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NECESSIDADES E DIFICULDADES DA GESTÃO HÍDRICA PARTICIPATIVA NO SETOR INDUSTRIAL: IMPLANTAÇÃO DE UM PROJETO PILOTO DE CONSERVAÇÃO DE ÁGUA EM UMA EMPRESA DO RAMO ALIMENTÍCIO, MOGI GUAÇU, SÃO PAULO Autora: Daniela Maria Guedes 1 Orientador: Prof. Dr. Ricardo da Silva Manca 2 RESUMO Nas últimas décadas o setor industrial tem sido responsável por impactos positivos no PIB brasileiro, no entanto, o elevado consumo de água por esse setor também tem afetado a disponibilidade hídrica do país. Por essa razão, a implantação de programas de conservação de água se faz necessária para garantir o desenvolvimento sustentável das indústrias brasileiras. Esse trabalho apresenta as necessidades e dificuldades diagnosticadas durante a implantação de um projeto piloto de conservação de água em uma empresa do ramo alimentício em Mogi-Guaçu, SP. Os resultados apontam uma redução no consumo de água na fase inicial do projeto atribuída a intervenções de manutenção e gestão, mas também demonstram como a ausência de financiamento e a cultura 1 Daniela Maria Guedes é discente de graduação em Engenharia Ambiental (2020) pela Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, Mogi Guaçu, São Paulo. e-mail: [email protected] 2 Ricardo da Silva Manca possui graduação em Engenharia Ambiental pela UNIPINHAL (2004), Mestrado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (2008), Doutorado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP e atualmente é Pesquisador de Pós Doutorado na Faculdade de Engenharia Civil da UNICAMP. Professor da Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, Mogi Guaçu, São Paulo. e-mail: [email protected] 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

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NECESSIDADES E DIFICULDADES DA GESTÃO HÍDRICA PARTICIPATIVA NO SETOR INDUSTRIAL: IMPLANTAÇÃO DE UM PROJETO PILOTO DE CONSERVAÇÃO DE ÁGUA EM UMA EMPRESA DO RAMO ALIMENTÍCIO, MOGI GUAÇU, SÃO PAULO

Autora: Daniela Maria Guedes[footnoteRef:1] [1: Daniela Maria Guedes é discente de graduação em Engenharia Ambiental (2020) pela Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, Mogi Guaçu, São Paulo. e-mail: [email protected]]

Orientador: Prof. Dr. Ricardo da Silva Manca[footnoteRef:2] [2: Ricardo da Silva Manca possui graduação em Engenharia Ambiental pela UNIPINHAL (2004), Mestrado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP (2008), Doutorado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP e atualmente é Pesquisador de Pós Doutorado na Faculdade de Engenharia Civil da UNICAMP. Professor da Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, Mogi Guaçu, São Paulo. e-mail: [email protected]]

RESUMO

Nas últimas décadas o setor industrial tem sido responsável por impactos positivos no PIB brasileiro, no entanto, o elevado consumo de água por esse setor também tem afetado a disponibilidade hídrica do país. Por essa razão, a implantação de programas de conservação de água se faz necessária para garantir o desenvolvimento sustentável das indústrias brasileiras. Esse trabalho apresenta as necessidades e dificuldades diagnosticadas durante a implantação de um projeto piloto de conservação de água em uma empresa do ramo alimentício em Mogi-Guaçu, SP. Os resultados apontam uma redução no consumo de água na fase inicial do projeto atribuída a intervenções de manutenção e gestão, mas também demonstram como a ausência de financiamento e a cultura empresarial podem impactar na implantação de projetos ambientais sem retorno financeiro imediato.

Palavras-chave: Gestão hídrica, Conservação de Água, Uso Racional de Água

ABSTRACT

Nowadays, industries have been responsible for positive impacts on brazilian economy, however, their high water consumption also have been affected the country's water availability. Therefore, the water conservation programs are necessary to guarantee a brazilian industries’ sustainable development. This paper presents the needs and challenges diagnosed during a water conservation program implementation in a food industry in Mogi-Guaçu, SP. The results show water consumption reduction due to maintenance and management actions, but also demonstrate how the financing and culture corporate aspects can impact the environmental and sustainability programs in industries.

Keywords: Water Management, Water Conservation, Rational Use of Water

1. INTRODUÇÃO

A água é um recurso fundamental para o desenvolvimento da vida na Terra e também para a formação das sociedades ao longo do tempo (MASJUAN et al., 2008). No entanto, em muitas regiões do planeta a disponibilidade hídrica é insuficiente para o atendimento de demandas básicas, gerando impactos negativos ao desenvolvimento socioeconômico, a qualidade de vida e ao meio ambiente (ANA, 2005).

No Brasil, apesar da maior disponibilidade hídrica per capita (cerca de 43,5 m³/hab/ano – metro cúbico por habitante por ano) entre os países com as maiores economias do mundo (ANA, 2013), ela tem sido impactada pelo consumo do setor industrial tanto em aspectos quantitativos, referentes ao volume de captação, como qualitativos, devido ao lançamento de efluentes (ANA, 2013).

Até a década de 1990, a água consumida pelo setor industrial brasileiro não era considerada como um insumo significativo tanto em disponibilidade quanto em valoração monetária. Isso resultou na existência de indústrias sem setorização do consumo de água, ou seja, sem o objetivo de identificar excessos de consumo e perdas produtivas (ESTENDER; PINHEIRO, 2015). No entanto, esse cenário mudou nas décadas seguintes, e segundo dados da ANA (2017), em 2015 o setor industrial brasileiro foi responsável pela geração de 22,7% do seu PIB e mais de 10 milhões de empregos, bem como, responsável pelo segundo maior consumo de água no Brasil, atrás apenas do setor agrícola (MATSUMURA, 2007).

No cenário atual, com o aumento da importância desse setor para a movimentação econômica do país e o seu consequente aumento no consumo de água, são necessárias medidas que garantam simultaneamente o desenvolvimento industrial e disponibilidade hídrica para o país (MATSUMURA, 2007). Dessa forma, a implantação de programas de conservação de água no setor industrial se apresenta como uma necessária alternativa para o desenvolvimento sustentável, uma vez que além do consumo de água, esse tipo de programa também reduz o consumo de energia e de produtos químicos para tratamento dos efluentes gerados na produção (MATSUMURA, 2007), resultando em benefício não apenas ambientais, mas também econômicos.

Os setores usuários de recursos naturais têm discutido com bastante intensidade a otimização e eficiência no uso de matérias primas, principalmente o consumo excessivo de água nas cadeias produtivas. Iniciativas mundiais se estabelecem com base na necessidade de otimização, buscando a manutenção dos bens naturais e diminuição da escassez hídrica.

A Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, propôs a Agenda 2030, cuja temática está atrelada ao desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos, composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). De acordo com Pacto Global Rede Brasil (2020), entre os objetivos da ODS, três tem direta ligação com os usos da água, sendo eles, o Objetivo 6 - Água Potável e Saneamento, que visa “Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todos”, o Objetivo 9 - Indústria Inovação e Infraestrutura, na busca por “Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação” e o Objetivo 12 - Consumo e Produção Responsáveis, na responsabilidade por “Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”.

Segundo Manca (2008 a), no campo industrial, uma nova forma de tarifação proposta pelos Comitês de Bacias Hidrográficas - entre os principais, o Comitê de Bacia dos Rios Piracicaba/Capivari – tem causado polêmica. A discussão proposta pelos gestores das bacias é pertinente na medida em que visa diminuir a supressão sobre os recursos hídricos. Se a cobrança pela água já era discutida e não vista com apreço pelas empresas, hoje ela se torna mais complicada. A ideia é que as indústrias que captam água diretamente dos rios e poços paguem taxas elevadas pela retirada da água, o que permitirá fortalecer os planos de conservação para este setor. O ideal trabalha também com a finalidade de difundir uma cobrança para as indústrias com base na água que vem das estações de tratamento. Se a tarifação for elevada para retiradas diretas em rios, poços e também das águas vindas das ETAs (ETA - Estação de Tratamento de Água), esperar-se-á um fortalecimento da implantação de estações pontuais de tratamento das águas servidas dentro da própria empresa e, quando esta passar a conhecer menores gastos para manter uma estação que possa recircular a água, uma maior aceitação será difundida.

Dentro do processo de tarifação, uma medida deve ser implementada para que se garanta o uso eficiente dos recursos hídricos. É preciso que sejam criadas leis que tratem da cobrança pelo uso da água. Países como Estados Unidos, França, Alemanha e México incluem no gerenciamento da água a cobrança pelo recurso (MANCA, 2015). No Brasil, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos já tem sido realizada em diversas Bacias Hidrográficas, com destaque para a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, pioneira no processo de cobrança pelo uso da água e no Estado de São Paulo, destaca-se o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que devido uso excessivo e desenfreado de suas águas fez-se necessária a implantação da cobrança pelo uso da água, operante desde 2007 (MANCA, 2015).

Diante dos argumentos apresentados, a presente pesquisa teve como objetivo diagnosticar o ambiente industrial e propor a implantação de um projeto de redução do consumo de água nos processos produtivos de uma empresa do ramo alimentício da cidade de Mogi-Guaçu, São Paulo.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA2.1. O uso da água na indústria no Brasil

Segundo a ANA (2017) a demanda de água pela indústria pode ser classificada em vazão de retirada, que corresponde a água captada diretamente em corpos hídricos superficiais e subterrâneos, e a vazão de consumo, que corresponde a fração da água que não retorna ao corpo hídrico ou ao tratamento de efluentes devido a incorporação no produto, evaporação ou outros propósitos.

Segundo a ANA (2017), no ano de 2015, a vazão de retirada pelo setor industrial brasileiro foi de 192,41 m³/s (metro cúbico por segundo). Porém, apenas 104,92 m³/s foram consumidos, o equivalente a aproximadamente 55% do total captado. Desse volume, a indústria de alimentos representa a maior parcela de consumo (40,5%), seguida pela indústria de derivados de petróleo e combustíveis (16,1%) e pela indústria celulose, papel e produtos de papel (13,4%) (Tabela 1).

A captação de água para a finalidade industrial aconteceu em 87% dos municípios brasileiros, estando mais concentradas nas mesorregiões de Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto e as mesorregiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Geograficamente, essas regiões não coincidem com as áreas de maior disponibilidade hídrica, uma vez que as indústrias se instalam em um local levando em consideração não apenas a disponibilidade hídrica, mas também outras variáveis como economia, política e logística (ANA, 2017).

Dentro das indústrias, a utilização do total de água captada pode ocorrer de diferentes formas nos processos como: (1) a fabricação do produto sem interação da água com o produto final ou com as suas matérias primas, (2) a fabricação do produto com a água interagindo diretamente no processo produtivo, (3) o contato total com a fabricação, ou seja, a água como matéria prima e (4) em utilizações indiretas ao processo de produção, como higiene e limpeza das instalações e funcionários, e prevenção contra incêndio. Essas informações podem ser conferidas na Tabela 2.

Tabela 1 - Consumo de água industrial por região brasileira no ano de 2015

Região

Retirada (m³/s)

Retirada (%)

Consumo (m³/s)

Consumo (%)

Sudeste

90,33

46,94

49,66

47,32

Nordeste

42,26

21,96

28,58

27,24

Sul

34,17

17,76

12,05

11,49

Centro-Oeste

20,71

10,77

13,14

12,52

Norte

4,94

2,57

1,49

1,42

Total

192,41

100,0

104,92

100,0

FONTE: Adaptado de ANA (2017)

Tabela 2 - Consumo de água por tipo de indústria no Brasil no ano de 2015

Tipo de Indústria

Retirada

(m³/s)

Retirada (%)

Consumo (m³/s)

Consumo (%)

Produtos alimentícios

77,93

40,5

58,65

55,9

Bebidas

10,39

5,4

3,15

3,0

Celulose, Papel e produtos de papel

25,78

13,4

3,99

3,8

Produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis

30,98

16,1

26,75

25,5

Produtos químicos

5,58

2,9

2,10

2,0

Metalurgia

10,39

5,4

2,52

2,4

Outros

31,36

16,3

7,76

7,4

Total

192,41

100,0

104,92

100,0

FONTE: Adaptado de ANA (2017)

2.2. Cobrança do Uso da Água

Com o objetivo de conservar os recursos hídricos a política ambiental brasileira e de diversos países possui variadas normas que regulam a utilização de recursos naturais, tais como emissão de outorgas, licenças e controle do uso do solo e da água. No entanto, nem sempre essas medidas se mostram efetivas na conservação dos recursos hídricos (MANCA, 2015; MANCA, 2008 a).

Por essa razão, a utilização de instrumentos econômicos como o emprego de taxas tem sido utilizada para otimização dos recursos naturais (GUIMARAES et al., 1995). Nesse sentido, a cobrança pelo uso da água estimula a menor captação desse recurso, levando em consideração as suas condições de escassez em quantidade e/ou em qualidade e os seus custos ambientais e econômicos (ANA, 2010 a).

No caso da Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) a cobrança federal foi instituída em 2006 e a paulista em 2007 (Tabela 3) de acordo com a deliberação nº 48/2006 dos Comitês PCJ e com o Decreto Estadual nº 50.667/2006. Os valores atuais dos Preços Unitários Básicos estabelecidos pelo Decreto Estadual nº 50.667/2006 estão apresentados na tabela 3. Essas cobranças são consideradas referências, uma vez que essa região possui escassez de disponibilidade hídrica devido a expansão urbana, agrícola e industrial e pelo direcionamento de recursos hídricos ser revertida para o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo (DEMAROJOVIC et al., 2015).

Já para os rios da UGRHI 09 a cobrança pelo uso da água ainda permanece apenas como uma proposta construída conjuntamente por diversos órgãos como o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, a Coordenadoria Estadual de Recursos Hídricos e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Mogi Guaçu (SAIS et al., 2012). Segundo o Plano da Bacia Hidrográfica do Rio Mogi-Guaçu (2016-2019) (SIGRH, 2015), para que a cobrança seja concretizada é necessário estabelecer as tarifas que serão impostas, estimar o impacto que elas irão causar na sociedade e divulgar ao público como a cobrança será realizada, garantindo transparência quanto aos recursos que serão recolhidos (SIGRH, 2015). Segundo esse plano, quase todas essas etapas estão concluídas, possibilitando em breve a cobrança pelo uso da água na UGRHI 9 (SIGRH, 2015).

Tabela 3 - Tipos de uso e valores da cobrança do uso da água na Bacia do PCJ

Tipos de Usos

Unidade

Valores dos Preços Unitários Básicos (PUBs)

Captação, Extração, Derivação

R$/m³

0,0127

Consumo de Água Bruta

R$/m³

0,0255

Lançamento de Carga Orgânica (DBO5,20)

R$/kg

0,1274

FONTE: Agência das Bacias do PCJ (2020)

2.3. Medição do Consumo de Água

A medição do consumo de água pode ser classificada em macromedição e micromedição (MANCA, 2015; MANCA, 2008a; MANCA, 2008b). A macromedição é a medição realizada em um sistema de abastecimento de água, seja ele público ou privado, compreendendo as medições de água bruta captada ou medições na entrada de setores de distribuição (MANCA, 2015; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2003). Já a micromedição é a medição do consumo no ponto de abastecimento de um determinado usuário de qualquer categoria e faixa de consumo (MANCA, 2015; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2003).

Na indústria, por exemplo, o acompanhamento da micromedição da água é a principal forma de monitoramento do consumo de água, geralmente sendo realizada por aparelhos denominados hidrômetros. No entanto, quando esses aparelhos estão em funcionamento por um longo período (> 8 anos) podem apresentar submedição, ou seja, uma diferença entre a somatória dos volumes medidos e o volume real consumido (MANCA, 2015; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 1999).

Dessa forma, a manutenção, a calibração e o monitoramento dos hidrômetros são essenciais para assegurar micromedições corretas e implantar programas de redução de consumo de água eficazes. 2.4. Impactos do Uso da Água pela Indústria

Nas últimas décadas o processo de industrialização no Brasil tem aumentado e elevado, consequentemente, a produção de bens e do consumo de água pelo setor industrial (ANA, 2017; ESTENDER; PINHEIRO, 2015; FAGANELLO, 2007), gerando impactos na quantidade e qualidade dos recursos hídricos das bacias hidrográficas (BRASILEIRO et al., 2010).

O principal impacto quantitativo é a escassez hídrica, que pode ocorrer se o consumo de água na bacia hidrográfica superar o seu processo de reposição natural pelas chuvas. Quando essa condição ocorre há um desequilíbrio no ciclo hidrológico na bacia hidrográfica impactando diretamente a disponibilidade hídrica da região (BRASILEIRO et al., 2010) e, consequentemente, o clima, os ecossistemas e atividades antrópicas, como a industrialização e a agricultura, daquela região.

Quanto ao aspecto qualitativo, o principal impacto é a poluição dos corpos hídricos que ocorre majoritariamente em função do lançamento de efluentes não tratados adequadamente ou pela utilização de técnicas do emprego de agroquímicos. Essa poluição, além de afetar o consumo da água pelo homem, também perturba os ecossistemas aquáticos e toda a cadeia ecossistêmica dependente dele (BRASILEIRO et al., 2010) trazendo sérios impactos ambientais e econômicos para a região.

2.5. Redução de Consumo de Água: Casos de Sucesso

Em 2013 a multinacional Ambev, fabricante de bebida, reduziu o seu índice de consumo de 3,80 litros de água para 2,75 litros na produção de cada litro de cerveja em sua unidade fabril em Jaguariúna (SP). A redução de 1,17 milhão de m³ (metro cúbico) de água para a região da Bacia do PCJ foi obtida através da implantação do programa de monitoramento dos índices de consumo de água na produção, estabelecendo entre as unidades um benchmark por etapa do processo e, posteriormente, empregando técnicas para reduzir o consumo de água nos processos produtivos (FIESP, 2014).

A empresa Suzano Papel e Celulose na unidade de Limeira (SP) também realizou o monitoramento do consumo de água implantando a Comissão de Uso de Água em sua unidade fabril de Limeira (SP). Essa comissão realizou um levantamento para reduções de consumo nos cenários de curto, médio e longo prazo. A curto prazo, em 2015, a unidade fabril conseguiu reduzir, sem investimentos adicionais, 160 m³/h do consumo de água em relação ao ano anterior. Os cenários de médio e longo prazo tem como objetivo reduzir 410 m³/h (metro cúbico por hora), considerando a desabilitação de equipamentos e linhas de operação, e o reaproveitamento da água da celulose e utilidades (REVISTA DO PAPEL, 2015).

3. MATERIAL E MÉTODOS3.1. Área de Estudo

O presente trabalho foi realizado em uma empresa multinacional do setor alimentício localizada no município de Mogi-Guaçu. Trata-se de uma empresa líder em soluções em ingredientes de origem natural com atuação em mais de 100 países e que atende a mais de 60 diferentes setores da indústria, como alimentos, bebidas, farmacêutico, higiene pessoal, nutrição animal, papel e celulose, entre outros.

No Brasil, a companhia é representada por quatro unidades produtivas e um escritório central, sendo a fábrica de Mogi-Guaçu a sua maior unidade produtiva instalada no país. Ela ocupa uma área de 570 mil m² (metro quadrado) e conta com aproximadamente 650 funcionários. Sua produção está dividida em três grandes processos denominados Processo Úmido, Processo Seco e Refinaria.

A fábrica capta água do Rio Mogi Guaçu (UGRHI 9) (SIGRH, 2020), possuindo sua própria estação de tratamento de água e efluentes. No final do ano de 2017, influenciada pelas tendências mundiais de sustentabilidade, a matriz global da empresa apresentou uma meta de redução de consumo de água na qual o consumo de água deveria ser reduzido em 10% em relação ao ano de 2010 até o ano de 2020. Por essa razão, no início de 2018, a fábrica de Mogi-Guaçu precisou voltar sua atenção para a água e iniciar um projeto de otimização e redução do consumo desse recurso.

3.2. Processos metodológico para avaliações

A abordagem desse trabalho ocorreu em duas fases distintas:

· fase de diagnóstico da gestão e do consumo de água na fábrica;

· intervenção para otimização da gestão e do consumo de água na fábrica.

3.2.1. Diagnóstico

Com o objetivo de diagnosticar a medição e a gestão de consumo de água na fábrica foi realizada uma inspeção in loco em todos os processos produtivos. Nessa inspeção foram realizados o mapeamento dos medidores de vazão de consumo de água de cada processo, abrangendo edifícios, linhas operacionais e equipamentos e o levantamento de informações sobre a coleta e a gestão dos dados dos medidores mapeados.

Durante a inspeção constatou-se que diversas linhas operacionais e equipamentos não possuíam medidores instalados, assim como medidores de diversos prédios estavam danificados ou inexistentes. Em razão desse cenário o consumo de água era monitorado com base apenas nos volumes diário total e mensal total de água captada no rio Mogi-Guaçu (UGRHI[footnoteRef:3] 9) (SIGRH, 2020), a qual era posteriormente distribuída para a fábrica. [3: UGRHI - Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos]

Por não haver monitoramento estratificado por processo, linhas operacionais e equipamentos, a água também não era um indicador incluso nas pautas das reuniões diárias de troca de turno, das quais participavam colaboradores de operação, nem nas reuniões semanais de cada processo, das quais participava a liderança da fábrica. Portanto, os problemas técnicos relacionados aos medidores de vazão e a ausência de dados contribuíram para que o consumo de água ficasse cada vez menos evidenciado na fábrica em relação a outros recursos e insumos.

Essa baixa evidência associada a ausência de cobrança pelo uso da água e a ausência de campanhas internas de conscientização sobre os impactos ambientais do uso da água contribuíram para moldar, ao longo do tempo, uma geração de colaboradores e líderes culturalmente pouco atentos as questões de sustentabilidade e inicialmente resistentes a colaborar com projetos envolvendo a conservação da água na fábrica.

3.2.2. Intervenção

Após a fase de diagnóstico foi criado um plano de regularização da medição do consumo de água, o qual consistia no conserto ou substituição de medidores danificados e instalação de medidores em prédios e linhas operacionais sem pontos de medição (Tabela 4). No entanto, como essa regularização teria um elevado custo sem retorno financeiro a curto prazo, a liderança da fábrica optou por, na fase inicial do projeto, realizar apenas a manutenção dos medidores danificados e calibração dos medidores que estavam em funcionamento. Dessa forma, seria possível começar a sistematizar uma medição estratificada do consumo de água da fábrica.

Paralelo a ação de manutenção e calibração dos medidores, também foi criado um “Time de Água” formado por colaboradores de operação e liderança de cada processo da fábrica com o objetivo de iniciar uma gestão mais completa da água por meio de reuniões quinzenais. Nessas reuniões eram apresentados os dados coletados dos medidores regularizados, discutidos os possíveis desvios de consumo de água e traçadas ações com o objetivo de executar as oportunidades de otimização de redução do consumo de água mapeadas.

No entanto, como muitos pontos de água na fábrica não possuíam medição, os dados de consumo estratificado eram incompletos. Por essa razão, o “Time de Água” decidiu mapear os equipamentos de alto consumo de água com o objetivo de direcionar suas ações a eles e obter, a curto prazo, uma redução significativa no consumo desse recurso.

Para mapear esses equipamentos os colaboradores integrantes do “Time de Água” em conjunto com colaboradores especializados na operação realizaram uma inspeção em campo em cada processo. Após mapeamento, o consumo de água de cada equipamento foi estabelecido seguindo os seguintes parâmetros: a) para aqueles que possuíam medidores de vazão de consumo, seus valores foram obtidos por medição e; b) para aqueles que não possuíam medidores, seus valores de consumo foram obtidos pelo manual do fabricante. Os equipamentos mapeados e seus respectivos valores de consumo estão apresentados na Tabela 5.

Como as maiores parcelas de consumo de água foram identificadas para os selos de bomba (processo úmido) (35,12%) e torres de resfriamento (processo úmido) (29%), o plano de ação inicial do “Time de Água” foi direcionado para esses equipamentos. Para os selos de bomba foram aplicadas técnicas de recirculação de água de selo em circuito fechado e instalação de restritores de vazão, enquanto que para as torres de resfriamento foram realizadas ações de limpeza, manutenção e substituição de peças, controle de temperatura dos bulbos de entrada e saída e acompanhamento da eficiência dos ventiladores.

Tabela 4 - Diagnóstico e Intervenções realizadas referentes a gestão do consumo de água na fábrica de Mogi-Guaçu

Diagnóstico

Intervenções

Ausência de cultura de Meio Ambiente & Sustentabilidade

Estabelecimento de meta e monitoramento do consumo de água

Ausência de indicador de consumo de água estratificado por processo

Manutenção de medidores quebrados

Ausência de meta para consumo de água

Calibração de medidores descalibrados

Ausência de pontos de medição em prédios, linhas de operação e equipamentos

Inserção do indicador de água nas reuniões de troca de turno da operação

Hidrômetros sem calibração

Inserção do indicador de água nas reuniões semanais da liderança

Hidrômetros quebrados

Elaboração de plano de ação para tratar desvios de consumo de água (levantamento dos equipamentos com maior consumo de água na fábrica)

Ausência de verba para instalação de hidrômetros em novos pontos de medição e substituição de hidrômetros quebrados

Formação de um Time de Água para tratar o plano de ação da água

Ausência do tema água nas pautas das reuniões de troca de turno da operação

Reuniões quinzenais sobre o assunto água

Ausência do tema água nas pautas das reuniões semanais da liderança

 

Ausência de plano de ação para tratar desvios de consumo de água

FONTE: Elaborado pela Própria Autora (2020)

Tabela 5 - Equipamentos de maior consumo de água na fábrica de Mogi-Guaçu e seus respectivos valores de vazão (m³/h) e representatividade de consumo (%)

Equipamentos

Vazão (m³/h)

Representatividade de consumo

(%)

Bombas de Selo (Processo Úmido)

60,0

35,12

Torres de Resfriamento (Processo Úmido)

49,5

29,00

Torres de Resfriamento (Refinaria)

15,3

8,96

Cozinhadores (Processo Seco)

13,5

7,90

Regeneração Coluna Sorbitol (Processo Seco)

9,9

5,85

Intercondensador da Troca Iônica (Refinaria)

8,0

4,68

Intercondensador do Sorbitol (Refinaria)

8,0

4,68

Pré-evaporador da Maltose (Refinaria)

5,0

2,93

Intercondensador do Ed. 17 (Processo Úmido)

1,5

0,88

Total

170,8

100,00

FONTE: Elaborado pela Própria Autora (2020)

Tabela 6 - Tabela de Critérios contendo as facilidades e dificuldades para intervenção nos equipamentos de maior consumo de água na fábrica de Mogi-Guaçu (continua)

Equipamento

Facilidades

Dificuldades

Bombas de Selo Processo Úmido

Apoio da gerência do setor

Equipamentos sem medidor específico

Colaboradores atenciosos

Realizar levantamentos de quais bombas de selo do Processo Úmido podem ser instaladas restritores de vazão

Colocar restritor de vazão nas bombas de selo do Processo Úmido

Escrever Permit para instalar controle de nível de água de selagem nas bombas do Processo Úmido

Realizar cubicagem nas bombas do Processo Úmido nas quais foram instalados restritores de vazão

Levantar alternativas com a engenharia para eliminar a utilização de pontos de água fresca não medidos no Processo Úmido

Tabela 6 - Tabela de Critérios contendo as facilidades e dificuldades para intervenção nos equipamentos de maior consumo de água na fábrica de Mogi-Guaçu (finaliza)

Equipamento

Facilidades

Dificuldades

Torres de Resfriamento Processo Úmido

Apoio da gerência do setor

Equipamentos sem medidor específico

Colaboradores atenciosos

Analisar pico de consumo das torres do processo Úmido

Redirecionar água do Edf.17 para a Torre Alfa Laval

Levantamento de quais equipamentos enviam água para cada torre do Ed. 17 e para quais equipamentos vai a água resfriada de cada torre.

Realizar medição de temperaturas de entrada e saída das torres do Processo Úmido durante 7 dias consecutivos

Levantar alternativas com a engenharia para eliminar a utilização de pontos de água fresca não medidos nos processos

Realizar levantamento da corrente real e nominal de todos os ventiladores e motores das bombas das torres de resfriamento do processo Úmido

n/a

Coletar com a Nalco ou com fornecedores das torres qual é a frequência recomendada de limpeza e manutenção das torres em condições de funcionamento normal

n/a

Agendar limpeza das Torres de Resfriamento do Processo Úmido

n/a

Inserir no SAP as rotinas de limpeza das torres de resfriamento do Processo Úmido

n/a

FONTE: Elaborado pela Própria Autora (2020)

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com a consolidação do “Time de Água” as ações nas torres de resfriamento e bombas de selo do Processo Úmido tiveram início no mês de outubro de 2018. Após o início do projeto foi possível observar uma queda de 8,5% no consumo total de água na fábrica para os meses de novembro (3,56 m³/ton/moagem – metro cúbico por tonelada por moagem) e 15,4% em dezembro (3,29 m³/ton/moagem) quando comparados ao mês de outubro do mesmo ano (3,89 m³/ton/moagem), conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 - Indicadores de consumo de água na fábrica em m³/ton de moagem e comparação percentual de consumo entre os anos de 2018 e 2019

FONTE: Elaborado pela Própria Autora (2020)

Nos meses subsequentes não houve queda no consumo. O mês de janeiro de 2019 apresentou um consumo 5,6% mais elevado em relação ao mês de início do projeto e 4,1% superior em relação ao mês de janeiro de 2018. Esse aumento no consumo pode ser explicado pela realização da Parada de Fábrica, momento no qual muitos processos produtivos são paralisados para que seja realizada a manutenção dos equipamentos da fábrica. Apesar de ser um período sem produção, muitos equipamentos, mesmo inoperantes, continuam consumindo água durante o período de manutenção. No entanto, como não há produção nesse período, consequentemente não há moagem, o que faz com que o indicador de consumo de água (m³)/moagem (t) seja inflado e apresente um valor elevado em relação a meses nos quais não houve parada de fábrica.

Dos meses de fevereiro a setembro de 2019, período até onde esse estudo foi realizado, observa-se que o consumo de água varia mensalmente dentro de um mesmo ano, indicando uma possível sazonalidade em função da demanda do mercado. No entanto, quando o consumo de água é comparado entre os anos de 2018 e 2019 é possível observar que todos os períodos mensais de 2019 apresentaram queda em relação ao mesmo período do ano de 2018 (Figura 1, linha de tendência verde).

De acordo com os dados apresentados na Figura 1, é possível, portanto, estabelecer uma relação de causa e efeito para as ações do projeto e a redução de consumo de água na fábrica. Isso significa que, apesar de não haver medidores de vazão acompanhando a evolução do consumo de água diretamente nas torres de resfriamento e nas bombas de selo, o menor consumo pode ser atribuído as ações nesses equipamentos. Isso se deve ao fato de que tanto processos produtivos como outros equipamentos da fábrica não foram submetidos a alterações capazes de interferir na redução de consumo de água na magnitude observada.

As ações realizadas pelo “Time de Água”, até o momento em que esse estudo foi acompanhado, foram suficientes para que a fábrica de Mogi-Guaçu conseguisse se adequar a meta global estabelecida para redução de 10% do consumo de água (Figura 1). Além disso, as ações também resultaram na disseminação e discussão do tema de água na fábrica. Após o início do projeto a água se tornou um indicador oficial e passou a ser pauta das reuniões diárias das passagens de turno e nas reuniões semanais com a liderança.

Os resultados obtidos com as ações nas bombas de selo e torres de resfriamento também demostraram como intervenções básicas de manutenção são capazes de gerar excelentes resultados para indicadores ambientais. Nesse estudo, por exemplo, as ações realizadas em um único processo garantiram uma redução significativa no consumo de água sem impactar financeiramente a fábrica, uma vez que não demandaram compra de novos equipamentos e contratação de mão de obra externa.

Outro aspecto importante foi a divisão do projeto em cenários de curto e longo prazo. No cenário de curto prazo os medidores de vazão foram parcialmente regularizados, utilizando-se recursos existentes na própria fábrica evitando impactos financeiros. Essa regularização parcial associada a ação nas bombas de selo e torres de resfriamento, garantiu resultados importantes que poderão funcionar como justificativa para financiar uma próxima fase do projeto, a longo prazo, com medição do consumo 100% regularizada, acesso a dados estratificados e confiáveis, sistematização do consumo de água de toda a fábrica e direcionamento de ações para pontos de desvios e desperdícios no consumo de água.

No entanto, apesar das melhorias conquistadas durante os anos iniciais do projeto (2018-2019), os resultados obtidos foram limitados pelas diversas dificuldades de naturezas estruturais, econômicas, administrativas e hierárquicas durante a sua realização (Tabela 4).

Um dos entraves iniciais para a execução desse projeto foi a identificação de falhas estruturais na medição do consumo de água. Em um cenário ideal, uma vez indicados os pontos com ausência de medição, uma verba deveria ser destinada para compra e instalação desses pontos de medição com o objetivo de atingir medição e monitoramento do consumo de água setorizado e eficiente. Na realidade aplicável ao projeto, em um primeiro momento, foi necessário direcionar as ações do Time de Água apenas a dois equipamentos de um único setor da fábrica por não haver o monitoramento do consumo de água bem determinado para os demais setores. Em uma situação em que houvesse o consumo setorizado, mais ações assertivas poderiam ser direcionadas para processos, linhas operacionais ou equipamentos com desvios de consumo identificados, maximizando, dessa forma, as reduções no consumo de água da fábrica.

Além disso, a fraca cultura da empresa em relação aos temas de meio ambiente e sustentabilidade contribuiu para moldar, a longo prazo, colaboradores com uma mentalidade resistente a mudanças e com dificuldade em compreender a importância do projeto de redução de consumo de água na minimização de impactos socioambientais. Isso dificultou que os colaboradores, desde cargos de operação a cargos de liderança, se engajassem com o tema de redução do consumo de água e aderissem as reuniões do Time de Água, a execução do plano de ação de um assunto que, primariamente, não geraria retorno financeiro significativo para a fábrica.

Como consequência dessa mentalidade o tema água foi recebido, inicialmente, com resistência por grande parte dos colaboradores. Na percepção deles, as ações relacionadas ao tema de água como acompanhamentos dos hidrômetros em campo, acompanhamento diário do consumo de água, etc, eram consideradas uma carga de trabalho extra, uma vez que essa visão era disseminada, em partes, pela própria liderança.

Portanto, além da ausência de verba para regularizar estruturalmente as medições houve também a dificuldade de encontrar apoio da liderança para tratar de um tema que não traria retorno financeiro significativo. Por essa razão, foram várias as tentativas de demonstrar a importância do projeto também pelo aspecto ambiental, idas a campo para tentar compreender as medições, falhas, pontos de melhoria e conquistar o apoio de colaboradores de operação e de liderança dispostos a se envolver com o projeto.

Internamente o projeto ganhou força após o lançamento de uma meta global da empresa de redução de consumo de água, a qual deveria ser alcançada até o ano de 2020. A partir de então, apesar de não haver disponibilização de recurso financeiro, houve o início da mobilização da liderança para engajar seus colaboradores de operação a contribuírem nos planos de ação de água, com o objetivo de atingir a redução determinada pela matriz.

De acordo com diagnóstico realizado (Tabela 4) e com o objetivo de minimizar as dificuldades enfrentadas na tentativa de implantação desse projeto (Tabela 6), estímulos internos e externos podem surtir efeito no nível de engajamento dos colaboradores em relação ao projeto.

Muitas fábricas postergam investimentos em projetos de redução de consumo de água pois o retorno financeiro ou é inexistente ou é baixo e só acontece a longo prazo devido a água ser um recurso de baixo custo para o setor industrial quando comparado a outros recursos e insumos. Por essa razão, um estímulo externo que contribuiria para a aceleração desses investimentos seria a instituição da cobrança do uso da água para o setor industrial pelos comitês de bacias hidrográficas. Até o momento essa cobrança não é obrigatória para algumas regiões, como é o caso da UGRHI 9 (SIGRH, 2020), da qual a fábrica estudada nesse trabalho capta água para suprir suas demandas produtivas. A instituição da cobrança pelo uso da água passaria a exercer pressão interna no setor industrial para a economia desse recurso, uma vez seu uso traria impactos financeiros. Dessa forma, possuir uma gestão eficiente desse recurso não seria mais um gasto, e sim um investimento.

Além dos estímulos financeiros, o investimento em recursos humanos também poderia ser um excelente estímulo interno de engajamento. Esse investimento se daria pela criação de um pilar de meio ambiente & sustentabilidade para trabalhar questões relacionadas aos impactos ambientais das indústrias, práticas de fabricação com menor impacto ambiental, etc, para o público interno. Dessa forma a importância da redução do consumo de água e outros projetos relacionados ao meio ambiente seriam incorporados aos valores da empresa, resultando em uma maior compreensão e engajamento dos colaboradores.

Além de estímulos destacados anteriormente, fatores externos como as demandas globais por sustentabilidade também podem contribuir para elevar a preocupação do setor industrial em relação a gestão do seu consumo de água. Assim como os certificados de gestão ambiental e os selos ambientais, o ajuste estratégico de empresas com os objetivos de desenvolvimento sustentáveis da ONU (no caso desse estudo, água potável e saneamento, indústria inovação e infraestrutura, e consumo e produção sustentáveis) tem aumentado seu valor perante stakeholders e o valor de sustentabilidade coorporativa. Dessa forma, aderir a um projeto de gestão de recursos hídricos alinhado aos ODS pode trazer, além de benefícios socioambientais, um melhor posicionamento de marca no mercado e, consequentemente, maior retorno financeiro.

5. CONCLUSÃO

A implantação do projeto piloto de redução do consumo de água obteve resultado positivo por meio de manutenção e calibração de hidrômetros, mobilização de recursos humanos e simples estruturação de um sistema de gestão para o indicador de água, demonstrando que pequenas intervenções podem gerar um efeito positivo na mitigação de impactos ambientais em uma indústria.

No entanto, esse resultado tende a estagnação com o passar do tempo, o que significa que novas intervenções e estímulos serão necessários para a geração de melhores resultados. Portanto, para que o projeto evolua continuamente é necessário que as dificuldades enfrentadas em sua fase inicial de implantação, desde a falta de investimentos financeiros até questões culturais da empresa, sejam solucionadas.

Dessa forma ações internas como a realização do monitoramento setorizado, intervenção exata nos pontos de desvio de consumo da fábrica e a criação de um pilar de meio ambiente & sustentabilidade associadas a estímulos externos como a cobrança pelo uso da água e as diretrizes da ODS seriam capazes de gerar resultados mais promissores na redução do consumo de água da fábrica de Mogi-Guaçu que os resultados relatados nesse trabalho.

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