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Xenoglossia Sarah Grey Thomason Universidade de Pittsburgh 12 de janeiro de 1995 1. INTRODUÇÃO. O conceito de xenoglossia está mais intimamente associado a Ian Stevenson, Professor de Psiquiatria da Universidade da Escola Médica de Virgínia, que publicou detalhadas análises de muitos especialmente bem documentados pretensos casos do fenômeno. Stevenson define xenoglossia como ‘falar uma língua real inteiramente desconhecida [ao falante] em seu estado normal’ (1974:1). Ele afirma que o termo foi originalmente cunhado por C. Richet (1905-1907). Como Stevenson nota (vide especialmente a pesquisa em seu livro de 1974) existem numerosos relatórios publicados sobre casos de xenoglossia, mas a maioria deles não possui informação suficiente para permitir um teste de sua validade. Stevenson argumenta em defesa de uma distinção crucial entre o que ele chama de xenoglossia responsiva e xenoglossia recitativa. Na xenoglossia recitativa, a pessoa expressa ‘frases e de vez em quando longas passagens de uma língua estrangeira, normalmente aprendida precocemente em vida, sem a habilidade de conversar nesta língua’ (1974:2); a pessoa ‘normalmente demonstra apenas a memória mecânica’ (ibid., 5) e pode não entender de maneira alguma esses fragmentos da língua estrangeira. Claramente, a xenoglossia recitativa não se encaixa na definição de xenoglossia, porque – apesar da pessoa ter esquecido o que sabia da língua após muitos anos devido à falta de uso – a língua dificilmente poderia ser considerada inteiramente desconhecida pela pessoa. Em xenoglossia responsiva, entretanto, ‘a pessoa pode conversar inteligentemente na língua estrangeira’ (ibid.). A importância deste critério é que, na visão de Stevenson, ‘alguém só pode adquirir a capacidade de usar uma língua responsivamente usando-a, e não por ouvi-la por acaso’ (1984:160). Não é tão fácil quanto Stevenson acredita caracterizar o conceito de ‘conversar inteligentemente’ de forma precisa, sendo mais difícil do que parece se testar tal capacidade; mas o que ele tem em mente é que a pessoa

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Críticas a casos estudados em adultos por Ian Stevenson que sugeririam xenoglossia

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Xenoglossia

Sarah Grey Thomason Universidade de Pittsburgh

12 de janeiro de 1995

1. INTRODUÇÃO. O conceito de xenoglossia está mais intimamente associado a Ian Stevenson, Professor de Psiquiatria da Universidade da Escola Médica de Virgínia, que publicou detalhadas análises de muitos especialmente bem documentados pretensos casos do fenômeno. Stevenson define xenoglossia como ‘falar uma língua real inteiramente desconhecida [ao falante] em seu estado normal’ (1974:1). Ele afirma que o termo foi originalmente cunhado por C. Richet (1905-1907). Como Stevenson nota (vide especialmente a pesquisa em seu livro de 1974) existem numerosos relatórios publicados sobre casos de xenoglossia, mas a maioria deles não possui informação suficiente para permitir um teste de sua validade.

Stevenson argumenta em defesa de uma distinção crucial entre o que ele chama de xenoglossia responsiva e xenoglossia recitativa. Na xenoglossia recitativa, a pessoa expressa ‘frases e de vez em quando longas passagens de uma língua estrangeira, normalmente aprendida precocemente em vida, sem a habilidade de conversar nesta língua’ (1974:2); a pessoa ‘normalmente demonstra apenas a memória mecânica’ (ibid., 5) e pode não entender de maneira alguma esses fragmentos da língua estrangeira. Claramente, a xenoglossia recitativa não se encaixa na definição de xenoglossia, porque – apesar da pessoa ter esquecido o que sabia da língua após muitos anos devido à falta de uso – a língua dificilmente poderia ser considerada inteiramente desconhecida pela pessoa.

Em xenoglossia responsiva, entretanto, ‘a pessoa pode conversar inteligentemente na língua estrangeira’ (ibid.). A importância deste critério é que, na visão de Stevenson, ‘alguém só pode adquirir a capacidade de usar uma língua responsivamente usando-a, e não por ouvi-la por acaso’ (1984:160). Não é tão fácil quanto Stevenson acredita caracterizar o conceito de ‘conversar inteligentemente’ de forma precisa, sendo mais difícil do que parece se testar tal capacidade; mas o que ele tem em mente é que a pessoa deve poder mostrar que ela entendeu perguntas feitas na língua estrangeira respondendo-as de uma maneira apropriada. Considerando o problema de conhecimento prévio por meios normais em xenoglossia recitativa, não surpreende que o foco da pesquisa de Stevenson esteja voltado para os casos do tipo responsivo, os quais ele acredita serem os únicos casos que verdadeiramente comprovem a xenoglossia. No resto deste artigo, eu usarei o termo ‘xenoglossia’ para me referir exclusivamente a essa categoria.

A explicação apresentada por Stevenson para os casos de xenoglossia que ele considera genuínos é que ‘a personalidade sobrevivente à morte [pode] expressar em outro corpo físico – seja por meio da reencarnação ou possessão temporária – uma língua que tenha aprendido na vida passada’ (1984:166). Ele diz que não pode ‘decidir entre a hipótese de possessão e reencarnação’ no caso Jensen, por exemplo, (1974:84); neste caso ele primeiramente favoreceu a explicação de reencarnação como a mais provável, mas depois mudou para possessão, sem saber bem o porquê (ibid.). Em geral, ele é cauteloso em fazer alegações sobre reencarnação: uma frase que se repete em muitos dos seus escritos é ‘casos do tipo reencarnação’. Vejam, por exemplo, artigos como ‘A preliminary report on an unusual case of the reincarnation type with xenoglossy’ (The Journal of the American Society for Psychical Research 74:331-48, 1980) e títulos de livros como Cases of the reincarnation type (p. ex. vol. 1, Ten cases

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in India, Charlottesville: University Press of Virginia, 1975). Encontrar evidências que apoiem alegações de reencarnação é uma de suas principais metas, e ele está correto em acreditar que um caso bem estabelecido de xenoglossia genuína deve convencer os céticos da necessidade de alguma explicação paranormal.

Nas seções seguintes eu primeiro resumirei vários estudos de caso: os melhores exemplos de Stevenson [os casos Jensen, Gretchen, e Sharada] e três exemplos menos sofisticados fornecidos por um hipnólogo de Pittsburgh (§2). Então, em §3, eu considerarei se uma explicação paranormal é necessária para quaisquer destes casos. Minha conclusão é que, embora a fraude provavelmente possa ser desconsiderada em todos estes casos, a evidência linguística é fraca demais para fornecer algum apoio para as alegações de xenoglossia. Uma discussão mais ampla sobre a xenoglossia incluiria fenômenos linguísticos relacionados, tais como a glossolalia (falar em línguas num cenário religioso; vide Samarin 1972) e sotaques pseudoestrangeiros na fala de entidades incorporadas pelos médiuns modernos, ou incorporadores (vide Thomason 1989); contudo, limites de espaço impedem a inclusão destes temas aqui.

2. ESTUDOS DE CASO. Stevenson começa seu livro de 1974 com uma pesquisa de vários casos de xenoglossia que foram relatados na literatura, mas ele não faz afirmações fortes sobre sua validade porque, ele acredita, que não existe informação suficiente para permitir testes rigorosos de suas alegações. Seus livros de 1974 e 1984, por sua vez, focam em três casos de xenoglossia responsiva que poderiam ser submetidos a testes sérios. Descreverei o primeiro estudo de caso em detalhes e então, porque o padrão de investigação e análise de Stevenson é semelhante nos casos posteriores, farei resumos mais breves dos dois casos estudados por Stevenson 1984.

O estudo de caso de 1974 é o de Jensen Jacoby, uma personalidade masculina manifestada por TE, uma dona de casa americana de trinta e sete anos, sob hipnose. (O esboço do caso apresentado aqui é de Stevenson 1974.) Jensen apareceu em oito sessões hipnóticas, todas entre 1955 e 1956, através de uma técnica de regressão de idade que supostamente permitia que TE regressasse a sua juventude, mais precisamente para uma vida anterior como Jensen, um camponês sueco. Durante estas sessões Jensen foi interrogado, primeiro em inglês, mas mais tarde em sueco, sobre sua vida; ele respondeu em inglês a perguntas inglesas e em sueco a perguntas suecas (embora algumas perguntas tivessem sido feitas primeiramente em sueco e então, quando ele pareceu não entender, em inglês). O hipnólogo era o marido de TE.

TE nasceu e foi criada na Filadélfia; seus pais imigrantes falavam inglês, polonês, iídiche e russo no lar enquanto ela crescia. A única língua estrangeira que ela tinha estudado na escola foi o francês. Ela nunca foi exposta sistematicamente ao sueco ou a qualquer outra língua escandinava, e sua única experiência significativa com sueco consistia, até onde podia se lembrar, de algumas frases suecas faladas numa série exibida pela televisão sobre as vidas de americanos suecos, a qual tinha visto alguns anos antes de 1955 e da qual se lembrava bastante bem.

Ao investigar o caso de Jensen, Stevenson se empenhou bastante para descartar, como uma explicação para a fala sueca de Jensen, toda a possibilidade de fraude ou de experiências esquecidas com sueco ou outras línguas escandinavas. TE teve de fazer dois testes com o polígrafo, um teste de associação de palavra, e um teste de aptidão de língua; Stevenson obteve declarações assinadas de TE, de seu marido, e de outros parentes e conhecidos atestando que ela não conhecia pessoas escandinavas ou línguas escandinavas; ele verificou que nenhuma língua escandinava foi ensinada na escola que ela frequentou, e que não havia nenhum período em sua vida em que ela poderia ter aprendido sueco secretamente sem o conhecimento do seu marido e de outros parentes;

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e assim por diante. Stevenson foi de fato extremamente zeloso nos seus esforços para eliminar a fraude como uma possível explicação. Ele concluiu que ‘neste caso, a capacidade de falar sueco, como essa pessoa falou, não foi adquirida normalmente por TE’ (1974:71). Sua demonstração de que não houve nenhuma fraude no caso convence, mas sua alegação de que Jensen tinha a capacidade de falar sueco não.

O sueco de Jensen é, como Stevenson reconhece, não chega a ser perfeitamente fluente. Primeiro, na entrevista estudada mais intensivamente por Stevenson (a da sessão sete), Jensen usa apenas cerca de sessenta palavras espontaneamente (isto é, antes dos interlocutores suecos as usarem) e, de acordo com um dos consultores do Stevenson, ao se eliminar cognatos com inglês e alemão ou iídiche, este número fica reduzido a trinta e uma palavras inteligíveis (ibid.). Segundo, nesta entrevista Jensen tem um vocabulário sueco total de aproximadamente cem palavras; isto não é muito impressionante quando comparado com as milhares de palavras conhecidas por qualquer orador nativo de qualquer língua natural, mesmo levando em conta os contextos limitados em que Jensen falou sueco. Terceiro, ele raramente responde as perguntas em sentenças completas; na cópia completa da sessão sete que é incluída como um apêndice em Stevenson 1974, a vasta maioria das respostas de Jensen são elocuções de uma ou duas palavras, com nenhuma sentença complexa.

As opiniões sobre a qualidade da pronúncia sueca de Jensen variam. Por um lado, dois dos consultores de Stevenson elogiam o sotaque sueco de Jensen, e um diz que só um falante de sueco nativo poderia pronunciar a palavra para ‘seven’ corretamente, como Jensen fez (ibid., 37, 38); Stevenson considera este julgamento como evidência para a excelência do ‘sotaque sueco em ao menos alguns momentos’ (ibid., 66). Por outro lado, Stevenson se refere em outra parte às peculiaridades da ‘pronúncia de Jensen, em especial ao seu hábito de adicionar uma vogal no final das palavras que acabam numa consoante’ (ibid., 96), e admite que a transcrição das entrevistas em ‘ortografia sueca correta’ obscurece os erros de pronúncia de Jensen.

Outros aspectos inesperados da competência linguística de Jensen que surpreendem, isto é, sob a suposição de que ele é/era um orador nativo da língua, também devem ser explicados. Vários especialistas da pesquisa psíquica que conheciam a língua sueca e/ou norueguesa entrevistaram TE enquanto ela manifestava a personalidade de Jensen sob hipnose, e eles concordaram que o sueco de Jensen vinha misturado com o norueguês; Stevenson supõe que isto possa ser explicado por ele ter tido uma mãe norueguesa. Além disso, Jensen fala inglês, e isto, na visão de Stevenson, mostra que Jensen deve ter vivido no século XVII e emigrado para a Nova Suécia na América do Norte, onde ele aprendeu inglês. Propostas análogas são citadas para explicar a mistura aparente de dialetos suecos no discurso de Jensen.

Apesar de todos estes problemas com o sueco de Jensen, Stevenson conclui que é ‘incontestável’ que ‘a pessoa conversou inteligivelmente num sueco de sotaque excelente (em alguns momentos) e vocabulário claro’ (ibid., 71). Para ilustrar esta conclusão, ele realça o fato de que, para conversar numa língua, deve-se praticá-la; não é possível conversar se alguém meramente memorizou algumas palavras e frases.

Stevenson 1984 contém dois estudos de caso, o de Gretchen e o de Sharada. Gretchen é uma personalidade manifestada em sessões hipnóticas entre 1970 e 1974 por uma dona de casa americana chamada Dolores Jay. Como TE, o conhecimento anterior de alemão da Sra. Jay (até onde ela podia se lembrar) estava restrito a programas de televisão e a uma olhada num livro alemão. Como no caso de Jensen, o hipnólogo era seu marido. Uma diferença entre os dois casos (além da língua específica da manifestação) é que a Sra. Jay estudou um dicionário alemão em um momento durante o período principal, num esforço para aprender alemão suficiente de forma a agradar seu

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marido indisposto durante as sessões hipnóticas subsequentes; mas Stevenson assinala que a Sra. Jay já tinha produzido 206 palavras espontaneamente antes deste acontecimento (1984:48). Neste caso também, Stevenson fez grandes esforços para descartar a fraude como uma possível explicação para o desempenho linguístico do sujeito. Sua conclusão é que não havia nenhuma fraude convincente em ambos os casos, embora o desejo das mulheres de agradar seus maridos ao manifestarem as personalidades estrangeiras talvez as tenha encorajado a prestar grande atenção a quaisquer frases diretas suecas ou alemãs que tenham ouvido.

O desempenho linguístico de Gretchen é qualitativamente semelhante ao de Jensen. Num apêndice (1984:169- 203) Stevenson fornece ‘extratos das cópias de sessões com Gretchen’ (169), que consistem nas perguntas dos entrevistadores e nas respostas de Gretchen. As respostas são em grande parte restritas a expressões vocais de uma ou duas palavras, e muitos delas são simplesmente repetições da pergunta do entrevistador (mas com entonação declarativa da sentença em vez de entonação de pergunta). O vocabulário alemão de Gretchen é minúsculo, e sua pronúncia apresenta falhas. Por exemplo, a palavra que ela usa para ‘blue’ é blü – que é claramente a palavra inglesa com a vogal alemã [ü] substituindo a vogal inglesa; não é a palavra alemã, que é blau, que rima com a inglesa cow. Algumas de suas pronúncias parecem ser influenciadas pela escrita alemã e não pelos sons alemãs; por exemplo, Stevenson diz que ela pronuncia a palavra alemã schön para ‘beautiful’ como a inglesa show, em vez de – como seria de se esperar de anglicismos típicos da vogal alemã [ö] – como a inglesa Shane ou shern.

Diferentemente de Jensen, que fala inglês assim como sueco (com norueguês misturado com sueco), Gretchen fala somente alemão. Contudo, ela entende claramente o inglês, já que pode ‘responder em alemão a perguntas feitas a ela tanto em inglês como em alemão’ (ibid., 32). Ela, no entanto, utiliza uma palavra inglesa ocasional, por exemplo schicken para ‘chicken’ (ibid.). Talvez por não existir uma analogia plausível aqui a sua explicação da Nova Suécia para o inglês de Jensen, Stevenson não oferece uma explicação para a capacidade de Gretchen de entender inglês nem para o seu conhecimento de algumas palavras inglesas.

Gretchen diz que é iletrada (ibid., 40), mas em um dado momento ela escreve aproximadamente quarenta palavras (algumas delas repetidas) em alemão (43), com erros de ortografia que talvez se esperaria de um nativo da língua inglesa que tivesse aprendido só um pouco de alemão.

No caso de Gretchen também, Stevenson está confiante da necessidade de uma explicação paranormal para o desempenho linguístico dela. Numa carta respondendo a críticas do caso Gretchen, ele diz que ‘[q]uase qualquer um poderia aprender casualmente um pouco de alemão, mas não a quantidade – por menos que fosse – que Gretchen sabia’ (carta ao editor do The Journal of Parapsychology 51:373, 1987).

O caso de Sharada difere notadamente dos casos Jensen e Gretchen. Primeiro, a pessoa – uma mulher indiana chamada Uttara Huddar (doravante UH), nascida em 1941, que fala Marathi nativamente – não foi hipnotizada; em vez disso, a personalidade de Sharada se manifestou ‘espontaneamente, embora quase certamente primeiro quando a mulher... estava num estado alterado de consciência’ (Stevenson 1984:73). Segundo, diferentemente de Jensen e Gretchen, a personalidade de Sharada fala sua suposta língua nativa, bengali, relativamente fluentemente, usando com frequência sentenças longas e completas (ibid.). Além disso, Stevenson alega (outra vez em contraste com os casos Jensen e Gretchen) que ‘muitas das declarações de Sharada foram verificadas e que uma família que corresponde a elas foi localizada na parte de Bengal onde ela

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alegou ter vivido’ (ibid.). Certamente Sharada é muito mais informativa e explícita sobre sua vida do que Jensen ou Gretchen.

Sharada surgiu pela primeira vez em 1974, falando bengali e vestida no estilo bengali em vez de no estilo apropriado para seu estado natal (Maharashtra), num hospital onde UH estava sendo tratada de uma doença mental. Stevenson julgou que ela teria vivido no início do século XIX, uma estimativa baseada em parte pela ignorância dela sobre invenções modernas como trens e canetas-tinteiros (p. 106). Até que em 1976, quando ela começou a fazer aparências menos frequentes e mais breves, Sharada manifestava-se cerca de duas vezes por mês em intervalos irregulares.

Por muito tempo UH teve um ‘interesse especial em Bengal e no povo bengali (ibid., p. 81), assim como seu pai também tinha o mesmo interesse. No entanto, de acordo com Stevenson, a família não sabe bengali e não tem nenhuma conexão com Bengal. A cidade em que UH passou grande parte de sua vida, Nagpur, tem aproximadamente 10.000 bengalis numa população total de aproximadamente um milhão de habitantes (p. 137), então UH poderia ter tido contato com oradores bengalis durante seu tempo de vida presente. Ela tivera algumas lições em leitura bengali (p. 139); isto teria sido uma tarefa fácil, já que ela já conhecia um manuscrito relacionado (UH) em sua própria língua, marati. UH também estudou sânscrito, o que ajudaria tanto a aprender a falar como a ler bengali. O conhecimento de UH sobre Bengal também pode ser explicado por meios normais: ela lê romances bengalis traduzidos (p. 143).

Como nos casos Jensen e Gretchen, Stevenson tentou ao máximo verificar as possibilidades de explicar o bengali de Sharada por meios normais (em vez de paranormais). Neste caso, no entanto, ele não focaliza na possibilidade de fraude, talvez porque os meios normais para aprender bengali estivessem demonstravelmente disponíveis a UH durante a maior parte de sua vida antes das manifestações de Sharada. Peritos falantes de bengali que ele consultou sobre a competência linguística de Sharada discordaram. Um Dr. Roy, por exemplo, disse que Sharada ‘demonstrou um completo comando da língua bengali’ (120), e um Professor Paal concordou (121). Em contraste, M.C. Bhattacharya disse que, ‘apesar de Sharada poder falar bengali inteligentemente, ela não o falava fluentemente e às vezes tinha que procurar palavras’ (120); este julgamento foi repetido por Ranjan Borra, que adicionou que seu ‘sotaque bengali definitivamente não era o de um orador bengali nativo... [mas] sim o de um não-bengali que aprendeu a falar bengali depois da infância’ (122). Até mesmo o Dr. Roy comentou que a pronúncia bengali de Sharada não era boa (124).

Provavelmente mais significativa, no entanto, é a avaliação do Professor Sisir Kumar Das, Professor Tagore de bengali na Universidade de Délhi (126) e ‘o único linguista treinado’ entre todos os oradores nativos bengalis que estudaram o bengali de Sharada (133). Ele concluiu que seu bengali não era nem natural nem fluente, que seu sotaque era estrangeiro, que seu bengali representava um dialeto medíocre de Bengal Ocidental (127), que ela falava uma variedade não-nativa do século XX – definitivamente não do século XIX – e que, no todo, seu ‘bengali lembra o de alguém que tem o bengali como uma segunda língua, embora não muito perfeitamente’ (132). Stevenson apresenta o testemunho do Professor Das em sua totalidade, mas sugere que, uma vez que as conversas de Das com Sharada foram breves, talvez Sharada tenha tido um tempo curto demais para ‘exercitar’ a conversa com ele, e portanto não exibiu suas habilidades bengalis plenamente (133); semelhantemente, ele argumenta que a pronúncia do bengali de Sharada, influenciada pelo seu conhecimento do marati, talvez fosse explicada por sua necessidade de falar se utilizando da boca de UH. Nem o testemunho de Das nem o interesse profundo de UH em Bengal, abalaram a crença de Stevenson na natureza paranormal do bengali de Sharada.

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O caso de Sharada difere dos de Jensen e Gretchen em um outro aspecto importante: para os outros dois casos Stevenson forneceu cópias das interações reais entre os sujeitos e os entrevistadores, mas, para Sharada, ele fornece apenas alguns extratos das traduções inglesas das entrevistas (206-209). Não há, portanto, nenhum dado que permitiria que a evidência linguística crucial para a alegação de xenoglossia fosse avaliada. Numa breve tabela Stevenson fornece 24 palavras bengalis proferidas por Sharada, junto com seus equivalentes em sânscrito, bengali moderno, marati, e hindi (128-29). Destas palavras, 8 assemelham-se ao sânscrito mas não (ou ao menos não tão proximamente) ao bengali; 7 assemelham-se tanto ao sânscrito quanto ao bengali; 7 assemelham-se ao bengali mas não ao sânscrito; e duas não se assemelham a quaisquer das quatro línguas (embora para uma delas um dialeto diferente de bengali é tido como uma fonte plausível). Não há nenhuma palavra que seja muito semelhante ao marati ou ao hindi mas que não seja semelhante ao sânscrito e/ou ao bengali, e nenhuma das palavras que são semelhantes ao sânscrito mas não ao bengali lembra o marati ou o hindi mais do que o bengali. A soma total da evidência linguística fornecida por Stevenson é, portanto, inconclusiva, embora sugira uma confiança por parte de Sharada quanto ao treinamento de sânscrito de UH; não há nenhuma evidência de que Sharada tenha estudado sânscrito.

Um ponto final que deve ser notado aqui é que os casos informados de xenoglossia e outros fenômenos de reencarnação são muito comuns na Índia, presumivelmente por causa das fortes tradições religiosas indianas concernentes à reencarnação. Embora as tradições clássicas de reencarnação na Índia não afirmem a possibilidade de memórias de encarnações passadas, uma crença popular em tais memórias não é rara (Fred Clothey, comunicação pessoal, 1985). O caso de Sharada assim se encaixa de forma geral num padrão que se repete em toda parte na Índia.

Fecharei esta seção descrevendo de forma breve três casos menos sofisticados pretendidos de xenoglossia (vide Thomason 1984 para uma discussão mais plena). Estes casos foram estudados muito menos intensivamente que os de Jensen, Gretchen, e Sharada, e as personalidades se manifestaram por períodos muito mais curtos de tempo (normalmente em apenas algumas sessões). Nenhuma tentativa sistemática foi feita para descartar a fraude como uma explicação para os fenômenos; a questão da fraude não surgiu porque os sujeitos não produziram nenhuma palavra da língua que eles aparentemente acreditaram estar falando. (A minha impressão foi a de que todos os sujeitos e o próprio hipnólogo acreditavam na genuinidade das manifestações – isto é, acreditavam que os sujeitos tinham regredido a vidas passadas e que, encorajados pelo hipnólogo, eles falavam as línguas dessas vidas passadas). Nestes casos as alegações de xenoglossia podiam ser, e eram, testadas diretamente. O hipnólogo, Ralph Grossi, me forneceu gravações em fita, assim como listas das palavras na suposta língua xenoglóssica. Pediu-me para ‘verificar’ as línguas que seus sujeitos falavam, e a meu pedido ele contribuiu com a avaliação extraindo palavras (de uma lista normal de itens básicos de vocabulário) dos seus sujeitos enquanto eles estavam hipnotizados.

Eu estudei três das falas dos seus sujeitos. Todos os sujeitos eram nativos do inglês americano. Nos esboços que se seguem, todas as referências são feitas à fala dos sujeitos enquanto estavam sob hipnose e manifestando as pretendidas personalidades estrangeiras. O Sujeito A disse que viveu na Bulgária no início do século XIX, e que falava búlgaro. Seu discurso, que era lento mas fluente, continha um som ([ŝt], como na pronunciação alemã de Bach) que não é encontrado no inglês nativo e algumas sequencias de som, por exemplo [ŝt], que são comum em búlgaro mas não em inglês. No entanto, a lista de palavras que ela forneceu não continha nenhuma palavra em Búlgaro; e as formas que ela deu para os algarismos ‘4’, ‘5’, ‘7’, ‘8’, ‘47’, ‘48’, ‘49’, e

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‘50’ não mostraram nenhum padrão do tipo que é universal em sistemas numerais (veja Thomason 1984 para uma análise e discussão detalhadas). Quando eu contei a Grossi que o Sujeito A não falava Búlgaro, ele sugeriu que ela poderia estar falando em alguma outra língua – talvez russo, porque ela lhe tinha dito (sob hipnose) que tinha nascido na Rússia, mas mais tarde se mudado para a Bulgária. Ele estava cético quando eu o garanti que sua fala não era russa, e que, na verdade, não era um idioma humano. Deve ser notado, no entanto, que a primeira audição ligada à fala de A soou vagamente eslava; quando um professor de linguística eslava a escutou brevemente, ele soube que não era polonês nem russo (que ele próprio falava), mas pensou que talvez fosse búlgaro ou alguma outra língua eslava do sul (que ele não falava). É importante ter este ponto em mente ao se considerar os comentários dos consultores de Stevenson que afirmaram que Jensen misturava um pouco de norueguês com seu sueco.

Em sua vida passada o Sujeito B informou ter sido um cavaleiro chamado Sir Guy de Maupassant [sic], que viveu na aldeia Chanson na Normandia no século XIV. Disse que sua língua era o gaélico – que seria uma língua céltica, como o irlandês ou o escocês gaélico, exceto que nenhuma destas é ou foi falada na Normandia – mas a fala de B na realidade tinha um sotaque distintamente francês, com características fonéticas tais como vogais nasaladas e ênfase na última sílaba da palavra. Assim como aconteceu com o Sujeito A, o discurso do Sujeito B surpreendeu duas pessoas que sabiam francês como sendo algum tipo de francês: eles disseram que não conseguiram entender as palavras, mas acreditavam que havia ‘algum francês básico’. A grande maioria das traduções de sua lista de palavras, embora mais próximas de francês do que do céltico, não pertencia a nenhuma língua. Em vez disso, elas assemelhavam-se a uma deformidade do sotaque francês falado pelo latim da Igreja.

Finalmente, o Sujeito C foi (ela acreditava) regredido por Grossi a uma vida passada como uma esposa Apache do século XIX chamada Chloe. Apesar dos conselhos de Grossi, C estava extremamente relutante em falar qualquer Apache enquanto manifestava a personalidade de Chloe. Em vez disso, ela falava inglês Pidgin, e eventualmente o próprio Grossi passou a se comunicar em inglês Pidgin enquanto falava com ela. Mas sua fé na vida passada que ela descrevia não era abalada por isto, nem mesmo pela resposta dela a sua pergunta sobre como soube que ela nascera em 1852: ‘Quando se nasce, o chefe escreve na cabeça o ano e o mês em que nasceu’. Ele continuou impassível ao ouvir a afirmação de que ela morreu em 1873 aos 29 anos de idade. Quando ele persistiu em seus esforços de fazê-la falar Apache, ela finalmente emitiu algumas palavras; mas como estas palavras tiveram numerosos sons ingleses que não ocorrem em Apache (notavelmente o r) e faltaram todos os sons não-ingleses que ocorrem em Apache, elas não ajudaram a estabelecer o caso em prol da xenoglossia de C.

Diferentemente de Stevenson, eu não reuni informações detalhadas sobre o histórico de línguas dos sujeitos de Grossi. Mas suposições inteligentes podem ser feitas sobre isto: A mostrou pouca ou nenhuma evidência de ter estudado linguagens estrangeiras, embora em algum momento ela tivesse aprendido que Búlgaro tem [x] e uma sequência de som em comum [ŝt]; B, por contraste, deve ter estudado um pouco de francês (embora não o suficiente para traduzir mais do que algumas palavras de inglês em francês), e claramente deve ter sido exposto extensamente ao latim da Igreja, embora não o latim como é ensinado nas escolas públicas americanas. O Sujeito C era muito menos sofisticado linguisticamente do que o B e um pouco menos sofisticado do que o A; seu inglês Pidgin era (penso eu) sua ideia de como uma esposa Apache teria falaria.

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3. ESTES CASOS SÃO PARANORMAIS? Em cada um dos casos descritos no §2, a alegação feita é a de que uma explicação paranormal é necessária para explicar o desempenho linguístico dos sujeitos – que, de fato, os sujeitos demonstram o fenômeno de xenoglossia.

As alegações de Grossi não devem ser comparadas diretamente com as de Stevenson: Stevenson é um acadêmico, Grossi não; Stevenson submeteu seus três casos principais a grande escrutínio e a tantos testes quantos pôde pensar, enquanto Grossi aceitou os dele em seu valor de face. Linguisticamente, no entanto, os casos estudados mais elaboradamente por Stevenson são tão inverossímeis quanto os de Grossi.

A fraude não é uma consideração tão importante nos casos de Stevenson como ele acredita. Sharada, que é relativamente fluente, é a única pessoa que mostra capacidade linguística suficiente para exigir qualquer suposição de exposição significativa à língua, em qualquer período de sua vida. Mas em seu caso a explicação paranormal não pode ser testada plenamente, porque Stevenson não fornece quase nenhuma informação em bengali (e nenhum dialeto próximo ao bengali) e porque ela cresceu com um interesse em bengali e com oportunidades de aprendê-lo. Além do mais, a relação muito próxima entre as línguas indianas – incluindo o marati, a língua nativa de UH, e a língua nativa de Sharada, o bengali, ambas descendentes de uma língua quase idêntica ao sânscrito – significa que aprender um pouco de bengali teria sido muito fácil para UH; e é significativo que os únicos dados de Sharada que Stevenson cita, as 24 palavras ‘bengalis’, contêm mais sânscrito do que bengali. Assim como o Sujeito B de Grossi pareceu utilizar as línguas às quais ele aparentemente fora exposto (francês, latim de Igreja) para subconscientemente construir seu “gaélico”, Sharada parece explorar o sânscrito subconscientemente para construir o seu bengali, embora ela também tenha aprendido algum bengali de verdade. A única pessoa que investigou o bengali de Sharada refuta a alegação de que Sharada viveu no início do século XIX, porque o bengali que ela conhece é moderno. O fato de que Stevenson conseguiu verificar algumas das informações que ela forneceu sobre sua vida passada em Bengal não é comprobatório: algumas de suas declarações bateram, mas outras não, e a possibilidade de acerto acidental permanece. E o mais importante: apenas evidências linguísticas sólidas podem ajudar a estabelecer o caso como sendo representativo de xenoglossia.

O mesmo é verdade sobre os outros dois casos de Stevenson, e aqui ele foi capaz de verificar apenas algumas das declarações que Jensen e Gretchen fizeram sobre suas vidas. Ele especula que retardos e desordens mentais explicariam algumas declarações claramente incorretas, e fatores tais como pais imigrantes, emigração para a Nova Suécia, e ilegitimidade para explicar outras excentricidades em seus relatos. Mas as declarações ímpares de Jensen e de Gretchen são bastante próximas dos tipos de histórias contadas pelos sujeitos de Grossi sobre suas vidas. Interesses anacrônicos de Gretchen sobre perseguição religiosa, por exemplo, são semelhantes à declaração anacrônica de Sir Guy de que ele e outros cavaleiros normandos do século XIV são cavaleiros dos reis ingleses mas prefeririam um rei francês – apesar do fato de os ingleses terem perdido a Normandia para a França mais de 150 anos antes, em 1204.

Nos casos Jensen e Gretchen, Stevenson elimina com êxito a possibilidade de qualquer estudo sistemático de sueco ou alemão ter acontecido por parte dos sujeitos em seus tempos de vida presentes. Mas nestes casos a fraude deliberada já está efetivamente descartada pela qualidade pobre do desempenho linguístico: alguém que secretamente tivesse estudado sueco ou alemão seguramente saberia mais do que estas pessoas. Stevenson tentou construir um caso linguístico forte com sua noção de xenoglossia responsiva, argumentando em várias partes que entender perguntas e respondê-las inteligivelmente exige prática extensa, não apenas um contato casual com uma língua

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estrangeira (vide, por exemplo, 1974:75). Minha objeção é que sua prova é inadequada. Uma lista de palavras do tipo que foi compilada por Grossi a meu pedido fornece melhores evidências de conhecimento de vocabulário, e outros testes linguisticamente conclusivos podem facilmente ser criados com base no conhecimento gramatical; testes adequados não incluiriam as situações de entrevistas não-controladas que Stevenson considerou.

Stevenson está equivocado em sua crença de que não se pode esperar que uma pessoa adivinhe o que um entrevistador perguntará e que responda dentro dos limites de um vocabulário mínimo de língua estrangeira e quase sem nenhuma gramática de língua estrangeira. Primeiro, nas cópias transcritas das entrevistas com Jensen e Gretchen, os entrevistadores com muita frequência fazem perguntas do tipo “sim/não” – isto é, perguntas em que a resposta apropriada é simplesmente ‘sim’ ou ‘não’. Tais perguntas, tanto em sueco e alemão como em inglês, acabam com uma entonação ascendente, então podem ser reconhecidas como perguntas de sim/não independente de a pessoa entender o conteúdo real da pergunta ou não. Mas assim a pessoa meramente tem que saber as palavras para ‘sim’ e ‘não’ para responder inteligível e apropriadamente; e as respostas geralmente serão corretas por definição, porque as perguntas são sobre o próprio passado dos sujeitos vivos, o que somente eles podem saber. Segundo, em ambos os casos muitas das perguntas na cópia foram feitas em inglês. O entendimento dessas perguntas não exige nenhum conhecimento de sueco ou alemão, então a pessoa não se engaja em xenoglossia responsiva de acordo com a definição do Stevenson – mesmo quando, como às vezes acontece na transcrição da entrevista com Jensen, o entrevistador primeiro faz a pergunta em sueco e então a repete em inglês.

Os entrevistadores, naturalmente, fazem outras perguntas além das perguntas do tipo “sim/não”, a Jensen em sueco e a Gretchen em alemão. As respostas dos sujeitos a estas perguntas são muito falhas. Jensen, por exemplo, responde ‘minha esposa’ a uma pergunta sobre quanto ele pagaria por algum item no mercado, e Gretchen, ao ser perguntada sobre o que come no desjejum (‘after sleeping’), responde ‘Bettzimmer’ – uma tradução literal da palavra inglesa ‘bed-room’ mas não a palavra alemã para ‘bedroom’, que é Schlafzimmer (literalmente ‘sleep-room’). O conhecimento mínimo dos sujeitos nas línguas estrangeiras em suas vidas atuais é coerente com o nível de entendimento que eles exibem nas entrevistas. TE teve um pouco de experiência com sueco, e muitas das 60 palavras suecas que Jensen usa espontaneamente são muito semelhantes às palavras em francês, inglês, iídiche, ou russo, tudo o que TE tinha estudado ou ouvido em casa quando criança. A Sra. Jay teve um pouco de experiência com alemão, e muitas das palavras que Gretchen usa têm paralelos próximos em inglês. Como notado acima, todos os três sujeitos de Stevenson apresentaram erros de pronunciação e sotaques estrangeiros. Sharada cometeu erros gramaticais em seu bengali, enquanto Jensen e Gretchen eram tão lacônicos que suas expressões vocais exibiram poucos tipos de construções gramaticais.

Stevenson tem várias explicações para as inaptidões em sueco e alemão dos seus sujeitos. Alguns erros no sueco de Jensen, por exemplo, são atribuídos a uma mistura com o norueguês. Stevenson especula – embora não exista uma evidência no relato dela sobre si mesma – que Gretchen foi ‘uma criança ilegítima e negligenciada que passou a maior parte de seu tempo na cozinha com uma servente’, e que seu alemão defeituoso resulta do fato de que o servente era inculto (1984:46); mas já que pessoas incultas têm o vocabulário de milhares de palavras e a gramática tão complexa quanto a língua falada de uma pessoa educada, esta explicação não convence. Propostas mais plausíveis (caso se decida aceitar os argumentos paranormais de Stevenson) são que a personalidade estrangeira, em particular sua língua, só pode ser manifestada parcialmente, e/ou que ‘a

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grande dificuldade envolvida na comunicação mediúnica’ pode impedir o desempenho linguístico (1984:69). Estas explicações não são, infelizmente, acessíveis a testes científicos.

Mas apesar do desempenho problemático dos sujeitos, Stevenson está firmemente convencido de que a competência deles em sueco e alemão exige uma explicação paranormal. Já que o conhecimento ativo demonstrado por eles em línguas estrangeiras limita-se a uma ou duas centenas de palavras e a um pouco de gramática – que alguém certamente poderia aprender sem forçar a memória, mesmo com exposição mínima à língua – sua crença claramente reside na natureza responsiva do desempenho linguístico: às vezes eles respondem perguntas apropriadamente, mesmo perguntas que exigem uma resposta além de um ‘sim ou ‘não’. (Para Gretchen, eu contei 28 respostas deste tipo, incluindo algumas repetições, de um total de 102 perguntas na cópia transcrita; vide Thomason 1987, 1988 para uma discussão deste caso). Podem estas respostas apropriadas, dispersas entre as claramente impróprias, serem explicadas normalmente, de modo que nenhuma explicação paranormal seja necessária?

A resposta é sim, e a explicação reside na capacidade da pessoa usar indícios no contexto conversacional para fazer suposições pensadas sobre a intenção do entrevistador. Este não é um talento raro, mas sim um sentido que é possuído por todos que utilizam uma língua, sejam eles educados ou incultos. Certamente TE e Sra. Jay sabiam que seriam entrevistadas sobre sua vida passada, e que as perguntas pertenceriam principalmente a detalhes de suas vidas diárias. Em ambos os casos, a linha de interrogatório já havia sido sinalizada por perguntas feitas em inglês. Não só a estrutura conversacional foi altamente restrita, mas os entrevistadores geralmente usaram estruturas de sentença muito simples e repetiram suas perguntas frequentemente, tornando a adivinhação mais fácil caso as pessoas de fato não entendessem a pergunta. Qualquer um que tenha viajado para um país estrangeiro poderia fornecer exemplos de conjecturas bem-sucedidas deste tipo; exemplos também podem ser achados em salas de audiências americanas, onde juízes, depois de fazerem algumas perguntas simples (tais como ‘Qual é o seu nome?’, uma pergunta que foi feita tanto a Jensen como a Gretchen), decidiram que réus não-falantes-de-inglês sabem inglês bem o suficiente para seguir os processos da corte sem a ajuda de um intérprete – mesmo quando, em muitos casos, os réus sabiam tanto inglês quanto Jensen e Gretchen sabiam sueco e alemão. Em outras palavras, o nível de compreensibilidade em Jensen e Gretchen era demasiado baixo para convencer um linguista de que isto refletia qualquer grau significativo de uma língua aprendida. Contrariamente à opinião de Stevenson, estas pessoas não mostraram nenhuma facilidade nas línguas além do conhecimento de um punhado de palavras e de características gramaticais. Também é significativo que o conhecimento passivo de sueco e de alemão por parte dos sujeitos – a habilidade de compreender o que lhes era dito – era mais fraco do que seu conhecimento ativo das palavras e das frases; mas os falantes reais de línguas reais, incluindo os principiantes numa segunda-língua, têm uma voz passiva muito maior do que o conhecimento ativo da língua.

A explicação mais provável para o desempenho linguístico tanto dos sujeitos de Stevenson quanto para os de Grossi é que eles tinham uma ideia de como as principais línguas soam – variando desde praticamente nenhum conhecimento preciso no caso dos sujeitos A e C de Grossi, a um pouco de conhecimento (errôneo) no caso do sujeito B de Grossi, a um conhecimento de uma ou duas centenas de palavras e de um pouco da gramática para Jensen e Gretchen, ao conhecimento mais substancial no caso de Sharada – e eles exploraram todo o conhecimento que possuíam para produzir a língua que acreditavam terem falado em uma vida passada. A xenoglossia responsiva de

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Stevenson é falha como um critério para estabelecer o conhecimento de uma língua, pelo menos no baixo nível de compreensão indicado por Jensen e Gretchen. Assim, embora se possa prontamente concordar com Stevenson que um exemplo genuíno de xenoglossia seria evidência impressionante para um fenômeno paranormal, continua a ser verdade que até o momento nenhum caso suficientemente convincente foi apresentado.

Artigo original disponível aqui.

Traduzido por Vitor Moura Visoni e revisado por Inwords.