1 a doutrina do direito civil na legalidade
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A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional 1,
2
Pietro Perlingieri
1. Este texto divide-se em três partes. A primeira sintetiza os pressupostos teóricos e seus corolários sobre os quais se fundamenta a doutrina do direito civil na legalidade constitucional, que também no Brasil encontrou respeitável correspondência; a segunda apresenta a experiência de meio século de atividade da Corte constitucional italiana, que foi, nos últimos 20 anos, convicta defensora de tal doutrina - e não sem hesitação -; a terceira contém algumas considerações de perspectiva sobre o papel e sobre as funções do jurista como agente da legalidade constitucional.
2. Os principais pressupostos teóricos da doutrina do direito civil na legalidade constitucional - concebida como conseqüência inevitável da incidência do constitucionalismo contemporâneo sobre o fenômeno da produção legislativa e, particularmente, das codificações - referem-se: (a) à natureza normativa das constituições; (b) à complexidade e ao caráter unitário do ordenamento jurídico e ao pluralismo das fontes do direito; (c) a uma renovada teoria da interpretação jurídica com fins aplicativos.
Em relação à letra (a), é preciso reconhecer não só o valor normativo dos princípios e das normas constitucionais, mas também a supremacia deles. Desse modo,
1 Transcrição de fala introdutória do Congresso Internacional de Direito Civil e Constitucional
realizado na cidade do Rio de Janeiro sobre interpretação do Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. 2
Tradução de Carolina Tomasi e João Bosco Medeiros. Como se trata de transcrição de fala, o texto original muitas vezes oferece inúmeras dificuldades de tradução para a língua escrita. Como se sabe, a língua falada é recheada de elipses, omissões, repetições, truncamentos frásicos, suspensão de pensamento, ausência de conectivos.
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Em relação à letra (b), é indispensável conceber o ordenamento jurídico como uno e complexo, em que os princípios constitucionais exercem a função de valores guias e assumem um papel central na articulada pluralidade das fontes do direito, o que exclui que se possa configurar o sistema jurídico dividido em ramos autônomos ou em tantos microssistemas policêntricos, em categorias ou níveis normativos separados e não comunicáveis entre si.
A fragmentação do saber jurídico, a traiçoeira e excessiva divisão do direito em ramos e em especializações, inevitavelmente fariam do jurista, fechado em seu microssistema, um especialista competente, dotado mesmo de refinados instrumentos técnico-setoriais, mas acrítico e insensível ao projeto abrangente da sociedade, mesmo quando este projeto, traduzido na máxima lei do Estado - que é a Carta Constitucional -, está claramente em confronto com grupos de poder ou de pressão.
O pluralismo das fontes de direito, emancipado de uma concepção estatal, bem como a enxurrada de atos e fatos com relevância normativa, reencontram u~a mesma difícil razão de reductio ad unitatem por meio do controle de legiti~tda?e, do ~so e da aplicação dos princípios constitucionais também nas relaçoes mtersubJetivas.
Urna_ ní~i~a distinção entre validade, legalidade e legitimidade da lei exige ~~e~ 0 prmc1p10 de legalidade constitucional configure-se como garantia de suJeiçao aos valores fundantes do ordenamento jurídico. Portanto, o controle da
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legitimidade da lei é sobretudo controle de legitimidade constitucional relativo não somente ao aspecto procedimental (iter formativo da lei) , mas também e principalmente relativo ao conteúdo da lei.
Tal controle compreende não apenas a lei, mas também os atos e as atividades que são expressões da autonomia individual, coletiva e da discricionariedade administrativa. As autonomias, então, e a mesma singular liberdade representada pela iniciativa econômica privada e mercantil não podem fugir do controle de merecimento diante dos valores constitucionais. Função e destinação dos atos assumem um valor decisivo em relação ao seu conceito meramente estrutural. Nesse contexto, a iniciativa econômica não pode não ter uma utilidade social e deve ser exercida de maneira que não cause dano à segurança, à liberdade e à
dignidade humana.
Finalmente, em relação à letra (e), é preciso elaborar uma teoria da interpre
tação jurídica, que não seja formalística - fundamentada no mecanismo lógicoteórico da subsunção do fato concreto à norma abstrata -, que saiba propor uma interpretação das disposições normativas no que se refere à hierarquia das fontes e dos valores, em uma acepção necessariamente sistemática e axiológica.
Daí, a impossibilidade de manter separada a teoria da interpretação das leis ordinárias e a teoria da interpretação das normas constitucionais. O cânone sistemático exige que o ordenamento seja interpretado em sua unidade; enquanto o cânone axiológico pressupõe que os valores constitucionais, comunitários e internacionais vivifiquem e atualizem cada uma das normas ou conjunto de normas
que devem necessariamente ser lidas e interpretadas sempre, mesmo que sejam aparentemente claras. Essa necessidade é verificada no controle obrigatório que o
intérprete deve fazer da legitimidade constitucional de qualquer disposição, seja
esta recente seja antiga, que seja aplicada ao caso concreto pelo juiz. A clareza,
na verdade, é uma eventual posterius, não um prius da interpretação. A norma,
clara ou não, deve estar em conformidade com os princípios e os valores do or
denamento e deve resultar de procedimento argumentativo não somente lógico,
mas axiologicamente de acordo com as escolhas de fundo do ordenamento.
Para essa finalidade é necessário:
a) Em primeiro lugar, repelir qualquer abordagem hermenêutica distinta cronológica ou logicamente em fases ou graus de interpretação, quer literal, quer lógica, quer a possível argumentação analógica, quer de recurso aos princípios. A interpretação do fato e da lei e a qualificação normativa do fato configuram um processo unitário e não divisível, em que o problema concreto e o sistema do ordenamento são indissolúveis
e compreensíveis, não em fases distintas, mas unitariamente.
b) Em segundo lugar, ter consciência de que o controle de conformidade da lei à Constituição é uma constante de qualquer interpretação para fins aplicativos, de qualquer aplicação que procure individualizar, em
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uma quaestio Jacti, em um caso concreto, a solução que não poderá não ser coerente, adequada e razoável e então correspondente à tábua dos valores normativamente relevantes, presentes na Constituição. Uma lex clara em seu texto ou dura na sua aplicação, que esteja em contraste com os princípios normativos da Constituição, é ilegítima, teria uma ratio inconstitucional e não integraria à legalidade constitucional a que o intérprete está vinculado.
c) Em terceiro lugar, adequar as técnicas e as noções aos valores principais, evitando aceitar passivamente como válidas as práxis oficiais e as interpretações correntes. A cultura "oficial" não se legitima a condicionar a atuação dos valores principais do ordenamento jurídico e a pôr-se em aberta violação da legalidade constitucional. Atitude condenável quanto mais a legalidade seja portadora de maior e mais qualificada promoção e tutela da pessoa humana e das suas exigências.
d) Em quarto lugar, levar em consideração que a passagem da lei ao direito é um processo contínuo, constituído pelo impacto com a peculiaridade do fato, em uma atividade hermenêutica que tem como parâmetro privilegiado os valores-guia da Constituição, assumidos pela historicidade e pela totalidade da experiência, em um justo equilíbrio entre o deverser e o ser; sem perigosas concessões em relação ao pragmatismo e ao niilismo; e sabendo colher a natureza desses interesses e desses valores em conflito, ponderando-os - em relação ao caso concreto - segundo a axiologia constitucional, pronto a reconhecer nos aspectos valorativos de descontinuidade, o respeito à tradição, fatores, a um só tempo, de promoção e de garantia do pacto constitucional.
e) Em quinto lugar, atentar para os critérios hermenêuticos inovadores, como a ponderação dos interesses e dos valores, da razoabilidade, da proporcionalidade, da adequação, da subsidiariedade, recuperando a factividade para a juridicidade. A solução do problema concreto é procurada necessariamente na totalidade do ordenamento jurídico sem violentar as peculiaridades dos fatos, para assumir não corno ocasiões maçantes para o conhecimento da norma, mas corno fatores decisivos para a individualização da normativa.
f) Em sexto lugar, finalmente, formar urna classe de juristas, adequadamente preparada para tais obrigações, capazes de construir uma jurisprudência avaliativa, atenta às conseqüências das decisões. Uma classe de juristas que abandone os brocardos do in claris non fit interpretatio e da dura lex sed lex, e contribua para realizar urna justiça segundo os valores da Constituição, concretizados no impacto com a totalidade da experiência cultural como historicamente se determina e se evolui.
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• 3. Para tais press~postos teóricos, verifica-se uma série de conseqüências re
levantes, entre as quais:
a) o reconhecimento de que, segundo o moderno constitucionalismo e os tratados internacionais, a pessoa humana e seus direitos fundamentais são um valor conquistado, embora de formas diversas. A dignidade humana já não é uma aquisição do assim chamado direito natural, mas é elemento constitutivo e caracterizante do direito positivo, uma vez que a Constituição é lei e é lei antes de qualquer outra coisa. O dever ser, enriquecido de conteúdos sobretudo exclusivos do plano moral, assume o papel determinante de um novo e bem diferente positivismo ético. A constitucionalização do direito afirma: "No centro dos sistemas jurídicos contemporâneos dos documentos jurídicos, como são as constituições, que contém princípios éticos, estas devem ser evolutivamente interpretadas de acordo com a modificação dos valores ético-políticos da comunidade a que a constituição se refere."
Conseqüentemente, o primado dos valores da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais exclui que a área do direito civil possa ser exaurida em uma concepção patrimonialista fundada ora sobre a centralidade da propriedade, ora sobre a noção de empresa. O direito civil constitucional - segundo a tendência do constitucionalismo contemporâneo - reconhece que a forte idéia do sistema é não somente o mercado, mas também a dignidade da pessoa, de uma perspectiva que tende a despatrimonializar o direito.
b) A supremacia do direito e da política sobre o mercado e sobre a economia representa a epifania do direito civil constitucional. Este último, ao assinalar a superação da separação do direito privado e do direito constitucional, realiza a concretização da ordem pública constitucional como sistema aberto também à internacionalização das relações civis, mas sob controle vigiado, que não invalida a atuação dos direitos humanos democraticamente colocados no centro do pacto de convivência.
c) A mesma contraposição de privado-público se enfraquece e determina uma nova composição dos institutos e das instituições reavivados pela igualdade e pela diferenciação, mas sobretudo pela solidariedade como função primária de um Estado moderno.
d) Nos ordenamentos nos quais a questão da legitimidade constitucional de um ato com força de lei é proposta perante a Corte constitucional, na via incidental da parte do juiz comum (chamado exatamente juiz a quo) é indispensável que o papel deste último mude. Dele se espera que decida se entre a lei ordinária e a Constituição há un1a incompatibilidade absoluta e insanável, ou seja, uma antinomia insuperável, tal que da aplicação da primeira derive inevitavelmente a não-aplicação do
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• t't·ticional. ou se ao contrário, seja reconhecível não uma preceito cons 1 , ' - f 'd d · . ·b·t·dade absoluta mas uma nao-con orm1 a e, uma made-mcompau 1 1 ' · d
- d nor·ma que pode ser superada, todavta, o ponto de vista quaçao a d - . . , . l. · medi'ante uma completa coor enaçao, que evite o 1mc10 de
ap ~auvo, . . · · 1 ' de legitimidade diante da Corte const1tuc1ona . E prer-
un1 processo 1 d'f • d ·ui·z comum desenvolver um contra e 1 uso, que se junte
rogatlva o J . 1 d , , I centrado na Corte constitucional, a qua po era sempre in-aque e con , , 1 d 'd' 1. . _ dicar a interpretação que julgara sustentave .ºu ec1. ir a e 1mmaçao, a ah-rogação do texto por força da lei porque irremediavelmente avalia-
do inconstitucional.
4. Na Itália, nos primeiros 60 anos de vig~nc~a da Constituição ~~ República,
d · do direito civil na legalidade const1tuc1onal teve grande dificuldade de a oun1na . · d. " d. firmar-se. Marcas desse fato são vistas nos meus escritos que m 1co no apen ice
deste texto. Valor paradigmático tem a contribuição oferecida pela jurisprudência da Cor-
te constitucional. Este ano nos seus celebrados 50 anos de atividade, as associações dos juris
tas italianos' realizaram uma monumental obra em 27 volumes, dos quais oito foram oferecidos pela Associação italiana dos estudiosos do direito civil - da qual me honra ser o presidente - e um volume oferecido pela Rassegna di diritto civile, realizado sob o cuidado do colega Pasquale Femia, que tem o título Interpretação para fins aplicativos e legitimidade constitucional. No volume 'justiça segundo a Constituição e a Hermenêutica. A interpretação denominada adequada", elaborei o ensaio, embora com uma inevitável aproximação com uma "periodização" da evolução da jurisprudência constitucional. Neste Congresso, eu proporia tal evolução novamente para assinalar um percurso difícil, mas que, pelo menos sob o perfil metodológico, me parece que já tenha atingido a maturidade.
Em uma primeira fase, dos anos de 1956 até o final dos anos de 1970, não se verifica da parte da Corte constitucional um particular envolvimento dos juízes comuns na imediata garantia dos valores constitucionais. O cânone da interpretação denominada adequada parece relegado ao papel de técnica exclusiva do controle de legitimidade, inerente unicamente ao exercício das prerrogativas da Corte, de maneira a apresentar "a Corte como vestal da Constituição; a Magistratura como vestal da Lei". O dever de explanar interpretações em conformidade com a Constituição diz respeito sobretudo à Corte constitucional que deve evitar pronunciamento de inconstitucionalidade sempre que uma diversa construção h:rmenêutica tome, possível uma decisão interpretativa rejeitada. O juiz comum na? pare~e responsa_vel por tal tarefa, visto que o cumprimento da honra de pesqmsar a mterpretaçao denominada adequada ainda não foi expresso em termos do pressuposto de admissibilidade da legitimidade. E a Corte limita-se a lamentar o e~c_es~ivo número de processos pendentes que deve julgar, por causa do insatisfatono Julgamento exercido pelos juízes a quibus na resolução das questões.
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No curso dos anos setenta, inicia-se uma segunda fase em que se verificam significativas tomadas de posição "qu~ podem r_esumir-se no reconhecimento "fundamental" do "princípio hermeneuuco de unidade do ordenamento que tem os receitas constitucionais no topo" e como preceptivos, e não como programáti
~os, que a Constituição "não seja um limbo de ~on~ propós~tos, q~e os p~deres públicos possam a seu prazer não observar; porem e u,~ª lei que sistema~iza todas as demais, que no sistema encontra instrumentos vahdos para ver confirmada e tutelada a sua intangibilidade".
Uma terceira fase compreende os anos oitenta. Com a presidência de Leopoldo Elia, viu-se uma reviravolta. O juiz comum é chamado a enfrentar "com uma linha interpretativa mais aprofundada" as questões de constitucionalidade sem remetê-las à Corte, a "conformar" o texto legislativo às normas da Carta Magna. A falta de cumprimento de tal dever é punida com a inadmissibilidade de legitimidade - inicialmente pronunciada pela Corte através de acórdãos (sentenza) e, depois, de forma constante por decisões (ordinanza) -, porque, "não pela decisão da Corte, mas pela simples aplicação do sistema vigente, é possível chegar ao resultado evocado pela decisão (ordinanza)". A jurisprudência inteira da Corte segue um "desenho das relações com juízes remissivos que deixa um espaço mais largo à interpretação adequada das normas de lei à luz das normas constitucionais".
Em uma quarta fase, dos primeiros anos de noventa até hoje, a Corte parece ter superado aquela discutível posição que divide o momento interpretativo das leis ordinárias com aquele aplicativo das normas constitucionais. E igualmente reconhecido que a interpretação elaborada pela Corte constitucional se vale da "coordenação dos princípios da Carta Magna com as normas ordinárias". A interpretação denominada adequada resolve-se sempre mais facilmente com uma aplicação do combinado disposto nas leis infraconstitucionais e dos princípios constitucionais. Chega-se à inequívoca afirmação da necessidade de uma imediata aplicação das normas constitucionais, não subordinada à mediação legislativa ou administrativa e - no corpo das decisões e nas relações presidenciais - multiplicam-se os convites e as exortações a uma imediata e autônoma aplicação da parte dos juízes comuns das normas constitucionais, até em presença de um direito contrário que vive na Corte di Cassazione. Finalmente, a interpretação dita adequada é definida sistemática e, então, não é apenas um cânone meramente hermenêutico, mas também o fundamento da aplicação da Constituição segundo a técnica da "conformidade".
A interpretação adequada da Corte constitucional - posta na base de suas decisões interpretativas de recusa - é oficialmente identificada com: "aquela cuja Corte tira do texto de lei, combinando-o com as normas constitucionais um sentido compatível com a Constituição". Para esta, a Corte atribui o papel "~xemplar que chama cada operador à imediata aplicação da norma constitucional e então ao dever de preferir, em cada caso, o significado da disposição normativa que ~upere a oposição com a Carta Magna". Os juízes comuns são chamados a uma i~te~retação da Carta que favoreça o ''princípio de difusão dos valores constitucionais", enquanto a Corte "considera não ser a única intérprete da Constituição,
8 Direno Cn il Contempot âneo • Tcpedino
mas que a interpretação desta última caiba a uma platéia de sujeitos institucionais muito mais ampla".
s. Em resumo, para dar solução a um problema concreto a norma constitucional é usada, de qualquer maneira, seja na aplicação combinada com a legislação ordinária específica, ou com as cláusulas gerais ou princípios gerais do direito, seja na aplicação direta, definida desse modo pela ausência de intermediação de qualquer enunciado normativo ordinário (hipótese definida impropriamente como lacunosa).
A doutrina do direito civil na legalidade constitucional, portanto, impõe ao civilista um vasto e sugestivo programa de estudos, apenas em parte realizado, que se propõe à concretização de objetivos indicados há tempo, sendo-me consentido propor novamente aos estimados colegas: individuar um sistema do direito civil harmonizado com os valores constitucionais e, antes de tudo, ao valor da pessoa humana; redefinir os fundamentos, as rationes e assim as extensões dos institutos, ressaltando-lhes seus perfis funcionais; adequar as técnicas e os conceitos tradicionais e sobretudo renovar funditus a argumentação jurídica, propondo uma teoria da interpretação respeitosa da legalidade constitucional.
Um percurso árduo, que sobretudo os mais jovens poderão fazer seguindo o caminho duro indicado, destinado a dar um rumo novo ao direito civil, na consciência - que se vai difundindo - que o constitucionalismo "transformou a configuração tradicional do sistema jurídico".
A superação do formalismo e do conceitualismo na hermenêutica pressupõe que a teoria da interpretação seja mostrada não de forma sub specie aetemitatis, mas de forma histórica e relativa: estreitamente dependente sobretudo da engenharia constitucional dos poderes do Estado e mais amplamente da organização sociojurídica dos poderes, dos valores que representam o pacto constitutivo de tal organização e, conseqüentemente, da hierarquia das fontes com relevância normativa e, finalmente, das relativas técnicas legislativas.
É indispensável, portanto:
a) Reconhecer que "a Constituição, como qualquer outra lei, é sempre e antes de tudo um ato normativo que contém disposições preceptivas" e que "tanto os juízes comuns, ao julgarem, com base nas normas constitucionais, as controvérsias submetidas às suas decisões, quanto os juízes constitucionais, que operam como intérpretes 'autorizados' da Constituição e como juízes de constitucionalidade da lei, encontram-se também vinculados aos textos constitucionais".
b) Argumentar sobre normas-princípios, sobre a aplicação de qual deles "não assume a forma silogística da subsunção, mas aquela que otimiza a realização do preceito", não só segundo uma hierarquia própria, mas também segundo uma ponderação razoável que se refere à decisão do caso concreto.
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c) Levar em consideração que não pode não ser relevante a idéia de sociedade e de ética pressuposta à Constituição, e que desse modo penetram no ordenamento positivo valores e princípios historicamente reconhecidos.
Tudo isto não parece traduzir-se na afirmação de que "o momento de verdade das ciências está na relação das ciências com o senso comum", quanto antes postula um confronto contínuo entre o que é e o que poderia ser, entre as decisões assumidas e as que serão assumidas também na modificação das primeiras em um continuum cultural que dá substância ao direito. Isso especialmente em uma fase histórica, como a contemporânea, caracterizada pela pluralidade de culturas que convivem e que não engrandecem a fixação dos procedentes, nem a primazia da autoridade do Estado, mas exigem a concretização do justo no tempo e no espaço. Seria aceitável por todos que a hermenêutica se inspira no princípio do respeito da dignidade da pessoa humana como prioritário nos confrontos dos interesses superiores do Estado e do Mercado.
Direito e justiça terminam por reencontrar-se nesta perspectiva ética e filosófica, de modo que "uma leitura hermenêutica da Constituição não poderá ser outra coisa - corno sustenta Dworkin - que moral".
A evolução de um ordenamento e de um sistema jurídico não é puramente lógica nem pode depender exclusivamente da tecnologia, mas da filosofia de vida que saberá incorporar e realizar. Útil seria estudar mais a fundo a filosofia que existe no ordenamento constitucional, para fazê-la reviver com as adaptações do tempo transcorrido nas decisões dos juristas. Os filósofos poderiam contribuir, individualizando a filosofia que existe no direito.
Neste trabalho reconstrutivo, tendente a verificar a atualidade e a adequabilidade das prescrições normativas, um papel pode e deve desenvolver o senso comum entendido como correlação com os valores comuns, "com os princípios fundamentais" da convivência corno co-participação do direito na vida prática, a qual é urna "totalidade que não se decompõe", sínteses conflitantes de conhecimentos, valores, símbolos produzidos e utilizados pelo homem dentro de horizontes culturais e ideais que se renovam sempre de maneira diacrônica e sincrônica, no norte e no sul do mundo, que não se deixam nunca compreender completamente.
Nesta problemática de conhecimentos da vida, tem responsabilidade também a categoria dos juristas empenhados em dissertações impecáveis formalmente, mas pouco úteis para conhecer a realidade e para resolver seus complexos problemas.
Este texto3 volta-se "ainda uma vez" para o papel do jurista e para a sua formação.
~' No congresso, este texto foi fa lado. No original em italiano a palavra seria "este discurso" e não este texto" .