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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE E PRÉ-ALAS BRASIL 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI. GT 25 – Violência, Polícia e Prisão: Olhares, saberes e dimensões institucionais no Brasil AGENTES PRISIONAIS: PERCEPÇÕES E CONFLITOS DE UMA PROFISSÃO DE RISCO AUTOR: João Francisco Garcia Reis CO-AUTOR: Jaime Luiz Cunha de Souza CO–AUTOR: Luiz Fernando Cardoso CO–AUTOR: Daniel Chaves Brito

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E

NORDESTE E PRÉ-ALAS BRASIL

04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI.

GT 25 – Violência, Polícia e Prisão: Olhares, saberes e

dimensões institucionais no Brasil

AGENTES PRISIONAIS:

PERCEPÇÕES E CONFLITOS DE UMA PROFISSÃO DE RISCO

AUTOR: João Francisco Garcia Reis

CO-AUTOR: Jaime Luiz Cunha de Souza

CO–AUTOR: Luiz Fernando Cardoso

CO–AUTOR: Daniel Chaves Brito

AGENTES PRISIONAIS:

PERCEPÇÕES E CONFLITOS DE UMA PROFISSÃO DE RISCO

João Francisco Garcia Reis1

Jaime Luiz Cunha de Souza2

Luis Fernando Cardoso e Cardoso3

Daniel Chaves Brito4

Resumo

Este trabalho tem por objetivo caracterizar o perfil dos Agentes Prisionais das instituições penitenciárias localizadas na Grande Belém, captar as percepções desses servidores em relação aos aprisionados e a sua própria atividade profissional, analisar aspectos das suas atividades cotidianas com a direção, aprisionados e outros servidores, focalizando os conflitos vivenciados no dia a dia das casas penais. A coleta de dados foi realizada em novembro/2011 e envolveu 70 Agentes Prisionais. A metodologia está calcada na análise das experiências, expectativas e visão em relação aos presos. O estudo discute aspectos como disciplina, confiança, medos, preconceitos, relações formais e informais, dentre outros, com o fito de entender as complexas relações estabelecidas no interior da prisão.

Palavras - chave: Agentes Prisionais, perfil socioeconômico, análise dos resultados.

Abstract

This work aims to characterize the profile of the Agents of the Prison penal institutions located in Belém, captures the perceptions of these servers and imprisoned in relation to their own professional activity, examine aspects of their daily activities with the direction, imprisoned, and other servers, focusing the current conflicts in everyday homes criminal. Data collection was performed in 70 and involved agents November/2011 Prison. The methodology is grounded in the analysis of the experiences, expectations and vision in relation to prisoners. The paper discusses aspects such as discipline, confidence, fears, prejudices, formal and

1 Mestrando do Mestrado Profissional em Defesa Social e Mediação de Conflitos (MPDSMC) da Universidade Federal do Pará. Contato: [email protected] 2 Doutor em Ciências Sociais, Professor da Faculdade de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA (FCS/UFPA), do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA (PPGCS/UFPA) e do Mestrado Profissional em Defesa Social e Mediação de Conflitos, da UFPA (MPDSMC/UFPA). Contato: [email protected] 3 Doutor em Antropologia Social, Professor da Faculdade de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA (FCS/UFPA), do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA (PPGCS/UFPA) e do Mestrado Profissional em Defesa Social e Mediação de Conflitos, da UFPA (MPDSMC/UFPA). Contato: [email protected] 4 Doutor em Sociologia, Professor do Mestrado Profissional em Defesa Social e Mediação de Conflitos, da UFPA (MPDSMC/UFPA). Contato: [email protected]

informal relationships, among others, with the aim of understanding the complex relationships established within the prison. Key - words: prison staff, socioeconomic profile, analysis of results.

Introdução

Este texto analisa o trabalho dos Agentes Prisionais, suas percepções e

os conflitos que enfrentam. A tarefa que desempenham é permeada de

ambiguidades e pode ser definida como, caracteristicamente, uma atividade de

risco. Em essência, consiste em lidar com os apenados recolhidos em

estabelecimentos prisionais, com o objetivo de mantê-los sob a custódia do Estado e

de acordo com as determinações do Poder Judiciário, fazendo-os também cumprir

as normas estabelecidas pela instituição.

De acordo com o perfil apresentado pelo DEPEN5 (Departamento

Penitenciário Nacional) o agente penitenciário realiza um importante serviço público

de alto risco, por salvaguardar a sociedade civil, contribuindo através do tratamento

penal, da vigilância e custódia da pessoa presa no sistema prisional, durante a

execução da pena de prisão, ou de medida de segurança, conforme determinadas

pelos instrumentos legais.

O efetivo exercício da função requer, pois, um engajamento e um

compromisso para com a instituição a que pertençam, devem ter atitudes

estratégicas e criteriosas, para corroborar com mudanças no trato do homem preso,

e realizá-las com espírito de legalidade e ética. Todavia, em sua prática cotidiana,

essa tarefa se revela extremamente complexa, na medida em que eles têm que

tentar conciliar a necessidade de aproximar-se dos aprisionados com o intuito de

identificar suas intenções para se antecipar as suas tentativas de fuga e mediar os

conflitos entre os mesmos, bem como, têm que manter uma distância segura, a fim

de que, como parte do staff da instituição, possam fazer valer as regras do

estabelecimento e as determinações da direção da casa penal.

5 O documento intitulado Perfil do agente Penitenciário se encontra disponível em: <http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/manual_agente_pen.pdf>.

A importância de dirigir o olhar para a complexa rede de fatores ligados às

atividades dessa categoria profissional pode ser estimada pela dimensão da

população de aprisionados existente no Brasil e também pelo considerável número

de Agentes Prisionais necessários para mantê-los sob custódia. Aproximadamente

203.446 presos6 comuns estão atualmente cumprindo pena em regime fechado no

Brasil, em 151.824 estabelecimentos prisionais fechados (sendo 151.364 estaduais

e 460 federais) e centenas de delegacias de polícia. Para zelar pela custódia desses

indivíduos existem aproximadamente 65.794 Agentes Penitenciários, a absoluta

maioria deles exercendo suas atividades em estabelecimentos penais precários com

riscos à integridade tanto dos apenados quanto dos Agentes Prisionais.

De acordo com o relatório da Anistia Internacional intitulado Documento

“Brazil: 'Subhuman': Torture, overcrowding and brutalisation in Minas Gerais police

stations”7, o elevado número de presos no sistema penal não é apenas imputável às

autoridades estaduais ligadas à administração do sistema carcerário; o relatório

salienta que o uso de sentenças cada vez mais punitivas contra pequenos infratores,

usuários de drogas, muitas vezes, têm contribuído diretamente para o número

excessivo de detidos na prisão.

Ainda segundo esse relatório, a insistência por parte do Ministério Público

em processar os infratores acusados de pequenos delitos, e a relutância do

Judiciário em não concordar com a aplicação de penas alternativas têm,

indubitavelmente, acrescido um fardo insustentável no sistema penal.

No Estado do Pará, o número de presos cumprindo pena em regime

fechado é de cerca de 4.969, o número de presídios para acolher essa população

carcerária é de somente de 25 casas penais que contam com 1.869 Agentes

Prisionais8, em sua quase totalidade, trabalhando como servidores temporários, sem

6 Informação referente ao mês de dezembro de 2011, do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, disponível em: <http://portal.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>, acesso em 20 de março de 2012. 7 Este relatório foi feito pela Anistia Internacional e publicado no ano de 2002. Disponível no site: <http://www.amnesty.org > 8 Informação referente ao mês de dezembro de 2011, do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, disponível em:

estabilidade no emprego, o que impede sua qualificação profissional no trabalho,

condição que, por si só, adiciona ainda mais dificuldades ao já problemático,

superlotado e insalubre Sistema Penitenciário Paraense.

Nesses estabelecimentos, os motins semanais e incidentes violentos

passaram a fazer parte da rotina, o que sugere que as prisões e carceragens de

delegacias não estão sendo efetivamente administradas pelo sistema prisional, ou

seja, em muitos casos, parte do controle das casas penais está nas mãos dos

detentos.

Ademais, é possível afirmar que o número e a qualidade dos Agentes

Prisionais estão diretamente relacionados à perda de parte do controle dos

estabelecimentos e também afetam as condições de detenção e o tratamento dado

aos prisioneiros. Níveis muito baixos de qualificação profissional, via de regra,

descambam para a utilização de métodos violentos e ilegais por parte dos

funcionários, com o intuito de reconduzir a ordem quando esta se encontra

comprometida.

Com efeito, a falta de pessoal aumenta a probabilidade de que os

Agentes Penitenciários recorram à força excessiva e arbitrária, aos maus-tratos e à

tortura como meio de manter o controle sobre os aprisionados e ao mesmo tempo

aumenta os riscos aos quais estes passam a estar submetidos em função da

possibilidade de represália por parte dos presos.

Esse contato direto e cotidiano gera consequências extremamente

danosas para a integridade física e mental tanto dos detentos quanto dos Agentes

Prisionais. Desde 1999, o relatório da Anistia Internacional intitulado “Document -

Brazil no one here sleeps safely human rights violations against detainees”9, já

alertava que muitos agentes sofrem exposição a doenças infecciosas, além de

possuírem um segundo emprego, por exemplo como guardas de segurança, em

seus dias de folga.

<http://portal.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>, acesso em 20 de março de 2012. 9 Este relatório foi feito pela Amnistia Internacional e publicado no ano de 1999. Disponível em: <http://www.amnesty.org>.

Uma segunda jornada de trabalho, além daquela desempenhada no

estabelecimento prisional, gera uma sobrecarga de atividades que, combinada com

o estresse constante de sua atividade como agente prisional, frequentemente induz

esses funcionários a estarem vulneráveis ao alcoolismo e ao abuso de drogas. Tais

fatores são reafirmados por Adorno (1998), quando este nos esclarece que:

O despreparo e a formação direta no mundo da violência, baixos salários, péssimas condições de trabalho, inexistência de carreiras que permitam ascensão na escala funcional, número insuficientes de pessoal comparativamente ao tamanho da população prisional, regime de trabalho estafante e estimulante do descontrole emocional, contribuem para perpetuar e recrudescer esse círculo de violência que envolve o apenado e o agente penitenciário. (ADORNO, 1998, p 1023).

Todos os fatores mencionados anteriormente, isoladamente e em

conjunto, impactam direta e negativamente no trabalho do agente prisional, pois, em

função do seu contato próximo com os aprisionados, ora são considerados vítimas,

ora são considerados algozes de todo esse processo sem que a sua percepção

dessa questão seja conhecida ou mesmo levada em consideração.

Trabalhando numa atmosfera de violência e intimidação, combinada com

as condições degradantes de detenção, os Agentes Penitenciários frequentemente

estão vulneráveis ao ataque e tomada de reféns por prisioneiros, especialmente

quando entram nos blocos carcerários o que os coloca em risco de serem mortos

nessas circunstâncias. Esse medo diário de ataque aumenta os níveis de estresse

desses funcionários, podendo inclusive levar ao aumento da incidência de

problemas de saúde mental.

Para tentar trazer um pouco mais de informação sobre essa obscura

atividade, a respeito da qual existem muitos equívocos e preconceitos, é que

buscamos através desta pesquisa traçar um perfil desses trabalhadores e ao mesmo

tempo descrever suas percepções a respeito do ambiente profissional no qual

atuam. Nossa intenção é mostrar como esses profissionais compreendem suas

atividades dentro da instituição prisional, como percebem os presos e como

constroem os processos de socialização nesse ambiente que, para muitos, revela-se

extremamente hostil e insalubre.

Os dados apresentados neste trabalho foram extraídos dos 70 (setenta)

questionários semiestruturados aplicados aos Agentes Penitenciários que prestam

serviço em sete casas penais e três centros de triagem, a seguir listados: Centro de

Recuperação do Coqueiro, (CRC), Centro de Recuperação Feminino (CRF),

Presídio Estadual Metropolitano I (PEM I), Presídio Estadual Metropolitano II (PEM

II), Presídio Estadual Metropolitano III (PEM III), Centro de Recuperação

Penitenciário do Pará III (CRPP III), Centro de Triagem da Marambaia (CT-MA),

Centro de Triagem da Cremação (CT-CREMA) e Centro de Triagem da Cidade Nova

(CT-CN), de um total de dezoito casas penais da região Metropolitana de Belém. O

grupo amostral corresponde a aproximadamente a 3,8% de todos os Agentes

Penitenciários do Estado do Pará.

O Perfil dos Agentes Penitenciários

A maioria das pessoas que atualmente desenvolvem suas atividades em

instituições prisionais não o faz como parte de uma escolha vocacional ou projeto de

vida profissional. Aliás, esta é uma característica que está presente em

estabelecimentos penais de vários lugares do mundo. De acordo com Montandon e

Crettaz (1981)10 as motivações dos Agentes Prisionais são majoritariamente

extrínsecas e completamente diferentes das tarefas que eles terão que cumprir

como parte do seu trabalho. As motivações principais são o desemprego e o salário

garantido no final do mês, ou seja, a escolha da profissão é feita em geral sem

nenhum interesse prévio ou particular pelo sistema correcional. (AYMARD e

LHUILIER, 1993; LOMBARDO, 1981; JACOBS, 1978)11.

De acordo com Jurik (1985)12 as características pessoais dos Agentes

Prisionais tal como o gênero, a idade e a escolaridade estão ligados a certas

atitudes dos mesmos em relação aos detentos. Embora este autor admita que

10

Neste, e em vários outros trechos deste trabalho, são citados autores cujos comentários foram extraídos do relatório publicado no ano de 2000, intitulado LES GADIENS EM MILIEU CORRECTIONNEL RECENSION DES ÉCRITS, que aborda os impactos psicológicos, organizacionais e sociais do trabalho dos agentes prisionais no Canadá. Para assegurar a honestidade intelectual dos autores do presente trabalho quanto a indicação da fonte de tais citações sem estar seguidamente a recorrer a utilização de “apud”, daqui em diante, toda vez que a citação originalmente tiver sido feita no relatório mencionado, advertiremos ao leitor tal fato lembrando, em nota de rodapé, o título do relatório. Tal providência, embora não faça parte das normas da ABNT atualmente em vigor, dará uma melhor fluência e conformidade estética ao texto. 11 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits. 12 Idem.

existam muitos outros pesquisadores que afirmam que os Agentes Prisionais do

sexo feminino tem uma atitude menos punitiva em relação aos detentos e são mais

propensas a admitir a possibilidade de reabilitação dos presos do que os Agentes

Prisionais do sexo masculino. Ele, no entanto, não vê essa relação como digna de

destaque. Para Jurik, os fatores organizacionais do trabalho teriam mais influência

sobre a orientação profissional do Agente Prisional do que a questão de gênero.

O estudo de Poole e Regoli (1980)13 mostra que a orientação disciplinar

aumenta com a experiência dos Agentes Prisionais. Nos estudos norte-americanos

realizados por Farkas (1999)14 os Agentes Prisionais com mais tempo na profissão

são mais propensos a uma atitude mais simpática à ideia de reabilitação do que os

Agentes Prisionais mais jovens.

Poole e Regoli (1980)15 mostram que os Agentes Prisionais que têm um

nível de escolaridade mais alto são mais tolerantes com os detentos, são menos

punitivos e são mais dispostos a ter relações de maior proximidade com os

aprisionados do que os que têm menos escolaridade.

Boyle, Halemba, Jurik e Musheno (1987)16 dizem que os Agentes

Prisionais que têm um nível mais elevado de educação são geralmente menos

satisfeitos em relação ao seu trabalho. Blau, Light e Chamlin (1986)17 mostram que

muitos Agentes Prisionais mencionam a incompreensão por parte dos seus

familiares face aos problemas e incidentes que são obrigados a enfrentar em sua

profissão. No entanto, esses mesmos autores destacam o importante papel que tem

a família como um suporte social e emocional capaz de anular, em parte, os efeitos

do estresse e da ansiedade do trabalho como agente prisional.

Os Agentes Penitenciários também são vítimas de discriminação e

preconceito, talvez por isso alguns deles consigam compreender melhor a

discriminação e o preconceito também existente em relação aos aprisionados, ou

seja, os Agentes Prisionais entendem que os Presos também são discriminados pela

sociedade e estigmatizados nas cadeias. Os depoimentos a seguir são

13 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits. 14 Idem. 15 Idem. 16 Idem. 17 Idem.

esclarecedores de percepção dos Agentes Prisionais sobre os presos quando

afirmam: “[...] são pessoas que estão a margem da sociedade, totalmente

desprovidos de dignidade, tem um passado que foi negado oportunidades à

educação, cultura, lazer e ao conhecimento[...]”.18 em outro entrevista, o entrevistado

assevera “[...] São pessoas humanas, sem conhecimento, sem valores morais e

éticos, e abandonados pelos órgãos governamentais [...]”19. Outros Agentes

Penitenciários fazem comentários na mesma linha, indicando que a discriminação

está presente nas Casas Penais.

Observa-se que são incrivelmente semelhantes os comentários desses

Agentes Penitenciários, fruto de suas vivências empíricas, com os comentários feitos

por Wacquant (2001a) quando este diz que, ainda nos dias de hoje, “a discriminação

e a desvalorização dos seres humanos que convivem na cadeia é uma realidade

tristemente presente, pois, a gestão policial e carcerária da insegurança social tem

como efeito o controle dos membros da “gentalha” infame, mas tem também o efeito

de confirmar seu status e recompor suas fileiras”. (WACQUANT, 2001a, p. 7).

A figura a seguir mostra o perfil dos Agentes Prisionais da Região

Metropolitana de Belém e permite traçar um perfil e comparar suas vivências com o

que vem sendo observado em pesquisas realizadas em outros países.

18 Declaração de uma Agente Penitenciária da Central de Triagem, que tem 46 anos de idade, trabalha na Superintendência do Sistema Penal a 03 anos como servidora temporária, possui o ensino médio completo. 19 Declaração de um Agente Penitenciário do CTM I, que tem 39 anos de idade, 12 anos de serviço como servidor temporário na Superintendência do Sistema Penitenciário, possui o ensino médio.

1. Caracterização dos Agentes Penitenciários da Região Metropolitana de

Belém

Figura 01: percentual de caracterização dos Agentes Prisionais da Região Metropolitana de Belém, por estado civil (a), por sexo (b), por nível de escolaridade (c) e por faixa etária (d). Belém. Novembro. 2011.

Fonte: Pesquisa de Campo

Os dados coletados mostram que estado civil declarado indica que 44%

dos Agentes Penitenciários são casados, 26% convivem em união estável, 26% são

solteiros, 3% são divorciados e 1% declarou manter união homoafetiva. Percebe-se

que 52% dos agentes são do sexo masculino e 48% do sexo feminino. Outro

componente do perfil dos agentes – a escolaridade -, esclarece que a maioria

absoluta (84%) tem o curso médio completo, 15% têm o nível superior e apenas 1%

possui somente o nível fundamental completo. A faixa etária dos agentes está assim

constituída: na faixa de 25 a 39 anos, temos 37% do efetivo; de 40 a 59 anos, temos

58%; com 60 anos ou mais temos 5%.

De acordo com Jacobs (2004)20, o perfil para o presidiário brasileiro é de

alguém majoritariamente pobre, do sexo masculino, de até 35 anos, com baixa

escolaridade e baixa capacidade de inserção no mercado de trabalho. A partir dos

20 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits.

(c) Nível de escolaridade (d) Faixa etária

(b) Sexo (a) Estado civil

dados acima apresentados é possível perceber que o perfil dos Agentes Prisionais

não é muito diferente.

A Imagem Social dos Agentes Prisionais

De acordo com Demers (1985)21 uma das características do trabalho do

agente prisional é sua má reputação social ou a representação negativa que essa

atividade carrega. O desconhecimento das pessoas em geral em relação ao trabalho

do agente produz pré-julgamentos negativos que fazem com que os agentes sejam

quase sempre percebidos como corruptos ou torturadores.

Aymard e Lhuilier (1993)22 comentam que os Agentes Prisionais evitam

frequentar certos lugares e podem ter a tendência a se isolar socialmente em função

da má reputação decorrente dos estereótipos relacionados a sua atividade

profissional. Ainda, segundo esses autores, as atitudes negativas da imprensa e do

público causam estresse nos Agentes Prisionais o que reflete na sua autoestima e

na forma como percebem a si mesmos e aos outros. Tais danos a imagem social do

agente também podem ser percebidos nos dados coletados durante nossa pesquisa,

conforme demonstra a figura abaixo:

2. Preconceitos Sociais e Valorização dos Agentes Penitenciários

Figura 02: Percentual das opiniões dos Agentes Prisionais da Região Metropolitana de Belém, referente a preconceito que sofrem na sociedade(a) e a valorização dispensada aos mesmos pelo Estado (b). Belém. Novembro. 2011.

Fonte: Pesquisa de Campo

21 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits. 22 Idem.

(b) Preconceito (a) Valorização

Em relação ao preconceito sofrido pelos Agentes Penitenciários, observa-

se que a maioria absoluta, 88% deles sofrem preconceitos e se sentem

discriminados, ou seja, maioria do grupo menciona receber tratamento diferente e

desigual em suas relações sociais, que são caracterizadas por uma representação

estigmatizadora por parte daqueles com quem os agentes se relacionam. Segundo

Sequeira (2005) o preconceito é uma barreira mais sólida que os largos muros feitos

de concreto da prisão. Ou seja, os Agentes Prisionais sentem-se discriminados no

convívio social. Essa característica em seus discursos vem à tona quando salientam

que não têm apoio do governo estadual, que lhes faltam fardamento e que os

salários são incompatíveis com os riscos da atividade desempenhada.

Evidencia-se assim que os agentes se sentem abandonados em relação

ao atendimento de suas necessidades. Na comparação que fazem de si próprios

com os presos, consideram que quando ocorrem problemas entre os Agentes

Penitenciários e os presos, que não são raros, as soluções/preocupações

apresentadas/enfocadas sempre favorecem aos presos, e os agentes sendo

relegados a um segundo plano, ou seja, aquilo que acreditam ser seus direitos

parece não ser levado em consideração.

Os dados por nós coletados mostram que 74% dos agentes sentem-se

desvalorizados tanto pela sociedade em geral quanto pelo poder público estadual.

Tal sentimento de desvalorização já foi observado por outros estudos, como por

exemplo o de Chies (2008, p.99)23 que comenta:“[...] Os Agentes Penitenciários se

sentem substancialmente e profissionalmente não valorizados, afetados, por todos

os lados e em todos os níveis, nos seus sentimentos de estima” (CHIES, 2008, p.

99)24.

Tal percepção da desvalorização pessoal e profissional que

experimentam pode estar diretamente ligada às condições objetivas do seu cotidiano

de trabalho e da natureza da relação funcional que têm com o sistema penitenciário

e com o governo do Estado. Essencialmente o trabalho de Agente Prisional é um

subemprego, sem estabilidade e sem plano de carreira; em sua grande maioria são

servidores temporários, ou seja, não chegaram ao serviço público através de

concurso e por isso é um trabalho temporário, com limitações legais e com forte e

23 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits. 24 Idem.

direta interferência de interesses políticos. Uma vez que não são “servidores de

carreira”, há pouquíssimo investimento em sua qualificação, já que num tempo

relativamente curto e por força das limitações legais relativas aos funcionários

temporários, irão inevitavelmente ser substituídos.

Conflitos e Incidentes no Local de Trabalho

Não existe consenso se um estabelecimento penal é, ou não, um local

mais violento que o restante da sociedade, Chauvenet, Orlic e Benguigui (1994)25,

por exemplo, em seus estudos concluíram que a maioria dos Agentes Prisionais

consideram que a prisão não é um meio mais violento que qualquer outro e que a

violência existente dentro das prisões é apenas reflexo da violência que existe fora,

na sociedade mais ampla. Estes autores também apontam que a violência entre os

detentos parece ser muito mais frequente do que a violência entre esses e os

Agentes Prisionais.

Estudos levados a efeito por Quimet (1999)26 relativizam a suposta

periculosidade do trabalho dentro do sistema carcerário ao afirmar que as taxas de

homicídios de Agentes Prisionais ocorridas em seu local de trabalho e causadas

pelos detentos são raras, embora os homicídios ocorridos entre os prisioneiros seja

relativamente frequente. Aymard e Lhuilier (1993)27 não concordam que sejam

baixos os riscos para os Agentes Prisionais, pois consideram que são sérias e

graves as consequências do constante perigo de morte, do medo de fuga, do risco

de desordem e da possibilidade de ser tomado de refém. Para os Agentes Prisionais

– comentam os autores – existe um processo de realimentação diária do medo e da

insegurança em seu ambiente de trabalho.

No mesmo sentido são os comentários de Jacobs (1978)28, quando afirma

que o potencial destruidor da agressão verbal e da agressão física faz parte das

principais preocupações no trabalho, percebidas pelos Agentes Prisionais.

25 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits. 26 Idem. 27 Idem. 28 Idem.

Pesquisadores, como, por exemplo, Ellis (1984)29, indicam a existência de uma

relação direta entre a alta densidade da população carcerária e o comportamento

violento por parte de detentos e Agentes Prisionais. Para esse autor (ou autora? Nos

states esse nome geralmente é feminino), a densidade faria aumentar o número

potencial de interações perigosas entre os detentos e os Agentes Prisionais e estes

últimos seriam profundamente afetados por elas, tanto em sua relação profissional,

quanto em sua relação social, fora do local de trabalho.

3. Hostilidades mais frequentes do convívio diário

Figura 03: Percentual das hostilidades mais frequentes (a) e percentual dos atores envolvidos nas hostilidades (b) e causas da violência entre os detentos, de acordo com as opiniões dos Agentes Prisionais da Região Metropolitana de Belém. Belém. Novembro. 2011.

Fonte: Pesquisa de Campo.

A tabulação dos dados coletados durante a pesquisa nos indica que na

opinião dos Agentes Prisionais o maior número de hostilidades ocorre entre os

próprios detentos (93% do total de hostilidades), ficando 6% entre Agentes

Prisionais e detentos e 1% entre os próprios Agentes Prisionais. Ou seja, a maioria

das hostilidades ocorrem com a participação dos detentos.

Na opinião dos Agentes Penitenciários, as principais causas da violência

entre os detentos advém de problemas relacionados com o uso, comercialização e

dívidas referentes às drogas, que representam 30% da problemática; em segundo

29 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits.

(c) Hostilidades (b) Atores

(a) Causas

lugar, com 29% de participação temos as richas, brigas e desentendimentos; em

seguida, com 17% de participação, aparecem os problemas referentes à conquista

da liderança nas cadeias e 7% dos acontecimentos violentos estão relacionados a

questões afetivas entre detentos e membros de suas respectivas famílias.

De acordo com Chauvenet, Orlic e Benguigui (1994)30, na prisão, as

situações difíceis as quais os Surveillants devem fazer frente são, com efeito,

múltiplas e particularmente pesadas: agressões verbais, mais raramente agressões

físicas, porém geralmente imprevisíveis, zaragatas (bagunças) entre prisioneiros,

acertos de contas, depressões, automotilações, tentativa de suicídio, doenças,

suicídios, crises de loucura, movimentos coletivos de prisioneiros, greves, motins,

tentativa de evasão, de incêndios voluntários, e também miséria social, moral,

intelectual e mental que acompanha o aprisionamento e por último o peso do próprio

imaginário do crime e da criminalidade. As falas dos agentes, abaixo descritas, são

extremamente esclarecedoras da forma como os conflitos internos da instituição,

próprios de sua atividade profissional, afetam suas relações ou vidas? em amplas

dimensões:

Nosso ambiente de trabalho é cercado de agressões e violências, ao contrário do meu ambiente familiar.31 Ocorre uma desvalorização da vida humana, desrespeito com o outro, falta de ética no trabalho e na condução da coisa pública.32 Sinto medo, tensão, raiva de ser agente penitenciário naquele lugar depressivo.33 Há desentendimento entre ambos (agentes e presos), uso de hostilidades de ambos, disputa para saber quem manda na cadeia (cárcere); ocorrem muitas palavras de baixo calão, xingamento e ameaças.34 Os incidentes afetam negativamente, afetam o psicológico e afetam de uma

forma geral, família, amigos e sociedade.35

Para algumas profissões, o estresse no trabalho é neutralizado pelo

prestígio e pelo reconhecimento social, no entanto, o trabalho do Agente Prisional

30 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits. 31 Declaração de uma Agente Penitenciária, que tem 40 anos de idade, é casada, trabalha na SUSIPE há treze anos, possui o ensino médio completo. 32 Declaração de uma Agente Penitenciária, que tem 46 anos de idade, trabalha na SUSIPE há três anos, possui o ensino médio completo. 33 Declaração de uma Agente Penitenciária, que tem 48 anos de idade, trabalha na SUSIPE há sete anos, possui o ensino médio completo. 34 Declaração de uma Agente Penitenciária, que tem 46 anos de idade, trabalha na SUSIPE há três anos, possui o ensino médio completo. 35 Declaração de uma Agente Penitenciária, que tem 40 anos de idade, trabalha na SUSIPE há oito anos, possui o ensino médio completo.

oferece poucas compensações desse tipo. De acordo com Demers (1985)36 o

estresse, a rotina e os horários de trabalho são aspectos negativos da atividade

profissional dos Agentes Prisionais, e tais aspectos têm impactos extremamente

duros sobre sua moral. Para este autor, existem riscos psicossociais ligados às

responsabilidades de manter a ordem na prisão pois o agente está constantemente

em risco de ser agredido e de ser contaminado por doenças infecciosas, e por isso

comporta um sofrimento físico e psíquico, cujos sintomas mais comuns são

problemas de saúde de vários tipos e dificuldades de relacionamento familiar.

Consequentemente, que com a autoestima em baixa, o nível de

satisfação com o trabalho enfraquece substancialmente. O ambiente do cárcere e

suas peculiaridades são determinantes para uma percepção negativa do agente a

respeito de ambiente de trabalho, o que o leva a uma apreciação negativa de sua

atividade profissional.

As medidas de segurança, os métodos de controle dos detentos, a

violência explícita e implícita, o número elevado de detentos e as condições de

trabalho em geral precárias, afetam de maneira profunda os níveis de satisfação

profissional. De acordo com Blau,Light e Chamlin (1986)37 a estabilidade

organizacional, uma direção administrativa firme e a manuençaõ de uma atitude

positiva por parte da direção da instituição penal em relação aos Agentes Prisionais,

pode ter um impacto positivo sobre o nível de satisfação dos mesmos. Os aspectos

apontados pelos autores podem ser observados também entre os Agentes Prisionais

da Região Metropolitana de Belém. A esse respeito eles comentam:

As regras, quando bem aplicadas e aceitas, fortalecem uma relação de confiança entre presos e Agentes Prisionais, porém quando estas são descumpridas, quebram-se os laços e o relacionamento de ambos fica difícil, destarte são necessárias, para o cotidiano de uma casa penal; o preso tem seus direitos e também seus deveres se ambos forem respeitados tudo fica bem em seu cotidiano.38

É possível que o estresse e a insegurança experimentados pelos agentes

também sejam causados pelo fato de que, além das regras formais e dos papéis

oficialmente designados, as instituições carcerárias também são conduzidas à base

de regras informais, que subvertem e às vezes suplantam as regras formais, sem as

36 Les Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits 37 Idem. 38 Declaração de uma Agente Penitenciária que tem 38 anos de idade, é solteira, trabalha na SUSIPE a dezesseis anos, possui curso superior completo.

quais administrar a instituição ou trabalhar em seu interior seria praticamente

impossível.

A não observância da lógica interna, a não consideração do conjunto de

regras informais que permeiam a vida do encarcerado e o trabalho do agente,

resultam em problemas. Neste cenário, sua atividade profissional poderia apresentar

riscos ainda maiores para todos, porque, conforme comenta um dos agentes:

“Entendo que nós profissionais (Agentes Prisionais) para desempenharmos um bom

trabalho é necessário aderirmos a certas gírias, códigos, jogo de cintura”.39. Esses

são apenas alguns dos componentes informais que são usados pelos agentes para

penetrar no mundo do encarcerado e que, em algumas situações, poderão até

salvar suas vidas, pois a própria linguagem do preso serve para identificar possíveis

problemas.

Conclusão

Os resultados aqui apresentados são parte de uma pesquisa mais ampla

que vem sendo desenvolvida com o intuito de traçar o perfil dos trabalhadores civis e

militares do sistema de segurança pública do Estado do Pará. Especificamente neste

texto buscamos caracterizar o perfil dos Agentes Prisionais, que desenvolvem suas

atividades em casas penais situadas na Região Metropolitana de Belém.

Buscou-se captar as percepções desses servidores em relação aos

aprisionados e a sua própria atividade profissional, apresentando aspectos das suas

atividades cotidianas, especialmente os conflitos vivenciados no dia-a-dia das

Instituições.

Observou-se que no Estado do Pará os Agentes Prisionais têm vínculos

funcionais precários, pois em sua grande maioria são funcionários temporários. São

predominantementes do sexo masculino e casados; a faixa etária mais observada

está entre 40 a 59 anos de idade. Verificou-se que muitos aspectos encontrados em

pesquisas anteriores realizadas em outras partes do mundo, como por exemplo

aquelas descritas no relatório Les Gardiens em Milieu Correctionnel, Recension Des

Écrits, também são encontrados entre os Agentes Prisionais paraenses, apesar das

39 Declaração de uma Agente Penitenciária que tem 29 anos de idade, união estável, trabalha na SUSIPE há sete anos e possui curso médio completo.

inúmeras diferenças em termos organizacionais e profissionais entre o sistema

carcerário paraense e os de outras partes do mundo.

Os Agentes Prisionais do Pará também se sentem discriminados em

relação à sociedade mais ampla. Com frequência relatam que sofrem e se sentem

desvalorizados como profissionais. Tal situação geralmente os leva a ter problemas

de saúde e dificuldades de relacionamento familiar em função da enorme carga de

estresse que são obrigados a suportar cotidianamente.

Os agentes conseguem perceber claramente que o sistema prisional

alcança quase que exclusivamente as camadas menos favorecidas da população, o

que, de certa forma, produz certa mistura de contraditórios: medo e empatia em

relação aos aprisionados, pois, embora em lados diferentes das grades, ainda assim

têm praticamente as mesmas origens sociais e, mesmo que por motivos distintos, os

sentimentos parecidos de exclusão e de falta de perspectiva.

Confirmou-se em seus depoimentos que a convivência no interior da

prisão é tensa, tanto dos presos entre si quanto dos Agentes Prisionais em relação a

eles, embora o foco principal de conflitos ocorra entre os aprisionados. As rixas, as

brigas, os desentendimentos relacionados ao uso e comercialização de drogas, bem

como os problemas relativos à conquista da liderança dos grupos, os riscos de fuga

e de ser tomado como refém, tornam-se uma fonte constante de tensão e violência

que fazem da atividade de Agente Prisional uma das mais críticas entre as

existentes no Sistema Penitenciário, do ponto de vista da integridade física e

emocional.

Gostaríamos de reconhecer que os resultados aqui apresentados,

padecem de algumas limitações notáveis. A primeira delas refere-se ao fato de que

não tivemos acesso direto a uma parte considerável da bibliografia utilizada; alguns

dos comentários mais interessantes foram extraídos de citações do relatório Les

Gardiens Em Milieu Correctionnel Recension Des Écrits, feito no ano de 2000, o que

até os dias de hoje representa um lapso de tempo considerável; no entanto, ainda

assim consideramos que os trabalhos usados para fundamentar o mencionado

relatório fazem análises bastante precisas e profundas que, por esse motivo, ainda

são pertinentes e atuais.

A segunda limitação decorre do fato de tomarmos sob análise somente

Agentes Prisionais que desenvolvem suas atividades na região metropolitana de

Belém, não havendo, portanto, garantia de que os dados indicados e analisados

possam ser estendidos com segurança a Agentes Prisionais de localidades distantes

da capital do Estado ou mesmo de outros Estados da Federação, apesar da relativa

semelhança que guardam com descrições feitas em outras pesquisas já realizadas

sobre essa temática, mesmo em outros países, com fatores como economia e

cultura muito diferentes das do Brasil, conforme aparece em diversos momentos ao

longo desse texto.

Nesse sentido, os achados aqui apresentados podem ter uma

possibilidade apenas limitada de generalização, como, aliás, ocorre com toda e

qualquer pesquisa. Outro aspecto importante a ser mencionado no que diz respeito

às limitações do que aqui foi exposto, relaciona-se ao fato de que os questionários

foram aplicados em uma das raras vezes em que os Agentes Prisionais foram a uma

instituição do sistema para coletivamente receber instruções40, e não sabemos até

que ponto o fato de estarem reunidos com outros agentes, em um local diferente

daquele em que geralmente desempenham suas funções, pode ter influenciado em

suas respostas.

Ainda no âmbito das limitações é nosso dever registrar que este estudo se

restringiu a uma descrição de alguns dados quantitativos com algumas poucas

inserções de dados qualitativos. Tal escolha deu-se em função da necessidade de

ser fiel à proposta deste trabalho, que é, essencialmente, traçar um perfil dos

Agentes Prisionais e descrever a natureza das atividades que os mesmos

desempenham, suas percepções, seus conflitos e suas dificuldades.

Vale ressaltar que, nenhum esforço foi feito para explorar a percepção da

direção das instituições a respeito de seu próprio trabalho, do trabalho dos Agentes

Prisionais, ou da condição dos aprisionados; também não apresentamos dados

sobre outros profissionais que, não sendo Agentes Prisionais nem parte da direção

do estabelecimento, também desenvolvem suas atividades no interior das casas

penais.

40 A instituição a que nos referimos é o IESP – Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará.

Ressaltamos que pesquisas futuras poderão trazer mais dados, tanto

quantitativos quanto qualitativos, que poderão completar as lacunas eventualmente

aqui deixadas, já que nenhuma pesquisa científica pode ter a presunção de esgotar

um tema, mormente este, tão dinâmico e complexo, aos moldes de seu nascedouro:

as relações sociais.

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