pentagrama · eu trazia dentro de mim um desejo indefinido. estranhamente, durante um certo tempo,...

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Revista bimestral do Lectorium Rosicrucianum UM REGRESSO AO LAR ETERNO MINHA VÉSPERA DE PÁSCOA COMO SE TECE A VESTE DE NÚPCIAS CRISTIANO ROSACRUZ NO JARDIM DE DEUS. UMA PERSONAGEM ENIGMÁTICA MINHA FONTE A MORTE QUE É VIDA! O MISTÉRIO DO PÁSSARO AZUL O OITAVO PAVIMENTO DA TORRE E A RESSURREIÇÃO PentagramA 2005 número 2

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Revista bimestral do

Lectorium Rosicrucianum

UM REGRESSO AO LAR ETERNO

MINHA VÉSPERA DE PÁSCOA

COMO SE TECE A VESTE DE NÚPCIAS

CRISTIANO ROSACRUZ NO JARDIM DE DEUS.

UMA PERSONAGEM ENIGMÁTICA

MINHA FONTE

A MORTE QUE É VIDA!

O MISTÉRIO DO PÁSSARO AZUL

O OITAVO PAVIMENTO DA TORRE E A RESSURREIÇÃO

PentagramA2005 número 2

Redação

C. Bode, A.H. v.d. Brul,

I.W. v.d. Brul, R. Bürmann,

P. Huys, H.P. Knevel,

G.P. Olsthoorn, A. Stockman-

Griever, G. Uljée

Endereço da Redação

Pentagram,

Maartensdijkseweg I,

NL – 3723 MC Bilthoven, Holanda.

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Edição Brasileira

Editora Rosacruz

Administração e Vendas

Caixa Postal 39

Jarinú – SP – CEP 13240-000

Brasil

Tel.: (011) 4016-4234

Fax: (011) 4016-3405

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Editado nos seguintes idiomas

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Húngaro*, Inglês, Italiano*, Polonês*,

Português, Russo*, Sueco*,Tcheco.

A revista é editada 6 vezes por ano

(*) Editada 4 vezes por ano

© Stichting Rozekruis Pers.

A reprodução somente é permitida com

autorização prévia por escrito.

ISSN 1677-2253

REVISTA BIMESTRAL DA

ESCOLA INTERNACIONAL DA ROSACRUZ ÁUREA

LECTORIUM ROSICRUCIANUM

A revista Pentagrama propõe-se a atrair a atenção de

seus leitores para a nova era que já se iniciou para o

desenvolvimento da humanidade.

O Pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo

do homem renascido, do novo homem. Ele é também

o símbolo do universo e de seu eterno devir, por meio

do qual o plano de Deus se manifesta. Entretanto,

um símbolo somente tem valor

quando se torna realidade. O homem que realiza

o Pentagrama em seu microcosmo, em seu próprio

pequeno mundo, está no caminho

da transfiguração.

A revista Pentagrama convida o leitor a operar

essa revolução espiritual em seu próprio interior.

PENTAGRAMA

Escultura de bronze.

Otto Schouten

ÍNDICE

2 UM REGRESSO AO LAR

ETERNO

4 MINHA VÉSPERA DE

PÁSCOA

7 COMO SE TECE A VESTE

DE NÚPCIAS

15 CRISTIANO ROSACRUZ

NO JARDIM DE DEUS

18 UMA PERSONAGEM

ENIGMÁTICA

20 MINHA FONTE

25 A MORTE QUE É VIDA!

27 O MISTÉRIO DO PÁSSARO

AZUL

34 O OITAVO PAVIMENTO DA

TORRE E A RESSURREIÇÃO

ANO 27NÚMERO 2

T E M A D E S T E N Ú M E R O :

As núpcias alquímicas:

um regresso

ao lar eterno.

Por sete vezes, a corda é atirada

a fim de tirar a humanidade

do escuro poço.

O candidato deve resistir aos

sete pesos. Sete navios encimados

por sete flamas atravessam

o mar. E tudo se realiza

em sete dias e sete noites.

A narrativa do livro As núpcias alquí-micas demonstra, com toda clareza,que o ser humano é mais que um sim-ples veículo físico dotado de pensa-mento e de uma certa consciência.

an van Rijckenborgh, em suas ex-plicações da obra As núpcias alquí-micas, desvela os arcanos da lingua-gem dos mistérios e descreve todo ovalor dessa obra para o buscador queaspira à verdade e à iluminação. Eletambém alerta para o fato de que aFraternidade da Rosacruz não so-mente considera Cristiano Rosacruzo grão-mestre da Ordem, mas espe-cialmente como o símbolo do ho-mem que se torna uma alma-espírito.

É justamente pelo mistério dessanarrativa, e ela apresenta vários ní-veis, que os aspectos ocultos da almasão tocados. Eles a despertam parauma busca e lembram-na de um pos-sível desenvolvimento que pode libe-rar as forças latentes do microcosmo.

A senda de Cristiano Rosacruz po-de ser percorrida por todos os seusseguidores. Ela conduz, por meio deuma apropriada colaboração da per-sonalidade, à transmutação da alma,o que já é, em si, um milagre da Gra-ça. Na torre do Olimpo, então, a al-ma é preparada para as núpcias como Espírito. Um microcosmo regressaà vida original! Nesse sentido, osnúmeros dos pavimentos da torrecorrespondem a aspectos do cami-nho espiritual. Alunos da Rosacruz

moderna têm contribuído com dife-rentes escritos que abordam, a partirdessa perspectiva, a grande tarefa davida.

O crescimento espiritual é segui-damente descrito como um processosétuplo. No Gênesis, a criação é de-talhada em sete dias e o Apocalipsese cumpre segundo sete imagens sim-bólicas. Outras tradições ensinamque os ciclos de vida dos mundos eda humanidade se desenvolvem nointerior de sete períodos cósmicos,segundo o princípio do subir, brilhare declinar.

As núpcias alquímicas abundamem exemplos de manifestações sétu-plas: a humanidade é retirada do po-ço sombrio com o auxílio de sete cor-das, o candidato deve resistir à pres-são de sete pesos, sete navios encima-dos por sete flamas partem para omar e tudo se realiza em sete dias esete noites.

Sobre isso Jan van Rijckenborghescreveu: “Primeiramente, é precisopenetrar o sentido do número sete, onúmero perfeito... Prestai, portanto,atenção ao fato de que, antes de tudo,trata-se de um engajamento numprocesso natural de formação e decrescimento que estabelece a ligaçãocom o esplendor exuberante doEspírito sétuplo e do número perfei-to. Há, pois, sete lições a aprender,sete regras a seguir, sete virtudes apraticar”.

Os sete dias de Cristiano Rosacruzapresentam um desenvolvimento

J

Um regresso ao lar eterno

2

As diferentes

fases das Núpcias

alquímicas são

indicadas por

cores.

Embora descritas

separadamente,

na realidade elas

se sobrepõem.

Aquarela. Paul

Klee, 1923.

ascensional ao longo dos sete níveisdo microcosmo, que conduz à res-surreição do novo homem.

É uma viagem apaixonante de des-coberta, por lugares ainda desconhe-cidos, através dos labirintos do caste-

lo real, que outra coisa não é senãonosso microcosmo, e dos porõesabobadados até o ponto mais alto datorre. Essa viagem pode conduzircada um de nós em um regresso aolar eterno.

3

Minha véspera de PáscoaUma retrospectiva

4

Isso começou já há muito tempo, emminha juventude. O outono, para mim,era a mais bela das estações: a vida seinclinava para a terra, trazendo-me osentimento do que é a morte. O matocrescera por entre o calçamento danossa rua, e eu me perguntava se avida, a cultura e tudo o que o homemcria nada duram. A natureza tambémquebra a mais dura pedra!

e que adianta construir? De queadianta florescer, já que tudo fenece?

No bosque vizinho, havia um lugarchamado As Sete Fontes, onde eu ado-rava passar a noite. Eu sempre olhavapara a mesma estrela no céu. Seria elauma mensageira de uma terra distan-te? Eu a contemplava. Era uma amiga,como também o era o pôr do sol. Eucantava para essa amiga, sem conhecê-la. Tinha a impressão de viver em umsonho, penetrado por uma esperançadifusa, inexplicável. Sentia-me um es-tranho à vida. Desejava apenas ver mi-nha amiga desconhecida. Antes mor-rer que ser dela privado.

Uma noite, despertei e vi diante demim uma porta aberta. Essa imagemme tocou profundamente: será este umchamado para partir? Mas partir paraonde? Eu sonhava com Deus, com omundo, dizendo a mim mesmo que na-da podia haver além desta existência.

Eu trazia dentro de mim um desejoindefinido. Estranhamente, duranteum certo tempo, eu via em meu reló-gio sempre a mesma hora. Meia-noite;

o que isso significava? Seria essa en-trada da gruta, que eu observava coma minha visão interior, uma lembran-ça? Mas, lembrança de quê?

Comecei, então, a busca por umarosa branca, pois sentia que ela teriaum significado especial para mim. Fuide florista em florista, porém naquelesdias não era tão fácil encontrar umarosa branca.

Foi assim que o “outro” teceu umfio em minha vida, embora eu não com-preendesse muito bem. Um fio áureo.Era como se ele acompanhasse minhavida, a meu lado, como por detrás deuma vidraça. O que eu devia fazer? Oque isso tinha a ver comigo?

E eu continuava a tecer os fios darede do meu destino, porém estes nãoeram de ouro. E me envolvia cada vezmais nessa rede. Tinha a impressão deser um pedaço de madeira à deriva nomar infinito. Então sobreveio um de-sejo estranho que rompeu os fios darede. Fui conduzido a um lugar de luze força, ancorado no espaço e tempo.Esses lugares existem! Percebi umeco, uma ressonância, que me dizia,nas profundezas de meu ser, que aliera meu lugar e que eu ali deveria per-manecer. Eu ainda não tinha nenhumobjetivo, nem intenção de retorno auma pátria, mas tinha a impressão deque existia uma ponte que conduzia àverdade absoluta.

Uma nova fase de minha vida co-meçava. Mas eu mesmo não sabia cla-ramente o que fazer, nem que direçãotomar. No princípio, eu me pergunta-

D

va se o “outro” realmente existia ou senão seria fruto de minha fantasia. Sem-pre pensei assim em meu desespero.E, agora, o objetivo supremo da cria-ção aparecia para mim. O que era euem tudo isso, com minha pequenez eminha incredulidade? Senti-me pro-fundamente envergonhado. Mas re-conheci no “outro” um amigo. Tu eraso amigo. Como não pude compreen-der isso mais cedo?

Continuei aos tropeções no únicocaminho que eu via e devia seguir,pois o mundo ainda não havia se tor-nado um deserto para mim. Tentei,

realmente, “o caminho” – o que querque isso fosse. Porém, tudo que res-tou de meus esforços, lutas e aspira-ções foi um “vazio”; e o sentimentode, apesar de tudo, encontrá-lo em al-gum lugar. Sim, somente esse vago de-sejo permaneceu. Tudo mais perderao sentido; tudo se tornara oco e vazio.

Finalmente cheguei no fundo dopoço. Não havia no mundo ninguémmais solitário que eu, pensei. Todosos desejos e objetivos haviam perdidoo significado, toda esperança desapa-recera. Cada vez que eu tocava os pon-tos profundos (e eles se sucediam), al-

5

Ilustrações dos

sete dias de Hans

Wilderman, Chi-

mische Hochzeit

Christiani

Rozenkretuz Anno

1459. Göttingen,

1923.

1o primeiro dia

O convite

udo começa numa véspera de Páscoa, tudo começa para um homem que

sabe “que há algo mais”. No primeiro dia, o protagonista recebe uma carta

convidando-o a assistir às núpcias reais. Embora a carta esteja endereçada

a ele como a um conviva, é evidente que dele é esperado mais.“Se não te

purificares, as núpcias podem causar-te dano.” Sete anos antes, numa visão,

foram-lhe anunciadas essas núpcias, e ele tratara de preparar-se correta-

mente. Porém, nessa “véspera de Páscoa” tão especial, a carta insiste por

três vezes na palavra “hoje”, pois é somente no hoje, no agora, que se pode

começar um caminho espiritual. Contudo, Cristiano Rosacruz sente-se

indigno e reconhece em si a existência de sete grandes defeitos. Ele duvi-

da, sente-se ignorante e cego, nada sabendo das coisas ocultas e dos mis-

térios da natureza, e seu comportamento e seu pretenso amor ao próxi-

mo não deixam de ser interesseiros. Do mesmo modo, os impulsos da

carne ainda estão presentes nele e fazem-no voltar-se para as coisas e

acontecimentos deste mundo. E vemo-lo, ao cair da noite, preso de pro-

funda inquietude, por causa da misteriosa alusão aos três templos.

Os acontecimentos espirituais, que durante o dia estão sujeitos à ilusão e

à ignorância, são desvelados a Cristiano Rosacruz durante a noite. Então,

livre das limitações do corpo físico, ele pode perceber a verdade daquilo

que lhe acontece. Na primeira noite, ele tem um sonho em que vê prisio-

neiros no fundo de um poço (símbolo da humanidade em sua atual condi-

ção), de cujas profundezas algumas pessoas são içadas para a luz com o

auxílio de sete cordas. O Irmão Rosacruz também faz parte dos resgata-

dos. Nisso ele vê claramente um sinal, pois é indubitável que somente à

misericórdia ele deve seu salvamento. E, cheio de esperança, ele se põe a

caminho.

T

6

go em mim se quebrava. Algo ao qualsomente podia atribuir um nome: “eu”.

Egoísmo, teimosia, ilusões, submis-são aos meus sonhos, aos meus desejos,tendo como fundo o ciúme e a estrei-teza de espírito: eis o que determina-va toda a minha existência; eu viviaapenas disso. Que terrível pobreza!

Em cada ponto profundo estavas ameu lado. Eu experimentava a conso-lação de tua presença; paz, força ecompreensão. Então, tornou-se claropara mim: eu devia criar um espaçopara ti em minha vida, tu devias viver,eu devia sempre dar um passo atrás.Porque eras tudo que eu sempre quisser. Quando abandonei minhas idéiastolas, tu lá estavas. Porém, a diferençaentre ti e eu me escapava. Freqüente-mente acontecia de eu pensar: tu és eue eu sou tu. Essa confusão continuoua existir e trouxe consigo muita triste-za. E ainda traz.

O conhecimento adquirido e oinsight desapareceram enquanto per-manecia um caos de pensamentos esentimentos. A orientação e o contro-le interior desapareceram. Então, umintenso desejo irrompeu e meu cora-ção se encheu de alegria, felicidade epaz. Assim, lancei-me através dos meusespaços interiores: céu e inferno esta-vam dentro de mim. Mas um dia algobrilhou e ardeu no mais profundo demeu ser: compreendi que tudo o queme acontecera, até então, não forafruto do acaso. Cada passo, cada coi-sa, cada acontecimento, tudo tinhasentido. Minha existência se apresen-

tou para mim como uma veste tecidade fios vivos. Passado, presente efuturo, tudo foi penetrado por tuaradiação. De repente, a vida teve sen-tido e se integrou em um plano gran-dioso. Eu me senti apoiado e amado.Esse “Eu” não era eu, mas meu serinterior, o núcleo em mim, aquilo queeu alegremente queria ser.

Desde então, tu vives como algonovo em mim. É como se uma fontede tua energia jorrasse. Dia e noite,nas profundezas e nas alturas, sigo osmeandros de teu rio.

Passo a passo desvela-se agora oplano que contemplei graças a uma“iluminação”. Era uma tarefa, umamissão de vida. Eu a recebi direta-mente de tuas mãos. Desde então éstu que a realizas através de mim,quando não resisto a ti em minha ilu-são, que ainda existe e obstaculiza ocaminho. No entanto, eu me entregosempre mais à tua direção e me esfor-ço em seguir tuas sugestões.

Eu era como Tomé, o incrédulo, oeterno cético. Embora já tivesses meconcedido tanta misericórdia, eu sem-pre implorava luz, justamente quandotinha te abandonado.

Para minha grande surpresa, tomoconsciência que o teu desejo pareceser também o meu! Tua vontade é tam-bém a minha. Quero seguir-te e reali-zar o que esperas de mim. Não apenasporque tu és meu mestre e eu teu dis-cípulo, mas porque somos amigos.

Seguimos juntos para a... Páscoa...

“Em seguida preparei-me para o cami-nho. Vesti minha roupa de linho bran-co, cingi o lombo com uma cinta de corvermelho-sangue disposta em cruz eque passava sobre os ombros” 1. Assimvestido, Cristiano Rosacruz põe-se acaminho para tomar parte nas núpciasreais, após ter recebido uma carta-con-vite das mãos de uma maravilhosa fi-gura feminina de grandes e belas asas.

m torno das Núpcias alquímicas étecida uma rede sutil de símbolos quecontém, até nos mínimos detalhes, in-dicações do processo que leva à res-surreição do homem divino. As dife-rentes cerimônias, as vestes menciona-das e as cores escolhidas não são ne-nhuma invenção de Johann ValentinAndreæ e de seu círculo de amigos. Aveste, por exemplo, sempre foi o sím-bolo do corpo sutil que muda de corem função do estado interior. Em umtexto gnóstico como O canto da péro-la, de origem maniquéia, o príncipetira seu manto real quando abandonao reino de seu pai para ir procurar apérola no Egito. Na mitologia grega,Hércules, tendo realizado seus dozetrabalhos, recebe ao final de sua vida atúnica de Nesso, que lhe queima a(velha) pele. Do mesmo modo, a tradi-ção do manto púrpura dos soberanose dos sacerdotes relaciona-se a um an-tigo conhecimento dos Mistérios, queinfelizmente foi perdido.

Branco, vermelho, ouro, negro eamarelo são as cores das diferentes

vestes usadas pelo Irmão Rosacruz eseus companheiros no decorrer dossete dias. A escolha dessas cores nadatem de arbitrário, nem é novidade. Aveste azul da virgem, no primeiro e se-gundo dias, refere-se a um nível devida, ou seja, da alma, enquanto que asdemais cores se relacionam a um pro-cesso de mudança. Não nos surpreen-de que essas cores pertençam à tradi-ção alquímica. Elas indicam as trans-formações que sucedem no corpo su-til até o surgimento do novo veículofísico-etérico, tal como ele era origi-nalmente. A verdadeira Alquimia nãotem outro objetivo, e é disso que tra-tam As núpcias alquímicas.

No início da narrativa, CristianoRosacruz veste uma roupa de linhobranco com uma cinta vermelho-san-gue. O branco é a cor da pureza, e overmelho, a cor do sangue. Estas duascores indicam que nosso herói já seencontra bem preparado antes de re-

Como se tece a veste de núpcias

7

E

Neste primeiro processo do deviroriginal, nada vemos ainda datransfiguração, mas antes de transmutação. Por transmutaçãoentendemos o fato de tornar ointeiro microcosmo apto para o inícioda transfiguração. A transmutaçãoconsiste numa contínua depuraçãodo ser dialético, no acúmulo e coordenação de novos materiais.

(Os quadros deste artigo são de J.v.Rijckenborgh,O novo sinal, São Paulo: 1983, p.80-81)

ceber o convite para as núpcias. Só as-sim ele pode ingressar no campo da al-ma no segundo dia e passar pelos trêsportais que guardam a entrada do cas-telo. Ele recebe um novo par de calça-dos para que não manche o chão todofeito de mármore. É com esse mesmotraje que na manhã do terceiro dia elesegue para a prova da balança.

Sempre se soube que a alma se ex-pressa no sangue, sim, que o sangue “éa alma”. O sangue é um fluido sutil noqual se fazem valer os instintos, os de-sejos e os sentimentos do homem liga-do à natureza: a cólera faz ferver osangue, o medo e os desejos violentosaumentam nele a pressão, a vergonhanos faz corar. Mas isto não é tudo: osangue pode também ser portador deelevados valores espirituais.

O estado sanguíneo de CristianoRosacruz não é ainda totalmente pu-ro. Ele mesmo diz: “Descobri igual-mente que meu corpo, minha vidaexterior, e meu amor fraternal e meuamor ao próximo não estavam total-mente limpos e purificados”2. Entre-tanto, ele traja uma veste de linhobranca com uma cinta vermelha dis-posta em cruz sobre o peito em sinalde profunda aspiração. Ele também

resiste, melhor que os outros, aos pe-sos da balança, o que pode ser compre-endido como uma reação harmoniosaaos sete raios do Espírito sétuplo.

Irmão Rosacruz e seus companhei-ros que resistiram aos sete pesos rece-bem uma veste de veludo vermelho eum ramo de louro. Sua atitude harmo-niza-se com a da virgem que, demanhã, presidira a cerimônia. Eles são,agora, bem-vindos na esfera que elasimboliza e que é o campo da alma,cuja vibração é superior à da naturezaterrestre. Nesse campo, uma forçadivina ígnea é ativa, o que é simboliza-do pela cor vermelha. A primeira vitó-ria foi obtida, e o ramo de louro é aconfirmação e o prêmio. Uma refeiçãoé servida sobre uma mesa coberta comveludo vermelho e todos recebemuma distinção particular: “Antes deocuparmos nossos lugares, os doispajens entraram e, em nome do noivo,honraram a cada um de nós com umtosão de ouro, sobre o qual se encon-trava um leão alado, com a solicitaçãode que o usássemos à mesa e honrásse-mos o nome e a dignidade da Ordem– que Sua Majestade hoje nos conferi-ria – breve nos confirmando tal honracom a devida solenidade”3.

Eles perguntam à virgem o nome daordem, ao que ela responde “não serchegado ainda o momento de revelá-lo,pois que a questão concernente aos pri-sioneiros ainda não fora solucionada”4.

A veste áurea do quarto dia

Na manhã do quarto dia, CristianoRosacruz e “o grupo de alquimistasverdadeiros” se banham na fonte dojardim e bebem das taças de ouro aágua viva que jorra. “Hermes é a fon-te”, estava inscrito sobre uma lápidecomemorativa “proveniente de umantigo monumento”. Eles receberam

8

Tão logo se realize esse trabalhono primeiro nascimento, o candidato ingressa na segundafase. Nela ele é convidado a sedespedir do velho templo e do antigo campo de vida, e a construir o novo templo, o templo original do gênerohumano.

Fórmula

criptográfica da

página 118 da

edição original das

Núpcias alquímicas

de 1616. O ano

1459, o símbolo do

Espírito, da alma e

do corpo, o nome

de Paracelso, o alfa

e o ômega.

uma nova veste “tecida com fios deouro e magnificamente enfeitadas comflores”. Além disso, cada um recebeuum tosão de ouro incrustado de pe-dras preciosas de onde pendia umpesado medalhão com as efígies do sole da lua.

As novas radiações transformaramo corpo vital, de modo que as divinaspedras de construção estão solida-mente firmadas nele. Esse é “o veícu-lo que está no meio”, entre o corpo dedesejos e o corpo físico. Nesse corpoa nova alma vivente brilha na luz danova manhã.

As magníficas flores nas vestes doscandidatos representam o sistema dechacras e os plexos, os centros deforça do corpo etérico que agora estãocarregados de novas energias. O bri-lho da veste áurea de núpcias acompa-nha a nova alma ainda no decorrer dosdias seguintes.

O encontro com as personagensrégias

Agora que a veste de núpcias foitecida, no quarto dia, o Irmão Rosa-cruz encontra as personagens régiasem uma sala abobadada no alto deuma escada, o que o deixa bastanteimpressionado “pois o salão resplan-decia de ouro puro e pedras preciosas,a veste da rainha era também tão mag-nífica e brilhante que não podia mirá-la. Isto tudo era ainda mais excelso doque tudo o que antes considerara beloe do que todas as outras potestades,tais como as estrelas no céu”5. Oscompanheiros são apresentados aorei. O encontro e o deslumbramentodos adereços reais são a conseqüênciade uma nova compreensão da ativida-de do Espírito, pois, então, a união doEspírito, da alma e do corpo aparececomo um plano grandioso, passível de

9

ser realizado no dia seguinte.Tudo está pronto, porém o Irmão

Rosacruz está mais perplexo que feliz.É com dificuldade que ele suporta avisão, e as palavras não lhe vêm aoslábios. E outro espetáculo se segue:agora três reis e três rainhas aparecemna saída, em um nicho, cada um ata-viado diferentemente. Entre eles se en-contra um jovem casal. Acima delespendia uma suntuosa coroa. Aqui oprotagonista diz: “Eles não pareceramtão formosos como eu os havia imagi-nado. Assim, contudo, tinha de ser”6,pensa Cristiano Rosacruz que se tor-nou, no sétimo dia, servidor dos espo-sos reais.

A narrativa continua num outro ní-vel, e a verdadeira natureza das núp-cias alquímicas é agora revelada. Por-que embora, o Irmão Rosacruz e seuscompanheiros sejam indispensáveis,não parece que estão diretamenteenvolvidos. São as personagens régiasque se transformam durante o traba-lho alquímico.

Após uma refeição, os candidatossão convidados a assistir a uma peçateatral na presença do casal real. O es-poso traja “uma veste de cetim negrode corte italiano” e a esposa está igual-mente vestida de negro. A alusão àmoda italiana é interessante. QueriaJohann Valentin Andreæ indicar comisso que os escritos herméticos e aalquimia greco-árabe haviam se torna-do conhecidos na Europa via Itália?

Durante a primeira refeição tomadaà mesa real, os candidatos percebem

que as personagens régias trajam “ves-tes cintilantes, brancas como a neve”.Ao final da refeição, tudo se torna ne-gro: as vestes reais, o salão, o homemcom o machado, bem como a vesti-menta dos candidatos. O clima de de-pressão, que já era visível durante a re-feição, domina os irmãos. E, quandoreis e rainhas são decapitados diantede seus olhos, a virgem os adverte comas seguintes palavras: “A vida deles re-pousa agora em vossas mãos; se meseguirdes, muito mais vida surgirá damorte deles”7. Preto é aqui, portanto,a cor da morte, do declínio. Ao finaldo quarto dia, tudo o que é velho mor-re, e depende da disposição dos irmãosem servir, se tudo terminará bem.

As vestes negras do quintoe sexto dias

Tanto a virgem quanto CristianoRosacruz e seus companheiros estãovestidos de negro durante o quinto e osexto dias e cooperam na preparaçãodas núpcias alquímicas. Sua atitude devida, portanto, prova que estão com-pletamente voltados para a GrandeObra. Durante os dois dias que pas-sam na torre do Olimpo eles não mu-dam suas vestes, pois agora são apenas“servidores devotados”. Eles trituramespeciarias e gemas e preparam sucos eessências para fazer reviver os corposdecapitados dos esposos reais. Atransformação irá acontecer através dotrabalho que executam com o auxílioda virgem e do ancião: do globo deouro, eles liberam um ovo brancocomo a neve. Do ovo sai um pássarosanguinolento, cuja plumagem negrase tornará branca, depois multicolor eazul. Eles vertem, gota a gota, o san-gue rubi do pássaro nos corpos inani-mados do casal de noivos. Estes, quetêm a aparência de duas crianças, cres-

10

No início da terceira fase, este grandioso trabalho é realizado. O candidato volta a ser a almavivente de outrora. Ele segue, então,o glorioso caminho que conduz daalma vivente ao Espírito vivificante.

11

cem até chegar à estatura de homem emulher adultos. Eles tinham os “cabe-los dourados e anelados”... Mas, estáescrito: “Contudo, ainda não haviacalor nem sensibilidade neles. Eramcomo figuras mortas, ainda que de corviva e natural”8.

Após os corpos terem sido assim pre-parados, diversas operações são reali-zadas com a finalidade de vivificá-los.A virgem traz novas vestes e as colocasobre a mesa: “dois belos vestidos bran-cos, como eu jamais vira então no cas-telo, os quais não posso descrever, poisacho que eram de cristal puro”9.

Essa descrição faz-nos pensar na doalquimista Bernardus Trevisanus (1406-

1490) na Pequena obra: “Digo-te, eDeus é minha testemunha, que essemercúrio, uma vez sublimado, pareciarecoberto de uma película de umbranco puro, como a neve das altasmontanhas, com um brilho puro ecristalino; à abertura do balão exalouuma fragrância tão suave como nadamais no mundo”10.

Trevisanus fala aqui sobre o que elechama de “pequena obra” em Alquimia.A forma, o corpo e a alma são condu-zidos à sua pureza original. “A peque-na obra” consiste na espiritualizaçãodo corpo. Já a “grande obra” consistena “incorporação do Espírito”; em ou-tros termos “o Verbo torna-se carne”.

2o segundo dia

A viagem e a chegada ao castelo

eguindo o caminho, no segundo dia, a compreensão chega. C.R.C. deve

escolher entre quatro direções, sem enganar-se. Bem ali, onde os cami-

nhos se cruzam, a pomba com a qual acabara de repartir seu pão é perse-

guida por um corvo, e assim ele se apressa em enxotar o pássaro negro.

A partir de então, ele toma o terceiro caminho. Em total espontaneidade,

havia optado pela pomba, pela salvação da alma.

Finalmente, ele chega ao castelo, onde devem acontecer as núpcias.Asso-

ciamos nobreza, elevação, pureza e poder ao castelo. Ele é o símbolo do

campo da alma-espírito, que é de uma serenidade particular. Irmão Rosa-

cruz encontra ali, para sua grande surpresa, outros convidados, cujo esta-

do de alma é completamente diferente de uma atitude de humildade e

consciência. Andreæ sugere aqui, quão admirável é o fato de que eles

tenham podido alcançar essa região. Por ainda não se sentir confiante

nesse universo, Cristiano Rosacruz observa a possibilidade de passar a

noite acordado, recolhido em seu aposento. Isto significa: preparar-se

novamente, orientar-se, concentrar-se, a fim de discernir a natureza do

campo onde se encontra e nele tornar-se consciente.

S

A “pequena obra” está, então, ter-minada. Os corpos delicados, inani-mados do jovem casal estão adorna-dos com o manto de cristal da alma. OIrmão Rosacruz é o único, dos quatroirmãos presentes no salão do oitavopavimento da torre, a ver como a novavida é insuflada nos corpos inanima-dos. O casal real desperta. Espírito,alma e corpo estão completamenteunificados. Depois que o processoalquímico é terminado, o casal real,em novas vestes puras como cristal,embora palavra alguma possa descre-vê-las, deixa a torre do Olimpo e na-vega de volta para o castelo.

A veste amarela dos cavaleirosda Pedra Áurea

O sétimo dia chega e “os devota-dos servidores” tiram suas vestes ne-gras. A eles são dadas “vestes total-mente amarelas” que irão usar juntocom o seu tosão de ouro. Então a vir-gem diz-lhes o nome de sua Ordem:eles são cavaleiros da Pedra Áurea.Mais tarde, de volta ao castelo, elesassistem a um festivo banquete, nodecorrer do qual recebem as regras daOrdem e são sagrados cavaleiros. Éno último dia que as vestes amarelasaparecem pela primeira vez na narra-tiva. Pensamos, evidentemente, noouro do Espírito. Mas, no simbolis-mo de Johann Valentin Andreæ, queem todos os pontos é exato, o amare-lo tem um significado particular. Aresposta nos é dada pela Alquimiaclássica: as três cores principais são,por ordem: o negro (nigredo ou de-composição), o branco (albedo oudescoloração), o vermelho (rubedoou o brilho supremo).

Titus Burckhardt (1908-1984) oconfirma: “Após a espiritualizaçãodo corpo, que equivale de certo

12

modo a uma descoloração do negroinicial em decomposição, vem, parafinalizar, “a encarnação do Espíritocom a púrpura real”11.

J. V. Andreæ não insiste sobre o ver-melho, mas diz: “...vi um raio de fogoclaro precipitar-se para baixo e entrarnos mortos”12.

De tudo isso resulta que a encarna-ção do Espírito teve lugar no oitavopavimento, tal como o explica o alqui-mista da Idade Média, Artephius:“Cozinhar o corpo em nossa águabranca, ou seja, no mercúrio, até queele seja dissolvido no negror; pordecocção contínua, seu negror se per-derá, e, por fim, o corpo assim dissol-vido subirá com a alma branca, um semisturará ao outro e eles se estreitarãode tal modo que já não poderão serseparados. Então, o Espírito se une aocorpo em verdadeira harmonia e am-bos se tornam permanentes. Esta é asolução do corpo e a coagulação doEspírito, que são uma só e mesmaoperação”13.

Acompanhamos todas as mudançasde cores das vestimentas no decorrerdos sete dias das núpcias alquímicas.Elas foram do branco ao vermelho,em seguida ao negro, e finalmente aoamarelo. Nos quatro primeiros dias,essas cores são distribuídas de manei-ra diferente da Alquimia clássica. En-contramos novamente a cor simbólicado alquimista no quinto e sexto dias,durante a transformação alquímica dopássaro. Nessa mudança, uma outracor toma parte: imediatamente antesde seu sacrifício, o pássaro se tornaazul14. Nos textos alquímicos, o azul eo amarelo são considerados coressuplementares. Ainda segundo Arte-phius: “E como o calor atuando sobreo úmido engendra o negror, que é aprimeira das cores primárias, trazendomais e mais calor, também no contí-

nuo cozimento o calor atuando sobreo seco engendra a brancura, que é asegunda cor, engendrando em seguidaa citrinidade e a vermelhidão, queatuam sobre o puramente seco. São,portanto, quatro cores”15.

Cristiano Rosacruz ao final do sétimo dia

Os candidatos progrediram no pro-cesso alquímico até a coloração ama-relo-ouro (citrinas). Eles agora sãosagrados cavaleiros da Pedra Áurea, aserviço da qual deverão se devotar.Esta é uma importante missão e o re-sultado de um desenvolvimento labo-rioso. Por isso, todos no castelo sãopreenchidos de alegria. Apenas para oIrmão Rosacruz o sétimo dia se apre-senta completamente diferente. Apósa sagração como cavaleiro, ele aban-dona seu tosão de ouro e seu chapéuem uma pequena capela, deixando-osali como uma “eterna lembrança”16. Anarrativa termina de repente: “O reiadvertiu-me dizendo que aquela era aúltima vez que eu o via naquela for-ma... Fui conduzido por dois anciãos,o velho homem e Atlas, a uma magní-fica câmara onde nos deitamos”.

O que acontece em seguida nãopode ser contado com palavras, poisnão pertence aos sete dias de nossomundo do espaço-tempo...

Cristiano Rosacruz,

uma noite, sobre a

muralha (detalhe).

Johfra.

13

Notas e fontes na página 40.

14

Na manhã do terceiro dia, CristianoRosacruz passa com sucesso pelaprova dos sete pesos, apesar de trêshomens tentarem abaixar o outro pra-to da balança. Com isso ele dá provasde estar preparado para uma com-preensão maior. À tarde, ele explora ocastelo, munido de uma faculdade deobservação totalmente nova.

que ele vê, então – a ordem dacriação divina –, ultrapassa de longe oque o homem comum conhece domundo, e que não é possível descre-ver senão em linguagem simbólica. Asimbologia das Núpcias alquímicasde Cristiano Rosacruz é formada deimagens tomadas da Alquimia, daCosmologia e da Mitologia.

O filósofo russo Nicolas Berdiaievescreve em sua Filosofia do espíritolivre: “Símbolo significa ‘mediador’,‘sinal’, e ao mesmo tempo ‘ligação’.O símbolo e o simbolismo surgem daexistência de dois mundos, dois esta-dos de ser... Um símbolo é uma ponteentre dois mundos”1.

A linguagem iconográfica dasNúpcias alquímicas não é tão-somen-te um ornamento. As imagens ligamo leitor a uma observação interior, talcomo a alcançada pelo Irmão Rosa-cruz no terceiro dia. Na condição debuscador, ele recebe respostas àsquestões: “Que é o homem? Qual é osentido de sua existência? Em queconsiste a natureza humana e a quaisleis ela obedece?”

Fontes, minas e oficinas de arte

Cristiano Rosacruz fica fascinadopela harmonia e beleza das fontes, dasminas e das oficinas de arte. Ele per-cebe, de imediato, a grande diferençaexistente entre todas essas coisas e aarte mundana, que faz alusão apenasàs criações terrestres. Compreende,simultaneamente, as ligações entre aAstronomia “alta” e a “básica”, entreAstrologia, Astrosofia e Alquimia.

A mina pode ser considerada a“mater alquímica”, o atanor

3, o forno

de barro, onde arde o fogo invisíveldo Espírito. As fontes dão uma idéiada vitalidade da substância sutil origi-

Cristiano Rosacruz no jardim de Deus

Jardins de Claude

Monet, em

Giverny, França.

15

O

Entrementes, foram-nos mostradasas fontes com seus belos jorros, asminas e toda espécie de oficinas deartes. Entre elas não havia nenhu-ma que não excedesse a todas asnossas – se se pudesse reuni-las.Todos esses locais estavam cons-truídos em semicírculo, de maneiraque se tivesse sempre diante dosolhos o precioso tear [rede deengrenagens de um relógio], que seencontrava no centro em umaesplêndida torre, e se se pudesseorientar-se segundo o curso dosplanetas, o qual podia ser visto aíde maneira resplandecente. Pudeaveriguar facilmente aqui o quefalta a nossos artistas, apesar denão ser tarefa minha lhes dizer2.

16

nal utilizada para a manifestação doplano divino.

As minas, as fontes e as oficinas sãodispostas em semicírculo. Qual a ra-zão de serem assim construídas? Aresposta nos é dada pela Astronomia.Na Idade Média, o instrumento prin-cipal dos astrônomos era o astrolá-bio

4. Esse instrumento, conhecido

desde os tempos dos gregos, teve seuuso expandido, a partir do séculoVIII, entre os sábios do mundo islâ-mico e, em seguida, por toda a Euro-pa, pelos mouros espanhóis.

O astrolábio fornecia uma repre-sentação do céu, das estrelas e dosplanetas em um dado lugar e mo-

mento. Mediante esse meio mecâni-co, era possível localizar certas cons-telações e resolver problemas astro-nômicos sem a necessidade de cálcu-los complicados. Existem diferentestipos de astrolábios. A forma primi-tiva consiste de um disco metálico,que simboliza a esfera celeste, e umdisco giratório adicional, sobre oqual se projetam o zodíaco e as estre-las fixas. Pode-se, ainda, acrescentarmais discos.

O que nos interessa aqui é a divi-são do disco principal. Um eixo hori-zontal divide o disco em dois semi-círculos. O semicírculo superior re-presenta o firmamento e o semicírcu-

3o terceiro dia

O dia dos sete pesos

Fama Fraternitatis apresenta o clássico axioma dos rosacruzes sob a

forma de um enunciado triangular: “Nascido de Deus, morto em Jesus,

renascido pelo Espírito Santo”. É impressionante como nas Núpcias alquí-

micas consegue-se associar um processo hermético a uma atitude de vida

crístã sincera. Deve existir um conhecimento puro sobre o processo

alquímico da alma, mas também deve haver uma sinceridade totalmente

isenta de preconceitos e mesmo de todo o saber, por parte dela. Este é o

único meio de orientar-se no mundo espiritual e de ali se manter. O ter-

ceiro dia é o dia dessa confirmação. Os convidados devem passar pela

prova de aptidão, para participar das núpcias alquímicas, o que consiste na

pesagem de sua virtude e de sua conduta, avaliadas com o auxílio de sete

pesos. O Irmão Rosacruz dá provas, aqui, de que ocupa uma posição espe-

cial entre os demais participantes, pois seu peso resiste até aos três pesos

suplementares.

Em meio aos acontecimentos que se seguem, notamos que ele é conduzi-

do clandestinamente, por seu pajem, através de salas misteriosas do cas-

telo real. Ele visita a cripta real, onde fica particularmente fascinado por

um globo tão grande que se pode entrar nele. Por fim, os participantes que

restaram vão passar a noite em companhia da virgem Alquimia, sempre

tendo o amor como tema de suas conversas.

No decorrer dessa terceira noite, ele sonha que consegue abrir uma

porta. É assim que ele abre a verdadeira porta do castelo, a porta do

campo da alma-espírito.

A

lo inferior representa a porção do céuque se encontra abaixo do horizonte,“sob a terra”, invisível para o obser-vador terrestre5. A representação dasesferas em semicírculos era entãobastante utilizada e provavelmentebem conhecida do círculo de amigosem que foram redigidas as Núpciasalquímicas.

As ilustrações cosmológicas dosalquimistas da Idade Média freqüen-temente apresentam esta divisão emsemicírculos.6 Mais recentemente, elaadquiriu um outro significado, tal co-mo o mostra uma gravura do séculoXVII, de Matheus Merian, que des-creve a grande obra alquímica, e ondetambém aparece uma esfera de plane-tas: um eixo horizontal separa a esfe-ra do mundo divino e a roda da natu-reza, o mundo terrestre7.

A torre e o relógio

No centro do semicírculo eleva-seuma torre com um relógio. CristianoRosacruz a olha fascinado. A torresimboliza a dupla corrente de energiautilizada para o trabalho de salvaçãodo mundo e da humanidade.

A corrente descendente, por sualuz, desperta no ser humano o desejode retornar à pátria original. A cor-rente ascendente mostra os estágiosdo caminho de retorno. Nas Núpciasalquímicas, tornamos a encontraressa divisão com os oitos pavimentosda torre do Olimpo, em cujo cimodá-se a transfiguração da alma des-perta no homem divino original.

O relógio da torre no semicírculomostra o movimento exato dos pla-netas e o ritmo contínuo, no qual asforças divinas se transformam e sãoutilizadas. O Irmão Rosacruz vê ascoisas diretamente pela primeira vez,pois aqui falta o segundo semicírculo.

Ele percebe as harmonias celestessem o véu do mundo terrestre.

A tarde do terceiro dia

Na tarde do terceiro dia, CristianoRosacruz contempla em primeirolugar a essência da criação divina,como já foi dito acima. Para ele,torna-se evidente que nenhum “artis-ta” que trabalhe no plano terrestrepode compreender a harmoniosacriação vivente de Deus. O verdadei-ro trabalho, a transfiguração, somen-te será realizado entre o quarto e osétimo dias. No momento, ele con-templa, cheio de admiração e profun-da alegria, as leis do cosmo e abarcacom o olhar o plano divino de salva-ção dos seres humanos. Fortalecido econfiante, ele pode antecipar, comboa disposição, os acontecimentosdos dias seguintes.

Notas e fontes na página 40.

O leitor das Núpcias alquímicas éconfrontado com personagens singu-lares, às quais não é nada fácil dar umsignificado. Às vezes somos pegos desurpresa pela abundância de cenáriosbizarros. Este é, por exemplo, o casodo mouro que Cristiano Rosacruz en-contra por três vezes no decorrer deseu percurso iniciático. Esse persona-gem passa por metamorfoses surpre-endentes. De rei violento ele se tornaum carrasco negro cuja cabeça, no fim,desempenha um papel no processoalquímico como força dinâmica. Porque o mouro, e o que tem ele a nosensinar?

o quarto dia das núpcias, o mouro– uma figura típica da época – aparecepela primeira vez na Comédia na casado sol. Esta “comédia” tem por fina-lidade instruir o Irmão Rosacruz eseus companheiros. Uma princesa, aalma, é prometida como noiva a umpríncipe, o Espírito. Contudo, ela cainas mãos de um tirânico rei mouro. Anoiva não consegue (várias vezes) re-sistir às seduções do mouro. E issoapesar de conhecer o noivo e saberque não devia agir assim. A luta pelaposse da alma é dramática: de um ladoo mouro, do outro, o noivo. No meiodos dois – leia-se trevas e luz – a almaoscila de um lado para outro. Porém,apesar da vulnerabilidade que a fazceder mais de uma vez ao mouro, elaacaba por ser salva. Após um comba-te decisivo, tudo acaba bem, o noivo

triunfa sobre o mouro, e o povo ex-clama: “Vida longa ao noivo, vidalonga à noiva!”

As três cenas: a torre, o salãosuperior e a casa do sol

A casa do sol representa o centrodo coração do homem. É o órgãocentral, morada da alma e teatro dogrande combate do ser humano parachegar à justa compreensão da natu-reza e da supranatureza, da luz emrelação ao negrume dos sentimentos edesejos.

A segunda aparição do mouro nasNúpcias alquímicas é como carrasconegro do salão superior, ao final dapeça teatral. Ele tem a tarefa, poucoinvejável, de decapitar os três casaisreais que estão sentados em seus tro-nos. Por sua vez, ao deixar o salão, eletem sua cabeça cortada defronte aporta.

Esta é uma narrativa inacreditável,até mesmo inconcebível, se o leitornão compreende que os três casaisreais representam aspectos da cons-ciência. São as imagens da antiga cons-ciência que, purificada pela experiên-cia, encontra-se preparada para atransmutação. Os casais, assim comoo mouro, o carrasco em serviço, de-vem morrer para renascerem comoaspectos espirituais.

Cristiano Rosacruz encontra omouro, pela terceira vez, no segundopavimento da torre do Olimpo, ondese desenvolve um misterioso processo

Uma personagem enigmática

18

N

19

alquímico. A cabeça decapitada domouro é liquefeita numa caldeira paraservir de solvente, tendo por objetivoa transformação alquímica dos casaisreais. Trata-se aqui da transmutaçãodo corpo etérico, a matriz doadora devida para o novo corpo.

Qual é o sentido dessas figuraçõesdo mouro para o homem de hoje?Elas somente revelam seus segredosquando são dados os primeiros passosno caminho das núpcias alquímicas.

As confrontações com a força dessapersonagem são os símbolos de umprocesso tríplice, e, sob forma codifi-cada, indicam o caminho para se che-gar à auto-realização.

O mouro é a personificação davontade pessoal egocêntrica, que nãotem qualquer consciência do campodo Espírito e nenhuma ligação com omesmo. Trata-se de um aspecto dapersonalidade. A vontade emprestasua energia aos desejos do coração, às

O dia do trespasse

o jardim, os convidados assistem a uma peça teatral. É quando se vêem

pela primeira vez em presença do rei e da rainha. A peça teatral, o que

não é de se admirar, compõe-se de sete atos. Na peça, a princesa é vítima

das intrigas de um mouro poderoso, que é finalmente vencido, durante um

combate, pelo jovem rei, o filho e noivo.

Tão intrigante quanto simbólica, a peça é um prelúdio do drama desses

dias. No quarto dia, o quarto estágio das núpcias alquímicas pode ser

construído num “tapete quádruplo”. A endura constitui o plano funda-

mental do caminho de libertação do homem celeste. A personalidade

perde sua força ao consagrar-se às quatro exigências que formam o tape-

te: ausência de luta, objetivo único, unidade de grupo e harmonia nas

mudanças das atividades impostas pela vida.

Sem a morte não há vida nova.

Assim, assiste-se, no quarto dia, à decapitação das sete personagens, que

são os três casais reais e o mouro que, notemos bem, é o carrasco dos

primeiros. Os três casais reais representam, por um lado, os dois pólos do

mal no ser humano, em constante oposição aos dois pólos do bem, e por

outro lado, a jovem soberana: a nova e poderosa aspiração da alma, com

o influxo sempre atuante do Espírito sétuplo a seu lado. Mas, como todos

os seis se encontram ligados à antiga natureza, estão destinados a morrer.

Aquele que morre por último, o mouro, simboliza a vontade humana.

Como já acontecera antes, nessa noite Cristiano Rosacruz toma uma

importante decisão. Enquanto contempla o mar, ele vê os esquifes sendo

transportados a bordo dos sete navios que estão de partida para uma ilha

e nota que os “espíritos dos decapitados” ardem como flamas acima de

cada um deles. O princípio ígneo da antiga personalidade é conservado,

pois ele é a semente da eternidade.

N

4o quarto dia

20

Minha fonte

Distante de todas as sendas,de todos os caminhos que levam à vida e à morte, adormeço, como no fundo de uma tumba.Em minha cama de abismo, eu te espero.Meus pés recebem um pouco de descanso,meus olhos cessaram de gritar.Eu me abandono a ti, assim como alguémque se abandona ao sono [...]

Volve teus olhos para mim,não me deixes só no deserto.Quero ser teu anjo, e glorificar-teapesar de minha fraqueza.O sinal que me fizeste,quando eu mal nascia do corpo de minhamãe, arde em meu coração.Desde o instante em que contemplei tua luznunca mais desejei que a sombra mecobrisse o semblante.

Meu sonho habita teus mundos,eu plano em teus céus.Neste vôo minha vida se esfumae esqueço o caminho.São tantos os universos que desfilam dian-te de meus olhos,absorvendo-me em seu alento.As estrelas cavaram para mim uma tumbano firmamento.Abaixo, os anjos, num bater de asas celestes,elevam-se até mim e sorvem minhas forças.

Os dias e os anos se escoam de mim,torno-me semelhante à eternidade.A música de Mozart e de Bachse desfia em longas correntes ascendentescomo um suspiro cristalino a meus ouvidos.Nada sou além de um eco,o mundo ressoa na eternidade.Muito perto daqui, eclodem novas florescujo perfume de repente me desperta.

De Anjos, Marc Chagall, 1950

21

Esse tema universal

das Núpcias alquímicas

foi representado de

muitas formas.

“Cântico dos Cânticos

V”. Marc Chagall,

óleo sobre tela.

atividades mentais do cérebro e àsfunções corporais. Como resultado, aalma fica perturbada e aprisionada detodas as maneiras possíveis. É dessemodo que se fica cego a ponto de jánão ver o “único necessário”, surdo aponto de já não ouvir a voz do silên-cio, impotente a ponto de já não po-der agir como deveria. Podemos con-siderar a vontade pessoal como o ini-migo no caminho. Somente após in-tensa purificação é que essas funçõespoderão auxiliar a alma em seu impul-so para a luz, como veremos a seguir.

O drama representado no coração

A alma do candidato à iniciação separece, durante um certo tempo, coma princesa da peça. Nascida de novo,ela está destinada a se unir a seu noi-vo, o Espírito. Ela é branca como aneve, mas ainda lhe falta a consciênciaque resulta da experiência. Ela aindanão é “uma alma que sabe”. Ela co-nhece muito bem o anseio, mas nãoconhece as forças da personalidadeque atuam sobre ela.

Por essa razão ela “sucumbe” à suavontade pessoal, representada pelomouro. Num processo extremamentepenoso, ela aprende que é prisioneirade um mundo de ilusões e que devereconhecer e viver todos os aconteci-mentos e conflitos com as forças tene-brosas. Ela tem, pois, o dever de sesubtrair ao poder do mouro. Todo serhumano está ligado às forças da natu-reza dos opostos por meio de suasconcepções, sua conduta e seus hábi-tos, tão aprisionadores quanto funes-tos. É necessário submeter essas for-ças ao desejo fundamental do coração.Quando o candidato segue conscien-temente este único desejo por luz edesfaz suas ligações com a natureza,

ele suscita a oposição do mouro, ogrande adversário. Sua libertação esua intenção de se unir ao Espíritosignificam o fim de sua vontade pes-soal, coisa que esta não aceita facil-mente.

O combate contra o mouro

Devido à sua aspiração pela novavida da alma, a personalidade encon-tra-se na endura*, fase de purificaçõese de transformações, às quais ela sesubmete com alegria. Então, torna-seclaro: “Eu devo diminuir”. Esse “eu”inclui a compreensão, o sentimento e,finalmente, toda a antiga consciência.Então, o “totalmente outro”, o prin-cípio puro, a centelha do Espírito po-de crescer. Isso significa que aqueleque se encontra na endura está pron-to para lutar contra o mouro! Isto é oque ilustram as magníficas e icono-gráficas cenas que se desenrolam naComédia na casa do sol.

Se aplicarmos essas imagens à vidareal de qualquer candidato que queiraseguir a senda da alma, poderemosdizer: ele ou ela está aprendendo aabrir-se conscientemente ao influxodo átomo-centelha do Espírito origi-nal, que se encontra no centro de seuser, e, sob sua direção, está aprenden-do a negar e sacrificar as influências desua vontade pessoal.

Na peça, a princesa, a alma, é sem-pre libertada dos “domínios do mou-ro” por forças cheias de misericórdia.São essas experiências que dão ao can-didato um sentimento de libertação;ele reconhece que existe uma vida pu-ra e sublime. A caminho da libertação,sua essência mesma o faz exclamar:“Sim, é isso o que desejo”. Daí segue-se um contato íntimo com o noivo, oEspírito. Então acontecem os “espon-sais” da alma plena de aspiração com

22

o Espírito e as condições para realizaras núpcias se apresentam. Quais sãoessas condições? Em primeiro lugar, odesejo pela Luz deve se tornar decisi-vo e durável. A Luz vence o mourono lugar em que se dá o combate, ocoração; então o candidato encontra-se pronto a sacrificar a antiga cons-ciência, e o processo pode continuar.Este é um momento extremamenteimportante, e ele se torna emocionan-te: o mouro, que até então se manifes-tava como vontade pessoal, coloca-sevoluntariamente a serviço do proces-so de renovação. Armado de ummachado ele entra no salão superior.

O final do quarto dia das Núpciasalquímicas descreve como estão reu-nidos no salão superior os seis aspec-tos da consciência: os dois pólos domal, que no ser humano estão sempreem oposição aos dois pólos do bem, ea jovem princesa, que representa o in-tenso desejo da nova alma, com osempre atuante influxo do Espíritosétuplo. Todos, porém, ainda se en-contram ligados ao antigo campo devida, e por isso devem morrer na nar-rativa. O sétimo aspecto, o aspectoatuante, aquele que executa, é a vonta-de do candidato.

Essa vontade está totalmente mu-

23

O dia do amor

o quinto dia ocorrem os funerais das personagens decapitadas, embo-

ra Cristiano Rosacruz saiba que os esquifes estão vazios. Antes, condu-

zido por seu pajem, ele havia contemplado a deusa Vênus, totalmente nua,

adormecida num esplêndido leito, ali estendida, como morta em sua

tumba. Ele vê, ali, a força do amor, ainda não desperta, em toda sua gló-

ria. Essa visão ainda terá impacto, como ele ficará sabendo no final do

sétimo dia.

Para o Irmão Rosacruz, o amor toma uma nova dimensão. O amor é a

única força capaz de penetrar tanto a natureza material como o campo da

alma e o domínio do Espírito. Antes que o candidato inicie seu próprio

trabalho alquímico na torre do Olimpo, aonde ele vai no quinto dia, esse

amor deve ter-se tornado uma base. Durante a travessia para a ilha, as

Nereidas cantam o seguinte:

O que permite a tudo vencer? O amor.

Como se pode encontrar o amor? Pelo amor.

Como se revelam as boas obras? Em amor.

Quem pode unir os dois? O amor.

Assim como o pentagrama, o número cinco simboliza a atividade da

nova alma. O novo homem-alma é amor. À noite, o Irmão Rosacruz vê as

sete flamas se colocarem no alto da torre do Olimpo. O significado desse

detalhe não é dado senão ao final da narrativa.

N

5o quinto dia

dada. A consciência de que os pensa-mentos, vontades, sentimentos eações, nesta natureza, não levam aparte alguma, torna a força destrutivado mouro, que de início encontrava-se em oposição à alma recém-nascida,sua servidora. Esta vontade ainda nãoé, na verdade, a vontade divina dohomem ressuscitado, ela deve aindase desenvolver. Porém, ela é a precur-sora da perfeita auto-rendição. Avontade egocêntrica do passadotransmuta-se, agora, em sacrifíciovoluntário. Nenhum progresso é pos-sível sem o emprego da vontadehumana. Isso se aplica não só àmatéria, mas também aocaminho do devir donovo homem. Umprovérbio conhe-cido diz: “ondehá uma vontade,há um cami-nho”! Podería-mos tambémdizer que de ondea vontade vem,para lá também elavai. A partir do mo-mento em que se dá umareviravolta no desejo, a vontade pes-soal pode efetuar seu último ato nosalão superior. Como é descrito nasNúpcias alquímicas, o mouro, comocarrasco, não sobrevive à sua ação,verdadeiramente heróica. Ao passarpela porta, ele tem sua cabeça separa-da do corpo. Ele morre; a noitechega.

Depois que tudo isso aconteceu,Cristiano Rosacruz percebe, durantea noite do quarto para o quinto dia, ossete navios com as sete flamas dirigin-do-se para a torre do Olimpo. A bor-do se encontram os corpos das seispersonagens reais e a cabeça domouro.

A essência mágica

Vejamos agora o que se passa nosegundo pavimento da torre do Olimpo.A cabeça decepada do mouro e o restan-te das forças da consciência têm aindauma importante tarefa a executar naformação do novo corpo etérico. Acabeça do mouro é aquecida numacaldeira; o preparado resultante servede solvente para os corpos sem vidados reis. Que acontecimento lúgubre!Nós o entendemos como o processoalquímico de enegrecimento (nigredo)**,executado no nível etérico. A força da

vontade atua como energia dinâ-mica nos corpos sutis. Por-

que o mouro foi decapita-do, isto é, privado de

sua antiga força natu-ral, o fogo de sua for-ça pode ser empre-gado para a forma-ção do novo corpoetérico. Desse modo,

o processo da transfi-guração continua na

torre do Olimpo, até aressurreição do novo homem,

no oitavo pavimento. A força pu-rificada do mouro pode agora ser utili-zada. Na narrativa, o processo iniciáti-co ganha asas por sua dinâmica. Elepermite que o candidato se liberte da an-tiga natureza e que se realize a transfi-guração do corpo, da alma e do Espírito.

NOTAS

*Endura: termo cátaro que designa o processoalquímico pelo qual se empreende a libertaçãodos instintos e da vontade egocêntrica, colocan-do-se sob a égide da nova alma em crescimento.** Nigredo é o negrume que surge num proces-so alquímico no início da “destilação”, quandoa matéria se evapora. Esse processo é com fre-qüência simbolizado por um corvo ou um solnegro. A nuvem negra representa o caos que de-ve ser vencido para que o “novo” possa nascer.

Monas hieroglyphica,

esse é o símbolo

que CRC recebe

no convite para

as núpcias reais,

símbolo da união

de Espírito, alma

e corpo que se

realiza pelo fogo

cósmico.

24

A morte que é toda a vida!

Quando o quarto dia chega ao fim,conforme vimos, as seis personagensrégias são decapitadas e seus corpos,colocados em esquifes. Na manhã doquinto dia, no decorrer de uma ceri-mônia, os esquifes são depositados emtumbas recém-abertas.

o cair da noite, Cristiano Rosacruzé testemunha de um espetáculo im-pressionante: os esquifes com os des-pojos reais, bem como uma caixa coma cabeça do carrasco, são levados abordo de sete navios devidamente en-feitados que, após os funerais, deve-riam conduzir também o Irmão Ro-sacruz e seus companheiros à torre doOlimpo. Parece, então, que pela ma-nhã, os esquifes vazios foram deixa-dos em suas tumbas, e o funeral re-presentou apenas uma encenação.Esta é uma das cenas-chave, que levoumuitos a considerarem essa obra daRosacruz clássica uma mera farsa.

Todavia, a descrição torna claroque se trata de algo mais que um sim-ples funeral, porque a realidade é co-mo que construída através dos acon-tecimentos ocorridos à noite. Os acon-tecimentos externos não são reais,mas sim o que é desvelado na noite in-terior, quando a essência da alma estáativa na região que lhe é própria. Aatenção do leitor é, então, dirigida pa-ra os reais acontecimentos que se de-senvolvem no interior.

Encontramos muitas vezes o esqui-fe e a tumba vazios como símbolos.

No antigo Egito, os sacerdotes convi-davam o candidato a deitar-se numsarcófago, onde ele mergulhava numsono profundo, um sono de morte, afim de entrar em contato com as esfe-ras do mundo invisível. Ele podiaobservar o que estava além da vidamaterial e como as forças divinas ope-ravam na natureza e no homem. Apóschegar a uma tal compreensão e aofim da experiência, ele despertavacomo um novo homem, alguém quehavia contemplado o segredo do eter-no retorno.

No santuário de Asclépio, os gre-gos praticavam igualmente uma for-ma de sono terapêutico. A tradiçãogermânica abrangia os mesmos pro-cedimentos. De acordo com as histó-

Cupido aviva

a chama.

A

À direita:

A fênix. Diana

Vandenberg. Óleo

sobre tela.

Abaixo:

Foto Pentagrama.

rias bíblicas, Jesus, após a crucifica-ção, é colocado num sepulcro no jar-dim de José de Arimatéia. A franco-maçonaria possui um rito segundo oqual o candidato deve permanecer umcerto tempo num caixão simbólico.Isso era visto como o término de suaantiga existência.

A morte mística

Nas Núpcias alquímicas, a mortemística é o momento crucial. É osolve et coagula da prática alquímica,que libera o antigo e liga com o novo.

Todos os aspectos da antiga cons-ciência perecem. A própria ilusão deser o centro do mundo detém o pro-cesso. A consciência determinada pe-los sentidos não consegue compreen-der o significado profundo de tudo oque é exigido dela: sua própria morte.Na manhã do quinto dia, os amigosque podem assistir às núpcias alquí-micas terão de defrontar-se com osacontecimentos interiores que osaguardam na torre do Olimpo. Atéentão, eles somente viam os fatos

exteriores. Essa é a razão de acredita-rem na realidade dos funerais quandoos esquifes vazios são confiados àterra e de sentirem a tristeza que osacompanha. Mas o quinto dia é tam-bém o dia do amor. O homem-alma,simbolizado pelo Irmão Rosacruz,reconhece a realidade espiritual, a ine-vitabilidade por trás do processoalquímico. Ele pode vê-la porquepossui as duas qualidades próprias àvida da alma. Nele se caracteriza aaspiração por tornar-se uno com avida – que é de fato a essência do casalreal. Cristiano Rosacruz aspira tão-somente religar-se à vida espiritualque é tudo e em todos. Por um lado,ao sofrimento da humanidade, e poroutro lado, à paz perfeita do rio doamor divino que nos serve de ajudapreciosa quando abrimos nossa cons-ciência e aceitamos as conseqüênciasdessa abertura. Assim nasce a novaalma.

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O mistério do pássaro azul

Nos primeiros quatro pavimentos datorre do Olimpo, e graças à sua abne-gada colaboração, Cristiano Rosa-cruz e seus companheiros deram lu-gar ao surgimento de um magníficoovo branco como a neve. Com esseovo – símbolo da eclosão da novavida perfeita – a fase preparatóriachega a seu fim. Dele sai um miste-rioso pássaro, que passa por diversastransformações alquímicas, mas que,no final, deve morrer. O que isto sig-nifica? Por que o pássaro deve mor-rer?

rtephius, alquimista do século XII,escreve sem rodeios: “Pobre tolo! Éstão simplório para crer que vamosdesvelar o maior número de mistériose torná-los claros e inteligíveis? Asse-guro-te que aqueles que, agarrando-seao sentido corrente das palavras, ten-tam compreender o que escreveram osfilósofos herméticos, se perderão numlabirinto sem fim, pois lhes falta o fiode Ariadne para encontrar a saída”1.

Essas palavras também se aplicamàs diferentes etapas da opus magnum(a grande obra) que devem ser execu-

A

tadas neste ponto da nossa narrativaalquímica. Elas foram veladas simbo-licamente, pois, na realidade, as pala-vras não são suficientes para descrevê-las. Abordamos esses acontecimentossabendo que podemos compreender averdade tão somente graças às nossasexperiências vividas no caminho da li-bertação da alma.

O fio de Ariadne, de que fala Arte-phius, é para nós um auxílio que nosguia no labirinto dos símbolos. Essefio encontra-se dentro de nós. É o de-sejo de escapar dos limites do espaço-tempo para ingressar no mundo des-conhecido da eternidade divina.

Enraizado no sistema do homem,esse desejo germinará; quem o experi-menta, e para ele abre um espaço emseu próprio interior, encontrará a únicasaída e levantará os véus do mistério.

O nascimento do pássaro

Um maravilhoso pássaro sai do ovobranco como a neve. O animal estáensangüentado e é disforme, e a vir-gem Alquimia é obrigada a amarrá-lo.O Irmão Rosacruz e seus companhei-ros se vêem encarregados de alimentar opássaro. Eles lhe dão três tipos de ali-mentos:1. o sangue do casal real decapitado,

misturado à água preparada;2. o sangue de outra personagem real;3. um outro alimento, que mais tar-

de foi chamado “seu alimento”.

Graças ao primeiro alimento, o pás-saro cresce rápido, mas tem um com-portamento maligno, bica e é comple-tamente negro e selvagem. O segundoalimento o faz perder todas as penasnegras e, em seu lugar, crescem-lhe ou-tras, brancas como a neve. Ele se tor-na um pouco mais dócil. Com o ter-ceiro alimento, suas penas ganham

cores esplêndidas, jamais vistas. O pás-saro se torna dócil, pacífico, e podeentão ser liberto.

Essas descrições seguem, muito deperto, certas fases da Alquimia clássi-ca. Um processo se desenvolve para-lelamente em dois planos: na matéria(o mundo exterior) e no próprio indi-víduo (o mundo interior). A palavrade Hermes constitui o ponto funda-mental: Assim como é em cima, assimé embaixo; assim como é no interior,assim é no exterior. O objetivo dos al-quimistas era a fabricação da pedrados sábios, que permitia ao mesmotempo sublimar os metais vis (o mun-do exterior, o trabalho de laboratório)e realizar a transfiguração do homemmortal em homem-Espírito imortal (omundo interior, o trabalho no nível daalma e do Espírito).

Em antigas ilustrações que mos-tram a fabricação da pedra filosofalfreqüentemente vemos numa retortaum pássaro em fase de transformação.Há, primeiramente, o negrume ouputrefação (nigredo, putrefactio), emseguida, a alvura ou purificação (albe-do), e, por fim, a rubificação ou matu-ração (rubedo). Em quê essa lingua-gem fala ao homem atual?

Os alimentos da alma

O pássaro simboliza a alma imortalque acaba de nascer. Este nascimentoacontece quando os aspectos pessoaisdo ser humano foram neutralizados.É preciso saber que a alma divina nãoé um fim em si mesma. Ela é sempreuma intermediária e sua finalidade éforjar uma unidade indivisível entre ocorpo e o Espírito.

Embora encarne a nova alma, o pás-saro não pode permanecer tal comosaiu do ovo. Ele deve se desenvolveraté chegar a seu destino final. Para os

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viajantes no caminho, o importante édar uma correta alimentação ao pássa-ro recém-nascido, ainda desamparadoe “selvagem”.

Isso também se aplica à alma. Oprocesso de fusão é bastante comple-xo em seus detalhes; ele é inteiramen-te descrito nos acontecimentos que sedesenrolam na torre. Isso também seaplica ao homem no qual a alma ori-ginal despertou. Ele deve dirigir todasua atenção para cuidar, de forma cor-reta, desse frágil ser.

O sangue é a alma

A narrativa das Núpcias alquímicasdá ao leitor atento numerosas indica-ções sobre aquilo que está por detrásdo processo. São particularmentenotáveis as descrições sobre o sanguedo pássaro. “O sangue é a alma”, as-sim diz a sabedoria universal. O pás-saro é descrito, ao nascer, como en-sangüentado e disforme. Essa é umanítida referência à natureza da alma(ensangüentada), que necessita aindade ulterior desenvolvimento e purifi-cação (disforme). Ademais, essa novaalma encontra-se ainda ligada – “fir-memente”, diz o texto – à personali-dade e ao sistema corpóreo.

Os companheiros alimentam o pás-saro com sangue; primeiramente como sangue das personagens decapitadas,diluído na “água preparada”. Lembre-mos que os três casais reais decapita-dos simbolizam a antiga consciência.Seu sangue, recolhido numa taça, re-presenta a energia essencial da antigaconsciência que, agora misturada à“água preparada”, é administrada aopássaro.

A água alquímica

No trabalho alquímico, a água co-

mum não é utilizada, mas a assim cha-mada “água de antimônio”. O anti-mônio é um elemento químico inter-mediário entre os metais e os não-metais. Ele pode dissolver todos osoutros metais; separa o ouro (o Espí-rito) e a prata (a alma) e retira todas asimpurezas. Ao contrário dos sete me-tais comuns, o oitavo, o antimônio,não se encontra no corpo humano.Ele representa uma energia supra-humana capaz de separar o corpo, aalma e o Espírito e elevá-los a umaoitava superior (o número oito). Ar-tephius diz a esse respeito que a águade antimônio2 é “o meio da alma, semo qual não é possível exercer essaarte... Eis por que a propriedade dessaágua é a de liquefazer o ouro e a prata,ou dissolver, salientando sua cornatural. Porque ela converte a corpo-reidade em espiritualidade. Ouro eprata são exaltados (sobressaem) nes-sa água. Ela desagrega, destrói, trans-forma os corpos e as formas metálicasem Espírito inabalável”3.

Na narrativa, a “água preparada”eleva as forças da antiga consciênciado sangue e as conduz a “um nívelvibratório superior”. Aqui, já não setrata dos aspectos inferiores da anti-ga consciência, que já estão mortoshá muito tempo, e sim dos aspectosmais sutis, que a alma agora deve cul-tivar, do “Espírito inabalável” dessasforças.

O pássaro alquímico bebe a mistu-ra de sangue e água. O resultado é sa-bido: ele cresce, mas torna-se “negroe selvagem”. A confrontação interiorcom as forças da antiga consciência,que se refinou o máximo possível,apresenta muitos problemas. No tra-balho alquímico, o negro correspon-de à fase do apodrecimento, da putre-fação. A substância alquímica assimdissolvida sofre, pelo calor, um pro-

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cesso de decomposição (fermenta-ção). Tudo o que não possui valoreseternos retorna a seus componenteselementares. A confrontação com asforças da antiga consciência, que pos-sui um potencial elevado, provoca, nopássaro, sua própria putrefação natorre do Olimpo. Para ajudá-lo emseu desenvolvimento, é-lhe dado,numa segunda fase, um outro alimen-to: “talvez o sangue de uma outra per-sonagem real”, assim supõe CristianoRosacruz. Porém não se sabe dequem. Esse sangue é seguramente“outro”, pois já não é o portador dasforças da antiga consciência. A partirdeste instante, o estado do pássaro

melhora. Sua essência é purificada eele se torna mais dócil. Ele perdetodas as penas negras, que são substi-tuídas por uma plumagem brancacomo a neve.

Assim, ele ingressa no segundo es-tágio alquímico: a alvura (albedo). NaAlquimia clássica, o branco provémda dissolução do sol (o ouro, o Espí-rito) e da lua (a prata, a alma) no anti-mônio. Para essa dissolução é neces-sário um calor suave e lento. O quefoi purificado se eleva então, como “oespírito da alvura” (spiritus albus). Onegro, como um “punhado de terra”,permanece no fundo do recipiente. Ospiritus albus também é chamado “a

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O dia da alquimia

trabalho transfigurístico propriamente dito somente acontece no

sexto dia. Nosso protagonista e seus amigos colaboram para a ressurrei-

ção do casal real, ou seja, do homem alma-espírito.A obra-prima alquími-

ca prossegue de aprofundamento em aprofundamento e se desenvolve. O

leitor pode sentir, sempre com mais acuidade, a força do trabalho de res-

tabelecimento espiritual efetuado no laboratório interior. O alquimista

recolhe os frutos de seu trabalho no oitavo pavimento da torre. Os jovens

rei e rainha ressuscitam. Ambos recobram vida no momento em que o

princípio ígneo da eternidade desce sobre eles. É o Espírito originado de

Deus. Ele reanima o casal real, o homem original. Seu restabelecimento

resulta, portanto, da purificação das forças inferiores, de sua transfigura-

ção, e da força que vem do alto, do Espírito. Não podemos aqui deixar de

pensar no axioma hermético “assim como é em cima, assim é embaixo”,

cujo símbolo consiste em dois triângulos imbricados e no número seis.

Após os irmãos terem terminado essa obra, Cristiano Rosacruz, na noite

do sexto dia, adormece profundamente.

O

6o sexto dia

águia que voa nos ares, sem asas”, o“cisne”, “o pássaro de Hermes”4. Nanarrativa, é o nosso pássaro branco.

Agora, ele está suficientemente pu-ro para poder receber o terceiro ali-mento, denominado de forma miste-riosa “seu alimento”, que o levaráeventualmente à perfeição suprema.Somente com esse alimento, o ali-mento santo, a alma pode realmentecrescer e prosperar, para se tornarfinalmente “liberta”. Libertação sig-nifica que a alma chega a um pontoem que, desligada da personalidade,se torna totalmente livre e autônoma.O texto diz que a virgem leva o pássa-ro azul liberto para fora do campo devisão dos candidatos. Nesse momen-to, a alma se afasta do irmão servidorCristiano Rosacruz para seguir amensageira do Espírito, a virgemAlquimia.

O pássaro azul

No quinto pavimento, o pássaropassa por uma transformação alquí-mica. Um certo fluido desempenhaum papel importante. “Nesse salão foipreparado um banho para nosso pás-saro, em que foi colocado um pó bran-co, tomando assim o aspecto de leite”.

No quinto capítulo de seu livro se-creto, Artephius menciona uma “se-gunda água”: “Essa aqua vita, ouágua viva, corretamente preparada, emediante a divisão do corpo, trans-forma-o em um corpo branco. Por-que essa água é um vapor branco,torna os corpos brancos... Ela se tor-na, agora, uma segunda água viva, cha-mada “azoth”5, essa água que [...] pelanossa primeira água do composto sole luna torna os corpos limpos... Étambém chamada a alma dos corposlibertos... É a fonte real na qual se ba-nham o rei e a rainha”6.

No decorrer do trabalho alquímicono laboratório, a sucessão de dissolu-ção, enegrecimento e branqueamentose repete. A cada etapa a substância seapura, até chegar ao estado de “pedrabranca”, quando é novamente reduzi-da a pó e dissolvida, para acabar even-tualmente em um vapor branco queos alquimistas chamam “o leite dasvirgens”. O fato é que a alma se tornacada vez mais leve e transparente, àmedida que o processo progride. En-contramos esses mesmos aconteci-mentos nas Núpcias alquímicas.

Tendo sido banhado na substâncialeitosa, o pássaro perde suas penas.Tudo o que é duro e cristalizado sedissolve. Suas penas se dissolvem naágua do banho e sua pele se torna co-mo a de um ser humano. As penasdissolvidas tornam azul a água do ba-nho, que é colocada no fogo e se trans-forma em uma pedra azul. A equipedos “alquimistas verdadeiros e fiéis”tritura a pedra contra uma outra pe-dra, reduzindo-a a pó, e pinta com elea pele do pássaro. Agora ele se tornouesplêndido: ele irradia um azul magnífi-co; apenas a cabeça permanece branca.

Na Alquimia, a cor azul está asso-ciada ao elemento prata, portanto aoaspecto anímico. Na Alquimia, o azulnão é identificado com o opus mag-num – que é o vermelho – mas é ape-nas uma etapa intermediária. O azultambém é visto como uma cor quecorresponde à radiação da alma hu-mana. Por conseguinte, no decorrerda elaboração alquímica, o pássarotorna-se uma verdadeira alma huma-na: azul, com a pele de um homem. Apartir desse momento ele encarna anova alma humana, radiante de estra-nha beleza.

Embora tenha atingido a perfeição,a alma não pode permanecer definiti-vamente sob essa forma. A virgem

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conduz o pássaro que, pela segundavez, desaparece da vista dos compa-nheiros. Mas subamos ainda a torredo Olimpo para ver o que ali se passa.

O sexto pavimento

Após a virgem sair com “seu” pás-saro azul, os companheiros são cha-mados a se dirigirem ao sexto pavi-mento. Um tanto apreensivo, o IrmãoRosacruz lá reconhece o mágico altar,semelhante ao descrito no quarto dia,quando foram pela primeira vez colo-cados em presença dos três casaisreais. Sobre o altar estavam seis objetos:1. um livro coberto de veludo preto

incrustado de ouro,2. um castiçal aceso,3. um relógio, do qual4. uma pequena fonte jorrava água

vermelho-sangue,5. um globo celeste em rotação,6. uma caveira, na qual se enroscava

uma serpente branca.

Em sétimo lugar, temos o própriopássaro azul atrás do altar. Sete é onúmero da realização, bem como asoma das qualidades dos seis primei-ros. O pássaro da alma aí conclui suaobra. Ele bebe um largo sorvo da águavermelho-sangue e, e em seguida, picaa serpente branca até ela sangrar co-piosamente. Os companheiros reco-lhem o sangue em uma taça e o vertemna garganta do pássaro recalcitrante.Em seguida, mergulham a cabeça daserpente na fonte, com o que ela re-torna à vida antes de desaparecer nointerior da caveira.

Entrementes, o globo continua agirar e o relógio soa por três vezes.Na terceira hora, o pássaro coloca hu-mildemente sua cabeça sobre o livro ese deixa decapitar por um dos compa-nheiros. Por fim, os acontecimentos

mágicos que se desenrolaram no sex-to pavimento da torre findam com aincineração do pássaro morto e daplaca suspensa por trás do altar. Sobreo altar, desocupado de seus objetos,um fogo é aceso na chama do cande-labro. As cinzas são purificadas váriasvezes e colocadas em uma caixinha decipreste.

Aqui acontece exatamente o quediz Artephius: “quando tomamos ostratados dos filósofos herméticos aopé da letra e de acordo com o sentidocorrente das palavras, perdemo-nosnum labirinto sem saída”7. Então,qual é o fio de Ariadne que falta?

A oferenda da alma

Na análise esotérica das Núpciasalquímicas, Jan van Rijckenborgh nosexplica o significado do altar8. O altarcorresponde ao lugar da cabeça ondese encontra a glândula pineal, ao pas-so que os objetos sobre o altar simbo-lizam os aspectos necessários à reali-zação da oferenda. Esses aspectos sãoos seguintes:

1. O aspecto do destino: o livro emque estão escritos os nomes de to-dos os que querem fazer essa ofe-renda. O nome de cada candidatoestá aí inscrito: ele deve ser pre-destinado.

2. O aspecto da Gnosis: a serpentebranca enroscada na caveira sim-boliza a sabedoria divina.

3. O aspecto do momento decisivo:o relógio, em conexão com

4. os aspectos das justas influênciascósmicas: o globo celeste.

5. O aspecto do estado de sangue, oestado de alma: a fonte.

6. O aspecto do fogo serpentino, oestado de consciência: o candela-bro aceso.

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Acrescentamos ainda o pássaroazul, o símbolo da nova alma huma-na. Ele se oferece, num último sacrifí-cio, à união definitiva do Espírito, daalma e do corpo. Essa é uma oferendatalvez inesperada para muitos leitores.Mas, será o ovo branco como a neve,surgido do globo de ouro, no quartopavimento da torre do Olimpo, aimagem do homem tornado realmen-te imortal?

O ovo certamente traz em si a novavida, mas somente em potencial, co-mo conceito. E agora, no cimo da tor-re do Olimpo, esse conceito demons-tra sua força e concede à ressurreiçãouma gloriosa realidade vivente. É ocoroamento do opus magnum: o re-torno da alma vivente ao Espírito vi-vificante.

A cena na qual o pássaro humilde-mente aceita morrer tocou profunda-mente o Irmão Rosacruz e seus com-panheiros no coração. Ele o reconhe-ceu, dizendo: “Sua morte nos atingiudireto o coração, contudo, como pen-sávamos que um pássaro nu não nosseria de muita ajuda, resignamo-nos”.O pássaro está nu porque ele apenasilustra o aspecto alma; a realização es-tá próxima, mas o Espírito ainda estáausente.

Chega então o momento das núp-cias, das quais fala o tratado Exegesesobre a alma nos manuscritos de NagHammadi: “Pois essas núpcias nãosão como as núpcias carnais... Masquando eles se unem, eles se tornamuma única vida”9. Para o pássaro-alma,essa é uma hora de crise.

O mistério do pássaro azul

O texto das Núpcias alquímicas dizmuito claramente: “Finalmente, quan-do percebemos a terceira conjunção,que foi indicada pelo relógio, o pássa-

ro, humildemente, colocou a cabeçavoluntariamente sobre o livro e dei-xou-se decapitar por um de nós, quefora designado para isso por sorteio.Entretanto, não fluiu uma gota desangue até que se lhe abriu o peito. Osangue jorrou então, fresco e clarocomo uma fonte de rubis”10.

Eis aí o mistério do pássaro azul. Osacrifício não é uma morte, pois anova alma é imortal, e, por conseguin-te, o sangue não corre no momento dadecapitação. Somente no momentoem que a transmutação alquímica estácompleta o sangue da alma jorra dopeito do pássaro, puro vermelho-rubi, a simbólica “rosa vermelha” dosrosacruzes.

Essa morte é a oferenda transfigu-rística da alma, que dá seu sangue pa-ra poder se unir ao Espírito. Depoisde ter sido transformada pelas forçasda água alquímica, ela é, então,influenciada pelas forças do fogo, pa-ra que possa se fundir com o Espíri-to. Esse fogo mágico é aceso graças àconsciência – o candelabro no altar –e tudo se desenrola segundo um pla-no pré-estabelecido – a placa por trásdo altar. As cinzas purificadas sãocolocadas numa caixinha de cipreste.Essa caixinha tem a forma de umcubo que, desdobrado, tem a formade uma cruz.

Esta é a morte, preparada pela água,purificada pelo fogo, integrada à cruz,como descrita na Bíblia, “tragada navitória”. As cinzas purificadas do pás-saro incinerado tornam-se a primamateria, da qual, no oitavo pavimen-to, o novo casal real, o homem-Espí-rito, ressuscitará.

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Notas e fontes na página 40.

Após o corpo do pássaro ter sido incine-rado no sexto pavimento da torre doOlimpo, a narrativa toma uma dire-ção inesperada. Em lugar de receberema recompensa por seu bom trabalho esubir ao sétimo pavimento, o que seriade se esperar, o Irmão Rosacruz e ou-tros três candidatos são molestados pe-la virgem, que zomba deles e os acom-panha até a porta, ao som de uma fan-farra ensurdecedora. Aonde essa portairá levá-los, permanece oculto para orestante dos companheiros. Sigamo-los, portanto.

compreensível que Cristiano Rosa-cruz fique desesperado. O que teriaele feito? Mas tudo acontece de mododiferente. Tão logo a porta é fechada àchave atrás dele, os músicos sobem aescada em espiral e os conduzem paraalém do sétimo pavimento, abaixo dotelhado. Eles chegam assim à sala se-creta do oitavo pavimento, onde jáeram esperados. O Ancião, que até en-tão eles não haviam mais visto, recebe-os amistosamente. Ele está diante deum pequeno forno. Agora a virgemtambém aparece com a pequena caixaque contém as cinzas do pássaro azul.Ela esvazia as cinzas em um outrorecipiente e torna a encher a caixa comoutro material, que entrega aos candi-datos que chegaram ao sétimo pavi-mento, “no intento de jogar um poucode pó em seus olhos”, diz ela.

Sob a direção do Ancião, os quatrocompanheiros umectam as cinzas do

pássaro com a água já preparada e le-vam essa substância ao fogo, derra-mando-a, por fim, nos moldes prepa-rados nesse pavimento.

A porta de Saturno

O oitavo pavimento tem uma for-ma extraordinária: as paredes com-põem-se de sete semi-esferas, e, nomeio, um pouco mais acima, ele apre-senta, no telhado, uma pequena abertu-ra redonda que não é notada por nin-guém, exceto pelo Irmão Rosacruz.Oito é o número do planeta Saturno,que se encontra no limite da antiga es-fera planetária do nosso sistema solar,o que explicando por que se fala de“porta de Saturno”. Os números de 1a 7 formam um ciclo fechado sobre simesmo, significando “plenitude” ou“perfeição”. Com o oito tem inícioum novo ciclo, uma oitava superior.

Nas Núpcias alquímicas, o oitavopavimento representa a porta do mun-do da alma-espírito. Para os quatrocandidatos escolhidos, é o campo daressurreição, o ingresso no campo devida do homem original. Por que o ca-minho que para ali conduz é uma es-cada secreta em espiral que ultrapassao sétimo pavimento?

O sétimo pavimento e a escadaem espiral

Enquanto os moldes esfriam, o Ir-mão Rosacruz espia, por uma fenda nochão, o que acontece no sétimo pavi-

O oitavo pavimento da torre e a ressurreição

34

É

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mento. A virgem dá aos companhei-ros ali reunidos a substância especial dacaixinha, com a qual eles se põem atrabalhar. Eles se aplicam em fazerouro, e sopram o fogo tão fortementeaté “quase perder o fôlego”.

Podemos ver a torre do Olimpo,com seus sete pavimentos, como o fo-go serpentino com seus sete chacras.O fogo da consciência flameja na co-luna vertebral, razão pela qual é ditoque os candidatos sopram, de baixopara cima “através de um buraco no te-to” que representa simbolicamente asvértebras, que são ocas. O sétimo cha-cra se encontra no alto do santuário da

cabeça, na parte do cérebro onde estáa pineal. Trata-se do órgão real, no qualestá centrada a consciência. Um dospólos da mônada, o Espírito, coroa apineal. O homem original era uno como Espírito, que penetrava o fogo ser-pentino a partir da pineal, entrando esaindo livremente por ela, obtendo as-sim energia e força vital para o sistema.

Este já não é mais o caso, pois ofogo serpentino degenerou. A unida-de original de coração (alma) e cabeça(Espírito) foi rompida. Já não existeligação entre a pineal e a mônada nohomem. Entre eles, um profundoabismo se abre, e o Espírito já não po-

Uma nova missão

o sétimo dia, o dia da realização, são celebradas as núpcias reais. Cris-

tiano Rosacruz e seus companheiros são sagrados cavaleiros da Pedra

Áurea. Ele deseja tão-somente uma coisa: permanecer sempre junto ao

rei. Contudo, cabe-lhe uma missão que o afasta do rei: acolher, na qualida-

de de guardião do Portal, os recém-chegados no castelo. Devido à sua par-

ticular ligação com Vênus, o amor, ele tem como tarefa servir aos homens

com a força da deusa e abrir-lhes a porta. Ele se entristece por ver-se apa-

rentemente separado do rei, do Espírito. Ainda aqui, o verdadeiro signifi-

cado dessa circunstância lhe é revelado somente durante a noite. Ele tem

a impressão de ter retornado para casa. A realização de sua missão for-

nece a prova da ligação efetiva entre o Espírito (o rei), a alma (a rainha) e

o corpo (o porteiro).

Aqui termina a narrativa, com um fim aparentemente em aberto, e o

comunicado, segundo o qual, “ele, o autor, voltou para casa”.

N

7o sétimo dia

de penetrar diretamente a consciência.No livro, é relatado que nenhum

companheiro, nem mesmo aquele queatiça o fogo no sétimo pavimento commuito mais energia – no conto, atravésde um buraco no teto – consegue che-gar ao oitavo pavimento. O sétimopavimento simboliza a pineal e o oita-vo pavimento simboliza a mônada ouo campo do Espírito. Somente se al-cança essa conexão através de umaporta secreta que se abre sobre uma

escada em espiral, que vai além dosétimo pavimento. Muito estranho.

Sobre isso, Jan van Rijckenborghdiz:

“A escada em espiral designa umaligação entre o chacra do coração e ochacra mais elevado, que correspondeà pineal. Quando a alma nasceu e oscandelabros estão reunidos, ardendouniformemente, desenvolve-se, lite-ralmente, uma ligação corporal lumi-noso-etérica entre o coração e a cabe-ça, livre de qualquer base anatômica.Essa ligação se compõe de éter refle-tor, que é mental, e de éter luminoso,que é sensorial. Ambos têm um movi-mento claramente espiralado, razãopela qual se fala de uma escada emespiral.”2

Pelo fogo serpentino, o protagonis-ta se engaja nessa via ascendente, noquarto dia das núpcias alquímicas, pelaprimeira vez. Ele sai do castelo, acom-panhado por Alquimia, que o conduz,por uma escada em espiral, para umsalão superior onde ele havia contem-plado os três casais reais e o altarmágico. Porém, ele não pôde perma-necer ali, nem tampouco fazer coisaalguma, pois seu desenvolvimento nãolhe dava essa possibilidade Quandodesceram, a porta foi aferrolhada.

Na narrativa, o pássaro azul simbo-liza a alma. Graças a seu sacrifício, aporta se torna visível para os quatrocompanheiros. Eles são levados a pas-sar por ela de modo dinâmico. A nar-rativa menciona uma fanfarra que, porassim dizer, os “sopra” para fora. De-pois, passando pela escada na parteexterna do sétimo pavimento, eles che-gam ao oitavo pavimento. Este é o es-paço da nova pineal onde o Ancião eas imagens originais do novo homemos aguardam.

O Ancião não se admira com a che-gada deles e parece saber tudo o que é

O pássaro azul.© Pentagrama.

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necessário para a continuação do pro-cesso. Quem é o Ancião e qual é suamissão? Já o encontramos anterior-mente na narrativa. Quando o grupodos verdadeiros alquimistas navegapara a ilha do Olimpo, esse Anciãovem-lhes ao encontro, com algunscompanheiros em vestes brancas, numbarco de ouro. Ele é o guardião que,desde o início, toma conta de tudo oque se passa na torre. Esse “verdadei-ro Ancião” não é uma invenção doautor. Ele é uma figura espiritual real-mente venerável. Sobre ele, Daniel falaem sua visão: “Eu continuei olhando,até que foram postos alguns tronos eum ancião de dias se assentou; a suaveste era branca como a neve; e ocabelo de sua cabeça, como a limpa lã[...] Eu estava olhando em minhasvisões da noite, e eis que vinha nasnuvens do céu, um como filho dohomem; e dirigiu-se ao ancião de dias,e o fizeram chegar até ele. E foi-lhe da-do o domínio, e a honra e o reino...”

3

O velho sábio é o arquétipo da ex-periência humana... A designação “sá-bio ancião” vem do Oriente: “Não seesquece o ancião que mora no coraçãoe que tudo vê...” O velho sábio no in-consciente coletivo da humanidadetem bilhões de anos e vela sobre as leiseternas entre o consciente e o sub-consciente.

A Rosacruz moderna explica igual-mente o significado do “Ancião” nanotável citação do ensinamento uni-versal: “O Espírito não pode ser con-templado antes que a alma esteja napresença do ancião santo”4.

Após esta explicação fica claro oque Cristiano Rosacruz e seus compa-nheiros encontram no oitavo pavi-mento da torre do Olimpo: o sumo-sacerdote do Altíssimo, de quem JesusCristo recebeu a força, e que saiu aoencontro de Abraão5.

A esse respeito, Jan van Rijcken-borgh escreveu: “Trata-se aqui de umvalor divino que abrange em si umatrinalidade, uma tri-unidade: Pai, Mãee Filho; rei, rainha e Cristiano Rosa-cruz [...] Esta trinalidade, vista abstra-tamente, é o grande plano divino, uni-ficador e primordial da criação deDeus; o grande princípio primordialque é denominado ‘ancião santo’ ou‘ancião dos dias’ na Cabala. Portanto,quem viajar para a ilha quadrada comocandidato aos mistérios gnósticosencontrará na torre o guardião da tor-re e seus auxiliares. É a tri-unidade di-vina que vem para tornar em um a tri-nalidade, os três princípios do aluno”6.

A propósito do desespero dos qua-tro companheiros, J.V. Andreæ intro-duz aqui, num piscar de olhos, umprincípio superior relativo à iniciação:“Ao saber de nosso susto, quase re-bentou de rir por havermo-nos porta-do tão tristemente diante de tanta feli-cidade. ‘Que isto vos sirva para apren-der, queridos filhos’, disse ele, ‘que ohomem nunca sabe o bem que Deuslhe quer’”7. E isto é verdade.

A ressurreição do casal real

O Ancião é também aquele que en-cerra em si a imagem original do ho-mem divino, que está no oitavo pavi-mento como se estivesse presente naeternidade. Na narrativa, o homem di-vino é as duas formas dos moldes emque se derrama a prima materia, ouseja, as cinzas do pássaro azul e a “águapreparada” que os quatro candidatosmisturaram e aqueceram ao fogo.

Finalmente, quando abriram osmoldes apareceram duas “belas está-tuas, claras e quase transparentes, co-mo nunca antes houveram visto olhoshumanos, um menino e uma menina,ambos com apenas quatro polegadas

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[...] Colocamos essas duas crianças,belas como anjos, sobre duas peque-nas almofadas de cetim e as contem-plamos por um bom tempo, quedan-do-nos inteiramente silenciosos diantedessa visão encantadora”8.

Em seguida é descrito como Cris-tiano Rosacruz alimentou as duascrianças com o sangue do pássaro.Com isso elas começaram a crescer aolhos vistos e ficaram cada vez maisbelas, até chegarem ao tamanho de umadulto, porém sempre sem vida.

A última trombeta

Como possuidor do conhecimentooriginal da união do corpo, da alma edo Espírito, o Ancião prepara a entra-da da alma-espírito nos corpos docasal real. Apenas a um candidato édado poder contemplar e compreen-der esta última fase do processo alquí-mico: Cristiano Rosacruz. Somenteele pode ver a alma-espírito, sob aforma de uma flama ardente, sair dassete circunvoluções do telhado e pas-sar pelo conduto de uma trombetacolocada entre os lábios das persona-gens reais ainda sem vida. Durante es-se tempo, a atenção dos três outroscandidatos é desviada por um “fogoenganador” e nada vêem. Quanto a is-so o protagonista declara: “Meuscompanheiros somente olhavam paraas estátuas; eu, porém, pensava em al-go diferente”9. Em que estaria ele pen-sando?

Na primeira noite, quando sonhavaque se encontrava prisioneiro no fun-do de um poço, uma fanfarra anuncia-ra a aproximação da libertação. Atrombeta emite uma sonoridade quedesperta. É o chamado da Fraternida-de. A trombeta nos liga à poderosamanifestação do Espírito no ser hu-mano, bem como a toda a criação. O

som desse instrumento é associado aomistério da ressurreição. Contudo,durante o processo alquímico no oita-vo pavimento da torre do Olimpo, afanfarra não é igual àquela que res-soou perto do poço. Aqui acontecealgo completamente diferente.

O Espírito vivificante

Vimos que o casal real jaz sobreuma mesa larga. Pelo sacrifício de san-gue do pássaro, a oferenda da alma,eles se tornam adultos e indizivelmen-te belos. Entretanto, a nova vida aindanão está neles. O Ancião coloca umatrombeta entre os lábios de cada um,como se eles mesmos tivessem de so-prá-las. Em seguida, ele põe fogo nasguirlandas verdes que envolviam osdois instrumentos. Nesse momento,um raio de fogo claro precipitando-sepela abertura do teto passa pelo con-duto de cada trombeta e entra nos cor-pos sem vida. O fogo da alma-espíritopenetrou nesses novos corpos e osdespertou para a vida.

Isso não é um acontecimento incrí-vel? Ninguém esperava por isso, maso fato se deu da seguinte forma: de umabrecha no teto, um toque de trombetainsuflou a vida nos corpos, tal comona narrativa da criação. Durante osonho do primeiro dia, acontece algosemelhante. É ao som de trombetasque a Fraternidade chama os homensdecaídos de volta ao campo de vidaoriginal. Mas os corpos que jazem so-bre a mesa são os novos corpos doshomens originais divinos. O homemoriginal é feito à semelhança de Deus eseu destino é soprar, ele mesmo, atrombeta, a fim de despertar para avida a substância original. Ele é umdeus em devir, o Espírito que vivifica.

Agora chegou o tempo do restabe-lecimento no campo de ressurreição.

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CRC se torna

guardião do

portal e retorna

ao lar...

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Por isso, a alma-espírito volta ao cor-po regenerado, pois, como um ímã, ocorpo a atrai pelo conduto da trombe-ta. Paulo expressa a mesma coisa,dizendo: “O primeiro homem, Adão,foi feito em alma vivente; o últimoAdão, em espírito vivificante”10.

Esta profecia se cumpre no oitavopavimento da torre. Após a efusão doEspírito no casal real, a força espiritualdo “Ancião” põe-se a circular nos cor-pos como uma rede de fogo. As perso-nagens reais despertam para a vida, de-pois de um tempo de descanso, e sãoenvolvidas pela virgem em magníficasvestes, semelhantes ao cristal: a estru-tura etérica sutil do novo corpo.

Agora os companheiros descem aescada em espiral e passam “através detodos os portões e sentinelas, até osnavios”11. Disso podemos concluir quea nova ligação entre o chacra do cora-ção e a pineal já está estabelecida. To-das as forças têm a possibilidade desubir e descer e executar seu trabalho.

Com isso, o trabalho que Cristiano

Rosacruz e seus companheiros tinhamde executar na torre foi realizado. Nanoite do sexto dia, o opus magnumestá completado. A ressurreição donovo homem, a união alquímica docorpo, da alma e do Espírito foi efeti-vada. Uma ceia é servida ao grupo dos“verdadeiros alquimistas” que traba-lharam sob o comando de Alquimia,no sétimo pavimento. O grupo se pre-para para o último dia das núpcias,quando entrarão no Castelo e se tor-narão “cavaleiros da Pedra Áurea”.

NOTAS

1. RIJCKENBORGH., J. v. As núpcias alquímicas de Christian Rosenkreuz, t.2,São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1996.P. 29.

2. Daniel, 7:9-13-14.3. Cf. nota 1, v.1, cap. 19.4. Hebreus, 7:1.5. Cf. nota 1.6. Id., p.LXX.7. Id., p. 182.8. Id., p. LXXII.9. Id., p. LXXIV.10. 1 Coríntios, 15,45.11. Cf. nota 1. p. LXXVI.

NOTAS DA PÁGINA 131. RIJCKENBORGH. J. v.

As núpcias alquímicas de Christian Rosenkreuz, t.1, SãoPaulo: Lectorium Rosicrucianum,1993. v. 1, p. XXVI.

2. Id., p. XVIII3. Id., p. LIX.4. Id., p. LX.5. RIJCKENBORGH. J. v. As

núpcias alquímicas de ChristianRosenkreuz, t.2, São Paulo: Lecto-rium Rosicrucianum, 1996,p.XVI.

6. Id., p.XVIII.7. Id., p.XXXVI.8. Id., p.LXXII.9. Id., p.LXXIII.10. BURCKHARDT, T. Alchemie

und Weltbild. Aurum Verlag:Ambra, 1992, p.211.

11. Id.12. Cf. nota 5, p. LXXIV.13. Veja nesta revista o artigo

O mistério do pássaro azul.14. Cf. nota 5, p. LXVIII.

15. ARTEPHIUS. Das geheim Buch(O livro secreto), século XII,Internet.

16. Cf. nota 5, p. LXXXIX.

NOTAS DA PÁGINA 171. BERDIAIEV, N. A filosofia do

espírito livre. J.C.B. Mohr, 1930,p.70.

2. BURCKHARDT, T. Alchemieund Weltbild. Aurum Verlag: Edition Ambra, 1992.

3. www.deutschesmuseum.de/ausstell/meister/astro.htm

4. Catálogo: Kein Krieg is heilig –Die Kreuzzüge, da exposição queteve lugar de abril a julho de 2004no Dommuseum. Mayence: Philip Von Zabern, 2004.

5. ROOB, A. Alchemie und Mystik.Colônia: Taschen, 1997, p. 39, 54,75, 101,168-173.

6. Id., p. 465.

NOTAS DA PÁGINA 331. ARTEPHIUS. Das geheim Buch,

século XII, Internet.2. Trata-se da mistura de um dissol-

vente à base de antimônio (stibium,Sb) e de mercúrio sublimado. O mercúrio alquímico não é o ar-gento-vivo comum.

3. Cf. nota 1.4. Id.5. Azoth, segundo Les Figures

secrets des Rose-Croix, Altona,1785. Esta palavra é formadapelas primeira e última letras doalfabeto hebreu, do grego e dolatim, significando assim “o começo e o fim”.

6. GEBELEIN, H. DiederichsGelbe Reihe. Munique: Kreuzlingen, 2000.

7. ARTEPHIUS. Das geheim Buch(O livro secreto), século XII,Internet.

8. RIJCKENBORGH. J. v. As núpcias alquímicas de Christian Rosenkreuz, t.2, SãoPaulo: Lectorium Rosicrucianum,1996. p. 57.

Hermes é a fonte primordial.

Após tantos danos terem sido infligidos ao gênero humano,

com auxílio da Arte e por determinação divina,

aqui fluo como

remédio de salvação.

Quem o puder beba de mim.

Quem o quiser purifique-se em mim.

Quem o ousar mergulhe em minhas profundezas.

Bebei, irmãos, e vivei! – 1378

(As núpcias alquímicas de

Christian Rosenkreuz, t.2, p.8 e 11)