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SR(A). DR(A). JUIZ(A) FEDERAL CÍVEL DA SECÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL IMPETRANTE, Fulana de Tal, de nacionalidade haitiana, solteira, inscrita sob o CPF de número XXXXXXXX, sob o passaporte de número XXXXXXXX, e data de nascimento dia XX de Junho de XX, desempregada, residente e domiciliada no Bairro Restinga, através do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vem, respeitosamente, com fulcro no art. 5º, LXIX, da CF e art. 1º da Lei n°12.016/2009, impetrar o presente MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO (com pedido de tutela antecipada) contra potencial ato coator do Delegado da Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, com

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SR(A). DR(A). JUIZ(A) FEDERAL CÍVEL DA SECÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

IMPETRANTE, Fulana de Tal, de nacionalidade haitiana, solteira, inscrita sob o CPF de número XXXXXXXX, sob o passaporte de número XXXXXXXX, e data de nascimento dia XX de Junho de XX, desempregada, residente e domiciliada no Bairro Restinga, através do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vem, respeitosamente, com fulcro no art. 5º, LXIX, da CF e art. 1º da Lei n°12.016/2009, impetrar o presente

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO

(com pedido de tutela antecipada)

contra potencial ato coator do Delegado da Superintendência Regional da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, com domicílio profissional na Av. Ipiranga 1365 - Bairro Azenha - Porto Alegre CEP 90160-093, vinculado à UNIÃO FEDERAL (Procuradoria da Fazenda Nacional), com endereço na Av. Loureiro da Silva, 445 - Cidade Baixa, Porto Alegre - RS, 90013-900, pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir expendidos.

I – Dos Fatos

Compareceu Fulana de Tal ao Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados (GAIRE), na Faculdade de Direito da UFRGS para buscar regularizar sua situação migratória e procurar auxilio para trazer o pai do seu filho do Haiti a Porto Alegre.

Em busca da solução da causa, os integrantes do GAIRE encaminharam a assistida a transformar sua solicitação de refúgio para visto permanente por reunião familiar, posto que a parte é mãe de filho brasileiro o qual é seu dependente e precisa de seu amparo.

Ademais, busca-se processamento de seu pedido de expedição de documento de identificação de estrangeiro em território nacional.

Todavia, consoante a Delegacia da Polícia Federal, foi informada que deveria a parte pagar o montante de R$933,37, referente as taxas para a efetivação do procedimento administrativo junto à Delegacia de Policia Federal. Tais taxas possuem fundamento na Portaria n° 927 de 9 de julho de 2015 (DOU de 10 de julho de 2015).

Contudo, a parte impetrante não possui a capacidade econômica para pagar estes valores sem o comprometimento de seu sustento e de sua família, o que impede a expedição de documento indispensável de identificação em território nacional e também sua regularização migratória para que possa ter acesso a outros documentos como, por exemplo, carteira de trabalho. Cabe ressaltar que a parte possui um filho brasileiro de três meses de idade, como comprovado com a certidão de nascimento, o qual necessita seu amparo, atenção, assistência e tempo integral, posto que a criança necessita amamentação a cada três horas. Ademais, a parte não tem qualquer membro familiar no Brasil com quem deixar seu filho e não há vagas em creches na rede pública, impossibilitando que busque um emprego para que tenha uma renda fixa mensal.

Os benefícios concedidos à parte por meio de programa da União garantem a impetrante um montante mensal. Entretanto, não suficiente para prover seu próprio sustento e do filho. Por suposto, a impetrante não tem condições de pagar as taxas da polícia federal para pedido de permanência e 1ª via Carteira de estrangeiros, as quais somam R$ 372,90 centavos.

Desse modo, a impetrante procurou a Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados e, como a Delegacia Polícia Federal tem sistematicamente negado o deferimento de qualquer tipo de isenção ou reconhecimento de imunidade quanto às taxas, não resta outra via à impetrante senão o presente mandamus.

II – Do Direito

Do Cabimento do Mandado de Segurança:

Em caso de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, deve ser utilizado o mandado de segurança. É o que determina a Constituição Federal, no seu artigo 5º, LXIX:

“LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício deatribuições do poder público.”

Outrossim, a lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009, que disciplina a referida ação constitucional, prescreve o seguinte em seu artigo 1º, caput:

“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”

In casu, o que se pretende é garantir a possibilidade de emissão de documento de identificação no país à parte impetrante para que possa ter assegurado seus direitos fundamentais, em especial no que tange ao exercício da cidadania e à proteção aos seus direitos sociais. Contudo, em que pese a hipossuficiência da parte autora, sem o pagamento das taxas seu pedido administrativo sequer será processado.

Assim, como o pagamento é um requisito para a regularização da situação da parte impetrante, e diante de sua impossibilidade de fazê-lo, bem como em razão dos argumentos que serão abaixo explorados, temos que há um evidente receio de violação de direito líquido e certo.

Da possibilidade de gratuidade

Antes de adentrarmos no mérito da questão, importa salientar que as normas do Estatuto do Estrangeiro, bem como toda a legislação infraconstitucional aplicável ao caso, devem ser interpretadas de acordo com os princípios constitucionais.

Posto isso, ressaltamos que a Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, assegura aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

No mesmo sentido temos o art. 95 do Estatuto do Estrangeiro, o qual determina que “o estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis”.

Assim, a interpretação dos institutos aplicáveis aos estrangeiros deve ser feita de acordo com os preceitos contidos na Constituição Federal e na legislação que regulamenta as referidas garantias.

E, neste contexto, não se pode olvidar que os estrangeiros estão devidamente amparados pelas garantias constitucionais[footnoteRef:1]. [1: ”A teor do disposto na cabeça do art.5º da CF, os estrangeiros residentes no País têm jus aos direitos e garantias fundamentais”(STF, HC 74.051,Rel.Min. Marco Aurélio,julg. 18/06/1996).²Conforme ensina José Afonso da Silva, apesar do art.6º da CF não ter mencionado expressamente os estrangeiros, também não os excluiu das garantias (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, p338). Assim, considerando-se os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art.3º da CF), evidente que os estrangeiros também são titulares de direitos sociais.]

Pois bem. A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXXVI, dispõe: "LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito". No mesmo sentido, o inciso LXXVII dispõe que “são gratuitas as ações de ‘habeas-corpus’ e ‘habeas-data’, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.”

Ora, tais dispositivos objetivam garantir a concretização do mínimo necessário ao pleno exercício dos Direitos Fundamentais independentemente das condições econômicas do titular de tais direitos.

Neste contexto, apesar de não haver disposição expressa, tal norma constitucional é também aplicada aos estrangeiros residentes no país, visto que nosso ordenamento jurídico não prevê distinções entre nacionais e estrangeiros no que tange ao exercício de direitos fundamentais.

Assim sendo, por se tratar da finalidade de expedição de cédula de identidade de estrangeiro, elemento este indispensável à regular identificação da parte impetrante no Território Nacional,conforme previsto no artigo 30 da Lei n 6.815/80, não há que se condicionar sua emissão ao recolhimento de qualquer taxa, quando verificada a hipossuficiência do requerente, sob pena de se impor indevida restrição ao exercício de direito fundamental previsto na Constituição Federal.

Poder-se-ia argumentar ainda que não poderia o Poder Judiciário reconhecer uma hipótese de isenção não prevista na legislação. Todavia, tal hipótese de gratuidade decorre diretamente do texto constitucional, razão pela qual não há qualquer óbice em sua aplicação.

Neste sentido, temos a seguinte decisão do e. Superior Tribunal de Justiça (grifamos):

“A Cédula de Identidade de Estrangeiro é essencial para identificação da pessoa. Sua ausência impede o exercício da cidadania. Não há vida digna se a pessoa não pode identificar-se. Assim, tratando-se de direito fundamental, aplicável a regra que garante a gratuidade ao estrangeiro que resida no país. Não se trata de conceder isenção sem lei específica, mas de aplicar gratuidade prevista na Constituição.” (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.470.712, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 03/06/2015)[footnoteRef:2]. [2: No mesmo sentido: RESP 1.438.068 - RS (2014/0040704-0), RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES]

No mesmo sentido, há precedentes em todos Tribunais Regionais Federais (grifamos):

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INOMINADO. MANDADO DE SEGURANÇA. HIPOSSUFICIÊNCIA. INEXIGIBILIDADE DE TAXA. SEGUNDA VIA DA CÉDULA DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO. RECURSO DESPROVIDO. 1. A cédula de identidade de estrangeiro é um documento de essencial importância para o exercício da cidadania, assim pode-se concluir que artigo 5º, LXXVI, da CF, autoriza a sua expedição de forma gratuita na hipótese de a pessoa não ter condições de pagar, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. 2. O agravo inominado deve mesmo ser desprovido, pois, ainda que impugnada a aplicação do artigo 557 do Código de Processo Civil, não restou indicada pela agravante qualquer divergência na interpretação do Direito, senão a dela própria, o que evidencia a pertinência da solução monocrática, à vista da jurisprudência pertinente no caso concreto. 3. Por fim, não merece prosperar a invocação dos artigos 150, §6º, da CF, 97, I, e 176, do CTN, diante do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a Cédula de Identidade de Estrangeiro constitui documento que identifica o estrangeiro perante a sociedade e possibilita o exercício de praticamente todos os atos da vida civil. 4. Agravo inominado desprovido.”(TRF da 3ª Região - AMS 00043502520124036100, JUIZ CONVOCADO ROBERTO JEUKEN, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/01/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

“ADMINISTRATIVO. CÉDULA DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO. EXPEDIÇÃO. GRATUIDADE. - A expedição de cédula de identidade nacional a estrangeiro, no caso deste não ter condições de arcar com o custo de expedição, deve-lhe ser fornecida gratuitamente, porquanto constitui-se documento que possibilita o exercício de direitos fundamentais, abstraído o acesso a direitos políticos.” (REO 200472000096787, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 17/05/2006)

“ADMINISTRATIVO. CÉDULA DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO. EXPEDIÇÃO. GRATUIDADE. - A expedição da cédula de identidade de estrangeiro constitui-se em ato de abertura da possibilidade de exercício de direitos fundamentais, abstraído o acesso aos direitos políticos. - No caso concreto, os ônus seriam proibitivos e recairiam sobre família que inclui casal padecente de doença gravíssima e incurável.” (AMS 200272000156180, VALDEMAR CAPELETTI, TRF4 - QUARTA TURMA, DJ 05/11/2003 PÁGINA: 946.)

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ESTRANGEIRO. PRETENSÃO À EXPEDIÇÃO DA SEGUNDA VIA DA CÉDULA DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO, SEM O PAGAMENTO DE TAXA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, INCISO LXXVII. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. DOCUMENTO EXPEDIDO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. 1. O art. 5º, inciso LXXVII da Constituição Federal assegura a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, o que abrange a expedição de documentos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais. 2. Objetivando o impetrante a expedição da segunda via da Cédula de Identidade de Estrangeiro, sem o pagamento de qualquer taxa ou emolumento, por ser pessoa hipossuficiente, a sua emissão, após a sentença concessiva da segurança, consolida situação de fato cuja desconstituição não se mostra possível. 3. Sentença confirmada. 4. Remessa oficial não provida".(TRF1, REOMS 00080186720094013900, Sexta Turma, Relator Desembargador Federal DANIEL PAES RIBEIRO, DJe 28/11/2011).

“DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. ESTRANGEIRO. CARTEIRA DE IDENTIDADE. SEGUNDA VIA. EXPEDIÇÃO. TAXA. HIPOSSUFICIÊNCIA. ISENÇÃO. POSSIBILIDADE. (...) 5. A liberdade de locomoção, positivada no texto constitucional, é das mais elementares e importantes liberdades individuais, e o direito ao trabalho, igualmente elementar e consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tampouco pode ser fechado ao apelante, pela ausência de documento de identidade pelo qual ele sequer tem condições de pagar, porque a taxa equivale à totalidade de seus gastos mensais, o que ofenderia, a reboque, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, fundamentos da República brasileira. Aplicação dos arts. 1º, II e III, e 5º, XII e XV, da Constituição. 6. Na sociedade moderna, cada vez mais preocupada com a efetividade dos direitos, os Estados, responsáveis pela emissão das cédulas de identidade comuns dos brasileiros, têm concedido a gratuidade aos hipossuficientes, inclusive para a segunda via. A legislação do estrangeiro, porém, permaneceu engessada nesse aspecto, alheia, inclusive, à notável reputação do Brasil, no plano internacional, em relação ao tratamento dispensado aos estrangeiros. O discurso positivista, apegado à estrita legalidade tributária ainda que de sede constitucional, cede facilmente frente à supremacia das demais normas constitucionais que compõem o núcleo essencial de direitos, com força normativa superior. 7. É também de interesse da Administração a correta e adequada identificação dos estrangeiros em território nacional, inclusive para fins de atualização cadastral, não sendo razoável submeter o requerente ao risco de ser apreendido pela Polícia Federal por irregularidades registrais que sequer tem condições próprias de sanar. 8. Apelação provida.” (Apel. nº 0010015-73.2011.4.02.5101, Relator: GUILHERME BOLLORINI PEREIRA, 6ª Turma TRF2, julgamento: 17/09/2014, DJE: 23/09/2014)

“INTERNACIONAL. RENOVAÇÃO DE PEDIDO DE PERMANÊNCIA NO PAÍS. COBRANÇA DE TAXA. INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO ESTRANGEIRO. ISENÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a presente lide a respeito da possibilidade de isenção de taxa cobrada ao autor em virtude de renovação de pedido de permanência no país. Tal isenção é pleiteada em razão de alegada insuficiência econômica do estrangeiro para realizar o pagamento. 2. Ainda que não haja previsão legal de isenção para o caso em comento, cabe ao Poder Judiciário analisar se houve respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na realização de atos administrativos. 3.Não se configura razoável a cobrança da referida taxa, em razão de o pagamento desta ser prejudicial ao sustento do autor e de sua família, constituída no Brasil, e da qual seria afastado caso lhe fosse negada a possibilidade de renovar seu visto. Há que se respeitar o disposto no art. 5º. XXXIV, da CF, bem como o art. 1º da Lei nº 9.265/96. 4. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF5 - PROCESSO: 00117270720124058100, APELREEX29370/CE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 10/06/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 16/06/2014 - Página 151).

"MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE TAXA RELATIVA AO REGISTRO DE PRORROGAÇÃO DE VISTO DE ESTUDANTE E DE EXPEDIÇÃO DE CÉDULA DE IDENTIDADE DE ESTRANGEIRO. INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO IMPETRANTE. Mantida a sentença que concedeu a segurança, determinando à autoridade impetrada que se abstenha de exigir do impetrante o pagamento de taxas e despesas para a realização do registro de permanência em território nacional, bem como para a expedição de Cédula de Identidade de Estrangeiro, baseada nos disposto nos artigos 1º, III c/c 3º, IV c/c 5º, LXXVII, da CF/88 e no art. 1º da Lei nº 9.265/96 que regulamenta o inciso LXXVII do art. 5º da Constituição, dispondo sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania.":(Processo REOAC 200871000215949 REOAC - REMESSA EX OFFICIO EM AÇÃO CÍVEL Relator(a) MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA Sigla do órgão TRF4 Órgão julgador TERCEIRA TURMA Fonte D.E. 24/06/2009)

Lembre-se, também, que a regularização migratória, com a correta e adequada identificação dos estrangeiros, é de interesse da própria Administração Pública, não sendo razoável impor a cobrança de taxa para expedição do documento de identificação nos casos em que seu pagamento se torna prejudicial ao sustento da parte impetrante e do bem-estar do seu filho. Assim, do ponto de vista da isonomia e igualdade entre brasileiros e estrangeiros, evidente a violação de um direito fundamental que é o próprio direito de ter acesso à regularização migratória e documentação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que a “família é a unidade de grupo natural e fundamental da sociedade e tem direito a ser protegida pela sociedade e pelo Estado”[footnoteRef:3]. Importante notar, portanto, que o artigo 226 da Constituição Federal dispõe: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”Tão importante é tal princípio internalizado na CFRB no artigo 226, a qual refletiu sobre novos valores os quais são fruto da reflexão sobre mudanças sociais. Entre eles, o fim da discriminação das entidades familiares não matrimonializadas que passaram a receber tutela idênticaàs constituídas pelo casamento (caput, art. 226); a igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher na sociedade conjugal (parágrafo 5º do art. 226) e na união estável (parágrafo 3º do art. 226) e a igualdade entre filhos de qualquer origem seja biológica ou não biológica, matrimonial ou não (parágrafo 6º do art. 227). Ora, o que se objetiva, através da regularização migratória da parte impetrante é justamente a proteção à unidade familiar, sendo certo que o exercício pleno da cidadania é condição instrumental para garantir tal proteção. Assim, não parece possível que, por mera ausência de recursos financeiros para custear seu pedido junto à Polícia Federal, este indivíduo deixará de ter sua família protegida, não se aplicando a ele o referido dispositivo constitucional. Aliás, pergunta-se: qual a utilidade de se impedir a regularização migratória se sequer pode ser efetivada uma deportação no caso concreto? [3: Declaração universal de direitos humanos. Disponível em http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf. Acesso em 01 de Novembro de 2015. ]

Portanto, em casos como estes, diante da vulnerabilidade social da parte impetrante de rigor o reconhecimento da gratuidade prevista na Constituição Federal.

Da violação do princípio da capacidade contributiva e vedação do não confisco

No dia 10 de julho de 2015 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria n° 927, de 9 de julho de 2015, que majorou diversas taxas relativas a documentação de estrangeiros e processamento de pedidos de regularização migratória. Desde então a Grupo de Assessoria a Imigrante a Refugiados tem sido procurada por imigrantes que alegam não terem condições de arcar com as taxas após este aumento.

De fato, as taxas tiveram um aumento abrupto de cerca de 60%, valores que causam um impacto considerável no orçamento de imigrantes e refugiados em situação de vulnerabilidade. A título de exemplo, citamos as seguintes taxas:

Serviço

Valor original

Valor atual

Pedido de permanência

R$ 102,00

R$ 168,13

1ª via da Carteira

R$ 124,23

R$ 204,77

Outras vias da carteira

R$ 305,06

R$ 502,78

Cédula de refugiado

R$ 35,00

R$ 57,69

Ainda que este aumento esteja de acordo com índices inflacionários, o impacto da majoração é considerável para a renda dos imigrantes, em especial diante do fato de inexistirem hipóteses de isenção ou de redução das taxas. É o caso, por exemplo, da segunda via da Carteira de Identificação de Estrangeiro, a qual não conta com previsões de gratuidade para casos excepcionais, como furto.

Além disso, é notório que a cobrança de tais valores está em desacordo com os serviços prestados. Não há sentido, por exemplo, de afirmar que a segunda via de uma Cédula de Identificação de Estrangeiro custe R$ 502,78.

Deste modo, infere-se que as taxas cobradas violam os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da vedação do não confisco, os quais estão intimamente ligados.

O princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, § 1º, da CF, dispõe que os tributos, na medida do possível, devem ser graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Uma das consequências deste comando constitucional é o impedimento de tributação do mínimo vital, ou seja, daqueles valores tidos com necessários para a sobrevivência do ser humano. Trata-se, ainda, de uma decorrência do princípio constitucional da igualdade, o que obriga tanto o legislador quanto a administração a buscar a justiça tributária.

Vale ressaltar, ademais, que o princípio da capacidade contributiva não está restrito aos impostos, sendo, segundo o STF, aplicável também a outras espécies tributárias, inclusive taxas (STF, RE 177.835-1, Min. Carlos Velloso).

Já o princípio da vedação do confisco, previsto no art. 150, IV, da CF, impede que tributos sejam sentidos como uma penalidade ao contribuinte em razão de uma onerosidade excessiva[footnoteRef:4]. [4: MACHADO, Hugo de Brito. In: MARTINS, Ives Gandra (coord.). Capacidade contributive. São Paulo, ResenhaTributária CEEU, 1989 (Caderno de Pesquisas Tributárias, 14), p. 133.]

Também este princípio é aplicável às taxas, mas de forma distinta do que ocorre com os impostos, já que estamos diante da contraprestação de um serviço estatal. Assim, para verificarmos se houve violação da proibição de confisco, é necessário investigar se a taxa está de acordo com o custo da atividade estatal que está sendo remunerada. Esta é a posição do Supremo Tribunal Federal, amparada ainda no princípio da proporcionalidade:

“(...) TAXA: CORRESPONDÊNCIA ENTRE O VALOR EXIGIDO E O CUSTO DA ATIVIDADE ESTATAL. - A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. - Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República. Jurisprudência. Doutrina. TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. - A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. (ADI 2551 MC-QO, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2003, DJ 20-04-2006 PP-00005 EMENT VOL-02229-01 PP-00025)

Pois bem. No caso em tela, é evidente a desproporcionalidade entre o serviço prestado e a cobrança das abusivas taxas veiculadas a partir da Portaria nº 927/2015. Não há elementos que apontem para a necessidade do recente aumento, estando claro que houve apenas a aplicação linear de um índice de correção monetária, artifício que o Governo Federal não aplica de forma uniforme para, por exemplo, aumento de benefícios[footnoteRef:5] ou salários. [5: O Bolsa Família, por exemplo, teve sistematicamente aumentos inferiores a índices inflacionários.]

Por fim se considerarmos que uma parcela significativa dos imigrantes está em situação de vulnerabilidade, patente que as taxas atualmente cobradas violam o princípio da capacidade contributiva, comprometendo até mesmo o mínimo existencial destas pessoas.

Do exposto, caso não seja reconhecida a gratuidade decorrente do próprio texto constitucional nos termos da argumentação anterior, pugnamos, subsidiariamente, pelo reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da Portaria nº 927/2015[footnoteRef:6], a qual possui nítido caráter normativo, de modo a possibilitar o pagamento das taxas prevista na revogada Portaria nº 2.368, de 19 de dezembro de 2006. [6: Sobre a possibilidade de reconhecimento incidental de inconstitucionalidade de mandado de segurança: STJ, ROMS 201000445125, 23/11/2012, Desemb. Convocada Diva Malerbi.]

III – Da antecipação dos efeitos da tutela mandamental:

Consoante o art. 7º, da Lei n° 12.016/09, é possível ao juiz conceder liminar em favor da impetrante, desde que seja relevante o fundamento.

Ademais, a antecipação de tutela tem o seu fundamento principal na necessidade de ser afastado o mal decorrente da demora na entrega da prestação jurisdicional, levando a que as partes sofram perdas irreparáveis, ou de difícil reparação, durante o desenrolar do processo, até o seu julgamento definitivo. Neste sentido, tanto o fumusboniiuris quanto o periculum in mora são evidentes no caso em tela.

Como já demonstrado, é absolutamente ilegítima a atitude de se cobrar a taxa administrativa ora discutida, o que ocasionaria a violação de direitos fundamentais, bem como de interesses do próprio Estado. Já o perigo na demora fica evidenciado diante da restrição que atinge a parte impetrante em razão de não possuir o citado documento, o qual é essencial para o exercício de seus direitos.

Assim, pugna-se pela antecipação dos efeitos da tutela para que a autoridade coatora receba e processe o pedido de expedição da documentação independentemente do pagamento de quaisquer taxas ou, subsidiariamente, cobrança das taxas de acordo com a Portaria nº 2.368, de 19 de dezembro de 2006.

IV – Do pedido:

Restando amplamente demonstrado o caráter ilegal e abusivo do ato combatido, lesivo a direito líquido e certo da impetrante, requer-se:

a) a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, na forma do art. 4º da Lei n.º 1.060/50;

b) a intimação pessoal, com entrega dos autos, da advogada do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados.

c) a concessão de medida liminar inaudita altera parte, a fim de assegurar a não cobrança da qualquer taxa administrativa de modo que o pedido possa ser recebido e processado regularmente;

d) subsidiariamente, concessão de medida liminar inaudita altera parte, para permitir a cobrança das taxas de acordo com a Portaria nº 2.368, de 19 de dezembro de 2006;

e) a notificação da autoridade coatora (art. 7.º, inciso I, da Lei n.º 12.016/09);

f) a intimação do representante do Ministério Público Federal (art. 12 da Lei n° 12.016/09);

g) a concessão da segurança, reconhecendo-se a imunidade da impetrante quanto à taxa em comento ou, subsidiariamente, a incidência das taxas de acordo com a Portaria nº 2.368, de 19 de dezembro de 2006.

Dá-se à causa o valor de R$ 1000,00 (hum mil reais).

Termos em que,

Pede e espera deferimento.

Porto Alegre, 07 de Junho de 2016.

Advogado Fulano de Tal

OAB RS XXXXX

Advogado Cicrano de TAl

OAB RS XXXXX