artigo xv ciso vf1 - sinteseeventos.com.br · metodológico para a “transição...
TRANSCRIPT
1
XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE
PRÉ-ALAS BRASIL
04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI.
Grupo de Trabalho
Políticas Públicas – GT 27
Título
Leis, Decretos, Chamadas Públicas, Conferências... A construção da Política Pública de ATER
Paulo Cesar Oliveira DINIZ
UFCG – [email protected]
Jorge Roberto TAVARES DE LIMA
UFRPE – [email protected]
2
Leis, Decretos, Chamadas Públicas, Conferências... A construção da Política Pública de ATER
Resumo
O processo de construção da política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), no Brasil, desencadeado a partir de 2003, teve como desfecho a elaboração da Lei de ATER, em 2010 (Lei nº 12.188/2010). Dentre os aspectos inovadores, destacam-se, por um lado, a contratação de serviços de ATER (governamentais ou não-governamentais) pela via das chamadas públicas e, por outro, a convocação de uma Conferência Nacional para definir diretrizes de Extensão Rural para todo o país. Esse texto busca traçar uma reflexão panorâmica acerca da política pública de ATER, seus avanços e desafios, destacando a dimensão educacional da Extensão Rural (conforme definido na Lei) e sua importância para o mundo rural brasileiro. Palavras-chave: Extensão Rural; Agroecologia; Educação; Políticas Públicas.
Introdução Esse texto é fruto de uma reflexão mais ampla, tendo por base o desenvolvimento
de um projeto de pesquisa denominado “Da experimentação social ao 'experimentalismo
institucional': a experiência de transição agroecológica da Rede Ater Nordeste e suas
interações com a PNATER no semiárido brasileiro”1. De modo resumido, pretendia-se
estudar uma rede formada por treze Organizações Não-Governamentais (ONGs) no
Nordeste e sua contribuição na construção de um referencial conceitual, técnico e
metodológico para a “transição agroecológica”, bem como suas influências sobre a
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) na região.
Entretanto, com a promulgação da Lei de ATER (Lei No 12.188, de 11/01/2010),
viu-se a necessidade de refletir sobre a construção dessa política pública. Primeiramente,
é importante destacar que a construção de uma política para a ATER no país é antiga.
Tem sua primeira experiência com os jesuítas, depois com os Institutos Imperiais e, na
Primeira República, com a promulgação do Decreto 8.319/1910 que regulamentou o
ensino agronômico, (PEIXOTO, 2008), configurando assim, em vários atos, sua
caminhada. É notório, no entanto, seu fortalecimento no início da segunda metade do
século XX (cf: FONSECA, 1985), constituindo-se em uma importante política pública na
1 Projeto de pesquisa financiado pelo CNPq, a partir do Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/DATER Nº 033/2009.
3
modernização do campo brasileiro. Período este que se estrutura um projeto educacional,
buscando implantar na agricultura brasileira uma mentalidade empresarial, de produtores
de mercadorias, que pode ser classificado como uma “educação bancária”, onde os
agricultores repetem aquilo difundido pelos técnicos. Finalmente, pode-se dizer que os
últimos atos transcorreram ao longo da primeira década do século XXI, especialmente
com o lançamento da “nova” PNATER, em 2004.
Assim sendo, de modo geral, esse texto traça um panorama dessa recente
construção, suas implicações políticas, educacionais, técnicas e científicas.
Especificamente, o texto busca destacar o caráter “educativo” e formativo da política,
dado o engajamento dos autores com atividades de extensão universitária desenvolvidas
em diferentes ambientes, inclusive o acadêmico através do ensino da “extensão rural” na
UFRPE.
É importante destacar que a proposta de ATER desenvolvida a partir de 2003 tem
vários avanços, tendo como referência a agroecologia, considerada um campo de
conhecimento, que contempla a agricultura de base ecológica e o desenvolvimento
sustentável, o que exige ações relacionadas à participação, gênero e geração, meio
ambiente entre outros. A PNATER tem seus objetivos, princípios e metodologias que
rementem a um projeto educacional próximo ao que Paulo Freire denominou “educação
para liberdade”. Em contrapartida, a ATER desenvolvida a partir da metade do século
vinte, calcada em um modelo da chamada “revolução verde” tem princípios que se
aproximam de uma “educação bancária”, onde se amplia a dependência aos insumos; o
meio ambiente é visto como matéria-prima ou suporte para desenvolvimento da
agricultura; o conhecimento popular é desvalorizado e se estabelece uma inusitada e
pretenciosa superioridade científica, onde a técnica tudo resolve, chegando em alguns
momentos a um fundamentalismo tecnológico. Pode-se afirmar, portanto, que foram – e
ainda o são – projetos educacionais em disputa, tal qual se apresentam atualmente.
Estruturado em várias sessões – denominadas de Atos – o texto não tem a
intenção de uma cronologia precisa, mas destacar alguns momentos centrais nesse
processo de construção da política (a partir do debate em torno da PNATER em 2003 e
sua publicação em 2004) e, ao mesmo tempo, colocar questões que possam ser
retomadas ao final, não como conclusões, mas como contribuições ao debate educativo
da Extensão Rural e o seu papel atual no campo brasileiro: inclusão social, combate à
pobreza, proteção ambiental, produção de alimentos, segurança alimentar, etc.
Uma última ressalva. Compreende-se por política pública, segundo Dias (2008), um
processo complexo de definição, elaboração e implantação de estratégias de ação por
4
parte dos governos. Nesse processo, há identificação e seleção de determinados
problemas sociais que merecem ser enfrentados, em detrimento de outros. Na prática, as
políticas públicas assumem a forma de estratégias de ação, ou seja, planos, programas
ou projetos que geralmente contém um diagnóstico sobre determinado problema e uma
proposta para solucioná-lo. Longe de representar consensos, são arenas de disputas
sobre projetos políticos em competição. No Brasil existe um forte vínculo entre Extensão
Rural e as políticas de promoção do desenvolvimento rural (crédito, comercialização,
pesquisa, armazenamento, segurança alimentar, etc. porém, vale destacar, pouco ou
quase nada articulada a projetos educacionais escolares) e, ao longo do tempo, passou
por diversas orientações políticas, variações conceituais, missões institucionais,
metodologias de intervenção, público preferencial, capacidade operacional, etc. Daí a
necessidade de refletir sobre a construção social do que aqui estamos denominando de
política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).
A Conferência Nacional de ATER: Último Ato (primeira parte) “ATER para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária e o Desenvolvimento
Sustentável do Brasil Rural” – esse foi o tema geral da Primeira Conferência Nacional
sobre ATER na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – 1ª CNATER, realizada em
Brasília, entre os dias 23 e 26 de abril de 2012.
De acordo com Silva (2009), as conferências podem ser considerados espaços
amplos de participação, para além dos conselhos, nos quais a participação é mais
limitada ao definido legalmente. Geralmente, nas conferências os representantes do
poder público e da sociedade discutem e apresentam propostas para o fortalecimento e
adequação de políticas públicas específicas. No âmbito de dinamizar o diálogo com a
sociedade na administração pública, a partir de 2003 o Governo Federal colocou em
prática uma estratégia de apoio à realização de conferências nacionais2 (bem como da
criação de novos conselhos nacionais de direitos e de políticas públicas): [...] em torno da participação social nas conferências nacionais, assistiu-se neste período a uma situação inédita, pois nunca os segmentos organizados da sociedade haviam demonstrado tanto dinamismo nas mais diferentes áreas de políticas públicas (SILVA, 2009, p. 17).
2 Destaque-se a atribuição da Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) no tocante ao
“relacionamento e articulação com as entidades da sociedade civil e à criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo” (conforme Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, com as alterações determinadas pela Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005 e pela Medida Provisória no 259, de 21 de julho de 2005). Só para se ter uma ideia, entre 2003 e 2006 foram realizadas 43 conferências – 38 nacionais e cinco internacionais (16 realizadas pela primeira vez), mobilizando cerca de 2 milhões de pessoas da sociedade civil e do poder público nas esferas municipal, estadual e nacional (cf: SILVA, 2009).
5
A CNATER tinha como objetivo a definição de propostas que, por sua vez,
passariam a constituir estratégias, diretrizes e prioridades para um programa nacional.
Tais propostas deveriam ter uma relação direta com o desenvolvimento rural sustentável,
com a diversidade da agricultura familiar, a adoção dos princípios da agricultura de base
ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção
sustentáveis e a redução das desigualdades, dentre outros aspectos. Deveriam ainda
estar “firmadas em Relatório Final da Conferência, na Declaração Política, e nas Moções”
que porventura fossem apresentadas na Conferência (BRASIL, 2012b, p. 15).
A participação na Conferência foi de aproximadamente de 700 (setecentos)
delegados (com direito a voz e voto), “representantes do poder público e da sociedade”,
além de cerca de 100 (cem) convidados (com direito a voz), bem como observadores de
forma geral (BRASIL, 2012b, p. 15). Na opinião do ministro do Desenvolvimento Agrário,
Pepe Vargas, o documento final da Conferência foi positivo, passando a ser “um norte
estratégico para quem quer uma assistência técnica para a agricultura familiar, a reforma
agrária e as comunidades tradicionais”3.
A realização da etapa nacional da Conferência foi o desfecho de um processo
desencadeado ao longo dos primeiros meses de 2012. Definido como etapa preparatória,
esse momento conseguiu mobilizar cerca de 40 (quarenta) mil participantes, entre
representantes governamentais e da sociedade civil. Toda essa mobilização foi fruto de
26 (vinte e seis) Conferências Estaduais e uma Distrital; 07 (sete) Conferências
Temáticas; 160 (cento e sessenta) Conferências Territoriais; e 02 (duas) Conferências
Municipais, conforme regimento definido para as Conferências. Todas as Conferências
(estaduais, territoriais, etc.) tinham como objetivo primordial contribuir com o Documento-
Base da Conferência Nacional (BRASIL, 2012b, p. 15).
Ressalte-se que a Conferência de ATER nasce bastante fortalecida, respaldada
legalmente (diferentemente de outras conferências que ocorrem por iniciativas de
conselhos ou de governos), prevista em lei a partir de Decreto (No 7.215, de 15/06/2010)
que regulamentou a Lei nº 12.188 (Lei de ATER), conforme artigo 8o: A proposta contendo as diretrizes do PRONATER, a ser encaminhada pelo MDA para compor o Plano Plurianual, será elaborada tendo por base as deliberações de Conferência Nacional, a ser realizada sob a coordenação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF (BRASIL, 2010a, s/p).
Legalmente, o objetivo era realizar a Primeira Conferência em abril de 2011 (tendo
continuidade a cada 4 anos), de modo “excepcionalmente” e “sem prejuízo da imediata 3 Disponível em: http://www.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=9618028. Acesso em: 25 Mai. 2012.
6
execução do PRONATER” (BRASIL, 2010b, s/p). Ou seja, a intenção era que o
PRONATER – Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura
Familiar e na Reforma Agrária – deveria compor o Plano Plurianual (2012-2015).
Efetivamente, a Conferência não ocorreu e, além do mais, não foi explicada a razão de
sua não realização, mesmo com os movimentos e organizações sociais reivindicando e
buscando em diferentes espaços reafirmar a necessidade e importância de sua
realização.
Criado pela Lei nº 12.188, o PRONATER tem como “objetivos a organização e a
execução dos serviços de ATER” (Art. 7o, Lei 12.188), sendo o “principal instrumento de
implementação da PNATER” (Artigo 6o, Lei 12.188), ou seja, da Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultura Familiar e Reforma Agrária,
instituída pela Lei de ATER. A proposta do PRONATER deveria ser encaminhada pelo
MDA e, nesse caso, a Conferência teria um papel fundamental no sentido de lançar
propostas, ações e metas a serem enviadas, em tempo hábil, ao grupo de elaboração do
Plano Plurianual do governo para o exercício 2012-2015.
Convém destacar uma primeira questão: a Conferência Nacional (envolvendo toda
a mobilização estados e União) ocorre um ano após o previsto em Lei, desconsiderando a
importância legal e institucional do processo. Além do mais, como se não bastasse, o
tempo hábil referente ao Plano Plurianual havia se esgotado em quase um ano. Portanto,
as ações e metas do PRONATER foram encaminhadas por qual instância? Com qual
legitimidade? Conclui-se que, se foram enviadas, o foram por um pequeno grupo da
burocracia ministerial. Esvaziando-se então os resultados da Conferência e ignorando a
legitimidade de sua contribuição para a formulação do Plano Plurianual, construído quase
que exclusivamente nos gabinetes do Governo Federal. Negando-se assim um dos
avanços da PNATER, quando esta considera a ATER, como ato público a ser exercido de
forma participativa por agricultores e suas organizações, bem como por organizações
governamentais e não governamentais.
A Lei de ATER: Terceiro Ato A Lei de ATER vai exercer uma significativa mudança institucional a partir de 2010
(ano de sua promulgação). Exemplo claro foi à realização da Conferência Nacional,
conforme visto acima (voltaremos a ela, em Último Ato, segunda parte).
Sua origem está no Projeto de Lei (Projeto nº 5.665, de 2009) encaminhado ao
Congresso Nacional, pelo Governo Federal. Apesar da “surpresa” (pela não participação
no processo de construção da proposta), o projeto de “Lei de ATER”, conforme Teixeira
7
(2009, s/p), foi um misto de euforia e decepção, tendo em vista que ele firmava importante
compromisso do governo pela ATER pública e gratuita. Todavia, alguns aspectos da
proposição apontavam para o julgamento de que faltaram “expertise e despojamento”
político para traduzir, da melhor forma, este compromisso por parte do governo. Dentre os
aspectos, destacamos principalmente, o caráter residual da participação da sociedade
civil. Ou seja, a retomada do debate sobre Extensão Rural no Brasil, a partir de 2003,
trouxe consigo amplos mecanismos de participação social (ver Primeiro e Segundo Atos
abaixo). Além do mais, ainda de acordo com Teixeira (2009), a proposta trazia uma
desnecessária e exacerbada centralização, bem como a imprevisibilidade de fontes
estáveis e seguras de recursos.
Apesar dessas preocupações iniciais, o Projeto foi transformado em “Lei Ordinária”,
sancionada em janeiro de 2010. Assim, a Lei 12.188/2012 é composta por 29 artigos
(divididos em seis capítulos). Destaque-se o artigo 2º em que a Assistência Técnica e
Extensão Rural é definida como um “serviço de educação não formal, de caráter
continuado, no meio rural [...]” (BRASIL, 2010a, s/p). Resgata-se aí a dimensão da
Extensão Rural como um processo educativo em outra direção, tendo em vista a crítica
contundente em relação à forma unilateral da difusão do conhecimento, centrada
basicamente em técnicas e tecnologias “modernas” para o aumento da produção. A
Extensão Rural precisava então recuperar a dimensão paulofreireana da “educação
emancipadora” (FREIRE, 1983), buscando uma estratégia dialógica com os agricultores e
reconhecendo seus saberes como detentores de uma visão de mundo de importância
fundamental para entender as diversas dimensões da realidade. Enfim, definir a Extensão
Rural como um processo de educação não formal é, portanto, defini-la como um processo
sociopolítico de formação do indivíduo para interagir com outro em sociedade, bem como
um processo pedagógico de formação para a cidadania, conforme Gohn (2010, p. 33): a
educação não formal “designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e
produção de saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meio e formas
variadas, assim como uma multiplicidade de programas e projetos sociais”.
Destaque-se uma segunda questão: entendendo “projetos sociais” como projetos
de sociedades, ressalte-se aqui a ideia de desenvolvimento sustentável como paradigma
a ser perseguido no mundo atualmente. De modo geral, a Extensão Rural caminha nessa
direção? Nesse caminho é fundamental e necessária a ruptura da ATER com o
“difusionismo” e sua essência: difundir conhecimentos e tecnologias para a modernização
da agricultura, supondo a ausência destes para uma ampla parcela de agricultores no
Brasil. Uma reaproximação com os processos educativos – referenciados pela educação
8
não formal – é fundamental para fazer essa ruptura no âmbito da Extensão Rural em
busca da sustentabilidade.
Duas décadas ambíguas: Primeiro Ato Construída de forma mais democrática e participativa que versões anteriormente
formuladas (em articulação com diversos setores do Governo Federal, assim como os
segmentos da sociedade civil, organizações representativas da agricultura familiar e de
movimentos sociais), a PNATER de 2003 trás consigo uma visão inovadora na medida
em que incorpora a ideia de que os serviços de ATER devem ser caracterizados por uma
pluralidade de formas institucionais (PEIXOTO, 2008, p. 39). Visão que vem valorizar um
processo iniciado nos anos de 1970 (estendendo-se até pelas duas décadas seguintes)
em que houve uma multiplicação de “instituições” de Extensão Rural em todo o país. São
os chamados projetos de tecnologia alternativa, que vem no bojo de uma luta por uma
sociedade mais democrática e aberta, também no campo. Nestes projetos, mas
importante que produzir é “como” produzir. Destacando-se assim, inúmeras experiências
educativas na busca da autonomia e do resgate da cidadania.
Segundo Peixoto (2008, p. 36), esse processo ocorre em função de dois fatores.
Por um lado, um fator relacionado à redemocratização pela qual passou o país nos anos
1980, período em que vários setores da sociedade civil se fortaleceram e se organizaram.
Por outro lado, as transformações nas políticas públicas para o meio rural, com a
implantação de políticas específicas de apoio à agricultura familiar e aumento do número
de assentamentos no país, contribuindo para a diversificação das necessidades do meio
rural e levando a uma multiplicação de atores para atendê-las.
Isto é, a partir da redemocratização do país, uma gama de direitos sociais foram
garantidos pela Constituição Federal, de 1988, denominada de “Cidadã”. Em relação ao
mundo rural, por exemplo, o artigo 187 afirma: a política agrícola será planejada e
executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo
produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de
armazenamento e de transportes. Para isso, deveria se levar em conta diversos aspectos,
dentre eles destaca-se a Assistência Técnica e Extensão Rural4.
Contudo, no início do anos 1990, o Governo Federal vai extinguir a Embrater –
Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – empresa vinculada ao 4 Ainda deveriam ser levados em conta: os instrumentos creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os
custos de produção e a garantia de comercialização; o incentivo à pesquisa e à tecnologia; o seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e irrigação; e a habitação para o trabalhador rural. (Constituição da República Federativa de 1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 01 Ago. 2011).
9
Ministério da Agricultura que passou a coordenar todo Sistema Brasileiro de Extensão
Rural, a partir de 1974. De acordo com Peixoto (2008), a extinção da Embrater, nesse
momento, confirmava a intenção do Governo Federal de não atuar nesta área, deixando a
tarefa a cargo de estados e municípios, passando por cima das disposições
constitucionais.
Contraditoriamente, pouco menos de um ano após a extinção da Embrater, o
Governo Federal edita uma lei sobre política agrícola (Lei nº 8.171, de 17/01/1991),
fixando os fundamentos, definindo os objetivos e as competências institucionais, bem
como, prevendo recursos e estabelecendo ações e instrumentos da política agrícola –
atividades agropecuárias, agroindustriais, pesqueira e florestal (Artigo 1o). Dentre as
ações e instrumentos de Lei Agrícola (como ficou conhecida a Lei nº 8.171), destacam-se
a Assistência Técnica e Extensão Rural, juntamente com o planejamento agrícola e a
pesquisa agrícola tecnológica. Tais instrumentos deveriam ser orientados pelos planos
plurianuais.
Assim, no que e refere a ATER, foi a primeira vez que os serviços receberam um
tratamento específico na legislação brasileira, após a Constituição de 1988. Embora
limitado, havia um capítulo da Lei Agrícola direcionado ao tema (três artigos), destacando-
se o artigo dezessete. Seu enunciado pode ser dividido em cinco aspectos importantes:
(i) a manutenção pelo Poder Público do serviço oficial de ATER; (ii) um serviço “sem
paralelismo na área governamental ou privada”; (iii) um serviço de caráter educativo; (iv)
um serviço com garantia de atendimento gratuito; (v) um serviço destinado aos pequenos
produtores (como era definida a agricultura familiar à época) e suas formas associativas
(BRASIL, 1991, s/p). Tais aspectos visavam diversos objetivos: “difundir tecnologias
necessárias ao aprimoramento da economia agrícola, à conservação dos recursos
naturais e à melhoria das condições de vida do meio rural” e, ao mesmo tempo,
“identificar tecnologias alternativas juntamente com instituições de pesquisa e produtores
rurais”, incisos primeiro e terceiro do artigo dezessete, respectivamente, (BRASIL, 1991,
s/p).
Estes objetivos apontam para um debate conflituoso instaurado na década de
1970, especialmente, em função das críticas feitas ao “pacote” da revolução verde. Ou
seja, tentou-se conformar interesses em torno dos “apóstolos” da modernização da
agricultura através do difusionismo (presente ao longo da história da ATER estatal)
responsável por transferir os pacotes tecnológicos “necessários” à produção,
desenvolvidos pelos centros de pesquisa e universidades nacionais ou não. Ao mesmo
tempo, conformava interesses de algumas ONGs que buscavam desenvolver propostas
10
de agriculturas alternativas (os “profetas” da agroecologia), onde a dimensão ecológica,
além de estar presente, apresentava-se como eixo central de processos participativos na
Extensão Rural. Em realidade são dois projetos educativos e, portanto, de políticas em
disputa, onde quase sempre o governo se colocou ao lado do capital e da modernização
da produção agrícola voltada, basicamente, à exportação. Esse conflito vai ressurgir no
início dos anos 2000, na construção da política nacional de ATER, desta vez tendo como
vencedor, teoricamente, o debate em torno de uma agricultura de base ecológica,
forçando os perdedores – os “apóstolos” da modernização – à adesão compulsória as
novas diretrizes da ATER.
Por outro lado, há outro conflito instaurado ainda na década de 1990 e reproduzido
no momento atual. A citada Lei Agrícola previa a manutenção pelo Poder Público de um
serviço oficial de ATER, mas sem esclarecer quais seriam as atribuições dos governos
federal, estaduais, ou municipais. De modo que, como a estrutura do Governo Federal e
dos ministérios continuou a sofrer alterações sucessivas nessa década (o Estado
mínimo), os serviços extensionistas vão sofrer uma crise sem precedentes no país, de
acordo com Peixoto (2008). Apesar da relativa saída do Governo Federal, o serviço de
ATER pública sobreviveu em alguns estados, tendo como suporte as empresas estaduais
(Emater) e diversas organizações não-governamentais.
Frente à crise estatal da ATER, dois aspectos são importantes a destacar.
Inicialmente, tendo como pressuposto a construção de outro padrão de desenvolvimento
rural (com a redemocratização do país) emergem experiências organizativas da
sociedade civil. Destaque-se aqui o caso da Rede PTA (Projeto Tecnologias Alternativas),
uma “associação voluntária de ONGs” que iria influenciar de forma marcante o debate
sobre desenvolvimento rural sustentável no Brasil (SANTOS, 2002), formulando uma
crítica à revolução verde e uma defesa de agriculturas alternativas, baseado no
fortalecimento da agricultura familiar.
A preocupação inicial da Rede PTA era a (re)organização dos trabalhadores rurais,
no âmbito da abertura política, contudo, diversas ONGs foram constatando a inadequação
do modelo hegemônico de agricultura à realidade das pequenas áreas de produção no
Brasil. Afirmava-se então a necessidade de se buscar programas e técnicas alternativas,
momento em que ganhou expressão o conceito de “tecnologia alternativa”5, definido como
aquela tecnologia que, atendendo aos interesses da agricultura familiar, reforça a sua
capacidade de resistência na terra, de melhorar sua organização, seu poder de 5 As reflexões sobre a Rede PTA estão baseadas no relatório de avaliação da Rede produzido por Jean
Pierre Leroy e Ricardo Abramovay (em 1998), bem como na Revista Proposta (da FASE), edição de 1985. (cf: DINIZ e PIRAUX, 2011).
11
enfrentamento das forças econômicas adversas, de melhorar seu padrão de vida e
segurança econômica. Essa crítica vai exercer uma relativa influência no âmbito da “Rio
92” ao lançar a proposta de uma agricultura sustentável às ONGs ambientalistas
articuladas no Fórum de ONGs Brasileiras (evento preparatório à Conferência da
Sociedade Civil sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Rio 92).
Ao longo de sua existência, a Rede PTA vai passar por algumas reorientações
significativas. Uma delas tem a ver com a mudança paradigmática em relação ao conceito
de tecnologia alternativa para a noção de “agroecologia”6, tornando-se a “concepção
científica” central na busca por agriculturas sustentáveis. A incorporação da agroecologia
aproximou a Rede PTA da academia (estudantes, professores, pesquisadores), uma vez
que ainda estava muito próxima das suas origens nas Comunidades Eclesiais de Base
(as CEBs). Pouco a pouco, o discurso sobre desenvolvimento e geração de tecnologias
alternativas – conceito fundante da Rede PTA – é redirecionado para o desenvolvimento
ou incorporação de práticas agroecológicas e, mais recentemente, para processos de
“transição” com base na agroecologia.7
O segundo aspecto refere-se à emergência político-conceitual da agricultura
familiar, influenciando as políticas públicas no restante dos anos 1990. Note-se que o
conceito mostrou-se necessariamente maleável, embora uma de suas características
fundamentais seja a preponderância do uso da mão de obra familiar sobre a contratada
(seja em regime de parceria ou emprego) na propriedade rural. A definição de agricultura
familiar contrapõe-se a agricultura patronal definida como aquela categoria em que a mão
de obra contratada empregada na propriedade supera a de origem familiar (PEIXOTO,
2008).
Dadas as devidas dimensões dos aspectos acima, um elemento importante para a
re-institucionalização da Extensão Rural foi a criação do Ministério Extraordinário de
Política Fundiária (Decreto no 1.888, de 29/04/1996). Verdade que esse ato
governamental ocorre como consequência da repercussão negativa e das pressões
políticas resultantes, tanto no Brasil quanto no exterior, dos conflitos por terra no Pontal
do Paranapanema (SP), em meados dos anos 90, e das tragédias de Corumbiara-RO
(09/08/1995) e Eldorado dos Carajás-PA (17/04/1996), cf: Boletim... (2007). Pouco tempo
depois, o ministério deixa de ser extraordinário, passando a ser denominado de Ministério
6 Muito influenciada pela publicação do livro de Miguel Altieri – Agroecologia. As bases Científicas da
Agricultura Alternativa – em 1989 e dos escritos que o livro suscitou. 7 Nos últimos anos, em função da Política Nacional de ATER, o conceito de transição agroecológica passou
a ser central, entendido como um processo gradual e multilinear de mudança, ocorrendo através do tempo, no manejo dos agroecossistemas tendo como objetivo a passagem de modelos agroquímicos de produção para estilos de agricultura sustentável (CAPORAL e COSTABEBER, 2007, p. 12).
12
do Desenvolvimento Agrário (MDA) – sendo composto, inicialmente, por duas secretarias:
Secretaria de Reforma Agrária e Secretaria da Agricultura Familiar.
Outra importante iniciativa para a re-institucionalização da ATER foi a criação do
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Decreto nº
1.946, de 28/06/1996), passando a fornecer crédito de investimento e custeio à
emergente categoria político-conceitual agricultura familiar. Conforme Peixoto (2008), à
medida que os recursos disponibilizados pelo Pronaf cresciam a cada ano, ocorriam
diversos choques entre o que restava do setor estatal de ATER (principalmente, Emater)
e o Terceiro Setor (composto por ONGs, sindicatos, associações), uma vez que
disputavam a mesma fonte de recursos federais para o setor da agricultura familiar. De
modo que, “ao mesmo tempo em que se consolidava o Pronaf, os movimentos sociais
passaram a exigir com mais veemência um serviço de ATER público, gratuito e de
qualidade” (PEIXOTO, 2008, p. 32).
Outra questão em destaque. Ao longo dessa história existe um problema intrínseco
à Extensão Rural, ora apresentando-se de forma explícita, ora implicitamente, mas
sempre presente, qual seja: o conflito entre o viés difusionista centradas em tecnologias à
produção e a dimensão emancipadora e ecológica (tendo como horizonte a
sustentabilidade). Conflito metodológico e que revela a questão central do problema. A
disputa entre uma agricultura de base familiar e uma agricultura do latifúndio, patronal. A
primeira com objetivo de produzir alimentos e fundamentada em bases ecológica e social.
A segunda do agronegócio, de produtos para exportação e tendo por bases a
agroquímica e a motomecanização. É possível superar essa dicotomia unicamente por
meio do serviço de Extensão Rural?
O surgimento da PNATER: Segundo Ato
Este, acima, é o contexto nacional que antecede a reestruturação do serviço de
Extensão Rural. A primeira e grande decisão que se reveste de grande importância
política foi a definição de que a PNATER seria exclusiva para agricultura familiar.
Diferente das políticas oficiais anteriores onde os serviços de ATER eram genéricos e
“para todos”, mas principalmente para aqueles que tinham acesso ao crédito. Entretanto,
a PNATER vai surgir referenciada mundialmente num contexto mundial de crise – crise
sócio-ambiental – que nas palavras de Caporal (2003, p. 01), foi gerada pelos estilos
convencionais de desenvolvimento e Extensão Rural. Daí a recomendação de ruptura
com o modelo extensionista baseado na “Teoria da Difusão de Inovações” e nos
tradicionais pacotes da revolução verde, uma vez que a “noção de desenvolvimento
13
sustentável supõe o estabelecimento de estilos de agricultura sustentável, que não podem
ser alcançados unicamente através da transferência de tecnologias”.
Mudar o “enfoque” da Extensão Rural: essa foi à tônica da “infantaria” que esteve à
frente da construção da “nova” política de ATER do país. Tratava-se a partir desse
momento da aplicação do enfoque científico da Agroecologia como eixo central da
orientação das atividades extensionistas:
Sob esta orientação teórica e metodológica [isto é, a agroecologia], a Extensão Rural será levada a atuar tendo em conta alguns aspectos que são fundamentais para o desenvolvimento rural sustentável, como por exemplo as noções de variabilidade espacial dos agroecossistemas; de co-evolução da sociedade com seu meio ambiente; de reconhecimento dos diferentes sistemas culturais; da importância da biodiversidade; assim como a necessidade de valorizar o “local”, e as iniciativas que possam ajudar na geração de ocupações e distribuição da riqueza. Dados tais condicionantes, a ação extensionista em apoio à construção de estilos de agricultura e de desenvolvimento rural sustentável implica na necessidade de integrar nos processos, em níveis de igualdade, as dimensões econômica, social, ambiental, cultural, política e ética da sustentabilidade […] (CAPORAL, 2003, p. 03).
Poderíamos incluir, acima, também a dimensão educativa. Fato é que diante da
gama de imperativos (proteção ambiental, conservação dos recursos naturais, produção
de alimentos sadios, etc.), a Extensão Rural passou a ter a missão de contribuir para a
construção e execução de estratégias de desenvolvimento rural sustentável. Centrado
fundamentalmente na expansão e fortalecimento da agricultura familiar (e das suas
organizações), esse processo deveria ter por meio “metodologias educativas e
participativas, integradas às dinâmicas locais, buscando viabilizar as condições para o
exercício da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da sociedade (BRASIL, 2007, p.
09).
Esperava-se agora dos serviços de Extensão Rural não mais a tarefa de levar
conhecimentos e inovações tecnológicas aos agricultores, convencendo-os a aderir a
padrões produtivos “modernos”, por meio do difusionismo. Esse processo de
desenvolvimento baseado na difusão – transferência tecnológica unilateral – teve graves
consequências negativas, segundo Dias (2008): aumento da pobreza no campo;
concentração da propriedade da terra; êxodo rural não planejado; aumento populacional
das periferias urbanas; e problemas ambientais generalizados.
Fruto de um amplo processo de consulta junto às organizações extensionistas e
representações de agricultores (DIAS, 2008), a “nova” PNATER (lançada em 2004)
preconizava para o extensionista o papel de agente de promoção do desenvolvimento.
14
Além disso, preconizava a (re)orientação das concepções, métodos e princípios pela
agroecologia (defendendo a ideia de transição agroecológica); a universalidade, a
gratuidade e o caráter público dos serviços de ATER, destinado prioritariamente a um
público específico – a agricultura familiar.
Importante salientar o caráter diverso da agricultura familiar. Há uma diversidade
de agriculturas familiares, inclusive aquela que centra na reprodução social seu foco
principal. Outras até se aproximam do agronegócio. Também é importante destacar que
aproximadamente 50% dos estabelecimentos familiares encontram-se no Nordeste
(IBGE, 2009), que possui quase dois terços de sua área com características de semiárido.
Elementos estes que não podem ser relativizados pela Extensão Rural, porque são
determinantes na cultura, na relação com o ambiente, nas técnicas de convivência com
semiárido, na vida das pessoas. Esta transição agroecológica (preconizada para ATER),
neste ambiente, têm especificidades que necessitam serem construídas entre os diversos
atores envolvidos e, diga-se de passagem, as universidades têm dedicado pouca ou
nenhuma atenção a estes elementos e, justamente por isso, reflete diretamente na
formação dos técnicos e os levam a buscar no difusionismo (porque calcado no
positivismo ainda presente nas universidades), soluções de outras regiões para aplicarem
no semiárido, como se isso fosse possível.
Mais uma questão: a ruptura com o difusionismo pressupõe processos amplos e
formativos dos futuros profissionais extensionistas, colocando à universidade, por
exemplo, um papel fundamental para isso. Aponta-se a agroecologia como forma
“científica” fundamental para exercer a ruptura com o difusionismo. As universidades (e o
sistema educacional) apropriou-se desse debate? Ele passou a ser um componente
importante na estruturação dos currículos universitários? Na Conferência, o tema passou
ao largo do debate, como também, vem passando distante nos órgãos de apoio à
pesquisa e aqueles vinculados à educação, de forma geral.
As Chamadas Públicas: Quarto Ato Conforme citado acima, a Lei de ATER foi regulamentada em junho de 2010 pelo
Decreto nº 7.215. Neste decreto, o artigo quinto definia que a contratação de serviços de
ATER deveria ser antecedida de uma chamada pública, destinada a classificar propostas
técnicas apresentadas pelas entidades executoras. Configura-se então o mecanismo
jurídico-legal para a execução dos serviços extensionistas.
As primeiras chamadas de ATER saíram logo no mês de julho e, ao longo do
segundo semestre de 2010 (julho a dezembro), foram publicadas 155 chamadas
15
(disponibilizadas no portal de internet do MDA). Nesses seis meses pode-se dizer que
houve uma avalanche de chamadas, tendo em vista a empolgação com a nova lei e os
mecanismos de contratação, uma vez que, a partir desse momento, não precisava mais
diferenciar organizações governamentais e não-governamentais. Agora, aparentemente,
todas concorreriam no mesmo patamar de igualdade.
Passada a euforia, no ano seguinte (2011), pouquissímas chamadas foram
realizadas (cerca de 10). Número inferior foi constatato até esse momento em 2012. Aliás,
com o novo governo (Governo Dilma), a Extensao Rural passou a cumprir uma função um
pouco mais direcionada/diferenciada8. Apesar de carecer de mais informação, pode-se
deduzir que esse recuo no número de chamadas nos dois últimos anos não foi só em
função de uma reorientação, mas tem a ver também com a dificuldade de
operacionalização dos contratos pelas organizações “vencedoras” (recursos humanos e
materiais necessários ao início dos trabalhos, problemas de ordem legal: certidões, etc.),
e por parte do governo, como atraso na contratação, demora no repasse de recursos, etc.
(para efeito de exemplificar, as últimas chamadas publicadas em 2010, foram destinadas
ao semiárido. Contudo, mesmo com a definição das organizações vencedoras no início de
2011, ainda há contratos pendentes a serem executados nesse momento, isto é, segundo
semestre de 2012).
Uma análise mais criteriosa foi feita a partir das chamadas publicadas em 2010
(DINIZ, TAVAES DE LIMA e ALMEIDA, 2011). De modo geral, as chamadas analisadas9
definiam como objetivo a “seleção de entidade executora de assistência técnica e
extensão rural”. Em cada chamada, especificava-se o território, ou público a ser
beneficiado ou ainda o programa a ser focado. As primeiras chamadas foram
direcionadas aos territórios da cidadania. Aliás, foram estes os grandes privilegiados
pelas chamadas (106 chamadas no total). Posteriormente, outros “territórios” foram sendo
favorecidos com as chamadas, como os casos da “Operação Arco Verde” (11 chamadas
públicas direcionadas), o “Semiárido brasileiro” (08 chamadas). Também podemos
encontrar algumas chamadas direcionadas a públicos específicos como o caso das
8 No plano safra 2011-2012 o Governo Federal vai orientar o serviço de ATER para: atendimento
diferenciado a mil empreendimentos e 150 mil famílias da agricultura familiar (agroindústrias, cooperativas) para o desenvolvimento de processos de agregação de valor e renda; oferta de serviços focados na organização da produção para a comercialização para 200 mil famílias; ampliação e qualificação dos serviços para 150 mil famílias beneficiárias de crédito rural na linha de investimento; atendimento de 10 mil jovens rurais; oferta de serviços para 90 mil famílias em condições de extrema pobreza; e atendimento direcionado às cadeias produtivas que mais influenciam na renda das famílias rurais e que, quando há escassez de oferta dos produtos, impactam no índice de inflação. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/plano-safra/xowiki/credito>. Acesso em 04 Jul. 2012.
9 Vale ressaltar que apenas 148 chamadas foram analisadas, uma vez que as demais foram suspensas por motivos vários.
16
“Comunidades Quilombolas” (5 chamadas), “Mulheres Rurais” (6 chamadas) e “Indígenas”
(3 chamadas). Finalmente, o “Programa Nacional de Crédito Fundiário – PNCF” (uma
política de acesso à terra por meio de compra intermediada por órgãos governamentais)
recebeu nove (09) chamadas públicas de ATER.
O que se percebe, inicialmente, é que os “territórios da cidadania” foram os
grandes beneficiários das chamadas de ATER em 2010. Na realidade, a criação dos
territórios da cidadania, em 2008 (porém, as ações governamentais com abordagem
territorial têm início em 2003, por meio dos territórios rurais), fez incidir uma série de
políticas e programas, tornando-os “atores” privilegiados na execução de ações
governamentais, com objetivos de promover o desenvolvimento econômico e universalizar
programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento
territorial sustentável. Para isso, a participação social e a integração de ações entre
Governo Federal, estados e municípios eram fundamentais para a construção dessa
estratégia.10
Partindo do pressuposto de que a área do país não foi (re)organizada totalmente
em “territórios da cidadania”11 e que nem todos os agricultores familiares do país estão
presentes apenas nesses “territórios”, conclui-se então que muitos espaços são “os não
territórios da cidadania” e, portanto, os “não territórios” das chamadas de ATER. Assim
sendo, cai por terra o princípio do público prioritário para a ATER, isto é, as famílias
agricultoras. Mesmo que a Extensao Rural tenha como objetivo fim as famílias
agricultoras, eram os “territórios da cidadania” o “público” prioritário das chamadas, tendo
em vista que mais de 70% das chamadas de ATER em 2010 foram para os “territórios da
cidadania”.
Como exemplo, podemos citar o Território da Cidadania da Borborema, na Paraíba.
Formado por 21 municípios, o território foi beneficiado com duas chamadas em 2010
(chamada 19 e o lote 1 da chamada 151) e outra chamada em 2011 (chamada 02, lote
10). Ou seja, em dois anos, 3 chamadas incidiram sobre o mesmo território, tendo cada
uma delas uma organização diferente para executar. Pelos menos dois problemas podem
ocorrer: competição entre as organizações pelo público a ser atendido pelas chamadas ou
sobreposição de ações sobre um mesmo grupo, comunidade ou família.
10 Disponível em: <http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community>.
Acesso em: 25 Jan. 2012. 11 No Brasil, em 2010, existiam 120 territórios da cidadania, envolvendo 1.851 municípios e 2.041.552 de
agricultores familiares. Para este conjunto de territórios, estavam previstas 169 ações por meio do “Programa Territórios da Cidadania”. Disponível em: <http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community> e <http://sit.mda.gov.br/territorio.php?menu=cidadania&base=2>. Acesso em: 25 Jan. 2012.
17
Deixando de lado os territórios, voltemo-nos ao público beneficiário. Nas chamadas
analisadas, estimava-se atender cerca de trezentos mil beneficiários12 (314.760).
Pressupondo uma pessoa por estabelecimento agropecuário (para usar a terminologia do
IBGE, censo 2006), significa dizer que pouco mais de trezentos mil estabelecimentos
familiares serão beneficiários dos serviços de ATER, de acordo com as chamadas de
2010. Pelo último censo, o país possui mais de quatro milhões de estabelecimentos
familiares (IBGE, 2006). Como ficarão os “não” beneficiários? Vale ressaltar aqui que um
dos pilares da PNATER (construída em 2003/2004) era justamente a universalidade do
serviço público de Extensão Rural. Na realidade, o que se percebe é um processo seletivo
e excludente conduzido pelas chamadas públicas de ATER. Este cenário remete a um
grande desafio, que deveria ser debatido na Conferência: “A universalização dos serviços
de ATER [...] a mais de quatro milhões de famílias agricultoras e assentadas da reforma
agrária, povos e comunidades tradicionais” (BRASIL, 2012b, p. 13).
Encerrando esse Ato vale refletir sobre o objeto das chamadas (ou as temáticas a
serem trabalhadas). Grosso modo, as chamadas de 2010 traziam como objeto três temas
a serem trabalhados pelos organizações executoras. Não há uma explicação plausível do
porquê desse número (cabalístico?). O fato é que seguiram-se as orientações do
ministério que enviava previamente uma lista contendo 19 itens (temas), dos quais três
deles deveriam ser escolhidos prioritariamente. Cada item/tema tinha uma
definição/conceituação para esclarecer à entidade executora da ação extensionista.
Situação emblemática, pois dentre os itens/temas sugeridos, um deles referia-se à
agroecologia (ou “transição agroecológica”). Este tema vai aparecer em 29 chamadas em
2010, desconsiderando a ideia de ter a agroecologia como princípio basilar, campo de
conhecimento que deveria orientar toda e qualquer ação de ATER (conforme proposto na
PNATER em 2003/2004). Aliás, conforme Caporal (2011), a Lei de ATER retirou dos seus
enunciados o conceito de agroecologia, fazendo referência à terminologia “agriculturas de
base ecológica”. A conclusão, do autor citado acima, é portanto de um esvaziamento de
uma concepção eivada de sentido de modelos de agriculturas sustentáveis, fortemente
construída ao longo das duas últimas décadas em todo o mundo, especialmente no Brasil.
Como se não bastasse, a conceituação do tema “transição agroecológica” vai
oscilar consideravelmente ao longo do processo de publicação das chamadas em 2010.
Como orientação inicial (nas primeiras chamadas), o tema era assim definido: “ações de
ATER que dialoguem com os princípios da agricultura de base ecológica, que promovam 12 Agricultores que, pela Lei de ATER, são obrigados a terem a DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF).
Que significa isso? Todos os agricultores têm DAP? Ou todos são clientes do PRONAF? Neste caso, a ATER volta a ter como objetivo o acompanhamento do crédito agrícola?
18
a transição agroecológica de sistemas de produção convencionais, e promovam, ao nível
da unidade familiar, estratégias de produção sustentáveis”.
Quando na publicação da chamada 54, o tema “transição agroecológica” foi
definido como uma ação para promover “a sensibilização dos agricultores a transição
agroecológica; a diminuição da dependência de insumos externos; a adoção de sistemas
de produção de base ecológica; o manejo ecológico do solo com uso de técnicas
adequadas a cada agroecossistema; a diversificação de culturas com vista ao aumento da
biodiversidade; o manejo racional das florestas; a valorização de sementes crioulas e
raças autóctones ou adaptadas; o manejo e conservação de recursos hídricos; o destino
adequado de dejetos e resíduos; o uso de energias alternativas; a adoção de tecnologias
sociais e planejamento integrado da UPF (unidade produtiva familiar), entre outros.
Portanto, conforme afirmado em outro momento (DINIZ, TAVARES DE LIMA e ALMEIDA,
2011), situação que, no mínimo, expressa uma imaturidade conceitual, para ficarmos
apenas nisso.
Ainda em torno dos objetos/temas a serem trabalhados pelas entidades
executoras, era prepoderante a opção unilateral pelo caráter produtivo nas ações de
ATER, destacando-se a “organização da produção para comercialização” (em geral
relacionada a uma cadeia produtiva considerada de maior importância). Ou seja, o sentido
“educativo” para Extensão Rural, de acordo com a Lei, de fato era apenas “letra”. Na
prática, as chamadas estavam fundamentadas na concepção unicamente produtivista e
mercadológica. Mesmo quando apontavam em direção à segurança alimentar, não havia
uma ação mais ampla de educação alimentar, as ações estavam relacionada apenas ao
aspecto produtivo.
Outro aspecto a destacar é a padronização das chamadas. Embora trate de
regiões diferentes (territórios diferentes entre si), as ações que são definidas são sempre
as mesmas. Os tempos preconizados para cada etapa são sempre os mesmos (não
diferenciação entre os tempos produtivos e pedagógicos, por exemplo). Técnicos que
nunca estiveram na região objeto da chamada, que não sabem onde sequer mora a
família têm o mesmo tempo, daqueles que conhecem, vivem e se relacionam a mais
tempo com as famílias. É importante destacar, como já feito neste texto, a re-estruturação
dos serviços de ATER governamental, significando, assim, que muitos extensionistas
passaram a vivenciar na Extensão Rural seu primeiro emprego.
Enfim, uma questão: entre o que é concebido na Lei de ATER, apontando para
outro padrão de desenvolvimento, com base em processos educativos e agriculturas de
base ecológica para o desenvolvimento sustentável, pouco se vislumbra isso claramente
19
nas chamadas de ATER. Como não se considerar os aspectos culturais dos agricultores,
que caracterizam identidades e formas próprias de explicar suas relações com o mundo,
nas chamadas?13 Como pensar processos educativos na Extensao Rural se, na prática,
as ações extensionistas e seus tempos estão fundamentalmente centrados nos aspectos
produtivistas?
A Conferência de ATER: Último Ato – segunda parte A realização da Conferência Nacional de ATER (CNATER), conforme informado
acima, ocorreu um ano após o previsto na Lei de ATER (o primeiro semestre do ano de
2011). Ao início desse ano foi divulgado o documento base da CNATER (versão
estadual), dividido em cinco partes, sendo as duas últimas, o “coração” do texto, contendo
uma espécie de diagnóstico e uma série de propostas. Tanto num caso, como noutro, o
texto foi estruturado em função de “eixos temáticos”
[…] construídos com a participação do Comitê de ATER e do CONDRAF, tendo como referência o processo de implementação da PNATER ao longo dos últimos oito anos, os resultados do Seminário Nacional de ATER de junho de 2008, e os desafios colocados para a ATER contemporânea (BRASIL, 2012a, p. 08)
De modo geral, os eixos temáticos eram os seguintes: (i) ATER para o
Desenvolvimento Rural Sustentável; (ii) ATER para a Diversidade da Agricultura Familiar
e a Redução das Desigualdades; (iii) ATER e Políticas Públicas; (iv) Gestão,
Financiamento, Demanda e Oferta de Serviços de ATER; e (v) Metodologia de Ater –
Abordagens de Extensão Rural. Uma dúvida sobre os porquês desses temas vai ficar
“pairando no ar”.
Em função dos objetivos desse texto, ou seja, o ensino da Extensão Rural, pouca
coisa percebia-se no documento base, especialmente pelo desafio colocado para a
Extensão Rural, referenciado no título do próprio documento: “ATER para [...] o
Desenvolvimento Sustentável do Brasil Rural” (BRASIL, 2012a, p. 01); bem como o
enunciado da Lei de ATER que define a Extensão Rural como um processo educativo.
Quer dizer:
[...] A ATER adotou uma nova abordagem, incorporando a construção social das últimas décadas, especialmente em relação a conceitos como agricultura familiar, participação, relações de gênero, enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, pedagogia construtivista, transição agroecológica, etnia, geração, gestão social, acesso a renda e
13 Em artigo anterior (TAVARES DE LIMA, DINIZ e SANTOS, 2011) procurou-se analisar a dimensão
cultural nas atividades de ATER, especialmente relacionada à região do Pajeú, em Pernambuco.
20
agregação de valor. Estes conceitos são consolidados nos princípios e objetivos da Lei 12.188/2010, a qual define a ATER como um serviço de educação não formal no meio rural, de caráter continuado (BRASIL, 2012a, p. 19).
Verdade que não se pode negar que na parte de “diagnóstico”, exatamente no
quinto eixo temático, o documento base aponta para um desafio relacionado ao “ensino,
principalmente nos cursos das ciências agrárias no Brasil” (BRASIL, 2012a, p. 20).
A disciplina de “Extensão Rural” ainda é orientada predominantemente pelas políticas públicas de promoção do desenvolvimento agrícola a partir do ideário da revolução verde e da modernização conservadora do campo. Permanece o objetivo de formar um profissional especialista em difusão preparado para persuadir agricultores e agricultoras a adotarem inovações tecnológicas direcionadas aos processos produtivos e gerenciais (BRASIL, 2012a, p. 20). [grifos nossos]
Em termos de proposições relacionadas ao ensino, o documento base é
extremamente econômico. Vamos encontrar algo relacionado no eixo temático 1 (item 8):
“Propor mudanças nos currículos e processos pedagógicos dos cursos das ciências
agrárias e de escolas técnicas, de acordo com os conceitos da PNATER e da Política de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, que contemple a diversidade do rural e os
princípios e técnicas da agroecologia.” (BRASIL, 2012a, p. 21); e no eixo temático 4 (item
12): “Fortalecer e ampliar instrumentos de formação de agentes em gestão e execução
dos serviços de ATER.” (BRASIL, 2012a, p 25), respectivamente.
Contudo, é justamente no quinto eixo temático (Metodologia de ATER –
Abordagens de Extensão Rural) que encontramos uma maior incidência de pontos
relacionados ao ensino, se assim podemos dizer. Vários itens afirmam a necessidade de
“promover a formação dos técnicos em...”: conceitos de gênero e geração; considerando
ainda a diversidade de raça e etnia; em acordo com os princípios e objetivos da PNATER;
fortalecer a pedagogia de alternância; etc.
Grosso modo, destacamos alguns itens deste eixo temático que fazem referência
ao ensino de Extensão Rural (BRASIL, 2012a, p. 25-26):
• Item 1: “Utilizar, na formação dos profissionais de ATER, pedagogias construtivistas e estratégias metodológicas participativas, em consonância com os conceitos da PNATER.” • Item 2: “Construir uma pedagogia de ATER tendo como referência a PNATER e a Política de Desenvolvimento Rural Sustentável.” • Item 8: “Articular e consolidar parcerias com as universidades para realização de cursos de pós-graduação em ATER, que incluam abordagens de gênero, raça e etnia.” • Item 13: “Articular a adequação dos currículos das universidades e institutos tecnológicos de forma que integrem os conteúdos da PNATER e as políticas da agricultura familiar.” • Item 15: “Promover metodologias de construção do conhecimento
21
agroecológico, integrando os conhecimentos científicos, os saberes tradicionais e as inovações da agricultura familiar, articulando as entidades de ATER e as da agricultura familiar.”
A avaliação de quem “milita” no ensino de Extensão Rural foi a impressão de uma
superficialidade das propostas, por um lado, e generalização, por outro, que podem dizer
tudo, inclusive nada. Não fazia-se nenhuma referência, por exemplo, ao sistema
educacional como um todo. Vagamente, colocava-se a necessidade de mudanças pelas
universidades e escolas técnicas. Houve um debate com os professores de Extensão
Rural, com as universidades? Não!
Diante de tudo isso, uma questão ganha destaque: afinal qual a importância do
ensino de Extensão Rural (e áreas afins) na construção da política nacional de ATER?
Caso tomemos por referência o texto base da CNATER (versão para as conferências
estaduais), a importância é quase nula. A preocupação essencial ainda é a atividade fim –
assistência técnica, diga-se de passagem – centrada no aspecto produtivo.
Jornada de ATER: epílogo Foi com essa preocupação – pensar o ensino de Extensão Rural – e a necessária
compreensão coletiva do tema, que ocorreu a Jornada de Ensino em Extensão Rural,
direcionada a professores, pesquisadores e técnicos ligados à Extensão Rural no país. O
evento foi realizado no Recife (em 21/03/2012) e teve como promotores o Fórum Nacional
de Ensino em Extensão Rural e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)14,
tendo como objetivo central “discutir o ensino da Extensão Rural nas universidades e nos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), e sua relação com a política
nacional de ATER na atualidade”.
O Fórum Nacional de Ensino de Extensão Rural foi criado a partir do seminário
nacional realizado em Itamaracá (PE), no ano de 2008, em comemoração aos 60 anos da
Extensão Rural oficial no país. Percebia-se já naquele momento que o ensino de
Extensão Rural nas universidades públicas brasileiras vinha atravessando uma crise sem
precedentes na história das Ciências Agrárias. Crise que nos remete ao papel da
universidade e seu processo formativo. As universidades e as políticas públicas de
formação apoiam significativamente a formação do especialista. Cada vez mais a
graduação se volta para preparar para a pós-graduação. Assim, aquelas disciplinas que 14 Por meio do Departamento de Educação – Área de Extensão Rural e Educação Agrícola; Programa de
Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (Posmex); Observatório de Assistência Técnica, Extensão Rural e Extensão Pesqueira (Observater); Núcleo de Agroecologia e Campesinato (NAC); e o Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LA). Compareceram à Jornada cerca de 50 pessoas.
22
tem uma maior inserção com o modelo produtivo sofrem várias restrições. Diminuição de
carga horária, frágil interdisciplinaridade curricular, conteúdos programáticos
ultrapassados, dentre outros aspectos que transformaram a Extensão Rural num lugar de
menor importância na formação superior.
Dois anos depois (2010), ocorreu o segundo seminário nacional de ensino de
Extensão Rural, desta vez realizado em Santa Maria (RS). Percebiam-se já alguns
avanços no país em relação ao tema, contudo ainda era contundente a existência do
paradoxo entre o esforço de (re)valorização do ensino de Extensão Rural nas
universidades públicas (especialmente pelos professores, pesquisadores e técnicos
envolvidos com esse serviço) e a realidade dos cursos de ciências agrárias, basicamente,
que passaram a restringir cada vez mais o espaço da área de Extensão. Paradoxo
agravado ainda mais em função dos esforços de revitalização dos serviços extensionistas
que passaram a demandar novos profissionais, porém com formação diferenciada da que
ocorria anteriormente (Extensão como difusão de conhecimentos).
Como se não bastasse, a própria CNATER, conforma dito anteriormente, centrou-
se basicamente no que poderíamos definir como atividade fim (aspectos organizativos da
produção). Pouca preocupação foi dedicada à formação desses novos profissionais que,
em princípio, terão de desempenhar atividades e serviços educativos na perspectiva do
desenvolvimento sustentável, pressupondo uma ruptura com o difusionismo. A título de
informação, mesmo que os seminários tenham sido financiados pelo Departamento de
Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER), ligado ao Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), o Fórum Nacional de Ensino de Extensão Rural (criado nesse contexto),
sequer foi convidado ou consultado para uma discussão em termos de ensino, tendo
como objetivo referenciar o documento base.
Na realidade, a partir dos seminários, o Fórum tirou uma série de orientações sobre
o ensino de Extensão Rural que, por sua vez, foram repassadas ao próprio DATER e
MDA, respectivamente. Ou seja:
As diretrizes propostas pelos I e II Seminário Nacional de Ensino em Extensão Rural, ocorridos em Itamaracá (2008) e Santa Maria (2010) financiados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, representam, neste momento, elementos-chave que devem ser levados à discussão nas Conferências Municipais e Estaduais em curso. Identificar e atualizar as diretrizes mais importantes, no sentido de assegurar o ensino da Extensão Rural na formação de profissionais capazes de intervir, apoiar e se comprometer com as populações rurais desfavorecidas, é urgente e necessário (FÓRUM..., 2012, p. 01).
Para além das propostas específicas elaboradas na Jornada de Ensino de
23
Extensão Rural e direcionadas às conferências estadual (em Pernambuco) e nacional (em
Brasília) que, por sua vez, transformaram-se em moção (estadual e nacional), grosso
modo, destacamos alguns pontos importantes para uma política pública de Extensão
Rural, em que o ensino é um componente importante dessa política.
Inicialmente, um esforço progressivo de articulação da Extensão Rural com as
demais disciplinas da área de formação profissional dos extensionistas. Pressupõe-se que
a disciplina Extensão Rural esteja presente nas matrizes curriculares dos cursos, como
forma de inserir os estudantes e futuros profissionais no contexto da agricultura familiar de
modo amplo, bem como em contato com todos os atores e públicos prioritários dos
serviços extensionistas.
No entanto é fundamental pensar a disciplina Extensão Rural no contexto do
processo formativo, o que implica discutir o projeto político pedagógico das instituições de
ensino, seu papel na produção de conhecimento, na formação de profissionais e
consequentemente o papel da universidade na construção de uma sociedade plural,
diversificada, democrática e referenciada socialmente. Neste contexto, é preciso levar em
consideração a construção, a formulação, o debate, etc., sobre o papel político-
pedagógico da Extensão Rural na formação profissional. Por um lado, uma dimensão
importante nesse sentido diz respeito à complexidade existente no meio rural, expressa
em diferentes cosmologias, agroecossistemas, sistemas de conhecimento e nas relações
de gênero, geração e etnia. Por outro, pensar a Extensão Rural como processo educativo
requer pensá-la como portadora de um projeto político e pedagógico antenado com a
sustentabilidade, ou seja, definir a Extensão Rural como um serviço de educação para a
sustentabilidade (LIMA, 2002).
Uma questão: pensar a política de Extensão Rural de modo amplo, faz necessário
refletir sobre a formação dos futuros profissionais que passarão a compor os quadros de
execução da política. Assim sendo, qual a projeto pedagógico pensado para esse serviço
educacional? Um projeto de educação (mesmo em uma dimensão não formal) não pode
ser construído de forma fragmentada, como que uma colcha de retalhos, conforme pode-
se deduzir pela leitura do documento base da CNATER. Esse parece ser o grande desafio
em termos de ensino para a elaboração de uma política pública Extensão Rural; política
efetiva (no campo educacional) e duradoura (no campo do desenvolvimento sustentável).
Considerações Finais Buscou-se traçar nesse texto uma visão panorâmica da construção social da
política de Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil, destacando as duas últimas
24
décadas do século XX (a partir da redemocratização), desde o momento em que a
Extensão Rural passou a ser um direito garantido pela Constituição Federal de 1998, e
início deste século, culminando com a promulgação Lei de ATER, em 2010.
Assim como num palco, esse processo pode ser pensado em vários atos e arenas,
em que atores diversos participavam/disputavam interesses ora como protagonistas, ora
como coadjuvantes. O primeiro ato pode ser considerado como fundamental para trazer a
questão do rural para o espaço público. Aí entra o debate sobre o papel do Estado (como
forma de garantir os direitos) e o papel da sociedade, pensando em processos socais
mais inclusivos. Como questão central dessa reflexão destacou-se o conflito (implícito ou
explicitamente) entre o difusionismo e os pacotes da revolução verde (com fim à
modernização agrícola) versus tecnologias alternativas, com uma dimensão ecológica
(ganhando destaque a perspectiva da agroecologia). Conflito que se instaurou nesse
período e ainda presente no momento atual, expresso basicamente, na configuração da
agricultura de exportação (agronegócio) e agriculturas de base ecológica e social.
No segundo ato, destaca-se a construção da PNATER, entre 2003 e 2004. A
elaboração da “nova” política de ATER trouxe consigo uma série de concepções
inovadoras (a própria forma participativa, para sua construção, foi inovadora), buscando
arrancar das entranhas dos serviços extensionistas o autoritarismo embutido na sua
opção metodológica – o difusionismo. Contudo, essa ruptura pressupõe um esforço de
mudança na formação dos futuros profissionais. Destaca-se aqui, portanto, o papel que a
universidade deve desempenhar nesse processo, mas que pouca importância foi dada à
questão.
A promulgação da Lei de ATER pode ser considerado o terceiro ato. Embora não
tendo um caráter participativo como o foi o processo anterior (segundo ato),
fundamentalmente, a Lei traria uma maior segurança sobre a Extensão Rural, tendo em
vista a mudança de status: de programa de um governo, para política pública (aparato
legal). Mais que isso, o fundamental é a definição da Extensão Rural como um processo
educativo, essencial na construção do desenvolvimento sustentável no mundo rural do
país.
O quarto ato tem a ver com as chamadas públicas – instrumento legal para a
execução dos serviços extensionistas pelas organizações governamentais ou não-
governamentais. Contudo, ao contrário que do pressupõe a Lei, as chamadas estão
centradas fundamentalmente sobre os aspectos produtivistas. O tema da educação fica
apenas no enunciado da Lei, citado no texto em cada chamada.
A Conferência Nacional de ATER pode ser considerada como último ato desse
25
processo de construção (embora não se queira dizer que o processo esteja finalizado;
aliás, o documento final da Conferência ainda não havia sido publicado até esse
momento). Dividido em duas partes, destacou-se, por um lado, o atraso na realização da
Conferência, esvaziando sua função de propor diretrizes ao Plano Plurianual do Governo
Federal para 2012-2015, desconsiderando e enfraquecendo o mecanismo institucional
presente desde o seu nascedouro . Por outro lado, destacou-se o papel do ensino de
Extensão Rural para a construção da política de ATER. Pouca importância foi dada a
temática, agravando-se ainda mais por se tratar de um serviço educativo.
Por fim, um epílogo, destacando o tema do ensino de Extensão Rural, a partir da
contribuição de professores, pesquisadores e profissionais à Conferência. Conclui-se que
um projeto de educação (mesmo em uma dimensão não formal) não pode ser construído
de forma fragmentada, mas requer um esforço coletivo na busca de uma proposta
pedagógica orientado pelos objetivos do desenvolvimento sustentável – função primordial
da Extensão Rural na atualidade. A construção e o exercício de uma educação para a
sustentabilidade é o desafio.
Referências BRASIL. MDA. (2007). Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Brasília.
BRASIL. (1991). Lei no 8.171. Dispõe sobre a política agrícola. De 17 de janeiro de 1991. Brasília.
________. (2010a). Lei nº 12.188. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER... De 11 de janeiro de 2010. Brasília.
________. (2010b). Decreto nº 7.215. Regulamenta a Lei no 12.188, de 11 de janeiro de 2010. De 15 de junho de 2010. Brasília.
________. (2012a). ATER para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária e o Desenvolvimento Sustentável do Brasil Rural (Documento base da 1a CNATER – Versão Estadual). Brasília.
________. (2012b). ATER para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária e o Desenvolvimento Sustentável do Brasil Rural (Documento base da 1a CNATER – Versão nacional). Brasília.
CAPORAL, F. R. (2003) Bases para uma nova ATER pública. Extensão Rural, v.10, n.10. Santa Maria/RS. Disponível em: <http://w3.ufsm.br/extensaorural/art4ed10.pdf>. Acesso em: 11 Ago. 2011.
________. (2011) Lei de ATER: exclusão da agroecologia e outras armadilhas. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável, v.04, n.01. Porto Alegre/RS.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. (2004). Agroecologia: alguns conceitos e princípios. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA.
DIAS, M. M. (2008) Políticas públicas de extensão rural e inovações conceituais: limites e potencialidades. Revista Perspectivas em Políticas Públicas, Belo Horizonte, v.1, n.1, jun./dez.
DINIZ, P. C. O.; PIRAUX, M. (2011) Agroecologia e Convivência com o Semiárido: breves notas
26
de uma longa trajetória de diálogo e interfaces. In: TAVARES DE LIMA, J. R. (org). Agroecologia e Movimentos Sociais. Recife: Bagaço.
DINIZ, P. C. O.; TAVARES DE LIMA, J. R.; ALMEIDA, A. (2011). Chamadas Públicas de ATER: primeiras reflexões. Anais... XXVIII Congresso Internacional da Associação Latino-Americana de Sociologia. Recife, 06-11/Set/2011.
FONSECA, M. T. L. da. (1985) A extensão rural no Brasil, um projeto educativo para o capital. São Paulo: Loyola.
FÓRUM NACIONAL DE ENSINO EM EXTENSÃO RURAL. (2012) Moção da Primeira Conferência Estadual de ATER. Pernambuco (29-30/03/2012).
FREIRE, P. (1983): Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra.
GOHN, M. da G. (2008). Educação não formal e cultura política: impactos obre o associativismo do terceiro setor. 4ª Edição. São Paulo: Editora Cortez.
IBGE. (2009) Censo 2006. Brasília.
LIMA, G. F. da C. (2002) Educação e sustentabilidade: possibilidade e falácias de um discurso. ANAIS... Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/sociedade_do_conhecimento/Gustavo%20F.%20Costa%20Lima.pdf.> Acesso em: 23 Ago. 2010.
POLÍTICAS SOCIAIS: Acompanhamento e análise. (2007). N. 13 (edição especial). Brasília: IPEA. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/bpsociais/bps_13/BPS_13_completo.pdf. Acesso em: 04 Jul. 2012.
PEIXOTO, M. (2008) Extensão Rural no Brasil – uma abordagem histórica da legislação. Senado: Brasília, 2008.
SANTOS, A. D. dos. (2002). ONGs, Esfera Pública e a atribuição de novos significados para o Desenvolvimento Rural. Anais... VI Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia Rural. Porto Alegre.
SILVA, E. R. A. da. (2009). Participação social e as conferências nacionais de políticas públicas: reflexes sobre os avanços e desafios no período de 2003-2006. Texto para discussão, n. 1378. Brasília: IPEA.
TAVARES DE LIMA, J. R.; DINIZ, P. C. O.; SANTOS, A. A. (2011). E o Pajeú… vai até o meio do mar... Refletindo a chamada de ATER para o território do Pajeú. Anais... VII Congresso Brasileiro de Agroecologia. Fortaleza/CE (12-16/12/2011).
TEIXEIRA, G. (2009). A proposta de Assistência Técnica Pública e Gratuita para Agricultores Familiares e Assentados – Projeto de Lei nº 5.665, de 2009, do Poder Executivo: uma análise dos aspectos gerais. Brasília, 2009. (mimeo)