estadual e às normas aplicáveis à espécie.

18 O art. 5º da Lei Estadual nº 13.334/2005 prevê: “Após a aprovação dos programas, ações e projetos pelo Conselho Deliberativo do FUNDOSOCIAL, compete à Secretaria Executiva de Supervisão de Recursos Desvinculados realizar os trabalhos administrativos pertinentes à análise técnica dos pedidos de subvenções sociais, transferências voluntárias e outras liberações, bem como a execução orçamentária e financeira do Fundo, para a efetivação dos repasses, incluindo o acompanhamento e a fiscalização da execução dos projetos.”

22

2. Abertura de crédito suplementar sem o

preenchimento dos requisitos legais

2.1. Considerações preliminares

A Lei de Responsabilidade Fiscal tem como

pressuposto o dever de ação planejada e transparente por parte do gestor público, com vistas à

prevenção de riscos e à correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.

Ao estabelecer regras de gestão fiscal, assenta-se nos seguintes princípios: a) planejamento; b)

equilíbrio nas contas públicas; c) controle; d) responsabilidade; e) responsividade; f)

transparência.

Não é demais lembrar que a LRF contribui para a

eficácia do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual

e deve, necessariamente, ser observada quando da elaboração de tais normas.

A Lei Orçamentária Anual, quando da sua

aprovação, prevê créditos orçamentários, também denominados créditos iniciais, os quais são

distribuídos nos programas de trabalho que compõem o Orçamento Geral.

É sabido, no entanto, que muitas vezes a Lei

Orçamentária Anual não prevê a realização de determinados dispêndios ou não dispõe de

dotações de recursos suficientes para atendê-los no exato momento em que deveriam ser

efetuados.

Para solucionar tais situações, adota-se o mecanismo

de créditos adicionais, os quais podem ser conceituados, nos termos da Lei nº 4.320/1964,

como autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de

Orçamento.

Com efeito, cabe aqui mencionar que os créditos

adicionais possuem a seguinte classificação: a) suplementares; b) especiais; c) extraordinários.

Explicando o assunto, Afonso Gomes Aguiar19 aduz:

Segundo o texto legal, os Créditos Adicionais se subdividem em Créditos Suplementares, Créditos Especiais e Créditos Extraordinários, de acordo com a finalidade a que se destinam.

19 AGUIAR, Afonso Gomes. Lei nº 4.320 - comentada ao alcance de todos. p. 300.

23

Por determinação deste artigo, a Administração Pública utilizar-se-á do Crédito Suplementar sempre que alguma dotação prevista na Lei Orçamentária Anual se torna insuficiente para o atendimento da despesa. Essa insuficiência pode ser originada tanto da fixação inicial do valor da dotação, que se tornou incompatível com a realidade das despesas a serem realizadas, quanto decorrente da anulação, total ou parcial, da mesma, para o atendimento de suplementação de outra dotação orçamentária. [...]

São Créditos Especiais as autorizações legislativas dadas para realizações de despesas que não foram previstas pela Lei Orçamentária Anual.

[...]Finalmente, reporta-se o artigo aos Créditos Extraordinários,

determinando sua utilização, pela Administração Pública, quando esta tiver de realizar despesas de natureza urgente e imprevista, isto é, que não comporta demora no seu atendimento e, ainda, que, em face do seu caráter, não eram perfeitamente previsíveis.

[...] (Grifos no original)

A abertura dos créditos suplementares e especiais

depende da existência de recursos disponíveis e deve ser precedida de exposição

justificada.

O Estado de Santa Catarina abriu créditos

suplementares em algumas fontes de recursos, por conta de suposto excesso de arrecadação e

superávit financeiro, sem, contudo, a efetiva comprovação do excesso apontado e do

superávit. Ao contrário, as fontes de recursos evidenciaram um saldo anual negativo.

À vista disso, percebe-se que houve violação à

Constituição da República e à Lei nº 4.320/1964, o que enseja a adoção das providências

cabíveis, dentre elas a responsabilização dos agentes públicos.

Para melhor explicar o assunto, passo a tratar, em

sequência, das alterações orçamentarias realizadas pelo Poder Executivo catarinense sem o

preenchimento dos requisitos legais e, ainda, das consequências dessa ilegalidade.

2.2. Da abertura de créditos suplementares sem a

comprovação do excesso de arrecadação e do superávit financeiro

Destaque-se, em um primeiro momento, que são

considerados recursos para fins de abertura de créditos suplementares e especiais, desde que

não comprometidos, o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício

anterior, os provenientes de excesso de arrecadação, os resultantes de anulação parcial ou total

de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais e, ainda, o produto de operações de

créditos autorizadas.

Nessa direção, prescreve a Lei nº 4.320/1964:

24

Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa.

§ 1º Consideram-se recursos para o fim deste artigo, desde que não comprometidos:        

I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;        

II - os provenientes de excesso de arrecadação;         III - os resultantes de anulação parcial ou total de dotações

orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei;IV - o produto de operações de credito autorizadas, em forma

que juridicamente possibilite ao poder executivo realiza-las.§ 2º Entende-se por superávit financeiro a diferença positiva

entre o ativo financeiro e o passivo financeiro, conjugando-se, ainda, os saldos dos créditos adicionais transferidos e as operações de credito a eles vinculadas. 

§ 3º Entende-se por excesso de arrecadação, para os fins deste artigo, o saldo positivo das diferenças acumuladas mês a mês entre a arrecadação prevista e a realizada, considerando-se, ainda, a tendência do exercício.

§ 4° Para o fim de apurar os recursos utilizáveis, provenientes de excesso de arrecadação, deduzir-se-á a importância dos créditos extraordinários abertos no exercício. 

Isso posto, cabe ter presente que, na análise das

contas do Governo do exercício de 2015, a área técnica do Tribunal de Contas do Estado de

Santa Catarina averiguou a abertura de créditos suplementares de algumas fontes de recursos

provenientes do superávit financeiro do exercício de 2014 e do excesso de arrecadação

suspostamente auferido no decorrer do exercício de 2015 e constatou que algumas fontes

analisadas careciam de saldo financeiro para a abertura dos aludidos créditos.

Para confirmar essa assertiva, registrem-se as

seguintes fontes de crédito orçamentário, a disponibilidade de caixa e o crédito aberto20:

Fonte de Crédito Orçamentário

Saldo de Disponibilidade de Caixa líquida do Poder Executivo

CréditoAberto

Decreto autorizativo Saldo (R$)

308 - Recursos Convertidos R$ 0,00 R$ 10.722.144,00

Dec. 142/2015 - 10.722.144,000

309 - Recursos Convertidos R$ 551.706,75 R$ 107.012.283,48

Dec. 72/2015 - 106.460.576,73

360 - Receita Patrimonial R$ 292.179,97

R$ 130.107,09 Dec. 52/2015 - 657.463,32

R$ 62.306,37 Dec. 214/2015

R$ 99.766,51 Dec. 227/2015

20 Dados extraídos do Relatório Técnico sobre as Contas prestadas pelo Governo do Estado relativas ao exercício de 2015: Disponível em: http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/RelatorioTecnico_2015.pdf.

25

R$ 657.463,32 Dec. 508/2015

381 - Remuneração de disponibilidade

bancária – Legislativo

R$ 0,00

R$ 6.686.046,97 Dec. 508/2015 - 8.686.046,97

R$ 2.000.000,00Dec. 73/2015

388 – Remuneração de Disponibilidade

BancáriaR$ 226.613,90 R$ 607.583,40

Dec. 54/2015 - 380.969,50

625 – Convênio de Programas –

Assistência SocialR$ 2.140.159,29 R$ 3.016.769,52

Dec. 41/2015 - 876.610,23

Como se pode perceber, houve a abertura de

diversos créditos suplementares, sem que houvesse, contudo, saldo financeiro suficiente na

respectiva fonte.

É valido comentar que a equipe técnica do TCE/SC

asseverou que os dados citados na tabela acima são apenas exemplificativos, pois não restou

esgotada a análise de todas as fontes.

A par dessa informação, cumpre consignar que,

nos decretos publicados pelo Poder Executivo Estadual, consta a informação de que foi

suplementada determinada importância por conta de superávit financeiro e, em outros casos,

por excesso de arrecadação.

Sobre o alegado superávit financeiro, discorreu a

área técnica do TCE/SC:

Chamam atenção, ainda, as justificativas preconizadas nos Decretos supramencionados. Ao se verificar o contido no Decreto nº 214, de 12 de junho de 2015 (fonte 360 e outras fontes), aduziu que “fica suplementada na importância de R$ 880.000,00 em favor de Encargos Gerais do Estado, por conta de superávit financeiro apurado no Balanço Geral do Estado”. Ora, inicialmente o Decreto não aludiu a fonte de origem do recurso prejudicando a verificação do fluxo financeiro entre as respectivas fontes, bem como a transparência plena do ato administrativo. Além disso, em outros decretos, a justificativa apresentada faz menção a superávit financeiro existente no próprio Órgão ou Fundo, contudo, não esclarece o saldo e nem a respectiva fonte. O caso é recorrente em outras fontes analisadas.

Outro ponto que cumpre ressaltar é o descrito no Decreto 72, de 11 de março de 2015, que autorizou a abertura de crédito na fonte 309, sobre o qual colacionamos o seguinte: “Fica suplementada na importância de R$ 107.01 milhões, por conta de superávit financeiro convertido em Recursos do Tesouro conforme o disposto no § 3º do art.126 da Lei Complementar n.381, a programação discriminada no Anexo”. Sobre o tema, ao se verificar a Lei estadual nº 381/2007 a mesma definiu que o superávit financeiro, por fonte de recursos, das autarquias, fundações e fundos especiais, no final de cada exercício financeiro, será convertido em Recursos do Tesouro - Recursos Ordinários. Acontece que, muito embora o “fenômeno da conversão de fontes”, exclusivamente neste caso, esteja previsto em lei, entretanto, tal situação impede a

26

verificação da origem do recurso. Vale salientar que tal transação orçamentária carecia de saldo financeiro no período21.

Já no tocante ao excesso de arrecadação, o corpo

técnico da Corte de Contas catarinense salientou:

[...] o Legislador Pátrio exigiu que a propositura de abertura de crédito proveniente de excesso de arrecadação depende de 02 requisitos cumulativos: o primeiro trata de saldo positivo da diferença acumuladas entre a arrecadação prevista e realizada, já o segundo requisito deve-se considerar a tendência arrecadatória do exercício. Tal razão se deve que, por vezes, sucede em alguns meses do exercício financeiro um aumento da receita, contudo, nos demais ocorre grande queda de arrecadação que, por conseguinte, contribuiu para a propensão de uma frustração de receita. De tal fato, o ato de abertura de crédito deve ser analisado de forma conjunta entre o aumento da receita e o desempenho do exercício financeiro anual do Ente.

[...]Impende esclarecer que as fontes de recursos expostas acima

evidenciaram um saldo anual negativo, ou seja, a meta arrecadada foi inferior a prevista, conforme se evidencia no demonstrativo de acompanhamento das metas bimestrais de arrecadação nos termos do art.13 LRF, contido no sítio eletrônico da SEF.

A título de exemplo, a respeito da fonte 101, ao se observar o contido Decreto nº 530, de 16/12/2015, observou-se uma autorização para abertura de crédito de R$ 94,34 mil por “excesso de arrecadação do Fundo Financeiro” do IPREV. Ressalta-se que a fonte 101 foi deficitária ao final do exercício. No mais, torna-se intuito que os recursos do Fundo Financeiro não são suficientes para pagar os aposentados e pensionistas do Estado, quanto mais falar em excesso de arrecadação. Ademais, as justificativas contidas no instrumento autorizativo não aduzem a fonte que originou o suposto excesso de arrecadação.

De outra forma, na fonte 119 o Decreto nº 475 pontificou a suplementação de R$ 800 mil, em favor do Fundo de Melhoria da Policia Militar, por conta de tendência ao excesso de arrecadação do seu orçamento no corrente exercício.

Conforme exposto anteriormente, a tendência ao excesso de arrecadação é um dos pressupostos legais que deve ser verificada no deslinde do exercício em questão, porém, como se comprova no demonstrativo de arrecadação supracitado, a referida fonte não encontrou superávit em nenhum mês sequer, encontrado um saldo negativo na ordem de R$ 3,97 milhões.

Em relação às demais alterações orçamentárias, os Decretos que às sustentam aduzem justificativas semelhantes, contudo, não se vislumbrou saldo financeiro e tendência ao excesso de arrecadação em nenhuma das fontes ora apresentadas22.

À vista das transcrições acima, pode-se inferir que

os argumentos utilizados – superávit financeiro e excesso de arrecadação – não foram

corroborados, uma vez que não havia saldo financeiro nas fontes apresentadas.

21 SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. Relatório técnico sobre as contas prestadas pelo Governo do Estado relativas ao exercício de 2015. Disponível em: http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/RelatorioTecnico_2015.pdf.

22 SANTA CATARINA, Tribunal de Contas. Relatório técnico sobre as contas prestadas pelo Governo do Estado relativas ao exercício de 2015. Disponível em: http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/RelatorioTecnico_2015.pdf.

27

Denota-se, portanto, que a conjuntura fática aqui

apresentada, além de violar o art. 43 da Lei nº 4.320/1964, afronta a Constituição da

República, a qual prevê:

Art. 167. São vedados:[...]V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia

autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; (Grifos)

Ao encontro disso, entende-se que a abertura de

créditos adicionais sem recursos disponíveis vai de encontro aos princípios da legalidade e da

moralidade, nos termos do julgado exarado pelo TCE/MG:

PRESTAÇÃO DE CONTAS — PREFEITURA MUNICIPAL — EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA — ABERTURA DE CRÉDITOS ADICIONAIS — RECURSOS NÃO DISPONÍVEIS — IRREGULARIDADE FORMAL — NÃO CONFIGURAÇÃO — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE — PRINCÍPIO DA MORALIDADE — VIOLAÇÃO — GASTO PÚBLICO — EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO — OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA — PARECER PRÉVIO — REJEIÇÃO DE CONTAS.

O gasto público de um exercício financeiro está limitado ao total de recursos efetivamente arrecadados, sendo a abertura de créditos adicionais sem recursos disponíveis uma afronta aos princípios da legalidade (art. 43, Lei n. 4.320/64) e da moralidade23. (Grifos)

Vale assinalar, ademais, que, à luz da Lei nº

1.079/1950, constitui crime de responsabilidade a abertura de crédito sem o preenchimento

dos requisitos estatuídos na lei, senão vejamos:

Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos

dinheiros públicos:[...]2 - Abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as

formalidades legais;

Dessa feita, pode-se concluir que a conduta em

comento caracteriza, novamente, crime de responsabilidade, razão pela qual deve haver a

punição dos agentes públicos, dentre eles aquele que atestou a disponibilidade de recursos

financeiros e aquele que expediu o decreto autorizando a abertura dos créditos suplementares.

3. Requerimento 23 MINAS GERAIS, Tribunal de Contas. Prestação de Contas municipal nº 843.137. Rel. Gilberto Diniz. J. em:

22 mar. 2012. Disponível em: http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1563.pdf. Acesso em: 28 ago. 2016.

28

Ante o exposto, suplica-se o recebimento desta

representação, para que o assunto seja submetido à consideração dos ilustres Deputados

catarinenses, a fim de que se adotem as medidas que entender cabíveis, em especial no sentido

da:

1. adoção de providências para apurar a

responsabilidade do chefe do poder executivo catarinense, Governador João Raimundo

Colombo, do Secretário de Estado da Fazenda; Sr. Antônio Marcos Gavazzoni, que assinou os

ofícios encaminhados à Celesc e o Secretário Executivo de Supervisão de Recursos

Desvinculados da Casa Civil, Sr. Celso Antônio Calcagnotto, pela ausência de contabilização

de receitas tributárias, interferindo na divisão do imposto com os municípios e no cálculo do

percentual mínimo de investimento em saúde e educação;

2. adoção de providências para apurar a

responsabilidade dos agentes públicos pela abertura de créditos suplementares sem a

comprovação do excesso de arrecadação e do superávit financeiro.

São signatários do presente requerimento, representando as entidades que seguem:

Amauri Soares

CPF n. 579.418.159-15

Intersindical – Central da Classe Trabalhadora

CNPJ n. 20.937.429/001-17

Ana Júlia Rodrigues

CPF n. 448.306.100-34

Central Única dos Trabalhadores

CNPJ n. 60.563.731/0017-34

29

Célia Regina Vendramini

CPF n. 556.498.239-87

Seção Sindical do Andes-Ufsc

CNPJ n. 00.676.960/0012-18

Daniela Félix Teixeira

CPF n. 910.141.319-87

OAB n. 19.094

Edileuza Garcia Fortuna

CPF n. 895.749.589-49

Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Saúde Pública Estadual e Privada de

Florianópolis e Região

CNPJ n. 83.932.020/0001-28

Fábio Daufenbach Pereira

CPF n. 023.632.069-67

Sindicato de Auditores Fiscais do Tribunal de Contas de Santa Catarina

CNPJ n. 82.703.026/0001-60

Fernando Meira Júnior

CPF n. 018.570.349-61

Sindicato dos Técnicos da Universidade do Estado de Santa Catarina

CNPJ n. 18.914.524/0001-53

30

Gilmar Rodrigues

CPF n. 602.858.939-04

Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais

CNPJ n. 25.308.977/0001-00

João Paulo Silvano Silvestre

CPF n. 088.361.909-10

Núcleo Catarinense da Auditoria da Dpivida Pública

José Oliveira Mafra

CPF n. 566.550.029-15

Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente

CNPJ n. 83.566.729/0001-57

Josias da Silva Rodrigues

CPF n. 047.638.859-79

Federação Nacional dos Servidores Públicos Estaduais e do Distrito Federal

CNPJ n. 11.832.951/0001-43

31

Karoline Hoffmann

CPF n. 038.402.429-75

Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais de 1º e 2º Graus, Associações

Profissionais e Centrais Sindicais de Florianópolis e Região Sul

CNPJ n. 81.329.047/0001-03

Laércio Raimundo Bianchi

CPF n. 465.046.059-04

Sindicato dos Servidores do Judiciário no Estado de Santa Catarina

CNPJ n. 80.151.087/0001-37

Leoberto Bregue Daniel

CPF n. 510.929.309-06

Sindicato dos Funcionários da Assembleia Legislativa de Santa Catarina

CNPJ n. 85.170.520/0001-03

Lino Fernando Bragança Peres

CPF n. 121.548,570-0

Vereador por Florianópolis

32

Luciano Wolffenbuttel Véras

CPF n. 887.589.159-15

Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência do Serviço Público no Estado de Santa

Catarina

CNPJ n. 78.267.143/0001-51

Luiz Carlos Vieira

CPF n. 406.940.891-68

Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Estadual de Santa Catarina

CNPJ n. 81.329.260/0001-07

Marcos Rogério Palmeira

CPF n. 664.823.139-49

Advogado

OAB n. 8095

Marcus Vinicius Rocha

CPF n. 936.279.049-15

Sindicato dos Servidores do Ministério Público de Santa Catarina

CNPJ n. 11.369.334/0001-53

33

Mário Jorge Maia

CPF n. 298.554.899-34

Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia Elétrica de Florianópolis e Região

CNPJ n. 83.930818/0001-30

Maurino Silva

CPF n. 223.919.409-04

Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Estadual de Santa Catarina

CNPJ n. 80.673.429/0001-89

Mirian Teresinha Demonti Rosa

CPF n. 743.356.859-04

Associação dos Servidores do Tribunal de Contas de Santa Catarina

CNPJ n.75.799.239/0001-72

Odair Rogério da Silva

CPF n. 481.286.279-53

Central dos Trabalhadores do Brasil

CNPJ n. 09.611.943/0001-25

34

Paulo Henrique Oliveira Porto de Amorim

CPF n. 110.520.027-22

Sindicato Nacional dos Servidores Federais na Educação Básica e Profissional

CNPJ n. 03.658820/0035-02

Pedro Francisco Uczai

CPF n. 477.218.559-34

Deputado Federal por Santa Catarina

Ronaldo Gariglio Barreto de Andrade

CPF n. 542.897.189-49

Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados de Santa Catarina

CNPJ n. 79.831.442/0001-30

Sérgio Ricardo de Lima

CPF n. 007.150.019-73

Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoramento, Perícia, Pesquisa e

informações de Santa Catarina

CNPJ n. 80.673.387/0001-86

35

Sidnei Silva

CPF n. 488.902.009-87

Federação Nacional de Servidores dos Tribunais de Contas

CNPJ n. 15.556.185/0001-82

36