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1 XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E PRÉ-ALAS BRASIL 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI. GT 25 - Violência, Polícia e Prisão: olhares, saberes e dimensões institucionais no Brasil TRABALHO POLICIAL, VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E AS RESPOSTAS DA CORREGEDORIA Autor: Jaime Luiz Cunha de Souza Co-autor: João Francisco Garcia Reis

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E PRÉ-ALAS BRASIL

04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI.

GT 25 - Violência, Polícia e Prisão: olhares, saberes e dimensões institucionais no Brasil

TRABALHO POLICIAL, VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E AS RESPOSTAS DA CORREGEDORIA

Autor: Jaime Luiz Cunha de Souza Co-autor: João Francisco Garcia Reis

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TRABALHO POLICIAL, VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E AS RESPOSTAS DA CORREGEDORIA1

Jaime Luiz Cunha de Souza2 João Francisco Garcia Reis3

Resumo Um dos principais dilemas com o qual se defrontam as instituições policiais brasileiras tem sido a dificuldade para harmonizar as peculiaridades do trabalho policial histórica e tradicionalmente marcado por posturas autoritárias, violentas e autorreferenciadas, e o compromisso com o estado democrático de direito e o respeito aos direitos humanos. Este texto analisa uma das dimensões desse multifacetado problema ao colocar sob análise alguns dados preliminares da pesquisa intitulada Abordagens Policiais de Rotina e Direitos Humanos em Belém – Pará, pesquisa esta iniciada em janeiro de 2012 e com previsão de conclusão para 2013, com o apoio do CNPq. Nosso foco são as denúncias realizadas junto ao núcleo da Corregedoria da Polícia Militar, em Belém, relativas aos anos de 2010 e 2011. Focalizamos, especificamente, o tipo de tratamento que recebem na Corregedoria da Polícia Militar as denúncias de violação dos direitos humanos pelo uso excessivo da força e outras violações previstas nos Artigos 5, 9, 10 e 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Palavras-chave: Corregedoria; Polícia; Gestão; Trabalho Policial; Direitos Humanos.

Introdução

Desde o retorno do Brasil à normalidade democrática tem havido

mudanças crescentes e significativas na sociedade em termos de cobranças de

transparência das ações do governo e de suas instituições. Em grande medida

isso se deve ao fato de que a opinião pública passou a ter acesso a muitas

informações sobre comportamentos inadequados e até mesmo criminosos de

funcionários públicos, especialmente daqueles que fazem parte das instituições

1 Este texto representa um dos resultados parciais da pesquisa intitulada Abordagens Policiais de Rotina e Direitos Humanos em Belém-Pará apoiada pelo CNPq e registrada nesta instituição de fomento sob o número 401164/2011-0. 2 Doutor em Ciências Sociais, Professor da Faculdade de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA (FCS/UFPA), do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA (PPGCS/UFPA) e do Mestrado Profissional em Defesa Social e Mediação de Conflitos, da UFPA (MPDSMC/UFPA). Contato: [email protected]. 3 Mestrando do Mestrado Profissional em Defesa Social e Mediação de Conflitos (MPDSMC) da Universidade Federal do Pará. Contato: [email protected].

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de segurança pública. Relatos descrevendo violação dos direitos humanos e

outras formas de comportamento inadequado por parte de policiais passaram a

surgir nas manchetes de jornais impressos e reportagens de televisão

colocando a polícia brasileira constantemente sob críticas e gerando uma

enorme sensação de descrédito que faz com que a sociedade tenha pouca

confiança na capacidade do Estado de mediar conflitos e garantir a segurança

dos cidadãos.

Este estado de questionamento da legitimidade e de baixa

credibilidade atribuído à polícia brasileira atingiu de maneira contundente a

Polícia Militar do Estado do Pará, cujas atividades ao longo de sua história têm

sido marcadas por inúmeros episódios que resultaram em denúncias e

acusações de violações dos direitos humanos. Os dirigentes políticos do

Estado e os gestores da instituição seguidamente são obrigados a vir a público

para dar explicações a respeito do comportamento de seus subordinados,

solidarizar-se com as vítimas, prometer providências disciplinares e assumir

compromissos de melhoria e transformação sem que tais intenções sejam

efetivamente concretizadas em ações percebidas pela sociedade.

Com o intuito de esclarecer algumas das dinâmicas e dos obstáculos

que envolvem esta intricada questão buscaremos, neste texto, explicitar sob

qual perspectiva a Polícia Militar do Estado do Pará se posiciona em relação à

demanda de problemas relativos à violação dos direitos humanos que envolve

seus policiais e sobre os seus mecanismos de controle interno. O objetivo é

avaliar as estratégias eventualmente utilizadas ou não pela instituição para dar

conta desse tipo de assunto, tendo sido escolhido como foco de nossa análise

a atuação da Corregedoria da Polícia Militar em Belém, considerada a partir de

um grupo de oficiais do escalão hierárquico intermediário da corporação.

Os sujeitos tomados como referência foram 40 capitães lotados na

Região Metropolitana de Belém e a Comissão de Corregedoria de Polícia

Militar da capital; tal escolha deveu-se a dois motivos básicos: o primeiro é que,

para esta comissão, converge a maioria das denúncias de violação ocorridas

na região metropolitana; o segundo é induzido por nossa expectativa de que o

fato de, atualmente, ocuparem uma posição intermediária no quadro

hierárquico da instituição e terem a possibilidade de atingir os postos de

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direção e comando em médio e longo prazo, sinalize para o tipo de

comprometimento futuro da instituição.

A esses sujeitos foram aplicados questionários construídos e

adaptados com base na escala Likert, por ser esta um instrumento de coleta de

dados que permite estabelecer uma linha graduada de resposta para cada

pergunta do questionário e na qual os sujeitos especificam seu nível de

concordância com determinado questionamento ou se posicionam em relação

a uma determinada afirmação. O dados coletados na Corregedoria referem-se

aos anos de 2010 e 2011, e a noção de direitos humanos que utilizamos está

baseada nas definições que se encontram presentes nos Artigos 5, 9, 10 e 11

da Declaração Universal dos Direitos Humanos4.

Instituições Policiais e os Mecanismos de Controle Interno

Muitos países democráticos criaram setores dentro de suas

instituições, na forma de departamentos, ouvidorias e corregedorias

especializadas em lidar com as queixas contra os abusos de poder e violações

de direitos praticados por policiais. No Brasil, os parâmetros que definem o

trabalho policial são baseados em princípios também previstos na Constituição

Federal de 1988, no Código de Processo Penal, no Estatuto da Criança e do

Adolescente, na Lei de Tortura e em outras leis. No estado do Pará, além de

todas as leis já indicadas, o trabalho policial também tem como parâmetro a lei

estadual nº 6.833, de 13 de fevereiro de 20065, que institui o Código de Ética e

Disciplina da Polícia Militar do Pará. Todo esse conjunto de normas traz em

seu bojo a previsão e a expectativa de que o respeito à dignidade humana seja

parte efetiva da prática profissional desses funcionários públicos e não apenas

um discurso de efeito politicamente correto.

4 Artigo 5: “Ninguém será submetido a tortura ou castigo cruel, desumano ou degradante”; Artigo 9:

“Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado” ; Artigo 10: “Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”; Artigo: 11 – I)Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa. II) Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática era aplicável ao ato delituoso”. 5 Disponível em www.pm.pa.gov.br/Lei 6.833 . Acesso no dia 25 de maio de 2012.

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Apesar de algumas especificidades decorrentes da história e da

própria sistemática de trabalho adotada em cada estado da federação, as

principais atribuições formais das corregedorias de polícia militar giram em

torno das atividades de monitoramento das instituições policiais para deter ou

evitar o abuso de autoridade, a corrupção e a arbitrariedade praticada por

policiais. Os problemas que o setor de corregedoria enfrenta para desenvolver

corretamente sua atividade em todo o mundo são basicamente os mesmos,

apesar de, em alguns outros países, a discussão sobre a necessidade e o

fortalecimento já ter se tornado uma discussão pacificada há muito tempo. No

entanto, mesmo nos países em que a preocupação em fortalecer as

corregedorias tem um papel um papel importante para a instituição, existe uma

luta permanente para manter um grau confiabilidade e de neutralidade das

corregedorias para que elas mantenham a credibilidade social no desempenho

de suas funções. A atuação das corregedorias, em termos ideais, também visa

à prevenção e combate às transgressões praticadas por policiais com base em

queixas ou por sua própria iniciativa. No entanto, desempenhar essas funções

de maneira adequada e garantir que o trabalho policial se dê de acordo com os

princípios da qualidade, da eficiência e do respeito aos direitos humanos,

efetivamente, não é tarefa fácil.

Para Cano (2012) as duas principais funções das corregedorias de

polícia são: de um lado, corrigir e melhorar as práticas da instituição para torná-

la mais eficientes, de outro lado, investigar e punir a conduta irregular praticada

por policiais. Consequentemente – comenta ao autor -, a corregedoria tem o

duplo papel de inspecionar a qualidade do trabalho policial e, ao mesmo tempo,

desempenhar o papel de “polícia da polícia”. Ainda de acordo com Cano (2012)

as corregedorias de polícia brasileiras têm enormes dificuldades em lidar com

essas atribuições fundamentais, que, aliás, são extremamente vastas e

complexas, por isso, suas ações tendem a serem reativas, muito mais

centradas na investigação e na punição dos abusos do que na execução do

controle de qualidade.

Frequentemente as corregedorias são acusadas de corporativismo

em função da sua incapacidade de intimidar eficazmente os abusos dos

policiais transgressores. Para Cano, este não é um fator exclusivo das

corregedorias, e sim uma prática que permeia basicamente toda a instituição

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policial e que produz o efeito negativo de criar uma certa lealdade na

transgressão, isto é, como uma tendência a não delatar os colegas que violam

a lei. O autor ainda complementa dizendo que essa dinâmica é fruto de uma

subcultura interna que tolera, e, às vezes, até incentiva os comportamentos

irregulares. (CANO, 2012).

Existem vários fatores que podem explicar a ineficiência das ações

do Estado e de seus departamentos de controle interno, e também a

persistência de práticas sistemáticas de violação dos direitos humanos

exercidas por servidores do sistema de segurança pública. Entre esses fatores

podemos destacar a falta de vontade política dos dirigentes, que se reflete na

ausência de ações concretas especialmente voltadas para esse tipo de

problema. A consequência mais direta dessa falta de clareza de estruturação

organizacional para lidar com a questão da violação dos direitos humanos é a

fragilização progressiva dos departamentos de controle, especificamente dos

departamentos de controle interno, como é o caso das corregedorias de polícia.

Infelizmente, este não é um problema específico da polícia do

estado do Pará, nem uma exclusividade das polícias brasileiras; diversos

trabalhos realizados com polícias de outros países como, por exemplo, os de

Bittner (2003), Goldstein (2003), Reiner (2004), Bayley (2006), Bayley e

Skolnick (2006), identificam a existência segmentos resistentes dentro das

instituições policiais que, por uma espécie de cultura própria, são reticentes em

assimilar os princípios que norteiam o trabalho policial em sociedades

democráticas. Segundo esses autores, as instituições policiais com maior

dificuldade em adaptar-se às dinâmicas sociais do estado democrático de

direito, via de regra, acabam por se colocar em rota de colisão com a cultura do

respeito aos direitos humanos.

Para Macaulay (2012), as principais causas da atuação tendenciosa

das corregedorias de polícia estão relacionadas ao fato de que elas sofrem

com diversos defeitos estruturais, como por exemplo, os policiais corregedores

mantêm ligações muito fortes e são pouco ou nada distanciados em relação à

corporação que estão investigando. O fato de não haver um projeto de carreira

diferenciado – comenta a autora - torna-os muito vulneráveis no exercício de

suas atividades, principalmente quando o objeto de sua investigação são os

oficiais e/ou policiais bem colocados na estrutura hierárquica da instituição.

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Soma-se a isso o fato de que nem as instituições policiais como um todo e nem

as corregedorias - e este é um exemplo característico da corregedoria da

polícia militar do Estado do Pará - cultivam a prática de manter um banco de

dados atualizado com o perfil dos policiais transgressores o que, na prática,

significa que se torna extremamente difícil que a corregedoria consiga manter

um acompanhamento sistemático da atuação dos policiais reincidentes na

prática de violações de direitos. Isso faz com que dificilmente haja elementos

suficientes para que sejam analisados e construídos padrões estatísticos de

abuso, e, sem esses dados construídos de maneira confiável, é improvável que

as estratégias de prevenção e controle das violações dos direitos humanos

praticadas por policiais militares sejam elaboradas e aplicadas de forma

eficiente.

A fragilidade das corregedorias faz com que as ações disciplinares e

mesmo as investigações geralmente não consigam atingir os oficiais do alto

escalão. Uma das explicações para este fato é que os encarregados da

investigação, propositadamente ou não, demonstram ignorância em relação à

legislação mais recente, principalmente da lei anti-tortura6 e, em geral,

preferem se orientar por antigos hábitos e leis autoritárias que já nem estão

mais em vigor. Na visão de Macaulay (2012), os investigadores das

corregedorias de polícia frequentemente ignoram o Código Penal e seguem

seus próprios costumes e práticas a respeito da avaliação da evidência de

comportamento irregular por parte dos policiais. A autora esclarece que, uma

vez que a evidência da ilegalidade criminosa é descoberta, os investigadores

são, ou pelo menos deveriam ser, obrigados a abrir um inquérito policial que,

em tese, só poderia ser arquivado por um promotor de justiça ou por um juiz.

Entretanto – comenta Macaulay – existem casos em alguns estados brasileiros

nos quais a corregedoria tem seus próprios inquéritos arquivados (neste caso,

arquivados ilegalmente) antes que os mesmos alcancem os tribunais. Essa

prática esdrúxula combina a aparência superficial de legalidade com a uma

cultura interna absolutamente corporativista, o que a torna o trabalho da

6 Lei Nº 9.455 de 7 de abril de 1977. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9455.htm.

Acesso no dia 27 de maio de 2012.

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corregedoria e a própria instituição policial uma espécie de universo legal

paralelo (MACAULAY, 2012).

Uma das primeiras inferências que podemos extrair do que foi acima

exposto é que a atuação das corregedorias de polícia em todo o mundo, e

também no Brasil, é uma atividade extremamente complexa e cheia de

limitações oriundas da própria história da instituição e da subcultura interna por

ela criada. Esses problemas são especialmente acentuados em países como o

Brasil em que a abertura das instituições ao controle externo e as tentativas de

consolidação de mecanismos de controle interno ainda são recentes e

incipientes. Diante desse contexto, é preciso ter consciência de que, para uma

instituição policial agir eficazmente contra o desvio de conduta de seus

servidores e tomar o respeito aos direitos humanos como paradigma, não basta

somente a força de vontade de algum gestor individualmente empenhado; é

imprescindível que haja apoio organizacional, pois a instituição como um todo

precisa partilhar ativamente este compromisso. Para isso, é preciso que os

gestores tenham uma noção clara da extensão e da natureza do problema, que

sejam capazes de identificar as suas causas e o que deve ser feito para corrigi-

lo.

Resposta Punitiva da Polícia Militar do Estado do Pará

A violação dos direitos humanos praticada por policiais, apesar de

ser um fenômeno que atualmente encontra ampla repercussão na imprensa e

acolhida em instituições governamentais e não governamentais tanto no âmbito

estadual quanto nacional e até mesmo internacional, ainda é um fenômeno

subnotificado. Os números apresentados a seguir são surpreendentes porque

além de revelarem a dimensão naturalizada e quase cotidiana desta prática,

indicam também que o número de denúncias aumentou de forma consistente

nos anos de 2010 e 2011, mesmo com o funcionamento das ouvidorias, das

corregedorias e de outros órgãos de controle interno e externo. Os dados da

Tabela 01 são extremamente esclarecedores das dinâmicas que envolvem as

violações praticadas por policiais e da atuação da corregedoria da polícia

militar que é responsável pela região metropolitana de Belém.

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Tabela 01: Número de Procedimentos Instaurados na Corregedoria da PM/PA Relativos a Região Metropolitana de Belém, Apurados nos Anos de 2010 e 2011

Procedimentos 2010 2011 Variação

Sindicância 334 760 + 127,8%

IPM 93 195 +109,7%

Apuração preliminar 32 46 + 43,8%

PAD 136 185 +36%

Comissão de disciplina 18 3 -0,27,8%

Soma 632 1199 +95,6%

Fonte: Corregedoria da PM/PA

A Tabela 01 assinala um crescimento significativo no número de

procedimentos instaurados na corregedoria7. De um total de 632

procedimentos em 2010, chegou-se a 1.199 em 2011, o que representa um

crescimento de 95,6% no número de denúncias. Se compararmos aos efetivos

operacionais da cidade de Belém nos dois anos que tomamos para análise,

verificamos que, em 2010, o efetivo era de 3.950 PMs e, em 2011, na mesma

área, o efetivo de PMs chegou a 4.333. Ou seja, houve um acréscimo do

efetivo em 9,7% no ano de 2011 em relação ao ano anterior, 2010. Todavia,

quando analisamos os números relativos aos procedimentos instaurados na

corregedoria de polícia em função das denúncias recebidas, percebemos que

houve um crescimento de aproximadamente 100%. Isso quer dizer que,

enquanto o número de policiais aumentou aproximadamente 10% de um ano

para outro, o número de denúncias e procedimentos da corregedoria aumentou

aproximadamente 100%. Contraditoriamente, percebemos que neste período

houve um decréscimo de aproximadamente 28% na instauração de comissões

disciplinares, o que, basicamente, significa que o aumento exponencial de

denúncias contra os policiais não representou um proporcional aumento da

instauração de procedimentos punitivos por parte da corregedoria. Mesmo se

levarmos em consideração que o aumento do número de denúncias não

significa necessária e obrigatoriamente ter havido um número maior de 7 Os dados elencados dizem respeito somente aos trabalhos realizados pelas comissões responsáveis pelo

efetivo da Polícia Militar na cidade de Belém e região metropolitana. Portanto, não fazem parte desta tabela os dados das corregedorias responsáveis pelas demais sub-regiões do estado, nem os dados relativos à Polícia Civil e outros órgãos de segurança pública.

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violações - uma vez que esse fenômeno também pode ter sido causado por

uma eventual diminuição da subnotificação - os números são espantosos tendo

em vista que não houve nesses dois anos nenhuma mudança significativa da

política do estado em relação à facilitação do recebimento das denúncias ou

qualquer tipo de incentivo para quem queira fazê-la.

A enorme discrepância entre o número de denúncias feitas e os

números correspondentes dos membros da polícia acusados e condenados é

reveladora das falhas, das limitações e da ausência de isenção dos

mecanismos de controle interno da polícia paraense. Os dados nos permitem

inferir que, para além da quantidade substancial de tempo que os policiais

corregedores levam para investigar minuciosamente as violações praticadas e

do eventual comprometimento destes com uma espécie de subcultura

tradicional da instituição, há ainda a pouca ou nenhuma proteção dada às

vítimas e às testemunhas que, algumas vezes, sentindo-se ameaçadas e

pressionadas, resolvem calar ou mudar o depoimento inicial, o que propicia o

encerramento prematuro da apuração e inviabiliza a eventual punição do

policial transgressor. Assim sendo, seja por corporativismo, seja por falta nas

ferramentas adequadas de trabalho em decorrência do número relativamente

pequeno de policiais que compõem as corregedorias em comparação com o

número de alegações e denúncias recebidas, o fato é que a maioria dos casos

que chega à corregedoria simplesmente não evoluem em direção à conclusão

esperada pela sociedade.

A Violação dos Direitos Humanos como um

Problema de Gestão

Uma das dificuldades cruciais para quem exerce atividades de

gestão em uma instituição policial provavelmente é a de zelar para que o

policial e, consequentemente, a polícia, enquanto instituição, mantenha-se

íntegra e conquiste o respeito da sociedade; tal tarefa envolve a tentativa de

produzir a uniformidade de comportamentos dos subordinados em uma

atividade permeada de subjetividade, de discricionariedade e que ocorre

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essencialmente distante da observação direta do gestor. Nessas condições, a

busca da integridade tanto individual quanto organizacional torna-se um

processo altamente desgastante porque expõe constantemente a polícia e

seus gestores à crítica generalizada, de uma lado, e à utilização política de

suas falhas, de outro.

Klockars et al (2000) definiu integridade da polícia como a inclinação

dos policiais a resistir as tentações de abusar dos direitos e privilégios

aproveitando-se da função que exercem. Esta definição realça aquilo que

parece ser, ao mesmo tempo, o sonho e o pesadelo de todo gestor sério e

comprometido, que é a tarefa de construir um ambiente organizacional que

promova e apoie a conduta ética por parte dos policiais individualmente e, ao

mesmo tempo, promova na instituição policial como um todo um profundo e

efetivo engajamento na tentativa de suprimir os comportamentos considerados

problemáticos; em síntese, o sonho/pesadelo com que os gestores das

instituições de segurança pública se debatem é provocado pela necessidade

inadiável de fazer com que o trabalho policial possa fluir pautado numa visceral

rejeição à transgressão de qualquer tipo, especialmente aquelas relacionadas

às violações de direitos.

Os dados colhidos dos depoimentos dos sujeitos desta pesquisa

mostram que, na Polícia Militar do Estado do Pará, a questão da integridade

policial não é uma das preocupações mais prementes, na medida em que não

existe uma política organizacional claramente definida em relação à questão

dos direitos humanos levada a efeito como uma estratégia global da instituição.

Os indicativos dessa ausência aparecem na Figura 01 logo abaixo:

Fonte: Pesquisa de campo

Figura 01: Adaptação do código de ética adoutrina de direitos humanos(a) e causas das limitações/inadequações da formação dos gestores compatíveis coma doutrina de Direitos Humanos, na opinião dos Capitães da PMPA Pará. Belém. Maio de 2012.

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A figura mostra que 47%, quase a metade dos capitães que

responderam ao questionário, não consideram que o código de ética, que é o

documento que regula mais direta e especificamente a atividade policial tenha

sido adequadamente adaptado para servir de balizamento aos policiais quanto à

adequação de suas atividades a doutrina de respeito aos direitos humanos.

Perguntamos a esses policiais se eles acreditavam haver limitações ou

inadequação na formação dos gestores da instituição que poderiam de alguma

forma comprometer sua capacidade de atuar sobre as transgressões dos

subordinados na questão específica da violação dos direitos humanos. A esse

questionamento 71% opinaram que a doutrina de direitos humanos não está

solidiamente introjetada entre os gestores8. Indagados sobre as causas dessa

falha de formação gerencial os resultados mostram que, na opinião 86% desses

oficiais, há um agudo desconhecimento tanto na tropa em geral como entre os

próprios gestores a respeito da doutrina de Direitos Humanos9. Uma parte notável

dos entrevistados considera que o tipo de formação que os policiais recebem, que

os prepara para serem guerreiros, muito mais que guadiões da lei e protetores da

sociedade, é que faz com que na tentativa de desempenhar essa suposta função

guerreira, a violação de direitos dos cidadãos se torne uma prática mais ou menos

generalizada. A Figura 01 mostra que 57% dos oficiais atribuíram a esse fator,

algumas vezes também conjugado com o desconhecimento, como um dos fatores

explicativos da sistemática violação dos direitos humanos praticada por policiais

militares10.

As opiniões descritas na Figura 01 revelam-se especialmente

importantes por terem sido colhidas entre oficiais no posto de capitão, ou seja,

que se encontram em uma posição intermediária do oficialato. Tal

peculiaridade lhes permite falar com algum conhecimento de causa, pois num

passado recente, na condição de aspirantes e tenentes, estavam em contato

direto com o que pensavam os praças e, atualmente, têm um pouco mais de

acesso ao que pensam os oficiais superiores; ou seja, além de representarem

uma avaliação interna razoavelmente qualificada sobre a atuação da instituição 8 Os 71% das opiniões estão assim distribuídas: 48% concordam plenamente e 23% concordam em parte.

9 Os 86% das opiniões estão assim distribuídas: 22% concordam plenamente e 64% concordam em parte. 10

Os 57% das opiniões estão assim distribuídas: 22% concordam plenamente e 35% concordam em parte.

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frente ao problema, também representam a possibilidade de que possam ter

atuações mais sintonizadas com a doutrina de direitos humanos quando

chegarem do topo de suas carreiras.

Pelo que mostram os dados, os gestores da Polícia Militar do Estado

do Pará padecem, talvez com diferenças apenas quanto ao grau e à extensão,

dos mesmos problemas que sofrem os gestores de polícias de outras regiões

do Brasil e de outras partes do mundo. Ou seja, os gestores estão cientes de

que implantar a doutrina de direitos humanos como uma política organizacional

é uma prioridade. Todavia, não são capazes de mobilizar uma política interna

efetiva voltada para esta questão, seja porque não acreditam em sua eficácia,

seja porque têm uma visão distorcida acerca dos direitos humanos, seja, ainda,

porque compreendem que isso envolveria uma completa reconfiguração dos

valores e práticas da instituição, e isso certamente é mais fácil dizer do que

fazer (MENKE, WHITE e CAREY, 2002; BITTNER, 2003; BAYLEY e

SKOLNICK, 2006).

É por isso que uma parte considerável dos gestores da polícia

continua a fechar os olhos para o problema da violação dos direitos humanos

por parte de seus subordinados. Isso não acontece necessariamente porque

eles são cúmplices ou toleram a violação - embora algumas vezes seja

exatamente este o caso - mas sim porque são irremediavelmente mal

equipados e mal preparados para lidar com as consequências da adoção de

medidas efetivamente drásticas contra seus próprios subordinados pela

repercussão que isso poderia ter tanto interna quanto externamente, uma vez

que também tornaria mais exposta a instituição às críticas da imprensa e a

reprovação da sociedade. Consequentemente, os gestores que ocupam postos

intermediários possivelmente se sentem inadequadamente apoiados pela

instituição para iniciar medidas disciplinares rigorosas, sem a certeza de que

receberão apoio dos escalões superiores e do próprio poder executivo estadual

ao qual a corporação está diretamente subordinada. De fato, iniciar uma ação

disciplinar contra um “membro-problema” da instituição, contrariando a

subcultura interna e os valores cultivados pela corporação, poderia levar a

consequências negativas para um gestor, na medida em que o mesmo poderia

ser percebido pelos próprios subordinados como alguém que provavelmente

tem algum motivo escuso e pessoal; desta feita, o gestor poderia ver as ações

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questionadas quanto à sua motivação e terminar se transformando de

investigador em investigado. Ou seja, um gestor rigoroso poderia ser acusado

de perseguição pelos subalternos ou, se não acusado, pelo menos ser

percebido dessa forma e tornar-se alguém em que os comandados não podem

confiar. Os gestores também podem ser formal ou informalmente acusados de

preconceito e discriminação como resultado de uma ação disciplinar. O tipo de

repercussão negativa que isso poderá ter dependerá muito do tipo de rede de

relações que gestor e seu eventual acusador/denunciador eventualmente tenha

construído e das circunstâncias em que tais acusações tiverem sido feitas.

As consequências desse impasse fazem com que normalmente os

gestores busquem as soluções menos problemáticas, a menos que sejam

efetivamente pressionados para se posicionarem de forma diferente. De acordo

com Haarr (1997), a maioria dos gestores considera que é mais fácil obter o

cumprimento geral dos seus subordinados se não usarem uma abordagem

punitiva. Para este autor, policiais de linha de frente geralmente só tomam

medidas disciplinares se diretamente instruídos por seus superiores, pois isso

lhes proporciona a desculpa de que eles estão apenas obedecendo ordens

superiores. Em muitos casos, os gestores fazem “vista grossa” às

transgressões praticadas pelos subordinados e com isso se fortalece o código

de silêncio que é característico da cultura policial (REINER, 2012; TYLER,

2004).

A Resposta da Instituição Policial em Termos de Formação/Qualificação na Doutrina de Direitos Humanos

Uma das respostas mais corriqueiras das polícias brasileiras quando

são confrontadas com os casos de violação de direitos praticadas por policiais

é a tentativa de desconectar o delito praticado do comportamento normal da

tropa. É comum atribuir tal comportamento a alguns desviantes e chamar a

atenção para o baixo percentual que eles representam diante do universo de

policiais que compõem a corporação.

Newburn (1999) comenta que uma das principais fontes dos desvios

de conduta de policiais e onde também podemos depositar as maiores

esperanças na abordagem desse problema é justamente o recrutamento, no

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estágio inicial de formação e no processo contínuo de capacitação. Para este

autor, o recrutamento se destaca como uma das áreas mais críticas, pois a

utilização de critérios inadequados de triagem durante esse processo e a

ausência de um acompanhamento sistemático durante a formação e após sua

entrada do policial no serviço efetivo podem desempenhar um papel importante

na forma como tais policiais lidarão com as questões do respeito aos direitos

humanos e, consequentemente, com o maior ou menor número de denúncias a

serem investigadas pela corregedoria de polícia.

A ausência de critérios tecnicamente definidos, com base em perfil

psicológico e testes vocacionais, comenta Newburn (1999), produz um grande

número de “policiais-problema”, os quais, encontrando um ambiente

organizacional já contaminado por práticas delituosas e uma corregedoria

fragilizada, conseguem manter-se e até progredir hierarquicamente na

instituição, apesar das transgressões que praticam. A falta de uma política de

respeito aos direitos humanos consolidada internamente e a baixa valorização

profissional do policial militar e mais a reduzida perspectiva de projeção na

carreira profissional, principalmente na categoria de praças11, faz com que a

instituição acabe por atrair pessoas que não têm uma efetiva vocação para a

atividade policial; alguns batem as portas da polícia simplesmente porque esta

é a oportunidade de trabalho que se lhes apresenta. Além disso, a ausência de

uma formação especificamente voltada para a introjeção da doutrina de direitos

humanos está quase ausente, restringindo-se a uma reduzidíssima parcela da

carga horária do curso de formação. Outro fator limitante em relação a essa

questão diz respeito ao fato de que tal doutrina não faz parte da política de

avaliação dos policiais com vistas a sua promoção na carreira, ou seja, não

existe um critério de avaliação do trabalho policial para sua promoção na

carreira que esteja diretamente vinculado à sua experiência com os direitos

humanos. Um indicador da dimensão desse problema na Polícia Militar do

Estado do Pará pode ser encontrado nos dados revelados na Figura 2 , a

seguir:

11

Praças formam uma categoria de policiais que vai do posto de soldado ao posto de suboficial. Os oficiais formam outra categoria que começa em aspirante e atinge o ápice no posto de coronel.

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Os dados mostram que, quando questionados em relação à

existência de programas que orientem os policiais especificamente sobre os

direitos humanos, 56% dos oficiais entrevistados entendem que existem

programas que orientam os PMs, todavia 44% opinam que tais programas não

existem; quanto à fonte de conhecimento em relação aos direitos humanos,

56% dizem ter tomado conhecimento nos cursos de formação da PM/PA, 37%

citam que tomaram conhecimento em cursos realizados pela Secretaria

Nacional de Segurança Pública (SENASP) e 7% tiveram contato com a

temática em cursos realizados nas universidades. Vale ressaltar que a carga

horária dedicada a essa temática tanto nos cursos de formação quanto nos de

aperfeiçoamento ofertados nos convênios feitos pela Polícia Militar do Estado

do Pará com a Universidade Federal do Pará (UFPA) é extremamente

reduzida. Tais conteúdos estão lá presentes muito mais para cumprir uma

exigência da instituição que financia os cursos do que como parte importante

de uma política organizacional levada a efeito pela Secretaria de Segurança

Pública; em relação à reciclagem especificamente voltada aos ensinamentos

sobre direitos humanos e a incorporação de tal doutrina ao código de ética da

Figura 02: a)Existência de programas de DH na PMPA (b), origem/fonte do conhecimento sobre DH (c), reciclagens realizadas sobre DH (d) e adaptação do Código de Ética da PMPA aos DH (c), na opinião dos Capitães PMPA. Belém. Maio de 2012.

Fonte: Pesquisa de campo

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PM/PA, existe um equilíbrio estatístico entre os que concordam (53%) e

discordam (47%) que tal incorporação tenha sido feita. A respeito dessas duas

últimas questões é no mínimo preocupante que praticamente metade dos

policiais na categoria de capitães não consiga identificar a existência de

atividades de ensino e reciclagem voltadas para esta questão, sendo que

essas ausências estão entre as que produzem na mídia o maior número de

projeções negativas da imagem da polícia.

Os dados da Figura 3, apresentados a seguir, oferecem indicações

bastante interessantes das causas pelas quais, historicamente, a Polícia Militar

do Estado do Pará tem sido incapaz de coibir com eficiência as práticas de

violação de direitos dos cidadãos praticada por seus policiais, a não ser em

casos esporádicos e sob forte pressão da mídia. Se a corporação, através de

seus mecanismos de controle interno, for incapaz de tomar medidas

significativas contra os policiais que cometem esse tipo de delito e está técnica

e politicamente impossibilitada de induzir a implantação de um programa de

formação em direitos humanos em larga escala capaz de atingir o

recrutamento, a formação e todos os processos de avaliação pelos quais

deveriam passar os policiais, então todas as outras iniciativas para combater

ou prevenir esse tipo de prática estarão seriamente comprometidas desde o

seu nascimento. Se o problema tem sua raiz na formação e na falta de

acompanhamento sistemática da vida profissional do policial, apenas aumentar

o conteúdo punitivo das sanções fazendo da corregedoria uma espécie de

“polícia da polícia” também não vai resolver o problema (JOHNSTON, 2002).

Como consequência da falta de uma política de recrutamento e

formação voltada para a consolidação de uma mentalidade de respeito aos

direitos humanos é possível inferir que, quanto mais negligenciada é esta

questão no âmbito da formação e da avaliação contínua dos policiais, mais

prováveis serão as dificuldades para controlar as características

organizacionais tradicionais arraigadas como, por exemplo, o uso sistemático e

excessivo da força, o desrespeito e a ameaça. Não é por coincidência que

esses são os mais graves problemas com os quais se deparam os

coordenadores de equipes de policiais militares da área operacional. Como

fruto de sua experiência pessoal, os capitães que responderam aos

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questionários apontaram os motivos que constam do quadro abaixo como os

mais frequentemente percebidos em sua experiência profissional:

Na opinião dos capitães, as denúncias mais comuns estão

representadas pelas agressões físicas, que somam 67% dos casos, seguidas

pelo desrespeito, que soma 16%, pela tortura, que representam 7% e pelo

abuso de autoridade e extorsão, que editam 5% das denúncias, cada. Em

relação às características dos policiais militares mais comumente envolvidos

em violações dos direitos humanos, na percepção dos capitães, 88% refere-se

a casos em que o policial envolvido parece estar estressado além do que é

comum ao dia-a-dia da profissão; 88% dos entrevistados também consideram

que esse tipo de violação ocorre com policiais que já tem normalmente um

comportamento violento, independentemente do nível de estresse; 67%

acreditam que os policiais envolvidos em violação dos direitos humanos, em

sua maioria, são os mesmos que normalmente têm problemas e estão

envolvidos com outras formas de indisciplina.

Obviamente, se estiver correta a percepção dos capitães a respeito

do perfil do policial que normal comete violações, como mostra a Figura 03,

isso novamente chama a atenção para o problema da formação, da

capacitação e do acompanhamento sistemático das atividades desses

profissionais, pois, se os fatores indutores das práticas violentas estão

relacionados com as características pessoais dos policiais e também

ambientais, necessário seria uma maior atuação da instituição no sentido de

Figura 03: Denúncias mais comuns (a) e características dos Policiais Militares que violam os direitos humanos (b), na opinião dos Capitães da PMPA. Belém. Maio de 2012.

Fonte: Pesquisa de campo

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prepará-los para lidar com situações-limite, além de um processo mais efetivo

de acompanhamento de suas atividades. Newburn (1999), por exemplo,

identifica entre os fatores causais ambientais que poderiam afetar o policial a

ponto de levá-lo a cometer transgressões, estão, primeiramente a baixa

visibilidade que tal atividade tem dos gestores da instituição, uma vez que as

mesmas ocorrem predominantemente na rua; indica, também, a constante e

diária exposição à violência e a relações estressantes com a comunidade como

fatores igualmente importantes para a construção do contexto indutor da

transgressão. Nesse sentido, a inexistência de um programa de treinamento

específico capaz de tornar os policiais adequadamente capacitados para

suportar com equilíbrio as situações de estresse a que são submetidos

cotidianamente aponta para aquela que seria uma das falhas fundamentais da

formação. O policial deveria ser devidamente qualificado para enfrentar tais

desafios, ao mesmo tempo em que deveria ser a meta prioritária da instituição

policial inculcar o paradigma do respeito aos direitos humanos desde sua

entrada como candidato até o dia de sua aposentadoria. Ou seja, os valores

democráticos aplicados às técnicas de policiamento e o respeito aos direitos

humanos como princípio norteador de suas ações deveriam ser os elementos

estruturadores da formação e capacitação do policial em toda a sua carreira.

Mas não o são.

Conclusão

Os dados acima apresentados mostram que as violações aos

direitos humanos constituem praticamente uma regra na Polícia Militar do

Estado do Pará porque ocorrem de forma sistemática, associadas às

subculturas internas das instituições policiais e à fragilidade os mecanismos de

controle interno como, por exemplo, a corregedoria. Os contornos desse

problema deixam à mostra as fragilidades organizacionais e, principalmente, a

incapacidade da corregedoria de polícia de dar conta de suas atribuições

formais plenamente.

Outro dado importante é que, antes de cobrar dos policiais de rua

(operacionais) um comportamento de acordo com o que preceituam os

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princípios de respeito aos direitos humanos, é preciso que tal doutrina se torne

parte de uma política compreendida e adotada por toda a instituição e,

principalmente, pelos gestores. Sem esta adesão generalizada e sem um

processo persistente de formação e cobrança, o trabalho realizado pela

corregedoria está fadado a se tornar uma espécie de pano de Penélope12 que é

feito e desfeito todos os dias sem conseguir chegar a nenhum resultado

consistente.

Essa mudança de foco está diretamente relacionada com a

redefinição do papel da corregedoria de polícia que precisa deixar de ser um

incipiente controle punitivo para se tornar a principal indutora das ações

capazes de levar a instituição policial a se pautar-se pelas boas práticas. Tais

medidas certamente podem ajudar os gestores em geral e os corregedores, em

especial, na identificação das principais características organizacionais que

promovem ou dificultam a assimilação dos princípios e valores ligados aos

direitos humanos. É preciso também fazer com que os gestores sejam

cobrados e responsabilizados pelas posturas que assumem diante do

comportamento ou ações daqueles sobre os quais detêm autoridade, exigindo-

se deles também uma postura coerente e de acordo com a lei e não com o

corporativismo, a indiferença e as práticas de acobertamento dos erros. É

preciso que tais gestores - façam eles parte das corregedorias ou estejam em

outros postos de comando da instituição - mudem sua atitude diante da

violação aos direitos passando de uma cultura policial indiferente ou tolerante

para uma que tenha sempre como meta impedir que as violações aconteçam.

Para que isso aconteça é preciso mais do que a sua simples vontade e

capacidade de fazer uso adequado do sistema disciplinar formal da instituição

através da corregedoria. É fundamental que eles sejam capazes de exibir

atitudes e comportamentos que reflitam os valores e o ethos de um

policiamento profissional moderno, cujo trabalho deve estar sempre em

consonância com o estado democrático de direitos e no respeito aos direitos

fundamentais do cidadão.

12

Penélope, esposa de Ulisses, um dos heróis gregos da guerra de Tróia, para conseguir frustrar a intenção dos pretendentes que queriam desposá-la, disse a eles que se casaria quando tivesse terminado de tecer um pano. Para retardar o término do trabalho usava o artifício de, secretamente, desfazer a noite tudo que fazia durante o dia.

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Embora os resultados preliminares aqui apresentados tragam

informações importantes, eles também apresentam algumas limitações. Uma

das primeiras refere-se ao fato de que a pesquisa foi feita apenas com capitães

e uma parte considerável das informações foi construída com base na

percepção dos entrevistados; o aspecto limitador está relacionado à própria

composição dos grupos que responderam aos questionários, uma vez que

representam um segmento da polícia relativamente homogêneo e de

característica bem específicas, se comparado com os outros estratos da

instituição. Outro aspecto importante é que os mesmos fazem parte do nível

intermediário da carreira de oficiais, o que nos leva a reconhecer que se o

estudo fosse realizado transversalmente, incluindo todas as categorias de

oficiais (inclusive os de alta patente) e todas as categorias de policiais praças,

os resultados aqui apresentados poderiam ser bem diferentes.

Uma segunda limitação refere-se ao fato de que o estudo foi feito

somente com oficiais que desenvolvem suas atividades na cidade de Belém,

em uma região de características extremamente peculiares, como é a

Amazônia. Isso faz com que os resultados não possam ser generalizados como

se representassem a opinião de todos os policiais do Estado do Pará, nem de

todos os oficiais da PM/PA, nem mesmo de todos os capitães da instituição,

uma vez que, policiais lotados no interior do Estado enfrentam condições de

trabalho consideravelmente diferentes que poderiam alterar de maneira radical,

para melhor ou para pior, as opiniões apresentadas aqui apresentadas.

Uma terceira limitação refere-se ao fato de que os dados foram

coletados com a aplicação de um questionário adaptado do modelo

normalmente conhecido como Escala Likert. Os críticos dessa estratégia

normalmente argumentam que os resultados conseguidos por esse meio

podem estar sujeitos a distorções por diversas causas, entre outras, porque

aqueles que respondem a esse tipo instrumento de coleta de dados podem

deliberadamente evitar o uso de respostas extremas, podem artificialmente

concordar com afirmações apresentadas ou podem, através de suas respostas,

tentarem mostrar imagem de si ou da sua instituição apenas no que tiver de

mais favorável. Infelizmente, esta é uma dificuldade que assumimos e que,

aliás, carregam grande parte das pesquisas feitas nas Ciências Sociais. Este,

portanto, é um ônus que conscientemente assumimos.

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Este trabalho tem o mérito de chamar a atenção para a importância

de incluir medidas de controle mais efetivo do trabalho policial, o fortalecimento

dos departamentos de controle interno e a necessidade de cobrar dos gestores

da instituição uma postura mais ostensivamente atuante na defesa da

vinculação da qualidade do trabalho policial ao respeito dos direitos humanos.

A continuação da pesquisa da qual esse texto é apenas uma parte, poderá

certamente incluir novos dados que, obviamente, não puderam ser aqui

apresentados. Próximos trabalhos e novas pesquisas poderão investigar

melhor os dados e percepções da sociedade e dos estratos profissionais que

não foram abordados neste texto sobre as atividades da corregedoria e dos

gestores da polícia relacionadas à questão dos direitos humanos.

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