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Administração: antes invisível, hoje afetando pessoas e suas vidas 1 Administração: antes invisível, hoje afetando pessoas e suas vidas Cláudio Márcio Araújo da Gama Prefeitura Municipal de Palhoça Faculdade Municipal de Palhoça Coordenadoria de Pós-Graduação Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Nível de Especialização em Gestão Pública Cadeira de Gestão Estratégica no Setor Público e Problemas Contemporâneos na Gestão Pública Professor Marcos Antônio Souza, Msc. Cláudio Márcio Araújo da Gama e-mail: [email protected]

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Administração: antes invisível, hoje afetando pessoas e suas vidas 1

Administração: antes invisível, hoje afetando pessoas e suas vidas

Cláudio Márcio Araújo da Gama

Prefeitura Municipal de Palhoça

Faculdade Municipal de Palhoça

Coordenadoria de Pós-Graduação

Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Nível de Especialização em Gestão Pública

Cadeira de Gestão Estratégica no Setor Público e Problemas Contemporâneos na Gestão

Pública

Professor Marcos Antônio Souza, Msc.

Cláudio Márcio Araújo da Gama

e-mail: [email protected]

Palhoça

2017

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Resumo

Este texto trata de mudanças que já ocorreram. Portanto, de mudanças a cujo respeito os

executivos podem e devem agir, segundo Peter F. Drucker. E daquilo que eles podem e

devem criar – o futuro. Não é difícil prever o futuro – só que não é impotante, pois as

mudanças mais significativas são aquelas que acontecem sem que ninguém as preveja. Em

mil novecentos e eoitenta e cinco, ninguém previu – nem poderia ter previsto – que a Europa

unificada de mil novecentos e noventa e cinco estaria mais fraca que a Europa dividida de mil

novecentos e oitenta e cinco, nem o crescimento econômico explosivo da China, ocorrido não

devido à sua política governamental, mas apesar dela. Outro fato imortante é que não se pode

tomar decisões para o futuro, pois elas são compromissos com ações e estas sempre se dão no

presente. Por outro lado, as ações no presente também são a única maneira de se criar o

futuro. Os executivos são pagos para executar, isto é, agir com eficácia. Mas somente podem

fazê-lo tendo em vista o presente e explorando as mundaçãs que já ocorreram. O texto aborda

o trabaho do executivo – a administração – e as mudanças que colocam em questão as

hipóteses e práticas que até agora eram dadas como certas. A seguir, o texto analisa as

impolicações e como supoerte da organização. No meio, é examinada a economia mundial,

onde existem novos centros de poder, novos mercados e novas indústrias em crescimento. No

final, o texto analisa as mudanças ocorridas na sociedade e no governo, nas quais este tem

tido, ao mesmo tempo, grandes sucessos e supremos fracassos. Combina uma compreensão

aguda das forças sócioeconômicas com critérios referenciados em Drucker a respeito de

como os líderes podem transformar turbulências em oportunidades. Ao longo dos últimos

setenta anos estas referências se tornaram obrigatórias e prazerozas para os líderes em todas

as grandes culturas.

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Palavras-chave: administração ; mudanças ; futuro ; turbulências ; oportunidades ; drucker ;

gama

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Administração: antes invisível, hoje afetando pessoas e suas vidas

Introdução

Uma das características da sociedade ocidental moderna é sua enorme permeabilidade

à mudança. Mas quando, transformada em padrão cultural, a mudança adquire ritmo

vertiginoso, a adaptação ao futuro passa a ser um dos principais problemas do presente.

A situação é mais grave no mundo dos negócios, onde revoluções acontecem em

ondas sucessivas, sem tempo para que seja consolidado o aprendizado de que são portadoras.

Nesse universo em constante trsnsformação é reconfortnte saber que conta-se com a

experiência de Peter F. Drucker.

Decano da administração empresarial, seus longos anos de observação e análise e,

ante de mais nada, sua visão sempre aguda dos desafios com que se defrontam os gestores de

negócios, fazem da leitura de seus textos citados neste trabalho em dever ao mesmo tempo

prazeroso e estimulante.

Trata-se de um texto heterodoxo, que reúne citações de artigos e entrevistas sobre

tamas diversos entre si. Une-os, no entanto, a preocupação em oferecer ao executivo noções

muito práticas sobre como influir no curso dos acontecimentos. Mais do que prognosticar o

futuro, o imortante para Drucker é que se saiva “fazer o futuro”. E, para fazê-lo, nada melhor

do que conhecer as virtudes da ação – ou da Administração, melhor dizendo – para a

recepção positiva do futuro.

Alguns dos assuntos que o texto aborda podem provocar estranheza por seu aparente

distanciamento do cotidiano dos homens de negócios: direitos humanos, sociedade civil,

instituições sem fins lucrativos, responsabilidade social. Outros têm sua pertinência

imediatamente reconhecida: teoria dos negócios, economia neo-clássica, fluxos monetários,

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mercados emregentes. Mas sob a visão abrangente de Drucker, configura-se claramente o

mosaico em que esses fatores- desafios e oportunidades – se compõem para traçar as linhas

que irão definir o futuro.

Com os textos de Drucker citados no presente texto, o autor pretende influenciar a

maneira pela qual deve-se mudar o modo de pensar e agir, como homens e mulheres de

empresa e como cidadãos, para que seja possível contruir uma sociedade superiormente capaz

de gerar riquezas, progresso e bem-estar.

E acima de tudo, para que se saiba fazê-lo de modo que esses benefícios possam ser

cada vez melhor partilhados entre todos.

Todas as seções deste texto têm um tema comum, apesar da sua aparente diversidade.

Todas elas tratam de mudanças que já ocorreram de forma inexorável. Portanto, elas tratam

de mudanças a respeito das quais os executivos podem e devem fazer o fututo.

Não é muito difício prever o futuro. Só que não é importante. Muitos futurólogos têm

altas margens de acerto – da maneira pela qual medem a si mesmos e são comumente

medidos. Eles fazem um bom trabaho na previsão de algumas coisas. Mas as mudanças mais

importantes são aquelas que acontecem sem que ninguém as preveja. Em mil novecentos e

oitenta e cinco, ninguém previu – ou poderia ter previsto – que o estabelecimento da

Comunidade Econômica Europeia não iria provocar um crescimento econômico explosivo na

Europa mas, ao contrário, conduzir a uma década de estaganação econômica e disputas

mesquinhas. Como resultado, a Europa Unificada de mil novecentos e noventa e cinco esteve,

na verdade, mas fraca na economia mundial do que a Europa dividida de mil novecentos e

oitenta e cinco. Naquele ano, ninguém previu – ou poderia ter previsto – o crescimento

econômico explosivo da China Continental, crescimento este ocorido a despeito da sua

política governamental, e não, ao ver de Drucker, devido a ela. Ninguém previu a emergência

dos cinquenta e cinco milhões de chineses residentes no exterior como uma nova

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superpotência econômica. Em mil novecentos e oitenta e cinco, ninguém poderia ter previsto

que o maior impacto da Revolução da Informação sobre os negócios seria uma reestruturação

radical do mais antigo dos sistemas de informações – que aparentemente estava calcificado

em todas as juntas e tecidos – o modelo contábil de “contadores de feijões”.

Outro fato, igualmente imortante, é que não se pode tomar decisões para o futuro.

Decisões são compromissos com ações. E estas sempre se dão no presente e somente nele.

Porém, as ações no presente também são a única maneira de se fazer o futuro. Os executivos

são pagos para executar – isto é, para agir de forma eficaz. Eles somente podem fazê-lo tendo

em vista o presente e explorando as mudanças que já aconteceram.

Este texto se inicia com o trabalho do executivo, isto é, com o gerenciar. O que já

aconteceu no mundo dos executivos, que coloca em questão – ou talvez torne obsoletas – as

hipóteses, regras e práticas que foncionaram nos últimos sessenta anos e foram, portanto,

dadas automaticamente como certas? A seguir, o texto examina as implicações de uma

mudança fundamental na gerência, na economia e na sociedade: a emergência da informação

como principal recurso do executivo e como esqueleto da organização. A premissão desta

parti do texto é o velho ditado pelo qual o administrador é o mestre de uma ferramenta, ou é

seu servidor. O que os executivos precisam aprender para serem mestres da nova ferramenta?

Então o texto deixa o trabalho do executivo e a organização e entra em mercados e numa

economia mundial na qual há novos centros de poder, novos mercados e novas indústrias em

crescimento. No final, o texto analisa as mudanças na sociedade e no governo – talvez as

maiores, no século vinte, nas quais o governo tem sido, ao mesmo tempo, um grande sucesso

e o supremo fracasso.

Há apenas cinquenta anos – ou talvez quarenta aos, dizia-se ferequentemente que,

embora houvesse muito mais gerentes e executivos do que na década de vinte (para não falar

na Primeira Guerra Mundial), em sua maioria eles estavam fazendo praticamente da mesma

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maneira. Ninguém diria isso a respeito dos gerentes e executivos de hoje. Mas se existe uma

coisa que é certa hoje é que os gerentes e executivos do futuro irão fazer coisas ainda mais

diferentes daquelas feitas pelos gerentes e executivos de hoje. E eles as farão de maneiras

muito diferentes. O objetivo deste texto é de permitir que os executivos de hoje estejam à

frente deste futuro diferente - na verdade, que eles o tornem seu futuro.

Providências efetivas versus procrastinação

Num período relativamente curto – talvez desde o final dos anos quarenta ou início

dos anos cinquenta, nunca houve tantas novas técnicas gerenciais como hoje: redução do tipo

downsizing, benchmarking, reeengenharia. Cada uma delas é uma ferramenta poderosa.

Porém, com esceção da terceirização e da reengenharia, elas foram concebidas

principalmente para fazer de forma diferente aquilo que já é feito. São ferramentas de “como

fazer”.

Contudo, o que fazer está, cada vez mais, se tornando o desafio central enfrentado

pelos dirigentes de empresas, em especial das grandes empresas que tiveram sucesso por

muito tempo. A história é conhecida: uma empresa que ainda ontem era uma estrela de

primeira grandeza hoje vê-se estagnada, frustrada, com problemas e, muitas vezes, numa

crise aparentemente inadmistrável. Este fenômeno não se limita, de forma alguma, aos

Estados Unidos. Ele tornou-se comum no Japão, na Alemanha, na Holanda, na França, na

Itália e na Suécia. E ocorre com a mesma frequência fora das empresas – em sindicatos,

agências governamentais, hospitais, museus e igrejas. Na verdade, nessas áreas ele parece

menos manejável.

A causa básica de quase todas essas crises não é o fato de as coisas estarem sendo

malfeitas, nem erradas. Na maioria dos casos, estão sendo feitas as coisas certas – mas

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inutilmente. Qual é o motivo deste aparente paradoxo? As hipóteses sobre as quais a

organização foi conttuída e está sendo dirigida não mais se encaixam com a realidade. Elas

moldam o comportamento de qualquer organização, ditam suas decisões a respeito do que

fazer ou não, definem o que as organizações consideram resultados significativos, tratam de

mercados, clientes e concorrentes, seus valores, comportamento, da tecnologia e sua

dinâmica e das forças e fraquezas de uma empresa. Estas hipóteses são a respeiro do motivo

pelo qual uma empresa paga. Elas são o que Peter F. Drucker chama de teoria do negócio de

uma empresa.

Toda organização, seja ou não uma empresa, tem uma teoria do negócio. De fato, uma

teoria válidad que seja clara, consistente e focalizada é extraordinariamente poderosa. Em mil

oitocetos e nove, por exemploWilhelm Von Humboldt, um estadista e sábio alemão, fundou a

Universidade de Berlim com bse numa teoria radicalmente nova da universidade. E por mais

de cem anos, até a ascensão de Hitler, sua teoria definiu a universidade alemã, especialmente

em conhecimento e pesquisa científica. Em mil oitocentos e setneta, George Siemens,

arquiteto e primeiro COE do Deutsche Bank, o primeiro banco universal, tinha uma teoria

igualmente clara dos negócio: usar uma política empreendedora de investimentos para

unificar uma Alemanha ainda rural e dividida através do desenvolvimento industrial. Vinte

anos após sua fundação, o Deutsche Bank havia se tornado a primeira instituição financeira

da Europa e permanece como tal até hoje, adespeito de duas guerras mundiais, da inflação e

de Hitler. E em mil oitocentos e sete, a Mitsubishi foi fundada sobre uma teoria clara e

totalmente nova do negócio, a qual em dez anos fez dela a líder de um Japão emergente e, em

outros viente anos, transformou-a numa das primeiras empresas realmente multinacionais.

Analogamente, a teoria dos negócio explica o sucesso de empresas como a General

Motors e a IBM, as quais dominaram a economia dos Estados Unidos durante a segunda

metade do século vinte e também os desafios de hoje enfrentados por elas. O que está por

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baixo da atual doença de tantas organizações grandes e bem-sucedidas em todo o mundo é

que suas teorias do negócio não funcionam mais.

Sempre que uma grande organização enfrenta problemas – e especialmente se ela teve

sucesso por muitos anos – as pessoas culpam a preguiça, a complacência, a arrogância, as

burocracias enormes. São explicações plausíveis? Sim, mas raramnte relevante sou corretas.

Considere as duas burocracias arrogantes masi visíveis e amplamente difamadas entre as

grandes empresas americanas que recentemente enfrentaram problemas.

Desde os primeiros dias do computador, acreditava-se firmemente na IBM que ele

seguiria o cominho da eletricidade. O futuro, a IBM sabia e podia provar com rigor científico,

estava na estação central, no computador de grande porte cada vez mais poderoso, ao qual um

número enorme de usuários poderia se ligar. Tudo – a economia, a lógica da informação, a

tecnologia – levada a essa conclusão. Porém, subitamente, quando parecia que um sistema

centralizado, baseado num computador de grande porte, estava de fato passando a existir,

dois jovens apareceram com o primeiro computador pessoal. Todos os fabricantes de

computadores sabiam que o PC era absurdo. Ele não possuía a memória, a base de dados, a

velocidade ou a capacidade de computação necessárias ao sucesso. De fato, todos os

fabricantes de computadores sabiam que o PC tinha de fracassar – conclusão à qual a Xerox

havia chegado alguns anos antes, quando sua equipe de pesquisa havia construído o primeiro

PC. Mas quando essa monstruosidade ilegítima – primeiro o Apple, depois o Macintosh –

entrou no mercado, as pessoas não só gostaram dela, mas a compraram.

Através da história, toda empresa grande e bem sucedida, quando confrontada com tal

surpresa, recusa-se a aceitá-la. “Este é um modismo estúpido que terá desparecido em três

anos”, disse o CEO da Zeiss depois de ver a Kodak Brownie em mil oitocentos e oitenta e

oito, quando a empresa alemã dominava o mercado fotogra´fico mundial como a IBM o faria

no mercado de computadores um século depois. A maioria dos fabricantes de computadores

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de grande porte reagiu da mesma maneira. A lista era longa: Control Data, Univac,

Burroughs e NCR nos Estados Unidos; Siemens, Nixdorf, Machines Bull e ICL na Europa;

Hitachi e Fujitsu no Japão. A IBM, suprema em computadores de grande porte, com vendas

iguais à soma de todos os outros fabricantes de computadores e com lucos recorde, poderia

ter reagido da mesma maneira. Na verdade, deveria tê-lo feito. Ao invés disso, a IBM aceitou

o PC como a nova realidade. Quase da noite para o dia, ela deixou de lado todas as suas

políticas, regras e regulamentações comprovadas e formou não uma, mas duas equipes

econcorrentes para projetar um PC ainda mais simples. Dois anos depois, ela havia se tornado

a maior fabricante mundial de PC e ditava os padrões da indústria.

Não existem precedentes para esta realização em toda a história dos negócios; ela não

demonstra burocracia, preguiça ou arrogância. Contudo, a despeito da flexibilidade, agilidade

e humildade, alguns anos mais tarde, a IBM estava se debantedo tanto no mercado de

computadores de grande porte como no de PC. De repente, ela ficou incapaz de se mover, de

agir de forma decisiva, de mudar.

O caso da General Motors é igualmente desconcertante. No início dos anos oitenta –

seu principal negócio, carros de passageiros, parecia quase paralisado – ela adquiriu duas

grandes empresas: a Hughes Eletrônics e a Eletronic Data Systems de Ross Perot, as quais

analistas, em sua maioria, consideravam maduras, reprovando-a por haver pago demais por

elas. Todavia, em poucos anos a GM havia mais que tiplicado as receitas e os lucros da

Electronic Data Systems. E dez anos depois, em mil novecentos e noventa e quatro, a EDS

tinha um valor de mercado seis vezes superior àquele pago pela GM e suas receitas e lucros

eram dez vezes maiores.

A GM comprou a Hughes Eletronic – uma empresa enorme, mas que não dava lucro,

envolvida exclusivamente com defesa – pouco antes que essa indústria entrasse em colapso.

Sob a direção da GM, a Hughes aumentou seus lucros com a defesa e se tornou a única

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grande empresa da indústria a passar com sucesso para a produção em larga escala de itens

não ligados à defesa. É digno de nota o fato de os mesmos burocratas que haviam sido tão

ineficazes na indústria automotiva – veteranos de trita anos de GM, que nunca tinham

trabalhado para outra empresa ou, no caso, fora dos departamentos de finanças e

contabilidade – terem conseguido esses resultados surpreendentes. E nas duas aquisições, eles

simpolesmente aplicaram as políticas, práticas e procedimentos que sempre tinham sido

usados pela GM.

Essa história é conhecida ha GM. Desde a sua fundção, há oitenta anos, ma série de

aquisições demonstram que uma das suas competências básicas tem sido pagar caro por

empresas com bom desempenho, porém maduras – como fez a Buick, a AC Spark Plug e a

Fischer Body em seus primeitos anos – e a seguir transformá-las em campeãs de classe

mundial. Poucas empresas têm sido capazes de igualar o desempenho da GM em efetura

aquisições bem-sucedidas, e ela certamente não realiza esses feitos sendo burocrática, lenta

ou arrogante. Porém, aquilo que funcionou tão bem em empresas sobre as quais a GM nada

sabia fracassou miseravelmente nela própria.

O que pode explicar o fato de , tanto na IBM como na GM, as políticas, práticas e

comportamentos que funcionaram por décadas – e no caso da GM ainda fncionaam bem,

quando aplicadas a algo novo e diferente – não funcionarem mais para a organização na qual

e para a qual elas foram desenvolvidas? A realidade que cada organização enfrenta mudou

drasticamente, em relação àquelas com as quais cada um supõe que vive, mas a teoria do

negócio não.

Antes da sua reação ágil à nova realidade do PC, a IBM já havia mudado uma vez sua

estratégia da noite para o dia. Em mil novecentos e cinquenta, a Univac, então líder mundial

em computadores, apresentou o protótipo da primeira máquina projetada para ser um

computador multifuncional. Todos os projetos anteriores eram de máquinas para uma só

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finalidade. Os dois computadores anteriores da própria IBM, contruídos no final dos anos

trinta e em mil novecentos e quarenta e seis, executavam somente cálculos astronômicos. E a

máquina que a IBM tinha na prancheta em mil novecentos e cinquenta, projetada para o

sistema de defesa aérea SAGE, possuía somente uma finalidade: a identificação antecipada

de aviões inimigos. A IBM abandonou imediatamente sua estratégia de desenvolver

máquinas avançadas para uma única finalidade e colocou seus melhores engenheiros para

trabalhar no aperfeiçoamento da arquitetura da Univac e, a partir dela, projetar o primeiro

computador de funções mútiplas possível de ser fabricado (não artesanalmente) e de receber

asssistência técnica. Três anos depois, a IBM havia se tornado a maior fabricante de

computadores do mundo e passou a ditar os padrões da indúestria. Ela não criou o

computador; mas em mil novecentos e cinquenta sua flexibilidade, agilidade e humildade

criaram a indústria e computadores.

Entretanto, as mesmas hipóteses que a ajudaram a prevalecer em mil novecentos e

cinquenta mostraram-se insatisfatórias trinta anos depois. Nos anos setenta, a IBM supôs que

existisse um computador, como havia feito nos anos cinquenta. Mas a emergência do PC

invalidou essa suposição. Computadores de grande porte e PCs são tão diferentes enbtre si

como usinas geradoras e torradeiras elétricas. Estas, apesar de diferentes, são

interdependeentes e complementares. Ao contrário, computadores de grande porte e PCs são

basicamente concorrentes. E em sua definição básica de informação, eles de fato se

contradizem: para o computador de grande porte, informação significa memória; para o PC,

sem cérebro, significa Software. A construção de usinas geradoras e a produção de

torradeiras precisam ser administradas como negócios separados, mas podem ser de

propriedade da mesma entidade corporativa, como fez a General Eletric durante décadas. Em

contraste, computadores de grande porte e PCs provavelmente não podem coexistir na mesma

entidde corporativa.

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A IBM tentou combinar os dois. Mas como o PC era a parte de crescimento mais

rápido do negócio, ele não podia ser subordinado ao computador de grande porte. Mas como

este ainda era a maior fonte de lucros, ela não podia otimizar o negócio de PCs. No final, a

suposição de que um computador é um computador – ou, mais prosaicamente, de que a

indústria é movida pelos equipamentos – paralisou a IBM.

A GM tinha uma teoria do negócio ainda mais poderoas e bem-sucedida que a ada

IBM, a qual levou-a a ser a maior e mais lucrativa organização manufatureira do mundo. A

empresa não sofreu nenhum revés em setenta anos – um recorde nunca igualado na história

dos negócios. Sua teoria combinava, numa rede impecável, hipóteses a respeito de mercados

e clientes com hipóteses a respeito de competências essenciais e estrutura organizacional.

Desde o início dos anos vinte, a GM supunha que o mercado automotivo dos Estados

Unidos era homogêneo em seus valores e segmentado por grupos de renda extremamente

estáveis. O valor de revenda de um bom carro usado era a única variável independente sob o

controle da direção. Altos valores de revenda permitiam que os clientes subissem de categoria

quando compravam carros novos, os quais propiciavem lucros mais altos. De acordo com

esta teoria, mudanças frequentes ou radicais nos modelos só poderiam reduzir o valor dos

carros usados.

Internamente, essas hipóteses sobre o mercado seguiam lado a lado com as hipóteses a

respeito de como produção deveria ser orgaizada para render a maior participação de

mercado e os lucros mais altos. No caso da GM, a resposta estava em grandes lotes de carros

produzidos em massa com um mínimo de mudanças entre os modelos do mesmo ano,

resultando no maior número possível de modelos uniformes no mercado, ao menor custo fixo

unitário.

A direção da GM a seguir traduziu essas hipóteses a respeito de mercado e produção

numa estrutura de divisões semi-autônomas, cada uma focalizando um segmento de renda e

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arranjada de forma que o preço do seu modelo mais caro se sobre pusesse ao do modelo mais

barato da divisão seguinte, quase forçando as pessoas a mudar de categoria, desde que os

preços dos carros usados se mantivessem altos.

Durante setenta anos, esta teoria funcionou perfeitamente. Mesmo nas profundezas da

Grande Depressão, a GM continuou ganhando participação de mercado. Mas no final dos

anos sententa, suas hipóteses a respeito do mercado e da produção perderam a validade. O

mercado estava se fragamentando em segmentos de estilo de vida, altamente voláteis. A

renda tornou-se um entre muitos fatores na decisão de compra, e não o único. Ao mesmo

tempo, a fabricação enxuta criou uma economia de pequena escala. Ela tornou lotes

pequenos, com variações nos modelos, mais lucrativos que os grandes lotes de produtos

uniformes.

A GM sabia de tudo isso, mas simplesmente não podia acreditar (seu sindicato ainda

não acredita). Assim, a empresa tentou remendar as coisas. Ela manteve as divisões baseadas

na segmentação por renda – mas agora cada uma delas oferecia uma carro para todos os

bolsos – e tentou competir com a economia de pequena escala de fabricação enxuta,

automatizando a produção em larga escala (perdendo no processo cerca de trinta bilhões de

dólares). Contrariamente á crença popular, a GM remendou as coisas comp prodigiosa

energia, trabalho duro e grandes investimentos em tempo e dinheiro. Mas isso só cofundiu os

clientes, revendedores, funcionários e a direção da própria GM. Com tudo isso, a GM

negligenciou seu mercado em real crescimento, no qual tinha a liderança e teria sido quase

imbatível: caminhões leves e minivans.

Uma teoria do negócio tem três partes. Primeiro, existem hipóteses a respeito do

ambiente da organização: da sociedade e sua estrutura, o mecado, o client e a tecnologia.

Segundo, há hipóteses a respeito da missão específica da organização. A Sears,

Roebuck & Co., durante a Primeira Guerra Mundial e nos anos subsequentes, definia sua

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missão como sendo a fornecedora bem informada da família americana. Uma década depois,

a Marks & Spencer britânica definiu sua missão como sendo o agente de mudanças da

sociedade britânica, ao se tornar a primeira varejista para todas as classes. A AT&T –

também durante e logo depois da Primeira Guerra Mundial – definiu seu papel como sendo o

de assegurar que cada família e empresa americana tivesse acesso a um telefone. A missão de

uma organização não precisa ser tão ambiciosa. A GM vislumbrou um papel muito mais

modesto – como líder em equipamento motorizado de transporte terrestre, nas palavras de

Alfred P. Sloan Júnior.

Terceiro, existem hipóteses a respeito das competências essenciais necessárias á

realização da missão da organização. Por exemplo, a Academia Militar de West Point,

fundada em mil oitocentos e dois, definiu sua competência essencial como a capacidade para

produzir líderes merecedores de confiança. A marks & Spencer, por volta de mil novecentos

e trinta, definiu sua competência essencial como a capacidade para identificar, projetar e

desenvolver as mercadorias que vendia, ao invés de comprá-las. A AT&T, por volta de mil

novecentos e vinte, definiu sua competência essencial como a liderança técnica que a

capacitaria a melhorar continuamente seus serviços, ao mesmo tempo em que reduzia suas

tarifas.

As hipóteses a respeito do amviente definem aquilo que uma organização é paga para

fazser. Aquelas a respeito da missão definem o que uma organização considera resultados

significativos; em outras palavras, elas mostram como ela está fazendo uma diferença na

economia e na sociedade em geral. Finalmente, as hipóteses a respeito de competências

esenciais definem em que a organização precisa se superar para manter a liderança.

É claro que tudo isso soa enganosamente simples. Normalmente são necessários anos

de muito trabalho, reflexão e experimentação para se atingir uma teoria clara, conssistente e

válidad do negócio. No entanto, toda organização precisa desenvolver a sua para ter sucesso.

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Quais são as especificações de uma teoria válida no negócio? Existem quatro,

segundo Peter F. Drucker:

As hipóteses a respeito do ambiente, da missão das competências essenciais precisam

se encaixar na realidade. Quando quatro jovens pobres de Manchester, Inglaterra – Simon

Marks e seus três cunhados – decidiram, no início dos anos vinte, qe um bazar insípido

deveria se tornar um agente de mudanças sociais, a Primeira Guerra Mundial havia afetado

profundamente a estrutura de classes do seu paíse. Ela também havia criado massas de novos

compradores de mercadoreias de bom estilo e qualidade como lingerie, blusas e meias – as

primeiras categorias de produtos de sucesso da Marks & Spencer. A seguir, a empresa se pôs

a trabalhar, desenvolvento competências essenciais completamente novas. Até então, a

competência essenciais copletamente novas. Até então, a competência essencial de um

comerciante era a capacidade de comprar bem. A Marks & Spencer decidiu que era o

comerciante, e não o fabricante, que conhecia o cliente. Portanto, caberia a ele conceber os

produtos, desenvolvê-los e encotrar produtores para fabricá-los de acordo com sua

concepção, suas especificações e seus custos. Esta nova definição do comerciante levou de

cinco a oito anos para se desenvolver e se tornar aceitável para os fornecedores tradicionais,

que sempre haviam visto a si mesmos como fabricantes e não subempreiteiros.

As hipóteses nas três áreas precisam encaixar-se. Talvez esta fosse a maior força da

GM durante longas décadas da sua ascendência. Suas hipóteses a respeito do mercado e do

proceso ótimo de fabricação se encaixavam-se perfeitamente. Em meados dos anos vinte, a

GM decidiu que também eram necessárias novas competências essenciais: controle financeiro

do processo de fabricação e uma teoria de alocações de capital. Em consequência disso, ela

inventou a moderna contabilidade de custos e o primeiro processo de fabricação e uma teoria

de alocações de capial. Em consequência disso, ela inventou a moderna contabilidade de

custos e o primeiro processo racional de alocação de capital.

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A teoria do negócio precisa ser conhecida e compreendida em toda a organização. Isto

é fácil nos primeiros dias de uma organização. Porém, à medida que se torna um sucesso,

uma organização tende cada vez mais a dar sua teoria como certa, tornando-se cada vez

menos consciente da mesma. Então, a organização torna-se descuidada. Ela começa a tomar

atalhos, a seguir aquilo que é conveniente ao invés daquilo que é certo. Ela para de pensar e

de questionar, se lembra das respostas, mas esqueceu as perguntas. A teoria do negócio

transforma-a em cuotura, embora esta não substitua a disciplina, e a teoria dos negócio é uma

disciplina.

A teoria do negócio precisa ser constantemente testada. Ela não está gravada em

pedra. É uma hipótese, e a respeito de coisas que estão em fluxo constante - a sociedade, os

mercados, os clientes, a tecnologia. Portanto, a teoria do negócio deve ter a capacidade para

mudar a si mesma.

Algumas teorias do negócio são tão poderosas quue duram por muito tempo. Porém,

sendo artefatos humanos, elas não duram para sempre; aliás, hoje em dia elas raramente

duram por muito tempo. Com o passar do tempo, toda teoria do negócio torna-se obsoleta e

sem valor. Foi o que aconteceu com as teorias sobre as quais foram construídas as grandes

empresas americanas nos anos vinte. Isto aconteceu com a GM, a AT&T, com a IBM, hoje

com o Deutsche Bank e sua teoria do banco universal e com os kereitsu japoneses,

atualmente em rápida desagregação.

A primeira reação de uma organização cuja teoria está se tornando obsoleta é quase

sempre defensiva. A tendência é enterrar a cabeça na areia e fingir que nada está

acontecendo. A reação seguinte é a tentativa de remendar, como fez a GM no início dos anos

oitenta ou o Deutsche Bank fez nos anos noventa. A crise súbita e inesperada de uma grande

empresa alemã após a outra, para as quais o Deutsche Bank é o banco da casa, indica que sua

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teoria não funciona mais. Isto é, o Deutsche Bank não faz mais aquilo que foi projetado para

fazser: prover controle eficaz da corporação moderna.

Mas remendar nunca funciona. Ao contrário, quando uma teoria da os primeiros sinais

de obsolescência, está na hora de começar a pensar novamente, de perguntar novamente quais

hipóteses a respeito do ambiente, da missão e das compet~encias básicas refletem com maior

precisão a realidade – a partir da clara premissa de que nossas hipóteses historicamente

transmitidas, aquelas com as quais muitos cresceram vendo, não mais são suficientes.

O que então precisa ser feito? Há necessidade de cuidados preventivos – isto é,

embutir na organização o monitoramento e teste sistemáticos da sua teoria do snegócio. É

fundamental um diagnóstico precoce, repensar uma teoria que está estagnada e tomar

providências efetivas para mudar políticas e práticas, alinhando o comportamento da

organização às novas realidades dos eu cambiente, a uma nova definição da sua missão e às

novas competências essenciais a serem desenvolvidas e adquiridas.

Existem somente duas medidas preventivas. Porém, se forem usadas de forma

consistente, elas devem manter uma organização alerta e capaz de forma consciente, elas

devem manter uma organização alerta e capaz de mudar rapidamente a si mesma e á sua

teoria. A primeira medida é aquilo que Peter F. Drucker chama de abandono. A cada três

anos, uma organização deve questionar cada produto, serviço, política, canal de distribuição

com a pergunta: Se já não estivéssemos nisto, nós entraríamos agora? Questionando políticas

e rotinas aceitas, a organização se força a pensar a respeito da sua teoria, a testar suas

hipóteses e a perguntar; Por que isto não funcionou, apesar de parecer tão promissor quando

entramos há cindo anos? É porque cometemos um erro? Porque fizemos as coisas erradas?

Ou é porque as coisas certas não funcionaram?

Sem um abandono sistemático e determinado, a organização será colhida pelos

acontecimentos. Ela irá dissipar seus melhores recursos em coisas que nunca deveria estar

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fazendo ou que não deveria mais fazer. Em consequência disso, ela irá carecer de recursos,

especialmente humanos, para explorar as oportunidades que surgem quando mundam

mercados, tecnologias e competências essenciais. Em outras palavras, ela estará incapacitada

de reagir de forma construtiva às oportunidades que são criadas quando sua teoria dos

negócio se tornar obsoleta.

A segunda medida preventiva é estudar aquilo que acontece fora da empresa,

especialmente os não-clientes. O gerenciamento através de andar por aí tornou-se popular há

alguns anos e ele é tão importante quanto conhecer o máximo possível a respeito dos clientes

– talvez a área na qual a tecnologia da informação esteja fazendo os avanços mais rápidos.

Mas os primeiros sinais de mudanças fundamentais raramente aparecem dentro da

organização ou entre seus próprios clientes. Quase sempre eles surgem primeiro entre os não-

clientes, os quais são mais numerosos que os clientes. A Wal-mart, a gigante do varejo de

hoje, tem quatorze por cento do mercado americano de bens de consumo. Isto significa que

oitenta e seis por cento do mercado são não-clientes.

O melhor exemplo recente da importãncia do não-cliente é o das lojas de

departamentos americanas. Em sue pico, há cerca de quarenta anos, elas atendiam trinta por

cento do mercado varejista não-alimentar dos Estados Unidos – questionavam, estudavam e

pesquisavam constantemente seus clientes, mas não davam a devida atenção aos setenta por

cento do mercado que não eram seus clientes. Elas não viam razões para fazê-lo. Sua teoria

do negócio supunha que a maioria das pessoas que podia comprar em lojas de departamentos

já o fazia. Há setenta anos, esta suposição encaixava-se na realidade. Mas quando os baby-

boomers (a geração nascida logo após o fim da Segunda Guerra Mundial) se tornaram

adultos, essa suposição deixou de ser válida. Para o grupo dominante entre os baby-boomers

– mulheres de famílias onde os dois cônjuges tinham boa educação e trabalhavam fora – não

era a renda que determinava onde comprar. O tempo era o fator primordial e as mulheres

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dessa geração não podiam se da ao luxo de gastar seu tempo fazendo compras em lojas de

departamentos. Como estas só olhavam para seus clientes, não reconheceram a mudança atá

há pouco mais de vinte anos. Mas então, o negócio já estava secando e era tarde demais para

trazer os baby-boomers de volta. As lojas de departamentos aprenderam da maneira mais

difícil que embora ser movido pelo cliente seja vital, não é suficiente. Uma organização

também tem de ser movida pelo mercado.

Para diagnosticar cedo os problemas, os gerentes precisam presta atenção aos sinais

de alerta. Uma teoria do negócio sempre se torna obsoleta quando um organização atinge

seus objetivos originais. Portanto, atingir os objetivos não é um motivo para comemorações,

mas para novas reflexões. A AT&T cumpriu sua missão de dar acesso ao telefone a cada

família e empresa dos Estados Unidos em meados dos anos cinquenta. Na ocasião, alguns

executivos disseram que estava na hora de reavaliar a teoria do negócio e, por exemplo,

separar os serviços locais – onde os objetivos haviam sido atingidos – dos negócios em

crescimento e futuros, começando com o serviço interrurbano e indo até as telecomunicações

globais. Seus argumentos foram ignorados e alguns anos depois a AT&T começou a tropeçar,

tendo sido salva pelas leis antitruste, as quais determinaram a execução daquilo que a

empresa havia se recusado a fazer voluntariamente.

O crescimento rápido é outro sinal seguro de crise na teoria de uma organização.

Qualquer organização que dobre ou triplique seu tamanho dentro de um período

relativamente curto necessariamente ultrapassou sua teoria. Mas um crescimento destes

questiona hipóteses, políticas e hábitos muito mais profundos. Para continuar saudável, para

não falar em crescer, a organização precisa se fazser novamente as perguntas a respeito do

seu ambiente, suamissão e suas competências essenciais.

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Há dois sinais mais claros de que a teoria do negócio de uma organização não é mais

válida. Um é o sucesso inesperado – dela própria ou de um concorrente e o outro um fracasso

inesperado – mais uma vez, dela propria ou de um concorrente.

Na mesma ocasião em que as importações de carros japoneses estavam encurralando

as três grandes de Detroit, a Chrysler registrou um sucesso totalmente imprevisto. Seus carros

de passageiros tradicionais estavam perdendo participação de mercado até mais depressa que

os da GM e os da Ford. Mas as vendas do seu Jeep e das suas novas minivans – uma linha

quase acidental – estavam subindo rapidamente; na ópoca, a GM era líder do mercado

americano de caminhões leves e permanecia inquestionada no desenho e na qualidade dos

seus produtos, mas não estava dando atenção nenhuma ao segmento. Afinal, minivans e

caminhões leves sempre haviam sido classificados como veículos comerciais e não de

passageiros nas estatísticas tradicionais, apesar da maior parte deles estar então sendo

comprada como veículos de passageiros. Entretnato, se tivesse prestado atenção ao sucesso

do seu concorrente mais fraco – a Chrysler – a GM poderia ter compreedido muito antes que

suas hipóteses, tanto a respeito do seu mercado como de suas competências essenciais, não

eram mais válidas. Desde o começo, o mercado de minivans e caminhões leves não era um

mercado de classe de renda e er apouco influenciado pelos preços de revenda. E,

paradoxalmente, a área de caminhões leves era a única na qual a GM, há trinta e cinco anos,

já havia avançado muito em direção àquilo que hoje é chamado de fabricação enxuta.

Um fracasso inesperado é tão importante como alerta quanto um sucesso inesperado e

deve ser levado tão a sério quanto um pqeuenoataque cardíaco de um homem de sessenta

anos. Há oitenta anos, em meio à Depressão, a Sears decisiu que seguros de automóveis

tinham se tornado um acessório, ao invés de um produto financeiro, e que vendê-los se

encaixaria em sua missão como fornecedora bem informada da família maericana. Todos

acharam que a Sears estava louca. Mas o negócio de seguros de carros tornou-se quase

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instantaneamente o mais lucrativo da empresa. Vinte anos depois, ela decidiu qeu aneis de

brilhantes haviam se tornado uma necessidade e não um luxo, e a empresa transformou-se na

maior varejista de diamantes do mundo – e talvez a mais lucrativa. Foi apenas lógico, para a

Sears, decidir em mil novecentos e oitenta e um que produtos de investimentos haviam se

tornado bens de consumo para a família americana. Ela comprou a Dean Witter e transferiu

seus escritórios para as lojas Sears. Foi um desastre total. O público americano claramente

não considerava suas necessidades financeiras produtos de consumo. Quando a Sears

finalmente desistiu de tocar a Dean Witter como um negócio separado, fora de suas lojas, esta

começou a florescer. Em mil novecentos e noventa e dois, a Sears vendeu-a com um belo

lucro.

Se a Sears tivesse visto seu fracasso na tentativa de se tornar a fornecedora de

investimentos para a família americana como um fracasso da sua teoria e não como um

incidente isolado, ela poderia ter começado a se reestruturar e se reposicionar dez anos antes

de quando efetivamente o fez, quando ainda detinha uma substacial liderança de mercado. A

Sears poderia ter visto, como o fizeram imediatamente vários dos seus concorrentes, como a

J. C. Penney, que o fracasso da Dean Witter colocou em dúvida todo o conceito de

homogeneidade do mercado, o quela ela e outros grandes varejistas haviam baeado durante

anos suas estratégias.

Tradicionalmente, tem-se buscado pelo trabalhador milagroso com uma varinha

mágica para curar uma organização enferma. No entanto, o estabelecimento, a manutenção e

a restauração de uma teoria não requerem um Gengis Khan ou um Leonardo da Vinci na

presidência. A questão não é de genialidade, mas de trabalho duro. Não se trata de ser

inteligente, mas consciencioso.

É para isto que os CEOs são pagos. Alguns deles mudaram com sucesso suas teorias

do negócio. Ele que transformou a Merck num dos mais bem-sucedidos laboratóriso

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farmacêuticos do mundo, focalizando exclusivamente a pesquisa e desenvolvimento de

medicamentos totalmente novos, patenteados de altas margens, mudou de forma radical a

teoria da empresa ao adquirir uam grande distribuidora de medicamentos genéricos e

populares. Ele fez isso sem que existisse uma creie, quando a Merck estava muito bem.

Analogamente, há alumas décadas, o novo CEO da Sony, a fabricante de eletrônicos de

consumo mais conhecida do mundo, mudou a teoria do negócio daquela empresa. Ele

adquiriu uma empresa de produção de filmes de Hollywood e, com isso, mudou o centro de

gravidade da organização, que deixou de ser uma fabricante de equipamentos em busca de

software e passou a ser uma produtora de software que cria no mercado a demanda por

equipamentos.

Para cada um destes trabalhadores aparentemente milagrosos, há inúmeros CEOs,

igualmente capazes, cujas organizações tropeçam. Não é possível se basear em trabalhadores

milagrosos para rejuvenecer uma teoria do negócio obsoleta, assim como não é possível

esperar que eles curem outros tipos de doenças sérias. E quando você conversa com estas

pessoas supostamente milagrosas, elas negam veementemente que agem por carisma, visão

ou, no caso, fazendo gestos mágicos. Elas começam com diagnóstico e análise e aceitam que

a realização dos objetivos e o crescimento rápido exigem que se repense seriamente sobre a

teoria do negócio. Elas não deixam de lado um fracasso inesperado como se fosse o resulado

da incompetência de um funcionário ou um acidente, mas tratam como um sintoma de

fracasso dos sistemas. Eles não assumem o crédito por sucessos inesperados, mas os tratam

como desafios às suas hipóteses.

Eles admitem que a obsolescência de uma teoria é uma moléstia degenerativa e,

portanto, mortal. E conhecem e aceitam o princípio comprovado dos cirurgiões, o mais antigo

princípio de tomada efetiva de decisões: um moléstia degenerativa não será curada por

procrastinação; ela requer providências decisivas.

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Um investimento para as incertezas do futuro

A incerteza – na economia, na sociedade, na política – ficou tão grande que tornou

inútil, senão contraproducente, o tipo de planejamento ainda praticado pela maioria das

empresas: previsão baseada em probabilidades.

Eventos únicos, como fenômeno Perot ou a dissolução do império soviético, não têm

probabilidade. Contudo, os executivos têm de tomar decisões que comprometem para o

futuro recursos correntes de tempo e dinheiro. Pior, eles tê de tomar decisões de não

comprometer recursos – de desistir do futuro. As durações desses compromissos estão

crescendo sem parar: em estratégia e tecnologia, marketing, manufatura, desenvolvimento de

funcionários, no tempo que se leva para colocar uma nova fábrica em operação, ou nos anos

até que o investimento feito numa loja se pague. Todos esses compromissos baseiam-se em

suposições a respeito do futuro. Para chegar a elas, o planejamnto tradicional pergunta: “O

que é mais provável que aconteça?”. Ao invés disso, o planejamento para a incerteza

pergunta: “O que já aconteceu que irá criar o futuro?”.

Os dados demográficos são os primeiros a ser olhados. Quase todas as pessoas que

estaravam na força de trabalho dos países desenvolvidos no ano de dois mil e dez, já estavam

vivas na década de noventa. Houve duas mudanças revolucionárias na força de trabalho dos

países desenvolvidos: a explosão da educação avançada e a investida das mulheres em

carreiras fora de casa. Ambas são fatos consumados. A passagem do centro de gravidade da

população dos trabalhadores braçais para os trabalhadores do conhecimento e serviços é

irrevogável, assim como o envelhecimento tanto da força de trabalho como da população.

Os homens de negócios precisam perguntar: “O que esses fatos consumados

significam para o nosso negócio? Que oportunidades eles criam? O que ameaçam? Que

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mudanças eles exigem na maneira pela qual a empresa é organizada e dirigida em nossas

metas, produtos, serviços e em nossas políticas? Que mudanças eles tornam possíveis e são

provavelmente vantajosas?”.

A pergunta seguinte é: Que mudanças na estrutura da indústria e do mercado, em

valores básicos (por exemplo, a ênfase no meio ambiente), e em ciência e tecnologia já

ocorreram, mas ainda não tiveram todo o impacto?”. Acredita-se comumente que as

inovações criam mudanças – mas muito poucas o fazem. As inovações bem-sucedidas

exploram mudanças que já ocoreram. Elas exploram o prazo – em ciência, muitas vezes de

vinte e cinco ou trinta anos – entre a mudança em si e sua percepção e aceitação. Durante

esse prazo, o explorador da mudança raramente enfrenta muita concorrência. As outras

pessoas na indústria ainda operam com base na realidade de ontem. E uma mudança, depois

de ocorrida, normalmente sobrevive até mesmo a turbulências extremas.

A Primeira Guerra Mundial, a Depressão e a Segunda Guerra Mundial não tiveram

impacto sobre essas tendências, exceto acelerá-las. São exemplos a passagem do tra´fego de

cargas ferroviárias para os caminhões, a passagem para o telefone como principal veículo de

telecomunicações e a passagem para hospital como centro dos cuidados com doenças.

As perguntas seguintes são intimamente relacionadas: “Quais são as tendências nas

estruturas econômica e social e como elas afetam o nosso negócio?". Desde o ano de mil e

novecentos, a unidade de mão-de-obra necessária para uma unidade adicional de produção

em manufatura vem caindo á taxa composta de um por cento ao ano. Desde o final da

Segunda Guerra Mundial, a unidade de matérias-primas necessária à fabricação de uma

unidade adicional de produto manufaturado vem decrescendo à mesma taxa. Desde o ano de

mil novecentos e cinquenta, a unidade de energia necessária à fabricação de uma unidade

adicional de manufaturado também está caindo à mesma taxa. Mas a partir do ano de mil

oitocentos e oitenta, da introdução a introdução do telefone e dos Princípios de

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Administração Científica de Ferederick Winslow Taylor, o volume de informações e

conhecimentos necessários para cada unidade adicional de produção vem crescendo à taxa

composta de um por cento ao ano – taxa à qual as empresas vêm acrescentando pessoas

educadas às suas folhas de pagamento.

Na verdade, o computador pode ter sido uma resposta a esta explosão de informações,

e não em sua causa. Tendências estruturais semelhantes podem ser encontradas na maior

parte das indústrias e mercados. Elas não fazem o tempo para uma indústria ou empresa, mas

criam o clima. A curto prazo, seus efeitos são ligeiros, mas a um prazo mais longo, essas

tendências estruturais são de importãncia muito maior que as flutuações de curto prazo às

quais os economistas, políticos e executivos dedicam toda a sua atenção.

Quem quer que explore as tendências estruturais tem sucesso quase garantido. Porém,

é difícil combatê-las a curto prazo e quase impossível a longo prazo. Quando uma dessas

tendências estruturais se esgota ou se reverte (o que é bastante raro), aqueles que continuam

como antes enfrentam a extinção e os que mudam depressa se defrontam com oportunidades.

As tendências estruturais mais importantes são aquelas das quais muitos executivos

nunca ouviram falar: a distribuição da renda disponível dos consumidores. Elas são

particularmente importantes numa época de incerteza, como a de hoje. Em ocasiões como

esta, essas tendência tendem a mudar – e depressa.

Nos últimos cento e vinte anos, a maior parte do extraordinário aumento na

capacidade de produção de riqueza e nas rendas pessoas – de cinquenta vezes no países

desenvolvidos – tem sido gasta mais em lazer, em cuidados com a saúde e em educação. Em

outras palavras, estas foram as áreas dominantes de crescimento do século vinte.

Será que elas continuarão nesse papal? Para o lazer, a resposta é, quase que

certamente, “não”. Os gastos com saúde como percentagem da renda do consumidor estava

com previsão de provável crescimento nas primeiras décadas do século vinte e um, a despeito

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do aumento no número de idosos e dos avanços na medicina. A educação deverá continuar

seu crescimento – mas principalmente como educação adicional para adultos já bem-

educados, ao mesmo tempo em que as principais indústrias tornar-se-ão altamente intensivas

em capital, ao invés de mão-de-obra. Que desafios – às políticas de uma empresa, aos seus

produtos, mercados e metas – representam essas mudanças? Que oportunidades?

Estas são tendências macroeconômicas. Mas tendênicas estruturais semelhantes dão

forma às microeconomias de indústrias e mercados individuais; elas são igualmente

importantes. Durante trezentos anos, desde os tempos coloniais, o espaço físico por família, e

com ele a porcentagem da renda dos consumidores gasta com habitação, vem crescendo de

forma estável nos Estados Unidos ( em contraste com Europa e Japão). Será que esta

tendência chegou ao fim com as drásticas mudanças no tamanho e na composição das

famílias?

Desde a Segunda Guera Mundial, a parcela da renda disponível dos consumidores

gasta com produtos eletrônicos de entretenimento – rádio, televisão, aparelhos de som,

audiovisuais e assim por diante – vem crescendo firmemente, uma tendência que os japoneses

entenderam e exploraram. Será que o crescimento cessou? A parcela da renda disponível dos

consumidores gasta com telecomunicações vem crescendo há mais de um século. Ela pode

estar prestes a explodir.

A sabedoria econômica diz que pessoas idosas não poupam. Será qque isto ainda é

verdade? O crescimento dos fundos mútuos demonstra o contrário. E o que essa mudança na

distribuição de renda disponível po pessoas de cinquenta e cinco anos – o segmento de mais

rápido crescimento da população dos países desenvolvidos – significa para as instituições

financeiras, seus produtos, serviços e seu marketing?

Estes assuntos não são particularmente enigmáticos. A maioria dos executivos

conhece as respostas ou como obtê-las. Só que raramente eles fzem as perguntas.

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As respostas à pergunta: “O que já aconteceu que irá fazer o futuro?” definem o

potencial de oportunidades para uma dada empresa ou indústria. A conversão deste potencial

na realidade requer que se iguale as oportunidades às forças e competênicas da empresa. Ela

requer aquilo que Peter F. Durcker apresentou no seu livro Administrando para Resutados, do

ano de mil novecentos e sessenta e quatro) como análise de força e hoje – graças,

principalmente, à obra dos professores C. K. Prahalad e Gary Hamel – está se tornando

conhecido como a análise das competências essenciais.

“Em que esta empresa é boa?” O que ela faz bem? Ou “Que forças lhe dão uma

vaantagem competitiva? Aplicadas a quê?” A análise de força também mostra onde é preciso

melhorar ou aumentar as forças existentes e onde adquirir novas. Ela mostra tanto o que a

empresa pode fazer como o que ela deveria fazer. A equiparação das forças de uma empresa

às mudanças que já ocorreram produz um plano de ação, permitindo que ela transforme o

inesperado em vantagam. A incerteza deixa de ser uma ameaça e se torna uma oportunidade.

Porém, existe uma condição: que a empresa crie os recursos de conhecimento e de

pessoal para reagir quando surgir a oportunidade. Isto significa o desenvolvimento de um

orçamento de futuros em separdo.

Os dez a doze por cento dos gastos anuais necessários à criação e manutenção de

recursos para o futuro – em pesquisa e tecnologia, em posição de mercado e atendimento, em

pessoal e seu desenvolvimento – precisam ser colocados num orçamento constante, mantido

tanto nos anos bons como nos maus. Trata-se de investimentos, embora os contadores e

cobradores de impostos os considerem despesas operacionais. Eles capacitam uma empresa a

fazer seu futuro, é isto, em última análise, o que significa planejar para a incerteza.

Organizações tendem a alimentar problemas e a matar de fome as oportunidades

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Nas últimas décadas ocorreu a queda de uma série de empresas outrora dominantes:

General Motors, Sears e IBM, dentre outras. Em todos os casos, a causa principal foi pelo

menos um dos cinco pecados mortais dos negócios – erros evitáveis que causam danos às

empresas mais poderosas.

O primeiro pecado e, de longe, o mais comum, é o culto às altas margens de lucro e

ao preço alto. O melhor exemplo de para onde isto leva é o quase colapso da Xerox nos anos

setenta. Tendo inventado a copiadora – e poucos produtos na história industrial tiveram

sucesso maior em tão pouco tempo - , a Xerox logo começou a acrescentar novas

características às máquinas, cada uma com preço objetivando a máxima margem de lucro e

levando para cima os preços das máquinas. Os lucros da Xerox aumentaram, o mesmo

acontecendo com os preços das suas ações. Mas a grande maioria dos consumidores que

necessitavam somente de uma máquina simpoles tornaram-se cada vez mais dispostos a

comprar de um concorrente. E quando a Canon japonesa lançou essa máquina, dominou

imediatamente o mercado americano. A Xerox mal sobreviveu.

Os problemas da GM – e de toda a indústria automotiva americana – resultam, em

grande parte, da fixação na margem de lucro. Em mil novecentos e setenta, o Volkswagen

Beetle (conhecido no Brasil como Fusca) havia conquistado quase dez por cento do mercado

americano, mostrando que havia, nos Estados Unidos, demanda po um carro pequeno e de

baixo consumo. Alguns anos mais tarde, depois da primeira crise do petróleo, aquele mercado

havia se tornado muito grande e crescia rapidamente. Contudo, os fabricantes americanos

haviam, por muitos anos, deixado o segmento para os japoneses, pois as margens de lucro dos

carros pequenos pareciam ser muito inferiores àquelas dos carros grandes.

Essa impressão em pouco tempo mostrou ser ilusória – como é normalmente. A GM,

a Chrysler e a Ford tiveram, cada vez mais, de subsidiar seus compradores de carros grandes

com descontos, abatimentos e bônus em dinheiro. No final, é provável que as Três Grandes

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de Detroit tenham dado mais em subsídios do que lhes teria custado o desenvolvimento de

um produto pequeno competitivo e lucrativo.

A lição: o culo aos preços altos sempre cria um mercado para o concorrente, e altas

margens de lucro não significam maximização dos lucros. O lucro total é a margem de lucro

multiplicada pelo número de unidades vendidas. Portanto, o lucro máximo é obtico pela

margem de lucro que produz o maior fluxo de lucro total, e normalmente esta é a margem que

produz uma posição ótima de mercado.

O segundo pecado mortal está intimamente relacionado ao primeiro: fixar

erradamente o preço de um novo produto, cobrando aquilo que o mercado irá suportar. Isto

também cria uma oportunidade isenta de risco para a concorrência. Esta é uma política

errada, mesmo se o produto estiver protegido por patentes. Se o incentivo for suficiente, um

concorrente em potencial irá encontrar um meio para contornar a patente mais forte.

Hoje os japoneses dominam o mercado de máquinas de fax porque os americanos –

que inventaram, desenvolveram e primeiram a produziram – cobraram aquilo que o mercado

iria suportar: o preço mais alto possível. Os japoneses, entretanto, alnçaram a máquina nos

Estados Unidos, dois ou três anos depois a um preço quarenta por cento mais baixo,

consquistanto, assim, o mercado virtualmente da noite para o dia; o único fabricante

americanos que sobreviveu foi uma pequena empresa que fez um produto especial em

quantidades reduzidas.

Por outro lado, a DuPont retardou a concorrênca em cinco ou seis anos, mas também

criou imediatamente mercados para o nylon que ninguém na empresa havia imaginado (por

exemplo, em pneus para carros), os quais em pouco tempo se tornaram maiores e mais

lucrativos que o mercado de roupas femininas jamais poderia ter sido. Portanto, a estratégia

produziu para a DuPont um lucro total muito maior do que a cobrança daquilo que o mercado

pudesse suportar. E a DuPont manteve os mercados quando surgiram os concorrentes.

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O terceiro pecado mortal é fixar o preço com base nos custos. O que funciona é o

preço ditando os custos. A maioria das empresas americanas e praticamente todas as

europeias chegam aos seus preços somando os custos e adicionando um margem de lucro. E

então, logo depois que lançam o produto, elas precisam começar a reduzir o preço, reprojetar

o produto com enormes despesas, sofrer prejuízos e, com frequência, abandonar um produto

perfeitamente adequado porque teve seu preço incorretamente fixado. O argumento delas é:

“Precisamos recupear nossos custos e ter lucro”.

Isto é verdade, mas irrelevante: os clientes não acham que têm de garantir um lucro

aos fabricantes. A única maneira sensata de fixar preços é começando com aquilo que o

mercado está disposto a pagar – supondo que é isso que a concorrência irá cobrar – e fazer o

projeto com base nessa especificação de preço.

O preço ditado pelos custos é a razão para o desaparecimento da indústria americana

de eletrônicos de consumo. Ela possuía a tecnologia e os produtos mas operava com o preço

ditado pelos custos e os japoneses praticavam o custeio ditado pelos preços. O preço ditado

pelos custos também quase destruiu a indústria de máquinas operatrizes dos Estados Unidos e

deu aos japoneses, que mais uma vez usavam o custeio ditado pelos preços, a liderança no

mercado mundial. O recente (e ainda modesto) retorno da indústria americana resulta de ela

ter finalmente pasado para o custeio ditado pelos preços.

Se a Toyota e a Nissan conseguirem expulsar os fabricantes alemães de carros de luxo

do mercado americano, isto se deverá ao fato de elas usarem o custeio ditado pelos preços. É

claro que começar pelo preço e então reduzir os custos dá mais trabalho incialmente. Mas no

final o trabalho será muito menor do que se começar errado e passar anos com prejuízos até

conseguir custos adequados – e muito melhor do que perder um mercado.

O quarto pecado mortal é sacrificar a oportnidade de amanhã no altar de ontem. Foi

isso que aconteceu com a IBM. Sua queda foi causada, paradoxalmente, por um sucesso

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único: reagiu, quase da noite para o dia, quando a Apple lançou o primeiro PC em meados

dos anos setenta. Mas então, quando havia conquistado a liderança no novo mercado de PCs,

ela subordinou este negócio novo e em crescimento ao seu velho e lucrativo negócio: o

computador de grande porte.

A alta direção praticamente proibiu que o pessoal dos PCs vendesse a clientes em

potencial de computadores de grande porte. Isso não ajudou, como nunca ajuda, o negócio de

computadores grandes, mas retardou o crescimento do negócio PCs. Tudo o que essa política

fez foi criar vendas para os clones de máquinas IBM, garantindo, assim, que a empresa não

colhesse os frutos da sua realização.

Esta foi a segnda vez que a IBM cometeu este pecado. Há quarenta anos, quando fez o

seu primeiro computador, sua alta direção decretou que este não devia ser oferecido onde

pudesse interferir com a possível venda de cartões perfurados, então a vaca leiteira da

empresa. A IBM foi salva por uma ação antitruste do Departamento de Justiça contra seu

domínio de mercado de cartões perfurados, a qual forçou a direção a abandonar os cartões – e

salvou o recém-nascido computador. Porém, na segunda vez, a Providência divina não veio

em seu auxílio.

O último pecado mortal é alimentar problemas e matar de fome as oportunidades.

Havia muitos anos Peter F. Drucker vinha perguntando aos novos clientes quais eram seus

funcionários de melhor desempenho. E a seguir ele perguntava: “Em que eles estão

trabalhando?”. Quase sem exceção, as pessoas de melhor desempenho estão designadas para

problemas – para o velho negócio que está afundando mais depressa do que havia sido

previsto; para velhos produtos que estava sendo sufocados pelos novos oferecidos pela

concorrência; para velhas tecnologias – por exemplo, interruptores análogos, quando o

mercado prefere os digitais. Então perguntou: “E quem cuida das oportunidades?”. Quase

invariavelmente, elas são deixadas por sua conta.

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Tudo o que se pode conseguir com a resolução de problemas é a contenção dos danos.

Só as oportuniddes produzem resultados e crescimento, e elas são tão difíceis e exigentes

quanto os problemas. A dica de Drucker e que se faça primeiro uma lista das oportuniddes

que a empresa tem diante de si e certificar-se de que cada uma receba pessoal e suporte

adequados. Só depois deverá ser feito uma lista dos problevas e se preocuçar a respeito de

quem irá cuidar deles.

Drucker dizia suspeitar que nas últimas décadas a Sears vinha fazendo o oposto –

matando de fome as oportunidades e alimentando os problemas – em seu negócio de varejo:

supunha que isto estivesse sendo feito pelas grandes empresas europeias (como a Siemens

alemã), que vinha perdendo terreno no mercado mundial. O procedimento correto havia sido

demonstrado pela demonstrado pela GE, com sua política de se livrar de todos os negócios –

mesmo os lucrativos – que não ofereciam crescimento a longo praxo e a oportunidade para

que a empresa fosse a número um ou a número dois no mundo inteiro. E então, ela colocava

seu pessoal de melhor desempenho nos negócios que ofereciam oportunidades.

Tudo o que Drucker disse sobre isso é conhecido há gerações e foi amplamente

comprovado por décadas de experiência. Portanto, não há desculpa para que os dirigentes das

mpresas tolerem os cinco pecados mortais. Eles são tentações às quais é preciso resistir.

Outras informações sobre o tema podem ser obtidas no livro Administrando em tempos de

grandes mundaças de autoria de Peter F. Drucker.

Capital transnacional ou não-nacional

Em toda parte, inclusive nos Estados Unidos e em todos os outros países desenvolvidos, a maioria das empresas é controlada e administrada por famílias. E a administração familiar não se limita às pequenas e médias empresas – famílias dirigem algumas das maiores empresas do mundo. A Levi Strauss, por exemplo, é controlada e administrada por uma família desde a sua fundação, há quase dois séculos. A DuPont, controlada e administrada por membros de uma família por 170 anos (desde a sua fundação

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em 1802 até que profissionais assumiram sua direção em meados dos anos 1970), tornou-se a maior empresa química do mundo. Dois séculos depois um ainda obscuro comerciante de moedas começou a enviar seus filhos para que estabelecessem bancos nas capitais da Europa, as empresas financeiras que trazem o nome Rotschild são dirigidas por membros dessa família, estão entre os maiores banqueiros privados do mundo.

Contudo, os livros e cursos de administração tratam quase que exclusivamente das empresas de capital aberto e dirigidas por profissionais, raramente mencionando as empresas familiares. É claro que não há diferenças entre empresas dirigidas por profissionais e as comandadas por uma família com respeito a todo o trabalho funcional: pesquisa, marketing ou contabilidade. Mas com respeito à administração, a empresa familiar requer regras próprias e muito diferentes que precisam ser estritamente observadas; caso contrário a ela não conseguirá sobreviver e tampouco prosperar.

A primeira regra é que os membros da família não trabalhem na empresa, a menos que sejam no mínimo tão aptos quanto qualquer funcionário não pertencente a ela e se esforcem no mínimo tanto quanto este. É muito mais barato pagar a um sobrinho preguiçoso para que não venha trabalhar do que mantê-lo na folha de pagamento. Numa empresa familiar, os membros da família são sempre da “alta direção”, independentemente do seu cargo ou título oficial, porque nas noites de sábado eles sentam para jantar com o patrão e o chamam de “papai” ou “titio”. Assim, a presença na empresa de membros medíocres ou, pior ainda, preguiçosos, causa – e com razão – ressentimentos entre os colegas não pertencentes á família. Eles são uma afronta ao auto-respeito. Se membros medíocres ou preguiçosos da família são mantidos na folha de pagamento, o respeito pela alta direção e por toda a empresa desaparece rapidamente na força de trabalho. Os funcionários capazes, mas que não são a família, não permanecerão por muito tempo. E aqueles que ficarem em pouco tempo tornar-se-ão bajuladores.

É claro que a maioria dos CEOs sabe disso. Porém, muitos deles tentam ser “espertos”. Por exemplo, o membro medíocre – o preguiçoso da família – recebe o título de “Diretor de Pesquisa”, e um profissional altamente competente é contratado com um alto salário como “Diretor Assistente de pesquisa” e o CEO lhe diz o seguinte: “O título do meu sobrinho Jim é mera formalidade, só para manter sua mãe longe de nós – afinal, ela é nossa segunda maior acionista.

Todo mundo, inclusive Jim, sabe que você é o encarregado da pesquisa, irá trabalhar diretamente comigo e não precisará dar atenção a ele”. Mas isto apenas piora as coisas. Com um medíocre como Jim encarregado de fato, a empresa ainda poderia ter uma pesquisa medíocre. Com um Jim profundamente ressentido e enciumado tendo a autoridade oficial, mas não a responsabilidade real, e um estranho igualmente ressentido e totalmente cínico tendo a responsabilidade mas não autoridade, a empresa não terá pesquisa nenhuma. Tudo o que ela terá são intrigas e politicagem.

A DuPont sobreviveu e prosperou como empresa familiar porque enfrentou com coragem o problema. Todos os Dupont do sexo masculino tinham direito a um emprego inicial na empresa. Cinco ou seis anos depois dele ter entrado, seu desempenho era cuidadosamente revisto por quatro ou cinco membros mais velhos da família. Se essa revisão concluísse que o jovem não tinha probabilidade de chegar à alta direção em dez anos, sua saída era providenciada.

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A segunda regra é igualmente simples: independentemente do número de membros da família na direção da empresa e do quanto eles são eficazes, um alto cargo sempre é preenchido por alguém de fora da família. Normalmente, este cargo é o de executivo financeiro ou de chefe da pesquisa – as suas posições nas quais as qualificações técnicas são mais importantes. Mas também Drucker diz saber de empresas familiares bem-sucedidas nas quais esta pessoa de fora é o chefe do marketing ou do pessoal. Embora o CEO da Levi Strauss seja membro da família e descendente do fundador, o presidente é um profissional e não pertence à família.

O primeiro desses “estranhos de dentro” que Drucker diz ter conhecido, há mais de oitenta anos, era o diretor financeiro de uma grande empresa familiar no Reino Unido. Ainda que mantivesse laços de amizade íntima com seus colegas membros da família, ele nunca comparecia às suas festas, nem mesmo jogava golfe no mesmo clube por ela freqüentado. As únicas cerimônias familiares às quais comparecia, disse a Drucker certa vez, eram funerais. Mas presidia a reunião mensal da alta direção.

Enfim, existe na empresa familiar a necessidade de uma pessoa altamente qualificada e respeitada que não seja da família e nem misture negócio e família.

O “negócio familiar” mais antigo do mundo, a Máfia, segue fielmente esta regra – tanto na Sicília como nos Estados Unidos. Como sabem todos aqueles que viram o filme “O poderoso chefão”, ou então leram o livro, numa família mafiosa o consigliere, o advogado, que é a segunda pessoa mais poderosa, pode até nem ser siciliano.

A terceira regra é que as empresas dirigidas por uma família, com exceção talvez das menores, precisam cada vez mais fazer com que as posições-chave sejam ocupadas por profissionais que não pertençam à família. O conhecimento e experiência necessários, seja em fabricação seja em marketing, finanças, pesquisa ou gerenciamento de recursos humanos, tornaram-se grandes demais para serem satisfeitos por alguém que não seja o mais competente membro da família, por mais bem-intencionado que ele possa ser. E estes profissionais de fora precisam ser tratados como iguais e deverão ter  “cidadania plena” na empresa; caso contrário,simplesmente irão embora.

A primeira das grandes famílias de empresários a compreender que certas pessoas de fora precisam receber “cidadania plena” foi a mais fechada de todas, os Rothschild. Até a Segunda guerra Mundial, eles admitiam somente membros da família com sócios em seus bancos. Durante o século XIX e início do século XX, o gerente geral não pertencente à família que chegasse perto dos cincoenta anos recebia uma enorme indenização – em um caso, um milhão de dólares – para que pudesse abrir seu próprio banco. Entretanto, a partir da Segunda Guerra, executivos não pertencentes à família têm sido admitidos como sócios, sendo o mais conhecido de todos Georges Pompidou, que mais tarde sucedeu Charles de Gaulle como presidente da França.

Até mesmo as empresas familiares que observam fielmente as três citadas tendem a ter problemas – e, muitas vezes, rompimentos – a respeito da sucessão na direção. É nessa ocasião que as necessidades da empresa e as vontades da família tendem a colidir. Tome o caso de dois irmãos que construíram uma empresa bem-sucedida. Agora que estão se

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aproximando da aposentadoria, cada um empurra seu filho como o próximo CEO. Assim, embora tenham trabalhado juntos em harmonia por vinte anos, eles tornam-se adversários e podem até vender sua parte para não ceder. Ou o caso da viúva de um dos fundadores da empresa que, para salvar o problemático casamento da filha, faz força para que seu genro, moderadamente dotado, seja o CEO e sucessor do seu já idoso cunhado. Este é o fundador de uma empresa de alta tecnologia de porte médio, que força seu relutante filho a desistir da sua carreira de cientista numa universidade para assumir a direção da empresa – só para que este venda a empresa a um grande conglomerado seus meses depois da morte do pai. Qualquer um que tenha trabalhado com empresas familiares tem o que acrescentar á lista.

Existe somente uma solução: confiar a decisão sobre a sucessão a uma pessoa de fora, que não pertença à família nem à empresa.

Benjamin Disraeli, o grande primeiro-ministro trabalhista, desempenhou este papel para os Rothchild perto de 1880, quando os “primos”, a terceira geração da família, começaram a morrer. Ele persuadiu a família inteira a aceitar o mais jovem – porém capaz – da geração seguinte, o vienense Leopold, como cabeça dos três bancos Rothschild, o de Londres, o de Paris e o de Viena. Numa escala muito menor, Drucker viu este papel ser desempenhado com sucesso por um contador, que havia sido o auditor externo de uma empresa varejista de alimentos de porte médio desde a sua fundação, sido seu conselheiro científico, salvou uma empresa de alta tecnologia – e a família proprietária – persuadindo dois irmãos e dois primos e respectivas esposas a aceitar como novo CEO a filha de um dos primos, que era a mais jovem mas também a mais capaz da geração seguinte.

Mas normalmente já é tarde demais para se trazer alguém de fora quando os problemas de sucessão já são agudos. A esta altura, os membros da família já se comprometeram com este ou aquele candidato. Além disso, o planejamento da sucessão na empresa familiar precisa ser integrado ao financeiro e fiscal, algo que não se faz da noite para o dia. Portanto, cada vez mais as empresas familiares procuram encontrar o árbitro externo adequado muito antes da decisão ter de ser tomada e, idealmente, muito antes de os membros da família terem começado a discordar sobre a sucessão.

Empresas familiares de sexta ou sétima geração, como a Levi Strauss, a Dupont e os bancos Rothschild, são raras. Poucas delas permanecem administradas pela família até a quarta geração. A maior empresa administrada por uma família hoje em dia, a FIAT italiana, é dirigida pela terceira geração de Agnellis, que estão agora com seus mais de 90 anos, se ainda vivos. Disseram a Drucker que poucas pessoas na empresa esperam que a FIAT ainda seja administrada pela família no século XXI. A quarta geração de uma família proprietária de uma empresa bem-sucedida em geral está suficientemente bem de vida para que os mais capazes deles busquem seus próprios interesses e carreiras, ao invés de se dedicarem à empresa. Também a esta altura é comum haver tantos membros da família que a propriedade tornou-se pulverizada. Por conseguinte, para os da quarta geração, sua parcela na empresa não é mais uma “propriedade”, mas sim um “investimento”. 

Eles preferirão diversificar em vez de manter todos os seus ovos financeiros no cesto da empresa familiar; querem pois que a empresa seja vendida ou abrir seu capital. Mas para a segunda e mesmo para a terceira gerações, manter a empresa não é suficientemente grande para ser vendida ou abrir seu capital. Mas para a segunda e mesmo para a terceira gerações, manter a empresa na família pode ser o custo mais vantajoso. Muitas vezes é o único, quando

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a empresa não é suficientemente grande para ser vendida ou abrir o seu capital. E tornar possível a sucessão familiar também é certamente do interesse público. As dinâmicas decrescimento na economia estão mudando rapidamente dos gigantes para as empresas de porte médio, e essas tendem a ser controladas e administradas pelos proprietários.

Consequentemente, o incentivo ao espírito empreendedor requer que se incentive a empresa administrada pela família e se torne possível sua continuação. Até agora, porém, as empresas familiares que ainda sobrevivem ao seu fundador – para não falar naquelas que ainda prosperam sob a terceira geração da família – constituem a exceção e não a regra. Muito poucas empresas familiares e seus proprietários aceitam as quatro regras gerenciais e o preceito básico subjacente a todas elas: a empresa e a família somente sobreviverão e se sairão bem se a família servir à empresa. Nenhuma das duas se sairá bem se a empresa for dirigida para servir à família. A palavra mais importante em “empresa administradas pela família” não é “família”. Ela tem de ser “empresa”.

O foco no cliente e as perguntas certas

Por mais de cem anos, todos os países desenvolvidos estavam se promovendo firmemente na direção de uma sociedade de empregados de organizações. Agora esta tendência está se revertendo. Os países desenvolvidos, com os Estados Unidos na liderança, estão se movendo depressa na direção de uma sociedade reticular – com respeito ao relacionamento entre as organizações e as pessoas que trabalham para elas, e ao relacionamento entre diferentes organizações.

É claro que havia muitas pessoas empregadas antes de mil oitocentos e sessenta e mil oitocentos e setenta, quando a Grande Empresa e o Grande Serviço Civil emergiram como as primeiras organizações modernas. Havia empregados domésticos e trabalhadores contratados no campo, balconistas nas pequenas lojas, artífices e aprendizes nas oficinas. Mas estas pessoas não trabalhavam para uma organização, mas sim para um patrão ou patroa. Em mil novecentos e treze – ano anterior à Primeira Guerra Mundial – menos de um quinto da força de trabalho trabalhava para uma organização – principalmente como operários na indústria. Em sua maioria eles ainda trabalhavam em pequenas empresas familiares, e não em grandes empresas. Quarenta anos mais tarde, nos anos cinquenta, os funcionários de grandes organizações dominavam todas as economias desenvolvidas, como: operários e gerentes na indústria, servidores civis em gigantescas agências governamentais, enfermeiros nos hospitais, que cresciam rapidamente; professores nas universidades, que cresciam ainda mais depressa. Os livros mais vendidos naqueles anos eram lamentações a respeito do Homem da Organização, que se afunda numa conformidade cinzenta e coloca a lealdade à organização acima de tudo. Na época, poucas pessoas duvidam que por volta de mil e novecentos quase todos na força de trabalho seriam funcionários de organizações, provavelmente grandes.

Hoje, uma parcela muito maior de adultos participa da força de trabalho dos Estados Unidos do que há trinta ou quarenta anos. Quase todos – e, em especial, a grande maioria das pessoas com educação superior – trabalham de fato para uma organização. Mas cada vez

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menos eles são funcionários dessa organização. Eles são empreiteiros, trabalhadores em tempo parcial ou temporários. Recentemente, Peter F. Drucker fez um seminário para cerca de trezentos graduados de uma das principais escolas de administração americanas – em sua maioria pessoas com aproximadamente quarenta anos e altamente bem-sucedidas. Praticamente todos trabalhavam para organizações e apenas a metade como funcionários. E ainda menos esperava passar toda a sua vida profissional como funcionários de uma organização. Um participante – um metalúrgico de quarenta e cinco anos – era, apenas cinco anos antes, um executivo de uma das empresas da lista de quinhentos da revista Fortune. Na época da palestra, ele trabalhava por conta própria para cindo empresas diferentes, inclusive aquela da qual foi funcionário. “Simplesmente não havia o bastante para eu fazer naquela empresa”, disse ele. “Ela tem um problema metalúrgico sério três ou quatro vezes por ano. No tempo restante eu escrevia memorandos. Hoje, quando empresa tem um problema metalúrgico eu mergulho no trabalho, não como consultor, mas como membro em tempo integral da equipe e seu líder. Mas fico somente até termos resolvido o problema. Trabalho da mesma forma para meus outros quatro clientes”, disse ele. “Ela tem um problema metalúrgico sério três ou quatro vezes por ano. No tempo restante eu escrevia memorandos. Hoje, quando a empresa tem um problema metalúrgico no trabalho, não como consultor, mas como membro em tempo integral da equipe e seu líder. Mas fico somente até termos resolvido o problema. Trabalho da mesma forma para meus outros quatro clientes”. Havia o especialista em informação de trinta e oito anos, que também trabalha como temporário permanente para várias agências estaduais no Meio Oeste dos Estados Unidos. Tinha a executiva de uma empresa de prestação de serviços, que descrevia a si mesma como membro itinerante da alta direção nos vinte grandes hospitais para os quais sua empresa faz a escrituração dos livros, a limpeza e manutenção. Entre os participantes também havia um engenheiro que estava na folha de pagamento de uma firma de mão-de-obra temporária na montagem de departamentos de emergência em hospitais e um antigo reitor de universidade que trabalha como temporário em tempo integral – por um ano de cada vez – organizando e dirigindo campanhas de levantamento de fundos para faculdades pequenas e médias.

O trabalho temporário e em tempo parcial surgiu há cerca de cinquenta e cinco anos para fornecer datilógrafos, recepcionistas e caixas de supermercados - pessoas de qualificação relativamente baixa, que inicialmente substituíam funcionários doentes ou em férias. Hoje eles fazem, cada vez mais, trabalhos de alta qualificação e alta posição e trabalham para a mesma organização por longos períodos. Nos Estados Unidos, o número de agências de empregos temporários dobrou entre mil novecentos e oitenta e nove e mil novecentos e noventa e quatro: de três mil e quinhentas empresas para sete mil. Uma grande parte desse crescimento – a metade ou mais – está em agências que fornecem profissionais de nível superior, até mesmo altos gerentes, ao invés de pessoas de baixa qualificação ou para preencher posições subalternas.

As relações entre as organizações estão mudando com a mesma rapidez das relações entre as organizações e as pessoas que para elas trabalham. O exemplo mais visível é a terceirização, pela qual uma empresa, um hospital ou uma agência do governo entrega toda uma atividade a uma firma independente especializada naquele tipo de trabalho. Os hospitais – inicialmente nos Estados Unidos e agora também no Japão – vêm há muitos anos terceirizando os serviços de manutenção, arrumação e limpeza; agora eles estão fazendo o mesmo com o processamento de dados e a administração. A terceirização de sistemas de informações tornou-se rotina para empresas, agências governamentais, universidades e hospitais. Em treze de março de mil novecentos e noventa e cinco foram divulgados dois

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empreendimentos de terceirização. A maior empresa de hospitais dos Estados Unidos – a Columbia/HCA Helthcare – anunciou que havia terceirizado os serviços de compras e manutenção de todos os instrumentos para diagnósticos em seus trezentos hospitais, entregando-os ao Grupo de Eletrônica Médica da General Eletric Company, a maior fabricante mundial desses instrumentos. Contudo, os instrumentos para diagnósticos são o núcleo de um hospital moderno. Constituem seu maior investimento – somando, no caso da Columbia/HCA Helthcare, a muitos bilhões de dólares; seu maior produtor de receitas; mas também a chave do seu desempenho médico. No mesmo dia, a IBM, ainda a maior fabricante de computadores do mundo há vinte anos, anunciou a formação de uma nova empresa (denominada Network Station Management) para comprar, manter e administrar os muitos milhares de PCs em grandes mepresas – há vinte anos o maior investimento isolado nos escritórios das empresas americanas.

Atualmente as organizações já poderão ter terceirizado todo o trabalho que seja de suporte, não de geração de receitas, e todas as atividades que não ofereçam oportunidades de carreira até a alta direção. Isto poderá significar que, em muitas organizações, a maioria das pessoas que trabalham para elas não serão suas funcionárias, mas sim de uma ou mais empresas contratadas.

De importância ainda maior poderá ser a tendência no sentido de alianças como veículos para o crescimento das empresas. As reduções de porte, alienações, fusões e aquisições dominam as manchetes. Mas a maior mudança na estrutura corporativa – e na maneira pela qual as empresas estão sendo conduzidas – pode ser o crescimento, em grande parte não divulgado, de relações não baseadas em propriedade, mas em parceria: joint-ventures, investimento minoritários consolidando acordos de marketing conjunto ou de pesquisa conjunta e alianças semiformais de todos os tipos. Fabricantes japoneses de computadores estão conseguindo acesso a tecnologias de software através da compra de participações minoritárias em empresas de tecnologia do Vale do Silício.

Grandes laboratórios farmacêuticos – tanto americanos como europeus – obtêm acesso a pesquisas em Genética, eletrônica Médica, Biotecnologia, igualmente através da compra de participações minoritárias em novas empresas que se dedicam a essas disciplinas, ou entrando em parcerias com laboratórios de pesquisa de universidades. Bancos conseguem acesso a novos mercados de investimentos através de parcerias com pequenos administradores independentes de ativos – investimento ou não dinheiro. E existem inúmeras alianças ainda menos formais – a maioria das quais passa despercebida – como aquela entre a maior projetista de microships, a Intel, e a Sharp, uma grande fabricante japonesa. A Intel fará a pesquisa e o projeto, enquanto a Sharp ficará com a fabricação. Cada empresa irá comercializar em separado os novos produtos resultantes e, aparentemente, nenhuma das duas está investindo dinheiro na outra.

Em telecomunicações há os consórcios, nos quais três ou mais grandes companhias telefônicas – por exemplo, uma americana, uma inglesa, um sueca – juntam-se para obter licenças para a exploração de serviços de telefonia celular em todo o mundo, ou para televisão a cabo, o ainda, para comprar em conjunto um antigo monopólio governamental que estava para ser privatizado. Como no caso das terceirizações, a tendência no sentido da formação de alianças deste tipo, nas quais ninguém detém o controle – isto é, parcerias - , está se acelerando. Uma razão é que nenhuma empresa, nem mesmo as gigantes de telefonia,

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dispõe de dinheiro suficiente para fechar sozinha negócios desse porte. Outra razão, mais importante, é que nenhuma delas tem sozinha a necessária tecnologia.

Em muitas partes do mundo, em especial nos países emergentes, como o litoral da China ou a Malásia, não se pode fazer negócios, a não ser através de um empreendimento conjunto ou uma aliança com uma empresa local. O CEO de um grande laboratório farmacêutico disse recentemente: “Hoje em dia, oitenta por cento de nossas vendas e lucros provêm de produtos que fazemos em cem por cento nossas e são vendidos através de subsidiárias próprias. Daqui a dez anos, mais da metade das vendas – e planejamos dobrar o volume durante este período – virá de joint-ventures, licenças, alianças e produtos feitos por empresas nas quais ou não temos investimentos ou somente uma participação minoritária, pelo fato de sermos o parceiro encarregado de pesquisa e/ou de marketing. É simplesmente impossível para nós – e estamos entre os líderes mundiais em pesquisa - dispor de conhecimentos científicos em todos os novos campos. É igualmente impossível para nós – e nos orgulhamos da nossa organização de marketing – atender a todos os novos canais através dos quais os produtos medicinais serão comercializados, à medida que os sistemas de cuidados com a saúde de todo o mundo estão efetuando sua reengenharia”.

Há menos de cinquenta anos, em mil novecentos e sessenta e sete, o livro de negócios mais vendido no mundo era O desafio americano, de Jean-Jacques Servan-Schreiber, um jornalista francês. Ele previa que, em mil novecentos e oitenta e cinco ou mil novecentos e noventa, as economias mundiais seriam de propriedade de aproximadamente meia dúzia de multinacionais americanas, cujas fábricas iriam produzir cerca de noventa por cento dos bens manufaturados do mundo. Antes disso, em mil novecentos e cinquenta e cinco, a lista Fortune quinhentos havia eito do tamanho à medida do sucesso empresarial. Maior era melhor, fosse nos negócios, no governo, nos hospitais ou nas universidades. E naquela grande organização – como na multinacional americana de Servan-Schreiber – uma alta direção controlaria e dirigiria tudo. Todos aqueles que trabalhassem para aquela grande empresa seria seu funcionário em tempo integral. Na época em que Servan-Schreiber publicou seu livro, a tendência na economia mundial já se havia invertido: os americanos estavam tendo dificuldades para tirar dinheiro dos europeus e japoneses. Alguns anos depois, as dinâmicas de crescimento na economia americana (e, pouco mais tarde, também nas economias europeias) estavam começando a se voltar para a empresa de médio porte. Porém, as estruturas básicas das organizações e de emprego ainda permaneciam as mesmas de um século antes. Hoje elas estão mudando rapidamente.

Mesmo se daqui a vinte anos a maioria dos gerentes e técnicos ainda seja de funcionários da organização para a qual trabalham, a psicologia da força de trabalho – e em especial da força de trabalho do conhecimento – será, em grande partem, determinada pela grande maioria de não funcionários dessa organização, quer estes sejam funcionários de uma prestadora de serviços terceirizados, de uma organização parceira ou contratados semiautônomos. Para as organizações e suas altas direções, isto significa que é melhor parar de falar a respeito de lealdade. Elas terão de conquistar a confiança das pessoas que ara elas trabalham, sejam elas funcionárias ou não. Os técnicos ou executivos que não têm intenções de deixar o emprego na empresa saberão que há oportunidades fora – eles já sabem disso, até mesmo no Japão. Os técnicos ou executivos que prefeririam permanecer na empresa para a qual hoje trabalham saberão que não existe mais emprego vitalício – esta era a regra nas grandes empresas americanas ou europeias há apenas alguns anos, e ainda o é (embora com grandes dúvidas) nas grandes empresas japonesas. Mesmo no serviço público, onde o

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emprego vitalício havia sido a regra por um século ou mais, reduções radicais de porte, privatização, fechamento de agências inteiras irão certamente ocorrer em todos os países desenvolvidos ( e na maior parte dos emergentes).

Por outro lado, os técnicos e executivos terão de aprender que precisam assumir a responsabilidade por se colocarem tanto dentro da sua organização como fora dela. Isto significa, acima de tudo, que eles precisam conhecer suas forças. A maior parte dos currículos que Peter F. Drucker recebia – e recebia de antigos alunos todos os dias – relacionava os cargos que a pessoa ocupou. Poucos descreviam o cargo que ela gostaria de ter e poucos também mencionavam aquilo que a pessoa fizera e poderia fazer bem. Menos ainda declaravam aquilo que um futuro empregador poderia e deveria esperar dela. Em outras palavras, pouquíssimas pessoas viam a si próprias como “produtos” que precisam ser “comercializados”.

Igualmente novas são as exigências que as parcerias e alianças fazem sobre o gerenciamento de uma empresa e seus relacionamentos. Os executivos serão acostumados a comandar, a determinar aquilo que querem e estão acostumados a comandar, a determinar aquilo que querem e então a obter a aceitação de seus subordinados. Até mesmo a gerência por consenso dos japoneses é uma forma de se conseguir a aceitação da organização para aquilo que os dirigentes decidiram que deve ser feito – caso idêntico ao da tão elogiada gerência participativa. Porém, numa parceria – seja com um fornecedor de serviços terceirizados, com um parceiro num empreendimento conjunto, ou com uma empresa da qual se tem uma participação minoritária – não se pode comandar, mas somente conquistar confiança. Isto significa especialmente que não se pode começar com a pergunta: “Quê queremos fazer?”. A perguntas corretas são: “O que eles querem fazer?”, “Quais são os objetivos deles?”, “Quais são suas maneiras de agir?”. Mais uma vez: estes são relacionamentos de marketing – e em marketing começa-se com o cliente e não com o próprio produto.

Drucker pediu aos participantes de um seminário de graduados, há duas décadas, que dessem um nome a esta nova organização e à sua sociedade. Inicialmente eles disseram: “Chame-a de forma livre”. Mas depois reconsideraram: “Chame-a de sociedade reticular”.

A difícil tarefa de descer do palanque

É difícil imaginar um grupo mais diverso que os antecessores de Bill Clinton na presidência dos Estados Unidos – em habilidades, personalidades, valores, estilos e realizações. Mas até mesmo os mais fracos entre eles foram bastante eficazes enquanto observaram seis regras de gerência, e os mais poderosos perderam eficácia enquanto observaram seis regras de gerência, e os mais poderosos perderam eficácia tão logo violaram essas regras.

O que precisa ser feito? É a primeira coisa que o presidente deve perguntar, não o que ele quer, mesmo que isso tenha sido o foco da sua campanha.

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Harry Truman chegou à presidência em abril de mil novecentos e quarenta e cinco convencido – como a maioria dos americanos – de que, com o fim da guerra à vista, o país poderia e deveria voltar a focalizar os problemas domésticos. Ele estava apaixonadamente empenhado em reviver o New Deal. O que fez dele um presidente eficaz foi o fato de aceitar, depois de poucas semanas, que os assuntos internacionais, em especial a contenção da agressão mundial de Stalin, precisava receber prioridade, gostasse ele ou não (e ele não gostava). Parece existir uma lei da política americana, pela qual o mundo sempre muda entre o dia das eleições e o da posse. Recusar-se a aceitar isso – como tentou fazer Jimmy Carter – é não ter princípios. É negar a realidade e condenar-se à ineficácia.

Concentre-se, não se divida. É a segunda regra, proposta por Peter F. Drucker. Há normalmente meia dúzia de respostas corretas à pergunta: “O que precisa ser feito?”. Porém, a menos que um presidente faça a arriscada e controversa escolha de apenas uma, ele não realizará nada.

Franklin Roosevelt ignorou o mundo exterior durante seus cinco primeiros anos de mandato, apesar da ascensão de Hitler na Europa e da invasão da China pelos japoneses. No início de mil novecentos e trinta e oito, o mundo estava no fundo da Depressão, e a disposição do país era altamente isolacionista. Todavia, Roosevelt, quase da noite para o dia, mudou sua prioridade para assuntos internacionais, deixando de lado as questões domésticas. Lyndon Johnson, trinta anos depois, tentou ao mesmo tempo lutar no Vietnã e combater a pobreza. Perdeu as duas guerras.

A prioridade máxima do presidente tem de ser algo que precisa realmente ser feito. Se ela não foi altamente controversa, é provável que seja a prioridade errada. Ela tem de ser exequível – e relativamente depressa - , o que significa que tem de ser um objetivo limitado. Mas ela também tem de ser suficientemente importante para causar uma diferença caso seja feita com sucesso.

Ronald Reagan aplicou essas diretrizes quando decidiu, em mil novecentos e oitenta e um, fazer do combate à inflação sua maior prioridade e detê-la elevando às alturas as taxas de juros. Qualquer aluno do segundo ano de Economia poderia ter dito ao Sr. Reagan que isso causaria uma enorme recessão – e de fato em poucos meses o desemprego pulou da taxa - já elevada – de sete e meio por cento para dez por cento, uma taxa que não era vista desde a Depressão. No entanto, deter a inflação era algo que certamente precisava ser feito. Era possível fazê-lo depressa e a queda da inflação causou uma diferença.

A ação de Reagan lançou as bases para uma subsequente expansão na taxa de emprego – a maior na história dos Estados Unidos. Com isso, ele conquistou a confiança do público, da qual gozou até o final do seu mandato. O presidente Clinton poderia ter tido o mesmo sucesso se tivesse assegurado assistência aos trinta e sete milhões de americanos que carecem de cobertura de saúde. Ao invés disso, ele fugiu da provável batalha política, atolando este objetivo limitado (e exequível) no pântano de uma reforma abrangente do sistema de saúde.

Nunca aposte numa coisa certa é a terceira regra proposta por Drucker. Sempre falha. Se algum presidente, desde George Washington, chegou a ter um mandato popular, este foi Roosevelt na posse do seu segundo mandato em mil novecentos e trinta e sete – reeleito com

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a mais ampla maioria da história dos Estados Unidos e com pleno controle do Congresso. Ele tinha todos os motivos para acreditar que seu plano para envolver a Suprema Corte, removendo com isso o último obstáculo às reformas do New Deal, era uma coisa certa. Ele nem mesmo testou o plano antes de anuncia-lo; este foi rejeitado e Roosevelt nunca mais recuperou o controle do Congresso. Bill Clinton também deve ter pensado que o cancelamento da proibição da entrada de homossexuais no serviço milita seria uma certeza – e também não testou a proposta antes de anuncia-la. Imediatamente sua popularidade junto à opinião pública sofreu a maior queda na história para um novo presidente.

Conspirar contra a Suprema Corte não foi visto pelo público americano como uma maneira para promover o altamente popular New Deal, mas como uma subvenção das tradições americanas. A proposta do presidente Clinton foi interpretada como tendo muito menos a ver com os direitos dos homossexuais do que com a prontidão para o combate das forças armadas. Essas diferenças de percepção sempre são óbvias em retrospecto, mas somente em retrospecto. Portanto, um presidente eficaz sabe que não existe política sem riscos.

Um presidente eficaz não perde tempo administrando detalhes. Esta é a quarta regra proposta por Drucker. As tarefas que um presidente dos Estados Unidos precisa realizar já estão muito além daquilo que somente a pessoa mais enérgica e organizada pode fazer. Portanto, ele não pode fazer aquilo que não tem que fazer.

Os presidentes estão muito distantes da ação, dependem demais daquilo que outras pessoas lhes dizem ou não e são ocupados demais para analisar as letras miúdas e administrar detalhes com sucesso. Como mostraram Lyndon Johnson e Jimmy Carter, não há maneira mais rápida para um presidente se desacreditar do que ele ser seu próprio executivo de operações.

Contudo, no sistema americano o presidente, e mais ninguém, é o responsável máximo pelo desempenho do governo, e na execução do trabalho de governo, Deus está nos detalhes. Um presidente eficaz tem de dizer não à tentação de administrar detalhes, mas precisa se assegurar de que as operações estão sendo cuidadas. Um presidente necessita de uma pequena equipe de pessoas altamente disciplinadas, cada uma com clara responsabilidade operacional por uma área.

O modelo poderia ser o gabinete de Roosevelt. Nove dos seus dez membros (com exceção do secretário de estado) eram aquilo que hoje Drucker chamaria de tecnocratas – especialistas competentes em uma área. “Eu tomo a decisão”, dizia Roosevelt, e “entrego a tarefa a um membro do gabinete e o deixo sozinho”. O fato de a equipe operacional ter tido um desempenho excepcional – nenhum escândalo financeiro a despeito dos gastos governamentais sem precedentes – explica, em grande parte, o domínio sem precedentes que Roosevelt tinha sobre o poder e o governo.

Presidentes posteriores tentaram conseguir a mesma eficácia através de um chefe de assessores, uma espécie de diretor de operações, mas isso nunca deu certo. Mas a alternativa escolhida por Clinton – de ter dúzias e dúzias de secretários, subsecretários, secretários assistentes, assistentes especiais e assim por diante – só converte o governo numa perpétua reunião de massa.

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Um presidente não tem amigos na administração era uma máxima de Lincoln e é a quinta regra proposta por Drucker. Todo presidente que a ignorou arrependeu-se de tê-lo feito.

Ninguém pode confiar em amigos do presidente. Para quem trabalham? Em nome de quem falam? A quem realmente se reportam? Na melhor das hipóteses, eles são suspeitos de evitar seus oficiais superiores e ir diretamente ao seu Grande Amigo; na pior, são conhecidos como os espiões do presidente. Acima de tudo, eles são sempre tentados a abusar da sua posição e do poder que a acompanha. Se o fazem aceitando suborno ou enriquecendo de alguma forma, o escândalo financeiro resultante vira manchete. Os abusos não financeiros (por exemplo, obter tratamento especial para este ou aquele grupo de interesse) normalmente são abafados. Todavia, eles podem causar ainda mais danos que os delitos financeiros à eficácia do presidente, às suas políticas e à sua reputação.

Os presidentes são seres humanos, e seu cargo é solitário. Sendo políticos, tendem a ser pessoas gregárias, que gostam de companhia, camaradagem, simpatia. Isto explica por que eles são tão propensos a trazer amigos para as suas administrações e também porque costumam relutar tanto para se livrar de amigos que se mostraram incompetentes ou traíram sua confiança. Mas os presidentes eficazes deveriam imitar o homem mais gregário que já ocupou a Casa Branca: Teddy Roosevelt. Mesmo quando presidente ele tinha uma vida social febril, mas nenhum dos seus seis amigos íntimos serviu em sua administração.

Muitas esposas de presidentes, das quais o melhor exemplo é Bess Truman, eram as principais conselheiras e confidentes dos seus maridos. Mas antes de Hillary Rodham Clinton, nenhuma ocupou um cargo numa administração.

E a sexta regra proposta por Drucker? É o conselho que Harry Truman deu a John F. Kennedy, então recém-eleito: “Uma vez eleito, você para de fazer campanha”.

Pluralismo: desempenho e coesão

Ao longo da história do Ocidente, a cada poucos séculos tem ocorrido uma transformação aguda. Numa questão de décadas, toda a sociedade se rearranja – sua visão do mundo, seus valores básicos, suas estruturas sociais e políticas, suas artes, suas instituições básicas. Setenta anos depois existe um novo mundo, e as pessoas nele nascidas não conseguem nem mesmo imaginar o mundo no qual viveram seus avós e nasceram seus próprios pais.

A época atual é um desses períodos de transformação. Só que desta vez a transformação não está limitada à sociedade Ocidental e sua história. Na verdade, uma das mudanças fundamentais é que não existe mais uma história. Na verdade, uma das mudanças fundamentais é que não existe mais uma história “Ocidental” ou uma civilização “Ocidental”, mas apenas a história do mundo e a civilização mundial.

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É discutível se esta transformação começou com a emergência do primeiro país não ocidental, o Japão, como grande potência econômica, ou com o primeiro computador – isto é, com a informação. O candidato de Peter F. Drucker seria a Carta de Direitos dos Ex-Combatentes, a qual deu a todos os soldados americanos que voltaram da Segunda Guerra Mundial o dinheiro para freqüentar uma universidade, algo que não teria feito sentido somente trinta anos antes, quando terminou a Primeira Guerra.

A Carta de Direitos e a entusiástica resposta a ela por parte dos veteranos de guerra americanos assinalou a mudança para uma sociedade do conhecimento, na qual o conhecimento é o principal recurso para os indivíduos e para a economia em geral. Terra, mão-de-obra e capital – os tradicionais fatores de produção dos economistas – não desaparecem, mas tornam-se secundários. Eles podem ser obtidos, e com facilidade, desde que haja conhecimento especializado.

Ao mesmo tempo o conhecimento especializado por si só não produz nada. Ele se torna, produtivo somente quando está integrado a uma tarefa. E é por isso que a sociedade do conhecimento também é uma sociedade de organizações: a finalidade e a função de cada organização, empresarial ou não, são a integração de conhecimentosespecializados numa tarefa comum.

Se a história serve como guia, esta transformação não estará concluída até o ano 2020. Portanto, é arriscado tentar prever em cada detalhe o mundo que está emergindo. Mas, crê Peter F. Drucker, que já pode-se descobrir, com alto grau de probabilidade, as perguntas que irão surgir e onde estarão os grandes problemas.

Já conhece-se as tensões e problemas centrais que confrontam a sociedade de organizações: a tensão criada pela necessidade de estabilidade da comunidade e pela necessidade de desestabilização da organização; o relacionamento entre indivíduo e organização e as responsabilidades de um perante o outro; a tensão que surge a partir da necessidade de autonomia da organização e da aposta da sociedade no bem-comum; a crescente demanda por organizações socialmente responsáveis; a tensão entre pessoas com conhecimentos especializados e a necessidade da organização para que estes especialistas trabalhem em equipe.

Todas estas serão preocupações centrais, especialmente no mundo desenvolvido, nos próximos anos. Elas não serão resolvidas por pronunciamentos, filosofias ou legislações, mas sim onde se originam: na organização e na sala do dirigente.

Sociedade, comunidade e família são instituições conservadoras. Elas procuram manter a estabilidade e evitar, ou pelo menos desacelerar, as mudanças. Mas a organização moderna é desestabilizadora. Ela precisa ser organizada para inovação e a inovação, como disse o grande economista austro-americano, Joseph Schumpeter, é “destruição criativa”. E ela precisa estar organizada para o abandono sistemático de tudo aquilo que é estabelecido, costumeiro, conhecido e confortável, quer se trate de um produto, um serviço ou um processo, um conjunto de aptidões, relações humanas e sociais ou a própria organização.

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Em resumo, ela precisa ser organizada para mudanças constantes. A função da organização é colocar o conhecimento para trabalhar em ferramentas, produtos e processos, na concepção do trabalho, no próprio conhecimento e que, por natureza muda rapidamente e as certezas de hoje sempre se tornam os absurdos de amanhã.

As aptidões mudam de forma lenta e pouco frequente. Se um lapidador da antiga Grécia voltasse hoje à vida e fosse trabalhar numa marmoraria, a única mudança importante estaria nos desenhos que lhe mandariam esculpir nas lápides. As ferramentas que usaria são as mesmas, só que agora possuem baterias elétricas nos cabos. Através da história, o artesão que tivesse aprendido uma profissão depois de cinco ou sete anos de aprendizado teria assimilado, aos dezoito ou dezenove anos de idade, tudo aquilo que iria precisar usar durante toda a sua vida. Entretanto, na sociedade de organizações, é seguro assumir que qualquer pessoa, com conhecimento, terá que adquirir novos conhecimentos a cada quatro ou cinco anos, sob pena de se tornar obsoleta.

Isso é duplamente importante, porque, via de regra, as mudanças que afetam mais profundamente um corpo de conhecimento não provém do seu próprio domínio. Depois que Gutemberg inventou o tipo móvel, não houve praticamente mudança nenhuma na arte da impressão durante quatrocentos anos – até a invenção do motor a vapor. O maior desafia às ferrovias não veio de mudanças nos transportes ferroviários, mas no automóvel, do caminhão e do avião. A indústria farmacêutica está sendo profundamente mudada hoje por conhecimentos provenientes da genética e da microbiologia, disciplinas das quais poucos biólogos haviam ouvido falar há 65 anos.

E não somente a ciência ou a tecnologia que cria novos conhecimentos, tornando obsoletos os antigos. A inovação social é tão importante – e com frequência mais – quanto a inovação científica. A causa da presente crise mundial que afeta a mais orgulhosa instituição do século XIX – o banco comercial – não foi o computador nem qualquer outra mudança tecnológica. Foi a descoberta, por não banqueiros, de que um instrumento financeiro antigo, mas até então um tanto obscuro – o papel comercial – podia ser usado para financiar empresas, privando, assim, os bancos do negócio do qual haviam detido um monopólio por duzentos anos e do qual tiravam a maior parte de sua renda: o empréstimo comercial. É provável que a maior mudança nos últimos 65 anos tenha sido o fato de a inovação intencional – tanto técnica como social – ter se tornado uma disciplina organizada, que pode ser ensinada e aprendida.

As mudanças rápidas, baseadas no conhecimento, não se limitam às empresas, como muitos ainda acreditam. Nos setenta anos desde a Segunda Guerra Mundial, nenhuma organização mudou mais que a dos militares dos Estados Unidos. Os uniformes permaneceram os mesmos, assim como os títulos dos postos e graduações. Mas as armas mudaram completamente, como demonstrou de forma dramática a Geurra do Golfo de 1991; as doutrinas e conceitos mudaram de forma ainda mais drástica, assim como as estruturas organizacionais e de comando, os relacionamentos e as responsabilidades das forças armadas.

Analogamente, pode-se prever com segurança que, nos próximos cinqüenta anos, as escolas e universidades irão mudar de forma muito mais drástica do que têm mudado desde que assumiram sua presente forma há mais de trezentos anos, quando se reorganizaram em torno do livro impresso. Essas mudanças serão forçadas, em

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parte, por novas tecnologias, como computadores, vídeos e programas via satélite, em parte, pelas exigências de uma sociedade baseada no conhecimento, na qual o aprendizado organizado precisa se tornar um processo vitalício para os trabalhadores do conhecimento, e em parte por novas teorias a respeito de como aprendem os seres humanos.

Para os gerentes, as dinâmicas do conhecimento implicam num imperativo claro: cada organização precisa embutir o gerenciamento das mudanças em sua própria estrutura.

Por um lado, isto significa que cada organização tem de se preparar para o abandono de tudo aquilo que faz. Os gerentes devem aprender a fazer, a cada dois ou três anos, a seguinte pergunta a respeito de cada processo, produto, procedimento e política: “Se já não fizéssemos isso, será que começaríamos a fazer agora, sabendo aquilo que sabemos?” Se a resposta for não, a organização deverá perguntar: “Então o que faremos agora?” E ela tem de fazer algo, e não dizer: “Vamos fazer outro estudo”. Cada vez mais as organizações terão de planejar o abandono, ao invés de tentar prolongar a vida de um produto, política ou prática de sucesso – algo que, até agora, somente poucas grandes empresas japonesas enfrentaram com coragem.

Por outro lado, cada organização deve se dedicar à criação do novo. Em termos específicos, sua direção tem que adotar três práticas sistemáticas. A primeira é o aperfeiçoamento contínuo de tudo aquilo que a organização faz, o processo que os japoneses chama de kaizen. Todo artista através da história praticou o kaizen, ou o auto-aperfeiçoamento contínuo e organizado. Porém, até agora somente os japoneses – talvez devido à sua tradição Zen – o incorporaram á vida e ao trabalho diário de suas empresas (embora não o tenham feito em suas universidades, sigularmente resistentes a mudanças). O objetivo de kaizen é aperfeiçoar um produto ou serviço de forma que, dentro de dois ou trêes anos, ele se transforme num produto ou serviço realmente diferente.

Em segundo lugar, cada organização terá de aprender a explorar seus conhecimentos, isto é, a desenvolver a próxima geração de aplicações a partir de seus próprios sucessos. Mais uma vez, as empresas japonesas têm sido, até agora, as melhores nesta área, como demonstra o sucesso dos fabricantes de eletrônicos de consumo no desenvolvimento de um novo produto depois do outro a partir da mesma invenção americana, o gravador de fita. Mas a exploração dos seus próprios sucessos também é uma das forças das igrejas pastorais americanas que não param de crescer.

Finalmente, cada organização terá de aprende a inovar – e agora a inovação pode e deve ser organizada – um processo sistemático. E então, é claro, volta-se ao abandono e o processo recomeça. A menos que isso seja feito, A organização baseada no conhecimento em pouco tempo estará obsoleta, perdendo capacidade de desempenho e, com ela, a capacidade para atrair e reter as pessoas qualificadas e dotadas de conhecimentos das quais depende seu desempenho.

A necessidade de se organizar para mudar também requer um alto grau de descentralização. Isto porque a organização precisa estar estruturada de forma a tomar decisões rapidamente, as quais necessitam ser baseadas na proximidade – em relação ao desempenho, ao mercado, à tecnologia e a todas as muitas mudanças na

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sociedade, no ambiente, na demografia e no conhecimento, que provêem oportunidades para inovações caso sejam vistas e utilizadas.

Entretanto, tudo isto significa que as organizações da sociedade pós-capitalista precisam constantemente perturbar, desorganizar e desestabilizar a comunidade. Elas têm que mudar a demanda por aptidões e conhecimentos: por exemplo, quando todas as universidades técnicas estão preparadas para ensinar física, as organizações necessitam de geneticistas. Mas as empresas também precisam de liberdade para fechar fábricas das quais comunidades dependem para empregos, ou para substituir antigos modelistas, que passaram a nos aprendendo sua arte, por garotos de vinte e cinco anos que conhecem simulação em computador.

Analogamente, os hospitais precisam poder transferir os partos para uma maternidade central autônoma, quando mudarem a base de conhecimentos e a tecnologia da obstetrícia. E tem-se que poder fechar um hospital quando mudanças em conhecimentos médicos, tecnologias e práticas o tornarem com menos de duzentos leitos antieconômico e incapaz de prestar cuidados adequadamente. Para que um hospital, uma escola ou qualquer outra organização comunitária possa cumprir sua função social, precisa-se poder fechá-la, não importando o quanto ela está profundamente enraizada da comunidade e é por esta apreciada se mudanças demográficas, tecnológicas ou em conhecimentos determinam novos pré-requisitos de desempenho. Porém, cada uma dessas mudanças perturba a comunidade, causa seu rompimento e a priva da continuidade. Cada uma delas é “injusta” e seu rompimento e desestabilizadora.

Um outro fato da vida organizacional produz igualmente rupturas: a organização moderna precisa estar numa comunidade, mas não poder ser dela. Os membros de uma comunidade vivem em determinado lugar, falam sua linguagem, mandam seus filhos às escolas do lugar, votam, pagam impostos e precisam se sentir em casa nesse lugar. Contudo, a organização não pode submergir na comunidade, nem se subordinar aos fins desta. Sua “cultura” deve transcender a comunidade.

É a natureza da tarefa, não a comunidade na qual esta é executada, que determina a cultura de uma organização. Um servidor civil americano, embora se oponha totalmente ao comunismo, entende imediatamente aquilo que um colega chinês lhe diz a respeito das intrigas burocráticas em Pequim. Mas ele ficaria totalmente perdido em sua própria capital se tivesse que participar de uma discussão entre os gerentes da cadeia local de supermercados a respeito das promoções a serem anunciadas para a próxima semana.

Para executar sua tarefa, a organização precisa ser organizada e administrada da mesma maneira que as outras do mesmo tipo. Por exemplo, ouvimos falar muito a respeito das diferenças entre as empresas japonesas e as americanas em termos de gerenciamento. Mas uma grande empresa japonesa funciona de forma muito semelhante àquela de uma empresa alemã ou britânica. Do mesmo modo, ninguém irá ter dúvidas de que está num hospital, não importa onde este esteja localizado. O mesmo vale para escolas e universidades, para sindicatos trabalhistas e laboratórios de pesquisa, para museus e teatros de ópera, para observatórios astronômicos e grandes fazendas.

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Além disso, cada organização tem um sistema de valores que é determinado pela sua tarefa. Em todo hospital do mundo, os cuidados com a saúde são considerados o bem supremo. Em toda escola, o aprendizado é o bem supremo. Em toda empresa, a produção e distribuição de bens ou serviços é considerada o bem supremo. Para que a organização tenha um desempenho de alto padrão, seus membros precisam acreditar que aquilo que ela está fazendo é, em última análise, a única contribuição para a comunidade da qual todas as outras dependem.

Portanto, em sua cultura, a organização sempre irá transcender a comunidade. Se a cultura de uma organização se chocar com os valores da sua comunidade, a organização deverá prevalecer, caso contrário, não fará sua contribuição social. “O conhecimento não conhece limites”, diz um antigo provérbio. Existe um conflito entre “cidade e universidade” desde que a primeira universidade foi fundada, há mais de 775 anos. Mas este conflito – entre a autonomia de que a organização necessita para operar e as reivindicações da comunidade, entre os valores da organização e aqueles da comunidade, entre as decisões com as quais a organização e aqueles da comunidade, entre as decisões com as quais a organização se defronta e os interesses da comunidade – é inerente à sociedade de organizações.

A questão da responsabilidade social também é inerente à sociedade de organizações. A organização moderna tem, e precisa ter, poder social – e muito. Ela necessita de poder para tomar decisões a respeito de pessoas: quem contratar, quem demitir, quem promover. Ela necessita de poder para estabelecer as regras e disciplinas exigidas para produzir resultados: por exemplo, a atribuição de cargos e tarefas e a fixação dos horários de trabalho. Ela necessita de poder para decidir que fábricas construir, onde e quais fechar. Ela necessita de poder para fixar preços, e assim por diante.

As organizações não-empresariais têm o maior poder social, muito mais que as empresas. Poucas organizações na história jamais receberam o poder que a universidade possui hoje. Recusar a admissão a um estudante ou a concessão de um diploma a um aluno equivale a privar essa pessoa de carreiras e oportunidades. De modo semelhante, o poder do hospital americano de negar privilégios de admissão a um médico é o poder de excluí-lo da prática da medicina. O poder do sindicato trabalhista sobre a admissão de aprendizes, ou seu controle sobre o acesso a empregos numa “empresa fechada”, onde somente membros do sindicato podem ser contratados, dá ao sindicato um grande poder social.

O poder da organização pode ser restrito pelo poder político. Ele pode ser tornado suscetível a processos e revisões pelos tribunais. Mas deve ser exercido pelas organizações, e não por autoridades políticas. É por isso que a sociedade pós-capitalista fala tanto a respeito das responsabilidades sociais da organização.

É inútil afirmar – como Milton Friedman, economista americano laureado com o prêmio Nobel – que uma empresa tem somente uma responsabilidade: desempenho econômico. Esta é sua primeira responsabilidade. De fato, uma empresa que não dê um lucro pelo menos igual ao seu custo de capital é irresponsável; ela desperdiça recursos da sociedade. O desempenho econômico é a base sem a qual uma empresa não pode cumprir com nenhuma outra responsabilidade. Ela não pode formar bons empregados e bons cidadãos. Mas o desempenho econômico não é a única responsabilidade de uma

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empresa, assim como o desempenho educacional não é a única responsabilidade de uma escola ou os cuidados com a saúde não constituem a única responsabilidade. Ela não pode formar bons empregados e bons cidadãos. Mas o desempenho econômico não é a única responsabilidade de uma empresa, assim como o desempenho educacional não é a única responsabilidade de uma escola ou os cuidados com a saúde não constituem a única responsabilidade de um hospital.

A menos que o poder seja equilibrado pela responsabilidade, ele se transforma em tirania. Além disso, sem responsabilidade o poder sempre degenera em falta de desempenho, e organizações precisam de desempenho. Portanto, a demanda por organizações responsáveis não irá desaparecer; ao contrário, aumentará.

Felizmente sabemos, embora de forma tosca, como responder o problema da responsabilidade social. Toda organização deve assumir plena responsabilidade pelo seu impacto sobre os funcionários, o meio ambiente, seus clientes e tudo e todos a quem tocar. Esta é sua responsabilidade social. Mas também sabe-se que, cada vez mais, a sociedade irá querer que as grandes organizações, com ou sem fins lucrativos, solucionem os principais males sociais. E a esse respeito deve-se estar atendo, porque boas intenções nem sempre são socialmente responsáveis. É irresponsável uma organização aceitar – para não falar em buscar – responsabilidades que a impeçam de desempenhar sua tarefa e missão principais ou a levem a atuar em áreas nas quais ela não tem competência.

Organização tornou-se um termo do cotidiano. Todos fazem um aceno de entendimento quando alguém diz: “Em nossa organização, tudo deve girar em torno do cliente”. Ou: “Nesta organização, eles nunca esquecem um erro”. E em todos os países desenvolvidos, a maior parte – se não a totalidade – das tarefas sociais são realizadas por uma organização de um tipo ou de outro. No entanto, nos Estados Unidos – ou em qualquer outro lugar – falava-se de “organizações até depois da Segunda Guerra Mundial. O dicionário conciso de Oxford nem continha este termo com o seu atual significado na edição de 1950.

Foi a emergência da gerência a partir da Segunda Guerra, aquilo que Peter F. Drucker chama de “Revolução da Gerência”, que permitiu ver-se que a organização é distinta das outras instituições da sociedade.

Ao contrário das comunidades, sociedades ou famílias, as organizações são concebidas intencionalmente e sempre especializadas. As comunidades e sociedades são definidas pelos laços que unem seus membros, sejam eles a linguagem, a cultura, a história ou a localidade. Uma organização é definida por sua tarefa. Uma orquestra sinfônica não tenta curar doentes; ela toca música. O hospital cuida dos doentes, mas não tenta tocar Bethoven.

Uma organização somente é eficaz se ela se concentrar em uma grande tarefa. A diversificação destrói a capacidade de desempenho de uma organização, seja ela uma empresa, um sindicato, uma escola, um hospital ou uma igreja. Sociedade e comunidade devem ser multidimensionais; elas são ambientes. Uma organização é uma ferramenta. E como acontece com qualquer outra ferramenta, quanto mais especializada ela for, maior será sua capacidade de realizar sua tarefa.

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Como a organização moderna é composta por especialistas, cada um com sua área de conhecimento, sua missão precisa ser absolutamente clara. A organização tem que ser determinada, caso contrário seus membros ficarão confusos e seguirão cada um sua própria especialidade, ao invés de aplicá-la à tarefa comum. Cada um irá definir os “resultados” em termos de sua própria especialidade e impor seus valores à organização. Somente uma missão focalizada e comum poderá mantê-la unida e capaz de produzir. Sem essa missão, em pouco tempo ela perderá credibilidade e, consequentemente, sua capacidade para atrair as próprias pessoas de que necessita para cumprir suafunção.

Pode ser muito fácil os gerentes se esqueceram de que entrar para uma organização é sempre voluntário. Pode não haver muitas opções. Mas mesmo quando a participação é praticamente obrigatória – como era a participação na Igreja Católica em todos os países da Europa por muitos séculos, para todos exceto uma pequena porção de judeus e ciganos – a ficção da escolha voluntária é sempre cuidadosamente mantida: o padrinho no batismo do recém-nascido é o fiador da aceitação voluntária da criança em participar daigreja.

Da mesma forma, pode ser difícil deixar uma organização – a Máfia, por exemplo, uma grande empresa japonesa, a ordem dos Jesuítas. Mas isso sempre é possível. Quanto mais ela se tornar uma organização de trabalhadores de conhecimento, mais fácil será deixá-la. Portanto, ela está sempre competindo pelo seu recurso mais essencial: pessoas qualificadas e dotadas de conhecimento.

Hoje todas as organizações dizem: “As pessoas são nosso maior ativo”. Entretanto, poucas praticam aquilo que pregam e menos ainda acreditam nisso. A maioria ainda acredita, embora talvez não conscientemente, naquilo que acreditavam os empregadores do século XIX: as pessoas precisam mais de nós do que nós delas. Porém, as organizações precisam atrair pessoas, retê-las, reconhecê-las e recompensá-las, motivá-las, servi-las e satisfazê-las.

O relacionamento entre os trabalhadores de conhecimento e suas organizações é um fenômeno distintamente novo, para o qual não se tem um bom termo. Por enquanto, por definição, funcionário é alguém que é pago para trabalhar. Todavia, o maior grupo isolado de “funcionários” nos Estados Unidos consiste nos milhões de homens e mulheres que trabalham várias horas por semana para organizações sem fins lucrativos, sem nada receber. Eles são claramente o “pessoal” e se consideram como tal, mas são voluntários não remunerados. Analogamente, muitas pessoas que trabalham como funcionárias não estão empregadas em nenhum sentido legal, porque não trabalham para outra pessoa. Há setenta ou oitenta anos, estas seriam chamados de “independentes” (muitas das quais são profissionais formadas); hoje fala-se dos “auto-empregados”.

Essas discrepâncias – e elas existem em quase todas as línguas – fazem lembrar por que novas realidades com frequência exigem novas palavras. Mas até que surja essa palavra, esta é provavelmente a melhor definição de funcionários na sociedade pós-capitalista: pessoas cuja capacidade de fazer uma contribuição depende de elas terem acesso a uma organização.

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Naquilo que diz respeito aos funcionários que trabalham em ocupações subalternas e servis – o vendedor no supermercado, a mulher de limpeza no hospital, o motorista do caminhão de entregas – as conseqüências desta nova definição são pequenas. Para todos os fins práticos, sua posição pode não ser muito diferente daquela do assalariado, do “trabalhador” de ontem, de quem eles são descendentes diretos. De fato, este é precisamente um dos maiores problemas sociais enfrentados pela sociedade moderna.

Mas o relacionamento entre a organização e os trabalhadores de conhecimento, que já somam no mínimo um terço e, mais provavelmente, dois quintos de todos os funcionários, é radicalmente diferente, assim como aquele entre a organização e os voluntários. Eles só podem trabalhar porque existe uma organização; assim, também eles são dependentes. Ao mesmo tempo, porém, eles possuem os “meios de produção” – seus conhecimentos. A este respeito, eles são independentes e altamente móveis.

Os trabalhadores de conhecimento ainda necessitam das ferramentas de produção. O investimento de capital nas ferramentas do funcionário de conhecimento pode já ser mais alto que o investimento nas ferramentas do trabalhador em fabricação (e o investimento social, por exemplo o investimento na educação de um trabalhador de conhecimento, é muitas vezes maior que o investimento na educação do trabalhador braçal). Mas este investimento de capital será improdutivo, a menos que o trabalhador de conhecimento se associ o que aprendeu ao conhecimento que já possui e não lhe pode ser tirado. Os operadores de máquinas nas fábricas faziam o que lhes mandavam. As máquinas decidiam não só o que fazer, mas também como fazer. O funcionário de conhecimento pode precisar de uma máquina, seja ela um computador, um analisador por ultra-som ou um telescópio. Mas a máquina não lhe dirá o que fazer, nem saberá como fazer, e sem este conhecimento, que pertence ao funcionário, ela é improdutiva.

Além disso, era possível dizer aos operadores de máquinas, como a todos os trabalhadores em toda a história, o que fazer, como fazer e com que velocidade. Os trabalhadores de conhecimento não podem ser supervisionados de forma eficaz. A menos que saibam mais, a respeito da sua especialidade, que qualquer outro na organização, eles são basicamente inúteis. O gerente de marketing pode dizer ao pesquisador de mercado o que a empresa precisa saber a respeito do desenho de um novo produto e do segmento de mercado no qual ele deverá ser posicionado. Mas é função do pesquisador dizer ao presidente da empresa que pesquisa é necessária, como montá-la e o que significam os resultados.

Durante a traumática reestruturação das empresas americanas nos anos 80, centenas de milhares de funcionários do conhecimento perderam seus empregos. Suas empresas foram adquiridas, fundidas, desdobradas ou liquidadas. Contudo, dentro de poucos meses a maioria achou novos empregos nos quais podiam colocar seus conhecimentos a trabalhar. O período de transição foi doloroso e, em cerca de metade dos casos, o novo emprego não remunerava tão bem quanto o antigo e talvez não fosse tão divertido. Mas os técnicos, profissionais formados e gerentes demitidos, descobriam que tinham o “capital”, o conhecimento: eles possuíam os meios de produção. A organização tinha as ferramentas de produção. Os dois precisavam um do outro.

Uma consequência deste novo relacionamento – e outra nova tensão na sociedade moderna – é que não se pode mais obter a lealdade por dinheiro. A

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organização precisa conquistar a lealdade provando aos seus funcionários de conhecimento que ela lhes oferece oportunidades excepcionais para colocar seus conhecimentos para trabalhar. Há não muito tempo, Peter F. Drucker falava a respeito de “mão-de-obra”. Cada vez mais está-se falando a respeito de “recursos humanos”. Esta mudança lembra de que é o indivíduo, e especialmente o funcionário qualificado e dotado de conhecimento, quem decide em grande parte com o que ele irá contribuir para a organização e qual será o rendimento do seu conhecimento.

Como a organização moderna consiste de especialistas de conhecimento, ela precisa ser uma organização de iguais, de colegas e associados. Nenhum conhecimento vale mais que outro; cada um é julgado por sua contribuição para a tarefa comum, ao invés de por qualquer superioridade ou inferioridade inerente. Portanto, a organização moderna não pode ser uma organização de chefe e subordinado. Ela deve ser organizada como uma equipe.

Existem somente três tipos de equipes: a de beisebol, a de duplas de tênis e a de futebol, cada uma com suas vantagens e desvantagens. E, num dado momento, uma organização pode usar somente uma espécie de equipe para uma dada tarefa. A decisão de qual equipe usar e qual jogo jogar é uma das mais arriscadas na vida de uma organização. Poucas coisas são tão difíceis como passar de uma espécie de equipe para outra.

Mas para que a organização funcione, ela deve ser organizada como uma equipe. Quando surgiram as organizações modernas, no final do século XIX, o único modelo era o militar. O exército prussiano era, para o mundo de 1870, uma maravilha de organização, assim como a linha de montagem de Henry Ford o era para o mundo em 1920. No exército de 1870, todos os membros faziam praticamente a mesma coisa e o número de pessoas com algum conhecimento era muito reduzido. O exército era organizado por comando-e-controle e as empresas, bem como outras instituições, copiaram aquele modelo. Hoje isto está mudando rapidamente. À medida que mais e mais organizações passam a ser baseadas na informação, elas estão se transformando em equipes de futebol ou de tênis, isto é, em organizações baseadas na responsabilidade, nas quais cada membro deve atuar como tomador responsável de decisões. Em outras palavras, todos os membros devem ver a si mesmos como “executivos”.

Mesmo assim, uma organização precisa ser gerenciada. O gerenciamento pode ser intermitente e superficial, como por exemplo, na Associação de Pais e Mestres de uma escola. Ou pode ser um trabalho exigente e de tempo integral para um gruo relativamente grande de pessoas, como é nas forças armadas, nas empresas, nos sindicatos e na universidade. Mas é preciso haver pessoas responsáveis pela missão da organização, pelo seu espírito, seu desempenho e seus resultados. A sociedade, a comunidade e a família podem ter “líderes”, mas somente as organizações conhecem uma “gerência”. E embora esta gerência deve dispor de considerável autoridade, sua função na organização moderna não é comandar, mas sim inspirar.

A sociedade de organizações não tem precedentes na história humana, nem sua capacidade de desempenho, porque cada uma das organizações que a constituem é uma ferramenta altamente especializada, concebida para uma tarefa específica, e também porque cada uma delas se baseia na organização e distribuição de

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conhecimento. Ela não tem precedentes em sua estrutura, mas também em suas tensões e seus problemas. Nem todos eles são sérios. Já sabemos resolver alguns deles como as questões de responsabilidade social. Mas há outras áreas nas quais não se conhece as respostas corretas e até pode-se ainda não estar fazendo as perguntas certas.

Existe, por exemplo, a tensão entre a necessidade da comunidade por continuidade e estabilidade e a necessidade da organização de ser inovadora e desestabilizadora. Há a divisão entre os “literatos” e “gerentes”. Ambos são necessários: aqueles para produzir conhecimento, estes para aplicá-lo e torná-lo produtivo. Porém, aqueles se concentram em palavras e ideias, ao passo que estes focalizam pessoas, trabalho e desempenho. Existe a ameaça à própria base da sociedade de organizações – a base de conhecimento – que surge com a especialização cada vez maior, com a mudança de conhecimento para conhecimentos. Mas o desafio maior e mais difícil é aquele representado pelo novo pluralismo da sociedade.

Por mais de seiscentos anos, nenhuma sociedade teve tantos centros de poder como a sociedade em que vive-se hoje. Na Idade Média havia pluralismo. A sociedade era composta por centenas de centros de poder autônomos e concorrentes: senhores feudais e cavaleiros, dioceses privilegiadas, monastérios autônomos, cidades “livres”. Em alguns lugares, como o Tirol austríaco, havia até “camponeses livres”, que obedeciam somente ao Imperador. Também havia corporações autônomas de artífices e ligas comerciais de Florença, cobradores de taxas e impostos, exércitos privados de aluguel e muitas outras mais.

A história moderna na Europa – e também no Japão – foi a do domínio de todos os centros de poder concorrentes por uma autoridade central, chamado inicialmente de “príncipe” e depois de “estado”. Em meados do século XIX, o estado unitário triunfou em todos os países desenvolvidos, exceto nos Estados Unidos, país que permaneceu profundamente pluralista em suas organizações religiosas e educacionais. A abolição do pluralismo foi uma causa “progressista” por quase seiscentos anos.

Entretanto, quando o triunfo do estado parecia assegurado, surgiu a primeira das novas obrigações – a grande empresa. Desde então, surgiram inúmeras organizações. E antigas organizações, como a universidade, que na Europa parecia estar sob o controle dos governos centrais, tornaram-se autônomas de novo. Ironicamente, os regimes totalitários do século XX, em especial o comunismo, representaram a última e desesperada tentativa para salvar a antiga doutrina, que no passado foi progressista, na qual havia somente um centro de poder e uma organização, ao invés de um pluralismo de organizações concorrentes e autônomas.

Como sabe-se, essa tentativa fracassou. Mas o fracasso da autoridade central em sai nada faz para resolver as questões que surgem numa sociedade pluralista. Como ilustração, considere-se uma história que muitas pessoas ouviram, ou melhor, ouviram mal.

Durante toda a sua vida, Charles E. Wilson foi uma personalidade proeminente nos Estados Unidos, primeiro como presidente e executivo principal da General Motors, na época a maior e mais bem sucedida indústria manufatureira do mundo, depois como

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secretário de defesa no governo Eisenhower. Mas se Wilson chega a ser lembrado hoje, é por algo que ele não disse: “Aqilo que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos”. O que Wilson disse de fato, na audiência para a sua confirmação no cargo de Secretário da Defesa em 1953, foi: “Aquilo que é bom para os Estados Unidos é bom para a General Motors”.

Wilson tentou corrigir o erro de interpretação pelo resto de sua vida, mas ninguém lhe dava ouvidos. Todos afirmavam que “se ele não disse, certamente alguém acredita nisso de fato, deveria acreditar”. Pois como já foi dito, os executivos de uma organização – seja uma empresa, universidade, hospital ou os Escoteiros – devem acreditar que a missão e a tarefa da mesma são as mais importantes da sociedade, bem como a base para tudo o mais. Se eles não acreditarem nisso, sua organização irá perder a fé em si mesma, a autoconfiança, o orgulho e a capacidade de desempenho.

A diversidade característica de uma sociedade desenvolvida, que provê sua grande força, somente é possível às organizações especializadas que desenvolveu-se a partir da Revolução Industrial e especialmente durante os últimos setenta anos. Mas a qualidade que dá a essas organizações a capacidade de desempenho é precisamente o fato de cada uma ser autônoma e especializada, informada somente por sua missão e visão estreitas, seus valores estreitos e não por qualquer consideração a respeito da sociedade e da comunidade.

Portanto, voltou-se ao velho - e nunca resolvido – problema da sociedade pluralista: quem cuida do Bem Comum? Quem o define? Quem equilibra as metas e valores, separados e com frequência conflitantes, das instituições da sociedade? Quem decide as concessões e em que base?

O feudalismo medieval foi substituído pelo estado soberano unitário precisamente porque não podia responder estas perguntas. Mas o estado soberano unitário foi agora substituído por um novo pluralismo – um pluralismo de funções, ao invés de poder político – porque também não podia satisfazer as necessidades da sociedade, nem executar as tarefas necessárias da comunidade. Esta é, em última análise, a lição mais fundamental a ser aprendida com o fracasso do socialismo, da crença no estado abrangente e todo-poderoso.

O desafio atual, em especial nas democracias desenvolvidas e de mercado livre como os Estados Unidos, é fazer com que o pluralismo de organizações autônomas e baseadas no conhecimento resulte tanto em desempenho econômico como em coesão política e social.

Trabalho em equipes: beisebol, futebol ou tênis?

A expressão “formação de equipes” tornou-se um clichê nas empresas americanas. Os resultados não chegam a impressionar. A Ford Motor Company começou, há mais de trinta anos, a formar equipes para projetar seus novos modelos.

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Hoje ela reporta “sérios problemas”, e a diferença no prazo de desenvolvimento entre a Ford e suas concorrentes japonesas quase não se reduziu. A Divisão Saturn da General Motors iria substituir a linha de montagem tradicional por trabalho em equipe em sua “fábrica do futuro”, mas a fábrica vem se movendo para trás, de volta à linha de montagem ao estilo Detroit. A Procter & Gamble lançou há mais de duas décadas, com grande ostentação, uma campanha para formação de equipes. Agora ela está voltando à responsabilidade pessoal para o desenvolvimento e a comercialização de novos produtos.

Uma razão para esses fracassos – talvez a maior – é a crença praticamente universal entre os executivos de que existe somente uma espécie de equipe. Na verdade existem três tipos, cada um diferente em sua estrutura, no comportamento que exige de seus membros, nas suas forças, vulnerabilidades, limitações e exigências, mas acima de tudo naquilo que pode fazer e para que deve ser usado.

A primeira espécie de equipe é a de beisebol. A equipe cirúrgica que realiza uma operação e a linha de montagem de Henry Ford são ambas “equipes de beisebol”. E é também a equipe que Detroit forma tradicionalmente para projetar um novo carro.

Os jogadores jogam na equipe, mas não em equipe. Eles têm posições fixas, que nunca deixam. O homem da segunda base nunca corre em auxílio ao lançador; o anestesista nunca vem em auxílio da enfermeira cirúrgica. Na equipe de projeto tradicional de Detroit, o pessoal do marketing raramente via os projetistas e nunca era por eles consultado. Estes faziam seu trabalho e passavam-no aos engenheiros de desenvolvimento que, por sua vez, faziam seu trabalho e o passavam à fabricação, a qual também fazia o seu trabalho e o passava ao pessoal do marketing.

A segunda espécie de equipe é a de futebol. A unidade do hospital que se junta em torno de um paciente que entra em choque às três horas da manhã é uma “equipe de futebol”, assim como as equipes de projetos dos fabricantes de carros japoneses. Como na equipe de beisebol, os jogadores de futebol têm posições fixas, mas eles jogam em equipe. As equipes de projetos japonesas, que Detroit e a P7G tentam imitar, são como as equipes de futebol. Para utilizar um termo de engenharia, os projetistas, engenheiros, o pessoal de fabricação e de marketing trabalham “em paralelo”. A equipe tradicional de Detroit trabalhava “em série”.

Em terceiro lugar, existe a equipe de duplas de tênis – a espécie com a qual a direção da Saturn esperava substituir a linha de montagem tradicional. Esta é também a equipe que toca num conjunto de jazz, a equipe de altos executivos que formam o “gabinete da presidência” em grandes empresas, ou a equipe com maior probabilidade de produzir uma inovação genuína como o computador pessoal.

Na equipe de duplas, os jogadores têm posições principais ao invés de fixas. Eles devem “cobrir” seus companheiros de equipe, ajustando-se às suas forças e fraquezas e às demandas variáveis do “jogo”.

Os executivos de empresas e a literatura de administração pouco têm a dizer hoje em dia a favor da equipe ao estilo do beisebol, seja nos escritórios, seja nas fábricas. Muitos nem mesmo a reconhecem como equipe. Mas esta espécie de equipe tem forças enormes. Cada membro pode ser avaliado separadamente, ter metas claras

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e específicas e ser responsabilizado e mediado. Cada um deles pode ser treinado e desenvolvido até o limite das suas forças. E pelo fato de os membros não precisarem se ajustar a nenhum outro da equipe, cada posição pode ser ocupada por um “astro”, por mais temperamental, ciumento ou sedento de publicidade que ele seja.

Mas a equipe de beisebol é inflexível. Ela funciona bem quando o jogo é praticado muitas vezes e a sequência das suas ações é perfeitamente compreendida por todos. Isto é o que tornava esta espécie de equipe adequada para Detroit no passado.

Há quarenta anos, velocidade e flexibilidade no projeto de carros eram as últimas coisas que Detroit queria ou de que necessitava. A produção em massa tradicional exigia grandes lotes com mudanças mínimas. E como o valor de revenda do “carro usado em bom estado” – com menos de três anos – era um fator-chave para o comprador de um novo carro, era um sério erro lançar um novo desenho (o qual iria depreciar o carro usado) a intervalos inferiores a cinco anos. Nas várias ocasiões em que a Chrysler lançou prematuramente um novo e brilhante desenho, suas vendas caíram.

Os japoneses não inventaram a “produção em massa flexível”; a IBM foi, provavelmente, a primeira a usá-la em 1960. Mas quando a indústria automotiva japonesa a adotou, ela possibilitou o lançamento de um novo modelo de carro em paralelo com os já existentes. E então a equipe de beisebol tornou-se de fato errada para Detroit e também para a indústria de produção em massa como um todo. O processo de projeto precisou, assim, ser reestruturado como uma equipe de futebol, a qual possui a flexibilidade de que Detroit agora necessita, mas ela tem requisitos mais severos que a de beisebol. As especificações com as quais os japoneses iniciam o projeto de um novo modelo de carro – ou de um novo eletrônico de consumo – são muito mais severas e detalhadas do que qualquer coisa com a qual Detroit estava acostumada com respeito a estilo, tecnologia, desempenho, peso, preço e assim por diante. E elas são seguidas muito mais de perto.

Na tradicional equipe de projetos ao estilo do beisebol, cada posição – engenharia, fabricação, marketing – faz seu trabalho à sua maneira. A palavra do treinador é lei. Os jogadores dependem somente deste chefe para suas ordens, recompensas, avaliações e promoções.

O engenheiro que está na equipe japonesa de projetos é um membro do departamento de engenharia da sua empresa, mas está na equipe de projetos porque o líder da mesma solicitou – não porque o engenheiro chefe o tenha enviado. Ele pode consultar o departamento de engenharia, mas suas ordens vêm do líder da equipe de projetos, o qual também avalia seu desempenho. Se houver astros nessas equipes, elas só aparecerão se os líderes lhe concederem um “solo”. Caso contrário, eles se subordinam à equipe.

As exigências da equipe de duplas são ainda mais severas; esta é a espécie de equipe que a Divisão Saturn da GM esperava desenvolver em sua fábrica de “manufatura flexível”, a qual, de fato, necessita desta espécie de equipe, que deve ser pequena, com cinco a sete membros. Estes têm de ser treinados em conjunto durante algum tempo, antes que possam funcionar plenamente como uma equipe. É preciso

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que haja para ela uma meta clara, desempenho de cada membro individualmente. E nessa espécie de equipe somente ela “realiza”, os membros “contribuem”.

Todas estas três espécies de equipes são verdadeiras. Mas elas são tão diferentes – no comportamento que exigem, naquilo que fazem melhor e naquilo que não podem fazer – que não podem existir híbridos. Uma espécie de equipe pode jogar somente de uma maneira e é muito difícil mudar de uma espécie para outra.

Não é possível fazer mudanças graduais, mas é preciso haver um rompimento total com o passado, por mais traumático que possa ser. Isto significa que as pessoas não podem se reportar tanto ao antigo chefe quanto ao novo treinador, ou líder de equipe. Suas recompensas, remunerações, avaliações e promoções devem depender totalmente do seu desempenho em seus novos papeis em suas novas equipes. Mas isto é tão impopular, que a tentação para fazer acomodações é sempre grande.

Na Ford, por exemplo, o pessoal de finanças foi deixado sob o controle do departamento financeiro, reportando-se a este ao invés das novas equipes de projetos. A Divisão Saturn da GM tentou manter a autoridade dos chefes tradicionais – os supervisores de primeira linha e representantes sindicais – ao invés de entregar o poder de decisão às equipes de trabalho. Porém, isto é como jogar beisebol e tênis de duplas ao mesmo tempo, no mesmo campo e com as mesmas pessoas, e só pode resultar em frustração e mesmo campo e com as mesmas pessoas, e só pode resultar em frustração e falta de desempenho. E parece que na P&G prevaleceu a mesma confusão.

Em outras palavras, as equipes são ferramentas. Assim sendo, cada especial tem seus usos, suas características, suas exigências e suas limitações. O trabalho em equipe não é “bom”, nem “desejável”, ele é um fato. Sempre que as pessoas trabalham ou jogam em conjunto, elas o fazem em equipe. A decisão de qual equipe usar para que finalidade é vital, difícil e arriscada, além de ser ainda mais difícil de desfazer. Os dirigentes de empresas ainda precisam aprender a tomá-la.

Varejo: a ação que supera a indústria e as finanças

Em todos os lugares da Europa em que Peter F. Drucker esteve em mil novecentos e

noventa e três – Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Bégica, Áustria, Suíça - disse ter

ouvido o mesmo lamento: a unificação econômica europeia está paralisada na manufatura e

finanças. No varejo porém, onde ninguém esperava, a unificação econômica está galopando

por toda a Europa.

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Há trinta anos a Aldi, uma loja de descontos de produtos alimentícios, ainda era

puramente alemã; hoje ela está em sete países europeus, com cerca de três mil e trezentas

lojas. Outras lojas de descontos de produtos alimentícios – alemãs, francesas dinamarquesas –

estão se expandindo com a mesma velocidade através da Europa, da Espanha á Noruega. A

Ikea, sediada na Suécia, hoje domina os negócios de mobiliário da Europa Ocidental e está

abrindo lojas nos antigos satélites russos. A Benetton italiana 9moda feminina) e a Body

Shop britânica (artigos de toucador) estão se tornando líderes de mercado em todos os países

europeus.

A internacionalização do varejo não está confinada à Europa. Os varejistas japoneses

estão se expandindo rapidamente na China. A Ikea e a Benetton têm, nos Estados Unidos,

quase a mesma penetração de mercado que têm na Europa. A Wall-Mart americana está se

preparando para cobrir o México com Sam’s club, enquanto a Toys “R” Us está entrando

agressivamente no Japão.

Em sua maioria, os primeiros varejistas que se tornaram internacionais procuraram

melhorar ligeiramente aquilo que os varejistas estavam fazendo muito bem em seus países

“anfitriões”. A Sears construiu lojas Sears tradicionais na América Latina nos anos cinquenta

e a Tengelmann e a Dutch Ahold, alemãs, montaram cadeias de supermercados nos Estados

unidos nos anos setenta e inícios dos anos oitenta. Mas as novas multinacionais são

revolucionárias, rejeitando as hipóteses que a maioria dos varejistas ainda considera a

Sagrada Escritura.

Durante os últimos setenta anos, shoppin center tontou-se quase um sinônimo de

varejo bem-sucedido. E quanto maior, melhor. Mas os novos varejistas evitam shopping

centers. Eles constroem lojas independentes ou vão para minishoppings, que contêm somente

algumas lojas. Um alto executivo de uma das cadeias varejistas europeias de maior

crescimento disse a Peter F. Drucker o seguinte: “O shopping center submerge a

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personalidade de cada loja no anonimato do estacionamento”. E os novos varejistas falam de

reengenharia; para eles, ela soa como coisa de manufatura, mas muitos redefinem

constantemente suas operações. De fato, muitos redefinem todo o seu negócio.

Por exemplo, o sucesso da Wall-Mart resulta, em grande parte, do fato de ela ter

redefinido varejo como a movimentação de mercadorias, ao invés de sua venda. Isto levou à

integração de todo o processo – da máquina do fabricante á loja – com base em informações

em tempo real a respeito das compras dos clientes. Em consequência disso, a Wall-Mart

conseguiu eliminar três camadas de depósitos e um terço dos custos do varejo tradicional.

Mas ela ainda trabalha com um sortimento completo de bens, e isto significa milhares de

itens.

A aldi efetuou uma reengenharia muito semelhante nas suas operações, mas também

reduziu seu sortimento aos seiscentos itens que, de acordo com suas pesquisas, são tudo o que

ma família compra regularmente. Cada um deles foi projetado pela Aldi, feito segundo suas

especificações e é vendido com sua marca. Como resultado, ela dobrou ou triplicou as vendas

por metro quadrado de espaço de loja – capital e centro de custo básico para um varejista.

A Spar, outra cadeia de lojas de descontos alemâ, está indo mais onge. Ela só irá

operar com os duzentos itens que uma família compra todas as semanas. Outra cadeia

varejista europeia em rápido crescimento irá aplicar o mesmo princípio de uma maneira

diferente. Ses clubes de grandes decontos irão operar somente com os duzentos itens

necessários para ocasiões epseciais – e com absolutamenbte nada que as pessoas compram

regularmente.

A Ikea pode vender a preços mais baixos porque compreendeu que metade do custo

de um móvel acabado é a montagem final. Desde que as partes sejam feitas com cuidado e as

instruções claras, qualquer um pode montá-los em sua própria casa.

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No varejo, todos falam de atendimento como a chave para o sucesso, ou

dasobrevivência. O mesmo fazem os novos varejistas, mas eles querem dizer algo diferente.

Para os comerciantes tradicionais, atendimento significa vendedores que cuidam

pessoalmente de cada cliente. Mas os novos varejistas empregem muito poucos vendedores.

Para eles, atendimento significa que os clientes não precisam de vendedores, não têm de

perder tempos tentando achar um, não têm que pedir nem esperar. Eles sabem onde estão os

produtos no momento em que entram na loja, suas cores, tamanhos e preços. Significa prover

informações.

Mas para os novos varejistas, atendimento também significa fazer com que os clientes

saiam da loja o mais depressa possível depois que eles fizeram suas compras. Ma cadeia

europeia de lojas de descontos está estudando uma tecnologia que elimina o caixa. Quando

um cliente decide comprar um item, coloca seu cartão de crédito numa fenda sobre o balcão

tantas vezes quanto o número de pacotes ou garrafas que deseja levar. Não há carrinhos de

compras. As compras estão à espera do cliente quando ele sai. Tudo o que ele tem de fazer é

checar os itens e assinar um cupom do cartão de crédito.

Ray Kroc, o fundador da McDonald’s – a primeira, a mais bem-sucedida e mais

multinacional das novas varejistas – teria dito: “Uma mãe como dois filhos pequenos não

vem à nossa loja porque nossos ambúrgueres são deliciosos, mas porque os banheiros são

limpos”. Isto é considerado por muitos uma excentricidade, mas expressa um conceito

radicalmente novo do significado de comprar. Aquilo que a maioria dos clientes quer não é

que o ato de comprar seja agradável, mas sim indolor.

A loja de varejo foi inventada no final do século dezessete – primeiro no Japão, pouco

tempo depois na Europa Ocidental. Desde os seus primeiros dias, ela se baseou em três

hipóteses: a compra oferece ao cliente – especialmente à dona-de-casa – talvez a única

maneira de ter alguma escolha, de tomar algumas decisões, de ter voz ativa e um pouco de

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poder. Em segundo lugar, oferece à dona-de-casa a única saída da triste rotina que os alemães

chamam de os três Ks: Kinder, Kirche, Kuche (crianças, igreja cozinha). Finalmente, a loja

de varejo oferece acesso ao mundo a pessoas cujas únicas fontes de informações são

conversas fúteis por cima da cerca dos fundos ou na roda de costura.

É claro que a loja de varejo mudou muitas vezes nos seus três séculos de existência.

Mas os estabelecimentos varejistas tradicionais – lojas de departamentos, shopping centers,

lojas de ferragens, supermercados, sapatarias – em sua maioria ainda aceitam as hipóteses

tradicionais, mesmo que seja inconscientemente.

No entanto, os novos varejistas rejeitam-nas. Sua cliente típica tem um emprego

remunerado. Ela tem muitas ocasiões para escolher e tomar decisões, a maioria das quais

mais interessantes do que decidir o que fazer para o jantar. E mesmo que nunca saia de casa,

ela tem acesso ilimitado aos mundo exterior através do telefone e da televisão. Para ela, ir às

compras não é mais uma satisfação, mas um dever doméstico.

A loja de departamentos – a história de sucesso do início do século vinte – está em

decadência em todas as partes. Os shopping centers e supermercados – as histórias de sucesso

da segunda metade do século – estão se mantendo melhor. Os novos varejistas estãos e

expandindo rapidamente. Contudo, há sinais de que também eles podem ser um sucesso de

vida relativamente curta.

Hoje os varejistas falam de comprar sem lojas, através da televisão interativa. Falam

de realidade virtual, na qual a cliente, sem sair da sua sala, caminha através de um shopping

center simulado na tela do seu computador, experimenta uma blusa e faz pedidos apertando

alguns botões.

A tecnologia para tudo isso está disponível e cada vez manos dispendiosa. E há sinais

de que um número substancial de clientes está se tornando receptivo ao sistema. Há um

crescimento das vendas por catálogos em todos os países desenvolvidos. Nos Estados Unidos,

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as vendas diretas pela televisão a cabo têm sido um sucesso para bijuterias; em alguns

subúrbios afluentes, a televisão interativa também funciona para vender refeições finas

prontas para serem aquecidas. Em um número cada vez maior de salões de beleza, as

mulheres experimentam e ajustam diferentes cortes de cabelos num monitor de TV, para

decidir qual lhes fica melhor.

Portanto, comprar sem uma loja não é mais ficção científica, mas ainda é especulação

(com muito exagero). Mas mesmo sem qualquer nova tecnologia, o varejo já mudou. As

mudanças estãos tendo profundos efeitos sobre a propaganda, sobre os fabricantes de bens de

consumo e sobre a estrutura da economia. É no varejo – e não na fabricação ou em finanças –

que está a ação hoje.

Convertendo dados em informações

Os executivos tornaram-se conhecedores de computadores. Os mais jovens chegam a

saber mais a respeito de como funciona o computador do que a respeito da mecânica do

automóvel ou do telefone. Mas poucos entendem de informação. Eles sabem como obter

dados, mas ainda precisam aprender a usá-los.

Poucos executivos sabem fazer perguntas do tipo: “De que informações necessito para

fazer meu trabalho?”, “Quando preciso delas?”, “De que forma?”, “E de quem devo recebê-

las?”, “Que antigas tarefas devo abandonar?”, “Que tarefas devo executar de forma

diferente?”. Praticamente ninguém pergunta: “Que informações devo dar?”, “A quem?”,

“Quando?”, “De que forma?”.

Uma base de dados, por maior que seja, não é informação. Ela é minério de

informação. Para que a matéria-prima se transforme em informação, ela precisa ser

organizada para uma tarefa, dirigida para desempenho específico, aplicada a uma decisão. Ela

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não pode fazer isso por si mesma, nem os especialistas em informação. Eles podem persuadir

seus clientes, os usuários de dados, aconselhar, demonstrar, ensinar, mas não gerenciar os

dados para os usuários, assim como um departamento de pessoal não pode assumir o

gerenciamento das pessoas que trabalham com um executivo.

Os especialisas em informação são fabricantes de ferramentas. Os usuários destas,

sejam eles executivos ou técnicos, têm de decidir quais informações usar, para que e como.

Eles precisam se tornar conhecedores de informações. Este é o primeiro desafio enfrentado

pelos usuários de informações, agora que os executivos passaram a conhecer computadores.

Mas a organização também precisa conhecer informações. Ela também precisa

aprender a perguntar: “De que informações necessitamos na empresa?”, “Quando

necessitamos delas?”, “Em que forma?”, “E onde obtê-las?”. Até agora essas perguntas estão

sendo feitas pelos militares, e mesmo assim para decisões táticas do dia-a-dia. Nas empresas,

essas perguntas têm sido feitas somente por algumas multinacionais, entre as quais a Unilever

anglo-holandesa, em algumas empresas de petróleo (como a Shell) e as grandes trading

companies japonesas.

No momento em que estas perguntas são feitas, torna-se claro que as informações de

que uma empresa mais depende somente estão disponíveis numa forma primitiva e

desorganizada, pois aquilo deque uma empresa mais necessita para suas decisões – em

especial as estratégicas – são dados a respeito do que acontece fora dela. É para fora da

empresa que estão os resultados, oportunidades e ameaças.

Até agora, os únicos dados do esterior que foram integrados aos sistemas de

informações da maioria das empresas e aos seus processos de tomada de decisões são dados

do dia-a-dia do mercado: o que os clientes existentes compram, onde e como. Poucas

empresas têm tentado obter informações a respeito dos seus não-clientes, e muito menos

integrar essas informações às suas bases de dados. Todavia, por mais poderosa que uma

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empresa seja em sua indústria ou em seu mercado, os não-clientes quase sempres são mais

numerosos que os clientes.

As lojas de departamentos americanas tinham ma base de clientes muito grande,

talvez trinta por cento do mercado de classe média, e possuíam muito mais informações a

respeito dos seus clientes que qualquer outra indústria. Entretanto, o fato de elas deixarem de

decicar atenção aos setenta por cento que não eram clientes explica, em grande parte, por que

hoje elas enfrentam uma séria crise. Em proporções crescentes, os não-clientes eram as

jovens famílias afluentes, nas quais ambos os cônjuges trabalhavam, que constituíam o

mercado em crescimento nos anos oitenta.

Os banco scomerciais, apesar de todos os dados estatísticos a respeito dos seus

clientes, também não se deram conta – até ser muito tarde – de que um número crescente dos

seus clientes em potencial haviam se tornado não-clientes. Muitos clientes em potencial

haviam se voltado para papeis comerciais para seus financiamentos, ao invés de tomarem

emprestado dos bancos.

Quando se trata de informações de fora do mercado – dados demográficos,

comportamento e planos dos concorrentes atuais e em potencial, tecnologia, economia,

mudanças que assinalam flutuações cambiais e movimentações de capital – ou não existem

dados, ou são demasiado genéricos. Poucas tentativas foram feitas para se determinar o efeito

que esas informações têm sobre as decisões da empresa. Como obter esses dados, testá-los e

juntá-los ao sistema de informações existente para torná-los eficazes para o processo de

decisões da empresa – este é o segundo maior desafio que hoje os usuários de informações

têm diante de si.

Ele precisa ser enfrentado logo. Hoje as empresas dependem, para suas decisões, de

dados internos, como custos, ou de hipóteses não testadas a respeito do exterior. Em qualquer

caso, elas estão tentando voar com uma só asa.

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Finalmente, o mais difício dos novos desafios: há de se juntar os dois sistemas de

informações que hoje as empresas administram em paralelo – o processamento de dados

baseado em computador e o sistema contábil. No mínimo haverá de se torná-los compatíveis.

As pessoas normalmente consideram a contabilidade como sendo financeira. Mas isto

é válido somente para a parte que lida com ativos, passivos e fluxos de caixa; esta é apenas

umap equena parte da contabilidade moderna. A maior parte lida com operações ao invés de

finanças e, para a contabilidade operacional, o dinheiro é simplesmente uma anotação e uma

linguagem para expressar eventos não-monetários. A contabilidade está sendo abalada até as

raízes por movimentos de reforma que visam a fazer com que ela deixe de ser financeira e se

torna mais operacional.

Existe a nova contabilidade tranasacional, que procura relacionar as operações aos

seus ativos, do custo histórico para estimativas de retornos futuros esperados. A contabilidade

tornou-se a área intelectualmente mais desafiadora no campo gerencial e a mais turbulenta.

Todas essas teorias contábeis visam à transformação dos dados contábeis em informações

para tomada de decisões pelos gerentes. Em outras palavras, elas têm as mesmas metas do

processamento de dados por computador.

Hoje esses dois sistemas de informações operam isolados um do outro e em geral nem

mesmo concorrem entre si. Nas escolas de administração eles são mantidos separados, com

departamentos deistintos de contabilidde e de ciência do comutador e diplomas também

separados.

Os profissionais têm formações, valores e carreiras diferentes. Eles trabalham em

departamentos diferentes, para chefes diferentes. Existe um diretor de informações para o

processamento de dados por computador, normalmente com formação em tecnologia do

computador. A contabilidade tipicamente reporta-se ao diretor financeiro, o qual emn geral

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tem experiência nas finanças da empresa e no gerenciamento do seu dinheiro. Em outras

palavras, nenhum dos dois chefes pensa em termo de informações.

Os dois temas estão cada vez mais se superpondo e também produzindo dados que

parecem clnflitantes – ou no mínimo incompatíveis – a respeito do mesmo evento, pois o

veem de formas diferentes. Até agora, isto tem criado pouca confusão. As empresas tandiam

a prestar atenção naquilo que os seus contadores lhes contavam e a desprezar os dados dos

seus sistemas de informações, ao menos para as decisões da alta direção. Mas isto está

mudando, na medida que executivos conhecedores d ecomputadores estão indo para posições

de tomada de decisões.

Uma evolução pode ser considerada altaente provável: o gerenciamento do dinheiro –

aquilo que hoje Peter F. Drucker chama de função de tesouraria – será separado da

contabilidade (isto é, dos eu componente de informação) e terá pessoal e direção separados.

Ainda não se sabe como será possível gerenciar os dois sistemas de informações. Mas é certo

que nos próximos dez anos eles serão juntados (nas organizações que ainda não os juntaram),

ou pelo penos decidir qual sistema faz o que.

O pessoal dos computadores ainda está preocupado com maior velocidade e memórias

de maior capacidade. Mas cada vez mais os desafios não serão técnicos; ao contrário, eles

estarão ligados à conversão de dados em informações utilizáveis.

Governança corporativa: contagem versus medição

Nas empresas e na economia, a quantificação tem sido a moda nos últimos setenta anos. Os contadores proliferaram tanto quanto os advogados. Contudo, não se tem as medições de que se necessita.

Os conceitos e instrumentos não são adequados para o controle de operações ou o controle gerencial. E até o momento não existem os conceitos nem as ferramentas para o controle da empresa – isto é, para a tomada de decisões econômicas. Entretanto, nos últimos anos, houve uma conscientização cada vez maior da necessidade dessas medições. E em uma área, o controle operacional da fabricação, o trabalho necessário já foi feito.

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A tradicional contabilidade de custos em fabricação – hoje com cem anos – não registra o custo da má qualidade de uma máquina enguiçada ou do fato de partes necessárias não estarem disponíveis. Porém, em algumas fábricas, estes custos não registrados nem controlados chegam a ser tão altos quanto os registrados pela contabilidade de custos tradicional. Em contraste, um novo método de contabilidade de custos, desenvolvido nos últimos trinta anos – denominado contabilidade “baseada em atividades” – registra todos os custos e os relaciona ao valor adicionado, algo que a contabilidade de custos tradicional não pode fazer. Há mais de dez anos, seu uso deveria estar generalizado e então ter-se-ía o controle operacional na fabricação.

Mas este controle seria apenas na fabricação. Ainda não ter-se-ía controle de custos em serviços: escolas, bancos, agências governamentais, hospitais, hoteis, lojas de varejo, laboratórios de pesquisa, firmas de arquitetura e assim por diante. Sabe-se quanto dinheiro um serviço requer, quanto ele gasta e em que. Mas não se sabe como os gastos se relacionam ao trabalho feito pela organização de serviços e aos seus resultados – uma das razões pelas quais os custos de hospitais, escolas e dos correios estão fora de controle. Contudo, em todos os países desenvolvidos, de dois terços a três quartos da produção dos empregos e dos custos estão em serviços.

Alguns grandes bancos estão apenas começando a implementar contabilidade de custos para serviços. Embora os resultados até o momento sejam um tanto incertos, descobriram-se algumas coisas importantes. Ao contrário da contabilidade de custos em fabricação, a contabilidade de custos para serviços terá de ser de cima para baixo, começando com o custo do sistema inteiro ao longo de um determinado período. A maneira pela qual o trabalho é organizado é muito mais importante do que na fabricação. Em serviços, a qualidade e a produtividade são tão importantes para o custo quanto a quantidade produzida. Na maior parte dos serviços, as equipes – e não indivíduos ou máquinas – são os centros de custos. E a chave não é o “custo”, mas a “eficácia em relação ao custo”. Mas isto é apenas o começo.

Mesmo que se dispusesse das medições de que se necessita para fabricação e serviços, ainda não ter-se-ía um verdadeiro controle operacional. Trar-se-ía a organização – o fabricante, o banco, o hospital – como o centro de custos. Mas os custos que importam são aqueles de todo o processo econômico no qual o fabricante, banco ou hospital é somente um elo da cadeia. Os custos do processo inteiro são aqueles que o cliente final (ou pagador de impostos) paga e determinam a competitividade ou não de um produto, serviço, indústria ou uma economia. Uma grande parte desses custos é “intersticial” – incorridos, por exemplo, entre o fornecedor de partes e o fabricante, ou entre o fabricante e o distribuidor, e não registrados por nenhum deles.

A vantagem de custo dos japoneses provém, em grande parte, do controle desses custos dentro de um keiretsu, a “família” de fornecedores e distribuidores agrupados em torno de um fabricante. O tratamento do keiretsu como um fluxo de custos levou, por exemplo, à entrega de partes just-in-time. Também possibilitou que o keiretsu transferisse operações para onde elas fossem mais eficazes em relação aos custos.

A determinação do custo de um processo, da máquina na fábrica do fornecedor até o caixa na loja, também é a base da fenomenal ascensão da Wal-Mart. Ela resultou na eliminação de inúmeros depósitos e de muito trabalho burocrático, a qual cortou os custos em um terço. Mas essa determinação requer uma nova concepção de relacionamentos e mudanças em hábitos e comportamentos. Ela requer sistemas contábeis compatíveis quando hoje as organizações se orgulham de ter seus próprios métodos únicos. Requer escolher aquilo que é eficaz em relação ao custo, ao invés daquilo que custa menos. Requer decisões conjuntas com toda a cadeia a respeito de quem faz o que.

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Igualmente drásticas são as mudanças necessárias para um controle gerencial efetivo. As folhas de balanço foram concebidas para mostrar o quanto uma empresa valeria se fosse liquidada hoje. Orçamentos servem para assegurar que o dinheiro é gasto somente onde autorizado. Porém, os gerentes precisam de balanços que relacionem a condição atual da empresa à sua capacidade futura de produção de riqueza, a curto e a longo prazos. Os gerentes precisam de orçamentos que relacionem despesas propostas a futuros resultados, mas também forneçam informações de acompanhamento que mostrem se os resultados prometidos foram ou não alcançados.

Até o momento tem-se somente algumas partes: a previsão do fluxo de caixa, por exemplo, ou a análise dos investimentos de capital propostos. Entretanto, pela primeira vez, algumas grandes empresas multinacionais – americanas e europeias – estão começando a juntar essas partes em balanços e orçamentos de “andamento da empresa”.

Porém, as medições mais necessárias – e mais em falta – são aquelas que nos dão o controle da empresa. Contabilidade financeira, balanços, declarações de lucros e perdas, alocação de custos e assim por diante constituem uma radiografia do esqueleto da empresa. Mas assim como as doenças mais comumente mortíferas – cardiopatias, câncer, mal de Parkinson – não aparecem em radiografias do esqueleto, uma perda de posição no mercado ou o fracasso em uma inovação também não aparecem nas cifras contábeis até que o dano já esteja feito.

Precisa-se de novas medições – a serem chamadas de “auditorias da empresa” – que deem o controle efetivo da empresa. Precisa-se de medições, para uma empresa ou indústrias, que sejam semelhantes aos “indicadores principais” e “indicadores de atraso” que os economistas desenvolveram durante os últimos setenta anos para prever a direção na qual a economia tem probabilidade de se mover e por quanto tempo. Pela primeira vez, grandes investidores institucionais, inclusive alguns grandes fundos de pensão, estão trabalhando nesses conceitos e ferramentas para medir o desempenho das empresas nas quais investem.

Isto é apenas o início. E agora cada uma dessas áreas está sendo trabalhada separadamente. As pessoas que estão trabalhando num campo – por exemplo, fundos de pensão – podem nem saber do trabalho realizado em outras áreas.Pode levar muitos anos, até décadas, até que se tenham as medições necessárias em todas essas áreas. Mas pelo menos sabe-se que são necessárias novas medições e quais elas devem ser. Lentamente, e ainda às apalpadelas, está-se passando da contagem à medição. Outras considerações sobre o tema, essencial para entender as tendências da moderna administração, podem ser obtidas no livro Peter Drucker – administrando em tempos de grandes mudanças.

Sistemas de infomação: o executivo e suas decisões

Desde que surgiram as novas ferramentas de processamento de dados, há cinquenta ou sessenta anos, os homens de negócios têm exagerado e também subestimado a importância das informações na organização. Até Peter F. Drucker chegou a admitir exagerar as possibilidades ao ponto de falar em “modelos de negócios”, gerados em computador, que poderiam tomar decisões e até mesmo dirigir grande parte da empresa. Mas também costuma-se subestimar as novas ferramentas; vê-se nelas os meios para fazer melhor aquilo que os executivos já estavam fazendo para administrar suas organizações.

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Ninguém mais fala de modelos de negócios tomando decisões econômicas. Até o momento, a maior contribuição da capacidade de processamento de dados não foi para o gerenciamento, mas sim as para operações – que os arquitetos usam para resolver problemas estruturais nos edifícios que projetam.

Porém, mesmo tendo super e subestimado as novas ferramentas, deixou-se de compreender que elas iriam mudar drasticamente as tarefas a serem enfrentadas.

Conceitos e ferramentas, a história diz, são mutuamente interdependentes e interativos. Um muda o outro. Isto está acontecendo com o conceito que se chama de empresa e as ferramentas que chamam-se informações. As novas ferramentas capacitam os administradores – na verdade, podem forçá-los – a ver as empresas de forma diferente, a vê-las como: 1) geradoras de recursos, isto é as organizações que convertem custos em rendimentos; 2) elos numa cadeia econômica, a qual os gerentes precisam entender como um todo para administrar seus custos; 3) órgãos da sociedade para a criação de riqueza e 4) criadores e criaturas de um ambiente material que é a área externa à organização, na qual estão oportunidades e resultados, mas também se originam as ameaças ao sucesso e à sobrevivência de toda a empresa.

Este texto trata das ferramentas requeridas pelos executivos para gerar as informações de que necessitam e também dos conceitos subjacentes a essas ferramentas. Algumas delas existem há muito tempo, mas raramente ou nunca foram dirigidas à tarefa de se administrar uma empresa. Outras têm de ser reformuladas; em sua presente forma elas não funcional mais. Para algumas ferramentas que prometem ser importantes no futuro, até o momento tem-se somente especificações sumárias, elas ainda precisam ser projetadas.

Apesar de estar-se apenas no começo do entendimento de como usar as informações como ferramentas, pode-se delinear, com alta probabilidade de acerto, as principais partes do sistema de informações de que os executivos necessitam para administrar suas empresas. Assim, pode-se começar a compreender os conceitos que provavelmente serão a base da empresa – vão ser chamadas de corporação projetada – que os executivos terão de administrar no futuro. São estes conceitos:

1) da contabilidade de custos ao controle de rendimento;

2) da ficção legal à realidade econômica;

3) informações para a criação de riqueza e

4) onde estão os resultados.

Recrutamento e seleção: informaçoes que geram riqueza

As empresas são pagas para criar riqueza, não para controlar custos. Mas este fato óbvio se reflete nas medições tradicionais. Os alunos do primeiro ano do curso de ciências contáveis aprendem que o balanço retrata o valor de liquidação da empresa e fornecem aos credores informações sobre a pior hipótese. Mas as empresas normalmente não são dirigidas para serem liquidadas. Elas devem ser administradas como negócios permanentes, isto é, para

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a criação de riqueza. Isto requer informações que possibilitem aos executivos fazer julgamentos informados. São necessários quatro conjuntos de instrumentos para diagnóstico: informações básicas, informações sobre produtividade, informações sobre competência e informações a respeito da alocação de recursos escassos. Em conjunto, eles constituem o instrumental do executivo para administrar os negócios correntes.

Informações básicas. O conjunto mais antigo e mais amplamente usado de instrumentos gerenciais de diagnóstico são as projeções de fluxo de caixa, de liquidez e medições padrão, como: a relação entre os estoques dos revendedores e as vendas de carros novos, a cobertura de ganhos para pagamentos de juros sobre uma emissão de bônus e as relações entre contas a receber pendentes há mais de seis meses, o total de contas receber e as vendas. Estas podem ser comparadas às medições que um médico faz num exame de rotina: peso, pulsação, temperatura, pressão arterial e exame de urina. Se essas leituras normais, não significarão muito.

Se anormais, indicam um problema que precisa ser identificado e tratado. Essas medições podem ser chamadas de informações básicas.Informações sobre produtividade. O segundo conjunto de instrumentos para diagnóstico de empresas trata com a produtividade de recursos-chave. O mais antigo deles – da época da Segunda Guerra Mundial – mede a produtividade do trabalho manual. Hoje está-se desenvolvendo lentamente medições, embora ainda um tanto primitivas, para a produtividade do trabalho em serviços e daquele baseado no conhecimento. Porém, a medição apenas da produtividade dos trabalhadores, sejam eles operários ou de escritório, não responde com mais informações adequadas a respeito da produtividade. São necessários dados sobre a produtividade da totalidade dos fatores.

Isto explica a popularidade da análise econômica do valor adicionado (EVA). Esta baseia-se em algo conhecido há muito tempo: aquilo que geralmente é chamado de lucros – o dinheiro que restou para servir ao valor líquido normalmente não é. Até que uma empresa retorne um lucro maior que seu custo de capital, ela opera com prejuízo, não importa se ela paga impostos como se tivesse lucro real. Ela ainda está devolvendo à economia menos recursos do que consome, não cobre os custos totais, a menos que o lucro registrado exceda o custo de capital. Até então, não cria riqueza, mas a destroi. A propósito, por este critério, poucas empresas americanas têm sido lucrativas desde a Segunda Guerra Mundial.

Pelo fato de medir o valor adicionado em relação a todos os custos inclusive o custo de capital, a EVA mede, com efeito, a produtividade de todos os fatores de produção. Ela sozinha não informa por que um certo produto ou serviço não adiciona valor, nem o que fazer a esse respeito, mas mostra o que é preciso descobrir e se é necessário ou não tomar providências corretivas. A EVA também deve ser usada para descobrir o que funciona. Ela mostra qual produto, serviço, operação ou atividade tem uma produtividade incomumente alta e adiciona um valor incomumente alto. Então, deve-se perguntar: “O que é possível aprender com estes sucessos?”.

O mais recente dos instrumentos usados para a obtenção de informações sobre produtividade é o benchmarking – a comparação do desempenho de uma empresa com o melhor de todas as indústrias. O benchmarking supõe corretamente que aquilo que uma organização faz pode ser feito igualmente por outra e, também quer ser no mínimo tão bom quanto o líder é um pré-requisito para a competitividade. Em conjunto, a EVA e o benchmarking provêm os instrumentos de diagnóstico para se medir a produtividade da totalidade dos fatores e administrá-la.

Informações sobre competência. Um terceiro conjunto de instrumentos trata de competências. Desde a publicação do artigo pioneiro de C.K. Prahalad e Gary Hamel, “As

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competências principais da corporação” (Harvard Business Review, maio-junho/1990, sabe-se que a liderança depende de ser capaz de fazer algo que os outros não podem fazer ou têm dificuldades para fazer, ainda que seja mal. Ela depende de competências essenciais, que combinam o valor de mercado ou para o cliente com uma capacidade especial do produtor ou fornecedor.

Alguns exemplos: a capacidade dos japoneses para miniaturizar componentes eletrônicos, a qual se baseia em sua tradição artística secular de pintar paisagens em diminutas caixas laqueadas, denominadas inro, e de esculpir todo um jardim zoológico sobre o botão, ainda menor, denominado netsuke, que segura a caixinha no cinto do portador; ou a habilidade quase única que a GM tem tido há mais de cem anos para fazer aquisições de sucesso; ou a habilidade, também única da Marks & Spencer para conceber refeições finas empacotadas e prontas para o consumidor de classe média que necessita a empresa para assumir e manter uma posição de liderança? Como descobrir se uma competência essencial está se fortalecendo ou enfraquecendo? Ou se ela ainda é a competência correta e de quais mudanças pode precisar?

Até o momento, a discussão de competências essenciais tem sido em grande parte anedótica. Várias empresas de médio porte altamente especializadas – um laboratório farmacêutico sueco e um fabricante americano de ferramentas especiais, para citar duas – estão desenvolvendo a metodologia para medir e administrar competências essenciais. O primeiro passo é manter um acompanhamento cuidadoso do próprio desempenho e daquela dos concorrentes, buscando especialmente sucessos inesperados e casos de mau desempenho em áreas nas quais isso não deveria acontecer. Os sucessos demonstram aquilo que o mercado valoriza e pelo que está disposto a pagar. Eles indicam os pontos em que a empresa goza de uma vantagem competitiva. Os insucessos devem ser vistos como indicações iniciais de mudanças no mercado ou do enfraquecimento das competências da empresa.

Essa análise também permite o reconhecimento prévio de oportunidades. Por exemplo, através do cuidadoso acompanhamento de um sucesso inesperado, um fabricante americano de ferramentas descobriu que pequenas oficinas japonesas estavam comprando suas ferramentas caras e de alta tecnologia. Embora estas não tivessem sido projetadas para serem usadas por elas. Isto permitiu à empresa reconhecer uma nova competência essencial: os japoneses foram atraídos para seus produtos porque eles eram fáceis de mante e reparar, a despeito da sua complexidade técnica. Quando esse conhecimento foi aplicado ao projeto de produtos, a empresa conquistou a liderança nos mercados de pequenas fábricas e oficinas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, grandes mercados nos quais ela nunca havia entrado antes.

As competências fundamentais deferem para cada organização; de certa forma, elas fazem parte da personalidade de uma organização. Mas toda organização – e não apenas as empresas – necessita de uma competência essencial: inovação, e também necessita de uma maneira para registrar e avaliar seu desempenho inovativo. Nas organizações que já fazem isto – entre elas vários grandes laboratórios farmacêuticos – o ponto de partida não é o desempenho da própria empresa, mas um cuidadoso registro das inovações em todo o campo durante um certo período. Quais delas foram realmente bem-sucedidas? Quantas foram nossas? Nosso desempenho é compatível com nossos objetivos? Com a direção do mercado? Com nossa posição de mercado?

Com nossos gastos com pesquisa? Nossas inovações bem-sucedidas estão na área de maior crescimento e maiores oportunidades? Quantas oportunidades de inovação realmente importante nós perdemos? Por que? Porque não as vimos? Ou porque nós as vimos, mas deixamos de lado? Ou porque as aproveitamos mal? É claro que grande parte disso é avaliação e não medição. O processo levanta mais perguntas do que responde, mas levanta as perguntas certas.

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Informações de alocação de recursos. A última área na qual são necessárias informações para se administrar a empresa para a criação de riqueza é a alocação de recursos escassos: capital e pessoal de bom desempenho. Estes dois transformam em ações quaisquer informações que a direção tenha a respeito dos seus negócios. Eles determinam os resultados da empresa.

A GM desenvolveu o primeiro processo sistemático de apropriações de capital há cerca de noventa anos. Hoje em dia, praticamente toda a empresa tem um processo de apropriação de capital, mas poucas o usam corretamente. Normalmente elas medem suas apropriações propostas de capital por um ou dois nos seguintes padrões: retorno sobre o investimento (ROI), período de retorno (Payback), fluxo de caixa ou valor presente descontado (VPL). Porém, é sabido há muito tempo – desde o início dos anos 1930 – que nenhum deles é o método correto. Para entender um investimento proposto, uma empresa precisa analisar todos os quatro. Oitenta anos atrás, isso teria exigido cálculos infindáveis. Hoje, um computador laptop pode fornecer as informações em poucos minutos. Também é sabido há muito tempo que os gerentes nunca devem analisar apenas uma proposta de apropriação entre oportunidades e riscos. Isto requer um orçamento de apropriação de capital para mostrar as opções – mais uma vez, algo que muitas empresas não fazem. Mais sério, porém, é o fato de a maior parte dos processos de apropriação de capital nem mesmo solicitarem duas informações vitais: 1) O que irá acontecer se o investimento proposto não produzir no mínimo três quintos dos resultados prometidos? Isso irá ou não prejudicar seriamente a empresa? 2) Se o investimento for bem-sucedido – especialmente se seus resultados forem superiores às nossas expectativas – com o que ele irá nos comprometer?

Ninguém na GM parece ter perguntado com o que o sucesso do Saturn iria comprometer a empresa. Em consequência disso, a GM poderá acabar matando seu próprio sucesso devido à sua incapacidade para financiá-lo. Além disso, uma solicitação de apropriação de capital requer prazos específicos: Para quando deve-se esperar quais resultados? Depois os resultados – sucessos, quase sucessos, quase fracassos e fracassos – precisam ser relatados e analisados. A melhor maneira para melhorar o desempenho de uma organização é medir os resultados das apropriações de capital em relação às promessas e expectativas que levaram à sua autorização. Como estariam hoje os Estados Unidos se essas informações sobre os programas do governo tivessem sido uma prática padrão nos últimos setenta anos?

Porém, o capital é apenas um dos recursos-chave da organização e está longe de ser o mais escasso. Em qualquer uma delas, os recursos mais escassos são pessoas de bom desempenho. Desde a Segunda Guerra Mundial, as forças armadas americanas – e até agora mais ninguém – aprenderam a testar suas decisões de colocação de pessoal. Hoje, elas determinam o que esperam dos altos oficiais antes de designá-los para comandos importantes e depois avaliam seu desempenho em relação a essas expectativas. Constantemente avaliam seu próprio processo de comandantes em relação ao sucessos e fracassos nas nomeações. Nas empresas, ao contrário, nomeações com expectativas específicas quanto àquilo que a pessoa nomeada deveria realizar e avaliações sistemáticas dos resultados são virtualmente desconhecidas. Em seu esforço para criar riqueza, os gerentes precisam alocar recursos humanos com os mesmos cuidados com os quais alocam capital. Os resultados dessas decisões devem ser registrados e analisados com igual atenção.

Sistemas de informação: adicionam valor e criam riqueza

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Os quatro tipos de informações (básicas, sobre produtividade, sobre competência e sobre alocação de recursos) falam somente a respeito do estado atual da empresa. Elas proporcionam informações e direções táticas. Para a estratégia, necessita-se de informações organizadas a respeito do ambiente. A estratégia precisa ser baseada em informações a respeito de mercados, clientes e não-clientes, de tecnologia na própria indústria e em outras, finanças mundiais e das mudanças na economia mundial. É aí que estão os resultados. Dentro da organização existem somente centros de custos, e o único deles é um cliente cujo cheque não foi devolvido.

As grandes mudanças também se iniciam fora da organização. Um varejista pode saber muito a respeito das pessoas que compram em suas lojas. Entretanto, por mais bem-sucedido que seja, nenhum varejista possui mais que uma pequena fração do mercado entre seus clientes; a grande maioria é de não-clientes. É sempre entre estes que as mudanças básicas se iniciam e se tornam importantes.

No mínimo a metade das novas tecnologias que transformaram uma indústria nos últimos setenta anos veio de fora da mesma. O papel comercial, que revolucionou as finanças nos Estados Unidos, não se originou nos bancos. A biologia molecular e a engenharia genética não foram desenvolvidas pela indústria farmacêutica. Embora a grande maioria das empresas vá continuar operando local ou regionalmente, todas elas enfrentam, ao menos potencialmente, concorrência global de lugares dos quais elas nunca ouviram falar. É claro que nem todas as informações sobre o exterior estão disponíveis. Por exemplo, não há informações – nem mesmo pouco confiáveis – sobre as condições econômicas na maior parte da China ou sobre se as condições legais na maioria dos estados sucessores do império soviético, mesmo onde as informações estão disponíveis, muitas empresas se esqueceram delas. Muitas empresas americanas instalaram-se na Europa nos anos 1960, sem nada perguntar a respeito da legislação trabalhista. As empresas europeias têm sido igualmente cegas e mal informadas em seus empreendimentos nos Estados Unidos. Uma causa importante do desastre com os investimentos imobiliários japoneses na Califórnia nos anos 1990 foi o desconhecimento de fatos elementares a respeito de zoneamento e impostos.

Uma séria causa de fracassos empresariais é a suposição comum de que as condições – impostos, legislação social, preferências do mercado, canais de distribuição, direitos de propriedade intelectual e muitas outras – devem ser aquilo que se pensa que são, ou ao menos o que se acha que deveriam ser. Um sistema de informações adequado precisa incluir informações que levem os executivos a questionar esta suposição. Elas devem levá-los a fazer as perguntas certas, não apenas lhes fornecer as informações que eles esperam. Isto pressupõe que os executivos sabem de quais informações necessitam e também que as obtenham regularmente. Finalmente, é preciso que eles integrem sistematicamente as informações às suas tomadas de decisões.

Algumas multinacionais – Unilever, Coca-Cola, Nestlé, as tradings japonesas e algumas grandes construtoras – têm se esforçado para construir sistemas que coletem e organizem informações externas. Mas a maioria das empresas ainda não iniciou essa tarefa.

Até as grandes empresas, em sua maioria, precisarão contratar terceiros para ajudá-las. A determinação daquilo de que a empresa necessita requer alguém que conheça e compreenda o campo altamente especializado da informação. Há informações demais e somente os especialistas sabem diferenciá-las. As fontes são totalmente diversas. As empresas podem gerar por si mesmas algumas das informações, por exemplo a respeito de clientes e não-clientes ou de tecnologias. A maior parte daquilo que elas necessitam saber do ambiente só pode ser obtida de fontes externas – de todos os tipos de bancos e serviços de dados, de publicações especializadas, de associações de classe, de relatórios do Banco Mundial e trabalhos científicos e de estudos especializados.

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Outra razão pela qual há necessidade de auxílio externo é que as informações têm de ser organizadas de forma a questionar a estratégia da empresa. Não basta fornecer os dados. Estes devem ser integrados à estratégia, testar as hipóteses da empresa e questionar sua perspectiva atual. Isto pode ser feito através de um tipo especial de software. A base de dados Lexis fornece informações a advogados, mas só dá respostas, não formula perguntas. Mas são precisos serviços que façam sugestões específicas de como usar as informações, façam perguntas relativas à empresa e às práticas do usuário e permitam consultas interativas. Ou pode-se terceirizar o sistema de informações externas, em especial para as empresas menores, venha a ser um consultor independente.

Qualquer que seja a maneira pela qual a satisfizermos, a necessidade de informações sobre o ambiente onde podem surgir as maiores ameaças e oportunidades irá se tornar cada vez mais urgente.

Muitos podem alegar que poucas dessas necessidades de informações são novas, o que é, em grande parte, verdade. Conceitualmente, muitas das novas medições têm sido discutidas há muitos anos e em muitos lugares. O que é novo é a capacidade técnica de processamento de dados. Ela possibilita que se faça de forma rápida e econômica aquilo que, há alguns anos, teria sido um trabalho laborioso e muito dispendioso. Há noventa anos, os estudos de tempos e movimentos tornaram possível a contabilidade de custos tradicional. Agora os computadores tornaram possível a contabilidade de custos baseada em atividades, que sem eles seria praticamente impossível.

Porém, o importante não são as ferramentas, mas os conceitos por trás delas. Eles convertem técnicas que eram consideradas distintas, para serem usadas isoladamente e para fins separados, num sistema de informações integrado. Este sistema torna possíveis diagnósticos, estratégias e decisões e da finalidade da informação: como uma medida na qual se baseiam as ações futuras, ao invés de um registro daquilo que já aconteceu.

A organização de comando-e-controle que surgiu em 1870 pode ser comparada a um organismo mantido unido por sua concha. A corporação que está surgindo agora está sendo projetada em torno de um esqueleto: a informação. A mentalidade predominantemente tradicional – mesmo que se usem sofisticadas técnicas matemáticas e um impenetrável jargão sociológico – sempre entendeu empresa como uma entidade que compra barato e vende caro. A nova abordagem define empresa como a organização que adiciona valor e cria riqueza.

Do fluxo de coisas para o fluxo de informações

O poder nas economias dos países desenvolvidos está mudando rapidamente dos fabricantes para os distribuidores e varejistas. O sucesso fenomenal da Wal-Mart, que tornou o falecido Sam Walton um dos homens mais ricos do mundo em menos de vinte anos, baseou-se justamente no fato de a cadeia controlar as operações de seus principais fornecedores. É a Wal-mart, e não o fabricante – por exemplo, uma Procter & Gamble - , que controla o que deve ser produzido, em que quantidade, quando deve ser entregue e para que lojas. Da mesma forma, no Japão, a Ito-Yokado Company controla o mix de produtos, a programação de fabricação e a entrega dos principais suprimentos, como Coca-Cola ou cerveja, às suas quatro mil e trezentas lojas 7-Eleven.

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Em ferragens, alguns distribuidores muito grandes – muitos deles de propriedade de lojas independentes às quais servem – chegam a projetar os produtos (ou no mínimo fazem a especificações para os mesmos), encontram um fabricante e determinam as programações de fabricação e datas de entrega. Um exemplo é a Servistar, uma empresa sediada em Butler, Ohio, que compra para quatro mil e quinhentas lojas em todo o país e é de propriedade das mesmas.

As cadeias de hipermercados que dominam o varejo de alimentos na França e na Espanha controlam igualmente o mix de produtos e as programações de fabricação e de entregas dos seus maiores fornecedores. O mesmo fazem as cadeias de lojas de descontos que estão assumindo uma participação crescente no mercado americano de produtos para escritórios. Nos Estados Unidos, o hospital comunitário independente não é mais o cliente principal para produtos de saúde. As compras agora são feitas por cadeias com fins lucrativos, como Humana, por cadeias de voluntários, por cadeias pertencentes a congregações religiosas, católicas ou luteranas. Elas fixam as especificações dos produtos, encontram o fabricante, negociam o preço e determinam as programações de fabricação e entregas.

A distribuição está se concentrando cada vez mais; a manufatura, ao contrário, está se dividindo cada vez mais. Meio século atrás, três grandes fabricantes dividiam o mercado americano. Hoje ele está dividido entre dez – as Três Grandes de Detroit, cinco japonesas e duas alemãs. Mas há meio século, oitenta e cinco por cento de todas as vendas de carros no varejo eram feitas em revendas de uma única loja; mesmo as cadeias de três lojas eram pouco comuns. Hoje um número relativamente pequeno de grandes cadeias de revendas – não mais que cinquenta ou sessenta empresas – vendem dois quintos de todos os carros nos Estados Unidos. O revendedor de ontem trabalhava com apenas uma marca. As cadeias de hoje podem vender carros GM numa revenda, toyota na revenda do outro lado da rua e BMW na cidade mais próxima. Eles têm pouco compromisso com qualquer fabricante; seguem aquilo que seus clientes desejam.

Em meados dos anos sessenta, a Servistar (então chamada American Hardware) comprava menos de vinte milhões de dólares por ano e tinha seiscentas lojas associadas. Hoje ela atende quatro mil e quinhentas lojas e o seu volume anual de compras é de um bilhão e meio de dólares. Meio século atrás, cada uma das lojas de 7-Eleven no Japão cuida da loja, decide quais mercadorias ela vence e em que quantidade, compra as mercadorias, estoca, faz a exposição, financia a loja, faz sua contabilidde e treina seu pessoal.

Estes grandes distribuidores estão se tornando cada vez menos dependentes das marcas dos fabricantes. Meio século atrás, somente dois varejistas americanos vendiam com sucesso suas “marcas próprias”: a R.H. Macy e a Sears, Roebuck. A maior varejista de produtos alimentícios daquela época, a Great Atlantic and Pacific Tea Company, tentou imitar as duas. Suas parcas próprias eram superiores, mas o público recusou-se a comprá-las, quase destruindo a A&P. Hoje as marcas próprias estão florescendo.

A loja independente de materiais de escritório perto da então residência de Peter F. Drucker vende somente produtos de marcas de alcance nacional. Mas as únicas marcas de alcance nacional. Mas as únicas marcas de alcance nacional vendidas por uma loja recentemente aberta, pertnce a uma cadeia de lojas de descontos de materiais de escritório, são produtos que requerem assistência técnica, como computadores ou máquinas de fax, e elas respondem por menos da metade do volume da loja. Cada vez mais as cadeias de varejo usam a TV a cabo para promover suas marcas próprias; elas não dependem mais da propaganda dos fabricantes nas redes comerciais.

O que está por baixo desta mudança é a informação. A Wal-mart é construída em torno de informações das lojas. Sempre que um cliente compra algo, a informação vai diretamente –

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em tempo real – à fabrica. Ela é convertida automaticamente numa programação de produção e em instruções de entrega: quando enviar, como e para onde. Tradicionalmente, de vinte a trinta por cento do preço de varejo servia para se levar a mercadoria da plataforma de embarque do fabricante até a loja do varejista – a maior parte deste custo destinava-se á manutenção de estoques em três depósitos: o do fabricante, o do atacadista e do varejista. Estes custos estão em grande parte eliminados no sistema Wal-Mart, o que possibilita que a empresa venda mais barato que os seus concorrentes locais, apesar de os seus custos de mão de obra serem em geral mais altos.

No momento em que um cliente da 7-Eleven no Japão compra um refrigerante ou uma lata de cerveja, a informação vai diretamente à engarrafadora ou à cervejaria e se torna imediatamente uma programação de produção e de entrega, especificando até a hora em que o novo suprimento deve ser entregue e para qual das quatro mil e trezentas lojas, via sistema de informação Sistema de Gestão Empresarial – ERP (sigla em inglês).

Não seria necessário do computador para fazer o que a Wal-Mart e a 7-Eleven estão fazendo, segundo Peter F. Drucker. Há mais de setenta anos, a Mark & Spencer inglesa integrou informações do mercado e as programações de produção dos seus fornecedores e criou o primeiro sistema just-in-time. Em meados dos anos sessenta, a O.M. Scott de Marysville, Ohio, uma produtora de grama, sementes, fertilizantes e pesticidas, incorporou informações de mercado em tempo real ao seu sistema de fabricação. As duas empresas conquistaram quase que imediatamente a liderança em suas indústrias. Mas uma vez que o computador está aí e provê informações instantantâneas do mercado, a integração destas com a produção e a entrega torna-se inevitável.

Desde que Peter F. Drucker disse isso em seu livro Prática de Administração de Empresas (1954), passou a ser lugar-comum afirmar que os resultados estão somente no mercado; nos lugares onde as coisas são feitas ou movimentadas, existem apenas custos. Hoje em dia, todos falam da empresa movida pelo mercado ou movida pelo cliente. Mas enquanto não havia informações do mercado, as decisões (em especial as operacionais do dia-a-dia) tinham de ser tomadas como decisões da fabricação. Elas tinham de ser controladas por aquilo que acontece na fábrica e de ser baseadas nas únicas informações disponíveis à época, ou acreditava-se dispor: os custos de fabricação.

Agora que já estão disponíveis informações em tempo real sobre aquilo que acontece no mercao, as decisões serão cada vez mais fundamentadas no que acontece onde seus clientes finais, sejam donas de casa ou hospitais, estão comprando. Essas decisões serão controladas pelas pessoas que dispõem das informações – varejistas e distribuidores. O poder de decisão cada vez mais irá para o lado deles.

Uma implicação disto é que os produtores terão de estruturar suas fábricas para a fabricação flexível – palavra da moda para a produção organizada em torno do fluxo de informações do mercado, ao invés de em torno do fluxo de materiais como na fabricação tradicional. Quanto mais automatizada for a produção, mais importante isto será. A General Motors desperdiçou trinta bilhões de dólares na automação do processo tradicional, o que somente tornou suas fábricas mais dispendiosas, rígidas e menos ágeis. A toyota (e até certo ponto também a Ford) gastou uma fração daquilo que a GM gastou. Mas ela gastou o dinheiro estruturando a produção em torno de informações do mercado – em fabricação flexível.

Existe uma outra implicação importante. Quando, durante os últimos dez ou quinze anos, as empresas começaram a se organizar internamente em torno do fluxo de informações – hoje chama-se isto de reengenharia – descobriram imediatamente que não precisavam de tantos níveis gerenciais. Agora que se está no começo da organização em torno de informações

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externas, aprende-se que a economia necessita de muito menos intermediários. Elimina-se os atacadistas.

Por exemplo, na indústria de ferragens americana, os novos deistribuidores como a Servistar, estão fazendo aquilo que três níveis de atacadistas costumavam fazer. No Japão, a 7-Eleven eliminou de cinco a seis níveis de atacado. E esta tendência apenas começou.

A distribuição física também está mudando. Em uitas indústrias, o depósito está se tornando inútil e em outras está mudando de função. Hoje uma cadeia de supermercados de orte médio manuseia a metade de suas mercadorias sem qualquer armazenagem; elas vão diretamente do fabricante para as lojas. A outra metade ainda passa por um depósito, mas não é mantida lá, saindo em menos de doze horas, que logo serão reduzidas a três – no jargão de transportes, o depósito tornou-se um “pátio de distribuição”, ao invés de um local de permanência.

Isto também significa que a economia necessita cada vez menos dos financiamentos que por dois séculos proporcionaram aos bancos seus negócios mais seguros e lucrativos: empréstimos a curto prazo sobre os estoques. A queda aguda na demanda por esse dinheiro explica, em grande parte, por que os bancos nos países desenvolvidos estão vendo encolher suas operações de empréstimos comerciais, mesmo em tempos de grande atividade, e por que eles estão tentando compensar essa queda entrando em negócios imobiliários duvidosos, empréstimos a ditadores do Terceiro Mundo e jogando com derivativos (este alerta feito por Peter F. Drucker foi confirmado anos depois com a bolha imobiliária de dois mil e oito e a crise financeira iniciada em dois mil e quatorze e ser previsão de fim).

Mas a maior implicação é que a economia está mudando sua estrutura: de organizada em torno do fluxo de coisas e de dinheiro ela está passando a se organizar em torno de fluxo de informações.

Infraestrutura: setor público versus setor privado

Durante setenta anos, desde que a destruição da Segunda Guerra Mundial foi reparada nos anos cinquenta, uma expansão sem prececentes da economia mundial foi propelida pela demanda dos consumidores, culminando com a grande farra de compras dos países desenvolvidos nos anos oitenta. Mas existem evidências crescentes de uma profunda mudança estrutural – isto é, o crescimento e a expansão econômica não podem mais ser baseados na demanda dos consumidores.

Um sintoma: desde que o primeiro televisor apareceu no mercado, cada novo produto eletrônico de consumo tem provocado imediatamente uma explosão de compras, em especial no Japão. Contudo, quando vários novos produtos eletrônicos muito estimulantes foram lançados no Japão nos anos noventa, eles provocaram pouco mais que um bocejo.

Mais importante, os novos mercados não são de bens de consumo e nem são mercados para maquinário e fábricas (é provável que haja um excesso mundial de capacidade em fábricas, principalmente no Japão e na Europa Ocidental). Ao contrário, três dos novos mercados são para vários tipos de infraestrutura, isto é, para instalações que servem tanto aos produtores como aos consumidores. E o quarto novo mercado é para coisas que não são nem produtos nem serviços, em qualquer significado tradicional desses termos.

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O mais imediatamente acessível dos novos mercados envolve comunicação e informação. A demanda por serviços telefônicos nos países do Terceiro Mundo e do antigo bloco soviético é praticamente insaciável. Não existe um impedimento maior ao desenvolvimento econômico que um mau serviço telefônico, nem incentivo maior que um bom serviço. Um sistema telefônico é altamente intensivo de capital. Mas as tecnologias que substituem a fiação dos telefones tradicionais pelas irradiações dos telefones celulares estão reduzindo de forma radical o investimento de capital necessário. E uma vez instalado um serviço telefônico, ele começa a se pagar em pouco tempo, especialmente se tiver boa manutenção e não sofrer sucateamento.

No mundo desenvolvido, o mercado de informações e comunicações pode ser ainda maior. Tanto o escritório como a escola do futuro serão, provavelmente, construídos em torno de tecnologias de informação e comunicação (TICs). Já é sabido que a fábrica do futuro será organizada em torno de informação (através de automação, como pensava-se há trinta anos). A tecnologia já está em uso; precisa somente sofrer um processo de convergência ou ser adequadamente unitizada ou empacotada.

O segundo dos novos mercados – chamado de mercado ambiental – pode acabar representando uma oportunidade ainda maior que o primeiro. Ele tem três componentes separados, todos em rápido desenvolvimento:

1) O mercado para equipamentos de purificação da água e do ar. Nos Estados Unidos, a purificação da água nas fábricas americanas já foi reduzida em um terço desde mil novecentos e setenta e sete e sofreria, conforme previsão de Peter F. Drucker, uma redução igual até o ano dois mil. A poluição atmosférica pelas fábricas também foi drasticamente reduzida, ainda que ainda com muito por se reduzir. O Japão por estar à frente, ao passo que a Europa ainda está muito atrás. Mas as fábricas não são as maiores poluidoras do mundo. Por exemplo, quando se trata de poluição da água, os esgotos municipais são os piores transgressores. Esta tarefa não foi enfrentada em nenhum país, embora as tecnologias estejam disponíveis.

2) O mercado da agrobiologia. Este mercado irá substituir herbicidas e pesticidas por produtos não poluentes, principalmente biológicos. O primeiro deles acaba de aparecer no mercado. Os peritos da indústria acreditavam que até o ano dois mil praticamente todos os herbicidas e pesticidas usados pela agricultura nos países desenvolvidos seriam biológicos ao invés de químicos. Ainda que esta previsão não tenha sido confirmada até a segunda década do século vinte e um, é certo que este mercado ainda é promissor.

3) O mercado de energia. O maior componente do mercado ambiental – o mercado de energia – não iria ser tornar grande até depois do anos dois mil, segundo previsão de Peter F. Drucker.. Existe uma crescente necessidade de se reduzir as fontes de energia altamente poluentes, como a gasolina usada nos motores de carros, ou o carvão usado em usinas termoelétricas. As primeiras tecnologias para isso – celulas de energia solar e fornalhas a carvão não poluidoras – não são mais ficção científica; há mais de vinte anos elas já são economicamente viáveis, principalmente em épocas de hidrologia desfavorável à produção de energia por fontes hidráulicas.

O terceiro novo mercado não chega a ser realmente novo. Trata-se da crescente necessidade, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, de se reparar, completar e melhorar a infraestrutura física, em especial dos sistemas de transportes – rodovias, ferrovias, pontes, portos e aeroportos.

Grande parte da infraestrutura mundial tem mais de trinta anos e, nos países não desenvolvidos, a infraestrutura vem sendo negligenciada desde mil novecentos e vinte e nove ou desde a Primeira Guerra Mundial. Mesmo as super-rodovias japonesas datam dos anos

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sessenta: o sistema rodoviário dos Estados Unidos, no passado uma maravilha do mundo, é mais antigo. Nenhum sistema ferroviário europeu transporta mais de um décimo das cargas do seu país e todos dão prejuízo. O mesmo acontece no Japão: embora suas ferrovias transportem grande número de passageiros, elas são incapazes de servir à economia transportando cargas.

Em contraste, as ferrovias americanas estão razoavelmente conservadas – ao menos elas transportam quase dois quintos das cargas do país e têm lucros. Porém, mesmo nos Estados Unidos, os sistemas de transportes, sobrecarregados e com manutenção precária, não podem suportar uma atividade muito maior. Os transportes marítimos – a parte dos transportes que nos países desenvolvidos do mundo não comunista foi deixada para a iniciativa privada – estão em boa forma. Mas em outros casos, os sistemas de transportes do mundo poderão exigir dez anos ou mais de grandes investimentos, talvez comparáveis àqueles do grande impulso das ferrovias em meados do século dezenove.

E então vem o quarto novo mercado, aquele criado pela demografia. Trata-se do mercado para produtos de investimento para financiar a sobrevivência dos idosos.

O seguro de vida, que deveria se chamar seguro de morte, era um importante produto de investimento do século dezenove. Ele protegia a família contra a catástrofe econômica causada pela morte prematura do provedor do seu sustento. A nova indústria em crescimento em todos os países desenvolvidos é o seguro de sobrevivência – o fundo criado pela renda que os assalariados reservam para seu sustento depois que se aposentarem. Como todos sabem, os fundos de pensão tornaram-se os únicos capitalistas verdadeiros na economia americana. Eles estão rapidamente se tornando os verdadeiros capitalistas também os outros países desenvolvidos – e pela mesma razão: o número de pessoas que vivem muito além da idade de aposentadoria. Este fato cria uma demanda nunca vista antes por veículos de investimento.

Portanto, existe um amplo potencial para crescimento econômico, talvez mesmo para outros sessenta anos. A demanda está aí, e também os recursos tecnológicos e de capital. Mas este potencial não se encaixa com as suposições tradicionais – nem com as propostas dos Democratas americanos e dos Trabalhistas britânicos – de que o aumento dos gastos do governo irá estimular o consumo. Ele pouco fará, na visão de Peter F. Drucker, além de provocar inflação. O que é necessário não é mais consumo, mas sim investimento a longo przo e os empregos que eles criam.

As medidas propostas pelos Republicanos americanos e Conservadores britânicos para encorajar esses investimentos igualmente não têm, segundo Drucker, probabilidades de conseguir os resultados desejados. Elas assumem que os investidores são os ricos, quando na verdade, os investidores de hoje mal são afluentes. A contribuição individual típica para um fundo de pensão é muito inferior a dez mil dólares anuais e a compra típica de um fundo de pensão (o veículo de investimento preferido para poupadores individuais nos EUA) está por volta de dois mil e quinhentos dólares anuais.

É necessário algo totalmente diferente: a privatização da infraestrutura de mercado. As necessidades de comunicações, do meio ambiente e de transportes de mercado devem ser confiadas a empresas de propriedade de investidores, com fins lucrativos, operando em mercados competitivos. O que é competitivo, oligopólio ou monopólio no mercado de infraestrutura, isso já é outra discussão que não está proposta no presente texto. Existe um precedente para isto: o conceito da empresa de utilidade pública, inventado nos Estados Unidos na segunda metade do século dezenove. Ele possibilitou que as ferrovias, empresas de energia e telefônicas americanas permanecessem privadas e competitivas, enquanto em todas as outras partes do mundo esses serviços foram assumidos pelo governo quando as empresas privadas abandonaram o setor quando viram que este era incompatível com os objetivos de lucro. No Brasil, por exemplo, de mil oitocentos e vinte e dois (ano da independência) até mil novecentos

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e vinte e nove (ano da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque – NISE), este sistema liberal vigorou, sem contestação idelógica, como ideal. Depois de vinte e nove, o que se viu foi que as promessas do liberalismo não seriam cumpridas a todos, principalmente às ex-colônias na América Latina, África e Ásia. A partir daí, o setor público teve de tomar as rédeas da economia num sistema misto (estado/mercado) em movimentos pendulares por quase um século e ainda nem mercado nem governo assumiram a responsabilidade de cumprir tudo o que prometem em termos de prosperidade, desenvolvimento e inclusão social, em que pese a visão de Drucker ainda ser hegemônica entre Administradores dos setores público e privado.

Já é possível ver algum progresso na privatização dos mercados de infraestrutura em alguns lugares, ainda que não em todos. A Alemanha limpou há muito seu rio mais poluído, o Ruhr, tornando a não-poluição lucrativa para as empresas. E no Vale Central da Califórnia as parcelas de água dos fazendeiros foram transformadas em mercadorias comercializáveis, dando aos compradores incentivos para sua conservação e purificação.

A privatização é, na visão de Drucker, a única maneira de se assegurar de que as necessidades de infraestrutura serão satisfeitas. Nenhum governo do mundo hoje, segundo esta visão, dispõe de recursos suficientes para fazê-lo por conta própria, seja através de taxação ou de empréstimos. Por outro lado, o setor privado está na mesma situação se a área a ser considerada for o mundo todo e não apenas os trechos lucrativos. Contudo, o capital está aí, em abundância, como também as oportunidades para investimentos lucrativos. Outras informações sobre o tema podem ser obtidas no livro Administrando em tempos de grandes mundaças de autoria de Peter F. Drucker.

Política comercial: liderança ou reação

Entre os anos noventa a dois mil, segundo previsão de Peter F. Drucker, seria decidido como a Costa do Pacífico da Ásia iria se integrar a uma economia mundial que muda rapidamente. Seria como uma série de países independentes e economias competindo ferozmente entre si? Seria através de diversos blocos comerciais regionais, como sugeriu o primeiro-ministro da Malásia? Ou seria como um dos novos superblocos – e de longe o maior – como esses que estão se formando no Ocidente, cada um com livre comércio interno, mas fortemente protecionista em relação ao exterior? Qualquer que fosse a decisão, ela iria mudar profundamente as economias asiáticas e a política mundial, como realmente ocorreu. E a decisão está sendo forçada sobre os países da Costa do àcífico tanto por acontecimentos externos, isto é, no Ocidente, como pelo seu próprio crescimento econômico.

A rápida reformulação do Ocidente em superblocos regionais foi provocada pela conclusão da Comunidade Econômica Europeia – provavelmente o fato econômico mais importante da década de oitenta. Agora a América do Norte está no processo de se transformar num superbloco semelhante. A área de livre comércio da América do Norte (Nafta – sigla em inglês). Na realidade, tanto o Canadá como o México já estão tão integrados à economia dos Estados Unidos que nem era tão importante que o Nafta se tornado ou não lei. A única pergunta agora é se os outros países latino-americanos – primeiro o Chile, depois talvez a Argentina e eventualmente o Brasil. Aconteceu o Mercosul, que ainda sofre resistências. Todos seriam puxados para o superbloco norte-americano, assim como toda a Europa, a começar pela Grã-Bretanha, foi puxada para a Comunidade Europeia. Nem tudo ocorreu até o momento como o previsto por Drucker mas a queda de barreiras alfandegárias parece ser algo que ainda será considerado bandeira do comércio global.

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Esses superblocos nos quais o Ocidente está organizando sua economia estão criando as maiores e mais ricas áreas de livre comércio que o mundo já viu. Ao mesmo tempo, porém, tanto a União Europeia como o bloco norte-americano estão sendo inexoravelmente afastados do livre comércio com o mundo exterior e na direção de um novo protecionismo. Eles irão forçar agressivamente as exportações, protegendo ao mesmo tempo suas indústrias domésticas. E a principal razão não é econômica, mas muito mais forçosa: ela é social. A prioridade social, para a Europa Ocidental e para os Estados Unidos, terá de ser dada respectivamente aos empregos em manufatura na Europa oriental e no México. A alternativa é uma inundação d eimigrantes não qualificados ou de baixa qualificação, para os quais não há empregoss no país de origem. E como os eventos na Alemanha (e também em Lso Angeles) mostram claramente, essa imigração já ultrapassa aquilo que é social e politicamente administrável. Mas as únicas indústrias nas quais essas pessoas podem ser empregadas em seus países de origem – Eslováquia, Ucrânia ou México – são indústrias tradicionais, intensivas de mão-de-obra: têxteis, brinquedos, calçados, automóveis, siderurgia, construção naval e eletrônicos de consumo. Entretanto, essas são as indústrias de cujas exportações os países asiáticos da Costa do Pacífico em crescimento teriam de depender – as mesmas sobre cujas exportações os “milagres” asiáticos de ontem basearam seu crescimento inicial: o Japão nos anos sessenta e setenta e os “Quatro Tigres” mais tarde. E é claro que estas também são as indústrias nas quais as economias em crescimento de hoje – China Tailândia, Indonésia – esperam basear seu crescimento.

Porém, mais importante que os eventos do Ocidente, é aquilo que está acontecendo na própria Ásia. A China enfrentará problemas enormes nos próximos anos – começando com a ameaça de inflação desastrosa e indo até a ameaça de violenta instabilidade política. Mas as áreas litorâneas do país, com trezentos a quatrocentos milhões de pessoas competentes e ambiciosas, deveriam, na previsão de Drucker, ser uma das grandes potências econômicas do mundo por volta do ano dois mil. A produção e a renda per capita ainda serão de um país em deenvolvimento e não de um país desenvolvido. Mas a produção industrial total na China litorânea poderá ser tão grande em dez anos, a ponto de fazê-la competir pelo segundo lugar na indústri mundial – na década de noventa disputado por Japão e Alemanha, mas na primeira década do século vinte e um já foi confirmada a China nesta segunda posição mundial.

Como o Japão e os Quatro Tigres, a China litorânea será voltada para exportações em seu desenvolvimento econômico. Mas o principal mercado de exportação para seus produtos é o doméstico: as oitocentos milhões de pessoas no vasto interior do país, as quais diferem bastante dos habitantes das áreas litorâneas em termos econômicos, sociais e culturais. Com o Japão há sessenta anos, a China litorânea não irá necessitar de grandes investimentos como a Europa Ocidental precisou para sua reconstrução após a Segunda Guerra Mundial. A região tem uma das maiores taxas de poupança do mundo (mesmo que seja porque até recentemente havia muito pouco que comprar). E agora que as decisões de investimento estão, em sua maioria, sendo tomadas por indivíduos e no mercado – ao invés de burocratas partidários do planejamento cental – a produtividade do capital parece ser bastante alta (embora ainda seja inferior à do Japão nos anos sessenta e setenta). Porém, a China litorânea irá necessitar de grandes volumes de moedas estrangeiras. Na opinião de Peter F. Drucker, dentro de poucos anos as exportações de que a China litorânea irá precisar para cobrir suas necessidades de moeda estrangeira serão maiores que as exportações cobinadas de todos os outros países da Costa do Pacífico na Ásia, exceto Japão.

Mas quem irá comprar essas exportações? Praticamente todos os países da região terão indústrias das quais já existe um grande excesso de capacidade no mundo desenvolvido. Os países desenvolvidos da Costa do Pacífico Asiático, com cingapura à frente, estão deixando rapidamente as indústrias intensivas em mão-de-obra tradicionais. No ano dois mil, até mesmo o Japão já teria, na previsão de Drucker, deixado de exportar automóveis para os países desenvolvidos do Ocidente, produzindo-os naqueles países. Mas os países em deenvolvimento – em especial em desenvolvimento rápido – não têm escolha. A Tailãndia e a Indonésia enfrentam praticamente o mesmo problema. Mas a China litorânea, devido à sua enorme

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população e ao seu crescimento explosivo, é o lugar onde o problema será maior. Para o então governo do presidente Bill Clinton, eliminar o déficit comercial com a China já era uma prioridade máxima á época. E a União Europeia não tem a menor intenção de permitir a entrada de produtos chineses que concorram com os produtos de indústrias europeias deprimidas.

Isto exige algo totalmente novo: liderança asiática em política comercial. Até agora os países asiáticos só reagiram às políticas comerciais dos países desenvolvidos. Até mesmo a política comercial do Japão tem se limitado, até agora, a uma hábil exploração da política comercial dos Estados Unidos (ou da ausência dela). Agora são necessárias ações asiáticas, pois somente os asiáticos podem integrar uma Ásia em rápido desenvolvimento à economia mundial. Mas de onde virá esta liderança.

Serviços: um recado para a China que vale para os Brics

A China Litorânea, lar de quatrocentos milhões de pessoas de cultura mercantil e urbana, foi a economia de crescimento mais rápido do mundo ao longo da década de noventa. Mas agora ela, como o restante do país, enfrenta sérios problemas.

Para evitar uma inflação descontrolada, milhares de empresas estatais improdutivas e não lucrativas, que empregam milhões de trabalhadores e constituem uma vital base de poder para o Partido Comunista Chinês (PCCH), precisam ser eliminadas. As tensões sociais estão crescendo à medida que cada vez mais camponeses vão para as cidades superpovoadas, onde não há habitação, nem serviços de saúde e os empregos são muito poucos. Já começou uma lluta em âmbito nacional pelo poder, em antecipação à morte da liderança octogenária. Seus sucessores poderão não ser democratas, na visão de Peter F. Drucker.

Todavia, se os efeitos internos do crescimento da China são inquietantes, os efeitos externos são potencialmente desestabilizadores. Não se pode interpretar como sinal de paz o fato de os militares chineses – sem nenhum inimigo estrangeiro á vista – comprarem ansiosamente todas as armas de alta tecnologia que a Rússia, faminta por dinheiro, lhes oferece. O mundo está confuso com um dragão comercial chinês que exporta como capitalista, mas importa como um comunista, e precisa encontrar novas maneiras para enfrentar o desafio desta potência emergente.

O comércio é um bom exemplo. A política comercial dos Estados Unidos da América (EUA) em relação à China deveria se basear na suposição de que, nos primeiros anos do século XXI, a China litorânea poderá se tornar uma das maiores potências econômicas em termos de produto nacional bruto (PNB), produção industrial e exportação industrial.

Contudo, uma abordagem convencional aos problemas de comércio bilateral poderá deixar de considerar o tipo de relação comercial, fundamentalmente diferente, que uma China moderna precisará ter com o mundo. Isto porque a China será, provavelmente, o primeiro país onde a balança de pagamentos, e não a comercial, será a chave para as relações econômicas.

De fato, ela poderá ser o primeiro país a ser integrado à economia mundial através de serviços ao invés do comércio de produtos.

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É claro que o mundo chinês precisa se abrir aos produtos estrangeiros. Em certos aspectos, ele é muito mais fechado do que o Japão jamais foi. Mas mesmo que as portas da China se abram completamente, é duvidoso se o país irá se tornar um grande mercado para produtos estrangeiros. Apesar da enormidade do seu mercado – mais de um bilhão de pessoas com rendas crescendo rapidamente – e de um apetite insaciável por marcas estrangeiras, a China não irá importar Coca-Cola e calças jeans Levis. Ao contrário, esses produtos serão fabricados na China – através de joint-ventures, franquias, licenças e alianças de todos os tipos (em mil novecentos e oitenta e três, a Coca-Cola assinou um contrato com o governo em Pequim para investir cento e cinquenta milhões de dólares em dez instalações de engarrafamento na China para os cinco anos posteriores ao acordo).

A razão para isso é social: a fabricação será o principal veículo para acomodar a transição dos camponeses chineses do feudalismo rural para a era moderna. Nos próximos dez anos, metade da população da China poderá estar empregada em fábricas. Tudo aquilo que puder ser feito lá, será – e isto significa a maioria dos produtos manufaturados.

A derrubada das barreiras à importação de bens precisa ser providenciada. Porém, é muito mais importante criar uma estrutura legal e administrativa para que um estrangeiro possa operar na China como parceiro. Hoje em dia, as leis muitas vezes não são aplicadas, e em alguns casos, nem mesmo publicadas. Quase não existe proteção para um licenciante ou sócio minoritário e há pouco respeito pelos direitos da propriedade intelectual. Uma política comercial com a China precisará estabelecer e salvaguardar o acesso a parcerias.

Isto posto, as maiores oportunidades para estrangeiros numa China em rápido crescimento não estão em fabricação, mas sim em serviços.

Considere, por exemplo, o ensino. A despeito de um índice de alfabetização de setenta e três por cento, o sistema universitário chinês é um dos mais atrasados do mundo e é incapaz de suportar um crescimento econômico sustentado. Há pouco mais de um milhão e meio de universitários na China, uma proporção em relação à população inferir à dos EUA há um século. Até mesmo a Índia, com um índice de alfabetização cinquenta por cento menor que o da China, tem proporcionalmente quase quatro vezes mais universitários. Pior ainda, a maior parte do ensino universitário chinês prepara os alunos para carreiras burocráticas que servem mais para impedir que os outros façam do que para conseguir que as coisas sejam feitas.

A menos que isso mude, - e depressa – o crescimento da China será abortado pela escassez de engenheiros e químicos, estatísticos e contadores, médicos e enfermeiros, gerentes e professores. Há sessenta anos, quando enfrentou um problema semelhante, a Coreia do Sul enviou milhares de jovens às universidades americanas para serem trinados; eles então criaram o “milagre coreano”, que transformou um país rural pobre, devastado pela guerra, num dos quatro tigres em menos de trinta anos.

Mas o problema educacional da China não será aliviado pelo envio de quarenta mil estudantes do exterior por ano, como ela faz hoje. É necessária uma reforma maciça e imediata do sistema de ensino do país – um trabalho que somente poderá ser feito por prestadores externos de serviços em larga escala que concebam, planejem e estabeleçam as instituições de ensino necessárias. Existem prestadores qualificados de serviços deste gênero – as escolas politécnicas inglesas, por exemplo, são bem treinadas para tais empreendimentos, assim como muitas universidades americanas que em geral prestam esses serviços como atividade caritativa. Entretanto, essa generosidade ignora um mercado em potencial. Se esses empreendimentos forem organizados e dirigidos profissionalmente, haverá dinheiro a ser ganho. Várias americanas já têm filiais no Japão, e não é inconcebível que o ensino superior venha um dia a se tornar a maior “exportação” americana à China e a fonte de grandes ganhos. Os serviços de saúde oferecem oportunidades semelhantes. A visão falha de Mao Tse Tung, de

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uma China cuidada por médicos descalços, ainda é hoje a caricatura que era há cinquenta anos. São necessários prestadores de serviços experientes (e isto significa estrangeiros) que planejem, projetem, construam e administrem instalações de serviços de saúde e treinem as equipes médicas. Os hospitais necessários poderiam ser construídos bem depressa: os hospitais de campanha dos militares americanos, desenvolvidos ao longo dos últimos sessenta anos e testados na guerra com o Iraque, podem ser um protótipo.

Os serviços financeiros, o sistema circulatório de uma sociedade moderna, proveem outra grande oportunidade de mercado. Os serviços financeiros chineses estão em pior forma que o ensino superior ou os serviços de saúde. Em outras palavras, a China tem uma taxa de poupança muito elevada, mas não tem como colocar o dinheiro em uso produtivo. Ela carece de estruturas legais para uma indústria financeira: suas instituições financeiras são primitivas e seu pessoal mal trinado. Uma infusão de bancos comerciais e de investimento, instituições de poupança e crédito, seguradoras, fundos mútuos e os dados que eles forneceriam, ajudaria a desenvolver um sistema que os chineses não poderão por si mesmos, ao menos não na extensão que necessitam e no prazo de que dispõem.

De que mais necessita a China? Ela necessita de telecomunicações e serviços de informação em escala maciça. A necessidade é tão grande e a China tão atrasada, que ela terá que passar por cima de um século de tecnologia Ocidental e saltar diretamente para as formas mais modernas de telecomunicações sem fio – telefonia por ondas curtas, transmissão via micro-ondas e satélites para vencer as enormes distâncias nas áreas rurais.

O mesmo se aplica à última grande necessidade de desenvolvimento da China: transportes. A China tem excelentes portos naturais, mas poucos estão preparados para eceber muito tráfego ou muita carga. E os poucos que estão carecem de rodovias e ferrovias para levar os bens ao interior do país. Quase sete décadas se passaram desde que as últimas linhas ferroviárias foram construídas, e muitas delas são de bitola estreita, possuem pátios de manobra obsoletos e ainda funcionam a vapor (até porque o carvão é a principal matriz energética chinesa).

Portanto, a medida de sucesso nas relações comerciais com a China é a venda de serviços e não de bens. Isto certamente não é livre comércio. Porém, por mais desejável que possa ser, o livre comércio não é uma política possível para a China – pelo menos até que o enorme excesso de população das fazendas tenha sido absorvido pela sociedade urbana e por empregos urbanos.

Uma política comercial focalizada em serviços com a China será criticada, especialmente por sindicalistas, por não criar empregos. Mas este é um argumento de ontem. Em todos os países desenvolvidos, a maioria dos empregos, em especial os bem remunerados, está precisamente nas indústrias que mais se beneficiariam com uma política comercial focalizada em serviços: engenharia, projeto, serviços de saúde, ensino, administração, treinamento e assim por diante. O importante é que essas áreas de serviços são aquelas nas quais a emergência da China como grande potência econômica cria oportunidades. É nelas que estão os mercados.

Japão: uma transição econõmica que leva junto seus parceiros comerciais

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O Japão S. A. Está em desordem. Individualmente, as empresas japonesas competem com a mesma agressividade de antes no mercado mundial. Mas não existe mais uma política distintamente japonesa, e menos ainda em economia. Ao contrário, a norma são ajustes de curto prazo e reações temerosas ao inesperado. Como no Ocidente, não são substitutos para a política e têm pouco ou nenhum sucesso. Uma parte do problema é que nenhuma das opções de que o Japão dispõe parece atraente: nenhuma produziria consenso. Ao invés disso, elas causariam divisão entre os grupos mais importante da nação – burocratas, políticos, líderes empresariais, acadêmicos e trabalhadores. Os jornais japoneses estão repletos de protestos contra a “fraca liderança”. Mas este é somente um sintoma. O problema básico é que os quatro pilares que sustentaram a política japonesa por mais de trinta anos cederam ou estão balançando.

O primeiro pilar da política japonesa era a crença de que o Japão era tão importante como baluarte contra o comunismo que os Estados Unidos da América (EUA) subordinariam seus interesses econômicos à manutenção da estabilidde política de Tóquio e á aliança estratégica EUA-Japão. Durante os anos setenta e oitenta, o embaixador americano Mike Mansfield afirmou muitas vezes a prioridade das relações políticas entre os dois países sobre todas as outras considerações. As mesmas prioridades foram claramente mantidas no governo George Bush (pai). Os japoneses supuseram, e corretamente, que por mais que os americanos latissem, a mordida seria apenas de leve e não tiraria sangue.

Agora o Japão precisa questionar essa suposição. O governo Clinton subordinou interesses econômicos americanos a alianças políticas? Parece que não, em nome do sustentação da ideia de que o fortalicimento da golbalização torna estas práticas obsoletas. É claro que a América se declara comprometida com a defesa do Japão, caso o país seja atacado por forças armadas. Porém, os japoneses estão começando a compreender que os EUA irão cobrar um preço econômico cada vez mais alto por este suporte político – exatamente quando a China, a grande vizinha do Japão, tornou-se a única grande potência mundial que está aumentando seu poder militar. Os europeus, que nunca concordaram com a tese de Mansfield, estão menos embaraçados. Nos próximos anos, a Europa estará decidindo não só quantos itens de fabricação japonesa deixará de entrar, mas também se produtos lá fabricados por empresas japonesas poderão ser vendidos livremente e em grandes quantidades nos mercados europeus.

O segundo pilar da política japonesa era a crença de que suas empresas poderiam dominar os mercados mundiais projetando tendências ocidentais e fazendo melhor e mais rápido aquilo que os ocidentais faziam devagar e timidamente. Esta estratégia, usada primeiramente pela Sony no início dos anos sessenta para rádios transistorizados (que substituíram os valvulados. Depois disso já surgiram os de circuito integrado – CI e por último os de Ship e Microship, impactando no tamanho dos aparelhos) e seguida pouco depois por fabricantes de câmeras e copiadoras, foi bem-sucedida em inúmeras ocasiões. Ela ainda pode ser um sucesso – como demonstra a maneira pela qual os japoneses aumentaram sua participação em relação aos fabricantes europeus de carros de luxo no mercado americano nos últimos anos, ou tomaram o mercado de máquinas de fax dos americanos que as inventaram.

Mas esses sucessos não são mais uma certeza. A estratégia fracassou em computadores. Ao projetar para onda ia a IBM e então tentar superá-la, os japoneses perderam as indústrias em crescimento de estações de trabalho e deles. Em chips para computadores, eles deixaram de perceber a mudança para circuitos integrados especializados de alto valor e se concentraram em produtos de baixo valor, nos quais estão sendo agora fortemente pressionados por fabricantes de países com baixos salários. Em telecomunicações, os japoneses perderam a passagem para os telefones celulares, onde é provável que ocorra o crescimento do mercado mundial. Em eletrônicos de consumo e televisão de alta definição, onde os retornos ainda não se concretizaram, os japoneses estão mais uma vez na defensiva.

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Embora em termos quantitativos o superávit das exportações japonesas com os EUA tenha subido novamente, em termos qualitativos ele está deteriorando. Quase três quartos dele se devem a produtos de uma indústria antiga, com mercados saturados em todos os países desenvolvidos: automóveis. Mesmo nessa área, os japoneses não estão tirando vendas dos fabricantes americanos, mas dos produtos importados da Europa. A General Motors Company (GMC) ainda está perdendo participação, mas agora é para a Ford e a Chrysler.

O terceiro pilar tradicional de força do Japão era a suposição de que a economia doméstica do país era praticamente imune aos problemas externos. Em apoio a esta crença, havia o conhecimento de que as maiores importações são alimentos e matérias-primas e as maiores exportações são produtos manufaturados. Numa recessão, os preços das matérias-primas caem depressa e por mais tempo que os dos manufaturados – isto é, das exportações do Japão. Assim sendo, tanto os termos de comércio do Japão (sua força econômica relativa) como a balança comercial (sua força econômica absoluta) tendem a melhorar quando a economia mundial declina.

Esta equação ainda é válida e explica, em grande parte, o persistente superávit comercial japonês nos últimos anos. A depressão nos preços mudiais de alimentos e matérias-primas – agora em sua segunda década – constitui um enorme subsídio à economia japonesa. Em relação aos preços de produtos manufaturados, o Japão obtém suas matérias-primas e alimentos pela metade dos preços do ano de mil novecentos e setenta e nove. Contudo, o país está atolado numa recessão há década. Taxa de emprego, produção, lucros e investimento ainda estão em declínio, e isto parece ser determinado por tendências na economia mundial ás quais o país deveria ser imune.

O quarto pilar era o compromisso com uma política de longo prazo, com flexibilidade para abrir exceções, atender interesses especiais e aproveitar oportunidades. O compromisso era revisto periodicamente e, se necessário, atualizado ou revisado. A estratégia evitava remendos rápidos de curto prazo, cuja ineficácia colocaria em risco o consenso nacional.

Esse compromisso foi mantido por vinte e cinco anos até os anos de mil novecentos e oitenta e cindo, quando a flutuação do dólar supervalorizado levou a moeda a uma queda de cinquenta por cento em relação ao iene em poucos meses. Os japoneses entraram em pânico diante da ameaça às suas exportações, dois quintos das quais iam para os EUA. Para manter a política de emprego vitalício e a estabilidade social, o governo entrou numa campanha frenética para estimular o consumo doméstico, visando a repor as vendas e os lucros perdidos com as exportações.

É discutível se os fabricantes japoneses necessitavam realmente de uma dose tão forte de adrenalina econômica. A maioria ajustou-se rapidamente ao valor mais baixo do dólar e aos menores ganhos com exportações. Porém, necessário ou não, o estímulo ao consumo doméstico não poderia ter vindo em pior momento para a economia japonesa. Ele ocorreu exatamente quando o poder de compra e os estilos de vida estavam passando rapidamente de uma geração mais velha avessa ao consumo, ainda assustada pelas privações do tempo de guerra, para os yuppies nascidos depois da guerra. Assim, a política do governo disparou a maior farra de consumo da história econômica e uma tempestade especulativa nos preços dos imóveis e das ações. No ano de mil novecentos e oitenta e nove, no auge daquilo que os japoneses chamam hoje de “economia de bolha”, as ações na Bolsa de Valores de Tóquio eram contadas a cinquenta ou sessenta vezes seus ganhos antes do imposto (isto é, a um rendimento pós-imposto inferior a um por cento). Imóveis nos melhores bairros de escritórios de Tóquio eram hipotecados por até cinquenta vezes sua renda anual de aluguel.

A bolha estourou no início do ano de mil novecentos e noventa, com o mercado de ações perdendo a metade do seu valor em apenas alguns meses. Se os bancos e as

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companhias de seguros tivessem sido forçados a reduzir a valores realistas as suas ações e hipotecas, teria havido um colapso financeiro em massa. Ao invés de organizar uma retirada administrada e controlada – semelhante àquela que os americanos fizeram com os empréstimos a países latino-americanos e as hipotecas - , o Japão está fingindo que os prejuízos nunca ocorreram. Na primavera de mil novecentos e noventa e três, as compras maciças de ações e bônus pelo governo responderam por um terço do total de compras na Bolsa de Valores de Tóquio. A linha oficial é que os mercados “devem” subir tão logo a economia se recupere, permitindo que o governo venda seus papeis e até tenha lucro. Mas isso nuca funcionou. A própria existência desses papeis em poder do governo limita o mercado. E cada dia que se passa sem que a realidade financeira seja encarada torna o problema menos tratável, mais controverso e politicamente corrosivo.

A linha oficial no Japão ainda é que o país irá retornar à tradicional política de longo prazo logo que a situação voltar ao normal. É duvidoso que qualquer japonês bem-informado, dentro ou fora do governo, leve isso a sério. É provável que o Japão, em futuro previsível, não volt a ter uma política econômica. Ao contrário, ele irá se tornar cada vez mais parecido com os grandes países ocidentais, cuja falta de direção e indecisão econômica os japoneses riram por anos. Não haverá mais “Japão S.A.”, nem consenso, tampouco um grupo fixador de políticas dirigindo a economia através de orientação administrativa. Empresas, indústrias e grupos de interesse nacionais. Ao invés de uma política haverá medidas ad hoc de curto prazo e, talvez, uma imobilidade crescente (provavelmente acompanhada, como o Ocidente, por promessas cada vez mais grandiosas).

Esta dissonância política será universalmente deplorada no Japão, como o é no Ocidente, mas não será universalmente impopular. Os grandes fabricantes, em especial aquelas bem-sucedidos nos mercados mundiais, preferem uma volta aos dias de uma política econômica consistente nas mãos de uma forte burocracia governamental. Porém, muitos outros líderes empresariais japoneses estão desencantados com a orientação administrativa que os comprometeram, nos últimos quarenta anos com asneiras estratégicas como a ênfase em computadores de grande porte e supercomputadores e a manutenção dos monopólios em telecomunicações e equipamentos de telecomunicações.

Se não houver uma política de consenso e nem orientação administrativa, as empresas japonesas deverão se tornar as concorrentes mais duras no mercado mundial. Suas respostas às oportunidades e aos desafios do mercado serão mais rápidas. É provável que elas se esforcem ainda mais nos três pontos com os quais elas atacam seus concorrentes ocidentais: controle da economia de todo o processo de produção e distribuição, ao invés do controle contábil dos custos de cada etapa, qualidade absoluta e redução dos ciclos de desenvolvimento, produção e entrega através de investimentos para poupar tempo.

Muitas empresas já deixaram de lado a estratégia tradicional de adivinhar mais depressa que suas concorrentes ocidentais, dedicando-se a pesquisas genuínas visando a avanços inovativos. Assim como algumas empresas ocidentais prosperaram agindo inteiramente à sua própria maneira, algumas empresas japonesas deverão prosperar agindo à sua maneira ao invés da maneira japonesa. Mas é questionável se a economia japonesa como um todo irá melhor, sem uma política consistente de longo prazo e uma liderança forte, do que as economias voltadas para o curto prazo dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França ou da Alemanha.

Os Estados Unidos deveriam se abster – mas provavelmente não o farão – de se alegrar com os problemas japoneses. Uma crise financeira no Japão é a última coisa de que os Estados unidos ou qualquer um no mundo desenvolvido necessita. Nem é de interesse para a América que a segunda economia do mundo tenha um governo desorganizado e à deriva, ou uma sociedade cada vez mais desorientada. Tais condições somente poderiam significar que os japoneses iriam buscar um bode expiatório e o encontrariam nos americanos.

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Washigton deve pressionar Tóquio com muito mais energia pela eliminação dos obstáculos é entrada de bens, serviços e investimentos americanos em condições justas. O Japão não é tão protecionista quanto o público americano acredita, senão, as exportações de manufaturados americanos ao Japão não teriam quase dobrado no últimos quarenta anos, particularmente na área de produtos de alta tecnologia. Na verdade, como proporção do comércio total EUA-Japão, o déficit é hoje apenas uma fração daquilo que era há quarenta anos. E o Japão ainda é, de longe, o melhor cliente para alimentos e produtos florestais americanos, os quais os japoneses poderiam comprar facilmente de outros fornecedores ao mesmo preço e com a mesma qualidade.

Contudo, existem obstáculos reais às empresas estrangeiras no Japão. Bem ou mal, o desaparecimento da ameaça soviética significa que agora não há motivos pelos quais os Estados Unidos não devam exigir, para seus produtos, serviços e investimentos, o mesmo acesso de que gozam os japoneses nos mercados americanos, muito menos restritos.

Washington necessita de uma política comercial que focalize as áreas nas quais a remoção das barreiras japonesas fará realmente diferença. Isto significa, por exemplo, esquecer a proibição japonesa às importações de arroz. A insistência americana a respeito do arroz só ajuda os políticos japoneses, que habilmente culpam as pressões americanas pelas reduções dos subsídios, cada vez mais onerosos, aos plantadores de arroz japoneses, que são politicamente poderosos. Se algum país estrangeiro conseguir suprir o Japão com grandes quantidades de arroz, não serão os Estados Unidos, mas a Tailândia ou o Vietnã, que têm custos menores. E a penalização das importações de carros japoneses, uma providência pela qual as Três Grandes de Detroit vêm clamando, não passa de pura emoção; ela seria aplaudida pelo sindicato dos trabalhadores na indústria automotiva, mas não ajudaria Detroit em nada. Entretanto, ela ajudaria, em muito, as relações públicas dos grandes fabricantes de automóveis japoneses, pois essas exigências lhes dariam o pretexto de que tanto precisam para acelerar seus planos de transferir para suas fábricas nos Estados Unidos a produção destinada ao mercado americano, onde os custos estão mais baixos do que no Japão. Isto lhes daria uam desculpa perfeita para fazer o politicamente impensável, mas economicamente inevitável: demitir trabalhadores japoneses que têm empregos vitalícios.

Além de usar um pouco mais de inteligência e muito menos retórica nas relações com o Japão, a única coisa que Washington pode fazer é compreender a transição pela qual o Japão está passando. É preciso levar o Japão a sério, pois ele é o único grande cliente que resta para os produtos agrícolas e florestais dos Estados Unidos e um dos seus maiores clientes de produtos manufaturados. O Japão ainda é o único país não-ocidental plenamente desenvolvido e democrático e já teve a segunda economia do mundo, hoje com a China. O fato de aparentemente não haver, na atual administração, ninguém em posição para formular políticas que conheça ou se interesse muito pelo Japão não é de bom agouro.

EUA-Japão: a guerra fiscal e o déficit comercial

Há mais de trinta anos, governos dos Estados Unidos – Reagan, Bush pai e Clinton – têm reduzido a importância do valor cambial do dólar em relação ao iene (moeda japonesa). Todas as vezes que o dólar declina – e ele caiu, nesses trinta anos, de duzentos e cinquenta para cem ienes – os peritos dizem que “desta vez” o déficit comercial com o Japão certamente irá desaparecer. E sempre que o dólar declina, os japoneses gritam que a alta cotação do iene irá destruir suas indústrias e levá-los à bancarrota.

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De fato, as exportações de manufaturados americanos ao Japão quase dobraram nos últimos trinta anos. Mas elas aumentaram ainda mais depressa em paíese da Europa e da América Latina, onde o valor do dólar subiu. E a despeito do alto valor do iene, as exportações de manufaturados japoneses para os Estados Unidos cresceram quase tão depressa quanto as dete país para o Japão. Portanto, o déficit comercial permaneceu quase o mesmo, até aumentou um pouco desde a primeira desvalorização do dólar.

Na realidade, nem o comércio de mercadorias americanas nem as vendas e lucros das empresas japonesas mostram a menor correlação com a taxa cambial. Se existe alguma, é com os níveis relativos de atividade econômica nos dois países. Por exemplo, quando os lucros das manufaturas japonesas caíram fortemente nos últimos vinte anos, a causa principal não foi a queda nas exportações para os Estados Unidos, nem os ganhos menores com as exportações, mas sim uma queda aguda na economia doméstica, agravada pelos enormes prejuízos sofridos por essas empresas por especularem de forma temerária nos mercados de ações e imobiliário japoneses.

De acordo com a teoria econômica, isto simplesmente não poderia acontecer: o déficit comercial dos EUA com o Japão deveria ter desaparecido, ou pelo menos estar muito reduzido. E os técnicos de Washington ainda prometem que isto irá inevitavelmente acontecer na próxima vez. Mas se por três décadas inteiras o inevitável o inevitável não acontece, é melhor parar de prometê-lo. A política do dólar baixo dos governos americanos os últimos dez anos se baseou em hipóteses totalmente erradas a respeito da economia japonesa. O Japão, e não os Estados Unidos, é o beneficiário do dólar baixo.

A chave para este aparente paradoxo é que, em termos de fluxos de fundos, o Japão gasta tantos dólares com importações quanto ganha através de exportações. Naquilo que diz respeito ao comércio EUA-Japão de mercadorias, a taxa de câmbio é irrelevante: É claro que algumas empresas podem ser prejudicadas por um dólar mais baixo, mas outras se beneficiam com ele. E nas contas totais do comércio – isto é, no comércio combinado de mercadorias e serviços - , o Japão gasta mais dólares no exterior do que ganha com exportações. Quanto mais fraco o dólar, menos ienes ele tem que gastar para adquirir os dólares de que necessita para suas contas externas.

O Japão importa quatro quintos dos seus combustíveis e da sua energia, um pouco mais de um terço dos seus alimentos e todas as suas matérias-primas industriais. Em conjunto, estas três categorias constituem a metade das importações japonesas (em contraste, esses itens respondem por não mais que um quarto das importações dos Estados Unidos e por menos de um terço das importações da Alemanha). O Japão paga por todas essas commodities em dólares americanos, mesmo que, como no caso do petróleo, elas venham de outros países. De acordo com a teoria e a história econômicas, os preços de commodities deveriam ter subido, em dólares, na mesma proporção pela qual o dólar caiu, mas isso não aconteceu.

Ao contrário, durante os últimos trinta anos, os preços em dólares de alimentos, matérias-primas e petróleo caíram. Em ienes, o Japão, como maior importador desses itens, consegue uma incrível pechincha. A alimentação da sua população, o abastecimento das suas fábricas e o aquecimento das suas casas custam-lhe hoje pouco mais de um terço daquilo que lhes custavam há trinta anos. Como importador, o Japão se beneficia fortemente como iene alto: melhora o seu padrão de vida.

Das exportações japonesas, cerca de dois quintos são pagos em dólares – tudo o que é vendido aos Estados Unidos (hoje por volta de um quinto do total), quase tudo o que vai para a américa Latina e tudo aquilo que vai para os três países cujas moedas permanecem ligadas ao dólar americano: Grã-Bratanha, Austrália e Canadá. E estes dois quintos das exportações

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japonesas de mercadorias geram quase exatamente o número de dólares de que o Japão necessita para pagar por suas importações de commodities.

Em mil novecentos e noventa e dois – o mais típico em dez anos e quase metade do período - , a conta de importações de commodities do Japão foi de cento e dezoito bilhões de dólares; sua receita com as exportação pagas em dólares foi aproximadamente cento e vite bilhões de dólares. Na realidade, o Japão necessita de uns poucos bilhões de dólares a mais para cobrir seu déficit no comércio de serviços – quase todo pagável em dólares. Isto chega a cerca de dez bilhões de dólares por ano, mas significa somente que um dólar mais baixo dói ainda menos.

Além disso, o Japão necessita de dólares – muitos deles – para investir no exterior. Nos últimos dez anos, ele tornou-se um grande investidor direto no exterior, construindo fábricas e adquirindo participações em empresas por todo o mundo. Até aproximadamente vinte anos atrás, o grosso desses investimentos se dava nos Estados Unidos. Hoje, para ter acesso à União europeia, os japoneses estão investindo pesadamente no Reino Unido. Como a libra esterlina é a moeda europeia que permaneceu sincronizada com o dólar durante os trinta últimos anos, ela também se torna mais barata para os japoneses na medida que o dólar cai de valor.

Em resumo, no ano de mil novecentos e noventa e um, os japoneses precisaram cerca de cem bilhões de dólares para investimentos no exterior, os quais foram financiados pelas suas exportações a países cujas moedas não estavam ligadas ao dólar, mas eram bastante estáveis em relação ao iene (por exemplo, o marco alemão). Assim, o Japão conseguiu obter os dólares para investir nos Estados Unidos (e na Grã-Bretanha, no Canadá e Austrália) a preços excepcionalmente baixos.

Até agora, ninguém conseguiu explicar por que os preços mundiais de commodities não subiram proporcionalmente à queda do dólar em relação ao iene (e a todas as moedas fortes, com exceção da libra esterlina). Entretanto, qualquer que seja a resposta, ela certamente nada tem a ver com o comércio EUA-Japão. É possível afirmar que um dólar mais alto seria de fato a melhor maneira para reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos com o Japão – e dentro de três a cinco anos.

O comércio é cada vez menos determinado pelos tradicionais fatores de “vantagem comparativa” dos economistas; portanto, ele torna-se cada vez menos sensível ás taxas cambiais – a experiência dos EUA com o Japão é apenas um exemplo. Em escala crescente, o comércio acompanha os investimentos.

Uma parcela muito grande – e crescente – das exportações do Japão para os Estados Unidos, talvez suficiente para igualar todo o déficit comercial deste país com aquele, compreende peças, suprimentos e maquinário para as fábricas que o Japão construiu neste país e as empresas que aqui adquiriu. Por exemplo, se a Toyota constroi uma fábrica no Kentucky, a maior parte das máquinas e ferramentas que esta requer são compradas das empresas que há anos vêm fornecendo ás fábricas da Toyota no Japão. E o mesmo acontecerá com as peças para os carros que essa fábrica irá montar.

Os fabricantes americanos agem exatamente da mesma maneira quando investem em fábricas ou empresas no exterior. Porém, o dólar baixo tornou proibitivos os investimentos americanos no Japão. De fato, ele forçou um encolhimento da base de investimentos nos Estados Unidos naquele país. Várias empresas – a Honeywell é um exemplo – venderam suas participações em subsidiárias japonesas, ou porque não podiam pagar os ienes necessários à sua modernização e expansão, ou porque se aproveitaram do alto valor do iene para levantar os dólares de que necessitavam nos Estados Unidos.

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Um iene mais baixo iria, muito provavelmente, liberar um grande fluxo de investimentos americanos no Japão – hoje o segundo mercado mundial de consumo – e com ele um fluxo de exportações de produtos de alto valor agregado por mão-de-obra de alta qualidade. Mas também é possível que um dólar mais alto gere ganhos substancialmente maiores das exportações americanas do que as exportações de commodities ao Japão – o maior importador de commodities do mundo e, de longe, o maior destinatário das exportações americanas de alimentos e matérias-primas, como madeira.

Isto, porém, são conjecturas de Peter F. Drucker. O que está provado é que um dólar mais baixo não eliminou – e nem irá eliminar – o déficit dos Estados Unidos com o Japão. Tudo o que ele faz é permitir que o Japão consiga dólares mais barato.

Comércio internacional: empresas chinesas fora da China

Nos Estados Unidos, Europa e Japão, jornais e revistas estão repletos de histórias a respeito dos novos bilionários: o montante de chineses residentes no exterior que construíram enormes multinacionais, quase todos sediados em Hong Kong, Taipé ou Cingapura, mas também na Tailândia, Malásia e Indonésia. Estes magnatas, ainda que altamente visíveis e individualmente riquíssimos, são apenas a ponta de um enorme iceberg. Em sua maioria invisíveis e evitando cuidadosamente a notoriedade, existem muito mais multinacionais de propriedade de chineses fora da China. Em sua maioria, elas são de médio porte; suas vendas mundiais chegam a várias centenas de milhões de dólares. Em conjunto, porém, elas são muito maiores que todos os magnatas juntos.

Um exemplo é o grupo com faturamento anual de quatrocentos milhões de dólares construído por um chinês cujo avô foi para as Filipinas como trabalhador braças durante a Primeira Guerra Mundial. O grupo compreende dezesseis pequenas fábricas ao redor do mundo. Cada uma delas fabrica somente poucos produtos altamente sofisticados, normalmente para um ou dois clientes. Quatro fábricas – duas nos Estados Unidos, uma no Japão e outra no Reino Unido – produzem componentes pequenos, porém críticos, para estações de trabalho. Três fábricas – na Indonésia, nos Estados Unidos e no Reino Unido – produzem peças de precisão para dos dois maiores fabricantes mundiais de máquinas de costura: a Singer amercana e a alemã Pfaff, ambas, hoje propriedade de outro grupo de chineses residentes no exterior. E assim por diante.

Cada fábrica é incorporada como empresa legalmente independente, com suapropriedade registrada em nome do gerente local, que e cidadão do paíse onde está a fábrica, embora todos sejam descendentes de chineses. Mas esses gerentes, aparentemente independentes, são mantidos sob rígido controle. A propriedade real está cem por cento nas mãos do fundador em Manila. Cada fábrica reporta-se com detalhes e no mínimo duas vezes por semana, a diretor de operações do grupo, o qual acabou de mudar – juntamente com a equipe de cúpula do grupo – de Manila para Honolulu.

Ninguém sabe quantos desses grupos existem. Todos são de capital fechado, não publicam cifras nem relatórios anuais e são altamente sigilosos. Em Taiwan, onde muitos deles têm seus advogados, a melhor estimativa é de que há pelo menos mil deles. Também é desconhecido o porte da economia dos chineses no exterior. Uma estimativa frequente – acima de dois trilhões de dólares em investimentos – é altamente improvável, pois tornaria os investimentos desses chineses superiores àqueles dos Estados Unidos. No entanto, até mesmo quinhetos bilhões de dólares significariam que seus investimentos se aproximam daqueles dos

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japoneses. Os chineses residentes no exterior são, certamente, os maiores investidores na China continental. Eles levaram para lá mais dinheiro que os americanos ou japoneses, mais até que os investimentos do governo chinês na década de novent em sua própria economia. Portanto, eles são a força motriz por trás do explosivo crescimento econômico da região litorânea da China.

Com exceção da Coreia do Sul, a qual, de modo geral, está fechada a seus investimentos, eles também lideram as economias dos outros países de crescimento rápido do Sudeste da Ásia: não só as três ilhas com população majoritariamente chinesa – Hong Kong, Taiwan (ou Formosa) e Cingapura - , mas também a malásia (onde os habitantes de etnia chinesa constituem trinta por cento da população), A Tailândia (dez por cento), a Indonésia (dois por cento) e as Filipinas (um por cento). E eles estão se espalhando onde quer que haja até mesmo pequenas populações de habitantes de etnia chinesa como: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Europa. Os chineses residentes fora da China transformaram-se na nova superpotência econômica.

Externamente, os novos grupos multinacionais desses chineses são exatamente iguais às outras empresas. São incorporados como empresas, com um conselho de administração e diretores corporativos. Todavia, elas funcionam de uma forma drasticamente diversa de qualquer outra coisa na economia mundial. A melhor maneira para descrevê-las talvez seja como um clã que trabalha em conjunto. No grupo de manila, todos os gerentes das fábricas estão ligados ao fundador – e entre si – por laços de sangue ou matrimoniais, mesmo que distantes. “Nós nem sonharíamos em etnrar num novo negócio”, contou a peter F. Drucker o diretor de operações do grupo, “se não tivéssemos um parente disponível para dirigi-lo”. Este diretor de operações não é de etnia chinesa, mas um holandês – ele dirigia uma das grandes fábricas da Philips na Ásia. Mas ele é casado com uma sobrinha do fundador. E quando ele entrou para o grupo, o fundador lhe disse: “Não me importo com as concubinas ou amantes que você tenha. Mas no dia em que minha sobrinha e você se separarem ou entrarem com um pedido de divórcio, você pode procurar outro emprego”. A palavra do fundador e CEO é lei. Mas sua autoridade se parece mais com aquela de um chefe confuciano da família (ou de um chefe de clâ escocês do passado) do que com a do cabeça de uma empresa.

Espera-se que ele baseie suas decisões nos melhores interesses do clã e administre de forma a garantir sua sobrevivência e prosperidade. O que mantém unidas as multinacionais dos chineses residentes fora da China não é a propriedade, nem qualquer contrato legal, mas sim a confiança e as obrigações mútuas inerentes à qualidade do membro do clã.

Esta estrutura tem profundas raízes na cultura e na história milenares chinesas. Essa era a única maneira pela qual os comerciantes poderiam sobreviver num país que não tinha (e ainda não tem) lei civil e no qual não havia (e ainda não há) defesa contra um mandarim que podia ser arbitrário, era frequentemente corrupto e em geral desprezava o “comércio”. Portanto, a sobrevivência dependia da capacidade para transferir o dinheiro e o negócio para um primo distante da noite para o dia, sem contrato ou qualquer documento escrito. A única sanção neste sistema – porém, bastante eficaz – são a desgraça e o ostracismo por toda a comunidadd dos negócios para qualquer um que traia essa confiança.

Essa tradição é muito forte e explica, em grande parte, por que esses grupos conseguiram crescer tão depressa. Se existe um membro qualificado do clã disponível em determinado país ou indústria, o grupo pode conseguir sua adesão apelando para seu espírito de clã. Assim, ao contrário das empresas japonesas, o grupo não precisa esperar pelo desenvolvimento dos seus próprios gerentes para se expandir. Ao contrário da empresa ocidental típica, existe pouca resistência interna contra se trazer alguém de fora para uma alta posição; afinal, ele é da “família”. “Dez de nossos dezesseis gerentes de fábricas”, contou a Peter F. Drucker o diretor de operações do grupo de Manila, “trabalhavam para empresas ocidentais, mas estavam dispostos a entrar para o grupo do clã”. E como se aceita que o grupo

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deve ser dirigido para perpetuar o clã e sua prosperidade, um membro da família que se mostre preguiçoso ou incompetente pode ser impedido de alcançar um alto posto, ou mesmo posto para fora do negócio. O fundador e CEO do grupo sediado em Manila queria que seus dois filhos o sucedessem, mas os membros do clã que dirigiam as fábricas deixaram claro que não os aceitariam. Eles persuadiram o funddor a escolher como seu sucessor o diretor de operações holandês. A cabeça de outro grupo chinês na Malásia contou a Peter F. Drucker: “Meu dinheiro, eu posso deixar para quem eu escolher; meu poder tem que ser deixado para quem goza da confiança dos meus associados”. Dizem que os japoneses devem seu sucesso á sua capacidade para dirigir a corporação moderna como se fosse uma família. Os chineses residentes fora da China devem seu sucesso à sua capacidade para dirigir suas famílias como se fossem modernas corporações.

Apesar das suas forças, essas multinacionais chinesas terão de mudar muito na próxima década; de fato, em todos os lugares em que Peter F. Drucker esteve numa viagem ao sudeste da Ásia, as discussões centravam-se na necessidade de mudanças drásticas. Por um lado, os fundadores queainda dirigem os grupos estão ficando idosos.

O cabeça do grupo de Manila, por exemplo, está com setenta e três anos. Os sucessores dos fundadores cresceram num mundo bem diferente; muitos estudaram no Ocidente. “Nosso próximo CEO”, disse a drucker o segundo em comando de um grupo sediado em Taiwan (e em rápido crescimento), “não pode ser um “chefe de clã” ou “irmão mais velho” confuciano; ele terá que ser um formador e líder de equipes – foi isso que aprendemos nas ecolas americanas”. Além disso, para que as multinacionais de chineses residentes no exterior cresçam, em especial na China Continental, elas terão que entrar em joint-vetures de todos os tipos com estrangeiros – americanos, japoneses, europeus – dispõem da tecnologia para construir, por exemplo, as locomotivas de que a China necessita desesperadamente. Mas serão ncesssárias empresas que falam chinês para a manutenção e a assistência técnica dessas locomotivas. E joint-ventures, como entendem os membros mais jovens dos clãs, significam planos de negócios por escrito e acertos contrutuais claros – fatos minável: partilhar informações. Mas acima de tudo, as multinacionais dos chineses residentes no exterior não poderão crescer, a menos que aprendam a admitir “estranhos”, isto é, chineses de fora do clã. Se você precisar de um metalúrgico ou de um especialista em computação, o que importa é a competência da pessoa, não ao fato de ela pertencer ao clã. E ela esperará ser tratada como igual, caso contrário não ficará. Em todos os lugares em que Drucker esteve no Sudeste da Ásia, a maneira de tratar umestrano era o primeiro tópico levantado e um dos que provocavam mais controvérsias. “Para manter a coesão do clã, não podemos tratar como igual um chinês que não é seu membro”, diziam todos. “Porém, para que os negócios cresçam, precisamos fazê-lo”.

E existe, é claro, a grave incerteza sobre o futuro da China Continental. Somente poucos grupos, em sua maioria sediados em Hong Kong, têm todos os seus ovos no cesto chinês. Há mesmo alguns grupos – principalmente em Cingapura, mas também na malásia e na Indonésia – que se mantiveram fora da China Continental. Mas todos os chineses residentes no exterior sabem que seu futuro depende muito de como a China se sairá; e nos países em que eles são minoria (altamente invejada), esto é Tailância, Malásia, Indonésia e Filipinas, os chineses também sabem que sua sobrevivência econômica poderá depender da saúde e da força da China. Drucker diz não ter conhecido um só deles que não esperasse uma década de surpresas e turbulência para a China Continental.

Todos esses jovens chineses não-residentes que estão assumindo a administração do dia-a-dia das suas multinacionais – estavam confiantes de que seus grupos poderiam resolver com sucesso seus problemas sem perder seu caráter chinês básico. “Eles mudarão detalhes, mas não os fundamentos mais do que os japoneses quando se modernizaram”, disse a Drucker um advogado de Taipé que é o confidente de um grande número de líderes empresariais chineses. “E irá dar certo!”.

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Será que “Os segredos da administração chinesa” será o título do best-seller de Administração em breve?

Transformações sociais: afetando economia, administração e política

Nenhum século na história humana passou por tantas transformações sociais radicais como o século vinte. Estas transformações podem vir a ser os eventos mais importantes do século e seu legado duradouro. Nos países desenvolvidos e de mercados livres – que têm um quinto da população do mundo, mas são um modelo para os restantes – o trabalho e a força de trabalho, a sociedade e a forma de governo são, na última década daquele século, qualitativa e quantitativamente diferentes, não só daquilo que eram nos primeiros anos do mesmo, mas também de tudo que existiu em qualquer outro momento da história: em suas configurações, seus processos, seus problemas e suas estruturas.

Em períodos anteriores, mudanças sociais muito menores e mais lentas provocaram guerras civis, rebeliões e violentas crises intelectuais e espirituais. As extraordinárias transformações sociais do século XX mal causaram agitação. Elas ocorreram com um mínimo de atrito, de levantes e de atenção por parte dos estudiosos, políticos, da imprensa e do público. Este pode ter sido o século mais cruel e violento da história com suas guerras civis e mundiais, suas torturas em massa, limpezas étnicas, genocídios e holocaustos. Mas todos esses morticínios e horrores infligidos sobre a raça humana pelos carismáticos sanguinários daquele século não passaram disso: morticínios e horrores absurdos, som e fúria sem significado. Hitler, Stalin e Mao, três gênios do mal daquele século que só destruíram, nada criaram.

De fato, se aquele século provar alguma coisa, é a futilidade da política. Até mesmo o crente mais dogmático no determinismo histórico teria dificuldade para explicar que as transformações sociais daquele século foram causadas pelos eventos políticos que foram manchetes, ou vice-versa. Mas são as transformações sociais, como correntes oceânicas muito abaixo da superfície, que têm tido efeitos permanentes. Foram elas, e não toda a violência da superfície política, que transformaram não só toda a sociedade, mas também a economia, a comunidade e o estado em que se vive até hoje. A era da transformação social não terminou no ano dois mil – àquela altura ela nem havia chegado ao seu auge.

Trabalho e emprego: a tecnologia e as transformações sociais

Antes da Primeira Guerra Mundial, os agricultores compunham o maior grupo isolado em todos os países. Eles não mais constituíam a maioria em toda parte, como havia sido desde o alvorecer da história até o final das guerras napoleônicas, cem anos antes. Mas os agricultores ainda eram quase majoritários em todos os países desenvolvidos, com exceção da Inglaterra e da Bélgica, e também nos subdesenvolvidos. Pouco antes da Primeira Guerra, afirmava-se que os países desenvolvidos, com exceção da Inglaterra e da Bélgica, e também nos subdesenvolvidos. Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, afirmava-se que os países

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desenvolvidos – exceto o Canadá e os Estados Unidos – teriam cada vez mais de depender de importações de alimentos de áreas não industrializadas nem desenvolvidas.

Hoje somente o Japão, entre os principais países desenvolvidos, é um grande importador de alimentos (e desnecessariamente, pois sua fraqueza como produtor de alimentos resulta, em grande parte, de uma política obsoleta de subsídio à produção de arroz, a qual impede que o país desenvolva uma agricultura moderna e produtiva). Em todos os países desenvolvidos, inclusive o Japão, os agricultores hoje constituem no máximo cinco por cento da população e da força de trabalho, isto é, um décimo da produção e oitenta anos atrás. Os agricultores produtivos constituem menos da metade da população rural total, ou não mais que dois por cento da força de trabalho. Esses produtores agrícolas não são fazendeiros na acepção completa da palavra; eles atuam na agroindústria, certamente a indústria mais intensiva de capital, tecnologia e informação que existe. Os fazendeiros tradicionais estão próximos da extinção, até mesmo no Japão. E os que restaram transformaram-se numa espécie de protegida, mantida viva somente através de enormes subsídios.

O segundo maior grupo, na população e na força de trabalho de todos os países desenvolvidos por volta o ano mil novecentos, era composto pelos empregados domésticos. Eles eram considerados, assim como os agricultores, uma lei da natureza. As categorias de censo da época definiam um domicílio de classe média baixa como aquele que tivesse menos de três empregados e estes, como porcentagem da força de trabalho, cresceram até a Primeira Guerra Mundial. Oitenta anos mais tarde, os empregados domésticos praticamente não existiam nos países desenvolvidos. Poucas pessoas nascidas depois da Segunda Guerra Mundial – isto é, abaixo de setenta anos – chegaram a ver um, exceto no teatro ou em filmes antigos.

Na sociedade desenvolvida do ano dois mil, os fazendeiros eram pouco mais de objetos de nostalgia, e os empregados domésticos nem isso.

Contudo, essas enormes transformações em todos os países desenvolvidos foram realizadas sem guerras civis e em silêncio quase total. Somente agora, quando sua população rural chegou a quase zero, é que os franceses, totalmente urbanos, afirmam em altos brados que a França deveria ser um país rural, com uma civilização rural, na visão de Peter F. Drucker.

Mercado de trabalho: os trabalhadores do conhecimento superam em número a

classe operária

Uma das razões pelas quais as transformações causaram tão pouca agitação (de fato, a principal) foi que por volta do ano mil e novecentos uma nova classe, os operários da indústria manufatureira – os proletários de Marx – haviam se tornado socialmente dominantes. Os agricultores eram conjurados a produzir menos milho e mais confusão, mas não davam atenção a esses pedidos. Os empregados domésticos eram claramente a mais explorada de todas as classes. Porém, antes da Primeira Guerra Mundial, quando as pessoas falavam ou escreviam a respeito da questão social, elas se referiam aos operários das indústrias. Este ainda eram uma pequena minoria da população e da força de trabalho – até mil novecentos e quatorze eles constituíam de um oitavo a um sexto da mesma – e eram, de longe, superados pelas classes inferiores tradicionais dos agricultores e empregados domésticos. Mas a sociedade do início do século vinte estava obcecada pelos operários.

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Os agricultores e empregados domésticos estavam por toda parte, mas como classe eram invisíveis. Os empregados domésticos viviam e trabalhavam dentro das casas e fazendas, em grupos isolados de dois ou três. Os agricultores também estavam dispersos. E o mais importante é que essas classes inferiores tradicionais não eram organizadas e nem podiam ser. Na antiguidade, os escravos que trabalhavam em mineração ou na produção de bens revoltavam-se frequentemente – embora sempre sem sucesso. Mas Peter F. Drucker diz nunca ter visto, em algum livro que leu, qualquer menção de uma demonstração ou marcha de protesto de empregados domésticos. Houve muitas revoltas de camponeses. Mas com exceção das duas revoltas chinesas do século dezenove – a Rebelião de Taiping, em meados do século, e a Guerra dos Boxers, no seu final, as quais duraram anos e quase derrubaram o regime – todas as rebeliões de camponeses da história malograram depois de algumas semanas sangrentas. A história mostra que os camponeses são difíceis de se organizar e não permanecem organizados – razão pela qual eram desprezados por Marx.

A nova classe, os operários industriais, era extremamente visível, fator que fazia deles uma classe. Por necessidade, eles viviam em grupamentos populacionais densos e em cidades – em St. Denis, próximo a paris, em Wedding, perto de Berlin, em Ottakring, próximo a Viena, nas cidades têxteis de lancashire, nas cidades de aço do Monongahela Valley, nos Estados Unidos e, no Japão, em Kobe. Em pouco tempo eles mostraram ser altamente organzáveis, com as primairas greves ocorrendo quase tão logo quando houve operários fabris. O conto de Charles Dickens “Hard Times” sobre conflitos trabalhistas, foi publicado em mil oitocentos e cinquenta e quatro, apenas seis anos depois que Marx e Engels escreveram “O Manifesto Comunista”.

Em mil e novecentos já havia ficado claro que os operários não se tornariam a maioria, como Marx previra apenas algumas décadas antes. Portanto, eles não iriam subjugar os capitalistas somente pelo número. Contudo, Georges Soreal, o escritor radical mais influente do período anterior à Primeira Guerra Mundial, ex-marxista e revolucionário sindicalista, encontrou aceitação generalizada para sua tese de mil novecentos e seis, pela qual os proletários iriam suubverter a ordem existente e tornar o poder por sua organização e através e através da violência de uma greve geral. Não foi apenas Lenin que fez da tese de Sorel a base da sua revisão do Marxismo, em torno da qual construiu sua estratégia em mil novecentos de dezessete e mil novecentos e dezoito. Tanto Mussolini como Hitler – e Mao dez anos depois – construíram suas estratégias sobre a tese de Sorel. A frase de Mao, “O poder provém do cano de um fuzil”, é uma citação quase direta de Sorel. O operário tornou-se a questão social de mil e novecentos porque foi a primeira classe na história que podia ser organizada e permanecer assim.

Nenhuma classe na história jamais subiu rápido quanto a dos operários e nem caiu mais depressa.

Em mil oitocentos e oitenta e três, ano da morte de Marx, os proletários ainda eram uma minoria não só da população, mas também dos trabalhadores industriais. A maioria era constituída de trabalhadores qualificados empregados em pequenas oficinas, cada uma com no máximo vinte ou trinta funcionários. Dos anti-herois da melhor nova classe proletária do século dezenove, “The Princess Casamassima”, de Henry James – publicada em mil oitocentos e oitenta e seis (e só Henry James poderia ter dado tal título a uma história de terroristas – na visão de Drucker) – um é um encadernador de livros altamente qualificado e o outro um farmacêutico, igualmente qualificado e o outro um farmacêutico, igualmente qualificado. Por volta de mil e novecentos, trabalhador industrial havia se tornado sinônimo de operador de máquinas e significava trabalhar numa fábrica juntamente com centenas ou milhares de pessoas. Esses trabalhadores eram, de fato, os proletários de Marx – sem posição social, nem poder político, nem poder econômico ou de compra.

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Os trabalhadores de mil e novecentos – ou mesmo de mil novecentos de treze – não tinham: aposentadoria, férias remuneradas, horas extras, pagamento extra por trabalho noturno ou em fins de semana, seguro saúde ou de velhice (exceto na Alemanha), seguro desemprego (exceto na Grã-Bretanha depois de mil novecentos e onze); nem qualquer segurança de emprego. Cinquenta anos depois, os trabalhadores industriais haviam se tornado o maior grupo isolado em todos os países desenvolvidos e os trabalhadores sindicalizados da indústria de produção em massa (que eram dominantes em toda parte) haviam alcançado níveis de renda da classe média superior. Eles tinham segurança de emprego, aposentadoria, férias remuneradas e seguro desemprego, ou emprego vitalício. Acima de tudo, eles haviam conquistado poder político. Na Grã-Bretanha, os sindicatos trabalhistas eram considerados o verdadeiro governo, com mais poder que o Primeiro-Ministro ou o Parlamento, e o mesmo acontecia em outros países. Também nos Estados Unidos como na Alemanha, França e Itália – os sindicatos haviam emergido como a força política mais poderosa e melhor organizada. No Japão, nas greves da Toyota e da Nissan no final dos anos quarenta e início dos anos cinquenta, eles haviam chegado quase a “subverter” (na visão de Drucker) o sistema e a assumir o poder.

Em mil novecentos e noventa, os operários e seus sindicatos estavam em retirada, pois haviam se tornado marginais em números. Os trabalhadores industriais que fazem ou movimentam coisas, que nos anos cinquenta representavam dois quintos da força de trabalho americana, no início dos anos noventa menos de um quinto – isto é, não mais do que eram em mil e novecentos quando começou sua ascensão meteórica. Nos outros países desenvolvidos o declínio oi inicialmente mais lento, mas depois de mil novecentos e oitenta ele começou a se acelerar em toda parte. No ano dois mil ou dois mil e dez, em todos os países desenvolvidos os trabalhadores não iriam mais representar, na visão de Drucker, mais que um oitavo da força e trabalho, e o poder dos seus sindicatos estariam declinando à mesma velocidade.

Ao contrário dos empregados domésticos, os trabalhadores industriais não desaparecerão, na previsão de Drucker. Mas assim como o pequeno fazendeiro tradicional tornou-se um receptor de subsídios ao invés de produtor, o trabalhador industrial irá se tornar um funcionário auxiliar. Seu lugar já está sendo tomado pelo tecnólogo – alguém que trabalha tanto com as mãos quanto com conhecimentos teóricos. São exemplos: os técnicos em computador, em radiologia, os fisioterapeutas e assim por diante, que, em conjunto, constituem o grupo em crescimento mais rápido na força de trabalho dos Estados Unidos desde mil novecentos e oitenta. Ao invés de uma classe – um grupo coerente, reconhecível, definido e consciente - , os trabalhadores industriais poderão, em pouco tempo, ser apenas mais um grupo de pressão.

Os cronistas da ascensão do trabalhador industrial tendem a destacar os episódios violentos – especialmente os choques entre grevistas e a polícia. É provável que a razão seja o fato de os teóricos e propagandistas do socialismo, do anarquismo e do comunismo – começando com Marx e continuando até Herbert Marcuse nos anos sessenta – escreverem e falarem incessantemente de revolução e violência. A ascensão do trabalhador industrial foi notadamente não violenta. A enorme violência do século vinte – as guerras mundiais, limpezas étnicas e assim or diante – foi toda de cima para baixo e não tinha conexões com as transformações da sociedade, a diminuição dos agricultores, o desaparecimento dos empregados domésticos ou a ascensão do trabalhador industrial. Ninguém mais tenta explicar essas grandes convulsões como fazendo parte da crise do capitalismo, como fazia a retórica marxista há meio século.

Contrariamente às previsões dos marxistas e sindicalistas, a ascensão do trabalhador industrial não desestabilizou a sociedade. Ao contrário, ela emergiu como o fato social mais estabilizador do século vinte. Ela explica por que o desaparecimento dos agricultores e empregados domésticos não produziu crises. Tanto o êxodo do campo como do serviço domésticos eram mais qualificados que o necessário para ser um operador de máquina numa fábrica de produção em massa. Com certeza o trabalho na indústria era mal remunerado até a

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Primeira Guerra Mundial, mas pagava melhor que o trabalho no campo ou doméstico. Nos Estados Unidos, até mil novecentos de treze – e em alguns países, como Japão, até a Segunda Guerra Mundial – os trabalhadores industriais tinham jornadas de trabalho longas, mas estas eram menores que aquelas dos agricultores e empregados domésticos. Além disso, eles trabalhavam em horários especificados: o restando do dia era deles, o que não acontecia no trabalho no campo ou doméstico.

Os livros de história registram a miséria do início da indústria, a pobreza dos trabalhadores e sua exploração. De fato, eles viviam na miséria e eram explorados, mas viviam melhor que nas fazendas e casas de família e em geral eram melhor tratados.

Uma prova disso é que a mortalidade infantil caiu imediatamente depois que os agricultores e empregados domésticos passaram para o trabalho industrial. Historicamente, as cidades não se expandiam por si mesmas. Para sua perpetuação elas dependiam da vinda constante de pessoas do campo. Isso ainda era verdade em meados do século dezenove. Mas com o aumento do número de empregos em fábricas, as cidades tornaram-se os centros do crescimento pupulacional. Em parte, isso era um resultado de novas medidas de saúde pública: tratamento da água, coleta e tratamento de esgotos, quarentena contra epidemias, vacinação. Essas medidas – que eram eficazes principalmente nas cidades – contrabalançaram, ou ao menos contiveram, os riscos do crescimento populacional que haviam feito das cidades tradicionais um terreno para epidemias. Mas o maior fator isolado para a queda na mortalidade infantil – e com ela o crescimento explosivo da população – está relacionada somente com um fato: a industrialização. As primeiras fábricas eram de fato as Uusinas Satânicas do grande poema de William blake. Mas o campo não era a terra verde e agradável da Inglaterra cantada por Blake; era um cortiço pitoresco, mas ainda mais satânico.

Para os agricultores e empregados domésticos, o trabalho na indústria era uma oportunidade – de fato, a primeira que a história social lhes havia dado para melhorar muito sem precisar emigrar. Nos países desenvolvidos, ao longo dos últimos cento e cinquenta ou duzentos anos, cada geração podia esperar se sair servidores domésticos puderam se tornar trabalhadores industriais.

Como os trabalhadores industriais concentravam-se em grupos, era possível desenvolver sua produtividade de forma sistemática. A partir de mil oitocentos e oitenta e um, dois anos antes da morte de Marx, o estudo sistemático do trabalho, das tarefas e ferramentas elevou a produtividade do trabalho manual à taxa composta de três a quatro por cento ao ano, para um aumento de cinquenta vezes na produção por trabalhador ao longo de cento e trinta anos. É daí que provêm os ganhos econômicos e sociais do século vinte. Ao contrário daquilo que todos sabiam no século dezenove – não apenas Marx, mas também todos os conservadores, como J. P. Morgan, Bismarck e Disraeli – praticamente todos esses ganhos ficaram para o trabalhador industrial, a metade dos quais na forma de uma grande redução das horas de trabalho (com cortes variando entre quarenta por cento no Japão e cinquenta por cento na Alemanha) e a outra na forma de um aumento de vinte e cinco vezes nos salários reais.

Portanto, havia boas razões para que a ascensão do trabalhador industrial fosse pacífica ao invés de violenta e revolucionária. Mas o que explica o fato de a queda do trabalhador industrial ter sido igualmente pacífica e quase totalmente livre de protestos sociais, sublevações ou perturbações sérias, ao menos nos Estados Unidos? A hegemonia dos trabalhadores do conhecimento sobre os operadores de máquinas.

Nova sociedade: novos valores, compromissos e problemas

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A ascensão da classe que sucedeu os trabalhadores industriais não é uma oportunidade para eles, mas um desafio. O novo grupo dominante é dos trabalhadores do conhecimento. O termo era desconhecido há sessenta anos. Peter F. Drucker diz tê-lo criado no livro “Landmarks of Tomorrow”, de mil novecentos e cinquenta e nove. No final do século vinte, os trabalhadores do conhecimento representariam, na previsão de Drucker, um terço ou mais da força de trabalho nos Estados Unidos – tanto quanto os trabalhadores em fabricação jamais representaram, exceto em tempo de guerra. A maioria deles seria remunerada no mínimo tão bem quanto ou melhor que os trabalhadores em fabricação. E os novos empregos oferecem oportunidades muito maiores.

Porém – e este é um grande porém - , a maioria dos novos empregos requer qualificações que o trabalhador industrial não possui e está mal equipado para adquirir. Eles exigem muita educação forma e a capacidade de aplicar conhecimento teóricos e analíticos. Eles demandam uma rentabilidade e abordagem diferentes ao trabalho e acima de tudo, um hábito de aprendizado contínuo. Assim, trabalhadores industriais demitidos não podem passar simplesmente para o trabalho do conhecimento da mesma maneira pela qual os agricultores e servidores domésticos passaram para o trabalho industrial. Na melhor das hipóteses, eles precisam mudar suas atitudes, crenças e valores básicos.

Nas últimas décadas do século vinte, a força de trabalho industrial encolheu mais e mais depressa nos Estados Unidos do que em qualquer outro país desenvolvido, enquanto a produção industrial cresceu mais depressa do que em qualquer outro país desenvolvido, com exceção do Japão.

Essa mudança agravou o mais antigo e menos tratável problema da América: a posição dos negros. Nos cinquenta anos seguintes à Segunda guerra mundial, a posição econômica dos afro-americanos na América melhorou mais rápido que aquela de qualquer outro grupo na história dos país – ou de qualquer país. Três quintos dos negros americanos alcançaram rendas da classe média. Desde a guerra, cada vez mais negros americanos alcançaram rendas da classe média; antes da Segunda Guerra Mundial, o número era um vinte avos ou a vigésima parte ou cinco por cento. Mas a metade desse grupo alcançou rendas de classe média, não empregos de classe média. Desde a guerra, cada vez mais negros foram ser trabalhadores sindicalizados da indústria de produção em massa, isto é, conseguiram empregos que pagavam salários das classes média e média alta e não exigiam formação escolar nem aptidões. Entretanto, esses são precisamente os empregos que estão desaparecendo mais depressa. O que é espantoso não é o fato de tantos negros não terem ido à escola, mas sim de tantos terem feito isso. Na américa pós-guerra, não era economicamente racional para um jovem negro permanecer na escola e aprender; era deixar a escola o mais cedo possível e obter um dos muitos empregos na produção em massa. Em consequência disso, a queda do trabalhador industrial atingiu os negros americanos de forma desproporcionalmente dura em termos quantitativos, mas mais ainda em termos qualitativos. Ela atingiu aquele que era o modelo mais forte na comunidade negra: o operário bem remunerado com segurança de emprego, seguro saúde e uma aposentadoria garantida – embora não possuísse aptidões nem muita formação escolar.Mas os negros são uma minoria da população e da força de trabalho nos Estados Unidos. Para a maioria – brancos, mas também latinos e asiáticos - , a queda do trabalhador industrial causou perturbações surpreendentes em comunidades que no passado eram totalmente dependentes de fábricas de produção em massa que foram fechadas ou cortaram drasticamente o número de empregados (por exemplo, as cidades do aço no oeste da Pensilvânia e no leste de Ohio, ou cidades automotivas como Detroit e Flint, em Michigan), as taxas de desemprego para adultos não-negros caíram, dentro de poucos anos, para níveis pouco acima da média dos Estados Unidos, ou seja, pouco superiores àquele de pleno emprego. Mesmo nessas comunidades não houve radicalização dos operários.

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A única explicação é que para a comunidade não-negra o fato não foi uma surpresa, por mais ameaçador e doloroso que possa ter sido para os trabalhadores e suas famílias. Psicologicamente – mas em termos de valores e não de emoções - , os trabalhadores industriais americanos deviam estar preparados para aceitar como certa e adequada a passagem para empregos que exigem educação formal e pagam pelo conhecimento ao invés do trabalho manual, qualificado ou não.

Nos Estados Unidos, a mudança estava praticamente terminada por volta do ano mil e novecentos e noventa. Até o início do século vinte e um, ela havia ocorrido somente nesse país. Nos outros países desenvolvidos – no oeste e no norte da Europa e no Japão – ela está apenas começando. Mas é certo que daqui em diante ela prossiga rapidamente nesses países, talvez mais depressa que nos Estados Unidos. A queda do trabalhador industrial nos países desenvolvidos também terá grande impacto nos países subdesenvolvidos, que não mais poderão basear seu desenvolvimento na mão de obra barata.

Uma crença generalizada, em especial por parte de líderes sindicais, é que a queda do trabalhador industrial nos países desenvolvidos deveu-se em grande parte o totalmente, à passagem da produção para o exterior, para países com abundância de mão de obra barata. Mas isso não é verdade.

Havia alguma verdade há meio século. Japão, Taiwan e, mais tarde, a Coreia do Sul (como está explicado no livro A sociedade Pós-Capitalista (do ano de mil novecentos e noventa e três) de autoria de Peter F. Drucker, conseguiram sua vantagem inicial no mercado mundial combinando, quase da noite para o dia, a invenção americana do treinamento para plena produtividade com custos salariais de um país pré-industrial. Mas esta técnica deixou de funcionar a partir da década de setenta.

Nos anos noventa, somente uma porcentagem insignificante dos bens manufaturados importados pelos Estados Unidos é produzida no exterior devido aos baixos custos de mão de obra. Enquanto o total de importações naquele ano representou cerca de doze por cento da renda pessoal bruta americana, as importações de países com custos salariais significativamente inferiores representaram menos de três por cento – e somente a metade destas era constituída por produtos manufaturados. Portanto, praticamente nada do declínio dos empregos americanos em manufatura – de trinta a trinta e cinco por cento para entre quinze e dezoito por cento da força de trabalho – pode ser atribuído à passagem de trabalho para países com baixos salários. A principal concorrência para a indústria manufatureira americana – por exemplo, em automóveis, aço e máquinas operatrizes – veio de países como Japão e Alemanha, onde os salários são iguais ou maiores àqueles dos Estados Unidos. Atualmente, a vantagem comparativa que conta está na aplicação do conhecimento – por exemplo, no gerenciamento da qualidade total do Japão, em processos de fabricação enxuta, entrega just-in-time e custeio baseado no preço, ou no atendimento ao cliente oferecido pelas empresas de engenharia de porte médio alemãs ou suíças. Isto significa que os países em desenvolvimento não podem mais esperar firmar seu desenvolvimento em baixos salários. Também eles têm de aprender a baseá-lo na aplicação do conhecimento e nos trabalhadores do conhecimento, não é tradicional. Ela é a primeira sociedade na qual pessoas comuns – e isto quer dizer a maioria – não ganham o pão de cada dia com o suor do seu rosto. É a primeira sociedade na qual o trabalho honesto não significa mãos calejadas. Também é a primeira sociedade na qual nem todos fazem o mesmo trabalho, como era o caso quando a grande maioria era constituída por agricultores ou, como parecia provável há apenas cinquenta ou sessenta anos, todos iriam ser operadores de máquinas.

Isto é muito mais que uma mudança social. É uma mudança na condição humana. O que ela significa, quais são os valores, os compromissos e os problemas da nova sociedade ainda não é sabido. O que se sabe é que serão muito diferentes.

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Conhecimento e comunicação: entender e ser entendido

Os trabalhadores do conhecimento não serão a maioria na sociedade do conhecimento emergente, mas em muitas ou na maioria das sociedades desenvolvidas eles serão o maior grupo isolado da população e da força de trabalho. E mesmo onde forem superados por outros grupos, os trabalhadores do conhecimento darão a esta sociedade do conhecimento seu caráter, sua liderança, seu perfil social. Eles podem não se a classe dirigente da sociedade do conhecimento, mas já são sua classe principal. Em suas características, sua posição social, valores e expectativas, eles diferem fundamentalmente de qualquer grupo na história que tenha ocupado a posição de liderança.

Em primeiro lugar, os trabalhadores do conhecimento ganham acesso a empregos e posições sociais através da educação formal. Grande parte do trabalho do conhecimento requer aptidões manuais altamente desenvolvidas. Um exemplo extremo é a neurocirurgia. A capacidade de desempenho deste especialista depende da educação formal e de conhecimentos teóricos, mas a ausência de habilidades manuais impossibilita sua prática. Porém, a habilidade manual sozinha, por mais avançada que seja, nunca irá capacitar alguém a ser neurocirurgião. Porém, mesmo que o conhecimento em si seja um tanto primitivo, somente a educação formal pode provê-lo.

A educação irá se tornar o centro da sociedade do conhecimento e a escola será sua instituição-chave. De que conhecimentos todos devem dispor? O que é qualidade em aprender e ensinar? Estas serão necessariamente as preocupações centrais da sociedade do conhecimento e as principais questões políticas. Na realidade, a aquisição e a distribuição do conhecimento formal poderá vir a ocupar, na política da sociedade do conhecimento, o lugar que a aquisição e a distribuição de propriedade e renda ocuparam na política ao longo de dois ou três séculos chamados a Era do Capitalismo.

Na sociedade do conhecimento, cada vez mais conhecimentos, especialmente avançados, serão adquiridos muito depois da idade escolar e, cada vez mais, através de processos educacionais não centralizados na escola tradicional. Ao mesmo tempo, o desempenho das escolas e seus valores básicos serão cada vez do interesse da sociedade como um todo, ao invés de serem considerados assuntos profissionais que podem ser deixados com segurança nas mãos dos educadores.

Também, pode-se prever com confiança que ainda será definido o que será uma pessoa educada. Tradicionalmente, e em especial durante os últimos trezentos anos, pessoa educada era alguém que tivesse um fundo prescrito de conhecimento formal. Os alemães chamavam este conhecimento de allgemeine bildung, e os ingleses americanos de artes liberais. Daqui em diante, uma pessoa educada será, cada vez mais, alguém que aprendeu como aprender e continua aprendendo, especialmente através de educação formal, por toda a sua vida.

Existem riscos óbvios nisso. Por exemplo, a sociedade poderá facilmente enfatizar os diplomas formais em detrimento da capacidade de desempenho. Ela pode cair presa de mandarins confucianos estéreis um perigo ao qual a universidade americana é singularmente suscetível. Por outro lado, a sociedade poderá supervalorizar conhecimentos “práticos” de uso imediato e subestimar a importância dos fundamentos e da sabedoria.

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Uma sociedade dominada por trabalhadores do conhecimento está sob a ameaça de um novo conflito de classes: entre a grande minoria os trabalhadores do conhecimento e a maioria das pessoas que ganha a vida à maneira tradicional, seja pelo trabalho manual, qualificado ou não, seja em serviços, também qualificados ou não. A produtividade do trabalho do conhecimento – ainda muito baixa – irá se tornar o desafio econômico da sociedade do conhecimento. Dela dependerá sua capacidade para dar rendas decentes e, com elas, dignidade e posição social aos trabalhadores sem conhecimento.

Nenhuma sociedade na história enfrentou tais desafios. No entanto, igualmente novas são as oportunidades da sociedade do conhecimento, na qual, pela primeira vez na história, a possibilidade de liderança estará aberta a todos. E também a possibilidade de adquirir conhecimentos não mais irá depender da obtenção de uma educação prescrita em determinada idade. O aprendizado tornar-se-á a ferramenta da pessoa – à sua disposição em qualquer idade – porque tantas aptidões e conhecimentos poderão ser obtidos por meio de novas tecnologias de aprendizado.

Outra implicação é que quanto melhor uma pessoa, organização, indústria ou nação adquirir e aplicar conhecimentos melhor será sua posição competitiva. A Sociedade do conhecimento irá, inevitavelmente, se tornar muito mais competitiva do que qualquer sociedade já conhecida – porque com os conhecimentos universalmente acessíveis, não haverá desculpas para o mau desempenho nem em países pobres, somente países ignorantes. E o mesmo valerá para empresas, indústrias e organizações de todos os tipos e para as pessoas. As sociedades desenvolvidas já se tornaram infinitamente mais competitivas para as pessoas do que eram as sociedades do início do século vinte, para não mencionar as anteriores.

Peter F. Drucker tem falado em conhecimento, mas um termo mais preciso é conhecimentos, porque o conhecimento da sociedade do conhecimento será fundamentalmente diferente daquilo que era considerado como tal e sociedades anteriores – e, na verdade, daquilo que ainda é amplamente considerado conhecimento. O conhecimento do allgemeine bildung alemão ou das artes liberais anglo-americanas pouco tinha a ver com a vida profissional da pessoa. Ele focalizava a pessoa e seu desenvolvimento, este existe, na maioria dos casos, somente na aplicação; o fato de ele não ter utilidade nenhuma chegava a ser motivo de orgulho. Na sociedade do conhecimento, este existe, na maioria dos casos, somente na aplicação. Por exemplo, nada daquilo que os técnicos em radiologia precisam saber pode ser aplicado à pesquisa de mercado, ou ao ensino de história medieval. Portanto, a força de trabalho central na sociedade do conhecimento consistirá de pessoas altamente especializadas. Na realidade, é um erro falar em generalistas. O que este termo irá significar cada vez mais são pessoas que aprenderam a adquirir especialidades adicionais rapidamente, para passar de um tipo de trabalho para outro – por exemplo, de pesquisa de mercado para a gerência, ou da enfermagem para a administração hospitalar. Mas os generalistas no sentido que costumava-se usar estão passando a ser vistos como diletantes (amadoras) ao invés de pessoas educadas.

Isto também é novidade. Historicamente, os trabalhadores eram generalistas. Eles faziam qualquer coisa que precisasse ser feita – na fazenda, na casa, na oficina. O mesmo se aplicava aos trabalhos industriais. Mas os trabalhadores do conhecimento, quer seu conhecimento seja primitivo, avançado, pequeno ou grande, serão especializados por definição. O conhecimento aplicado é eficaz somente quando é especializado. De fato, quanto mais especializado, mais eficaz ele é. Isto vale para os técnicos que dão assistência a computadores, aparelhos de radiologia ou motores de caças a jato. Mas também vale para os trabalhos que exigem o conhecimento mais avançado, sejam eles pesquisa genética, astrofísica ou na primeira apresentação de uma nova ópera.

Mais uma vez, a passagem de um conhecimento para outro oferece grandes oportunidades para o indivíduo. Ela torna possível uma carreira como trabalhador do conhecimento, mas também representa muitos novos problemas e desafios. Ela exige, pela

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primeira vez na história, que pessoas com conhecimento assumam responsabilidade por se fazerem compreendidas por pessoas que não contam com a mesma base de conhecimento.

Sociedade do conhecimento: a volta do trabalho em equipe

O fato de na sociedade do conhecimento ele ter de ser altamente especializado para ser produtivo implica em dois novos requisitos: que os trabalhadores do conhecimento atuem em equipes e que, caso estes não sejam funcionários, precisam no mínimo ser filiados a uma organização.

Fala-se muito hoje em dia a respeito de equipes e trabalho em equipe. A maioria parte de uma hipótese errada, isto é, que nunca trabalhamos em equipes antes. Na verdade, as pessoas sempre trabalharam em equipes; poucas podem trabalhar sozinhas de forma eficaz. O agricultor tinha de ter uma mulher e a agricultora um marido. E ambos trabalhavam em equipe com seus empregados. O artesão também precisava de uma mulher, com a qual trabalhava em equipe: ele cuidava do trabalho e ela dos clientes, aprendizes e dos negócios. E ambos trabalhavam em equipes com os oficiais e os aprendizes. Hoje, muitas discussões assumem que existe somente um tipo de equipe, mas na verdade existem vários. Até agora, de fato, a ênfase tem sido no trabalhador sozinho e não na equipe. Com o trabalho do conhecimento tornando-se cada vez mais eficaz à medida que se especializa, as equipes tomam o lugar do indivíduo como unidade de trabalho.

A equipe atualmente elogiada – Peter F. Drucker a chama de conjunto de jazz – é apenas um tipo de equipe. É o tipo mais difícil tanto para se formar como para se fazer trabalhar de forma eficaz, e também o que requer mais tempo para conseguir capacidade de desempenho. Há de se aprender a usar tipos diferentes de equipes para fins diferentes e entendê-las; isto é algo que até agora recebeu pouca atenção. Portanto, a compreensão das equipes, das capacidades de desempenho dos diferentes tipos, das suas forças e limitações e as diferenças entre elas irão se tornar preocupações centrais no gerenciamento de pessoas.

Igualmente importante é a segunda implicação do fato de que os trabalhadores são fundamentalmente especialistas: há necessidade de eles trabalharem como membros de uma organização. Somente esta pode prover a continuidade básica da qual os trabalhadores do conhecimento precisam para serem eficazes. Somente a organização pode converter seus conhecimentos especializados em desempenho.

Por si mesmo, o conhecimento especializado não produz desempenho. Um cirurgião não é eficaz a menos que haja um diagnóstico – o qual, na maior parte dos casos, não é sua tarefa, nem está dentro da sua competência. Um historiador pode ser muito eficaz em suas pesquisas e seus escritos. Mas para educar estudantes, é substancial a contribuição de muitos outros especialistas, pessoas cuja especialidade pode ser literatura, matemática, ou outras áreas da história. Isto requer que o especialista tenha acesso a uma organização e este acesso pode ser como consultor ou prestador de serviços especializados. Em sua maioria, os trabalhadores do conhecimento serão funcionários, em tempo integral ou parcial, de uma organização como uma agência do governo, um hospital, uma universidade, uma empresa ou um sindicato. Na sociedade do conhecimento, o desempenho não é do indivíduo; este é um centro de custo e não de desempenho, o qual é da organização.

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Sociedade do conhecimento: ferramentas e tarefas

Em geral, os trabalhadores do conhecimento passarão a maior parte de suas vidas profisionais como funcionários. Mas o significado do ermo será diferente do tradicional, não só em inglês, mas sim em qualquer idioma.

Individualmente, os trabalhadores do conhecimento dependem do emprego. Eles recebem um salário, foram contratados e podem ser demitidos. Legalmente, cada um é um. Em conjunto, porém, eles são os capitalistas; cada vez mais, através de seus fundos de pensão e outras poupanças, eles possuem os meios de produção. Na economia tradicional, e não somente na marxista, há uma clara distinção entre o fundo salarial, que vai todo para consumo, e o fundo de capital, ou a parte da renda total que está disponível para investimento. A maior parte da teoria social da sociedade industrial está baseada, de uma forma ou de outra, na relação entre as duas, seja de conflito ou da cooperação e do equilíbrio necessários. Na sociedade do conhecimento, as duas partes fundem-se. O fundo de pensão é salário adiado e como tal é um fundo salarial. Mas ele também é, cada vez mais, a principal fonte de capital para a sociedade do conhecimento.

O fator talvez mais importante é que na sociedade do conhecimento, os funcionários, isto é, os trabalhadores do conhecimento – possuem as ferramentas de produção. A grande ideia de Marx foi que o operário não possui, e nem poderá possuir, as ferramentas de produção; portanto, é alienado. Não havia maneira, dizia ele, para o trabalhador possuri o motor a vapor e levá-lo consigo de um emprego para outro. O capitalista tinha de possuir o motor e controlá-lo. Na sociedade do conhecimento, o verdadeiro investimento se dá cada vez menos em máquinas e ferramentas e mais no conhecimento do trabalhador. Sem este conhecimento, as máquinas são improdutivas, por mais avançadas e sofisticadas que sejam.

O pesquisador de mercado precisa de um computador. Mas cada vez mais este é seu computador pessoal, que o acompanha onde quer que ele vá. O verdadeiro equipamento de capital de pesquisa de mrecado é o conhecimento do mercado, de estatística e da aplicação da pesquisa à estratégia da empresa, que está alojado entre as orelhas do pesquisador e é sua propriedade exclusiva e inalienável. O cirurgião necessita da sala de operações do hospital e de todo o seu dispendioso equipamento de capital. Todavia, o seu verdadeiro investimento de capital são doze a quinze anos de treinamento e o conhecimento resultante, o qual o cirurgião leva de um hospital para o outro. Sem esse conhecimento, as dispendiosas salas de operações de nada servem.

Isto é verdade, quer o trabalhador possua conhecimento avançado como um cirurgião, ou simples e relativamente elementar, como um contador júnior. Em qualquer dos casos, é o investimento em conhecimento que determina se o funcionário é ou não produtivo, mais que as ferramentas, máquinas e o capital fornecido pela organização. O trabalhador industrial precisava muito mais do capitalista do que este do trabalhador – a base para a afirmativa de Marx de que sempre haveria um excesso de trabalhadores industriais, um exército industrial de reserva, o qual garantiria que os salários não poderiam subir acima do nível de subsistência (provavelmente o seu mais clamoroso erro, na visão de Peter F. Drucker). Na sociedade do conhecimento, a hipótese mais provável para as organizações – e certamente aquela sobre a qual elas precisam conduzir seus negócios – é que elas precisam muito mais dos trabalhadores do conhecimento do que este delas.

Na Idade Média houve debates infindáveis a respeito da hierarquia dos conhecimentos, com a filosofia afirmando ser a rainha. Desistiu-se há muito dessa discussão infrutífera. Não há conhecimento superior ou inferior. Quando a queixa do paciente é uma unha encravada, vale o

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conhecimento do pedicuro, não o do neurocirurgião, embora este tenha recebido muito mais anos de treinamento e cobre muito mais caro. Se um executivo for nomeado para um país estrangeiro, o conhecimento de que ele necessita – e depressa – é fluência do idioma, algo que todo nativo daquele país dominou aos três anos, sem muito investimento. Na sociedade do conhecimento, a importância deste provém da situação, porque só é aplicado em ação. Em outras palavras, aquilo que é conhecimento em determinada situação, como a fluência em coreano para o executivo americano colocado em Seul, passa a ser apenas informação sem muita relevância quando ele, alguns anos depois, precisa determinar a estratégia de mercado da sua empresa para a Coreia. Isto também é novo. Os conhecimentos eram sempre vistos como estrelas fixas, cada uma ocupando sua própria posição no universo do conhecimento. Na sociedade do conhecimento eles são ferramentas, e como tais sua importância e posição dependem da tarefa a ser executada.

Artes liberais: a Administração e sua função social

Uma conclusão adicional de Peter F. Drucker: como a sociedade do conhecimento tem que ser uma sociedade de organizações, seu órgão central e distintivo é a gerência.

Quando a sociedade começou a falar em gerenciamento, o termo significava gerenciamento de empresas, porque a empresa de larga escala foi a primeira das novas organizações a surgir. Mas houve o aprendizado, na segunda metade do século vinte, que o gerenciamento é o órgão distintivo de todas as organizações, as quais precisam de gerenciamento, quer usem o termo ou não. Todos os gerentes fazem as mesmas coisas, qualquer que seja a finalidade da sua organização. Todos precisam reunir pessoas, cada um com um conhecimento diferente, para um desempenho conjunto. Todos necessitam tornar forças humanas produtivas no desempenho e as fraquezas irrelevantes. Todos têm de determinar que resultados são desejados na organização, e então definir objetivos. Todos são responsáveis pela determinação daquilo que Peter F. Drucker chama de teoria do negócio, isto é, as hipóteses sobre as quais a empresa baseia seu desempenho e suas ações e aquelas feitas pela organização para decidir o que não fazer. Para todos eles, é imprescindível fixar estratégias. Ou seja, os meios através dos quais as metas da organização se transformam em desempenho. Todos, enfim, precisam definir os valores da organização, seu sistema de recompensas e punições, seu espírito e sua cultura. Em todas as organizações, os gerentes necessitam do conhecimento da gerência como trabalho e disciplina e do conhecimento e da compreensão da organização em si – suas finalidades, seus valores, seu ambiente, seus mercados, suas competências essenciais.

O gerenciamento como prática é muito antigo. O executivo mais bem-sucedido da história foi certamente o egípcio que, há mais de quatro mil e quinhentos anos, concebeu a pirâmide, sem precedentes, projetou-a e construiu-a em prazo surpreendentemente curto. Essa primeira pirâmide ainda está em pé. Porém, como disciplina, o gerenciamento mal tem cinquenta anos. Ele foi vagamente percebido por volta da Primeira Guerra Mundial, mas não emergiu até a Segunda Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos. Desde então, ele foi a nova função de crescimento mais rápido e seu estudo a disciplina de crescimento mais rápido. Nenhuma função há história emergiu tão depressa como o gerenciamento nos últimos setenta anos ou oitenta anos, e certamente nenhuma obteve tanto alcance mundial em tão pouco tempo.

O gerenciamento ainda é ensinado na maior parte das escolas de administração como um conjunto de técnicas, tais como elaboração de orçamento e relações com o pessoal. É claro

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que ele, como qualquer outro trabalho, tem suas ferramentas e técnicas próprias. Mas assim como a essência da medicina não é o exame de urina (por mais importante que seja), a essência do gerenciamento não são as técnicas e procedimentos, mas sim tornar conhecimentos produtivos. Gerenciar é uma função social. E em sua prática, é realmente uma arte liberal. Artes liberais, no Brasil são conhecidas no meio acadêmico como Ciências Sociais Aplicadas, apesar de não se tratar de uma tradução.

Bem-estar social: saindo do governo e entrando no terceiro setor

As antigas comunidades – família, vila, paróquia e assim por diante – quase desapareceram na sociedade do conhecimento emergente. Seu lugar foi tomado pela nova unidade de integração social: a organização. Enquanto a comunidade era uma questão de destino, a organização tinha membros voluntários. Enquanto a comunidade reivindicava a pessoa inteira, a organização era um meio para seus fins. Há mais de duzentos e vinte anos, há um debate acalorado, principalmente no Ocidente: as comunidades são orgânicas ou simples extensões das pessoas das quais se compõem? Ninguém afirmaria que a nova organização é orgânica. Ela é claramente um artefato, uma criação do homem, uma tecnologia social.

Mas então, quem executa as tarefas da comunidade? Duzentos e vinte anos atrás, em todas as sociedades, as tarefas sociais eram realizadas por comunidades locais. Hoje, poucas ou nenhuma delas são feitas pelas antigas comunidades e nem seriam capazes de fazê-las, pois não detêm o controle dos seus membros. As pessoas não ficam mais onde nasceram, seja em termos geográficos ou de posição social. Por definição, uma sociedade do conhecimento é uma sociedade de mobilidade. E todas as funções sociais das antigas comunidades, quer fossem bem ou mal executadas, pressupunham que o indivíduo e a família não sairiam de onde estavam. Mas a essência de uma sociedade do conhecimento é a mobilidade, em termos de onda a pessoa vive, daquilo que faz e das suas afiliações. As pessoas não têm mais raízes, nem uma vizinhança que controle como é sua casa, o que elas fazem, nem quais podem ser seus problemas. Na sociedade do conhecimento muitas pessoas podem ser bem-sucedidas. Mas ela também é, por definição, uma sociedade na qual muito mais pessoas podem fracassar, ou no mínimo chegar em segundo lugar. E se somente porque a aplicação do conhecimento ao trabalho tornou as sociedades desenvolvidas muito mais ricas do que poderia sonhar qualquer sociedade anterior, os fracassos, sejam eles pessoas pobres ou alcoólatras, mulheres esgotadas ou delinquentes juvenis, são vistos como fracassos da sociedade.

Quem, então, cuida das tarefas sociais na sociedade do conhecimento? Não se pode ignorá-las. Mas a comunidade tradicional é incapaz de executá-las.

Surgiram duas respostas nos últimos cento e vinte anos, quando a Alemanha de Bismarck deu os primeiros passos na direção do estado do bem-estar social. A resposta: os problemas do setor social podem e devem ser resolvidos pelo governo. Esta ainda é, provavelmente, a resposta aceita pela maioria das pessoas, em especial nos países desenvolvidos do Ocidente, embora seja provável que a maioria não mais acredite plenamente nela. Mas ela foi totalmente desmentida, na visão de Peter F. Drucker. O governo moderno, especialmente desde a Segunda Guerra Mundial, tornou-se, em toda parte, uma enorme burocracia de bem-estar social. Hoje, o grosso do orçamento de todo país desenvolvido é dedicado a direitos, a pagamentos por todos os tipos de serviços sociais. Contudo, em todo país desenvolvido, a sociedade está ficando mais doente do que saudável, e os problemas sociais estão se multiplicando. O governo tem um grande papel a desempenhar em tarefas sociais – de gerador de políticas, de fixador de padrões e, em grande parte, de pagador. Porém, como

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agência para dirigir os serviços sociais, ele tem mostrado incompetência (no sentido de ineficácia) quase total.

Peter F. Drucker, em seu livro “O futuro do homem industrial”, formulou uma opinião dissidente. Afirmou que a nova organização – e, há setenta anos, isto significava a grande empresa – teria de ser a comunidade na qual o indivíduo encontraria posição e função, com a comunidade do local de trabalho transformando-se naquela através da qual seriam organizadas as tarefas sociais. No Japão (embora independentemente e sem ligação com Drucker) o grande empregador – a agência do governo ou a empresa – tem de fato procurado servir de comunidade para seus funcionários. O emprego vitalício é uma prova disto. Habitação, planos de saúde, férias por conta da empresa enfatizam, para o funcionário japonês, que o empregador, em especial a grande corporação, é a comunidade e a sucessora da vila de ontem, mesmo para a família de ontem. Isto, porém, também não funcionou.

É preciso, em especial no Ocidente, trazer cada vez mais o funcionário para o governo da comunidade do local de trabalho. O que hoje é chamado de empowerment é muito semelhante àquilo de que Drucker falou há setenta anos, mas não cria uma comunidade, nem a estrutura através da qual as tarefas sociais da sociedade do conhecimento podem ser enfrentadas. Na verdade, praticamente todas essas tarefas, sejam eslas educação ou cuidados com a saúde, as anomalias e doenças de uma sociedade desenvolvida e, em especial, rica, como o abuso do álcool e das drogas, ou os problemas de incompetência e irresponsabilidade como aqueles da classe inferior nas grandes cidades americanas, estão fora da instituição empregadora.

A resposta correta à pergunta: “Quem cuida dos desafios sociais da sociedade do conhecimento?” Não é o governo, nem a organização empregadora. A resposta é um novo setor social separado, segundo Drucker.

Faz menos de setenta anos que se fala pela primeira vez nos Estados Unidos dos dois setores de uma sociedade moderna – o setor público (governo) e o setor privado (empresas). Nos últimos quarenta anos, começou-se a falar de um terceiro setor, o setor sem fins lucrativos, aquelas organizações que, em escala cada vez maior, cuidam dos desafios sociais de uma sociedade moderna.

Nos Estados Unidos, com sua tradição de igrejas independentes e competitivas, este setor sempre existiu. Mesmo hoje as igrejas constituem a maior parte isolada do setor social nos Estados Unidos, recebendo quase a metade do dinheiro dado a instituições de caridade e cerca de um terço do tempo voluntário das pessoas. Mas a parte não ligada a igrejas do setor social tem sido a de maior crescimento nos Estados Unidos. No início dos anos noventa, cerca de um milhão de organizações foram registradas no país como organizações sem fins lucrativos ou caritativas para a realização de trabalho do setor social. Cerca de setenta por cento delas surgiram nos últimos cinquenta anos. E a maioria é de serviços comunitários preocupados com a vida terrestre, e não só do Reino do Céu. Muitas dessas novas organizações têm orientação religiosa, mas a maioria delas não está ligada a igrejas. São para-igrejas empenhadas em tarefas sociais específicas, tais como: a reabilitação de viciados em álcool e drogas ou de criminosos, ou o ensino elementar. Mesmo dentro do segmento religiosos do setor social, as organizações que têm mostrado capcidade para crescer são radicalmente novas. São as igrejas pastorais, que focalizam as necessidades espirituais das pessoas, em especial dos trabalhadores do conhecimento, e colocam as energias espirituais dos seus membros para trabalhar nos desafios e problemas sociais da comunidade, especialmente da urbana.

Peter F. Drucker ainda se refere a essas organizações como sendo sem fins lucrativos, mas este é um termo local, significando apenas que, pela lei americana, essas organizações não pagam impostos. O fato de elas estarem ou não organizadas para dar lucro é irrelevante

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para suas funções e seu comportamento. A partir de mil novecentos e sessenta ou mil novecentos e e setenta, muitos hospitais americanos transformaram-se em instituições com fins lucrativos e estão organizados legalmente como empresas.

Eles funcionam exatamente da mesma maneira que os hospitais sem fins lucrativos tradicionais. O que importa não é a base legal, mas sim que as instituições do setor social têm um tipo particular de finalidade. O governo exige submissão: ele cria regras e força seu cumprimento. As empresas esperam ser pagas; elas suprem. As instituições do setor social visam a mudar o ser humano, o de uma escola é o aluno que aprendeu algo e o de um hospital é um paciente curado. O produto de uma igreja é um fiel cuja vida está sendo mudada. A tarefa das organizações do setor social é criar saúde e bem-estar.

Cada vez mais essas organizações do setor social servem a uma segunda finalidade, igualmente importante. Elas criam cidadania. A sociedade e as formas de governo modernas tornam-se tão grandes e complexas que a cidadania – isto é, a participação responsável – não mais é possível. Tudo o que se pode fazer como cidadãos é rotar uma vez a cada tantos anos e pagar impostos o tempo todo.

Como voluntário numa instituição do setor social, uma pessoa pode fazer novamente uma diferença. Nos Estados Unidos, onde existe uma antiga tradição de trabalho voluntário devido à independência das igrejas, quase um em cada dois adultos está trabalhando no mínimo três – e com frequência cinco – horas semanais como voluntário numa organização do setor social. A Grã-Bretanha é o único país com uma tradição semelhante, embora lá sua extensão seja muito menor (em parte porque o estado britânico do bem-estar social é muito mais abrangente, mas principalmente porque ela tem uma igreja estabelecida – para pelo Estado e dirigida como um serviço civil). Fora dos países de língua inglesa, a tradição de trabalho voluntário é muito menor. Na Europa e no Japão, o Estado moderno é francamente hostil a qualquer coisa que cheire a trabalho voluntário, principalmente na França e no Japão, onde este é suspeito de ser fundamentalmente subversivo.

Mas até mesmo nesses países as coisas estão mudando, porque a sociedade do conhecimento necessita do setor social, e este de voluntários. Mas os trabalhadores do conhecimento também necessitam de uma tarefa na qual possam atuar como cidadãos e criar uma comunidade. O local de trabalho não lhes dá isso. Nada foi desmentido tão depressa como o conceito do “homem da organização”, o qual era amplamente aceito há sessenta anos. De fato, quanto mais satisfatório o trabalho do conhecimento, mais as pessoas precisam de uma esfera separada de atividade comunitária.

Muitas organizações do setor social irão se tornar parceiras do governo, como no caso de muitas privatizações, nas quais, por exemplo, uma cidade paga pela limpeza das ruas e uma empreiteira executa o trabalho. No ensino americano ao longo do século vinte e um, haverá cada vez mais variedade de escolas, algumas públicas e outras privadas e altamente dependentes da receita dos vales. Essas organizações competem claramente com ele. O relacionamento entre as partes ainda precisa ser determinado, pois não tem precedentes.

A definição de desempenho para organizações do setor social, especialmente daquelas que, pelo fato de não terem fins lucrativos, carecem da disciplina de um lucro financeiro, também precisa ser elaborada. Sabe-se que as organizações do setor social precisam ser gerenciadas. Mas o significado preciso de gerenciamento para a organização do setor social está apenas começando a ser estudado. Com respeito ao gerenciamento da organização sem fins lucrativos, o mundo está hoje, em muitos aspectos, onde estava há setenta ou oitenta anos com respeito ao gerenciamento da empresa: o trabalho está apenas começando.

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Mas uma coisa já está clara. A sociedade do conhecimento necessita ser uma sociedade de três setores: um setor público de governo, um privado de empresas e um social (alguns autores ainda citam um quarto setor de economia informal e a existência incômoda de um quinto setor do crime organizado – que é o que movimentaria a maior quantidade de recursos). Drucker afirma que está ficando cada vez mais claro que através do setor social, uma sociedade desenvolvida moderna pode novamente criar cidadania responsável e realizadora e dar novamente às pessoas - em especial aos trabalhadores do conhecimento – uma esfera na qual elas possam fazer uma diferença na sociedade e recriar a comunidade.

Sociedade do conhecimento: o fim das fronteiras nacionais

O conhecimento tornou-se o recurso-chave, tanto para o poder militar como econômico de uma nação. Este conhecimento somente pode ser adquirido através de escolaridade. Ele não está ligado a nenhum país – é portátil. Pode ser criado em qualquer parte, de forma rápida e barata. O conhecimento como recurso-chave é fundamentalmente diferente dos recursos-chave tradicionais dos econoomistas: terra, mão-de-obra e até mesmo capital.

O fato de o conhecimento ter se tornado o recurso-chave significa que existe uma economia mundial e que esta tem o controle, e não a economia nacional. Cada país, indústria e empresa será um ambiente cada vez mais competitivo. Cada um destes terá de considerar em suas decisões sua posição competitiva na economia mundial e a competitividade das suas competências de conhecimento.

Em todos os países, os políticos e as polícias ainda se centralizam em questões domésticas. Poucos políticos, jornalistas ou servidores civis olham para além das fronteiras do seu próprio país quando novas medidas, como impostos, regulamentações de empresas ou gastos sociais estão sendo discutidas. Isto é verdade até mesmo na Alemanha – o grande país europeu mais consciente e dependente de exportações. Quase ninguém no ocidente perguntou, em mil novecentos e noventa, o que os gastos desenfreados na parte oriental iriam causar à competitividade da Alemanha.

Isto não poderá mais acontecer. Todo país e toda indústria terão de aprender que a primeira pergunta não é: “Esta medida é desejável?”, mas sim: “Qual será o impacto sobre a posição competitiva do país ou da indústria na economia mundial?” É preciso desenvolver em política alguma coisa semelhante à declaração de impacto ambiental, a qual é hoje exigida nos Estados Unidos para qualquer ação do governo que afete a qualidade do meio ambiente: é preciso uma declaração de impacto competitivo. O impacto sobre a posição competitiva de algu~em na economia mundial não deve ser necessariamente o fator principal numa decisão, mas tomar uma decisão sem considerá-lo tornou-se irresponsável.

O fato de o conhecimento ter se tornado o recurso-chave significa que a posição de um país na economia mundial irá, cada vez mais, determinar sua prosperidade. Desde mil novecentos e cinquenta, a capacidade de um país para melhorar sua posição na economia mundial tem sido o principal – e talvez o único – determinante de desempenho da sua economia doméstica. As políticas monetárias e fiscais têm se mostrado praticamente irrelevantes, para melhor ou para pior (com a única exceção das políticas governamentais que criam inflação, a qual em pouco tempo prejudica tanto a posição competitiva do país na economia mundial como sua estabilidade doméstica e sua capacidade de crescimento).

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A primazia dos assuntos externos é um antigo preceito político que, na política europeia, remonta ao século dezessete. Desde a Segunda Guerra Mundial, ele também foi aceiro na política americana – embora com relutância e somente em emergências. Ele sempre significou que a segurança militar deveria ter prioridade sobre as políticas domésticas e, provavelmente, é isso que continua significando, com ou sem Guerra Fria. Mas a primazia dos assuntos externos está hoje adquirindo uma dimensão diferente: a posição competitiva de um país na economia mundial – e também a de uma indústria ou organização – deve ser a primeira consideração em suas políticas e estratégias domésticas. Isto é verdade para um país apenas marginalmente envolvido na economia mundial (se é que ainda existe um), para uma empresa apenas marginalmente envolvida na economia mundial, e para uma universidade que se considera totalmente doméstica. O conhecimento não conhece fronteiras. Não há conhecimento doméstico, nem internacional, mas somente o conhecimento. E com ele se transformando no recurso-chave, existe apenas uma economia mundial, embora a organização individual, em suas atividades do dia-a-dia, opere dentro de um cenário nacional, regional ou mesmo local.

Política partidária: integração de grupos divergentes

As tarefas sociais estão, em escala crescente, sendo executadas por organizações especializadas, cada uma criada para somente uma tarefa: educação, cuidados com a saúde, limpeza de ruas e outras atividades não privativas de Estado. Portanto, a socidade está rapidamente se tornando pluralista. Contudo, as teorias políticas e sociais ainda assumem que não existem centros de poder além do governo. Na verdade, a destruição ou, no mínimo, a naturalização de todos os outros centros de poder foi i impulso da política ocidental a partir do século quatorze. Este impulso culminou nos séculos dezoito e dezenove, quando – esceto nos Estados Unidos – as antigas instituições que ainda sobreviviam, como universidades e igrejas, foram transformadas em órgãos dos estados e seus funcionários em servidores civis. Mas a partir de meados do século dezenove, surgiram novos centros, o primeiro deles – a empresa moderna – por volta de mil oitocentos e setenta. E desde então não pararam de surgir novas organizações.

As novas instituições – o sindicato trabalhista, o hospital moderno, a megaigreja, a universidade de pesquisa – da sociedade das organizações não se interessam pelo Poder Público. Elas não querem se governos, mas elas exigem autonomia com respeito às suas funções – e, na verdade, necessitam dela. Mesmo no auge do stalinismo, os gerentes das grandes empredas eram senhores de seus domínios e as indústrias eram em grande parte autônomas. O mesmo se dava com as universidades, os laboratórios de pesquisa e os militares.

No pluralismo de ontem – em sociedades nas quais o controle era dividido por várias instituições, como na Europa feudal da idade Média - , as organizações pluralistas procuravam estar no controle de tudo aquilo que ocorresse em suas comunidades. No mínimo elas tentavam impedir que outras organizações conseguissem controlar qualquer instituição comunitária dentro de seus domínios. Porém, na sociedade das organizações, cada uma das novas instituições se preocupa somente com a sua finalidade e missão. Ela não reivindica poder sobre mais nada, nem ela assume responsabilidade por mais nada. Quem, então, se preocupa com o bem comum?

Este sempre foi um problema central do pluralismo. Nenhum sistema pluralista anterior conseguiu resolvê-lo. O problema permanece, mas sob novo disfarce. Até agora, ele tem sido visto como a imposição de limites sobre as instituições sociais (ou do terceiro setor) – proibindo-as de realizar, em busca de suas missões, funções, interesses e que ações inundavam o

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domínio público ou violem a política pública. As leis contra discriminação – por raça, sexo, idade, nível de educação e assim por diante – que proliferaram nos Estados Unidos nos últimos sessenta anos, proíbem comportamentos socialmente indesejáveis. Mas a sociedade estava cada vez mais levantando a questão da responsabilidade scial das instituições sociais: o que devem elas fazser, além de desempenhar suas funções, para contribuir para o bem público? Entretanto, embora ninguém perceba, esta é uma exigência de retorno ao pluraslimo da época feudal, isto é, que entidades privadas assumam o poder público.

Isto pode ameaçar seriamente o funcionamento das novas organizações, como deixa bem claro o exemplo das escolas americanas. Uma das maiores razões para o declínio na capacidade das escolas para realizar seu trabalho, ou seja, ensinar conhecimentos elementares ás crianças, é que, desde os anos cinquenta, os Estados Unidos transformaram cada vez mais as escolas em transmissoras de todos os tipos de políticas sociais: a eliminação da discriminação racial, da discriminação contra todas as outras espécies de minorias, inclusive os incapacitados, entre outras. É discutível se a sociedade conseguiu algum progresso no alívio de males sociais; até agora, as escolas não se mostraram particularmente efeicazes como instrumentos de reforma social. Porém, não há dúvida de que transformá-la em órgão de políticas sociais prejudicou seriamente sua capacidade para realizar o trabalho para o qual se destina.

O novo pluralismo tem um novo problema: como manter a capacidade de desempenho das novas instituições mantendo, ao mesmo tempo, a coesão da sociedade. Isto torna duplamente importante a emergência de um setor social forte e atuante e é uma razão adicional pela qual o setor social (ou terceiro setor) será cada vez mais crucial para o desempenho, senão para a coesão, da sociedade do conhecimento.

Das novas organizações analisadas por Peter F. Drucker, a primeira a surgir, há cento e quarenta anos, foi a empresa. Portanto, era natural que o problema da emergente sociedade de organizações fosse visto inicialmente como o relacionamento governo-empreda. Também era natural que os novos interesses fossem vistos inicialmente como sendo econômicos.

Portanto, a primeira tentativa para controlar a política de emergente sociedade de organizações visava a fazer com que os interesses econômicos servissem ao processo político. O primeiro a perseguir esta meta foi o americano Mark Hanna, restaurador do Partido Republicano, em mil oitocentos e noventa, e sob muitos aspectos, o fundador da política americana do século vinte. Sua definição de política como um deseqilíbrio dinâmico entre os grandes interesses econômicos – agricultores, empresas e trabalhadores – foi a base da política americana até a Segunda Guerra Mundial. Franklin D. Roosevelt restaurou o partido Democrata reformulando Hanna. E a posição política básica desta filosofia está evidente no título do livro político mais influente escrito durante os anos do New Deal – Política: Quem obtém o que, quando, como (do ano de mil novecentos e trinta e seis), de autoria de Harold D. Lasswell.

Mark Hanna sabia muito bem, em mil oitocentos e noventa e seis, que há muitas outras preocupações além das econômicas. Contudo, para ele era óbvio, como o era para Roosevelt quarenta anos depois, que os interesses econômicos tinham de ser usados para integrar todos os outros. Esta ainda é a hipótese subjacente à maioria das análises da política americana – e das políticas de todos os países desenvolvidos. Mas esta hipótese não é mais sustentável, pelo menos na visão de Peter F. Drucker. Por baixo da fórmula de interesses econômicos de Hanna está a visão de terra, mão-de-obra e capital como recursos existentes. Mas o conhecimento, o novo recurso para o desempenho econômico, não é em si mesmo econômico.

Ele não pode ser comprado, nem vendido. Seus frutos, como a renda de uma patente, podem ser comprados ou vendidos, mas o conhecimento que entrou na patente não pode ser transferido a nenhum preço. Por mais que um doente queira pagar a um neurocirurgião, este

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não pode lhe vender – nem lhe transferir – o conhecimento que constitui a base do seu desempenho e da sua renda. A aquisição de conhecimento, como a aquisição de qualquer coisa, tem um custo, mas não preço.

Portanto, os interesses econômicos não podem mais integrar todos os outros interesses. Quando o conhecimento se transformou no recurso-chave econômico, a integração de interesses – e com ela a integração do pluralismo com uma política moderna de governo – começou a ser perdida. Os interesses não-econômicos estão, cada vez mais, se transformando no novo pluralismo – os interesses especiais, as organizações de causa única e assim por diante.

A política questiona cada vez menos quem obtém o que, quando e como e mais de valores, cada um dos quais considerado absoluto. Ela trata do direito do feto à vida contra o direito da mulher de controlar seu próprio corpo e abortar (ou interromper) a gravidez. Ela cuida do meio ambiente e da conquista da igualdade por parte de grupos oprimidos e discriminados. Nenhuma dessas questões é econômica. Todas são fundamentalmente morais.

Os interesses econômicos são passíveis de compromissos; esta é a grande vantagem de se basear neles a política. “A metade de uma bisnaga ainda é pão” é um ditado significativo. Mas a metade de um bebê, na história bíblica do julgamento de Salomão, não é meia criança. Não há possibilidade de compromisso. Para um ambientalista, a metade de uma espécie ameaçada é uma espécie extinta.

Isto agrava enormemente a crise do governo moderno. Os jornais e comentaristas ainda tendem a relatar em termos econômicos aquilo que acontece em Washington, Londres, Bonn ou Tóquio. Porém, cada vez mais os lobistas que determinavam as leis e ações governamentais não defendem interesses econômicos. Eles defendem ou atacam medidas que consideram de natureza moral, espiritual ou cultural. E cada uma dessas novas preocupações morais representada por uma nova organização afirma defender uma causa absoluta. Dividi-la, como a um pão, não é compromisso, é traição.

Portanto, não existe mais, na sociedade de organizações, uma força integradora que leve as organizações da sociedade e da comunidade a uma coalizão. Os partidos tradicionais – talvez as criações políticas de maior sucesso no século dezenove – não mais conseguem integrar grupos divergentes e pontos de vista diferentes numa busca comum pelo poder. Ao invés disso, eles se transformaram em campos de batalha entre grupos, cada um lutando pela vitória absoluta e não aceitando nada senão a capitulação total do inimigo.

Transformações sociais: inovações políticas

O século vinte e um será certamente de tumultos e desafios sociais, econômicos e políticos contínuos, ao menos em suas primeiras décadas, como prevê Peter F. Drucker. Aquilo que chamou de era da transformação social ainda não terminou. Os desafios que estão à frente podem ser mais sérios e assustadores que aqueles representados pelas transformações sociais já ocorridas no século vinte.

Contudo, não haverá nem chance de resolver esses novos problemas de amanhã, a mesmo que sejam superados antes os desafios representados por aqueles que já são fatos consumados. Essas são as tarefas prioritárias, pois somente se forem enfrentadas será possível

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esperar ter, nos países desenvolvidos, a coesão social, a força econômica e a capacidade governamental de enfrentar os novos desafios. A primeira ordem de serviço – para sociólogos, cientistas políticos, economistas, educadores, executivos de empresas, políticos e líderes de grupos sem fins lucrativos, para pessoas em todos os caminhos da vida, como pais, funcionários e cidadãos – é trabalhar nestas tarefas prioritárias, para poucas das quais existem precedentes, quanto menos soluções testadas.

1) Será preciso definir educação – sua finalidade, valores, conteúdo. Será necessário aprender a definir a sua qualidade e produtividade, para poder medi-las e gerenciá-las;

2) É necessário trabalhar de forma sistemática na qualidade do conhecimento e na sua produtividade – até agora não definidas. A capacidade de desempenho, senão a sobrevivência, de qualquer organização na sociedade do conhecimento dependerá cada vez mais destes dois fatores, e também a capacidade de desempenho ou de sobrevivência dos indivíduos na sociedade do conhecimento. Qual é a responsabilidade que tem o conhecimento? Quais são as responsabilidades do trabalhador do conhecimento, principalmente daquele altamente especializado?

3) Cada vez mais, a política de todo país – em especial do desenvolvido – terá de dar primazia á posição competitiva do mesmo numa economia mundial cada vez mais competitiva. Qualquer proposta de política doméstica precisa ser formulada de modo a melhorar essa posição, ou minimizar os impactos adversos sobre ela. O mesmo vale para as políticas e estratégias de qualquer instituição dentro de uma nação, quer ela seja um governo local, uma empresa, uma universidade ou um hospital.

4) É imprescindível o desenvolvimento de uma teoria econômica adequada a uma economia mundial, na qual o conhecimento se tornou o recurso-chave econômico e a fonte dominante – ou única – de vantagem comparativa.

5) A sociedade está começando a compreender o novo mecanismo integrador: a organização. Mas ainda é preciso descobrir como equilibrar dois requisitos aparentemente contraditórios. Cada organização deve desempenhar com competência a única função social para a qual ela existe: a escola para ensinar, o hospital para curar os doentes, e a empresa para produzir bens, serviços ou o capital para enfrentar os riscos do futuro. Isto só será possível se cada uma se concentrar de forma coerente em sua missão especializada. Mas para a sociedade também é importante que essas organizações assumam responsabilidades sociais trabalhando com os problemas e desafios da comunidade. Em seu conjunto, essas organizações são a comunidade. A emergência de um setor social forte, independente e capaz – nem público, nem privado – é, portanto, uma necessidade central da sociedade de organizações. Mas isto não basta – as organizações dos setores público e privado têm de dividir o trabalho.

6) A função do governo e o seu funcionamento precisam ser centrais para pensamento e a ação política. O mega estado que este século favoreceu não apresentou um bom desempenho, nem em sua versão totalitária nem na democrática. Ele não cumpriu nenhuma das suas promessas. E o governo por lobistas que se contrapõem não é particularmente eficaz nem atrativo. Contudo, um governo eficaz nunca foi tão necessário como neste mundo altamente competitivo e em constantes mudanças, no qual os perigos criados pela poluição mundial de armamentos. E nem sabemos como serão a teoria política e as instituições políticas necessárias a um governo eficaz na sociedade de organizações baseadas no conhecimento.

Se o século vinte foi de transformações sociais, o século vinte e um precisará ser de inovações políticas e sociais, cuja natureza ainda não é, para Drucker, tão clara quanto sua necessidade.

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Sociedade do conhecimento: do trabalho com as coisas para os serviços

Em todas as culturas e civilizações, em qualquer trabalho que requer aptidões ou confere status, os papeis de homens e mulheres foram distintos e separados, exceto nas últimas décadas. A crença de que as funções e a posição social das mulheres eram sempre inferiores às dos homens era, na melhor das hipóteses, meia verdade. Entretanto, na sociedade do conhecimento de hoje, cada vez mais os homens e mulheres têm as mesmas funções e estão competindo na mesma arena.

Trata-se ainda de um experimento, embora praticamente todos os países desenvolvidos (começando, é claro, com os Estados Unidos) estejam empenhados nele. Pelo que se sabe, o experimento pode fracassar e ser abandonado depois de algumas décadas. Peter F. Drucker acha isso teoricamente improvável, mas com possibilidade de ocorrer. Afinal, o movimento que o precedeu, foi o feminista – que teve início no começo do século dezenove e via a liberdade para as mulheres no fato de elas não terem de trabalhar, sendo seu modelo a dona-de-casa culta de classe média, - e que é hoje amplamente (mas não unanimemente) considerado um erro e um fracasso.

Historicamente, as mulheres sempre trabalharam tão duro quanto os homens. Um fazendeiro precisava ter uma mulher e esta, por sua vez, ter um marido fazendeiro. Um artesão precisava ter uma mulher, e esta, por outro lado, ter um marido ourives ou sapateiro. Nenhum podia cuidar sozinho do negócio. O lojista precisava de uma mulher e nenhuma mulher sozinha seria capaz de cuidar de uma loja.

Porém, homens e mulheres faziam o mesmo trabalho quando este fosse doméstico. Ambos cavavam fossas e trabalhavam juntos: colhiam algodão nos campos. Mas qualquer trabalho que envolvesse habilidade, conferisse posição social ou promovesse renda acima da subsistência mínima era segregado por sexo. Uma fiandeira era mulher e os oleiros sempre homens.

Em todas a sociedades primitivas estudadas pelos antropólogos, os trabalhos que requeriam habilidades ou cavam posição social eram estritamente separados por sexo. Nas ilhas Trobiand, no Oceano Pacífico, esqudadas por Bronislaw Malinowski (que vivei de mil oitocentos e oitenta e quatro a mil novecentos e querenta e dois), enquanto os homens constuíam barcos, tripulavam-nos e pescavam, as mulheres cultivavam a terra e plantavam inhame. Os homens davam metade de seus peixes às mulheres e estas a metade de suas colheitas.

Essa segregação sexual ainda era a regra no século dezenove, na Europa e na América. A primeira das novas funções do conhecimento foi a enfermagem, inventada por Florence Nightingale em mil oitocentos e cinquenta e quatro, durante a Guerra da Crimeia. Ela foi concebida para ser um trabalho exclusivamente de mulheres. Depois que a máquina de escrever tornou-se comum nos escritórios, a função de secretária logo tornou-se feminina. Desde o início, as telefonistas eram mulheres; os instaladores de telefones eram homens.

Até recentemente feminismo significava estender a separação das funções por sexo até os trabalhos domésticos que homens e mulheres faziam em conjunto. A partir de mil oitocentos e cinquenta, quando teve início a agitação para limitar as horas de trabalho das mulheres nas indústrias, o objetivo do feminismo tradicional era ampliar o escopo de ocupações, nas quais

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havia trabalho de homens e mulheres, com cada esfera claramente definida e limitada somente às pessoas de um sexo.

Tão logo houve um número substancial de cargos do conhecimento, as mulheres começaram a se qualificar para eles e ocupá-los. O movimento começou nas últimas décadas do século passado com o ensino e ganhou impulso depois da Primeira Guerra Mundial. Na verdade, a era das notáveis líderes americanas não é a de hoje. Nos anos trinta e quarenta, uma constelação de mulheres excepcionais dominou o cenário americano: Eleanor Roosevelt e Frances perkins no governo e na política, Anna Rosemberg em gerência de pessoal e relações industriais, meia dúzia de presidentes de escolas femininas, Helen Taussig em medicina, Lilian Hellman e Clare Boothe Luce como dramaturgas, Dorothy Thompson em negócios externos e jornalismo. Hilary Clinton representa uma volta a esta geração anterior.

O movimento das mulheres em direção aos mesmos tipos de trabalho do conhecimento dos homens intensificou-se a partir da Segunda Guerra Mundial e se tornou uma causa os últimos quarenta anos. Por seu lado, os homens, em números crescentes, estão entrando naquela que foi, por mais de um século, a única profissão do conhecimento exclusivamente feminina: a enfrmagem. Dois quintos dos enfermeiros anestesitas nos Estados Unidos – todos eles diplomados – são homens.

Quando mais alto o nível do trabalho do conhecimento, maior a probabilidade de homens e mulheres estarem fazendo o mesmo trabalho. Ser uma secretária num banco ainda significa ser mulher, mas uma vice-presidência no mesmo banco pode ser ocupada por um homem ou uma mulher. Cada vez mais, aquilo que a geração de feministas via como um avanço da posição feminina – por exemplo, proibir mulheres de realizarem trabalhos fisicamente perigosos – agora é visto pelas feministas como discriminação contra as mulheres, ou até mesmo opressão.

A menos que esse movimento desapareça – ou volte a um ponto no qual mulher de carreira seja novamente a exceção que era há meio século, ele terá um forte impacto não só sobre as forças de trabalho e as carreiras mas também nas famílias.

Através dos tempos, todas as tentativas para se tirar os filhos de suas mães e colocá-los em instituições coletivas – como era em Esparta, na antiguidade grega – provocavam profundos ressentimentos nas mulheres e foram por elas combatidas. Elas achavam que tais movimentos as privavam de suas legítimas de poder, influência e contribuição. Hoje, a demanda por creches para cuidar de crianças enquanto suas mães trabalham é considerada crucial para a igualdade das mulheres e seu direito.

Através dos tempos, era um axioma que a primeira tarefa da mulher adulta era manter a família unida e cuidar dos filhos e a primeira responsabilidade do homem era sustentá-los. o feminismo de hoje, especialmente em sua forma radical, considera discriminatório o papel da mulher como dona-de-casa e provedora de cuidados para os filhos. Ao mesmo tempo, a mãe sozinha, que não necessita de um homem para sustentar seus filhos, libera o pai da responsabilidade pela família. Então, o que irá significar família amanhã, caso persistam essas tendências? E o que isso significará para a comunidade e a sociedade?

Tudo isso ainda é um tanto especulativo. Mas este fato, que escapa a qualquer coisa que a economia, a sociologia e a ciência política tradicionais sempre consideraram pertencer às suas competências, poderá ser visto daqui a cem anos como a inovação social distintiva do século vinte. Ele é uma reversão de toda a história e todas as tradições.

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No século vinte, a força do trabalho nos países desenvolvidos passou do trabalho manual de fazer e mover coisas – em fazendas, fábricas e minas – para o trabalho do conhecimento e em serviços. Esta é uma mudança importante dos papeis dos eixos no trabalho do conhecimento que afeta profundamente a maneira pela qual se vive.

Ajuste fiscal: impacto significativo mas com percepção diluída

A promessa do ex-vice-presidente, dos Estados Unidos, Al Gore de reinventar o governo, proclamada com grande alarde no primeiro ano da gestão Clinton, produziu somente um bocejo nacional (a promessa semelhante, feita “Contrato com a América” dos republicanos no ano anterior, não teve inicialmente uma resposta melhor). Desde então, não tem havido falta de publicidade a respeito da iniciativa de Gore. Notas sucessivas à imprensa têm anunciado a reinvenção de agências ou programas; grandes conferências, uma delas presidida pelo próprio Clinton, têm sido realizadas, além de muitas aparições na televisão. De todos os programas domésticos do governo Clinton, este foi um no qual houve resultados e não apenas discursos. Contudo, nem o público nem a imprensa mostrou, à época, muito interesse. E as eleições que reconduziram o seu governo a um segundo mandato dificilmente poderiam ter sido consideradas um voto de confiança no desempenho da administração na reinvenção do governo.

Há boas razões para isso. Em qualquer instituição fora do governo federal, as mudanças que estão sendo alardeadas nem mesmo seriam anunciadas, exceto talvez no quadro de avisos do corredor. Elas são coisas do tipo que um hospital espera que suas enfermeiras façam por conta própria, que um banco espera que os gerentes de agências façam por si só e que até mesmo uma fábrica mal dirigida espera de seus supervisores – sem muitos elogios, nem recompensas extras.

Seguem alguns exemplos – infelizmente, bastante típicos:

1) Em Atlanta, Geórgia, seis programas diferentes de bem-estar social, cada um deles com escritório e pessoal próprios, foram consolidados para prestar serviços “de uma só parada”. O programa reinventado está atendendo aos telefonemas da primeira chamada, tão pequeno é o interesse despertado;

2) Em Ogden, Utah, e Oakland, Califórnia, entre outros locais, o IRS (equivalente à Receita Federal do Brasil – RFB) também está experimentando tratar os contribuintes como clientes e com serviços centralizados, nos quais cada funcionário, ao invés de mandar contribuições de uma repartição à outra, dispõe de informações para responder às suas perguntas;

3) E Export-Import Bank foi reinventado. Espera-se agora que ele faça aquilo para o que foi instituído há oitenta anos: ajudar pequenas empresas a obter financiamentos para exportação;

4) O escritório de Pesquisa Geológica em Denver existe para vender mapas dos Estados Unidos ao público. Mas é quase impossível descobrir quais mapas pedir e como pedi-los, uma vez que o catálogo está cuidadosamente oculto; O próprio fato de um mapa estar sendo procurado pelo público praticamente garante que não será possível obtê-lo. Ele não pode ser reimpresso simplesmente porque o público quer comprá-lo; outra agência do governo precisa pedi-lo para uso interno. Portanto, se um mapa vende bem, esgota-se imediatamente.

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Além disso, o depósito é tão mal iluminado que quando chega um pedido para mapa, os funcionários não conseguem achá-lo. A força-tarefa criada para reinventar tudo isso, pelo menos sete meses depois, o máximo que conseguiu foi iluminar melhor o depósito e efetuar algumas pequenas melhorias.

Todavia, para o futuro estão sendo prometidas realizações mais ambiciosas:

1) O Departamento de Agricultura propõe reduzir suas agências de quarenta e duas para trinta, fechar mais de mil escritórios de campo e eliminar onze mil empregos, economizando cerca de três bilhões e seiscentos milhões de dólares em cinco anos;

2) Das trezentas e oitenta e quatro maneiras recomendadas para reinventar o governo identificadas pelo vice-presidente americano em mil novecentos e noventa e três, cerca de metade estava sendo propostas no orçamento para o ano fiscal de mil novecentos e noventa e cinco. Se todas as recomendações tivessem sido aceitas pelo Congresso, deveriam ter resultado em economias de doze bilhões e quinhentos milhões de dólares nos dois anos que se seguiram.

No entanto, nem o enxugamento do Departamento de Agricultura nem as trezentas e oitenta e quatro recomendações do então vice-presidente eram novidades. Sabe-se há muito que grande parte dos escritórios agrícolas estão em cidades e subúrbios, onde não há mais agricultores. Seu fechamento foi inicialmente proposto no governo Eisenhower. A maioria das recomendações de Gore, foi feita há trinta anos, no relatório Grace, durante o governo Reagan.

Também não era certo se todas aquelas propostas e recomendações iriam se tornar leis. Mike Epsy anunciou grandes cortes no inchado Departamento de Agricultura em seis de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, mas se demitiu em trinta e um de dezembro, e nada garantia que haveria alguém na chefia do Departamento empenhado naquelas mudanças.

Mesmo se todas aquelas propostas tivessem sido aprovadas, os resultados teriam sido triviais. A economia que o Departamento de Agricultura propôs, de três bilhões e seiscentos milhões de dólares em cinco anos, significaria setecentos e vinte milhões de dólares por ano – cerca de um por cento do orçamento anual do Departamento de quase setenta bilhões. Uma economia de doze bilhões e quinhentos milhões de dólares parecia grande, mas em dois anos o governo federal gasta três trilhões de dólares. Assim, uma economia anual de seis bilhões de dólares – e isto estava muito acima daquilo que o Congresso estava disposto a aceitar – não passaria de um corte de dois décimos de um ponto percentual do orçamento. Certamente, a única maneira para descrever os resultados dos esforços de Gore até aquele momento era como o velho refrão latino: “A montanha pariu um rato”. Ou seja, em termos numéricos, algo insignificante. Já em termos de efeito moral na economia a longo prazo e não verificável no momento, talvez algo com impacto significativo mas com percepção diluída.

Reengenharia: a reivenção do governo

A razão dada com maior frequência para essa embaraçosa falta de resultados é a resistência da burocracia. É evidente que ninguém gosta de ser reinventado por um decreto de cima. Na verdade, porém, um resultado positivo do programa, do ex-vice-presiente americano Al Gore, de ajuste fiscal e reestruturação do Estado, foi o apoio entusiástico que ele recebeu dos funcionários públicos – especialmente do pessoal de nível operacional que está em contato

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diário com o público e se vê constantemente frustrado pela burocracia e por regras sem sentido como aquelas que os impedem de vender os belos mapas da pesquisa geológica, dos quais se orgulham com razão.

A falta de esforço também não é uma explicação. Algumas das pessoas mais dedicadas em Washington se reúnem todas as semanas para produzir esses resultados embaraçosos. Elas incluem os secretários gerais dos principais departamentos do governo. O ex-vice-presidente Gore – um homem incomumente enérgico – pressionou bastante. E a força motriz por trás do empreendimento é Alice Rivlin, ex-diretora do Escritório de Orçamento do Congresso e então diretora do Escritório de Administração e Orçamento.

Essas pessoas capazes estão chegando rapidamente a lugar nenhum, porque sua abordagem básica está errada. Elas estavam tentando remendar e soldar aqui e ali – e isso nunca leva a nada. Não haverá resultados, a menos que haja uma mudança radical na maneira pela qual o governo federal e suas agências são administrados e pagos. O hábito do aperfeiçoamento contínuo precisa ser embutido em todas as agências do governo e ser tornado auto-sustentado.

O aperfeiçoamento contínuo é considerado uma invenção japonesa recente – os japoneses o chamam de kaizen. Mas ele já era usado há quase cem anos nos Estados Unidos. Da primeira Guerra Mundial até os anos oitenta, quando foi dissolvida, a Bell Telephone System aplicou o aperfeiçoamento contínuo a cada uma das suas atividades e processos, quer se tratasse da instalação de um telefone numa casa ou na fabricação de mesas telefônicas. Para cada uma delas a Bell definia resultados, desempenho, qualidade, custo e fixava uma meta anual de melhoramento. Os seus gerentes não eram premiados por atingir tais metas, mas aqueles que não as alcançavam raramente tinham uma segunda chance.

Outro item necessário – e também uma antiga invenção da Bell Telephone – é o benchmarking: comparar, todos os anos, o desempenho de uma operação ou agência do serviço com o desempenho de todas as outras, com o melhor tornando-se o padrão a ser atingido por todas no ano seguinte.

Aperfeiçoamento contínuo e benchmarking são praticamente desconhecidos nas agências do serviço civil do governo dos Estados Unidos. Eles aspiram mudanças radicais em políticas e práticas, as quais provocam resistência por parte da burocracia, dos sindicatos dos servidores federais e do Congresso. Além disso, tencionam que cada agência e escritório dentro dela defina o seu objetivo de desempenho, qualidade e custo. O aperfeiçoamento contínuo e o benchmarking também precisam de incentivos diferentes. Uma agência que não melhorasse seu desempenho, um mínimo prefixado, teria seu orçamento cortado, como na Bell Telephone. E o gerente cuja unidade ficasse consistentemente abaixo do padrão fixado pelos melhores desempenhos seria penalizado em termos de remuneração e de possibilidade de promoção. Aqueles com mau desempenho seriam finalmente rebaixados ou demitidos.

Mas nem mesmo essas mudanças, embora consideradas radicais por quase todos no congresso ou na burocracia federal, poderiam garantir por si só que algo fosse feito, porque aquilo que não será feito sempre poderá ser melhorado; assim, normalmente vemos os maiores melhoramentos em coisas que não são executadas.

Toda organização, seja biológica ou social, precisa mudar sua estrutura básica caso mude seu porte de forma significativa. Toda organização que dobra ou triplica seu tamanho precisa ser reestruturada. Analogamente, qualquer organização, seja ela uma empresa ou uma agência de governo, precisa repensar a si mesma quando tem mais de quarenta ou cinquenta anos. Ela superou suas políticas e regras de comportamento e se continuar com seus velhos hábitos, tornar-se-á ingovernável, inadministrável, incontrolável.

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A parte civil do governo americano superou seu tamanho e suas políticas. Hoje ela é muito maior do que durante a administração Eisenhower. Sua estrutura, suas políticas e regras para governar e administrar pessoas remontam ainda a mais longe. Elas foram desenvolvidas na administração McKinley depois do ano de mil oitocentos e noventa e seis e concluídas na administração de Herbert Hoover entre mil novecentos e vinte e nove e mil novecentos e trinta e três.

Certamente, não faz sentido culpar este ou aquele presidente pela desordem do governo. Não é culpa dos partidos políticos; o governo ultrapassou as estruturas, políticas e regras para ele concebidas e ainda em uso.

Downsizing: encolhendo para crescer

Numa situação de desordem, a primeira reação é sempre fazer aquilo que o ex-vice-presidente, dos Estados Unidos, Al Gore e seus associados fizeram: remendar. Nunca dá certo. O passo seguinte foi recorrer aos cortes. A admimnistração pega um facão e sai dando golpes indiscriminadamente. Foi isso que tanto os então oposicionistas republicanos quanto a administração Clinton se propuseram a fazer na época. Nos últimos trinta e cinco anos, todas as grandes empresas americanas fizeram isso, entre elas a IBM, a Sears e a GM. Cada uma anunciou antes que a demissão de dez mil, vinte mil ou mesmo cinquenta mil pessoas – mais uma vez, sem resultados. Na maioria dos casos, os cortes de pessoal mostraram ser aquilo contra o que os cirurgiões por séculos sempre alertaram: amputação antes do diagnóstico. O resultado é sempre uma incapacitação.

Mas houve algumas organizações – grandes empresas (a General Eletric, por exemplo) e grandes hospitais (como o Beth Israel, em Boston) – que, em silêncio, sem alarde, se reformularam, repensando a si mesmas. Elas não começaram pelos cortes e sabiam que iniciar pela redução de gastos não seria o caminho para conseguir o controle dos custos. O ponto de partida é identificar as atividades que são produtivas, que devem ser fortalecidas, promovidas e expandidas. Toda agência, política, atividade e programa devem ser confrontados com as seguintes perguntas: “Qual é sua missão?”, “Ela ainda é a missão correta?”, “Isso ainda vale a pena ser feito?”, “Se já não estivésssemos fazendo isso, nós começaríamos a fazer agora?”. Este questionamento tem sido feito com frequência em todos os tipos de organizações – empresas, hospitais, igrejas e até governos municipais – e sabe-se que funciona.

A resposta global quase nunca é: “Isso está ótimo como está; vamos continuar assim.”. em muitas áreas, a resposta à pergunta é: “Sim, começaríamos de novo, mas com algumas mudanças. Aprendemos alguma coisa.”.

Um exemplo é a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA – sigla em inglês) criada em mil novecentos e setenta. A segurança no local de trabalho é certamente a missão correta da OSHA. Mas a segurança no local de trabalho não melhorou muito nos Estados Unidos nesses quarenta e cinco anos. Pode até haver uma pouco menos de ferimentos incapacitadores agora do que em mil novecentos e sessenta e em mil novecentos e setenta, e também a força de trabalho cresceu sobremaneira durante esses anos. Porém, considerando-se a passagem constante da força de trabalho altamente inseguros para seguros (por exemplo, da mineração de carvão a grandes profundidades à mineração de superfície e especialmente a passagem de empregos na manufatura, inerentemente perigosos, para funções em escritórios e de serviços, inerentemente seguras), a segurança no local de trabalho pode até ter se deteriorado a partir de mil novecentos e setenta. Um resultado destes normalmente significa que

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se realizou a tarefa certa da maneira errada. No caso da OSHA, até que o problema é compreensível. Ela opera a partir da hipótese de que um ambiente inseguro é a causa principal de acidentes. Portanto, tenta fazer o impossível: criar um universo isento de riscos. A eliminação dos riscos é a coisa certa a ser feita. Mas ela é apenas uma parte da segurança, e provavelmente menor. De fato, por si só ela não consegue quase nada. A maneira mais eficaz para produzir segurança é eliminar o comportamento inseguro. A definição da OSHA para acidente – “quando alguém sai ferido” – é inadequada. Para haver uma redução nos acidentes, a definição tem de ser “uma violação das regras de comportamento seguro, quer ou não alguém saia ferido”. Esta é a definição sob a qual os Estados Unidos cuidam de seus submarinos nucleares. Qualquer um de seus tripulantes, do comandante ao marinheiro menos graduado, é punido pela menor violação das regras de comportamento seguro, mesmo que ninguém saia ferido. Em consequência disso, os submarinos nucelares têm um recorde de segurança inigualado por qualquer fábrica ou instalação militar do mundo; contudo, é difícil imaginar um ambiente mais inseguro que um submarino nuclear repleto de pessoas.

Obviamente o programa da OSHA deve ser mantido, talvez até expandido, mas precisa ser refocalizado.

O repensar irá identificar uma série de agências, cuja missão não é mais viável, se é que o foi um dia – agências que não teriam sido criadas hoje se houvesse essa opção.A missão da agência pode estar concluída, como no caso da mais intocável das instituições, a Administração dos Veteranos (VA – sigla em inglês), com seus cento e setenta e um hospitais e cento e trinta asilos. Quando estes hospitais foram construídos, por volta de mil novecentos e trinta, os bons hospitais eram escassos nas áreas rurais e pequenas cidades onde viviam muitos veteranos. Hoje há bons hospitais em quase toda parte. Em termos médicos, a maioria dos hospitais da VA é, na melhor das hipóteses, medíocre, além de extremamente dispendiosos. Pios ainda, eles estão em locais afastados e os veteranos – em especial os mais velhos, com doenças crônicas – têm de se afastar de suas comunidades e famílias exatamente quando mais necessitam de seu apoio. Os hospitais e asilos da VA realizaram há muito tempo aquilo para o que foram criados. Eles deveriam ser fechados e os seu trabalho transferido para hospitais locais. Ou pode não haver mais a missão. A propósito, será que criaríamos hoje um Departamento de Agricultura separado? Muitos americanos responderiam que não. Agora que os agricultores não são mais do que três por cento da população, e os produtivos a metade disso, é provável que os Estados Unidos necessitem apenas de um escritório na Secretaria do Comércio ou do Trabalho.

Algumas atividades, perfeitamente respeitáveis, deveriam ser feitas por outros. Por exemplo, por que uma agência científica, como a de Pesquisa Geológica, deve ter uma atividade de varejo? Existem empresas suficientes, como lojas de mapas ou cadeias de livrarias, para vender os mapas, ou estes podem ser oferecidos nos catálogos de empresas que vendem artigos para a vida ao ar livre.

Continuar com atividades que não seriam iniciadas hoje é um desperdício. Elas devem ser abandonadas. Não é sabido quantas atividades do governo deveriam ser preservadas, mas a experiência de Peter F. Drucker com muitas organizações sugere que o público votaria contra a continuação de algo em torno de dois quintos, talvez a metade, de todas as agências e programas civis. E quase nenhuma delas seria considerada bem organizada e bem operada.

Downsizing: boas intenções versus resultados

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Em conjunto, é provável que de três quintos a dois terços dos programas e atividades de qualquer organização sejam reprovados. Os casos difíceis são os programas e atividades que são improdutivos ou contraproducentes sem que se saiba bem o que está errado e menos ainda como corrigi-lo.

Dois grandes e altamente elogiados programas do governo americano estão nesta categoria. O programa de bem-estar social é um exemplo visível. Quando foi concebido, no final dos anos trinta, ele funcionava muito bem. Mas as necessidades que ele então supria eram diferentes daquelas que deveria suprir hoje: mães solteiras, crianças sem pai, pessoas sem educação, aptidões ou experiência de trabalho. O fato de ele ajudar ou atrapalhar é alvo de acalorados debates, mas poucos afirmam que ele funciona ou mesmo alivia os males sociais que deveria curar. E há também o esteio da política externa americana durante os anos da Guerra Fria: a ajuda militar. Se for prestada a um aliado que está empenhado numa luta, pode ser muito produtiva: considere o acordo de Empréstimo e Arrendamento à Grã-Bretanha nos anos de mil novecentos e quarenta e mil novecentos e quarenta e um e a ajuda militar a Israel. Mas esta ajuda é contraproducente se for dada em tempo de paz para criar um aliado – uma proposição de Plutarco e Suetonius já aceitavam como comprovada há quatro mil anos. Certamente, as piores confusões recentes em política externa – Panamá, Irã, Iraque e Somália são bons exemplos – foram causadas pelo fato de os Estados unidos prestar ajuda militar para criar aliados. Pouca ou nenhuma ajuda militar prestada desde o início da Guerra Fria produziu de fato um aliado. Na realidade, ela costuma produzir inimigos, como no caso da ajuda militar soviética ao Afeganistão.

A prescrição favorita para esses programas e atividades é de reformá-los. A proposta de reforma do programa de bem-estar social do presidente Bill Clinton é um exemplo, assim como a reforma proposta pela nova maioria republicana. Ambas são charlatanices. Reformar uma coisa que funciona mal sem saber o porquê somente poderá piorar. O melhor a fazer com tais programas é aboli-los.

Talvez seja necessário efetuar poucos experimentos controlados. Por exemplo, o bem-estar social seria possível tentar, em lugares cuidadosamente escolhidos do país, privatizar o retreinamento (ou reabilitação profissional) e a colocação dos beneficiários mais antigos do programa. Stephen Goldsmith obteve, quando prefeito de Indianápolis, resultados promissores nesta área. Em serviços de saúde, seria possível tentar várias abordagens em diferentes Estados: por exemplo, concorrência administrada na Califórnia, local de atuação do forte e experimentado atacadista de serviços de saúde, Kaiser Permanente; um sistema de pagador único, baseado no modelo canadense, em Nova Jersey, onde tem havido o apoio ao sistema, no Oregon racionalizar com base nas expectativas médicas, como está sendo feito para se cuidar de indigentes.

Mas nas áreas em que não há sucessos a serem testados – como, na ajuda militar - , não deve-se sequer experimentar. Não há hipóteses para testar. Deve-se abandonar.

O repensar irá produzir uma lista tendo, no topo, os programas e atividades que devem ser fortalecidos e abandonados no final e, entre eles, os que precisam ser focalizados ou nos quais certas hipóteses poderão ser testadas. Alguns deles poderão, a despeito da ausência de resultados verificáveis, receber um período de graça de alguns anos antes de serem reformulados. O programa de bem-estar social pode ser um bom exemplo.

O repensar não está primordialmente preocupado com cortes de despesas. Acima de tudo, ele conduz a grandes melhorias de desempenho, qualidade e atendimento. Grandes economias em custos – em alguns casos, até de quarenta por cento do total – sempre surgem como subproduto. O repensar poderá produzir economias suficientes para eliminar o déficit fiscal federal dentro de poucos anos. Porém, o resultado principal será uma mudança na

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abordagem básica, porque enquanto os responsáveis pela política classificam os programas e atividades e acordo com suas boas intenções, o repensar os classifica de acordo com os resultados.

Downsizing: as políticas públicas que enxugam gelo

Qualquer leitor, segundo Peter F. Drucker, que tenha chegado até este tema irá exclamar: “Impossível. Certamente, nenhum grupo de pessoa chegará a um acordo sobre o que deve ficar no topo da lista ou ir para o seu final”. Mas supreendentemente, em todos os lugares em que foi feito o repensamento do tamanho ideal do Estado, tem havido um acordo substancial a respeito da lista, independente dos antecedentes ou das crenças das pessoas envolvidas. Raramente há desacordo sobre o que deve ser mantido, fortalecido ou abandonado. Normalmente, ele ocorre a respeito de um programa ser eliminado imediatamente ou colocado em experiência por dois ou três anos. Os programas aos quais as pessoas não chegam a m acordo são aqueles ligados não a resultados, mas a imperativos morais.

O melhor exemplo americano é a Guerra às Drogas. Depois de muitos anos, ela teve pouco efeito sobre o abuso e o vício e grande parte deste foi pernicioso, contribuindo para a destruição das cidades; os viciados estão se prostituindo, roubando ou matando para ganhar o suficiente para pagar por aquilo que a Guerra às Drogas tornou proibitivamente caro. Tudo o que a Guerra às Drogas está fazendo é enriquecer os traficantes e penalizar e aterrorizar os não-viciados, especialmente nas zonas centrais das grandes cidades. Mas esta guerra é uma cruzada; o que está por trás dela não é a lógica, mas o abuso. Parar esta guerra, não importa como ela beneficia, seria imoral. O certo é excluir tais cruzadas da análise racional envolvida no repensamento do tamanho ideal do Estado. Felizmente, elas não são muitas. Quanto ao restante – mais de noventa por cento de todos os programas e atividades – é muito provável que o repensamento do tamanho ideal do Estado produza uma concordância substancial.

Seguramente irão argumentar que mesmo um consenso total entre pessoas altamente respeitadas será inútil, porque o Congresso não aceitará nada disso, nem a burocracia. E os lobistas e interesses especiais do todos os gêneros unir-se-ão contra algo considerado por Drucker, tão subversivo.

Reengenharia: downsizing quando poucos confiam no governo

Seguramente irão argumentar que mesmo um consenso total entre pessoas altamente respeitadas será inútil, porque o congresso não aceitará o fim das políticas públicas consideradas “de enxugar gelo”, como por exemplo, a Guerra às Drogas. Nem a burocracia. E os lobistas e interesses especiais de todos os gêneros unir-se-ão contra algo tão subversivo.

A verdade é que agir de acordo com o repensamento do tamanho do Estado é impossível hoje. Mas será impossível amanhã? Numa das eleições presidenciais norte-amerianas, quaer um quinto do eleitorado votou em Ross Perot, o homem que prometeu se livrar do déficit cortando os gastos governamentais. Um n´mero substancial – talvez outro quinto – concordou com os objetivos de perot, mesmo não tendo votado nele. Nesse momento, o défcit federal está em declínio. Porém, mesmo sem uma reforma nos serviços de saúde ou no bem-estar social, o déficit subiria novamente, de maneira explosiva, no máximo até mil novecentos e

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noventa e sete. E então a exigência pela sua redução poderá se tornar irresistível e subjugar o Congresso, a burocarcia e os lobistas. Se até aquele momento não tivesse ocorrido um programa de repensamento do tamanho do Estado racional do desempenho do governo, é provável que se fizesse aquilo que muitas grandes empresas fizeram: aplicar o facão e cortar. Iremos, assim, destruir desempenho, mas sem reduzir o déficit. Era previsível que serriam cortadas as coisas erradas – aquelas que funcionam e deveriam ser fortalecidas.

Porém, ser houver um plano que mostre como e onde o governo precisa ser repensado, haverá uma chance. Em momentos de crise, todos se voltam para as pessoas que determinaram antecipadamente o que deve ser feito. É claro que nenhum plano, por mais elaborado que fosse, seria realizado exatamente como estava escrito. Até mesmo um ditador precisa fazer concessões. Mas este plano serviria como o ideal em relação ao qual são medidas as concessões. Ele poderá nos impedir de sacrificar coisas que devem ser fortalecidas para manter aquelas que são obsoletas e improdutivas. Ele não garantiria que a maioria das coisas improdutivas seria cortada, mas poderia manter as produtivas. É provável que viria-se a enfrentar essa crise dali a poucos anos, quando o orçamento e o déficit federais retomassem seu crescimento explosivo e os contribuintes se tornassem mais avessos a aumentos de tributos, passando a desprezar ainda mais o governo e suas promessas.

Na verdade, podemos estar muito próximos de ter que reiventar o governo. A teoria sobre a qual todos os governos no mundo desenvolvido têm operado desde a Grande Depressão (Harry Hopkins, conselheiro de Franklin Roosevelt, chamava essa teoria de “Tribute e tribute, gaste e gaste”) não mais produz resultados e nem mesmo votos. O estado ama-seca é um fracasso total. Em toda parte – nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na antiga União Soviética – o governo tem se mostrado incapaz de dirigir a comunidade e a sociedade. E em toda parte os eleitores se revoltam contra a futilidade, a burocracia e os ônus do estado ama—eca. A esmagadora maioria com a qual os eleitores da Califórnia aprovaram, em novembro de mil novecentos e noventa e quatro, a Proposição número cento e oitenta e sete, abolindo a assistência médica e até mesmo o ensino gratuito para imigrantes ilegais, é apenas um exemplo. Mas a contrateoria que prega um retorno ao governo de antes da Primeira Guerra também não teve sucesso – a teoria formulada em mil novecentos e quarenta e quatro no livro titulado O estrada da servidão de autoria de Friederich Hayek, que culminou no neoconservadorismo. A despeito da ascendência desta teoria nos anos oitenta e de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, o estado ama-seca não encolheu. Ao contrário, ele está crescendo mais depressa. Como logo irá constatar a maioria republicana, nem a manutenção nem a redução do estado ama-seca são aceitáveis para o público.

Ao invés disso, há de se descobrir quais programas e atividades do governo servem a uma finalidade na comunidade e na sociedade. Que resultados devem ser esperados de cada um? O que podem fazer efetivamente os governos – federal, estaduais e municipais (e dos condados, no caso dos Estados Unidos) – e quais são as maneiras não-governamentais para se fazer coisas válidas que não podem ser feitas pelos governos?

Ao mesmo tempo, como aprendeu o ex-presidente Bill Clinton em seus primeiros dois anos, o governo não pode dar as costas ao mundo e se tornar somente doméstico, como ele tanto gostaria de fazer. Os incêndios no exterior – na Bósnia, em Ruanda, na antiga União Soviética – precisam receber atenção, porque eles têm o péssimo hábito de se alastrar. E a crescente ameaça do terrorismo internacional, especialmente se usada como arma por governos criminosos, irá sem dúvida exigir maior envolvimento do governo em assuntos externos, inclusive militares, e mais cooperação internacional.

A esta altura já ficou claro que um país desenvolvido não pode nem ampliar o governo, como querem os assim chamados liberais, nem aboli-lo e voltar à inocência do século dezenove, como desejam os assim-chamados conservadores. O governo necessário, na visão de Peter F. Drucker, terá de transcender ambos os grupos. O megaestado que o século vinte

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construiu está falido, moral e financeiramente. Ele não funcionou. Mas seu sucessor não pode ser o governo pequeno. Há muitas tarefas, domésticas e internacionais. É necessário um governo eficaz – e é por isso que clamam os eleitores em todos os países desenvolvidos.

Portanto, necessita-se de algo que não existe: uma teoria daquilo que o governo pode fazer. Nenhum grande pensador político – pelo menos desde Maquiavel, há quase quinhentos anos – dedicou-se a esta questão. Toda teoria política, desde Locke até os artigos publicados pelos liberais e conservadores de hoje, trata do processo do governo: constituições, o poder e suas limitações, métodos e organizações. Nenhuma trata da substância e nem pergunta quais poderiam ser as funções adequadas do governo e quais seriam possíveis. Nenhuma pergunta por quais resultados o governo deveria ser responsável. Repensar o tamanho do Estado, seus programas, suas agências, suas atividades não trará uma nova teoria política, mas sim informações factuais para ela. Muita coisa já está clara: a nova teoria política que tanto é requerida terá que se basear numa análise daquilo que funciona e não em boas intenções e promessas. Repensar o tamanho do Estado não trará respostas, mas poderá forçar a se fazer perguntas certas.

Este é o momento de começar, quando as pesquisas mostram que menos de um quinto do público americano confia que o governo faça qualquer coisa certa. Até agora, a reinvenção do governo do ex-vice-presidente americano Al Gore é um slogan vazio no qual contém aquilo de que necessitam desesperadamente os governos livres.

Formação de capital: consumo versus poupança

O comunismo perdeu a guerra fria. Esta também não foi ganha pelo liberalismo. Agora as democracias precisam conquistar a paz. E isto pode ser mais difícil, como ensina a história. Sessenta anos bastaram para que as democracias melhorassem de forma visível. Hoje espera-se que elas sejam boas e medidas em relação às suas declarações e ao seu desempenho. Agora, as democracias precisam repensar e reformular a si mesmas.

Para conquistar a paz, as democracias precisam especificamente: 1) recuperar o controle de suas políticas domésticas, econômicas e fiscais, todas perdidas em consequência da falência do Estado Keynesiano do Déficit; 2) deter e reverter a corrosão e a crescente decadência da sociedade doméstica causada pelo fracasso do Estado do Bem-estar Social e 3) promover em todo o mundo a sociedade civil, sem a qual não pode haver estabilidade política nem social e menos ainda nos países ex-comunistas, porque hoje sabe-se que o livre mercado, apesar de economicamente eficaz, por si só não constroi nem sustenta uma sociedade que funcione.

Durante sessenta anos, as políticas domésticas dos países desenvolvidos têm sido dominadas por dois conjuntos de crenças, cada um considerado evidente em si mesmo: 1) uma delas é a crença keynesiana (ou neokeinesiana) no Estado do Déficit, que se baseava em três afirmações econômicas: o consumo cria automaticamente a formação e o investimento de capital (o multiplicador keinesiano), a poupança é perigosa para a saúde econômica (o excesso de poupança de Keynes) e os déficits governamentais estimulam a economia e 2) o outro conjunto, a crença no Estado do Bem-estar Social, fundamentava-se em duas afirmações sociais. A primeira é que o governo pode e deve redistribuir a renda para promover maior igualdade da mesma – uma afirmação que, quando pronunciada pela primeira vez como política de governo (por David Lloyd George, quando este se tornou ministro da Fazenda no Gabinete

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liberal britânico em 1908), foi considerada a mais radical das heresias, mas se tornou ortodoxia na Grande Depressão. A segunda afirmação: o que os pobres necessitam é dinheiro, que poderia ser chamada de credo do Trabalhador Social.

Ambas as crenças foram definitivamente desmentidas, ao ver de Peter F. Drucker.

No ocidente, todas as democracias vieram a aceitar essas crenças – embora a Alemanha aceitasse as proposições keynesianas somente com grandes reservas. O Japão, com sua preferência habitual pela ambiguidade em políticas, nunca aceitou nem rejeitou completamente essas crenças e seguiu suas prescrições somente de forma intermitente.

Originalmente, as duas crenças opunham-se. Keynes era sincero em seu desprezo pelo Estado do Bem-estar Social. Ele afirmava que sua economia efetuaria gastos sociais desnecessários em larga escala e considerava fútil qualquer tentativa governamental para redistribuir a renda. Os proponentes do Teorema do Bem-estar Social não tinham o que fazer com o Livre Mercado no qual Keynes acreditava com paixão. Entretanto, depois da Segunda Guerra Mundial, os dois descobriram que precisavam um do outro. O fato de Keynes colocar o consumo acima da poupança e sua defesa dos déficits converteu a caridade em estímulo econômico, possibilitando, pois, que a classe média aceitasse os gastos do bem-estar social com os pobres. A economia keynesiana, a despeito da sua inclinação pela classe média e pelo mercado livre, necessitava do apoio político dos progressistas e socialistas. Assim, os dois uniram-se e formaram o Estado Keynesiano do Bem-estar Social, o qual governou por sessenta anos. As diferenças que havia nas democracias, em políticas econômicas e fiscais entre republicanos e democratas nos Estados Unidos, entre conservadores e trabalhistas no Reino Unido, entre democratas cristãos e socialistas da Alemanha eram principalmente de graduação. Os supply-siders de Reagan aceitavam plenamente os princípios básicos do Estado do Bem-estar Social, apesar de serem considerados arqui conservadores. Cada lado, tanto a direita como a esquerda dizia que era melhor na construção e operação do Estado Keynesiano do Bem-estar Social o que explica, em grande parte, porque os déficits governamentais cresceram mais depressa sob governos supostamente conservadores, como, por exemplo, Reagan nos Estados Unidos, Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha.

Na verdade, nunca houve qualquer evidência que apoiasse as proposições keynesianas – fato salientado por economistas eminentes como Lionel Robbins na Inglaterra e Joseph Schumpeter nos Estados Unidos, quando Keynes publicou suas teses em meados dos anos trinta. Hoje essas proposições estão, na visão de Peter F. Drucker, tão desacreditadas que os economistas nem as mencionam. Em parte alguma o aumento do consumo conduziu à formação de capital, exceto, talvez, em situações pontuais de elevada demanda reprimida. Ao contrário, os Estados Unidos e o Reino Unido, que empurraram o consumo de forma mais consistente e radical, têm as menores taxas de formação de capital. Nos Estados Unidos, ela flutua há muito em torno de desanimadores quatro por cento da renda disponível. No Reino Unido, ela despencou de oito ou nove por cento para cinco por cento da renda disponível em mil novecentos e oitenta e nove, quando Margaret Thatcher tentou (sem sucesso) estimular uma economia doente empurrando (com sucesso) o consumo. Por outro lado, o Japão, enquanto desencorajou o consumo, tinha uma taxa de formação de capital de quase vinte e cinco por cento da renda disponível. Mas quando em meados dos anos oitenta ele tentou combater uma recessão súbita elevando o consumo (a propósito, com resultados desastrosos), a taxa de formação de capital caiu para dezesseis por cento da renda disponível e ficou lá.

O excesso de poupança mostrou ser um mito. Ninguém mais acredita na afirmação de Keynes de que ele tinha algo a ver com a Grande Depressão no Japão, como dizia a teoria; ao contrário, a alta taxa de formação de capital do país é universalmente considerada um fator chave para seu sucesso econômico. O suprimento abundante de poupança empurrou os juros para um nível tão baixo que as grandes empresas japonesas podiam obter capital a um custo quase zero, enquanto os americanos e europeus tinham de pagar quinze por cento ou mais pelo

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seu dinheiro. Assim, o Japão tinha uma vantagem de dez por cento nos custos sobre seus concorrentes no mercado mundial – e até mesmo uma vantagem de cinco por cento normalmente é decisiva.

Também não houve um só caso dos gastos dos governos estimularem a economia e muito menos deles reverterem uma recessão ou depressão.

O único caso que costuma ser citado como exemplo em contrário, o assim chamado corte nos impostos de Kennedy em mil novecentos e sessenta e dois, é falso. A economia de fato recuperou-se nos anos de mil novecentos de sessenta e dois e mil novecentos e sessenta e três, mas não houve nenhum corte de impostos. Ao contrário, a carga fiscal subiu nos anos de mil novecentos e sessenta e dois e mil novecentos e sessenta e três em parte porque o Presidente Kennedy não conseguiu que o Congresso aprovasse sua proposta-chave para um corte no imposto sobre ganhos de capital, em parte porque os Estados e Municípios elevaram seus impostos mais rápido e em porcentagens maiores que o governo federal reduziu o dele. Nos Estados Unidos não só a União mas também os Estados e Municípios também pode dispor sobre tributação, diferentemente do que ocorre, por exemplo, no Brasil, onde só a União pode dispor sobre o tema de maneira mais centralizada. Contrariamente às promessas dos economistas keynesianos, os ciclos dos negócios não foram eliminados. Também não há diferença, seja em frequência, seja em severidade, entre as recessões do período posterior à Segunda Guerra Mundial (que é o período do Estado Keynesiano de Bem-estar Social) e aquelas ocorridas no século dezenove e início do século vinte.

Se houvesse qualquer validade nas teorias dos Estado Keynesiano do Bem-estar Social, as democracias estariam nadando em dinheiro. Os gastos dos governos teriam estimulado tanto a economia, que tanto a formação de capital como as receitas fiscais teriam ido às alturas. Em pouco tempo, teria havido enormes superávits orçamentários. Os partidários do presidente Reagan ainda prometeram isso. Ao contrário, as democracias – com exceção do Japão – estão tão endividadas que somente podem pagar suas contas se os credores lhes emprestarem cada vez mais dinheiro. O termo apropriado para esta situação é insolvência.

Bem-estar social: a desigualdade de renda e os investimentos

Alguns economistas keynesianos – Robert Eisner, da Northwesern University, é um exemplo – ainda afirmam que os déficits governamentais não têm importância. Mas nem mesmo eles afirmam que são benéficos. Fora dos Departamentos de Economia, todos -empresários, líderes trabalhistas, banqueiros, investidores, os mercados de ações e de bônus – sabem que os déficits só podem ser danosos. Ao primeiro sinal de aumento no déficit governamental, mercado de ações cai, o dinheiro deixa o país e os investimentos das empresas secam, levando consigo os empregos. Acima de tudo, ninguém mais duvida de que os déficits governamentais destroem a formação de capital, pelo menos na visão de Peter F. Drucker. Isto significa que, para pagar suas contas, os governos que incorrem em déficits contínuos não podem fazer empréstimos internos para se financiarem tornando-se cada vez mais dependentes de dinheiro do exteriro tomado a prazos cada vez mais curtos. Este é um dinheiro extremamente volátil, que se assusta facilmente e é propenso ao pânico.

Os pânicos financeiros foram a perdição do século dezenove. Portanto, a afirmação de Keynes, de que sua economia colocaria um fim neles de uma vez por todas, foi um motor importante para a sua aceitação. Mas os pânicos voltaram como uma vingança, e hoje são tão

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abundantes quanto há cento e vinte anos e igualmente destrutivos. Em mil novecentos e oitenta e um, uma evasão de capital de três dias devastou os mercados financeiros franceses e ameaçou se transformar numa corrida aos bancos. Ela forçou o presidente Metterand a deixar de lado todas as promessas sociais sobre as quais havia vencido a eleição apenas alguns meses antes. Anos mais tarde, um pânico forçou a Suécia a elevar as taxas de juros, da noite para o dia, a desastrosos trinta por cento. Vinte e cinco anos atrás, outro pânico, causado pela evasão do dinheiro estrangeiro, quase destruiu a lira italiana. E em mil novecentos e noventa e quatro o pânico provocou uma corrida sobre o peso mexicano, desvalorizando-o da noite para o dia em cinquenta por cento e destruindo anos de trabalhos penosos que haviam elevado a economia até o limiar de se tornar desenvolvida, ou no mínimo emergente.

Nenhum país que pratica a Economia do Bem-estar Social de Keynes pode ser considerado imune ao pânico, pelo menos segundo Drucker. Na verdade, a lista dos que estão à beira do abismo está crescendo – na Europa, os piores casos são a Itália 9com déficit governamental equivalente a cento e vinte e cinco por cento da renda disponível; e uma taxa de formação de capital nula ou negativa) e a Suécia (déficit de dez por cento da renda; dívida de cem por cento da renda e taxa de formação de capital inferior a dois por cento). A Bélgica, Holanda, Espanha e Dinamarca não estão muito melhor, enquanto a Grã-Bretanha e França apenas marginalmente melhor e o Canadá está quase tão próximo da bancarrota quanto a Suécia. O déficit americano é relativamente baixo em relação à renda disponível – cerca de dois por cento, não mais que o Japão. Mas pelo fato da sua taxa de formação de capital ser totalmente inadequada, os Estados Unidos dependem tanto quanto os europeus de dinheiro externo a curto prazo ficando assim, igualmente vulneráveis ao pânico. Na verdade, os Estados Unidos já sofreram dois minipânicos (sem considerar o de dois mil e oito). O colapso do mercado de ações de mil novecentos e oitenta e sete foi causado pelo fato de os japoneses terem entrado em pânico e desagregado enormes quantidades de bônus do Tesouro dos Estados Unidos. E o colapso do mercado de bônus de mil novecentos e noventa e três – também causado por uma evasão súbita de capital estrangeiro – forçou o presidente Clinton a abandonar seus planos de estimular a economia e aceitar a prioridade do Conselho Federal Reserve (o equivalente ao Banco Central do Brasil nos EUA) presidido por um republicano (partido opositor ao de Clinton) – para aplacar os credores estrangeiros, isto é, combater a inflação mesmo com o risco de uma recessão doméstica.

As piores consequências do fracasso do Estado Keynesiano do Bem-estar Social não são econômicas. A crescente dependência do dinheiro estrangeiro a curto prazo e volátil impossibilita os governos de fixar e seguir políticas. Ela subordina cada vez mais a soberania aos caprichos de um errático mercado mundial monetário, movido por boatos e sem horizonte de longo prazo. Um exemplo recente: para atrair e manter o dinheiro de curto prazo necessário para financiar a política de unificação do primeiro-ministro alemão Kohl (ultrakeynesiano), a Alemanha precisou, em mil novecentos e noventa e três e mil novecentos e noventa e quatro, elevar as taxas de juros e mantê-los no alto. Isto prejudicou seriamente os vizinhos da Alemanha na Europa, que já estavam sofrendo com o desemprego em massa. Eles tiveram, então, que elevar suas taxas de juros já altas para evitar a evasão do dinheiro de curto prazo para a Alemanha. Em toda a Europa, os alemães foram criticados por seu egoísmo. Porém, eles não tinham escolha – as metas mais queridas de Kohl durante toda a sua vida política.

O Estado Keynesiano do Bem-estar Social também não cumpriu sua promessa social de redistribuir a renda, meta também não alcançada por Estados Liberais. Promoveu, portanto, sua igualdade. Ao contrário, existe uma correlação quase prefeita, nas principais democracias, entre os gastos do Estado do Bem-estar Social e a desigualdade de renda, pelo menos em grandezas tangíveis, segundo Drucker. O país com a menor desigualdade de rendas também é aquele com o menor déficit, a menor taxa de gastos sociais (somente doze por cento da renda disponível) e a mais alta taxa de formação de capital: o Japão. Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e mesmo na Alemanha (com taxas de gastos sociais, respectivamente, de quinze, vinte e três e vinte e sete por cento), a desigualdade de renda cresceu com os gastos sociais.

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Política partidária: direita e esquerda explodindo juntas

A liquidação do Estado do Déficit não pode mais ser evitada, nem ser adiada por muito tempo, pelo menos na visão de Peter F. Drucker. Ela é claramente a tarefa política número um enfrentada pelas democracias, e será sua realidade política nesta década, o que significa o fim dos sempre crescentes direitos da classe média. Inventados há pouco mais de cento e vinte anos na Alemanha de Bismarck do ano de mil oitocentos e oitenta, os direitos agora tornam-se uma ameaça à própria sobrevivência da democracia, senão do estado moderno. A única maneira pela qual as democracias podem recuperar o controle de suas finanças – e com ele, das políticas econômicas, social e externa - ´cortar fundo os direitos, sejam eles de serviços de saúde (gastos que estão fugindo ao controle em todos os países desenvolvidos), na seguridade social, em pensões e, na Europa, em benefícios aos desempregados.

Sabe-se há muito que os direitos da classe média ameaçaram a prosperidade das democracias, sua saúde e até a sua própria sobrevivência. Em mil novecentos e oitenta e oito isto foi provado com rigor matemático por Peter G. Peterson (antigo Secretário do Comércio do presidente Nixon) em seu livro Em tempo de empréstimo: como o crescimento da despesa de direito ameaça o futuro da América. Mas ninguém estava ainda disposto a ouvir.

Qualquer tentativa de cortar esses direitos – ou mesmo de reduzir seu crescimento – ainda enfrenta forte resistência. Há vinte e cinco anos, os eleitores suecos puseram para fora o governo liberal que propôs um limite para alguns programas que haviam claramente escapado do controle. Pouco depois, Silvio Berlusconi, primeiro-ministro da Itália, foi posto para fora do governo pelo mesmo motivo. Alguns meses antes, ele havia sido eleito com base na promessa de reformar os direitos. Mas quando propôs de fato um exame dos ultrajantes abusos do sistema de pensões do país, seus parceiros de coalizão o abandonaram.

Todos na Itália sabem que centenas de milhares – algumas estimativas falam em milhões – de homens fisicamente aptos estão recebendo fraudulentamente pensões vitalícias por invalidez quando ainda têm menos cinquenta ou mesmo quarenta anos. Todos também sabem que as pensões são a causa principal dos problemas financeiros da Itália; elas representam a metade dos gastos sociais do país, isto é, um oitavo da renda disponível e todo o seu déficit.

Entretanto, cortar os direitos – mesmo os fraudulentos – ainda não era politicamente correto.

Assim, o fato de republicanos e democratas agora concordarem que a assistência médica – há mito a mais sagradas das vacas sagradas – precisa ser podada é uma grande mudança. Todavia, ainda não é sabido se o Congresso será capaz de fazer algo tão impopular. Na verdade, a classe média não tem escolha. Esses direitos serão cortados em todos os países desenvolvidos. A única dúvida é por qual método. A maneira menos penosa é fazê-lo abertamente elevando, por exemplo, para setenta e cinco anos a idade na qual os americanos obtêm os benefícios plenos da seguridade social. Caso isso não seja aceito, a classe média terá seus direitos cortados pela inflação, ou seja, pela destruição do poder de compra das suas rendas. Ou haverá drásticos aumentos de taxação, provavelmente, no caso dos Estados Unidos, através de substanciais impostos de consumo por cima de impostos de renda já elevados.

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E tão logo um grande país corte os benefícios da classe média – por exemplo, se os Estados Unidos aceitarem cortes não apenas simbólicos nos benefícios de assistência médica – esse será o sinal para reformas em todas as outras democracias, o que anunciará o fim do Estado Keynesiano do Bem-estar Social tão certamente quanto a perestroika de Gorbachev anunciou o fim do comunismo. Se este anúncio tratou-se de uma informação verdadeira ou de uma mera evolução do comunismo para se adaptar aos séculos vinte e vinte e um, isso já é outra análise que não será açambarcada neste texto.

Para que o governo recupere a solvência – e com ela o controle da política – ele será forçado a tomar novamente decisões sobre prioridades e terá novamente de ser forçado a dizer “não”. O primeiro passo poderá ser um retorno à maneira pela qual os orçamentos eram feitos antes do advento do Estado Keynesiano do Déficit: começando-se com as receitas disponíveis, isto é, quanto dinheiro pode ser gasto. Isto força o governo a decidir o que pode e deve ser financiado, dentro dos limites fixados pela disponibilidade de dinheiro. Aquilo que exceder deverá ser recusado. No entanto, desde a Segunda Guerra Mundial – ou pelo menos desde que a Europa Ocidental e o Japão retornaram à prosperidade no final dos anos cinquenta – toda as democracias iniciavam a elaboração do orçamento com a pergunta: Em que queremos gastar dinheiro? Gastar além das receitas disponíveis, isto é, criar déficit era fácil de financiar. Acima de tudo, era considerado benéfico. É claro que os postulados keynesianos tiveram de dizer “não”, um ato quase imoral. De fato, dizer “não” é penoso. Para um político é arriscado, só que é necessário, pelo menos na visão de Peter F. Drucker.

Mas este seria somente o primeiro passo. As decisões sobre prioridades ainda estariam por ser tomadas. É provável – Drucker diria certo – que elas irão explodir todos os partidos políticos existentes, em toda parte. Tanto direita como esquerda já perderam grande parte do seu significado nas democracias. Por exemplo, na direita estão pessoas que querem que a idade de aposentadoria seja fixada em função das expectativas de vida, isto é, que seja elevada para setenta e cinco anos (há oitenta anos, quando os Estados Unidos adotaram sessenta e cinco anos como a idade de aposentadoria seja fixada em função das expectativas médias de vida na época e foi escolhida por esta razão)? Ou pessoas que afirmam ser um dever dos jovens sustentar os mais velhos? Tradicionalmente, ambas as posições são conservadoras. O que é liberal: o argumento de que o ensino universitário deve ser gratuito para todos? Ou o contra-argumento pelo qual os beneficiários devem pagar os custos do ensino com seus altos ganhos depois de formados, para que a geração seguinte possa ter acesso gratuito? Estas questões são novas e não se encaixam no molde existente da política; elas não são econômicas, nem ideológicas. Portanto, pode-se esperar que nas democracias outras questões, além das políticas e da estrutura política, também estarão em transição.

Bem-estar social: os aposentados e os vagabundos

Os axiomas sociais do Estado Keynesiano não se saíram melhor que os econômicos. O Bem-estar Social não acabou com a pobreza, mas transformou-a em degradação e dependência, pelo menos ao ver de Peter F. Drucker. E fez isso tanto no âmbito doméstico como no internacional, através da ajuda externa.

Hoje, nos Estados Unidos, Drucker considera que todos aceitam que nenhum dos dois grandes programas de bem-estar social funciona. Tanto o programa de Ajuda às Famílias com Crianças Dependentes como o de Ajuda à Invalidez, para ele, são desastrosos. Contudo, ainda

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negam que eles sejam danosos. Ao contrário, procuram explicar a depnedência e a degradação daqueles que dependem do bem-estar social há muito tempo e a terrível miséria das suas vidas.

Em termos de renda, os receptores do bem-estar social dos Estados Unidos estão relativamente bem. Se forem incluídos os benefícios não em dinheiro (por exemplo, vales para alimentos ou subsídios habitacionais), as rendas da maioria estão acima da linha de pobreza. Mas, eles vivem numa miséria e degradação tão más quanto aquelas das piores favelas de ontem, senão pior. A explicação mais comum afirma que a confusão do bem-estar social americano faz parte do problema social inaque. De fato, proporcionalmente há mais mães solteiras negras que estão permanentemente na Ajuda à Famílias com Crianças Dependentes (trinta e sete por cento da população que vive do do bem-estar social é de negros, enquanto eles constituem somente treze por cento da população total). Assim, uma explicação de Drucker é a inferioridade racial (em geral não mais expressa publicamente, mas certamente mantida por muitos nãp-negros, sejam eles brancos, latinos ou asiáticos). A outra é a herança da discriminação e da escravidão. Ambas são igualmente racistas, desprezíveis e completamente erradas, pelo menos para Drucker. Existe a mesma confusão do bem-estar social – istoé, a mesma transformação da pobreza em degradação – quando os receptores são puramente brancos e pertencem à classe média até se tornarem dependentes do bem-estar social.

Na Grã-Bretanha, a subclasse do bem-estar social (que os estatísticos britânicos classificam como membros da classe V) está hoje crescendo tão depressa como na América. Ela sofre da mesma anomia social, a mesma destruição da personalidade e da competência e do auto-respeito. Antes de mil novecentos e cinquenta, a porcentagem de filhos de mães solteiras na classe trabalhadora britânica era a mesma de séculos antes, isto é, por volta de quatro a cinco por cento dos nascimentos. Hoje ela passa de vinte e cinco por cento e entre os dependentes crônicos do bem-estar social ela já ultrapassou os trinta por cento, já sendo mais alta do que entre os brancos dependentes do bem-estar social na América. E ela está crescendo tão rápido como entre os negros americanos. Ao contrário do americano, o sistema britânico também proporciona os benefícios do bem-estar social aos homens, através de benefícios aos desempregados. A taxa de dependência do bem-estar social entre os jovens britânicos do sexo masculino está crescendo tanto quanto a das jovens americanas. Os britânicos dependentes do bem-estar social estão, em termos financeiros, ainda melhor que seus colegas americanos. Sua renda antes do imposto é igual àquela de uma família média empregada, mas é isenta de imposto; portanto, sua renda líquida é mais alta. Contudo, eles apresentam a mesma patologia social: abandono dos estudos, taxas crescentes de mães solteiras, cada vez mais famílias sem pai e um número crescente de viciados – ainda principalmente em álcool, embora o uso de drogas ilícitas e mais pesadas esteja crescendo depressa. As áreas centrais das grandes cidades britânicas – que há apenas cinquenta anos estavam entre a smais seguras do mundo – estão se transformando em selvas; a taxa de roubos urbanos já é mais alta na Grã-Bretanha que na América. Contudo, sua subclasse dependente do bem-estar social é quase totalmente branca.Na Alemanha, a subclasse do bem-estar social é constituída por pessoas brancas e predominantemente do sexo masculino – que ficam permanentemente inativas porque o governo lhes paga, como compensação de desemprego, oitenta por cento dos seus antigos salários pelo resto de suas vidas. Os beneficiários são formados pelo famoso sistema alemão de treinamento de aprendizes e cresceram com a igualdade famosa ética de trabalho alemã. Mas o programa de bem-estar social, em muito pouco tempo, transforma-os naquilo que os alemães chamam de aleijados do bem-estar social, com toda a patologia de desintegração social e anomia: números crescentes de famílias chefiadas por mães solteiras, grande aumento no alcoolismo e os jovens skinheads e neonazistas, que, por prazer, incendiam casas habitadas por turcos ou outros trabalhodores estrangeiros. Em consequência disso, a Alemanha tem hoje uma das maiores taxas de desemprego – mesmo quando a economia está em alta.

Na Itália, a subclasse do bem-estar social é constituída por homens de quarenta e cinco anos – todos brancos, é claro – que recebem pensões por invalidez parciais ou totais pelo resto de suas vidas. Sabe-se que a maioria é fisicamente apta; suas incapacidades são pequenas ou

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totalmente fraudulentas. O fato de muitos deles trabalharem ao mesmo tempo em que afirmam não oder fazê-lo reduz o impoacto econômico da sua inatividade (todos sabem na Itália que um grande número de receptores de pensões por invalidez têm de fato dois empregos remunerados: um de proteção no serviço público, onde eles só aparecem para receber soalário, e um na economia subterrânea). Mas isto não reduz o impacto sobre o orçamento do governo italiano, o qual está paralisado pelos pagamentos de pensões, além de agravar os danos morais e psicológicos à sociedade e aos indivíduos. O fato de a Itália estar crivada de corrupção de alto a baixo deve-se, em grande parte, às fraudes das pensões.

Portanto, as evidências são claras. Primeiramente, o moderno bem-estar social destrói, conclui Drucker. Ele não cria competência, mas dependência e nem alivia a pobreza, apesar de prover rendas de classe média ou quase. E isto não depede de quais sejam os receptores: adolescentes negras nos Estados Unidos, jovens brancos da classe trabalhadora na Grã-Bretanha; adultos altamente treinados na Alemanha e homens da classe média, em sua maioria assalariados, na Itália. A única coisa que essas pessoas, classificadas por Drucker como, corrompidas e envenenadas têm em comum é que elas estão financeiramente recompensadas por permanecer dependentes do bem-estar social e penalizadas por saírem dele.

Bem-estar social: dinheiro versus competência

Em termos internacionais, o fracasso do bem-estar social foi, ao ver de Peter F. Drucker, foi igualmente grande comparado com as tentativas realizadas nos Estados Unidos e na Europa.

A ajuda para o desenvolvimento foi certamente uma das invenções políticas mais importantes do século vinte. A primeira tentativa – o Plano Marshal – teve um sucesso além de todas as expectativas. Portanto, havia todos os motivos para se esperar grandes resultados de seus dois sucessores: O Ponto Quatro do presidente Truman (em mil novecentos e cinquenta) e a Aliança para o Progresso do presidente Kennedy (em mil novecentos e sessenta e dois). Na melhor das hipóteses, nenhum plano fes muitos danos, mas nenhum fez muito bem. Os quarenta anos a partir da proclamação do presidente Truman trouxeram mais desenvolvimento, amplamente disseminado, do que qualquer período anterior da história. Mas este se deu principalmente em áreas que receberam pouca ou nenhuma ajuda – em especial os países do Sudeste asiático. Existe uam correlação negativa quase prefeita entre o recebimento de ajuda para o desenvolvimento. As áreas que ais receberam esta ajuda não se desenvolveram – a Índia e o Egito são os melhres exemplos – ou perderam tereno, como a maior parte da África tropical. Assim como acontece no bem-estar doméstico, os receptores do bem-estar social internacional (Peter F. Drucker o chama de ajuda para o desenvolvimento) têm pouco em comum entre si, exceto o fato de se desenvolverem menos quanto maior fosse a ajuda. E explicações populares como a da explosão populacional não se mantêm. As populações cresceram igualmente em alguns dos países com desenvolvimento mais rápido do Sudeste da Ásia, como Tailândia, malásia, Indonésia, Turquia ou a região litorânea da China. O único fator comum aos países que não se desenvolveram é que eles receberam ajuda maciça para se desenvolverem. O único fator comum aos países em rápido desenvolvimento é aqueles receberam pouca ou nenhuma ajuda.

A ajuda internacional que aumenta a dependência ou inibe o desenvolvimento – que é o caso de muitos programas de ajuda dos últimos sessenta anos – deve ser descontinuada ou, no mínimo, drasticamente reduzida. Mas é errado concluir, como muitos, que o conceito de ajuda,

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doméstica e internacional, foi um erro que deve ser esquecido. O que é preciso é refocalizar a ajuda, e para que ela crie independência, competência e responsabilidade.

A necessidade de ajuda – aos menos temporária – certamente irá crescer. Tanto os países desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento estão passando por grandes transformações na economia e na sociedade. Portanto, haverá grandes mudanças, nas quais pessoas bem estabelecidas, competentes e responsáveis se verão arrancadas de seus lugares. Elas poderão não precisar de muito – em muitos casos, sua maior necessidade é a garantia de que a ajuda está disponível. Mas uma sociedade e uma economia em transição são um ambiente perigoso. Existe a necessidade daquilo que o bem-estar social deveria ser: uma rede de segurança. É preciso somente evitar que ele se transforme num sofá e num local de descanso permanente.

Uma segunda razão para a montagem de um sistema eficaz de bem-estar social é que seria uma derrota total das democracias, além da negação – da própria ideia sobre a qual elas se baseiam, se a afluência levasse ao desaparecimento da compaixão.

A médio prazo, o aumento de afluência beneficia mais aqueles que estão na base da pirâmide de renda. Nunca é demais dizer que – contrariamente a tudo aquilo que Marx previu – os proletários foram os principais beneficiários do enorme aumento na capacidade de produção de riqueza ocorrido nos últimos cento e vinte anos nos países desenvolvidos. Sua renda real cresceu no mínimo três vezes mais depressa que aquela dos capitalistas. Contrariamente às previsões dos sucessores e discípulos de Marx -Lenin e os outros teóricos do imperialismo, os maiores aumentos de prosperidade e riqueza nacionais deste cento e vinte anos ocorreram nos países coloniais e explorados, que se tornaram países desenvolvidos. O produto nacional total do Japão cresceu muito mais rápido do que o dos Estados Unidos bem como o da Coreia e dos Tigres do Sudeste da Ásia: Taiwan, Cingapura e Hong Kong – todos antigas colônias – e de outras ex-colônias, como Malásia e Indonésia.

Porém, o fato de a grande maioria, nos países desenvolvidos e emergentes, estar hoje muito melhor, só torna mais visível e dolorosa a situação das minorias que ficam para trás devido à falta de competência ou de oportunidade. E isto vale tanto para a sociedade internacional como para a doméstica. Portanto, em nome do seu próprio auto-respeito, os ricos precisam ajudar. Mas para o bem dos pobres, é preciso que essa ajuda crie competência, saúde, auto-respeito, ao contrário da ajuda do Estado do Bem-estar Social, que cria dependência, destituição, incompetência, auto-repugnância.

Encorajar a competência dos pobres e promover sua capacidade de autodesenvolviemnto é claramente do interesse dos afluentes, isto é, das democracias, porque sua estabilidade e coesão social estão sendo cada vez mais ameaçadas pela anomia, degradação, desespero dos pobres incompetentes e dependentes.

Há cento e oitenta anos, uma epidemia no East End fez com que os ricos do West End percebessem, pela primeira vez, que o tifo entre os pobres também os ameaçava. Este foi o começo da Saúde Pública – até então, a saúde era somente privada – e, com ela, da revolução em saúde e longevidade que beneficiou tanto os ricos quanto os pobres.

A anomia, a degradação, a ilegalidade e a corrupção causadas entre os pobres incompetentes pelo fracasso do bem-estar social – em termos domésticos e internacionais – ameaçam igualmente as cidades, os subúrbios, as escolas, as ruas dos saudáveis, competentes e afluentes. Acima de tudo, e as ameaçam infectar os filhos desta geração. O contágio da subclasse do bem-estar social é certamente culpado por grande parte da vulgarização e da proletarização da vida da classe média, da sua cultura e seus valores. A anomia, a degradação e a ilegalidade do Terceiro Mundo não desenvolvido igualmente ameaçam a segurança, a paz e

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a afluência dos países ricos – mesmo que seja através da crescente imigração – a pressão de pessoas desesperadas e incompetentes fugindo para o mundo desenvolvido.

A razão final – e mais forte – pela qual desistir do desenvolvimento, seja doméstico ou internacional, é que existem sucessos suficientes para mostrar não só que é possível sair da pobreza e entrar na competência, mas também o que isto requer.

Sabe-se que o Plano Marshal foi um sucesso – o maior programa de bem-estar social jamais feito e o mais bem-sucedido. Outro sucesso, igualmente impressionante, foi a Revolução Verde, na qual novas sementes e métodos agrícolas aperfeiçoados (financiados e promovidos pelas Fundações Ford e Rockfeller, duas organizações não-governamentais) mudaram a Índia nos anos sessenta. De um país no qual eram frequentes as crises de escassez de alimentos, a Índia passou a exportadora de cereais. Nos Estados Unidos, existe o sucesso do Exército da Salvação na reabilitação de uma grande parcela dos piores perdedores: prostitutas, ex-presidiários, alcoólatras, viciados em drogas, transformando-os em cidadãos competentes, que se sustentam e têm respeito próprio. Talvez seja o programa social de maior sucesso hoje em qualquer país desenvolvido, com uma taxa de reabilitação de trinta por cento para alcoólatras e viciados em drogas ilícitas.

Há também a uma significativa diferença de resultados entre os dois programas aparentemente muito semelhantes: os programas europeus (alemão e britânico) de benefícios aos desempregados e o programa americano. Os programas europeus transformam trabalhadores dotados de auto-estima em dependentes permanentes do bem-estar social. Nos Estados Unidos tem havido pouco desemprego crônico, apesar de sublevações da força de trabalho muito mais violentas qualquer uma enfrentada pelos alemães e britânicos.

Pelos padrões dos anos noventa, o Plano Marshall gastou muito pouco dinheiro e com parcimônia. O plano foi liberal em suporte técnico e consultoria, mas deu dinheiro apenas como semente a empresas que tivessem um histórico convincente e apresentassem um plano realista, com metas claras de desempenho. E tanto o suporte como o dinheiro eram retirados no momento em que a empresa – fosse ela privada ou do governo – desviasse dinheiro do plano acertado ou deixasse de atingir as metas prefixadas de desempenho. A Revolução Verde gastou ainda menos. Seus agentes descobriram agricultores indianos competentes e trabalharam em conjunto com eles, experimentando novas sementes e novos métodos de cultivo. O principal uso do dinheiro foi como seguro contra o risco de malogro da safra nos dois ou três primeiros anos críticos. O Exército da Salvação praticamente não gasta dinheiro. Ele explica seu sucesso como sendo baseado em disciplina, trabalho duro, pagamentos para subsistência mínima, um programa puxado de ensino de aptidões e compaixão ilimitada. Qualquer um que infringir as suas regras draconianas está fora, por mais necessitado que seja. Nos Estados Unidos, o seguro-desemprego é tão alto quanto na Europa nas primeiras semanas ou meses – para algumas classes, como a dos trabalhadores da indústria automotiva, é até mais algo. Ele provê amplo suporte para o piríodo no qual o recém-desempregado está, provavelmente, em estado de choque. Mas em pouco tempo, o pagamento diminui e é interrompido depois de dois anos. Portanto, existe um forte incentivo para que a pessoa procure emprego. Mesmo em cidades ou regiões que foram fortemente dependentes de uma fábrica ou indústria única que foi totalmente fechada, em menos de dois anos a taxa de desemprego volta ao nível da média nacional. E esta, mesmo em épocas de perturbações no mercado de trabalho, raramente permanece muito tempo acima da taxa natural de desemprego, isto é, da taxa que expressa o giro normal entre empregos da economia americana.

Em outras palavras, programas de bem-estar social podem funcionar, mas somente se o axioma “Tudo aquilo de que os pobres precisam é dinheiro” for trocado para “Tudo aquilo de que os pobres precisam é competência”. É claro que existe a necessidade de dinheiro, mas por si só ele encoraja a incompetência e a irresponsabilidade, pelo menos na visão de Drucker. Os

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programas de bem-esta social de hoje focalizam necessidades. Porém, só haverá bem-esta social se o foco for sobre resultados.

Bem-estar social: desafio para o século vinte e um

Hoje os principais países estão se preocupando com os gastos de bem-estar social. Nos Estados Unidos, o programa de Ajuda às Famílias com Crianças Dependentes está sendo drasticamente reduzido por alguns Estados como Nova Iorque, Califórnia e Massachussetts; além disso, o novo Congresso, dominado pelos republicanos, está fazendo cortes no país como um todo. A Itália ao menos está falando a respeito de uma reforma no programa de pensões. A Grã-Bretanha está prestes a decretar cortes para os desempregados permanentes, assim como a Alemanha. Essas propostas penalizam a dependência permanente. Isto poderá resolver o problema em países como Alemanha e Itália, onde os beneficiários são, em sua maioria, pessoas competentes e saudáveis, cuja principal incapacidade é o próprio programa de bem-estar social.

Mas para as pessoas que carecem de competência – os beneficiários nos Estados Unidos e, em grande parte, na Grã-Bretanha – é preciso criar incentivos positivos para que elas não recorram aos programas de bem-estar social e, caso o façam, não permaneçam dependentes do mesmo. Certamente os governos terão de pagar uma parte (embora se possa exigir, como nos programas do Exército da Salvação, que os beneficiários reabilitados se tornem doadores ou voluntários). Não é provável que seja possível depender totalmente de filantropia para ajudar os menos favorecidos, como acreditavam os vitorianos. Mas a execução dos programas de bem-estar social deve ser entregue, tanto quanto possível, a organizações comunitárias não-governamentais. É isto que ensina o exemplo do Exército da Salvação (e de muitos outros programas menores e menos visíveis nos Estados Unidos, especialmente aqueles dirigidos por igrejas). A principal necessidade dos menos favorecidos não é dinheiro, mas aquilo que faz o Exército da Salvação m sucesso: disciplina, empenho, trabalho duro, respeito próprio e muita atenção individual. E intangíveis como estes, nenhuma burocracia governamental é capaz de prestar, por melhores que sejam as suas intenções.

Na presente discussão da reforma do bem-estar social, a ênfase em todos os países está no dinheiro, o que é um erro, pelo menos ao ver de Peter F. Drucker. Em primeiro lugar, um programa de bem-estar social tem um orçamento elevado somente se for um direito da classe média, como no caso do seguro-desemprego alemão e dos benefícios aos inválidos na Itália. Os programas dirigidos aos verdadeiramente menos favorecidos – como nos Estados Unidos e Grã-Bretanha – têm orçamentos mínimos quando comparados como os programas para atender direitos da classe média competente, como Medicare, Seguridade Social ou Serviço Nacional de Saúde britânico. Em segundo lugar, o fazem – é seu mal menor. Eles desperdiçam vidas. Se apresentassem resultados, seriam baratos até se custassem o dobro. E a razão para a sua existência não deve ser, como afirmava o Estado do Bem-esta Social, que os menos favorecidos e os menos competentes merecem ser financeiramente apoiados. Os programas devem existir porque essas pessoas merecem ter recuperada sua competência, respeito e sustento próprios – e este são os resultados que os programas devem visar e pelos quais devem pagar.

Também o bem-estar social internacional, isto é, a ajuda externa, está sendo drasticamente cortado. Entretanto, ele deveria ser totalmente interrompido, exceto em casos de

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desastres, como terremotos, ou para abrigar e alimentar refugiados de guerras civis. No terreno internacional, o que é preciso é uma Sociedade Civil – e isso o dinheiro não pode comprar.

Todavia, o desenvolvimento de políticas que realmente promovam o bem-estar social doméstico, ao invés de criar dependência e destituição, será o maior desafio social para as democracias na próxima década e um teste crucial para elas como sociedades atuantes.

Democracia e paz: as sociedades civis no pós-guerra fria

A economia keynesiana ainda está por baixo das políticas domésticas das democracias. Durante a metade do período entre a Segunda guerra Mundial e os dias atuais, ela reinou inquestionada. Mas na segunda metade do século vinte, isto é, a partir dos anos setenta, ela foi e continua sendo cada vez mais atacada por aqueles que nos Estados Unidos são denominados neoconservadores (e, em outros países, de neoclássicos, expressão que Peter F. Drucker usa). Na economia internacional, os neoclássicos reinam supremos. A economia neoclássica é a base das agências internacionais, como o Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os governos que são keynesianos internamente – em especial o dos Estados Unidos – tornaram-se neoclássicos em economia internacional. Sempre que outro país enfrenta problema, os Estados Unidos o aconselham a aceitar depressa a prescrição neoclássica.

Os economistas neoclássicos, como seus ancestrais no século dezenove, pregam a superioridade do livre mercado sobre qualquer outro sistema de organização econômica. Mas eles vão muito além dos seus mentores: afirmam que o livre mercado criará uma sociedade atuante e um sistema político democrático estável. O livre mercado existe em algum lugar? Algum dia existirá? Trata-se apenas de mais uma utopia? Estas questões não serão abordadas no presente texto.

O neoclassicismo remonta ao livro intitulado “O caminho para a servidão”, de autoria Friedrich Hayek do ano de mil novecentos e quarenta e quatro. O autor afirmava que qualquer manipulação do livre mercado conduz, em pouco tempo, à destruição da liberdade política e à tirania. Ele também sustentava – e esta foi a sua tese mais importante – que uma economia baseada no livre mercado e sem controles, regulamentações e intervenções do governo cria uma sociedade livre, justa e igualitária. Hayek transformou em doutrina social e política aquilo que no século dezenove era uma teoria econômica.

O seu livro foi um sucesso imediato, embora por muito tempo não tivesse grande impacto sobre as políticas governamentais ou nos meios acadêmicos. Porém, à medida que o fracasso da economia keynesiana tornou-se cada vez mais evidente, o neoclassicismo tornou-se cada vez mais respeitável. Ele ainda não é adotado pelos governos na política doméstica – os gastos deficitários são demasiado atraentes para que os governos adotem a austeridade e a autodisciplina do neoclassicismo. Entretanto, nas universidades, os keynesianos hoje são minoria e se encontram principalmente entre os economistas mais velhos. Os mais jovens tornam-se neoclássicos, mesmo em redutos keynesianos, como Harvard, Instituto tecnológico de Massachussets (MIT) e Cambridge. Até o final dos anos setenta, o prêmio Nobel de Economia ia regularmente para keynesianos, como Paul Samuelson (em mil novecentos e setenta) ou Kenneth Arrow (em mil novecentos e setenta e dois). Nos últimos quarenta anos, cada vez mais ele tem ido para neoclássicos, como George J. Stigler (em mil novecentos e oitenta e um), James M. Buchanam (em mil novecentos e oitenta e sete e Gary S. Becker (em mil novecentos e noventa e dois), por exemplo. A economia neoclássica tornou-se a prescrição

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padrão para reformular uma economia depois de ela ter tropeçado sob as economias estatista ou neokeynesiana dos anos cinquenta e sessenta (por exemplo, as economias da América Latina) – quando ela embarca no desenvolvimento econômico sistemático (como as economias do Sudeste da Ásia, começando pela Coreia do Sul); e para trazer de volta à vida as economias asfixiadas pelo comunismo, por exemplo, os países que formavam a União Soviética e a China pós-maoista.

Não pode haver mais dúvidas de que as economias neoclássicas funcionam. De fato, elas funcionam como uma droga milagrosa. Tão logo uma economia adota políticas do livre mercado – isto é, corta os gastos públicos e equilibra o orçamento, privatiza as empresas estatais, reduz ou elimina as regulamentações e controles do governo sobre a atividade econômica, abre suas fronteiras às importações, permitindo, assim, a concorrência, elimina ou reduz as restrições sobre as movimentações de dinheiro e capitais, ocorrendo um boom econômico. Inicialmente, este é acompanhado por sérios problemas. Empresas ineficientes vão à falência, pois não mais podem ser mantidas vivas por barreiras tarifárias ou subsídios oficiais. Há um salto drástico no desemprego. Mas este período de transição não costuma durar mais de dois anos. O desemprego, por exemplo, cai rapidamente.

Isto aconteceu em vários países, como na Bolívia nos anos oitenta, no Chile um pouco depois, na Argentina depois de mil novecentos e oitenta e nove, na república Tcheca entre mil novecentos e noventa e um e mil novecentos e noventa e dois e, de forma mais espetacular, nos Tigres Asiáticos: Hong Kong, Taiwan, Cingapura e, alguns anos mais tarde, em suas vizinhas: Malásia, Tailândia e Indonésia. O que vem depois deste boom, não é objeto de análise ampla no presente texto.

Mas não aconteceu em todos os países. Exceto pela república Tcheca, ainda não aconteceu em nenhum países da antiga União Soviética. A economia do livre mercado também não afetou a economia da antiga Alemanha Oriental (DDR). Para impedi-la de morrer, a Alemanha Ocidental (RFA) precisou despejar grandes volumes de ajuda governamental. A liberação da economia produziu de fato um boom econômico na China. Mas no interior, onde vive a maioria das pessoas, ele logo cessou. E a região litorânea enfrenta uma feroz inflação, ao invés de uma economia estável. O México experimentou um grande crescimento econômico logo que adotou a economia de livre mercado entre mil novecentos e oitenta e sete e mil novecentos e oitenta e oito, mas este não produziu estabilidade social e política. Ao contrário, o crescimento econômico somente ativou as profundas falhas sísmicas culturais, econômicas, sociais e políticas que o atraso econômico havia impedido de produzir terremotos.

Em termos econômicos, o neoclassicismo foi plenamente aprovado. Mas as afirmações de que ele também geraria uma sociedade atuante e uma forma estável de governo – que o distinguiam do classicismo – foram totalmente desmentidas. O livre mercado funciona somente onde existem garantias institucionais de direitos de propriedade e, em especial, proteção efetiva desses direitos contra os poderosos – sejam eles reis, nobres, bispos, generais ou parlamentares - , como mostra o historiador econômico americano Douglas C. North em seu livro intitulado “Instituições, mudança institucional e desempenho econômico”, do ano de mil novecentos e noventa, pelo qual recebeu o prêmio Nobel de Economia em mil novecentos e noventa e três. Para que o livre mercado funcione, também são necessários um sistema legal confiável, uma infraestrutura de instituições financeiras e um sistema educacional adequado. O livre mercado não cria uma sociedade atuante – ele a pressupõe. Sem essa sociedade civil atuante, uns poucos especuladores podem ficar muito ricos, mas a economia permanecerá pobre. Pode haver um grande entusiasmo econômico, como houve na Rússia de Yeltsin ou na Shangai de hoje, mas a menos que haja a infraestrutura social de uma sociedade civil, esta reformulação econômica aparente corre o risco de ter vida curta. O desenvolvimento econômico sustentável de fato requer a economia neoclássica, mas antes é preciso que haja as instituições legais, financeiras e educacionais de uma sociedade atuante e os recursos humanos que essa sociedade produz, educa, desenvolve, testa e respeita.

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Antes de Hitler, o núcleo tcheco da Tchecoslováquia era uma das sociedades mais estáveis, sólidas, burguesas e produtivas do mundo – depois da Suíça, a sociedade mais estável e sólida da Europa Continental. Ela foi brutalmente perseguida por Hitler e depois totalmente eliminada por Stalin. Mas permaneceram as fundações, tradições, memórias e as pessoas resolutamente burguesas em seus valores e compromissos. Na república Tcheca, o livre mercado podia – como aconteceu – se desempenhar economicamente tão logo os grilhões stalinistas fossem removidos. Hong Kong, Taiwan, Cingapura – e até a Coreia – herdaram instituições legais, financeiras e educacionais de seus antigos senhores coloniais, assim como a Malásia e a Indonésia. Por mais de um século, o Chile – com sociedade e política estáveis – foi considerado a Suíça da América Latina; assim, o livre mercado foi capaz de produzir uma economia atuante, a despeito de alguns anos de incompetência comunista seguidos por uma ditadura militar brutalmente repressiva. Mas onde não existe esta tradição de sociedade civil, como na África tropical, nas antigas terras do czar e na China, que nunca teve uma lei civil, o livre mercado por si só não consegue criar uma economia atuante e tampouco uma sociedade atuante.

A democracia como é comumente entendida – isto é, eleições livres e um parlamento ou congresso – não é a resposta. Hong Kong e Cingapura não têm eleições nem parlamento. Taiwan era, até pouco tempo, uma ditadura militar repressiva. O Chile iniciou seu espetacular crescimento sob uma ditadura militar repressiva. Há muitas evidências em favor da afirmação feita pelos governantes autoritários das economias do Sudeste da Ásia, em rápido desenvolvimento econômico, ao invés de precedê-lo, como prega o dogma político americano. Com exceção dos Estados Unidos, em toda parte o desenvolvimento político acompanhou o desenvolvimento econômico. O enorme desenvolvimento social, econômico e cultural de grandes países europeus no século dezenove, como a Alemanha Imperial, o Império Austro-Húngaro de Franz Joseph, a França de napoleão III, ocorreu sob regimes autoritários. O Japão do milagre econômico dos últimos sessenta anos está, em sua realidade política por exemplo, na supremacia de uma burocracia politicamente não controlada), muito mais perto do autoritarismo dos países europeus do século dezenove do que da democracia anglo-americana. Portanto, o fato de somente os Estados Unidos, dentre todos os países do mundo, terem alcançado o desenvolvimento político, antes do econômico, só pode ser outro caso de excepcionalidade americana.

Mas o que é absolutamente essencial – caso contrário o livre mercado não funcionará, nem mesmo como instituição econômica – é aquilo que os teóricos políticos do século dezenove chamavam de Rechtsstaat (o Estado de Justiça) e hoje chama-se de direitos humanos: uma ordem social e política que efetivamente protege a pessoa e a propriedade dos cidadãos contra interferências arbitrárias de cima. Os direitos humanos garantem igualmente a liberdade dos cidadãos para escolher sua religião, suas profissões ou vocações, para formar instituições sociais autônomas e para ler, falar, escrever e pensar sem interferência de qualquer poder, seja ele um partido, uma igreja ou um estado.

Se então a democracia surge, como acreditavam os liberais do século dezenove, ainda não se sabe. Mas sem os direitos humanos coo sua base, por certo nunca haverá uma democracia política – só caos e tirania. E sem os direitos humanos também é pouco provável que haja desenvolvimento econômico duradouro, mesmo com a liberdade de mercado.

Sabe-se agora – graças ao trabalho de Fernand Braudel, o grande historiador francêns – que capitalismo e capitalistas não são fenômenos modernos. Ambos foram comuns em todas as éposas e podem ser encontrados na maioria das culturas e nações conhecidas. O que é moderno é o livre mercado como princípio organizador da economia. Os neoclássicos estão certos: sem o livre mercado não haverá uma economia moderna e atuante, nem crescimento econômico. Mas ele, por sua vez, depende de uma sociedade civil atuante, sem a qual é impotente.

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Os liberais europeus dos século dezenove acreditavam que a civilização – isto significava um governo estável, ordem política, crescimento econômico rápido, uma classe média próspera e liberdade política e religiosa – se seguiria automaticamente ao estabelecimento das instituições políticas de uma monarquia constitucional com: um monarca hereditária com poderes limitados, um parlamento com partidos políticos e um orçamento anual, um serviço profissional civil, um pequeno exército regular com corpo de oficiais profissionais, um judiciário independente, um banco central, ensino público obrigatório; uma universidade ao estilo alemão e uma imprensa livre. Os liberais americanos do mesmo século acreditavam no mesmo modelo, como somente uma mudança: a substituição do rei hereditário por um presidente eleito. As duas versões do modelo foram exportadas para os quatro cantos da Terra.

Hoje esta modernização através de instituições políticas não é vista com bons olhos. Entretanto, ela se saiu melhor do que comumente se acredita. Em dois países – o Japão do século dezenove e a Turquia do início do século vinte – ela deu certo e criou uma nova e moderna civilização. Em outros países, como Romênia, Bulgária, Polônia, Brasil, México, Egito até na Rússia czarista, ela estabeleceu um ideal ao qual uma elite educada ainda aspira, a despeito de um século de frustrações e desastres. Mas o modelo político do século dezenove não conseguiu, criar a civilização liberal, esclarecida e pacífica que prometeu. Mesmo na Itália, ele teve impacto principalmente no norte, que havia tido uma civilização por muitos séculos. No sul – por exemplo, na Calábria ou na Sicília – a modernização política trouxe ferrovias e hoteis, mas pouca civilização.

A economia neoclássica de hoje tem se saído melhor que a velha política liberal do século dezenove. O livre mercado tem mudado as vidas de muito mais pessoas. Telefone, cinema, televisão e computador tiveram mais efeito que o navio a vapor, a ferrovia e os produtos industrializados que acompanharam a modernização política e eram seus símbolos mais visíveis. Os bens mudam o modo de viver das pessoas e a informação o modo de sonhar. Os bens mudam o modo de ver o mundo e a informação o modo de ver a si mesmo.

Contudo, o livre mercado dos neoclássicos, assim como as instituições políticas nas quais acreditavam os liberais do século dezenove, não cria uma sociedade civil e assim se encontra no mesmo impasse. Ele não funciona, a menos que haja uma sociedade civil, mas por si só não consegue criá-la – tal como o liberalismo político de cento e vinte anos atrás. Porém, para que as democracias conquistem a paz no mundo pós-Guerra Fria, elas precisam criar sociedades civis, em especial nos antigos países comunistas e na China (e talvez até nos atuais BRICS) do século vinte e um.

Sociedade civil: uma nova meta política internacional

A sociedade civil pode ser exportada? A única figura pública nas democracias que até agora formulou esta pergunta respondeu com um “sim”. Quando Jimmy Carter, então Presidente dos Estados Unidos, fez do estabelecimento dos direitos humanos uma meta da política americana e um pré-requisito para a concessão de ajuda, na verdade proclamou a promoção da sociedade civil, como meta da política externa, à paridade com a meta militar e política de contenção do comunismo. Carter foi ridicularizado como sonhador. Vinte anos mais tarde pode-se considerá-lo o realista; sonhadores eram aqueles que acreditavam na eficácia do livre mercado. Mas Carter não conseguiu fazer com que um só país aceitasse os direitos humanos, nem convencer o público nos países democráticos da sabedoria das suas prioridades. Mas vivia-se então no auge da guerra fria – e, em qualquer guerra, a vitória sempre vem primeiro;

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pensar na paz é perigoso e subversivo. Hoje, as democracias têm de reconsiderar suas posições: para conquistar a paz no mundo de hoje, elas precisam estabelecer a sociedade civil como uma meta política delas próprias. Caso contrário, a incapacidade do livre mercado para cumprir suas promessas econômicas, em especial nos antigos países comunistas, poderá destruir a credibilidade da liberdade e colocar novamente em risco a paz mundial.

No mínimo, os governos terão de aprender que é inútil, insensato e, previsivelmente, um desperdício de dinheiro, investir num país – seja através de um empréstimo do Banco Mundial (Bird), ou de um crédito de estabilização - , a não ser que este estabeleça um sistema legal realmente independente e eficaz. Caso contrário, o dinheiro somente tronará ricas as pessoas erradas: chefes políticos, generais e exploradores, empobrecendo o país ao invés de enriquecê-lo. A mesma lição precisa se aprendida pelas empresas: investir num país como a Rússia ou a China de hoje – as quais nem começaram a construir seus sistemas legais – significa, quase que certamente, perder dinheiro e depressa. A experiência das últimas décadas é cristalina: o livre mercado não produzirá uma economia atuante e em crescimento, a menos que seja implantado numa sociedade civil atuante, com os direitos humanos sendo um requisito mínimo.

É comum dizerem hoje que as democracias se desorientam com o colapso do comunismo soviético. Elas não têm mais uma política, prioridades nem critérios a respeito do que fazer ou não. As antigas políticas, prioridades e critérios não têm sentido agora, quando não mais existe um inimigo público. Mas há uma nova política, uma nova prioridade, uma nova necessidade: a promoção da sociedade civil como meta política internacional. Ela não é uma panaceia, nem o fim da história, tampouco garante a democracia e nem mesmo a paz. Porém, é um pré-requisito para ambas e também para o desenvolvimento econômico. Somente fazendo da sociedade civil sua meta mundial é que as democracias conquistarão a paz.

Reinvenção: providências decisivas versus procrastinação

Num período relativamente curto – talvez desde o final dos anos quarenta ou início dos anos cinquenta, nunca houve tantas novas técnicas gerenciais como hoje: redução do tipo downsizing, benchmarking, reengenharia. Cada uma delas é uma ferramenta poderosa. Porém, com exceção da terceirização e da reengenharia, elas foram concebidas principalmente para fazer de forma diferente aquilo que já é feito. São ferramentas de “como fazer”.

Contudo, o que fazer está, cada vez mais, se tornando o desafio central enfrentado pelos dirigentes de empresas, em especial das grandes empresas que tiveram sucesso por muito tempo. A história é conhecida: uma empresa que ainda ontem era uma estrela de primeira grandeza hoje vê-se estagnada, frustrada, com problemas e, muitas vezes, numa crise aparentemente inadministrável. Este fenômeno não se limita, de forma alguma, aos Estados Unidos. Ele tornou-se comum no Japão, na Alemanha, na Holanda, na França, na Itália e na Suécia. E ocorre com a mesma frequência fora das empresas – em sindicatos, agências governamentais, hospitais, museus e igrejas. Na verdade, nessas áreas ele parece menos manejável.

A causa básica de quase todas essas crises não é o fato de as coisas estarem sendo malfeitas, nem erradas. Na maioria dos casos, estão sendo feitas as coisas certas – mas inutilmente. Qual é o motivo deste aparente paradoxo? As hipóteses sobre as quais a organização foi constituída e está sendo dirigida não mais se encaixam com a realidade. Elas moldam o comportamento de qualquer organização, ditam suas decisões a respeito do que

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fazer ou não, definem o que as organizações consideram resultados significativos, tratam de mercados, clientes e concorrentes, seus valores, comportamento, da tecnologia e sua dinâmica e das forças e fraquezas de uma empresa. Estas hipóteses são a respeito do motivo pelo qual uma empresa paga. Elas são o que Peter F. Drucker chama de teoria do negócio de uma empresa.

Toda organização, seja ou não uma empresa, tem uma teoria do negócio. De fato, uma teoria válida de que seja clara, consistente e focalizada é extraordinariamente poderosa. Em mil oitocentos e nove, por exemplo Wilhelm Von Humboldt, um estadista e sábio alemão, fundou a Universidade de Berlim com base numa teoria radicalmente nova da universidade. E por mais de cem anos, até a ascensão de Hitler, sua teoria definiu a universidade alemã, especialmente em conhecimento e pesquisa científica. Em mil oitocentos e setenta, George Siemens, arquiteto e primeiro COE do Deutsche Bank, o primeiro banco universal, tinha uma teoria igualmente clara dos negócios: usar uma política empreendedora de investimentos para unificar uma Alemanha ainda rural e dividida através do desenvolvimento industrial. Vinte anos após sua fundação, o Deutsche Bank havia se tornado a primeira instituição financeira da Europa e permanece como tal até hoje, a despeito de duas guerras mundiais, da inflação e de Hitler. E em mil oitocentos e sete, a Mitsubishi foi fundada sobre uma teoria clara e totalmente nova do negócio, a qual em dez anos fez dela a líder de um Japão emergente e, em outros vinte anos, transformou-a numa das primeiras empresas realmente multinacionais.

Analogamente, a teoria dos negócios explica o sucesso de empresas como a General Motors e a IBM, as quais dominaram a economia dos Estados Unidos durante a segunda metade do século vinte e também os desafios de hoje enfrentados por elas. O que está por baixo da atual doença de tantas organizações grandes e bem-sucedidas em todo o mundo é que suas teorias do negócio não funcionam mais.

Sempre que uma grande organização enfrenta problemas – e especialmente se ela teve sucesso por muitos anos – as pessoas culpam a preguiça, a complacência, a arrogância, as burocracias enormes. São explicações plausíveis? Sim, mas raramente relevante são corretas. Considere as duas burocracias arrogantes mais visíveis e amplamente difamadas entre as grandes empresas americanas que recentemente enfrentaram problemas.

Desde os primeiros dias do computador, acreditava-se firmemente na IBM que ele seguiria o cominho da eletricidade. O futuro, a IBM sabia e podia provar com rigor científico, estava na estação central, no computador de grande porte cada vez mais poderoso, ao qual um número enorme de usuários poderia se ligar. Tudo – a economia, a lógica da informação, a tecnologia – levada a essa conclusão. Porém, subitamente, quando parecia que um sistema centralizado, baseado num computador de grande porte, estava de fato passando a existir, dois jovens apareceram com o primeiro computador pessoal. Todos os fabricantes de computadores sabiam que o PC era absurdo. Ele não possuía a memória, a base de dados, a velocidade ou a capacidade de computação necessárias ao sucesso. De fato, todos os fabricantes de computadores sabiam que o PC tinha de fracassar – conclusão à qual a Xerox havia chegado alguns anos antes, quando sua equipe de pesquisa havia construído o primeiro PC. Mas quando essa monstruosidade ilegítima – primeiro o Apple, depois o Macintosh – entrou no mercado, as pessoas não só gostaram dela, mas a compraram.

Através da história, toda empresa grande e bem-sucedida, quando confrontada com tal surpresa, recusa-se a aceitá-la. “Este é um modismo estúpido que terá desparecido em três anos”, disse o CEO da Zeiss depois de ver a Kodak Brownie em mil oitocentos e oitenta e oito, quando a empresa alemã dominava o mercado fotográfico mundial como a IBM o faria no mercado de computadores um século depois. A maioria dos fabricantes de computadores de grande porte reagiu da mesma maneira. A lista era longa: Control Data, Univac, Burroughs e NCR nos Estados Unidos; Siemens, Nixdorf, Machines Bull e ICL na Europa; Hitachi e Fujitsu no Japão. A IBM, suprema em computadores de grande porte, com vendas iguais à soma de todos

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os outros fabricantes de computadores e com lucros recorde, poderia ter reagido da mesma maneira. Na verdade, deveria tê-lo feito. Ao invés disso, a IBM aceitou o PC como a nova realidade. Quase da noite para o dia, ela deixou de lado todas as suas políticas, regras e regulamentações comprovadas e formou não uma, mas duas equipes e concorrentes para projetar um PC ainda mais simples. Dois anos depois, ela havia se tornado a maior fabricante mundial de PC e ditava os padrões da indústria.

Não existem precedentes para esta realização em toda a história dos negócios; ela não demonstra burocracia, preguiça ou arrogância. Contudo, a despeito da flexibilidade, agilidade e humildade, alguns anos mais tarde, a IBM estava se debantedo tanto no mercado de computadores de grande porte como no de PC. De repente, ela ficou incapaz de se mover, de agir de forma decisiva, de mudar.

O caso da General Motors é igualmente desconcertante. No início dos anos oitenta – seu principal negócio, carros de passageiros, parecia quase paralisado – ela adquiriu duas grandes empresas: a Hughes Eletrônics e a Eletronic Data Systems de Ross Perot, as quais analistas, em sua maioria, consideravam maduras, reprovando-a por haver pago demais por elas. Todavia, em poucos anos a GM havia mais que triplicado as receitas e os lucros da Electronic Data Systems. E dez anos depois, em mil novecentos e noventa e quatro, a EDS tinha um valor de mercado seis vezes superior àquele pago pela GM e suas receitas e lucros eram dez vezes maiores.

A GM comprou a Hughes Eletronic – uma empresa enorme, mas que não dava lucro, envolvida exclusivamente com defesa – pouco antes que essa indústria entrasse em colapso. Sob a direção da GM, a Hughes aumentou seus lucros com a defesa e se tornou a única grande empresa da indústria a passar com sucesso para a produção em larga escala de itens não ligados à defesa. É digno de nota o fato de os mesmos burocratas que haviam sido tão ineficazes na indústria automotiva – veteranos de trinta anos de GM, que nunca tinham trabalhado para outra empresa ou, no caso, fora dos departamentos de finanças e contabilidade – terem conseguido esses resultados surpreendentes. E nas duas aquisições, eles simplesmente aplicaram as políticas, práticas e procedimentos que sempre tinham sido usados pela GM.

Essa história é conhecida na GM. Desde a sua função, há oitenta anos, uma série de aquisições demonstram que uma das suas competências básicas tem sido pagar caro por empresas com bom desempenho, porém maduras – como fez a Buick, a AC Spark Plug e a Fischer Body em seus primeiros anos – e a seguir transformá-las em campeãs de classe mundial. Poucas empresas têm sido capazes de igualar o desempenho da GM em efetua aquisições bem-sucedidas, e ela certamente não realiza esses feitos sendo burocrática, lenta ou arrogante. Porém, aquilo que funcionou tão bem em empresas sobre as quais a GM nada sabia fracassou miseravelmente nela própria.

O que pode explicar o fato de, tanto na IBM como na GM, as políticas, práticas e comportamentos que funcionaram por décadas – e no caso da GM ainda funcionam bem, quando aplicadas a algo novo e diferente – não funcionarem mais para a organização na qual e para a qual elas foram desenvolvidas? A realidade que cada organização enfrenta mudou drasticamente, em relação àquelas com as quais cada um supõe que vive, mas a teoria do negócio não.

Antes da sua reação ágil à nova realidade do PC, a IBM já havia mudado uma vez sua estratégia da noite para o dia. Em mil novecentos e cinquenta, a Univac, então líder mundial em computadores, apresentou o protótipo da primeira máquina projetada para ser um computador multifuncional. Todos os projetos anteriores eram de máquinas para uma só finalidade. Os dois computadores anteriores da própria IBM, construídos no final dos anos trinta e em mil

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novecentos e quarenta e seis, executavam somente cálculos astronômicos. E a máquina que a IBM tinha na prancheta em mil novecentos e cinquenta, projetada para o sistema de defesa aérea SAGE, possuía somente uma finalidade: a identificação antecipada de aviões inimigos. A IBM abandonou imediatamente sua estratégia de desenvolver máquinas avançadas para uma única finalidade e colocou seus melhores engenheiros para trabalhar no aperfeiçoamento da arquitetura da Univac e, a partir dela, projetar o primeiro computador de funções múltiplas possível de ser fabricado (não artesanalmente) e de receber asssistência técnica. Três anos depois, a IBM havia se tornado a maior fabricante de computadores do mundo e passou a ditar os padrões da indústria. Ela não criou o computador; mas em mil novecentos e cinquenta sua flexibilidade, agilidade e humildade criaram a indústria e computadores.

Entretanto, as mesmas hipóteses que a ajudaram a prevalecer em mil novecentos e cinquenta mostraram-se insatisfatórias trinta anos depois. Nos anos setenta, a IBM supôs que existisse um computador, como havia feito nos anos cinquenta. Mas a emergência do PC invalidou essa suposição. Computadores de grande porte e PCs são tão diferentes entre si como usinas geradoras e torradeiras elétricas. Estas, apesar de diferentes, são interdependentes e complementares. Ao contrário, computadores de grande porte e PCs são basicamente concorrentes. E em sua definição básica de informação, eles de fato se contradizem: para o computador de grande porte, informação significa memória; para o PC, sem cérebro, significa Software. A construção de usinas geradoras e a produção de torradeiras precisam ser administradas como negócios separados, mas podem ser de propriedade da mesma entidade corporativa, como fez a General Eletric durante décadas. Em contraste, computadores de grande porte e PCs provavelmente não podem coexistir na mesma entidade corporativa.

A IBM tentou combinar os dois. Mas como o PC era a parte de crescimento mais rápido do negócio, ele não podia ser subordinado ao computador de grande porte. Mas como este ainda era a maior fonte de lucros, ela não podia otimizar o negócio de PCs. No final, a suposição de que um computador é um computador – ou, mais prosaicamente, de que a indústria é movida pelos equipamentos – paralisou a IBM.

A GM tinha uma teoria do negócio ainda mais poderosas e bem-sucedida que a ada IBM, a qual levou-a a ser a maior e mais lucrativa organização manufatureira do mundo. A empresa não sofreu nenhum revés em setenta anos – um recorde nunca igualado na história dos negócios. Sua teoria combinava, numa rede impecável, hipóteses a respeito de mercados e clientes com hipóteses a respeito de competências essenciais e estrutura organizacional.

Desde o início dos anos vinte, a GM supunha que o mercado automotivo dos Estados Unidos era homogêneo em seus valores e segmentado por grupos de renda extremamente estáveis. O valor de revenda de um bom carro usado era a única variável independente sob o controle da direção. Altos valores de revenda permitiam que os clientes subissem de categoria quando compravam carros novos, os quais propiciavam lucros mais altos. De acordo com esta teoria, mudanças frequentes ou radicais nos modelos só poderiam reduzir o valor dos carros usados.

Internamente, essas hipóteses sobre o mercado seguiam lado a lado com as hipóteses a respeito de como produção deveria ser organizada para render a maior participação de mercado e os lucros mais altos. No caso da GM, a resposta estava em grandes lotes de carros produzidos em massa com um mínimo de mudanças entre os modelos do mesmo ano, resultando no maior número possível de modelos uniformes no mercado, ao menor custo fixo unitário.

A direção da GM a seguir traduziu essas hipóteses a respeito de mercado e produção numa estrutura de divisões semi-autônomas, cada uma focalizando um segmento de renda e

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arranjada de forma que o preço do seu modelo mais caro se sobre pusesse ao do modelo mais barato da divisão seguinte, quase forçando as pessoas a mudar de categoria, desde que os preços dos carros usados se mantivessem altos.

Durante setenta anos, esta teoria funcionou perfeitamente. Mesmo nas profundezas da Grande Depressão, a GM continuou ganhando participação de mercado. Mas no final dos anos setenta, suas hipóteses a respeito do mercado e da produção perderam a validade. O mercado estava se fragmentando em segmentos de estilo de vida, altamente voláteis. A renda tornou-se um entre muitos fatores na decisão de compra, e não o único. Ao mesmo tempo, a fabricação enxuta criou uma economia de pequena escala. Ela tornou lotes pequenos, com variações nos modelos, mais lucrativos que os grandes lotes de produtos uniformes.

A GM sabia de tudo isso, mas simplesmente não podia acreditar (seu sindicato ainda não acredita). Assim, a empresa tentou remendar as coisas. Ela manteve as divisões baseadas na segmentação por renda – mas agora cada uma delas oferecia um carro para todos os bolsos – e tentou competir com a economia de pequena escala de fabricação enxuta, automatizando a produção em larga escala (perdendo no processo cerca de trinta bilhões de dólares). Contrariamente á crença popular, a GM remendou as coisas com prodigiosa energia, trabalho duro e grandes investimentos em tempo e dinheiro. Mas isso só confundiu os clientes, revendedores, funcionários e a direção da própria GM. Com tudo isso, a GM negligenciou seu mercado em real crescimento, no qual tinha a liderança e teria sido quase imbatível: caminhões leves e minivans.

Uma teoria do negócio tem três partes. Primeiro, existem hipóteses a respeito do ambiente da organização: da sociedade e sua estrutura, o mercado, o cliente e a tecnologia.

Segundo, há hipóteses a respeito da missão específica da organização. A Sears, Roebuck & Co., durante a Primeira Guerra Mundial e nos anos subsequentes, definia sua missão como sendo a fornecedora bem informada da família americana. Uma década depois, a Marks & Spencer britânica definiu sua missão como sendo o agente de mudanças da sociedade britânica, ao se tornar a primeira varejista para todas as classes. A AT&T – também durante e logo depois da Primeira Guerra Mundial – definiu seu papel como sendo o de assegurar que cada família e empresa americana tivesse acesso a um telefone. A missão de uma organização não precisa ser tão ambiciosa. A GM vislumbrou um papel muito mais modesto – como líder em equipamento motorizado de transporte terrestre, nas palavras de Alfred P. Sloan Júnior.

Terceiro, existem hipóteses a respeito das competências essenciais necessárias á realização da missão da organização. Por exemplo, a Academia Militar de West Point, fundada em mil oitocentos e dois, definiu sua competência essencial como a capacidade para produzir líderes merecedores de confiança. A Marks & Spencer, por volta de mil novecentos e trinta, definiu sua competência essencial como a capacidade para identificar, projetar e desenvolver as mercadorias que vendia, ao invés de comprá-las. A AT&T, por volta de mil novecentos e vinte, definiu sua competência essencial como a liderança técnica que a capacitaria a melhorar continuamente seus serviços, ao mesmo tempo em que reduzia suas tarifas.

As hipóteses a respeito do ambiente definem aquilo que uma organização é paga para fazer. Aquelas a respeito da missão definem o que uma organização considera resultados significativos; em outras palavras, elas mostram como ela está fazendo uma diferença na economia e na sociedade em geral. Finalmente, as hipóteses a respeito de competências essenciais definem em que a organização precisa se superar para manter a liderança.

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É claro que tudo isso soa enganosamente simples. Normalmente são necessários anos de muito trabalho, reflexão e experimentação para se atingir uma teoria clara, consistente e válidad do negócio. No entanto, toda organização precisa desenvolver a sua para ter sucesso.

Quais são as especificações de uma teoria válida no negócio? Existem quatro, segundo Peter F. Drucker:

1) As hipóteses a respeito do ambiente, da missão das competências essenciais precisam se encaixar na realidade. Quando quatro jovens pobres de Manchester, Inglaterra – Simon Marks e seus três cunhados – decidiram, no início dos anos vinte, que um bazar insípido deveria se tornar um agente de mudanças sociais, a Primeira Guerra Mundial havia afetado profundamente a estrutura de classes do seu país. Ela também havia criado massas de novos compradores de mercadorias de bom estilo e qualidade como lingerie, blusas e meias – as primeiras categorias de produtos de sucesso da Marks & Spencer. A seguir, a empresa se pôs a trabalhar, desenvolvimento competências essenciais completamente novas. Até então, as competências essenciais completamente novas. Até então, a competência essencial de um comerciante era a capacidade de comprar bem. A Marks & Spencer decidiu que era o comerciante, e não o fabricante, que conhecia o cliente. Portanto, caberia a ele conceber os produtos, desenvolvê-los e encontrar produtores para fabricá-los de acordo com sua concepção, suas especificações e seus custos. Esta nova definição do comerciante levou de cinco a oito anos para se desenvolver e se tornar aceitável para os fornecedores tradicionais, que sempre haviam visto a si mesmos como fabricantes e não subempreiteiros.

2) As hipóteses nas três áreas precisam encaixar-se. Talvez esta fosse a maior força da GM durante longas décadas da sua ascendência. Suas hipóteses a respeito do mercado e do processo ótimo de fabricação se encaixavam perfeitamente. Em meados dos anos vinte, a GM decidiu que também eram necessárias novas competências essenciais: controle financeiro do processo de fabricação e uma teoria de alocações de capital. Em consequência disso, ela inventou a moderna contabilidade de custos e o primeiro processo de fabricação e uma teoria de alocações de capital. Em consequência disso, ela inventou a moderna contabilidade de custos e o primeiro processo racional de alocação de capital.

3) A teoria do negócio precisa ser conhecida e compreendida em toda a organização. Isto é fácil nos primeiros dias de uma organização. Porém, à medida que se torna um sucesso, uma organização tende cada vez mais a dar sua teoria como certa, tornando-se cada vez menos consciente da mesma. Então, a organização torna-se descuidada. Ela começa a tomar atalhos, a seguir aquilo que é conveniente ao invés daquilo que é certo. Ela para de pensar e de questionar, se lembra das respostas, mas esqueceu as perguntas. A teoria do negócio transforma-a em cultura, embora esta não substitua a disciplina, e a teoria dos negócios é uma disciplina.

4) A teoria do negócio precisa ser constantemente testada. Ela não está gravada em pedra. É uma hipótese, e a respeito de coisas que estão em fluxo constante - a sociedade, os mercados, os clientes, a tecnologia. Portanto, a teoria do negócio deve ter a capacidade para mudar a si mesma.

Algumas teorias do negócio são tão poderosas que duram por muito tempo. Porém, sendo artefatos humanos, elas não duram para sempre; aliás, hoje em dia elas raramente duram por muito tempo. Com o passar do tempo, toda teoria do negócio torna-se obsoleta e sem valor. Foi o que aconteceu com as teorias sobre as quais foram construídas as grandes empresas americanas nos anos vinte. Isto aconteceu com a GM, a AT&T, com a IBM, hoje com o Deutsche Bank e sua teoria do banco universal e com os kereitsu japoneses, atualmente em rápida desagregação.

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A primeira reação de uma organização cuja teoria está se tornando obsoleta é quase sempre defensiva. A tendência é enterrar a cabeça na areia e fingir que nada está acontecendo. A reação seguinte é a tentativa de remendar, como fez a GM no início dos anos oitenta ou o Deutsche Bank fez nos anos noventa. A crise súbita e inesperada de uma grande empresa alemã após a outra, para as quais o Deutsche Bank é o banco da casa, indica que sua teoria não funciona mais. Isto é, o Deutsche Bank não faz mais aquilo que foi projetado para fazer: prover controle eficaz da corporação moderna.

Mas remendar nunca funciona. Ao contrário, quando uma teoria da os primeiros sinais de obsolescência, está na hora de começar a pensar novamente, de perguntar novamente quais hipóteses a respeito do ambiente, da missão e das competências básicas refletem com maior precisão a realidade – a partir da clara premissa de que nossas hipóteses historicamente transmitidas, aquelas com as quais muitos cresceram vendo, não mais são suficientes.

O que então precisa ser feito? Há necessidade de cuidados preventivos – isto é, embutir na organização o monitoramento e teste sistemáticos da sua teoria do negócio. É fundamental um diagnóstico precoce, repensar uma teoria que está estagnada e tomar providências efetivas para mudar políticas e práticas, alinhando o comportamento da organização às novas realidades do seu ambiente, a uma nova definição da sua missão e às novas competências essenciais a serem desenvolvidas e adquiridas.

Existem somente duas medidas preventivas. Porém, se forem usadas de forma consistente, elas devem manter uma organização alerta e capaz de forma consciente, elas devem manter uma organização alerta e capaz de mudar rapidamente a si mesma e à sua teoria. A primeira medida é aquilo que Peter F. Drucker chama de abandono. A cada três anos, uma organização deve questionar cada produto, serviço, política, canal de distribuição com a pergunta: Se já não estivéssemos nisto, nós entraríamos agora? Questionando políticas e rotinas aceitas, a organização se força a pensar a respeito da sua teoria, a testar suas hipóteses e a perguntar; Por que isto não funcionou, apesar de parecer tão promissor quando entramos há cindo anos? É porque cometemos um erro? Porque fizemos as coisas erradas? Ou é porque as coisas certas não funcionaram?

Sem um abandono sistemático e determinado, a organização será colhida pelos acontecimentos. Ela irá dissipar seus melhores recursos em coisas que nunca deveria estar fazendo ou que não deveria mais fazer. Em consequência disso, ela irá carecer de recursos, especialmente humanos, para explorar as oportunidades que surgem quando mudam mercados, tecnologias e competências essenciais. Em outras palavras, ela estará incapacitada de reagir de forma construtiva às oportunidades que são criadas quando sua teoria dos negócios se tornar obsoleta.

A segunda medida preventiva é estudar aquilo que acontece fora da empresa, especialmente os não-clientes. O gerenciamento através de andar por aí tornou-se popular há alguns anos e ele é tão importante quanto conhecer o máximo possível a respeito dos clientes – talvez a área na qual a tecnologia da informação esteja fazendo os avanços mais rápidos. Mas os primeiros sinais de mudanças fundamentais raramente aparecem dentro da organização ou entre seus próprios clientes. Quase sempre eles surgem primeiro entre os não-clientes, os quais são mais numerosos que os clientes. A Wal-Mart, a gigante do varejo de hoje, tem quatorze por cento do mercado americano de bens de consumo. Isto significa que oitenta e seis por cento do mercado são não-clientes.

O melhor exemplo recente da importância do não-cliente é o das lojas de departamentos americanas. Em seu pico, há cerca de quarenta anos, elas atendiam trinta por cento do mercado varejista não-alimentar dos Estados Unidos – questionavam, estudavam e pesquisavam constantemente seus clientes, mas não davam a devida atenção aos setenta por cento do

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mercado que não eram seus clientes. Elas não viam razões para fazê-lo. Sua teoria do negócio supunha que a maioria das pessoas que podia comprar em lojas de departamentos já o fazia. Há setenta anos, esta suposição encaixava-se na realidade. Mas quando os baby-boomers (a geração nascida logo após o fim da Segunda Guerra Mundial) se tornaram adultos, essa suposição deixou de ser válida. Para o grupo dominante entre os baby-boomers – mulheres de famílias onde os dois cônjuges tinham boa educação e trabalhavam fora – não era a renda que determinava onde comprar. O tempo era o fator primordial e as mulheres dessa geração não podiam se dá ao luxo de gastar seu tempo fazendo compras em lojas de departamentos. Como estas só olhavam para seus clientes, não reconheceram a mudança até há pouco mais de vinte anos. Mas então, o negócio já estava secando e era tarde demais para trazer os baby-boomers de volta. As lojas de departamentos aprenderam da maneira mais difícil que embora ser movido pelo cliente seja vital, não é suficiente. Uma organização também tem de ser movida pelo mercado.

Para diagnosticar cedo os problemas, os gerentes precisam presta atenção aos sinais de alerta. Uma teoria do negócio sempre se torna obsoleta quando uma organização atinge seus objetivos originais. Portanto, atingir os objetivos não é um motivo para comemorações, mas para novas reflexões. A AT&T cumpriu sua missão de dar acesso ao telefone a cada família e empresa dos Estados Unidos em meados dos anos cinquenta. Na ocasião, alguns executivos disseram que estava na hora de reavaliar a teoria do negócio e, por exemplo, separar os serviços locais – onde os objetivos haviam sido atingidos – dos negócios em crescimento e futuros, começando com o serviço interurbano e indo até as telecomunicações globais. Seus argumentos foram ignorados e alguns anos depois a AT&T começou a tropeçar, tendo sido salva pelas leis antitruste, as quais determinaram a execução daquilo que a empresa havia se recusado a fazer voluntariamente.

O crescimento rápido é outro sinal seguro de crise na teoria de uma organização. Qualquer organização que dobre ou triplique seu tamanho dentro de um período relativamente curto necessariamente ultrapassou sua teoria. Mas um crescimento destes questiona hipóteses, políticas e hábitos muito mais profundos. Para continuar saudável, para não falar em crescer, a organização precisa se fazer novamente as perguntas a respeito do seu ambiente, sua missão e suas competências essenciais.

Há dois sinais mais claros de que a teoria do negócio de uma organização não é mais válida. Um é o sucesso inesperado – dela própria ou de um concorrente e o outro um fracasso inesperado – mais uma vez, dela própria ou de um concorrente.

Na mesma ocasião em que as importações de carros japoneses estavam encurralando as três grandes de Detroit, a Chrysler registrou um sucesso totalmente imprevisto. Seus carros de passageiros tradicionais estavam perdendo participação de mercado até mais depressa que os da GM e os da Ford. Mas as vendas do seu Jeep e das suas novas minivans – uma linha quase acidental – estavam subindo rapidamente; na época, a GM era líder do mercado americano de caminhões leves e permanecia inquestionada no desenho e na qualidade dos seus produtos, mas não estava dando atenção nenhuma ao segmento. Afinal, minivans e caminhões leves sempre haviam sido classificados como veículos comerciais e não de passageiros nas estatísticas tradicionais, apesar da maior parte deles estar então sendo comprada como veículos de passageiros. Entretanto, se tivesse prestado atenção ao sucesso do seu concorrente mais fraco – a Chrysler – a GM poderia ter compreendido muito antes que suas hipóteses, tanto a respeito do seu mercado como de suas competências essenciais, não eram mais válidas. Desde o começo, o mercado de minivans e caminhões leves não era um mercado de classe de renda e era pouco influenciado pelos preços de revenda. E, paradoxalmente, a área de caminhões leves era a única na qual a GM, há trinta e cinco anos, já havia avançado muito em direção àquilo que hoje é chamado de fabricação enxuta.

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Um fracasso inesperado é tão importante como alerta quanto um sucesso inesperado e deve ser levado tão a sério quanto um pequeno ataque cardíaco de um homem de sessenta anos. Há oitenta anos, em meio à Depressão, a Sears decidiu que seguros de automóveis tinham se tornado um acessório, ao invés de um produto financeiro, e que vendê-los se encaixaria em sua missão como fornecedora bem informada da família americana. Todos acharam que a Sears estava louca. Mas o negócio de seguros de carros tornou-se quase instantaneamente o mais lucrativo da empresa. Vinte anos depois, ela decidiu que aneis de brilhantes haviam se tornado uma necessidade e não um luxo, e a empresa transformou-se na maior varejista de diamantes do mundo – e talvez a mais lucrativa. Foi apenas lógico, para a Sears, decidir em mil novecentos e oitenta e um que produtos de investimentos haviam se tornado bens de consumo para a família americana. Ela comprou a Dean Witter e transferiu seus escritórios para as lojas Sears. Foi um desastre total. O público americano claramente não considerava suas necessidades financeiras produtos de consumo. Quando a Sears finalmente desistiu de tocar a Dean Witter como um negócio separado, fora de suas lojas, esta começou a florescer. Em mil novecentos e noventa e dois, a Sears vendeu-a com um belo lucro.

Se a Sears tivesse visto seu fracasso na tentativa de se tornar a fornecedora de investimentos para a família americana como um fracasso da sua teoria e não como um incidente isolado, ela poderia ter começado a se reestruturar e se reposicionar dez anos antes de quando efetivamente o fez, quando ainda detinha uma substancial liderança de mercado. A Sears poderia ter visto, como o fizeram imediatamente vários dos seus concorrentes, como a J. C. Penney, que o fracasso da Dean Witter colocou em dúvida todo o conceito de homogeneidade do mercado, o que ela e outros grandes varejistas haviam baseado durante anos suas estratégias.

Tradicionalmente, tem-se buscado pelo trabalhador milagroso com uma varinha mágica para curar uma organização enferma. No entanto, o estabelecimento, a manutenção e a restauração de uma teoria não requerem um Gengis Khan ou um Leonardo da Vinci na presidência. A questão não é de genialidade, mas de trabalho duro. Não se trata de ser inteligente, mas consciencioso.

É para isto que os CEOs são pagos. Alguns deles mudaram com sucesso suas teorias do negócio. Ele que transformou a Merck num dos mais bem-sucedidos laboratório farmacêuticos do mundo, focalizando exclusivamente a pesquisa e desenvolvimento de medicamentos totalmente novos, patenteados de altas margens, mudou de forma radical a teoria da empresa ao adquirir uma grande distribuidora de medicamentos genéricos e populares. Ele fez isso sem que existisse uma crise, quando a Merck estava muito bem. Analogamente, há algumas décadas, o novo CEO da Sony, a fabricante de eletrônicos de consumo mais conhecida do mundo, mudou a teoria do negócio daquela empresa. Ele adquiriu uma empresa de produção de filmes de Hollywood e, com isso, mudou o centro de gravidade da organização, que deixou de ser uma fabricante de equipamentos em busca de software e passou a ser uma produtora de software que cria no mercado a demanda por equipamentos.

Para cada um destes trabalhadores aparentemente milagrosos, há inúmeros CEOs, igualmente capazes, cujas organizações tropeçam. Não é possível se basear em trabalhadores milagrosos para rejuvenescer uma teoria do negócio obsoleta, assim como não é possível esperar que eles curem outros tipos de doenças sérias. E quando você conversa com estas pessoas supostamente milagrosas, elas negam veementemente que agem por carisma, visão ou, no caso, fazendo gestos mágicos. Elas começam com diagnóstico e análise e aceitam que a realização dos objetivos e o crescimento rápido exigem que se repense seriamente sobre a teoria do negócio. Elas não deixam de lado um fracasso inesperado como se fosse o resultado da incompetência de um funcionário ou um acidente, mas tratam como um sintoma de fracasso dos sistemas. Eles não assumem o crédito por sucessos inesperados, mas os tratam como desafios às suas hipóteses.

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Eles admitem que a obsolescência de uma teoria é uma moléstia degenerativa e, portanto, mortal. E conhecem e aceitam o princípio comprovado dos cirurgiões, o mais antigo princípio de tomada efetiva de decisões: uma moléstia degenerativa não será curada por procrastinação; ela requer providências decisivas.

Tecnologia da informação: convertendo dados em informações

Os executivos tornaram-se conhecedores de computadores. Os mais jovens chegam a saber mais a respeito de como funciona o computador do que a respeito da mecânica do automóvel ou do telefone. Mas poucos entendem de informação. Eles sabem como obter dados, mas ainda precisam aprender a usá-los.

Poucos executivos sabem fazer perguntas do tipo: “De que informações necessito para fazer meu trabalho?”, “Quando preciso delas?”, “De que forma?”, “E de quem devo recebê-las?”, “Que antigas tarefas devo abandonar?”, “Que tarefas devo executar de forma diferente?”. Praticamente ninguém pergunta: “Que informações devo dar?”, “A quem?”, “Quando?”, “De que forma?”.

Uma base de dados, por maior que seja, não é informação. Ela é minério de informação. Para que a matéria-prima se transforme em informação, ela precisa ser organizada para uma tarefa, dirigida para desempenho específico, aplicada a uma decisão. Ela não pode fazer isso por si mesma, nem os especialistas em informação. Eles podem persuadir seus clientes, os usuários de dados, aconselhar, demonstrar, ensinar, mas não gerenciar os dados para os usuários, assim como um departamento de pessoal não pode assumir o gerenciamento das pessoas que trabalham com um executivo.

Os especialistas em informação são fabricantes de ferramentas. Os usuários destas, sejam eles executivos ou técnicos, têm de decidir quais informações usar, para que e como. Eles precisam se tornar conhecedores de informações. Este é o primeiro desafio enfrentado pelos usuários de informações, agora que os executivos passaram a conhecer computadores.

Mas a organização também precisa conhecer informações. Ela também precisa aprender a perguntar: “De que informações necessitamos na empresa?”, “Quando necessitamos delas?”, “Em que forma?”, “E onde obtê-las?”. Até agora essas perguntas estão sendo feitas pelos militares, e mesmo assim para decisões táticas do dia-a-dia. Nas empresas, essas perguntas têm sido feitas somente por algumas multinacionais, entre as quais a Unilever anglo-holandesa, em algumas empresas de petróleo (como a Shell) e as grandes trading companies japonesas.

No momento em que estas perguntas são feitas, torna-se claro que as informações de que uma empresa mais depende somente estão disponíveis numa forma primitiva e desorganizada, pois aquilo deque uma empresa mais necessita para suas decisões – em especial as estratégicas – são dados a respeito do que acontece fora dela. É para fora da empresa que estão os resultados, oportunidades e ameaças.

Até agora, os únicos dados do exterior que foram integrados aos sistemas de informações da maioria das empresas e aos seus processos de tomada de decisões são dados do dia-a-dia do mercado: o que os clientes existentes compram, onde e como. Poucas

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empresas têm tentado obter informações a respeito dos seus não-clientes, e muito menos integrar essas informações às suas bases de dados. Todavia, por mais poderosa que uma empresa seja em sua indústria ou em seu mercado, os não-clientes quase sempres são mais numerosos que os clientes.

As lojas de departamentos americanas tinham uma base de clientes muito grande, talvez trinta por cento do mercado de classe média, e possuíam muito mais informações a respeito dos seus clientes que qualquer outra indústria. Entretanto, o fato de elas deixarem de decicar atenção aos setenta por cento que não eram clientes explica, em grande parte, por que hoje elas enfrentam uma séria crise. Em proporções crescentes, os não-clientes eram as jovens famílias afluentes, nas quais ambos os cônjuges trabalhavam, que constituíam o mercado em crescimento nos anos oitenta.

Os bancos comerciais, apesar de todos os dados estatísticos a respeito dos seus clientes, também não se deram conta – até ser muito tarde – de que um número crescente dos seus clientes em potencial haviam se tornado não-clientes. Muitos clientes em potencial haviam se voltado para papeis comerciais para seus financiamentos, ao invés de tomarem emprestado dos bancos.

Quando se trata de informações de fora do mercado – dados demográficos, comportamento e planos dos concorrentes atuais e em potencial, tecnologia, economia, mudanças que assinalam flutuações cambiais e movimentações de capital – ou não existem dados, ou são demasiado genéricos. Poucas tentativas foram feitas para se determinar o efeito que esas informações têm sobre as decisões da empresa. Como obter esses dados, testá-los e juntá-los ao sistema de informações existente para torná-los eficazes para o processo de decisões da empresa – este é o segundo maior desafio que hoje os usuários de informações têm diante de si.

Ele precisa ser enfrentado logo. Hoje as empresas dependem, para suas decisões, de dados internos, como custos, ou de hipóteses não testadas a respeito do exterior. Em qualquer caso, elas estão tentando voar com uma só asa.

Finalmente, o mais difícil dos novos desafios: há de se juntar os dois sistemas de informações que hoje as empresas administram em paralelo – o processamento de dados baseado em computador e o sistema contábil. No mínimo haverá de se torná-los compatíveis.

As pessoas normalmente consideram a contabilidade como sendo financeira. Mas isto é válido somente para a parte que lida com ativos, passivos e fluxos de caixa; esta é apenas uma pequena parte da contabilidade moderna. A maior parte lida com operações ao invés de finanças e, para a contabilidade operacional, o dinheiro é simplesmente uma anotação e uma linguagem para expressar eventos não-monetários. A contabilidade está sendo abalada até as raízes por movimentos de reforma que visam a fazer com que ela deixe de ser financeira e se torna mais operacional.

Existe a nova contabilidade transacional, que procura relacionar as operações aos seus ativos, do custo histórico para estimativas de retornos futuros esperados. A contabilidade tornou-se a área intelectualmente mais desafiadora no campo gerencial e a mais turbulenta. Todas essas teorias contábeis visam à transformação dos dados contábeis em informações para tomada de decisões pelos gerentes. Em outras palavras, elas têm as mesmas metas do processamento de dados por computador.

Hoje esses dois sistemas de informações operam isolados um do outro e em geral nem mesmo concorrem entre si. Nas escolas de administração eles são mantidos separados, com

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departamentos distintos de contabilidade e de ciência do comutador e diplomas também separados.

Os profissionais têm formações, valores e carreiras diferentes. Eles trabalham em departamentos diferentes, para chefes diferentes. Existe um diretor de informações para o processamento de dados por computador, normalmente com formação em tecnologia do computador. A contabilidade tipicamente reporta-se ao diretor financeiro, o qual emn geral tem experiência nas finanças da empresa e no gerenciamento do seu dinheiro. Em outras palavras, nenhum dos dois chefes pensa em termo de informações.

Os dois temas estão cada vez mais se superpondo e também produzindo dados que parecem clnflitantes – ou no mínimo incompatíveis – a respeito do mesmo evento, pois o veem de formas diferentes. Até agora, isto tem criado pouca confusão. As empresas tandiam a prestar atenção naquilo que os seus contadores lhes contavam e a desprezar os dados dos seus sistemas de informações, ao menos para as decisões da alta direção. Mas isto está mudando, na medida que executivos conhecedores d ecomputadores estão indo para posições de tomada de decisões.

Uma evolução pode ser considerada altamente provável: o gerenciamento do dinheiro – aquilo que hoje Peter F. Drucker chama de função de tesouraria – será separado da contabilidade (isto é, dos eu componente de informação) e terá pessoal e direção separados. Ainda não se sabe como será possível gerenciar os dois sistemas de informações. Mas é certo que nos próximos dez anos eles serão juntados (nas organizações que ainda não os juntaram), ou pelo penos decidir qual sistema faz o que.

O pessoal dos computadores ainda está preocupado com maior velocidade e memórias de maior capacidade. Mas cada vez mais os desafios não serão técnicos; ao contrário, eles estarão ligados à conversão de dados em informações utilizáveis.

Governança corporativa: contagem versus medição

Nas empresas e na economia, a quantificação tem sido a moda nos últimos setenta anos. Os contadores proliferaram tanto quanto os advogados. Contudo, não se tem as medições de que se necessita.

Os conceitos e instrumentos não são adequados para o controle de operações ou o controle gerencial. E até o momento não existem os conceitos nem as ferramentas para o controle da empresa – isto é, para a tomada de decisões econômicas. Entretanto, nos últimos anos, houve uma conscientização cada vez maior da necessidade dessas medições. E em uma área, o controle operacional da fabricação, o trabalho necessário já foi feito.

A tradicional contabilidade de custos em fabricação – hoje com cem anos – não registra o custo da má qualidade de uma máquina enguiçada ou do fato de partes necessárias não estarem disponíveis. Porém, em algumas fábricas, estes custos não registrados nem controlados chegam a ser tão altos quanto os registrados pela contabilidade de custos tradicional. Em contraste, um novo método de contabilidade de custos, desenvolvido nos últimos trinta anos – denominado contabilidade “baseada em atividades” – registra todos os custos e os relaciona ao valor adicionado, algo que a contabilidade de custos tradicional não pode fazer. Há

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mais de dez anos, seu uso deveria estar generalizado e então ter-se-ía o controle operacional na fabricação.

Mas este controle seria apenas na fabricação. Ainda não ter-se-ía controle de custos em serviços: escolas, bancos, agências governamentais, hospitais, hoteis, lojas de varejo, laboratórios de pesquisa, firmas de arquitetura e assim por diante. Sabe-se quanto dinheiro um serviço requer, quanto ele gasta e em que. Mas não se sabe como os gastos se relacionam ao trabalho feito pela organização de serviços e aos seus resultados – uma das razões pelas quais os custos de hospitais, escolas e dos correios estão fora de controle. Contudo, em todos os países desenvolvidos, de dois terços a três quartos da produção dos empregos e dos custos estão em serviços.

Alguns grandes bancos estão apenas começando a implementar contabilidade de custos para serviços. Embora os resultados até o momento sejam um tanto incertos, descobriram-se algumas coisas importantes. Ao contrário da contabilidade de custos em fabricação, a contabilidade de custos para serviços terá de ser de cima para baixo, começando com o custo do sistema inteiro ao longo de um determinado período. A maneira pela qual o trabalho é organizado é muito mais importante do que na fabricação. Em serviços, a qualidade e a produtividade são tão importantes para o custo quanto a quantidade produzida. Na maior parte dos serviços, as equipes – e não indivíduos ou máquinas – são os centros de custos. E a chave não é o “custo”, mas a “eficácia em relação ao custo”. Mas isto é apenas o começo.

Mesmo que se dispusesse das medições de que se necessita para fabricação e serviços, ainda não ter-se-ía um verdadeiro controle operacional. Trar-se-ía a organização – o fabricante, o banco, o hospital – como o centro de custos. Mas os custos que importam são aqueles de todo o processo econômico no qual o fabricante, banco ou hospital é somente um elo da cadeia. Os custos do processo inteiro são aqueles que o cliente final (ou pagador de impostos) paga e determinam a competitividade ou não de um produto, serviço, indústria ou uma economia. Uma grande parte desses custos é “intersticial” – incorridos, por exemplo, entre o fornecedor de partes e o fabricante, ou entre o fabricante e o distribuidor, e não registrados por nenhum deles.

A vantagem de custo dos japoneses provém, em grande parte, do controle desses custos dentro de um keiretsu, a “família” de fornecedores e distribuidores agrupados em torno de um fabricante. O tratamento do keiretsu como um fluxo de custos levou, por exemplo, à entrega de partes just-in-time. Também possibilitou que o keiretsu transferisse operações para onde elas fossem mais eficazes em relação aos custos.

A determinação do custo de um processo, da máquina na fábrica do fornecedor até o caixa na loja, também é a base da fenomenal ascensão da Wal-Mart. Ela resultou na eliminação de inúmeros depósitos e de muito trabalho burocrático, a qual cortou os custos em um terço. Mas essa determinação requer uma nova concepção de relacionamentos e mudanças em hábitos e comportamentos. Ela requer sistemas contábeis compatíveis quando hoje as organizações se orgulham de ter seus próprios métodos únicos. Requer escolher aquilo que é eficaz em relação ao custo, ao invés daquilo que custa menos. Requer decisões conjuntas com toda a cadeia a respeito de quem faz o que.

Igualmente drásticas são as mudanças necessárias para um controle gerencial efetivo. As folhas de balanço foram concebidas para mostrar o quanto uma empresa valeria se fosse liquidada hoje. Orçamentos servem para assegurar que o dinheiro é gasto somente onde autorizado. Porém, os gerentes precisam de balanços que relacionem a condição atual da empresa à sua capacidade futura de produção de riqueza, a curto e a longo prazos. Os gerentes precisam de orçamentos que relacionem despesas propostas a futuros resultados, mas também

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forneçam informações de acompanhamento que mostrem se os resultados prometidos foram ou não alcançados.

Até o momento tem-se somente algumas partes: a previsão do fluxo de caixa, por exemplo, ou a análise dos investimentos de capital propostos. Entretanto, pela primeira vez, algumas grandes empresas multinacionais – americanas e europeias – estão começando a juntar essas partes em balanços e orçamentos de “andamento da empresa”.

Porém, as medições mais necessárias – e mais em falta – são aquelas que nos dão o controle da empresa. Contabilidade financeira, balanços, declarações de lucros e perdas, alocação de custos e assim por diante constituem uma radiografia do esqueleto da empresa. Mas assim como as doenças mais comumente mortíferas – cardiopatias, câncer, mal de Parkinson – não aparecem em radiografias do esqueleto, uma perda de posição no mercado ou o fracasso em uma inovação também não aparecem nas cifras contábeis até que o dano já esteja feito.

Precisa-se de novas medições – a serem chamadas de “auditorias da empresa” – que deem o controle efetivo da empresa. Precisa-se de medições, para uma empresa ou indústrias, que sejam semelhantes aos “indicadores principais” e “indicadores de atraso” que os economistas desenvolveram durante os últimos setenta anos para prever a direção na qual a economia tem probabilidade de se mover e por quanto tempo. Pela primeira vez, grandes investidores institucionais, inclusive alguns grandes fundos de pensão, estão trabalhando nesses conceitos e ferramentas para medir o desempenho das empresas nas quais investem.

Isto é apenas o início. E agora cada uma dessas áreas está sendo trabalhada separadamente. As pessoas que estão trabalhando num campo – por exemplo, fundos de pensão – podem nem saber do trabalho realizado em outras áreas.

Pode levar muitos anos, até décadas, até que se tenham as medições necessárias em todas essas áreas. Mas pelo menos sabe-se que são necessárias novas medições e quais elas devem ser. Lentamente, e ainda às apalpadelas, está-se passando da contagem à medição.

Sistemas de informação: o executivo e suas decisões

Desde que surgiram as novas ferramentas de processamento de dados, há cinquenta ou sessenta anos, os homens de negócios têm exagerado e também subestimado a importância das informações na organização. Até Peter F. Drucker chegou a admitir exagerar as possibilidades ao ponto de falar em “modelos de negócios”, gerados em computador, que poderiam tomar decisões e até mesmo dirigir grande parte da empresa. Mas também costuma-se subestimar as novas ferramentas; vê-se nelas os meios para fazer melhor aquilo que os executivos já estavam fazendo para administrar suas organizações.

Ninguém mais fala de modelos de negócios tomando decisões econômicas. Até o momento, a maior contribuição da capacidade de processamento de dados não foi para o gerenciamento, mas sim as para operações – que os arquitetos usam para resolver problemas estruturais nos edifícios que projetam.

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Porém, mesmo tendo super e subestimado as novas ferramentas, deixou-se de compreender que elas iriam mudar drasticamente as tarefas a serem enfrentadas.

Conceitos e ferramentas, a história diz, são mutuamente interdependentes e interativos. Um muda o outro. Isto está acontecendo com o conceito que se chama de empresa e as ferramentas que chamam-se informações. As novas ferramentas capacitam os administradores – na verdade, podem forçá-los – a ver as empresas de forma diferente, a vê-las como:

1) geradoras de recursos, isto é as organizações que convertem custos em rendimentos;

2) elos numa cadeia econômica, a qual os gerentes precisam entender como um todo para administrar seus custos;

3) órgãos da sociedade para a criação de riqueza e

4) criadores e criaturas de um ambiente material que é a área externa à organização, na qual estão oportunidades e resultados, mas também se originam as ameaças ao sucesso e à sobrevivência de toda a empresa.

Este texto trata das ferramentas requeridas pelos executivos para gerar as informações de que necessitam e também dos conceitos subjacentes a essas ferramentas. Algumas delas existem há muito tempo, mas raramente ou nunca foram dirigidas à tarefa de se administrar uma empresa. Outras têm de ser reformuladas; em sua presente forma elas não funcional mais. Para algumas ferramentas que prometem ser importantes no futuro, até o momento tem-se somente especificações sumárias, elas ainda precisam ser projetadas.

Apesar de estar-se apenas no começo do entendimento de como usar as informações como ferramentas, pode-se delinear, com alta probabilidade de acerto, as principais partes do sistema de informações de que os executivos necessitam para administrar suas empresas. Assim, pode-se começar a compreender os conceitos que provavelmente serão a base da empresa – vão ser chamadas de corporação projetada – que os executivos terão de administrar no futuro. São estes conceitos:

1) da contabilidade de custos ao controle de rendimento;

2) da ficção legal à realidade econômica;

3) informações para a criação de riqueza e

4) onde estão os resultados.

Contabilidade de custos: descontos versus lucros

Pode-se ter ido mais longe no reprojeto tanto da empresa como das informações no mais tradicional dos sistemas: a contabilidade. De fato, muitas empresas já passaram da

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contabilidade de custos tradicional para o custeio baseado em atividades. Este representa, ao mesmo tempo, um conceito diferente do processo da empresa, em especial para os fabricantes, e maneiras diferentes de medição.

A contabilidade de custos tradicional, desenvolvida pela General Motors há oitenta anos, postula que o custo total de fabricação é a soma dos custos das operações individuais. Porém, o custo que importa para a competitividade e a lucratividade é o do processo total, e é isto que o novo custeio baseado em atividades registra e torna gerenciável. Sua premissa básica é que a fabricação é um processo integrado que se inicia quando suprimentos, matérias-primas e partes chegam à plataforma de carga da fábrica e continua mesmo depois do produto acabado chegar ao usuário final. O atendimento ainda é um custo do processo e também a instalação mesmo se o cliente pagar.

A contabilidade de custos tradicional mede quanto custa fazer alguma coisa, por exemplo tornear a rosca de um parafuso. O custeio baseado em atividades também registra o custo de não fazer, como o custo de uma máquina parada, da espera por uma parte ou ferramentas, de estoques esperando embarque e do retrabalho ou rejeição de uma peça defeituosa. Os custos de não fazer, que a contabilidade de custos tradicional não pode registrar, com frequência igualam e em alguns casos excedem os custos de fazer. Portanto, o custeio baseado em atividades não só dá um controle de custos muito melhor, mas também o controle de resultados.

A contabilidade de custos tradicional assume que uma certa operação – por exemplo, o tratamento térmico – precisa ser feita, e no local em que é feita agora. O custeio baseado em atividades pergunta: “Ela precisa ser feita?” Em caso positivo, onde é melhor fazê-la? O custeio baseado em atividades integra atividades anteriormente separadas – análises de valor e de processos, gerenciamento de qualidade e custeio numa única análise.

Usando esta abordagem, o custeio baseado em atividades pode reduzir de forma substancial os custos de fabricação – em alguns casos, em até mais de um terço. Porém, é provável que seu maior impacto seja em serviços. Na maior parte das empresas de fabricação, a contabilidade de custos é inadequada. Mas as indústrias de serviços – bancos, varejo, hospitais, escolas, jornais, e estações de rádio e televisão – praticamente não contam com informaçoes sobre custos.

O custeio baseado em atividades mostra por que a contabilidade de custos não funcionou para empresas de serviços. Não é porque as técnicas sejam erradas, mas porque a contabilidade de custos tradicional faz as hipóteses erradas. As empresas de serviços não podem partir dos custos das operações individuais como as empresas de fabricação. Elas precisam partir da hipótese de que existe apenas um custo: o do sistema total. E este é um custo fixo ao longo de qualquer período. A famosa distinção entre custos fixos e variáveis, na qual se baseia a contabilidade de custos tradicional, não faz muito sentido em serviços. O mesmo se dá com outra hipótese básica da contabilidade de custos tradicional: que o capitão pode substituir a mão-de-obra. Na verdade, em especial no trabalho baseado no conhecimento, investimentos adicionais de capital provavelmente irão exigir mais mão-de-obra, e não menos. Por exemplo, um hospital que compra um novo instrumento para diagnósticos pode ter que adicionar quatro ou cinco pessoas para operá-lo. Outras organizações baseadas no conhecimento tiveram que aprender a mesma lição. Mas o custeio baseado em atividades parte exatamente das hipóteses de que todos os custos são fixos ao longo de um determinado período e que os recursos não são intercambiáveis; portanto, a operação total precisa ser custeada. Aplicando estas hipóteses a serviços, está-se começando a obter informações sobre custos e controle de rendimento.

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Os bancos, por exemplo, vêm tentando há décadas aplicar técnicas da contabilidade de custos convencional aos seus negócios – isto é, calcular os custos de operações e serviços individuais – com resultados quase desprezíveis. Hoje eles estão começando a perguntar: “Qual atividade está no centro de custos e resultados?” A resposta: “Atender o cliente.” Em qualquer grande área de serviços bancários, o custo por cliente é fixo. Assim, é o rendimento por cliente – tanto o volume de serviços que um cliente usa como a mistura desses serviços – que determina os custos e a lucratividade. As lojas de descontos, em especial aquelas da Europa Ocidental, sabem disso há algum tempo. Elas assumem que uma vez instalada uma unidade de espaço de prateleira, o custo é fixo e o gerenciamento consiste na maximização do rendimento ao longo de um determinado período. Seu foco no controle do rendimento lhes permitiu levar à lucratividade, apenas dos seus baixos preços e margens.

Os serviços estão apenas começando a aplicar os novos conceitos de custeio. Em algumas áreas, como os laboratórios de pesquisa, onde a produtividade é quase impossível de ser medida, é possível que se tenha sempre que se basear em avaliações e julgamento ao invés de medições. Porém, para a maior parte dos trabalhos baseados no conhecimento e de serviços, deve-se, dentro de dez a quinze anos, ter desenvolvido instrumentos confiáveis para medir e gerenciar custos e relacioná-los aos resultados.

O fato de se pensar mais claramente a respeito de custeio em serviços deverá produzir novos critérios sobre os custos de conquistar e manter clientes em empresas de todos os tipos. Por exemplo, se a GM, a Ford e a Chrysler tivessem custeio baseado em atividades, elas teriam descoberto mais cedo a inutilidade das suas promoções dos últimos anos, que ofereciam aos compradores de carros novos descontos espetaculares e recompensas em dinheiro. Essas promoções custaram às três grandes enormes volumes de dinheiro e, pior ainda, grandes números de clientes em potencial. De fato, cada uma delas resultou em perda de posição no mercado. Porém, nem os custos das ofertas especiais tampouco os seus rendimentos negativos apareciam nas cifras da contabilidade de custos convencional das empresas; assim, seus dirigentes não ficavam sabendo dos danos. A contabilidade de custos convencional mostra somente os custos isolados de operações individuais de fabricação e estes não eram afetados pelos descontos oferecidos no mercado. A contabilidade de custos tradicional também não mostra o impacto das decisões a respeito de preços sobre a participação de mercado. O custeio baseado em atividades mostra – ou ao menos procura mostrar – o impacto de mudanças nos custos e rendimentos de cada atividade sobre os resultados do todo. Caso ele tivesse sido usado, em pouco tempo teria mostrado os danos provocados pelas promoções com descontos. Como os japoneses já usam uma forma de custeio baseado em atividades – embora ainda um tanto primitivo – a Toyota, a Nissan e a Honda sabiam que não deveriam concorrer com os fabricantes através de descontos; assim, elas mantiveram tanto suas participações de mercado como seus lucros.

Contabilidade: preço baseado em custos versus custeio baseado em preços

Não basta conhecer o custo de suas operações. Para concorrer com sucesso num mercado global cada vez mais competitivo, uma empresa precisa conhecer os custos de toda a sua cadeia econômica e trabalhar com outros membros da cadeia para gerenciar custos e maximizar o rendimento. Portanto, as empresas estão deixando de custear somente aquilo que acontece em suas próprias organizações para custear o processo econômico inteiro, no qual até mesmo a maior empresa é apenas um elo.

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A entidade legal – a empresa – é uma realidade para os acionistas, credores, funcionários e cobradores de impostos. Economicamente, ela é uma ficção. Cinquenta anos atrás, a Coca-Cola Company era uma franqueadora. Engarrafadores independentes fabricavam o produto. Hoje a empresa possui a maior parte das suas operações de engarrafamento nos Estados Unidos. Os consumidores do produto – mesmo os poucos que conhecem este fato – não se importam nem um pouco. O que importa no mercado é a realidade econômica, os custos do processo inteiro, independente de quem é o dono do que.

Na história dos negócios, repetidas vezes uma empresa desconhecida veio do nada e, em poucos anos, superou os líderes estabelecidos aparentemente sem fazer força. A explicação de sempre é estratégia superior, tecnologia superior, marketing superior ou fabricação enxuta. Mas em cada caso a recém-chegada também conta com uma grande vantagem em custos, usualmente cerca de trinta por cento. A razão é sempre a mesma: a nova empresa conhece e administra os custos de toda a cadeia econômica, ao invés de somente seus custos.

Talvez a Toyota seja o exemplo mais conhecido de empresa que conhece e administra os custos dos seus fornecedores e distribuidores; é claro que todos eles são membros do seu kereitsu. Através dessa rede, a Toyota administra o custo total de fabricação, distribuição e assistência técnica de seus carros como se fosse um fluxo de custos, colocando o trabalho onde este custa o mínimo e rende o máximo.

Entretanto, a administração do fluxo de custos econômicos não é uma invenção japonesa, mas americana. Ela começou com William Durant, o homem que projetou e construiu a General Motors. Por volta de 1908, Durant começou a comprar pequenas empresas automotivas bem-sucedidas – Buick, Oldsmobile, Cadillac, Chevrolet – e fundiu-as em sua nova General Motors Corporation. Em 1916, ele formou uma subsidiária separada, denominada United Motors, para comprar pequenos fabricantes de peças bem-sucedidos. Suas primeiras aquisições incluíram a Delco, que detinha as patentes de Charles Kettering para o sistema de partida automotivo.

Durant acabou comprando cerca de vinte fornecedores; sua última aquisição – em 1919, um ano antes de perder o cargo de CEO da GM – foi a Fischer Body. Ele trouxe deliberadamente os fabricantes de peças e acessórios para o processo de projeto de um novo modelo de carro desde o início. Isto permitiu que ele administrasse os custos totais do carro acabado como um fluxo de custos. Na realidade, Durant inventou o keiretsu.

Entretanto, entre 1950 e 1960, o keiretsu de Durant transformou-se numa corda no pescoço da empresa – a sindicalização impôs, às divisões de paças da GM, custos de mão-de-obra mais altos do que aos concorrentes independentes. Os clientes externos, as empresas automotivas independentes, como a Studbaker e a Packard, que haviam comprado cinquenta por cento da produção das divisões de peças da GM, desapareceram uma a uma, e com elas o controle da GM sobre os custos e a qualidade dos seus principais fornecedores. Durante quarenta anos ou mais, o custeio de sistemas da GM lhe deu uma vantagem imbatível até mesmo sobre a mais eficiente das suas concorrentes, que na maior parte daquele período era a Studbaker. A Sears, Roebuck & Company foi a primeira a copiar o sistema de fornecedores e comprou participações minoritárias nos mesmos. Com isso, ela podia consultá-los enquanto estes projetavam os produtos e compreender e administrar todo o fluxo de custos. Isto deu à Sears uma vantagem imbatível em custos por várias décadas.

No início dos anos 1930, a Marks & Spencer de Londres copior a Sears com o mesmo resultado. Vinte anos depois os japoneses, liderados pela Toyota, estudaram e copiaram a Sears e a Marks & Spencer. Nos anos 1980, a Wal-Mart Stores adaptou a abordagem permitindo que os fornecedores estocassem produtos diretamtne nas prateleiras das lojas,

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eliminando, assim, estoques em depósitos e, com eles, quase um terço do custo do varejo tradicional.

Mas estas empresas ainda são exceções raras. Embora os economistas conheçam a importância de se determinar o custo de toda a cadeia econômica desde que Alfred Marshall escreveu a seu respeito por volta de 1890, a maioria dos empresários ainda o consideram uma abstração teórica. Entretanto, a administração da cadeia de custos econômicos irá cada vez mais se tornar uma necessidade. Os executivos precisam organizar e administrar não só a cadeia de custos, mas também tudo o mais – especialmente a estratégia corporativa e o planejamento de produtos – como um todo econômico, independente das fronteiras legais das empresas.

Uma força poderosa que está levando as empresas na direção do custeio da cadeia econômica é a passagem da formação de preços baseada em custos para a formação de custos baseada em preços. Tradicionalmente, as empresas ocidentais começavam com os custos, colocavam sobre eles a margem de lucro desejada e chegavam a um preço. Elas praticavam a formação de preços baseada em custos. A Sears e a Marks & Spencer há muito passaram para o custeio baseado em preços, no qual o preço que o cliente está disposto a pagar determina os custos admissíveis, a partir do estágio de projeto. Até recentemente, essas empresas eram exceções. Hoje o custeio baseado em preços, que também está por trás do sucesso da Chrysler com seus modelos recentes e do sucesso do Saturn da GM. Porém, as empresas somente podem praticar o custeio baseado em preços se conhecerem e administrarem o custo inteiro da cadeia econômica.

As mesmas ideias aplicam-se à terceirização, a alianças e joint ventures – na verdade, a qualquer estrutura de negócios baseada em parceria ao invés de controle. E essas entidades, ao invés do modelo tradicional de uma empresa mãe com subsidiárias totalmente próprias, estão cada vez mais se tornando modelos para crescimento, especialmente na economia global.

Contudo, será doloroso para a maioria das empresas passar para o custeio da cadeia econômica. Isto irá exigir sistemas contábeis uniformes, ou no mínimo com patíveis, nas empresas ao longo de toda a cadeia. Entretanto, cada uma faz sua contabilidade à sua maneira e está convencida de que seu sistema é o único possível. Além disso, o custeio da cadeia econômica requer a partilha de informações entre as empresas, quando mesmo na mesma empresa as pessoas tendem a resistir a isto. A despeito desses desafios, as empresas podem encontrar maneiras para praticar agora o custeio de cadeia econômica, como está demonstrando a Procter & Gamble.

Utilizando como modelo a maneira pela qual a Wal-Mart desenvolve relacionamentos próximos com seus fornecedores, a P & G está iniciando a partilha de informações e o gerenciamento da cadeia econômica com os trezentos grandes varejistas que distribuem o grosso dos seus produtos em todo o mundo.

Quaisquer que sejam os obstáculos, o custeio da cadeia econômica será feito. Caso contrário, até mesmo a empresa mais eficiente irá sofrer com uma desvantagem crescente em custos.

Recrutamento e seleção: informações que geram riqueza

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As empresas são pagas para criar riqueza, não para controlar custos. Mas este fato óbvio se reflete nas medições tradicionais. Os alunos do primeiro ano do curso de ciências contáveis aprendem que o balanço retrata o valor de liquidação da empresa e fornecem aos credores informações sobre a pior hipótese. Mas as empresas normalmente não são dirigidas para serem liquidadas. Elas devem ser administradas como negócios permanentes, isto é, para a criação de riqueza. Isto requer informações que possibilitem aos executivos fazer julgamentos informados. São necessários quatro conjuntos de instrumentos para diagnóstico: informações básicas, informações sobre produtividade, informações sobre competência e informações a respeito da alocação de recursos escassos. Em conjunto, eles constituem o instrumental do executivo para administrar os negócios correntes.

Informações básicas. O conjunto mais antigo e mais amplamente usado de instrumentos gerenciais de diagnóstico são as projeções de fluxo de caixa, de liquidez e medições padrão, como: a relação entre os estoques dos revendedores e as vendas de carros novos, a cobertura de ganhos para pagamentos de juros sobre uma emissão de bônus e as relações entre contas a receber pendentes há mais de seis meses, o total de contas receber e as vendas. Estas podem ser comparadas às medições que um médico faz num exame de rotina: peso, pulsação, temperatura, pressão arterial e exame de urina. Se essas leituras normais, não significarão muito.

Se anormais, indicam um problema que precisa ser identificado e tratado. Essas medições podem ser chamadas de informações básicas.

Informações sobre produtividade. O segundo conjunto de instrumentos para diagnóstico de empresas trata com a produtividade de recursos-chave. O mais antigo deles – da época da Segunda Guerra Mundial – mede a produtividade do trabalho manual. Hoje está-se desenvolvendo lentamente medições, embora ainda um tanto primitivas, para a produtividade do trabalho em serviços e daquele baseado no conhecimento. Porém, a medição apenas da produtividade dos trabalhadores, sejam eles operários ou de escritório, não responde com mais informações adequadas a respeito da produtividade. São necessários dados sobre a produtividade da totalidade dos fatores.

Isto explica a popularidade da análise econômica do valor adicionado (EVA). Esta baseia-se em algo conhecido há muito tempo: aquilo que geralmente é chamado de lucros – o dinheiro que restou para servir ao valor líquido normalmente não é. Até que uma empresa retorne um lucro maior que seu custo de capital, ela opera com prejuízo, não importa se ela paga impostos como se tivesse lucro real. Ela ainda está devolvendo à economia menos recursos do que consome, não cobre os custos totais, a menos que o lucro registrado exceda o custo de capital. Até então, não cria riqueza, mas a destroi. A propósito, por este critério, poucas empresas americanas têm sido lucrativas desde a Segunda Guerra Mundial.

Pelo fato de medir o valor adicionado em relação a todos os custos inclusive o custo de capital, a EVA mede, com efeito, a produtividade de todos os fatores de produção. Ela sozinha não informa por que um certo produto ou serviço não adiciona valor, nem o que fazer a esse respeito, mas mostra o que é preciso descobrir e se é necessário ou não tomar providências corretivas. A EVA também deve ser usada para descobrir o que funciona. Ela mostra qual produto, serviço, operação ou atividade tem uma produtividade incomumente alta e adiciona um valor incomumente alto. Então, deve-se perguntar: “O que é possível aprender com estes sucessos?”.

O mais recente dos instrumentos usados para a obtenção de informações sobre produtividade é o benchmarking – a comparação do desempenho de uma empresa com o melhor de todas as indústrias. O benchmarking supõe corretamente que aquilo que uma organização faz pode ser feito igualmente por outra e, também quer ser no mínimo tão bom

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quanto o líder é um pré-requisito para a competitividade. Em conjunto, a EVA e o benchmarking provêm os instrumentos de diagnóstico para se medir a produtividade da totalidade dos fatores e administrá-la.

Informações sobre competência. Um terceiro conjunto de instrumentos trata de competências. Desde a publicação do artigo pioneiro de C.K. Prahalad e Gary Hamel, “As competências principais da corporação” (Harvard Business Review, maio-junho/1990, sabe-se que a liderança depende de ser capaz de fazer algo que os outros não podem fazer ou têm dificuldades para fazer, ainda que seja mal. Ela depende de competências essenciais, que combinam o valor de mercado ou para o cliente com uma capacidade especial do produtor ou fornecedor.

Alguns exemplos: a capacidade dos japoneses para miniaturizar componentes eletrônicos, a qual se baseia em sua tradição artística secular de pintar paisagens em diminutas caixas laqueadas, denominadas inro, e de esculpir todo um jardim zoológico sobre o botão, ainda menor, denominado netsuke, que segura a caixinha no cinto do portador; ou a habilidade quase única que a GM tem tido há mais de cem anos para fazer aquisições de sucesso; ou a habilidade, também única da Marks & Spencer para conceber refeições finas empacotadas e prontas para o consumidor de classe média que necessita a empresa para assumir e manter uma posição de liderança? Como descobrir se uma competência essencial está se fortalecendo ou enfraquecendo? Ou se ela ainda é a competência correta e de quais mudanças pode precisar?

Até o momento, a discussão de competências essenciais tem sido em grande parte anedótica. Várias empresas de médio porte altamente especializadas – um laboratório farmacêutico sueco e um fabricante americano de ferramentas especiais, para citar duas – estão desenvolvendo a metodologia para medir e administrar competências essenciais. O primeiro passo é manter um acompanhamento cuidadoso do próprio desempenho e daquela dos concorrentes, buscando especialmente sucessos inesperados e casos de mau desempenho em áreas nas quais isso não deveria acontecer. Os sucessos demonstram aquilo que o mercado valoriza e pelo que está disposto a pagar. Eles indicam os pontos em que a empresa goza de uma vantagem competitiva. Os insucessos devem ser vistos como indicações iniciais de mudanças no mercado ou do enfraquecimento das competências da empresa.

Essa análise também permite o reconhecimento prévio de oportunidades. Por exemplo, através do cuidadoso acompanhamento de um sucesso inesperado, um fabricante americano de ferramentas descobriu que pequenas oficinas japonesas estavam comprando suas ferramentas caras e de alta tecnologia. Embora estas não tivessem sido projetadas para serem usadas por elas. Isto permitiu à empresa reconhecer uma nova competência essencial: os japoneses foram atraídos para seus produtos porque eles eram fáceis de mante e reparar, a despeito da sua complexidade técnica. Quando esse conhecimento foi aplicado ao projeto de produtos, a empresa conquistou a liderança nos mercados de pequenas fábricas e oficinas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, grandes mercados nos quais ela nunca havia entrado antes.

As competências fundamentais deferem para cada organização; de certa forma, elas fazem parte da personalidade de uma organização. Mas toda organização – e não apenas as empresas – necessita de uma competência essencial: inovação, e também necessita de uma maneira para registrar e avaliar seu desempenho inovativo. Nas organizações que já fazem isto – entre elas vários grandes laboratórios farmacêuticos – o ponto de partida não é o desempenho da própria empresa, mas um cuidadoso registro das inovações em todo o campo durante um certo período. Quais delas foram realmente bem-sucedidas? Quantas foram nossas? Nosso desempenho é compatível com nossos objetivos? Com a direção do mercado? Com nossa posição de mercado?

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Com nossos gastos com pesquisa? Nossas inovações bem-sucedidas estão na área de maior crescimento e maiores oportunidades? Quantas oportunidades de inovação realmente importante nós perdemos? Por que? Porque não as vimos? Ou porque nós as vimos, mas deixamos de lado? Ou porque as aproveitamos mal? É claro que grande parte disso é avaliação e não medição. O processo levanta mais perguntas do que responde, mas levanta as perguntas certas.

Informações de alocação de recursos. A última área na qual são necessárias informações para se administrar a empresa para a criação de riqueza é a alocação de recursos escassos: capital e pessoal de bom desempenho. Estes dois transformam em ações quaisquer informações que a direção tenha a respeito dos seus negócios. Eles determinam os resultados da empresa.

A GM desenvolveu o primeiro processo sistemático de apropriações de capital há cerca de noventa anos. Hoje em dia, praticamente toda a empresa tem um processo de apropriação de capital, mas poucas o usam corretamente. Normalmente elas medem suas apropriações propostas de capital por um ou dois nos seguintes padrões: retorno sobre o investimento (ROI), período de retorno (Payback), fluxo de caixa ou valor presente descontado (VPL). Porém, é sabido há muito tempo – desde o início dos anos 1930 – que nenhum deles é o método correto. Para entender um investimento proposto, uma empresa precisa analisar todos os quatro. Oitenta anos atrás, isso teria exigido cálculos infindáveis. Hoje, um computador laptop pode fornecer as informações em poucos minutos. Também é sabido há muito tempo que os gerentes nunca devem analisar apenas uma proposta de apropriação entre oportunidades e riscos. Isto requer um orçamento de apropriação de capital para mostrar as opções – mais uma vez, algo que muitas empresas não fazem. Mais sério, porém, é o fato de a maior parte dos processos de apropriação de capital nem mesmo solicitarem duas informações vitais:

1) O que irá acontecer se o investimento proposto não produzir no mínimo três quintos dos resultados prometidos? Isso irá ou não prejudicar seriamente a empresa?

2) Se o investimento for bem-sucedido – especialmente se seus resultados forem superiores às nossas expectativas – com o que ele irá nos comprometer?

Ninguém na GM parece ter perguntado com o que o sucesso do Saturn iria comprometer a empresa. Em consequência disso, a GM poderá acabar matando seu próprio sucesso devido à sua incapacidade para financiá-lo. Além disso, uma solicitação de apropriação de capital requer prazos específicos: Para quando deve-se esperar quais resultados? Depois os resultados – sucessos, quase sucessos, quase fracassos e fracassos – precisam ser relatados e analisados. A melhor maneira para melhorar o desempenho de uma organização é medir os resultados das apropriações de capital em relação às promessas e expectativas que levaram à sua autorização. Como estariam hoje os Estados Unidos se essas informações sobre os programas do governo tivessem sido uma prática padrão nos últimos setenta anos?

Porém, o capital é apenas um dos recursos-chave da organização e está longe de ser o mais escasso. Em qualquer uma delas, os recursos mais escassos são pessoas de bom desempenho. Desde a Segunda Guerra Mundial, as forças armadas americanas – e até agora mais ninguém – aprenderam a testar suas decisões de colocação de pessoal. Hoje, elas determinam o que esperam dos altos oficiais antes de designá-los para comandos importantes e depois avaliam seu desempenho em relação a essas expectativas. Constantemente avaliam seu próprio processo de comandantes em relação ao sucessos e fracassos nas nomeações. Nas empresas, ao contrário, nomeações com expectativas específicas quanto àquilo que a pessoa nomeada deveria realizar e avaliações sistemáticas dos resultados são virtualmente desconhecidas. Em seu esforço para criar riqueza, os gerentes precisam alocar recursos

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humanos com os mesmos cuidados com os quais alocam capital. Os resultados dessas decisões devem ser registrados e analisados com igual atenção.

Sistemas de informação: adicionam valor e criam riqueza

Os quatro tipos de informações (básicas, sobre produtividade, sobre competência e sobre alocação de recursos) falam somente a respeito do estado atual da empresa. Elas proporcionam informações e direções táticas. Para a estratégia, necessita-se de informações organizadas a respeito do ambiente. A estratégia precisa ser baseada em informações a respeito de mercados, clientes e não-clientes, de tecnologia na própria indústria e em outras, finanças mundiais e das mudanças na economia mundial. É aí que estão os resultados. Dentro da organização existem somente centros de custos, e o único deles é um cliente cujo cheque não foi devolvido.

As grandes mudanças também se iniciam fora da organização. Um varejista pode saber muito a respeito das pessoas que compram em suas lojas. Entretanto, por mais bem-sucedido que seja, nenhum varejista possui mais que uma pequena fração do mercado entre seus clientes; a grande maioria é de não-clientes. É sempre entre estes que as mudanças básicas se iniciam e se tornam importantes.

No mínimo a metade das novas tecnologias que transformaram uma indústria nos últimos setenta anos veio de fora da mesma. O papel comercial, que revolucionou as finanças nos Estados Unidos, não se originou nos bancos. A biologia molecular e a engenharia genética não foram desenvolvidas pela indústria farmacêutica. Embora a grande maioria das empresas vá continuar operando local ou regionalmente, todas elas enfrentam, ao menos potencialmente, concorrência global de lugares dos quais elas nunca ouviram falar. É claro que nem todas as informações sobre o exterior estão disponíveis. Por exemplo, não há informações – nem mesmo pouco confiáveis – sobre as condições econômicas na maior parte da China ou sobre se as condições legais na maioria dos estados sucessores do império soviético, mesmo onde as informações estão disponíveis, muitas empresas se esqueceram delas. Muitas empresas americanas instalaram-se na Europa nos anos 1960, sem nada perguntar a respeito da legislação trabalhista. As empresas europeias têm sido igualmente cegas e mal informadas em seus empreendimentos nos Estados Unidos. Uma causa importante do desastre com os investimentos imobiliários japoneses na Califórnia nos anos 1990 foi o desconhecimento de fatos elementares a respeito de zoneamento e impostos.

Uma séria causa de fracassos empresariais é a suposição comum de que as condições – impostos, legislação social, preferências do mercado, canais de distribuição, direitos de propriedade intelectual e muitas outras – devem ser aquilo que se pensa que são, ou ao menos o que se acha que deveriam ser. Um sistema de informações adequado precisa incluir informações que levem os executivos a questionar esta suposição. Elas devem levá-los a fazer as perguntas certas, não apenas lhes fornecer as informações que eles esperam. Isto pressupõe que os executivos sabem de quais informações necessitam e também que as obtenham regularmente. Finalmente, é preciso que eles integrem sistematicamente as informações às suas tomadas de decisões.

Algumas multinacionais – Unilever, Coca-Cola, Nestlé, as tradings japonesas e algumas grandes construtoras – têm se esforçado para construir sistemas que coletem e organizem informações externas. Mas a maioria das empresas ainda não iniciou essa tarefa.

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Até as grandes empresas, em sua maioria, precisarão contratar terceiros para ajudá-las. A determinação daquilo de que a empresa necessita requer alguém que conheça e compreenda o campo altamente especializado da informação. Há informações demais e somente os especialistas sabem diferenciá-las. As fontes são totalmente diversas. As empresas podem gerar por si mesmas algumas das informações, por exemplo a respeito de clientes e não-clientes ou de tecnologias. A maior parte daquilo que elas necessitam saber do ambiente só pode ser obtida de fontes externas – de todos os tipos de bancos e serviços de dados, de publicações especializadas, de associações de classe, de relatórios do Banco Mundial e trabalhos científicos e de estudos especializados.

Outra razão pela qual há necessidade de auxílio externo é que as informações têm de ser organizadas de forma a questionar a estratégia da empresa. Não basta fornecer os dados. Estes devem ser integrados à estratégia, testar as hipóteses da empresa e questionar sua perspectiva atual. Isto pode ser feito através de um tipo especial de software. A base de dados Lexis fornece informações a advogados, mas só dá respostas, não formula perguntas. Mas são precisos serviços que façam sugestões específicas de como usar as informações, façam perguntas relativas à empresa e às práticas do usuário e permitam consultas interativas. Ou pode-se terceirizar o sistema de informações externas, em especial para as empresas menores, venha a ser um consultor independente.

Qualquer que seja a maneira pela qual a satisfizermos, a necessidade de informações sobre o ambiente onde podem surgir as maiores ameaças e oportunidades irá se tornar cada vez mais urgente.

Muitos podem alegar que poucas dessas necessidades de informações são novas, o que é, em grande parte, verdade. Conceitualmente, muitas das novas medições têm sido discutidas há muitos anos e em muitos lugares. O que é novo é a capacidade técnica de processamento de dados. Ela possibilita que se faça de forma rápida e econômica aquilo que, há alguns anos, teria sido um trabalho laborioso e muito dispendioso. Há noventa anos, os estudos de tempos e movimentos tornaram possível a contabilidade de custos tradicional. Agora os computadores tornaram possível a contabilidade de custos baseada em atividades, que sem eles seria praticamente impossível.

Porém, o importante não são as ferramentas, mas os conceitos por trás delas. Eles convertem técnicas que eram consideradas distintas, para serem usadas isoladamente e para fins separados, num sistema de informações integrado. Este sistema torna possíveis diagnósticos, estratégias e decisões e da finalidade da informação: como uma medida na qual se baseiam as ações futuras, ao invés de um registro daquilo que já aconteceu.

A organização de comando-e-controle que surgiu em 1870 pode ser comparada a um organismo mantido unido por sua concha. A corporação que está surgindo agora está sendo projetada em torno de um esqueleto: a informação. A mentalidade predominantemente tradicional – mesmo que se usem sofisticadas técnicas matemáticas e um impenetrável jargão sociológico – sempre entendeu empresa como uma entidade que compra barato e vende caro. A nova abordagem define empresa como a organização que adiciona valor e cria riqueza.

Fluxo de dinheiro: não-nacional versus transnacional

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Existem inúmeras opiniões a respeito da política de comércio internacional, especialmente para os Estados Unidos. Todas são defendidas com paixão, mas raramente com muita evidência. Nos últimos sessenta anos, a economia mundial tem crescido mais depressa do que em qualquer época desde a revolução comercial do séuclo dezoito, a qual criou as primeiras economias modernas e também a disciplina da econoomia. E embora todas as economias desenvolvidas tenham estado estagnadas e em recessão nestes últimos anos, a economia mundial ainda está se expandindo rapidamente. Mas ninguém pergunta: Quais são os fatos? O que eles nos ensinam? Acima de tudo, quais são as lições para a política econômica doméstica?

Há lições importantes em quatro áreas: a estrutura da economia mundial, a mudança no significado de comércio e investimento, a relação entre as economias mundial e doméstica, e a política comercial. Em cada uma destas áreas as lições são muito diferentes daquilo que praticamente todos acreditam e afirmam, quer sejam partidários do livre comércio, do comércio administrado ou do protecionismo.

Há quarenta anos, ninguém falava da economia mundial. O termo era comércio internacional. A mudança do termo – e todos hoje falam da economia mundial – indica uma profunda mudança na realidade econômica. Cinquenta ou sessenta anos atrás, a economia além das fronteiras de uma nação – em especial de tamanho médio ou grande – ainda podia ser vista como sendo diferente, separada, como algo que podia ser ignorado com segurança no trato da economia e da política econômica domésticas. Hoje isso é pura ilusão, mas ainda é a posição básica de muitos economistas, políticos e do público em geral, especialmente nos Estados Unidos.

A economia internacional tinha tradicionalmente duas partes: comércio exterior e investimentos no exterior. A economia mundial também tem duas partes, mas elas são diferentes daquelas do comércio internacional. A primeira parte consiste de fluxos de dinheiro e informações; a segunda de comércio-investimento, que estão rapidamente se fundindo numa única transação e são, na verdade, somente dimensões diferentes do mesmo fenômeno, isto é a nova força integradora da economia mundial, as alianças através de fronteiras. Mesmo que ambos os segmentos estejam crescendo depressa, os fluxos de dinheiro e informações estão crescendo mas rápido e merecem ser examinados em primeiro lugar.

O centro mundial dos fluxos monetários, o mercado interbancário de Londres, manuseia num dia mais dinheiro do que seria necessário em muitos meses – talvez um ano inteiro – para financiar a economia real do comércio e dos investimentos internacionais. Da mesma forma, as transações de um dia nos principais mercados monetários – Londres, Nova Iorque, Zurique e Tóquio - excedem por várias ordens de grandeza aquilo que seria necessário para financiar as transações internacionais da economia real.

Os fluxos de informações – conferências, reuniões e seminários; telecomunicações, por telefone, fax, teleconferência, correio eletrônico; transmissões por computdor; software; revistas e livros; filmes e vídeos e muitas outras comunicações através de novas tecnologias – já podem exceder os fluxos monetários nos honorários, direitos e lucros que geram. É provável que eles estejam crescendo mais rápido que qualquer outra categoria de transações na história econômica.

Os fluxos transnacionais de dinheiro podem ser considerados os sucessores daquilo que os banqueiros chamam de carteira de investimentos, isto é, investimentos feitos para a obtenção de rendas financeiras (normalmente a curto prazo), tais como dividendos ou juros. Mas os fluxos monetários de hoje não só são muitos maiores que os investimentos de carteira jamais foram, mas tabém são quase totalmente autônomos e incontroláveis por qualquer agência nacional ou, em grande parte, por qualquer política nacional. Acima de tudo, seu impacto econômico é

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diferente. Os fluxos monetários dos investimentos em carteiras tradicionais eram estabilizadores da economia interncional. Eles fluíam de países com baixo retorno a curto prazo – baixos devido às baixas taxas de juros, aos preços excessivos das ações ou à moeda excessivamente valorizada – para países com retornos a curto prazo mais altos, restauranto assim o equilíbrio. Eles reagiam à política financeira ou condição econômica de um país. Hoje os fluxos monetários mundiais tornaram-se os grandes desestabilizadores. Eles forçam um paíse a programas de impacto, como a elevação de taxas de juros a níveis astronômicos, os quais sufocam a atividade das empresas, ou a desvalorização de uma moeda da noite para o dia para abaixo da sua paridade, gerando, assim, pressões inflacionárias. E os fluxos monetários de hoje não são movidos, em sua maioria, pela expectaiva de maior renda, mas pela expectativa de lucros especulativos imediatos. Eles são um fenômeno patológico, indicando que taxas cambiais fixas ou flexíveis na realidade não fuancionam, embora sejam os dois únicos sistemas conhecidos até agora. Como os fluxos monetários são um sintoma, é inútil os governos tentarem restringi-los, por exemplo taxando seus lucros; eles simplesmente irão para outro lugar. Eles são uma febre, mas não a doença. Tudo o que se pode fazer – e precisa ser incluído nas especificações de uma política comercial eficaz – é embutir na economia resistência contra os impactos dos fluxos monetários.

Em contraste com os fluxos monetários, os impactos econômicos dos fluxos de informações são benéficos. Poucas coisas estimulam tanto o crescimento econômico como o desenvolvimento rápido da informação, seja em telecomunicações, dados de computador, redes de computadores ou no acesso (embora distorcido) ao mundo exterior proporcionado pelos veículos de entretenimento. Nos Estados Unidos, os fluxos de informações e os bens necessários à sua difusão tornaram-se a maior fonte isolada de moedas estrangeiras. Assim commo não se vê a catedral medieval como um fenômeno econômico – posto que fosse, durante séculos, a maior atividade econômica da Europa depois da agricultura e o maior empregador não militar – também são esquecidos de que os fluxos de informações são um fenômeno primordialmente social. Seus impactos são basicamente culturais e sociais. Fatores econômicos, como os altos custos, restringem os fluxos de informações, ao invés de motivá-los. Contudo, eles constituem um fator cada vez mais dominante na economia mundial.

Portanto, a primeira lição de economia mundial é que os dois fenômenos mais significativos – os fluxos de dinheiro e de informações – não se encaixam em qualquer teoria ou política existentes. Eles nem mesmo são transnacionais, mas sim não-nacionais.

Globalização: as organizações operando em rede

Para praticamente todas as pessoas, comércio internacional significa comércio de mercadorias, isto é, importações de bens manufaturados, produtos agrícolas e matérias-primas como petróleo, minério de ferro, cobre e madeira. E o comércio internacional é aquilo sobre o que os jornais sempre falam. Porém, cada vez mais o comércio internacional é de serviços: pouco comentado e quase despercebido. Mas até mesmo o comércio de mercadorias não é mais aquilo que praticamente todos supõem, inclusive os economistas e políticos. Ele está deixando de ser uma transação, que é uma venda ou compra de bens, para ser um relacionamento – seja somente um embarque e uma entrada contábil. E tanto o comércio de serviços como o de relacioamento se comportam diferentemente do comércio transacional de mercadorias.

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Como todos sabem, os Estados Unidos têm um grande e intratável déficit comercial. Todavia, o comércio dos EUA está mais ou menos equilibrado, podendo até render um pequeno excedente. O déficit comercial é diariamente lamentado pelos jornais americanos, seus empresários e economistas, representates do governo e políticos, é um déficit no comércio de mercadorias (causado principalmente pelo espantoso desperdício de petróleo e pelo declínio tanto do volume como como dos preços mundiais das exportações dos produtos agrícolas ianques). Entretanto, os EUA têm um grande excedente no comércio de serviços. Este é gerado por serviços financeiros e pelo varejo, pela educação superior e por Holywood, pelo turismo, por hospitais, por direitos autorais sobre livros, programas de computador e vídeos; por empresas de consultoria, por honorários e direitos sobre tecnologia e por uma série de outras empresas e profissões. De acordo com as cifras oficiais – publicadas somente a cada três meses num boletim pouco lido do governo – o excedente dos EUA em serviços equivale a dois terços do déficit do comércio de mercadorias. Porém, como reconhecem até mesmo os estatísticos do governo que coletam as cifras, grande parte das exportações americanas de serviços não é reportada. Elas podem ser cerca de cinquenta por cento maiores do que mostram as estatísticas oficiais – e as exportações de serviços estão crescendo depressa.

Os EUA têm a maior parcela isolada do comércio mundial de serviços, seguidos pelo Reino Unido, com o Japão em último lugar entre os países desenvolvidos. Mas em todos os países desenvolvidos, o comércio de serviços está crescendo tão depressa ou mais que o de mercadorias. Em dez anos ele poderá igualar ou superar o comércio de mercadorias ao menos nos países altamente avançados. Aliás, esta previsão foi feita há bastante tempo por Peter F. Drucker e bem antes disso a Microsoft (serviço) ultrapassou a General Eletric (mercadorias) como maior empresa do mundo. A Nike por exemplo, faz o design (serviço) nos EUA e a fabricação (mercadoria) em outros países com mão-de-obra mais barata, em outros países.Segundo a teoria e a política do comércio, somente um grande componente do comércio de serviços é suscetível aos fatores que governnam o comércio internacional: o turismo. Ele reage imediatamente às flutuações cambiais e, mais lentamente, às mudanças nos custos de mão-de-obra. O restante – dois terços ou mais – não é afetado por estas mudanças. A maior parte do comércio de serviços envolve exportações ou importações de conhecimento ou a transferência de tecnologia.

No entanto, cada vez mais o comércio de mercadorias também está deixando de ser afetado por mudanças de curto prazo (e mesmo de longo prazo) nos fatores econômicos tradicionais. No comércio estrutural, a decisão relattiva a onde o produto será fabricado está sendo tomada quando este é projetado. Para um novo modelo de automóvel, partes grandes como motores, transmissões, componentes eletrônicos e paineis de carroceria serão produzidas por fábricas – algumas de propriedade do seu fabricante, mas a maioria por fornecedores – localizadas em uma dúzia de países diferentes como EUA, México, Canadá, Bégica, Japão e Alemanha. A montagem final também será feita em fábricas localizadas em quatro ou cinco países. E até que o modelo seja substituído, as fábricas e os países especificados no projeto original estarão fechados. Somente haverá mudanças no caso de uma grande catástrofe, como uma guerra ou um incêndio que destrua a fábrica.

A grande fábrica irlandesa do laboratório farmacêutico suíço também não vende. Ela envia produtos químicos às fábricas de produtos acabados da empresa em dezenove países nos dosi lados do Oceano Atlântco, cobrando um preço de transferência, que é uma convenção contábil e tem tanto a ver com impostos como com os custos de produção. Os mercados e conhecimentos são muito importantes nas decisões de comércio estrutural; os custos de mão-de-obra e de capital e as taxas cambiais são restrições e não determinantes.

Mas também há o comércio institucional. Quando uma empresa manufatureira constroi uma nova fábrica, ou uma rede varejista abre uma nova loja, é quase certo que ela irá usar as máquinas, ferramentas, equipamentos e suprimentos com os quais vem trabalhando nas suas instalações já existentes e os quais sabe que pode confiar. E irá comprá-los das empresas que

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já fornecem às suas fábricas ou lojas. Isto é verdade quer a nova fábrica ou loja esteja no país da empresa ou no exterior. E, como no comércio estrutural, os fatores de produção tradicionais são, em grande parte, irrelevantes.

Mas o fato de os comércios institucionais e estrutural não se comportarem de acordo com as regras aceitas é muito menos importante que o fato de nenhum deles ser comércio exterior – exceto legalmente - , mesmo quando acontece através de fronteiras nacionais. Para uma empresa, não faz diferença se o material vem do se próprio país ou de uma fábrica localizada naquale que legalmente é outro país. Isto é verdade tanto par o caso de fornecedores externos como para transferências internas à empresa. Para uma empresa, seja um fabricante de automóveis, um laboratório farmacêutico ou um varejista, estas são transações dentro do seu sistema.Tanto o comércio estrutural como o institucional cresceram de forma explosiva nos últimos trinta anos, à medida que cada vez mais empresas se tornaram multinacionais. Não se tem cifras confiáveis; as estimativas variam entre um terço do comércio total de mercadorias dos EUA (provavelmente subestimado) a dois terços (quaer certamente exagerado). Sempre que se se teve acesso aos núemros, foi contatado que os comércios estrutural e institucional constituem de quarenta a cinquenta por cento do volume total de exportações e importações de uma empresa –e isto vale tanto para empresas grandes como para as médias. Peter F. Drucker dizia estar certo de que o comércio transicional de mercadorias ainda é maior. Mas o comércio de relacionamento está crescendo mais depressa. Atualmente, o comércio transicional de mercadorias baseado em relacionamento – ambos se comportando de maneiras muito deferentes.

De modo semelhante, o investimento – a outra área no modelo tradicional da economia internacional – também está mudando muito. Os investimentos em carteiras, como já visto, transformaram-se em fluxos monetários, que não são investimentos. Mas o investimento direto, aquele feito no exterior para iniciar um novo negócio ou adquirir um já existente, também está começando a mudar depressa. Por muito tempo, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, o investimento direto parecia imune a mudanças. A multinacional de 1970 – a portadora do investimento direto - parecia pouco diferente da multinacional de 1913 ( ea s multinacionais de 1913 controlavam a fabricação mundial tanto quanto as multinacionais controlam hoje, e muito mais os negócios bancários e de seguros).

O investimento direto tradicional ainda está crescendo; de fato, desde meados dos anos oitenta, os investimentos diretos nos EUA – por europeus, japoneses, canadenses, mexicanos – cresceram sobremaneira. Mas a ação está passando rapidamente para as alianças: join-ventures, parceiras, acordos de conhecimento, terceirização. E em alianças, o investimento é secundário, se é que existe. Um exemplo é a recente aliança entre a Intel americana e a Sharp, já citado num capítulo anterior. Há alianças entre laboratórios de pesquisa de universidades e laboratórios farmacêuticos, empresas de eletrônica, e engenharia, de computadores e de processamento de alimentos. Existem alianças nas quais as organizações terceirizam atividaes de suporte: muitos hospitais americanos entregam hoje a empresas independentes sua manutenção, limpeza, faturamento, cobrança e processamento de dados, seus laboratórios e centros de fisioterapia e de diagnósticos. E o mesmo está acontecendo no Reino Unido e no Japão. Hoje fabricantes de computadores entregam o processamento de dados do seus próprios negócios a empresas como a Eletrinic Data Systems, aquela que Ross Perot construiu e vendeu à General Motors. Esses mesmos fabricantes de computadores estão formando alianças com pequenas firmas produtoras de software. Os bancos comerciais estão formando alianças com produtores e gerenciadores de fundos mútuos. Pequenas e médias escolas estão fazendo alianças entre si para cuidar conjuntamente das tarefas burocráticas.

Em algumas alianças há grandes investimentos de capital, como aconteceu os anos sessenta e setenta com as joint-ventures entre empresas americanas e japonesas para produzir no Japão - par ao mercado japonês – bens projetados nos EUA. Mas mesmo então a base da

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alianças não era o capital, mas sim conhecimentos complementares: conhecimentos técnicos e de manufatura fornecidos pelos americanos e conhecimentos mercadológicos e de gerenciamento fornecidos pelos japoneses. Mas hoje os investimentos são cada vez mais simbólicos – pequenas participações acionárias recíprocas para simbolizar a ligação entre os parceiros – como é aparentemente o caso da Intel com a Sharp. E nunca houve qualquer relacionamento financeiro nenhum entre os parceiros – como é aparentemente o caso da Intel com a Sharp. E nunca houve qualquer relacionamento de investimento nas mais antigas e bem-sucedidas alianças que ser formaram, feitas pela marks & Spencer inglesa no início dos anos trinta com uma série de fabricantes de tecidos, roupas e claçados (mais tarde também com fabricantes de alimentos especisis) – alianças estas que os japoneses copiaram depois de hum mmil novecentos e cinquenta para seus keiretsu. Nessas alianças, a Marks & Spencer e o fabricante desenvolveram os produtos em conjunto e ela se compromete a comprá-los somente daquele fabricante.

Ninguém sabe quantas dessas alianças existem hoje. Em alguns casos, elas nem estão em cnotratos, sendo bastante informais. Entretanto, cada vez mais as alianças estão se tornando a forma dominante de integração econômica na economia mundial. Algumas grandes empresas – a Toshiba ou a Corning Glass, podem ter cada uma mais de cem alianças em todo o mundo. Na União Europeia, a integração está ocorrendo muito mais através de alianças do que de fusões e aquisições, especialmente entre as empresas de porte médio que dominam a maior parte das economias europeias. Como nos comércios estrutural e institucional, as empresas fazem pouca distinção entre parceiros domésticos e estrangeiros em suas alianças. Um aliança cria um relacionamento de sistemas, no qual não importa se um parceiro fala japonês, outro fala inglês e oterceiro alemão ou finlandês. E embora as alianças gerem cada vez mais comércio e investimentos, elas não se baseiam em nenhum dos dois. Elas associam conhecimentos.

Globalização: exportações, investimentos no exterior e prosperidade

A teoria e a política econômicas sabem que as economias em desenvolvimento são grandemente afetadas por seus relacionamentos com a economia mundial. Os economisas falam de desenvolvimento voltado para exportações e de desenvolvimento voltado para investimentos no exterior. Mas para os países desenvolvidos, em especial para aqueles de portes médio e grande, a teoria e a política econômicas postulam que a economia doméstica é a única que importa. A autonomia da política doméstica e sua posção como local onde se faz a política é um axioma para os economistas, os responsáveis pela política e para o público e geral.

Porém, como a discussão anterior deveria ter deixado claro, a distinção entre a economia doméstica e intenacional deixou de ser uma realidade econômica – por mais que ela permaneça sendo uma realidade política, social, cultural e psicológica. A única lição inequívoca dos últimos quarenta anos é que o aumento da participação na economia mundial tornou-se a chave para o crescimento econômico doméstico e a prosperidade. Há uma correlação entre o desempenho econômico doméstico de um país nos últimos quarenta anos e sua participação na economia mundial, o Japão e a Coreia, também são os dois países nos quais a ecnomia doméstica cresceu mais depressa. A mesma correlação aplica-se aos dois países europeus que se saíram melhor na economia mundial nos últimos quarenta anos: Alemanha e Suécia. Os países que retrocederam na economia mundial – em especial o Reino Unido (UK)– também são aqueles que têm ido pior em termos domésticos. Nos dois países que mantiveram suas taxas de participação na economia mundial – EUA e França - , a economia doméstica teve um

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deempenho médio, nem excepcionalmente bom nem sofrendo com crises persistentes como o UK.

A mesma correlação mantém-se para grandes segmentos dentro de uma economia desenvolvida. Por escemplo, nos EUA os serviços aumentaram, em muito, su aparticipação na economia mundial nos últimos quinze anos – as finanças são um exemplo, a educação superior e a informação são outros. Estes também são os segmentos que mais cresceram na economia doméstica. Em fabricação, as indústrias que aumentaram significativamente sua participação no mercado mundial – através de exportações, de investimentos no exterior, de alianças – como: telecomunicações, produtos farmacêuticos, software, filmes, também são as que mais cresceram no mercado doméstico. A agricultura americana, que vem se encolhendo consistentemente em termos de participação na economia mundial, tem estado em depressão e crise continuada, mascarada somente por subsídios crescentes.

Por outro lado, não há correlação entre o desempenho econômico doméstico e as políticas para estimular a economia doméstica. Tudo o que ele tem de fazer é elevar a taxa de inflação – são exemplos: o dano que as políticas inflacionárias de Lyndon Johnson (o sucessor de Kennedy) causaram à economia americana, pelo menos na visão de Peter F. Drucker, (a qual ainda não se recuperou totalmente mais de cinquenta anos depois) e os danos que políticas consistentemente inflacionárias têm feito à economia da Itália. Mas não existe a menor evidência de que qualquer política governamental para estimular a economia tenha algum impacto, quer seja ela keynesiana, monetarista ou neoclássica. Contrariamente àquilo que os economistas prometeram confiantes há cinquenta anos, os ciclos de negócios não foram abolidos.

Eles ainda funcional da mesma maneira pela qual funcionaram nos últimos duzentos anos. Até agora, nenhum país conseguiu escapar deles. Sempre que uma política governamental para estimular a economia coincidiu com uma recuperação cíclica (como tem acontecido muito raramente), foi por pura coincidência – pelo menos para Drucker. Nenhuma política que tenha funcionado num determinado país na recessão A mostrou quaisquer resultados quando tentada de novo no mesmo país na recessão B ou na recessão C. As evidências não só sugerem que as políticas do governo para estimular a econoomia a curto prazo são ineficazes, mas também algo muito mais surpreendente: em grand eparte, elas são irrelevantes. O goveno – as evidências são claras – não pode controlar o tempo econômico.

Mas a correlação entre economia doméstica e participação na economia mundial – por longos períodos e ao longo de uma ampla gama de fenômenos diferentes, inclusive economia amplamente diversas com estruturas e políticas fiscais diferentes e até mesmo formas diferentes de participação na economia mundial – mostra, de forma convincente, que a participação na economia mundial é o fator controlador na economia doméstica de um país desenvolvido. Dois exemplos: o fato de a economia dos EUA em mil novecentos e noventa a noventa e dois não ter caído numa recessão profunda (para não falar num depressão real) e das taxas de desemprego para adultos não terem subido tanto quanto em recessões anteriores (e na verdade permaneceram baixas por qualquer padrão histórico) resultaram inteiramente do aumento de participação no mercado mundial por parte tanto da sua manufatura como dos seus serviços, com um grande aumento das exportações de manufaturados. Igualmente, o fato de até o final de mil nomecentos e noventa e três – o Japão não ter caído numa recessão profunda com taxas de desemprego iguais às europeias, isto é, de oito a dez por cento (dicando em vez disso abaixo de três por cento), resulta claramente da indústria manufatureira japonesa ter aumentado grandemente suas exportações, especialmente as institucionais, para a Ásia Continental.

A economia mundial tornou-se assim o motor do crescimento, da prosperidade e do emprego para todos os países desenvolvidos. Toda economia desenvolvida tornou-se voltada para a economia mundial.

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Competitividade: economia externa versus doméstica

O que funciona e o que não funciona na economia mundial? O debate se dá basicamente entre os defensores do comércio ordenado, ao estilo do Japão, e os partidários do livre comércio convencional. Mas ambos estão errados, pelo menos para Peter F. Drucker, e as evidências são cristalinas. O comércio ordenado significa o governo escolhendo vencedores e empurrando-os. Mas nenhuma indústria escolhida pelo Ministério de Comércio e Indústria (MITI) japonês conceentraram-se nas indústrias de alumínio, outros metais não-ferrosos, aeronáutica e aeroespacial e nenhuma chegou a lugar algum. No final dos anos setenta e nos anos oitenta, o MITI mudou para a alta tecnologia, patrocinando indústrias como biomedicina, produtos farmacêuticos, computadores de grande porte e telecomunicações, mas também corretagem e serviços bancários internacionais, mais uma vez sem muito sucesso nos mercados mundiais. As indústrias japonesas que assumiram liderança mundial ou sofreram a oposição do MITI, como a Sony em seus primeiros dias e a indústria automobilística até os anos setenta, ou foram por ele ignoradas até serem bem-sucedidas por seus esforços próprios. A política japonesa de criar consórcios nos quais grandes empresas trabalham em conjunto para produzir novas tecnologias – por exemplo, em supercomputadores ou em biogenética – tem tido resultados muito limitados.

As razões são claras, ao menos em retrospecto. Em primeiro lugar, pra se escolher vencedores é preciso um adivinho. O MITI escolheu – e tinha de fazê-lo – aquilo que tinha sucesso na ocasião nos países então mais avançados, em especial nos Estados Unidos da América (EUA). Ela não escolheu – e nem oderia fazê-lo – aquilo que teria sucesso num futuro desconhecido. Assim, o MITI forçou computadores de grande porte no início dos anos setenta, pouco antes do totalmente inesperado aparecimento do computador pessoal (PC), isto é, pouco antes da cessação do crescimento dos computadores de grande porte. Em segundo lugar, o MITI escolheu aquilo que havia tido sucesso em outros países. Mas isso significa que ele escolheu indústrias que se encaixam nas competeências de outros países. Ela não escolheu – nem poderia fazê-lo – aquilo que se encaixava nas competências do Japão, isto é, a extraordinária capacidade para ministurizar. Uma das razões foi que a existência dessa competência estava oculta e desconhecida, até mesmo para os japoneses. Outra razão foi que ninguém, dentro ou fora do Japão, compreendeu sua importância antes do advento do microship. Também a capacidade japonesa para reduzir o tamanho dos grandes carros americanos e torná-los pequenos e econômicios não era importante no mercado americano até os choques do petróleo de hum mil novecentos e setenta e três e hum mil novecentos e setenta e nove. Ninguém poderia prever a incapacidade dos líderes mundiais da indústri, os gigantes americanos, para reagir à invasão japonesa durante vinte anos. Finalmente, e mais importante, a economia a economia mundial tornou-se demasiado complexa para que alguém consiga adivinhar ou analisar seu futuro. Os dados disponíveis simplesmente não mostram acontecimentos importantes, como o crescimento do comércio de serviços, do comércio estrutural e institucional e das alianças.

Porém, como se pode argumentar ( e com razão), o Japão tem tido um desempenho notável. Isto certamente não pode ser explicado como os partidários do livre comércio tentam fazê-lo, isto é, como sendo realmente um triunfo do livre comércio convencional. E agora sabemos o que está por baixo desse desempenho, principalmente devido a um relativamente recente (hum mil novecentos e noventa e três) estudo publicado pelo Banco Mundial (BIRD), intitulado O milagre do Leste Asiático.

O BIRD estudou oito superastros do leste da Ásia: Japão, Coreia do Sul, Hong Kong, Formosa (Taiwan), Cingapura , Malásia, Tailândia e Indonésia. Todos eles começaram em

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épocas muito diferentes, mas depois que iniciaram tiveram crescimento semelhante, tanto em suas economias domésticas como na economia internacional. Há cinquenta anos, em conjunto eles supriam nove por cento das exportações mundiais de manufaturados. Hoje há vinte anos eles já supriam vinte e um por cento (o que significa uma perda de doze pontos percentuais principalmente no Reino Unido, pela Holanda e Bégica, pela antiga União Soviética e alguns países da América Latina). Há meio século, dois quintos da população naqueles oito países asiáticos viviam abaixo da linha de pobreza; há vite anos, esse número estava abaixo de cinco por cento, a despeito do crescimento rápido da população na maior parte deles. Vários – Japão, Hong Kong, Cingapura e Formosa – já estavam há vinte anos entre os países mais ricos do mundo. Contudo, entre os oito existem sensíveis diferenças em cultura, história, sistemas políticos e políticas fiscais. Elas variam do liberalismo de Hong Kong, passando pelo intervencionismo de Cingapura até o estatismo da Indonésia.

O que todos eles têm em comum são duas polítcas econômicas. Em primeiro lugar, não tentam administrar flutuações de curto prazo na economia doméstica, nem controlar o tempo econômico. Em cada caso, o milagre econômico não começou até que o país desistiu de tentar administrar essas flutuações. Em vez disso, cada um deles se concentra na criação do clima econômico correto. Eles mantêm baixa a inflação, investem pesado em educação e treinamento e premiam a poupança e penalizam o consumo, encorajando assim, uma alta taxa de poupança.

A segunda política econômica que os oito países têm em comum é que eles colocam o desempenho na economia mundial á frente da economia doméstica. Em suas decisões, a primeira pergunta é sempre: Como isto afetará a economia e o emprego domésticos?, que é a primeira pergunta da maior parte dos países ocidentais, em especial dos EUA e do Reino Unido (UK). Os oito promovem e incentivam ativamente seus sucessos na economia mundial. Ainda que o MITI não tenha previsto os sucessos japoneses, todo o sistema daquele país está preparado pa tomar um sucesso no mercado mundial e promovê-lo – através de grandes benefícios fiscais aos exportadores; de créditos imediatos para o comércio e os investimentos internacionais (quando este é escasso e caro para as empresas domésticas); da manutenção deliberada de preços e lucros elevados num mercado doméstico protegido, para gerar caixa para investimentos no exterior e para penetrar em mercados externos (a crença popular nas baixas margens de lucro das empresas japonesas é um mito); da reerva de conhecimento especial (por exemplo, a prestigiosa participação no comitê executivo da Keidanren, a mais alta organização industrial japonesa) aos cabeças de empresas que se saíram particularmente bem na economia mundial, e assim por diante. Cada um dos oito países faz as coisas à sua maneira, mas todos seguem as mesmas duas políticas básicas: em primeiro lugar, propiciam o clima econômico doméstico correto, através da concentração nos fundamentos da estabilidade monetária, uma força de trabalho educada e treinada e uma alta taxa de poupança, obtida por meio de altos impostos sobre o consumo e impostos relativamente baixos sobre poupança e investimento. Ambos têm dado sistematicamente prioridade à economia mundial nas decisões governamentais e empresariais. Nos dois países a primeira pergunta feita sempre é: Como isto afetará nossa posição no mercado mundial, nossa competitividade, nosso desempenho? E no momento em que eles se esqueceram disso – quando, há anos, os sindicatos subordinaram a posição econômica da Alemanha às suas exigências salariais e os suecos subordinaram a posição competitiva da sua indústria a gastos ainda maiores com bem-estar-social – as economias domésticas de ambos entraram em estagnação imediatamente. Uma razão pela qual a criação do clima correto é tão imortante é que esta é a única maneira de se embutir numa economia doméstica a resistência aos fluxos de dinheiro e aos seus choques (de oferta e de demanda).

Os últimos sessenta anos da economia mundial renderam uma outra lição a respeito do que funciona: investimentos no exterior não exportam empregos, ao contrário, criam empregos no mercado doméstico. Dever-se-á ter aprendido isto com o desempenho dos EUA os anos sessenta. Quando as multinacionais americanas expandiram rapidamente seus investimentos – na Europa, na América do Sul, no Japão, a economia doméstica criou empregos rapidamente. E quando, os anos oitenta, as multinacionais americanas voltaram a fazer grandes investimentos

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no exterior, particularmente na Europa – mais uma vez a taxa de emprego doméstica cresceu depressa. O mesmo vale para o Japão, onde, como já foi dito, os empregos criados pelos investimentos em fábricas que produzem bens para o mercado japonês – não destruíram empregos, mas os salvaram em grandes números. Valia igualmente para a Suécia que, de todos os países industrializados, foi o que mais investiu em fábricas no exterior.

A razão é o comércio institucional gerado por esses investimentos. Em manufatura – e em muitos serviços, tais como varejo - , o investimento por trabalhador em maquinário, ferramentas e equipamentos de uma nova fábrica é de três a cinco vezes a produção anual. Assim, os empregos gerados pelo comércio institucional para e colocar a nova fábrica em operaçõ é muito maior que a produção anual e os gastos com pessoal da nova fábrica por vários anos. A maior parte deste comércio institucional provém do país de origem do investidor, sendo produzido por mão-de-obra de altos salários. Portanto, a exportação de empregos de fato cria – ao menos a médio prazo – vários empregos no país de origem para cada um exportado. Isto explica por que a Ford, a qual tem construído agressivamente no México desde que aquele país se abriu aos investimentos estangeiros há um quarto de século, é a única empresa automotiva que acrescentou empregos nos EUA. Explica por que as duas empresas manufatureiras mexicanas – uma fabricante de cimento e outra de vidro – que construíram e compraram fábricas nos EUA estão entre as poucas grandes manufaturas mexicanas que acrescentaram emprego no México nos últimos anos.

Entretanto, até agora somente os japoneses parecem compreender isto. Há dez anos eles estavam em pãnico a respeito do esvaziamento da indústria, isto é, da exportação de trabalho intensivo em mão-de-obra para a Ásia continental (por exemplo, para a produção de eletrônicos de consumo) para suprir o mercado doméstico japonês. Hoje as exportações de máquinas e ferramentas de alto valor para essas fábricas de propriedade de japoneses na Ásia, isto é, o comércio institucional, tornaram-se as maiores contribuintes para o excedente de exportações do Japão e o principal esteio dos seus empregos nas áreas de engenharia e alta tecnologia.

Os últimos sessenta anos também ensinaram que a proteção raramente protege. Na verdade, as evidências mostram claramente que em muitos casos, a proteção acelera o declínio da indústria que pretende proteger.

Todos os países desenvolvidos protegem intensamente a agricultura. Mas nos EUA alguns produtos agrícolas, como soja, frutas, carnes e aves, não são subsidiados ou o são muito menos que as culturas tradicionais, como milho, algodão e trigo. Os produtos menos protegidos têm se saído muito melhor no mercado mundial – apesar da intensa concorrência – do qu aqueles fortemente protegidos. Em todos os países desenvolvidos, a população rural caiu muito depois da segunda guerra mundial e mais ainda nos dois países nos quais a agricultura é mais protegida e/ou subsidiada: França e Japão. É igualmente sugesivo o fato de o declínio da participação da indústria automotiva americana no mercado dos EUA ter se acelerado dramaticamente tão logo ela se tornou altamente protegida em hum mil novecentos e oitenta, quando o governo forçou os japoneses a adotar restrições voluntárias às exportações. Que a proteção cria complacência, ineficiência e carteis é um fato conhecido desdemuito antes de Adam Smith. Mas o contra-argumento sempre foi que ela protege empregos. As evidências dos últimos sessenta anos sugerem fortemente que ela não faz nem isso, ou pelo menos não o fez na agricultura de nenhum país desenvolvido. Não o fez na indústri automotiva americana, nem na europeia, como indicam os últimos anos. Ela igualmente não protegeu empregos nas indústrias siderúrgicas dos EUA, da Europa e do Japão. A proteção não mais protege empregos; é mais provável que ela acelere demissões.

O que os últimos sessenta anos ensinam é que o livre comércio não é suficiente. Precisa-se ir além dele. A economia mundial tornou-se demasiado importante para que um país não tenha uma política econômica mundial. O comércio administrado é uma ilusão de grandeza.

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O protecionismo só pode prejudicar. Mas não ser protecionista não basta. O que é necessário é uma política deliberada e ativa, na verdade agressiva, que dê à economia externa, às suas demandas, oportunidades e dinâmicas, prioridade sobre as demandas e problemas da economia doméstica. Para os EUA (e para um país como a França, bem como para a maior parte da América Latina), isto significaria uma reversão radical de décadas de política tradicional – significaria abandonar, em grande parte, políticas econômicas que têm governado o modo de pensar americano e sua economia talvez de hum mil novecentos e trinta e três, e certamente desde hum mil novecentos e querenta e cinco. Ainda veem-se as demandas e oportunidades da economia mundial como externalidades. Normalmente nem mesmo pergunta-se: “Será que esta decisão doméstica poderá prejudicar a participação americana, sua competitividade e sua posição na economia mundial?” Contudo, aquilo que realmente precisa-se preguntar é: “Será que este movimento doméstico irá avançar, fortalecer, promover a participação americana e sua competitividade na economia mundial?” A resposta a esta pergunta determina quais são as decisões corretas sobre a política econômica doméstica. As lições dos últimos sessenta anos – a única política que pode funcionar. Ela também é – como ensinan claramente os últimos sessenta anos – a única política que pode reviver, pelo menos segundo Peter F. Drucker, rapidamente uma economia doméstica atolada em turbulência e recessão crônica.

Reestruturação econômica: do fluxo de coisas para o fluxo de informações

O poder nas economias dos países desenvolvidos está mudando rapidamente dos fabricantes para os distribuidores e varejistas. O sucesso fenomenal da Wal-Mart, que tornou o falecido Sam Walton um dos homens mais ricos do mundo em menos de vinte anos, baseou-se justamente no fato de a cadeia controlar as operações de seus principais fornecedores. É a Wal-mart, e não o fabricante – por exemplo, uma Procter & Gamble - , que controla o que deve ser produzido, em que quantidade, quando deve ser entregue e para que lojas. Da mesma forma, no Japão, a Ito-Yokado Company controla o mix de produtos, a programação de fabricação e a entrega dos principais suprimentos, como Coca-Cola ou cerveja, às suas quatro mil e trezentas lojas 7-Eleven.

Em ferragens, alguns distribuidores muito grandes – muitos deles de propriedade de lojas independentes às quais servem – chegam a projetar os produtos (ou no mínimo fazem a especificações para os mesmos), encontram um fabricante e determinam as programações de fabricação e datas de entrega. Um exemplo é a Servistar, uma empresa sediada em Butler, Ohio, que compra para quatro mil e quinhentas lojas em todo o país e é de propriedade das mesmas.

As cadeias de hipermercados que dominam o varejo de alimentos na França e na Espanha controlam igualmente o mix de produtos e as programações de fabricação e de entregas dos seus maiores fornecedores. O mesmo fazem as cadeias de lojas de descontos qu estão assumindo uma participação crescente no mercado americano de produtos para escritórios. Nos Estados Unidos, o hospital comunitário independente não é mais o cliente principal para produtos de saúde. As compras agora são feitas por cadeias com fins lucrativos, como Humana, por cadeias de voluntários, por cadeias pertencetes a congregações religiosas, católicas ou luteranas. Elas fixam as especificações dos produtos, encontram o fabricante, negociam o preço e determinam as programações de fabricação e entregas.

A distribuição está se concentrando cada vez mais; a manufatura, ao contrário, está se dividindo cada vez mais. Meio século atrás, três grandes fabricantes dividiam o mercado

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americano. Hoje ele está dividido entre dez – as Três Grandes de Detroit, cinco japonesas e duas alemãs. Mas há meio século, oitenta e cinco por cento de todas as vendas de carros no varejo eram feitas em revendas de uma única loja; mesmo as cadeias de três lojas eram pouco comuns. Hoje um número relativamente pequeno de grandes cadeias de revendas – não mais que cinquenta ou sessenta empresas – vendem dois quintos de todos os carros nos Estados Unidos. O revendedor de ontem trabalhava com apenas uma marca. As cadeias de hoje podem vender carros GM numa revenda, toyota na revenda do outro lado da rua e BMW na cidade mais próxima. Eles têm pouco compromisso com qualquer fabricante; seguem aquilo que seus clientes desejam.

Em meados dos anos sessenta, a Servistar (então chamada American Hardware) comprava menos de vinte milhões de dólares por ano e tinha seiscentas lojas associadas. Hoje ela atende quatro mil e quinhentas lojas e o seu volume anual de compras é de um bilhão e meio de dólares. Meio século atrás, cada uma das lojas de 7-Eleven no Japão cuida da loja, decide quais mercadorias ela vence e em que quantidade, compra as mercadorias, estoca, faz a exposição, financia a loja, faz sua contabilidade e treina seu pessoal.

Estes grandes distribuidores estão se tornando cada vez menos dependentes das marcas dos fabricantes. Meio século atrás, somente dois varejistas americanos vendiam com sucesso suas “marcas próprias”: a R.H. Macy e a Sears, Roebuck. A maior varejista de produtos alimentícios daquela época, a Great Atlantic and Pacific Tea Company, tentou imitar as duas. Suas parcas próprias eram superiores, mas o público recusou-se a comprá-las, quase destruindo a A&P. Hoje as marcas próprias estão florescendo.

A loja independente de materiais de escritório perto da então residência de Peter F. Drucker vende somente produtos de marcas de alcance nacional. Mas as únicas marcas de alcance nacional. Mas as únicas marcas de alcance nacional vendidas por uma loja recentemente aberta, pertnce a uma cadeia de lojas de descontos de materiais de escritório, são produtos que requerem assistência técnica, como computadores ou máquinas de fax, e elas respondem por menos da metade do volume da loja. Cada vez mais as cadeias de varejo usam a TV a cabo para promover suas marcas próprias; elas não dependem mais da propaganda dos fabricantes nas redes comerciais.

O que está por baixo desta mudança é a informação. A Wal-mart é construída em torno de informações das lojas. Sempre que um cliente compra algo, a informação vai diretamente – em tempo real – à fabrica. Ela é convertida automaticamente numa programação de produção e em instruções de entrega: quando enviar, como e para onde. Tradicionalmente, de vinte a trinta por cento do preço de varejo servia para se levar a mercadoria da plataforma de embarque do fabricante até a loja do varejista – a maior parte deste custo destinava-se á manutenção de estoques em três depósitos: o do fabricante, o do atacadista e do varejista. Estes custos estão em grande parte eliminados no sistema Wal-Mart, o que possibilita que a empresa venda mais barato que os seus concorrentes locais, apesar de os seus custos de mão de obra serem em geral mais altos.

No momento em que um cliente da 7-Eleven no Japão compra um refrigerante ou uma lata de cerveja, a informação vai diretamente à engarrafadora ou à cervejaria e se torna imediatamente uma programação de produção e de entrega, especificando até a hora em que o novo suprimento deve ser entregue e para qual das quatro mil e trezentas lojas, via sistema de informação Sistema de Gestão Empresarial – ERP (sigla em inglês).

Não seria necessário do computador para fazer o que a Wal-Mart e a 7-Eleven estão fazendo, segundo peter F. Drucker. Há mais de setenta anos, a Mark & Spencer inglesa integrou informações do mercado e as programações de produção dos seus fornecedores e criou o primeiro sistema just-in-time. Em meados dos anos sessenta, a O.M. Scott de Marysville, Ohio,

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uma produtora de grma, sementes, fertilizantes e pesticidas, incorporou informações de mercado em tempo real ao seu sistema de fabricação. As duas empresas conquistaram quase que imediatamente a liderança em suas indústrias. Mas uma vez que o computador está aí e provê informações instantantâneas do mercado, a integração destas com a produção e a entrega torna-se inevitável.

Desde que Peter F. Drucker disse isso em seu livro Prática de Administração de Empresas (1954), passou a ser lugar-comum afirmar que os resultados estão somente no mercado; nos lugares onde as coisas são feitas ou movimentadas, existem apenas custos. Hoje em dia, todos falam da empresa movida pelo mercado ou movida pelo cliente. Mas enquanto não havia informações do mercado, as decisões (em especial as operacionais do dia-a-dia) tinham de ser tomadas como decisões da fabricação. Elas tinham de ser controladas por aquilo que acontece na fábrica e de ser baseadas nas únicas informações disponíveis à época, ou acreditava-se dispor: os custos de fabricação.

Agora que já estão disponíveis informações em tempo real sobre aquilo que acontece no mercado, as decisões serão cada vez mais fundamentadas no que acontece onde seus clientes finais, sejam donas de casa ou hospitais, estão comprando. Essas decisões serão controladas pelas pessoas que dispõem das informações – varejistas e distribuidores. O poder de decisão cada vez mais irá para o lado deles.

Uma implicação disto é que os produtores terão de estruturar suas fábricas para a fabricação flexível – palavra da moda para a produção organizada em torno do fluxo de informações do mercado, ao invés de em torno do fluxo de materiais como na fabricação tradicional. Quanto mais automatizada for a produção, mais importante isto será. A General Motors desperdiçou trinta bilhões de dólares na automação do processo tradicional, o que somente tornou suas fábricas mais dispendiosas, rígidas e menos ágeis. A toyota (e até certo ponto também a Ford) gastou uma fração daquilo que a GM gastou. Mas ela gastou o dinheiro estruturando a produção em torno de informações do mercado – em fabricação flexível.

Existe uma outra implicação importante. Quando, durante os últimos dez ou quinze anos, as empresas começaram a se organizar internamente em torno do fluxo de informações – hoje chama-se isto de reengenharia – descobriram imediatamente que não precisavam de tantos níveis gerenciais. Agora que se está no começo da organização em torno de informações externas, aprende-se que a economia necessita de muito menos intermediários. Elimina-se os atacadistas.

Por exemplo, na indústria de ferragens americana, os novos deistribuidores como a Servistar, estão fazendo aquilo que três níveis de atacadistas costumavam fazer. No Japão, a 7-Eleven eliminou de cinco a seis níveis de atacado. E esta tendência apenas começou.

A distribuição física também está mudando. Em uitas indústrias, o depósito está se tornando inútil e em outras está mudando de função. Hoje uma cadeia de supermercados de orte médio manuseia a metade de suas mercadorias sem qualquer armazenagem; elas vão diretamente do fabricante para as lojas. A outra metade ainda passa por um depósito, mas não é mantida lá, saindo em menos de doze horas, que logo serão reduzidas a três – no jargão de transportes, o depósito tornou-se um “pátio de distribuição”, ao invés de um local de permanência.

Isto também significa que a economia necessita cada vez menos dos financiamentos quue or dois séculos proporcionaram aos bancos seus negócios mais seguros e lucrativos: empréstimos a curto prazo sobre os estoques. A queda aguda na demanda por esse dinheiro explica, em grande parte, por que os bancos nos países desenvolvidos estão vendo encolher suas operações de empréstimos comerciais, mesmo em tempos de grande atividade, e por que

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eles estão tentando compensar essa queda entrando em negócios imobiliários duvidosos, empréstimos a ditadores do Terceiro Mundo e jogando com derivativos (este alerta feito por Peter F. Drucker foi confirmado anos depois com a bolha imobiliária de dois mil e oito e a crise financeira iniciada em dois mil e quatorze e ser previsão de fim).

Mas a maior implicação é que a economia está mudando sua estrutura: de organizada em torno do fluxo de coisas e de dinheiro ela está passando a se organizar em torno de fluxo de informações.

Infraestrutura: setor público versus setor privado

Durante setenta anos, desde que a destruição da Segunda Guerra Mundial foi reparada nos anos cinquenta, uma expansão sem precedentes da economia mundial foi propelida pela demanda dos consumidores, culminando com a grande farra de compras dos países desenvolvidos nos anos oitenta. Mas existem evidências crescentes de uma profunda mudança estrutural – isto é, o crescimento e a expansão econômica não podem mais ser baseados na demanda dos consumidores.

Um sintoma: desde que o primeiro televisor apareceu no mercado, cada novo produto eletrônico de consumo tem provocado imediatamente uma explosão de compras, em especial no Japão. Contudo, quando vários novos produtos eletrônicos muito estimulantes foram lançados no Japão nos anos noventa, eles provocaram pouco mais que um bocejo.

Mais importante, os novos mercados não são de bens de consumo e nem são mercados para maquinário e fábricas (é provável que haja um excesso mundial de capacidade em fábricas, principalmente no Japão e na Europa Ocidental). Ao contrário, três dos novos mercados são para vários tipos de infraestrutura, isto é, para instalações que servem tanto aos produtores como aos consumidores. E o quarto novo mercado é para coisas que não são nem produtos nem serviços, em qualquer significado tradicional desses termos.

O mais imediatamente acessível dos novos mercados envolve comunicação e informação. A demanda por serviços telefônicos nos países do Terceiro Mundo e do antigo bloco soviético é praticamente insaciável. Não existe um impedimento maior ao desenvolvimento econômico que um mau serviço telefônico, nem incentivo maior que um bom serviço. Um sistema telefônico é altamente intensivo de capital. Mas as tecnologias que substituem a fiação dos telefones tradicionais pelas irradiações dos telefones celulares estão reduzindo de forma radical o investimento de capital necessário. E uma vez instalado um serviço telefônico, ele começa a se pagar em pouco tempo, especialmente se tiver boa manutenção e não sofrer sucateamento.

No mundo desenvolvido, o mercado de informações e comunicações pode ser ainda maior. Tanto o escritório como a escola do futuro serão, provavelmente, construídos em torno de tecnologias de informação e comunicação (TICs). Já é sabido que a fábrica do futuro será organizada em torno de informação (através de automação, como pensáve-se há trinta anos). A tecnologia já está em uso; precisa somente sofrer um processo de convergência ou ser adequadamente unitizada ou empacotada.

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O segundo dos novos mercados – chamado de mercado ambiental – pode acabar representando uma oportunidade ainda maior que o primeiro. Ele tem três componentes separados, todos em rápido desenvolvimento:

1) O mercado para equipamentos de purificação da água e do ar. Nos Estados Unidos, a purificação da água nas fábricas americanas já foi reduzido em um terço desde mil novecentos e setenta e sete e sofreria, conforme previsão de Peter F. Drucker, uma redução igual até o ano dois mil. A poluição atmosférica pelas fábricas também foi drasticamente reduzida, ainda que ainda com muito por se reduzir. O Japão pode estar à frente, ao passo que a Europa ainda está muito atrás. Mas as fábricas não são as maiores poluidoras do mundo. Por exemplo, quando se trata de poluição da água, os esgotos municipais são os piores transgressores. Esta tarefa não foi enfrentada em nenhum país, embora as tecnologias estejam disponíveis.

2) O mercado da agrobiologia. Este mercado irá substituir herbicidas e pesticidas por produtos não poluentes, principalmente biológicos. O primeiro deles acaba de aparecer no mercado. Os peritos da indústria acreditavam que até o ano dois mil praticamente todos os herbicidas e pesticidas usados pela agricultura nos países desenvolvidos seriam biológicos ao invés de químicos. Ainda que esta previsão não tenha sido confirmada até a segunda década do século vinte e um, é certo que este mercado ainda é promissor.

3) O mercado de energia. O maior componente do mercado ambiental – o mercado de energia – não iria ser tornar grande até depois dos anos dois mil, segundo previsão de Peter F. Drucker. Existe uma crescente necessidade de se reduzir as fontes de energia altamente poluentes, como a gasolina usada nos motores de carros, ou o carvão usado em usinas termoelétricas. As primeiras tecnologias para isso – células de energia solar e fornalhas a carvão não poluidoras – não são mais ficção científica; há mais de vinte anos elas já são economicamente viáveis, principalmente em épocas de hidrologia desfavorável à produção de energia por fontes hidráulicas.

O terceiro novo mercado não chega a ser realmente novo. Trata-se da crescente necessidade, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, de se reparar, completar e melhorar a infraestrutura física, em especial dos sistemas de transportes – rodovias, ferrovias, pontes, portos e aeroportos.

Grande parte da infraestrutura mundial tem mais de trinta anos e, nos países não desenvolvidos, a infraestrutura vem sendo negligenciada desde mil novecentos e vinte e nove ou desde a Primeira Guerra Mundial. Mesmo as super rodovias japonesas datam dos anos sessenta: o sistema rodoviário dos Estados Unidos, no passado uma maravilha do mundo, é mais antigo. Nenhum sistema ferroviário europeu transporta mais de um décimo das cargas do seu país e todos dão prejuízo. O mesmo acontece no Japão: embora suas ferrovias transportem grande número de passageiros, elas são incapazes de servir à economia transportando cargas.

Em contraste, as ferrovias americanas estão razoavelmente conservadas – ao menos elas transportam quase dois quintos das cargas do país e têm lucros. Porém, mesmo nos Estados Unidos, os sistemas de transportes, sobrecarregados e com manutenção precária, não podem suportar uma atividade muito maior. Os transportes marítimos – a parte dos transportes que nos países desenvolvidos do mundo não-comunista foi deixada para a iniciativa privada – estão em boa forma. Mas em outros casos, os sistemas de transportes do mundo poderão exigir dez anos ou mais de grandes investimentos, talvez comparáveis àqueles do grande impulso das ferrovias em meados do século dezenove.

E então vem o quarto novo mercado, aquele criado pela demografia. Trata-se do mercado para produtos de investimento para financiar a sobrevivência dos idosos.

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O seguro de vida, que deveria se chamar seguro de morte, era um importante produto de investimento do século dezenove. Ele protegia a família contra a catástrofe econômica causada pela morte prematura do provedor do seu sustento. A nova indústria em crescimento em todos os países desenvolvidos é o seguro de sobrevivência – o fundo criado pela renda que os assalariados reservam para seu sustento depois que se aposentarem. Como todos sabem, os fundos de pensão tornaram-se os únicos capitalistas verdadeiros na economia americana. Eles estão rapidamente se tornando os verdadeiros capitalistas também os outros países desenvolvidos – e pela mesma razão: o número de pessoas que vivem muito além da idade de aposentadoria. Este fato cria uma demanda nunca vista antes por veículos de investimento.

Portanto, existe um amplo potencial para crescimento econômico, talvez mesmo para outros sessenta anos. A demanda está aí, e também os recursos tecnológicos e de capital. Mas este potencial não se encaixa com as suposições tradicionais – nem com as propostas dos Democratas americanos e dos Trabalhistas britânicos – de que o aumento dos gastos do governo irá estimular o consumo. Ele pouco fará, na visão de Peter F. Drucker, além de provocar inflação. O que é necessário não é mais consumo, mas sim investimento a longo prazo e os empregos que eles criam.

As medidas propostas pelos Republicanos americanos e Conservadores britânicos para encorajar esses investimentos igualmente não têm, segundo Drucker, probabilidades de conseguir os resultados desejados. Elas assumem que os investidores são os ricos, quando na verdade os investidores de hoje mal são afluentes. A contribuição individual típica para um fundo de pensão é muito inferior a dez mil dólares anuais e a compra típica de um fundo de pensão (o veículo de investimento preferido para poupadores individuais nos EUA) está por volta de dois mil e quinhentos dólares anuais.

É necessário algo totalmente diferente: a privatização da infraestrutura de mercado. As necessidades de comunicações, do meio ambiente e de transportes de mercado devem ser confiadas a empresas de propriedade de investidores, com fins lucrativos, operando em mercados competitivos. O que é competitivo, oligopólio ou monopólio no mercado de infraestrutura, isso já é outra discussão que não está proposta no presente texto. Existe um precedente para isto: o conceito da empresa de utilidade pública, inventado nos Estados Unidos na segunda metade do século dezenove. Ele possibilitou que as ferrovias, empresas de energia e telefônicas americanas permanecessem privadas e competitivas, enquanto em todas as outras partes do mundo esses serviços foram assumidos pelo governo quando as empresas privadas abandonaram o setor quando viram que este era incompatível com os objetivos de lucro. No Brasil, por exemplo, de mil oitocentos e vinte e dois (ano da independência) até mil novecentos e vinte e nove (ano da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque – NISE), este sistema liberal vigorou, sem contestação ideológica, como ideal. Depois de vinte e nove, o que se viu foi que as promessas do liberalismo não seriam cumpridas a todos, principalmente às ex-colônias na América Latina, África e Ásia. A partir daí, o setor público teve de tomar as rédeas da economia num sistema misto (estado/mercado) em movimentos pendulares por quase um século e ainda nem mercado nem governo assumiram a responsabilidade de cumprir tudo o que prometem em termos de prosperidade, desenvolvimento e inclusão social, em que pese a visão de Drucker ainda ser hegemônica entre Administradores dos setores público e privado.

Já é possível ver algum progresso na privatização dos mercados de infraestrutura em alguns lugares, ainda que não em todos. A Alemanha limpou há muito seu rio mais poluído, o Ruhr, tornando a não-poluição lucrativa para as empresas. E no Vale Central da Califórnia as parcelas de água dos fazendeiros foram transformadas em mercadorias comercializáveis, dando aos compradores incentivos para sua conservação e purificação.

A privatização é, na visão de Drucker, a única maneira de se assegurar de que as necessidades de infraestrutura serão satisfeitas. Nenhum governo do mundo hoje, segundo esta visão, dispõe de recursos suficientes para fazê-lo por conta própria, seja através de taxação ou

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de empréstimos. Por outro lado, o setor privado está na mesma situação se a área a ser considerada for o mundo todo e não apenas os trechos lucrativos. Contudo, o capital está aí, em abundância, como também as oportunidades para investimentos lucrativos.

Política comercial: liderança ou reação

Entre os anos noventa a dois mil, segundo previsão de Peter F. Drucker, seriam decididos como a Costa do Pacífico da Ásia iriam se integrar a uma economia mundial que muda rapidamente. Seria como uma série de países independentes e economias competindo ferozmente entre si? Seria através de diversos blocos comerciais regionais, como sugeriu o primeiro-ministro da Malásia? Ou seria como um dos novos superblocos – e de longe o maior – como esses que estão se formando no Ocidente, cada um com livre comércio interno, mas fortemente protecionista em relação ao exterior? Qualquer que fosse a decisão, ela iria mudar profundamente as economias asiáticas e a política mundial, como realmente ocorreu. E a decisão está sendo forçada sobre os países da Costa do Pacífico tanto por acontecimentos externos, isto é, no Ocidente, como pelo seu próprio crescimento econômico.

A rápida reformulação do Ocidente em superblocos regionais foi provocada pela conclusão da Comunidade Econômica Europeia – provavelmente o fato econômico mais importante da década de oitenta. Agora a América do Norte está no processo de se transformar num superbloco semelhante. A área de livre comércio da América do Norte (Nafta – sigla em inglês). Na realidade, tanto o Canadá como o México já estão tão integrados à economia dos Estados Unidos que nem era tão importante que o Nafta se tornado ou não lei. A única pergunta agora é se os outros países latino-americanos – primeiro o Chile, depois talvez a Argentina e eventualmente o Brasil. Aconteceu o Mercosul, que ainda sofre resistências. Todos seriam puxados para o superbloco norte-americano, assim como toda a Europa, a começar pela Grã-Bretanha, foi puxada para a Comunidade Europeia. Nem tudo ocorreu até o momento como o previsto por Drucker mas a queda de barreiras alfandegárias parece ser algo que ainda será considerado bandeira do comércio global.

Esses superblocos nos quais o Ocidente está organizando sua economia estão criando as maiores e mais ricas áreas de livre comércio que o mundo já viu. Ao mesmo tempo, porém, tanto a União Europeia como o bloco norte-americano estão sendo inexoravelmente afastados do livre comércio com o mundo exterior e na direção de um novo protecionismo. Eles irão forçar agressivamente as exportações, protegendo ao mesmo tempo suas indústrias domésticas. E a principal razão não é econômica, mas muito mais forçosa: ela é social. A prioridade social, para a Europa Ocidental e para os Estados Unidos, terá de ser dada respectivamente aos empregos em manufatura na Europa oriental e no México. A alternativa é uma inundação de imigrantes não qualificados ou de baixa qualificação, para os quais não há empregos no país de origem. E como os eventos na Alemanha (e também em Los Angeles) mostram claramente, essa imigração já ultrapassa aquilo que é social e politicamente administrável. Mas as únicas indústrias nas quais essas pessoas podem ser empregadas em seus países de origem – Eslováquia, Ucrânia ou México – são indústrias tradicionais, intensivas de mão-de-obra: têxteis, brinquedos, calçados, automóveis, siderurgia, construção naval e eletrônicos de consumo. Entretanto, essas são as indústrias de cujas exportações os países asiáticos da Costa do Pacífico em crescimento teriam de depender – as mesmas sobre cujas exportações os “milagres” asiáticos de ontem basearam seu crescimento inicial: o Japão nos anos sessenta e setenta e os “Quatro Tigres” mais tarde. E é claro que estas também são as indústrias nas quais as economias em crescimento de hoje – China Tailândia, Indonésia – esperam basear seu crescimento.

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Porém, mais importante que os eventos do Ocidente, é aquilo que está acontecendo na própria Ásia. A China enfrentará problemas enormes nos próximos anos – começando com a ameaça de inflação desastrosa e indo até a ameaça de violenta instabilidade política. Mas as áreas litorâneas do país, com trezentos a quatrocentos milhões de pessoas competentes e ambiciosas, deveriam, na previsão de Drucker, ser uma das grandes potências econômicas do mundo por volta do ano dois mil. A produção e a renda per capita ainda serão de um país em desenvolvimento e não de um país desenvolvido. Mas a produção industrial total na China litorânea poderá ser tão grande em dez anos, a ponto de fazê-la competir pelo segundo lugar na indústria mundial – na década de noventa disputado por Japão e Alemanha, mas na primeira década do século vinte e um já foi confirmada a China nesta segunda posição mundial.

Como o Japão e os Quatro Tigres, a China litorânea será voltada para exportações em seu desenvolvimento econômico. Mas o principal mercado de exportação para seus produtos é o doméstico: as oitocentos milhões de pessoas no vasto interior do país, as quais diferem bastante dos habitantes das áreas litorâneas em termos econômicos, sociais e culturais. Com o Japão há sessenta anos, a China litorânea não irá necessitar de grandes investimentos como a Europa Ocidental precisou para sua reconstrução após a Segunda Guerra Mundial. A região tem uma das maiores taxas de poupança do mundo (mesmo que seja porque até recentemente havia muito pouco que comprar). E agora que as decisões de investimento estão, em sua maioria, sendo tomadas por indivíduos e no mercado – ao invés de burocratas partidários do planejamento cental – a produtividade do capital parece ser bastante alta (embora ainda seja inferior à do Japão nos anos sessenta e setenta). Porém, a China litorânea irá necessitar de grandes volumes de moedas estrangeiras. Na opinião de Peter F. Drucker, dentro de poucos anos as exportações de que a China litorânea irá precisar para cobrir suas necessidades de moeda estrangeira serão maiores que as exportações combinadas de todos os outros países da Costa do Pacífico na Ásia, exceto Japão.

Mas quem irá comprar essas exportações? Praticamente todos os países da região terão indústrias das quais já existe um grande excesso de capacidade no mundo desenvolvido. Os países desenvolvidos da Costa do Pacífico Asiático, com Cingapura à frente, estão deixando rapidamente as indústrias intensivas em mão-de-obra tradicionais. No ano dois mil, até mesmo o Japão já teria, na previsão de Drucker, deixado de exportar automóveis para os países desenvolvidos do Ocidente, produzindo-os naqueles países. Mas os países em desenvolvimento – em especial em desenvolvimento rápido – não têm escolha. A Tailândia e a Indonésia enfrentam praticamente o mesmo problema. Mas a China litorânea, devido à sua enorme população e ao seu crescimento explosivo, é o lugar onde o problema será maior. Para o então governo do presidente Bill Clinton, eliminar o déficit comercial com a China já era uma prioridade máxima à época. E a União Europeia não tem a menor intenção de permitir a entrada de produtos chineses que concorram com os produtos de indústrias europeias deprimidas.

Isto exige algo totalmente novo: liderança asiática em política comercial. Até agora os países asiáticos só reagiram às políticas comerciais dos países desenvolvidos. Até mesmo a política comercial do Japão tem se limitado, até agora, a uma hábil exploração da política comercial dos Estados Unidos (ou da ausência dela). Agora são necessárias ações asiáticas, pois somente os asiáticos podem integrar uma Ásia em rápido desenvolvimento à economia mundial. Mas de onde virá esta liderança?

Serviços: um recado para a China que vale para os BRICS

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A China Litorânea, lar de quatrocentos milhões de pessoas de cultura mercantil e urbana, foi a economia de crescimento mais rápido do mundo ao longo da década de noventa. Mas agora ela, como o restante do país, enfrenta sérios problemas.

Para evitar uma inflação descontrolada, milhares de empresas estatais improdutivas e não lucrativas, que empregam milhões de trabalhadores e constituem uma vital base de poder para o Partido Comunista Chinês (PCCH), precisam ser eliminadas. As tensões sociais estão crescendo à medida que cada vez mais camponeses vão para as cidades superpovoadas, onde não há habitação, nem serviços de saúde e os empregos são muito poucos. Já começou uma luta em âmbito nacional pelo poder, em antecipação à morte da liderança octogenária. Seus sucessores poderão não ser democratas, na visão de Peter F. Drucker.

Todavia, se os efeitos internos do crescimento da China são inquietantes, os efeitos externos são potencialmente desestabilizadores. Não se pode interpretar como sinal de paz o fato de os militares chineses – sem nenhum inimigo estrangeiro à vista – comprarem ansiosamente todas as armas de alta tecnologia que a Rússia, faminta por dinheiro, lhes oferece. O mundo está confuso com um dragão comercial chinês que exporta como capitalista, mas importa como um comunista, e precisa encontrar novas maneiras para enfrentar o desafio desta potência emergente.

O comércio é um bom exemplo. A política comercial dos Estados Unidos da América (EUA) em relação à China deveria se basear na suposição de que, nos primeiros anos do século XXI, a China litorânea poderá se tornar uma das maiores potências econômicas em termos de produto nacional bruto (PNB), produção industrial e exportação industrial.

Contudo, uma abordagem convencional aos problemas de comércio bilateral poderá deixar de considerar o tipo de relação comercial, fundamentalmente diferente, que uma China moderna precisará ter com o mundo. Isto porque a China será, provavelmente, o primeiro país onde a balança de pagamentos, e não a comercial, será a chave para as relações econômicas. De fato, ela poderá ser o primeiro país a ser integrado à economia mundial através de serviços ao invés do comércio de produtos.

É claro que o mundo chinês precisa se abrir aos produtos estrangeiros. Em certos aspectos, ele é muito mais fechado do que o Japão jamais foi. Mas mesmo que as portas da China se abram completamente, é duvidoso se o país irá se tornar um grande mercado para produtos estrangeiros. Apesar da enormidade do seu mercado – mais de um bilhão de pessoas com rendas crescendo rapidamente – e de um apetite insaciável por marcas estrangeiras, a China não irá importar Coca-Cola e calças jeans Levis. Ao contrário, esses produtos serão fabricados na China – através de joint-ventures, franquias, licenças e alianças de todos os tipos (em mil novecentos e oitenta e três, a Coca-Cola assinou um contrato com o governo em Pequim para investir cento e cinquenta milhões de dólares em dez instalações de engarrafamento na China para os cinco anos posteriores ao acordo).

A razão para isso é social: a fabricação será o principal veículo para acomodar a transição dos camponeses chineses do feudalismo rural para a era moderna. Nos próximos dez anos, metade da população da China poderá estar empregada em fábricas. Tudo aquilo que puder ser feito lá, será – e isto significa a maioria dos produtos manufaturados.

A derrubada das barreiras à importação de bens precisa ser providenciada. Porém, é muito mais importante criar uma estrutura legal e administrativa para que um estrangeiro possa operar na China como parceiro. Hoje em dia, as leis muitas vezes não são aplicadas, e em alguns casos, nem mesmo publicadas. Quase não existe proteção para um licenciante ou sócio minoritário e há pouco respeito pelos direitos da propriedade intelectual. Uma política comercial com a China precisará estabelecer e salvaguardar o acesso a parcerias.

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Isto posto, as maiores oportunidades para estrangeiros numa China em rápido crescimento não estão em fabricação, mas sim em serviços.

Considere-se, por exemplo, o ensino. A despeito de um índice de alfabetização de setenta e três por cento, o sistema universitário chinês é um dos mais atrasados do mundo e é incapaz de suportar um crescimento econômico sustentado. Há pouco mais de um milhão e meio de universitários na China, uma proporção em relação à população inferior à dos EUA há um século. Até mesmo a Índia, com um índice de alfabetização cinquenta por cento menor que o da China, tem proporcionalmente quase quatro vezes mais universitários. Pior ainda, a maior parte do ensino universitário chinês prepara os alunos para carreiras burocráticas que servem mais para impedir que os outros façam do que para conseguir que as coisas sejam feitas.

A menos que isso mude, - e depressa – o crescimento da China será abortado pela escassez de engenheiros e químicos, estatísticos e contadores, médicos e enfermeiros, gerentes e professores. Há sessenta anos, quando enfrentou um problema semelhante, a Coreia do Sul enviou milhares de jovens às universidades americanas para serem trinados; eles então criaram o “milagre coreano”, que transformou um país rural pobre, devastado pela guerra, num dos quatro tigres em menos de trinta anos.

Mas o problema educacional da China não será aliviado pelo envio de quarenta mil estudantes do exterior por ano, como ela faz hoje. É necessária uma reforma maciça e imediata do sistema de ensino do país – um trabalho que somente poderá ser feito por prestadores externos de serviços em larga escala que concebam, planejem e estabeleçam as instituições de ensino necessárias. Existem prestadores qualificados de serviços deste gênero – as escolas politécnicas inglesas, por exemplo, são bem treinadas para tais empreendimentos, assim como muitas universidades americanas que em geral prestam esses serviços como atividade caritativa.

Entretanto, essa generosidade ignora um mercado em potencial. Se esses empreendimentos forem organizados e dirigidos profissionalmente, haverá dinheiro a ser ganho. Várias americanas já têm filiais no Japão, e não é inconcebível que o ensino superior venha um dia a se tornar a maior “exportação” americana à China e a fonte de grandes ganhos.

Os serviços de saúde oferecem oportunidades semelhantes. A visão falha de Mao Tse Tung, de uma China cuidada por médicos descalços, ainda é hoje a caricatura que era há cinquenta anos. São necessários prestadores de serviços experientes (e isto significa estrangeiros) que planejem, projetem, construam e administrem instalações de serviços de saúde e treinem as equipes médicas. Os hospitais necessários poderiam ser construídos bem depressa: os hospitais de campanha dos militares americanos, desenvolvidos ao longo dos últimos sessenta anos e testados na guerra com o Iraque, podem ser um protótipo.

Os serviços financeiros, o sistema circulatório de uma sociedade moderna, proveem outra grande oportunidade de mercado. Os serviços financeiros chineses estão em pior forma que o ensino superior ou os serviços de saúde. Em outras palavras, a China tem uma taxa de poupança muito elevada, uma não tem como colocar o dinheiro em uso produtivo. Ela carece de estruturas legais para uma indústria financeira: suas instituições financeiras são primitivas e seu pessoal mal trinado. Uma infusão de bancos comerciais e de investimento, instituições de poupança e crédito, seguradoras, fundos mútuos e os dados que eles forneceriam, ajudaria a desenvolver um sistema que os chineses não poderão por si mesmos, ao menos não na extensão que necessitam e no prazo de que dispõem.

De que mais necessita a China? Ela necessita de telecomunicações e serviços de informação em escala maciça. A necessidade é tão grande e a China tão atrasada, que ela terá que passar por cima de um século de tecnologia Ocidental e saltar diretamente para as formas

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mais modernas de telecomunicações sem fio – telefonia por ondas curtas, transmissão via micro-ondas e satélites para vencer as enormes distâncias nas áreas rurais.

O mesmo se aplica à última grande necessidade de desenvolvimento da China: transportes. A China tem excelentes portos naturais, mas poucos estão preparados para receber muito tráfego ou muita carga. E os poucos que estão carecem de rodovias e ferrovias para levar os bens ao interior do país. Quase sete décadas se passaram desde que as últimas linhas ferroviárias foram construídas, e muitas delas são de bitola estreita, possuem pátios de manobra obsoletos e ainda funcionam a vapor (até porque o carvão é a principal matriz energética chinesa).

Portanto, a medida de sucesso nas relações comerciais com a China é a venda de serviços e não de bens. Isto certamente não é livre comércio. Porém, por mais desejável que possa ser, o livre comércio não é uma política possível para a China – pelo mesmo até que o enorme excesso de população das fazendas tenha sido absorvido pela sociedade urbana e por empregos urbanos.

Uma política comercial focalizada em serviços com a China será criticada, especialmente por sindicalistas, por não criar empregos. Mas este é um argumento de ontem. Em todos os países desenvolvidos, a maioria dos empregos, em especial os bem remunerados, está precisamente nas indústrias que mais se beneficiariam com uma política comercial focalizada em serviços: engenharia, projeto, serviços de saúde, ensino, administração, treinamento e assim por diante. O importante é que essas áreas de serviços são aquelas nas quais a emergência da China como grande potência econômica cria oportunidades. É nelas que estão os mercados.

Japão: uma transição econômica que leva junto seus parceiros comerciais

O Japão S. A. está em desordem. Individualmente, as empresas japonesas competem com a mesma agressividade de antes no mercado mundial. Mas não existe mais uma política distintamente japonesa, e menos ainda em economia. Ao contrário, a norma são ajustes de curto prazo e reações temerosas ao inesperado. Como no Ocidente, não são substitutos para a política e têm pouco ou nenhum sucesso. Uma parte do problema é que nenhuma das opções de que o Japão dispõe parece atraente: nenhuma produziria consenso. Ao invés disso, elas causariam divisão entre os grupos mais importante da nação – burocratas, políticos, líderes empresariais, acadêmicos e trabalhadores. Os jornais japoneses estão repletos de protestos contra a “fraca liderança”. Mas este é somente um sintoma. O problema básico é que os quatro pilares que sustentaram a política japonesa por mais de trinta anos cederam ou estão balançando.

O primeiro pilar da política japonesa era a crença de que o Japão era tão importante como baluarte contra o comunismo que os Estados Unidos da América (EUA) subordinariam seus interesses econômicos à manutenção da estabilidade política de Tóquio e à aliança estratégica EUA-Japão. Durante os anos setenta e oitenta, o embaixador americano Mike Mansfield afirmou muitas vezes a prioridade das relações políticas entre os dois países sobre todas as outras considerações. As mesmas prioridades foram claramente mantidas no governo George Bush (pai). Os japoneses supuseram, e corretamente, que por mais que os americanos latissem, a mordida seria apenas de leve e não tiraria sangue.

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Agora o Japão precisa questionar essa suposição. O governo Clinton subordinou interesses econômicos americanos a alianças políticas? Parece que não, em nome do sustentação da ideia de que o fortalecimento da globalização torna estas práticas obsoletas. É claro que a América se declara comprometida com a defesa do Japão, caso o país seja atacado por forças armadas. Porém, os japoneses estão começando a compreender que os EUA irão cobrar um preço econômico cada vez mais alto por este suporte político – exatamente quando a China, a grande vizinha do Japão, tornou-se a única grande potência mundial que está aumentando seu poder militar. Os europeus, que nunca concordaram com a tese de Mansfield, estão menos embaraçados. Nos próximos anos, a Europa estará decidindo não só quantos itens de fabricação japonesa deixará de entrar, mas também se produtos lá fabricados por empresas japonesas poderão ser vendidos livremente e em grandes quantidades nos mercados europeus.

O segundo pilar da política japonesa era a crença de que suas empresas poderiam dominar os mercados mundiais projetando tendências ocidentais e fazendo melhor e mais rápido aquilo que os ocidentais faziam devagar e timidamente. Esta estratégia, usada primeiramente pela Sony no início dos anos sessenta para rádios transistorizados (que substituíram os valvulados. Depois disso já surgiram os de circuito integrado – CI e por último os de Ship e Microship, impactando no tamanho dos aparelhos) e seguida pouco depois por fabricantes de câmeras e copiadoras, foi bem-sucedida em inúmeras ocasiões. Ela ainda pode ser um sucesso – como demonstra a maneira pela qual os japoneses aumentaram sua participação em relação aos fabricantes europeus de carros de luxo no mercado americano nos últimos anos, ou tomaram o mercado de máquinas de fax dos americanos que as inventaram.

Mas esses sucessos não são mais uma certeza. A estratégia fracassou em computadores. Ao projetar para onda ia a IBM e então tentar superá-la, os japoneses perderam as indústrias em crescimento de estações de trabalho e deles. Em chips para computadores, eles deixaram de perceber a mudança para circuitos integrados especializados de alto valor e se concentraram em produtos de baixo valor, nos quais estão sendo agora fortemente pressionados por fabricantes de países com baixos salários. Em telecomunicações, os japoneses perderam a passagem para os telefones celulares, onde é provável que ocorra o crescimento do mercado mundial. Em eletrônicos de consumo e televisão de alta definição, onde os retornos ainda não se concretizaram, os japoneses estão mais uma vez na defensiva.

Embora em termos quantitativos o superávit das exportações japonesas com os EUA tenha subido novamente, em termos qualitativos ele está deteriorando. Quase três quartos dele se devem a produtos de uma indústria antiga, com mercados saturados em todos os países desenvolvidos: automóveis. Mesmo nessa área, os japoneses não estão tirando vendas dos fabricantes americanos, mas dos produtos importados da Europa. A General Motors Company (GMC) ainda está perdendo participação, mas agora é para a Ford e a Chrysler.

O terceiro pilar tradicional de força do Japão era a suposição de que a economia doméstica do país era praticamente imune aos problemas externos. Em apoio a esta crença, havia o conhecimento de que as maiores importações são alimentos e matérias-primas e as maiores exportações são produtos manufaturados. Numa recessão, os preços das matérias-primas caem depressa e por mais tempo que os dos manufaturados – isto é, das exportações do Japão. Assim sendo, tanto os termos de comércio do Japão (sua força econômica relativa) como a balança comercial (sua força econômica absoluta) tendem a melhorar quando a economia mundial declina.

Esta equação ainda é válida e explica, em grande parte, o persistente superávit comercial japonês nos últimos anos. A depressão nos preços mundiais de alimentos e matérias-primas – agora em sua segunda década – constitui um enorme subsídio à economia japonesa. Em relação aos preços de produtos manufaturados, o Japão obtém suas matérias-primas e alimentos pela metade dos preços do ano de mil novecentos e setenta e nove. Contudo, o país está atolado numa recessão há década. Taxa de emprego, produção, lucros e investimento

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ainda estão em declínio, e isto parece ser determinado por tendências na economia mundial ás quais o país deveria ser imune.

O quarto pilar era o compromisso com uma política de longo prazo, com flexibilidade para abrir exceções, atender interesses especiais e aproveitar oportunidades. O compromisso era revisto periodicamente e, se necessário, atualizado ou revisado. A estratégia evitava remendos rápidos de curto prazo, cuja ineficácia colocaria em risco o consenso nacional.

Esse compromisso foi mantido por vinte e cinco anos até o ano de mil novecentos e oitenta e cinco, quando a flutuação do dólar supervalorizado levou a moeda a uma queda de cinquenta por cento em relação ao iene em poucos meses. Os japoneses entraram em pânico diante da ameaça às suas exportações, dois quintos das quais iam para os EUA. Para manter a política de emprego vitalício e a estabilidade social, o governo entrou numa campanha frenética para estimular o consumo doméstico, visando a repor as vendas e os lucros perdidos com as exportações.

É discutível se os fabricantes japoneses necessitavam realmente de uma dose tão forte de adrenalina econômica. A maioria ajustou-se rapidamente ao valor mais baixo do dólar e aos menores ganhos com exportações. Porém, necessário ou não, o estímulo ao consumo doméstico não poderia ter vindo em pior momento para a economia japonesa. Ele ocorreu extamente quando o poder de compra e os estilos de vida estavam passando rapidamente de uma geração mais velha avessa ao consumo, ainda assustada pelas privações do tempo de guerra, para os yuppies nascidos depois da guerra. Assim, a política do governo disparou a maior farra de consumo da história econômica e uma tempestade especulativa nos preços dos imóveis e das ações. No ano de mil novecentos e oitenta e nove, no auge daquilo que os japoneses chamam hoje de “economia de bolha”, as ações na Bolsa de Valores de Tóquio eram contadas a cinquenta ou sessenta vezes seus ganhos antes do imposto (isto é, a um rendimento pós-imposto inferior a um por cento). Imóveis nos melhores bairros de escritórios de Tóquio eram hipotecados por até cinquenta vezes sua renda anual de aluguel.

A bolha estourou no início do ano de mil novecentos e noventa, com o mercado de ações perdendo a metade do seu valor em apenas alguns meses. Se os bancos e as companhias de seguros tivessem sido forçados a reduzir a valores realistas as suas ações e hipotecas, teria havido um colapso financeiro em massa. Ao invés de organizar uma retirada administrada e controlada – semelhante àquela que os americanos fizeram com os empréstimos a países latino-americanos e as hipotecas - , o Japão está fingindo que os prejuízos nunca ocorreram. Na primavera de mil novecentos e noventa e três, as compras maciças de ações e bônus pelo governo responderam por um terço do total de compras na Bolsa de Valores de Tóquio. A linha oficial é que os mercados “devem” subir tão logo a economia se recupere, permitindo que o governo venda seus papeis e até tenha lucro. Mas isso nuca funcionou. A própria existência desses papeis em poder do governo limita o mercado. E cada dia que se passa sem que a realidade financeira seja encarada torna o problema menos tratável, mais controverso e politicamente corrosivo.

A linha oficial no Japão ainda é que o país irá retornar à tradicional política de longo prazo logo que a situação voltar ao normal. É duvidoso que qualquer japonês bem-informado, dentro ou fora do governo, leve isso a sério. É provável que o Japão, em futuro previsível, não volt a ter uma política econômica. Ao contrário, ele irá se tornar cada vez mais parecido com os grandes países ocidentais, cuja falta de direção e indecisão econômica os japoneses riram por anos. Não haverá mais “Japão S.A.”, nem consenso, tampouco um grupo fixador de políticas dirigindo a economia através de orientação administrativa. Empresas, indústrias e grupos de interesse nacionais. Ao invés de uma política haverá medidas ad hoc de curto prazo e, talvez, uma imobilidade crescente (provavelmente acompanhada, como o Ocidente, por promessas cada vez mais grandiosas).

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Esta dissonância política será universalmente deplorada no Japão, como o é no Ocidente, mas não será universalmente impopular. Os grandes fabricantes, em especial aquelas bem-sucedidos nos mercados mundiais, preferem uma volta aos dias de uma política econômica consistente nas mãos de uma forte burocracia governamental. Porém, muitos outros líderes empresariais japoneses estão desencantados com a orientação administrativa que os comprometeram, nos últimos quarenta anos com asneiras estratégicas como a ênfase em computadores de grande porte e supercomputadores e a manutenção dos monopólios em telecomunicações e equipamentos de telecomunicações.

Se não houver uma política de consenso e nem orientação administrativa, as empresas japonesas deverão se tornar as concorrentes mais duras no mercado mundial. Suas respostas às oportunidades e aos desafios do mercado serão mais rápidas. É provável que elas se esforcem ainda mais nos três pontos com os quais elas atacam seus concorrentes ocidentais: controle da economia de todo o processo de produção e distribuição, ao invés do controle contábil dos custos de cada etapa, qualidade absoluta e redução dos ciclos de desenvolvimento, produção e entrega através de investimentos para poupar tempo.

Muitas empresas já deixaram de lado a estratégia tradicional de adivinhar mais depressa que suas concorrentes ocidentais, dedicando-se a pesquisas genuínas visando a avanços inovativos. Assim como algumas empresas ocidentais prosperaram agindo inteiramente à sua própria maneira, algumas empresas japonesas deverão prosperar agindo à sua maneira ao invés da maneira japonesa. Mas é questionável se a economia japonesa como um todo irá melhor, sem uma política consistente de longo prazo e uma liderança forte, do que as economias voltadas para o curto prazo dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França ou da Alemanha.

Os Estados Unidos deveriam se abster – mas provavelmente não o farão – de se alegrar com os problemas japoneses. Uma crise financeira no Japão é a última coisa de que os Estados unidos ou qualquer um no mundo desenvolvido necessita. Nem é de interesse para a América que a segunda economia do mundo tenha um governo desorganizado e à deriva, ou uma sociedade cada vez mais desorientada. Tais condições somente poderiam significar que os japoneses iriam buscar um bode expiatório e o encontrariam nos americanos.

Washigton deve pressionar Tóquio com muito mais energia pela eliminação dos obstáculos é entrada de bens, serviços e investimentos americanos em condições justas. O Japão não é tão protecionista quanto o público americano acredita, senão, as exportações de manufaturados americanos ao Japão não teriam quase dobrado nos últimos quarenta anos, particularmente na área de produtos de alta tecnologia. Na verdade, como proporção do comércio total EUA-Japão, o déficit é hoje apenas uma fração daquilo que era há quarenta anos. E o Japão ainda é, de longe, o melhor cliente para alimentos e produtos florestais americanos, os quais os japoneses poderiam comprar facilmente de outros fornecedores ao mesmo preço e com a mesma qualidade.

Contudo, existem obstáculos reais às empresas estrangeiras no Japão. Bem ou mal, o desaparecimento da ameaça soviética significa que agora não há motivos pelos quais os Estados Unidos não devam exigir, para seus produtos, serviços e investimentos, o mesmo acesso de que gozam os japoneses nos mercados americanos, muito menos restritos.

Washington necessita de uma polítca comercial que focalize as áreas nas quais a remoção das barreiras japonesas fará realmente diferença. Isto significa, por exemplo, esquecer a proibição japonesa às importações de arroz. A insistência americana a respeito do arroz só ajuda os políticos japoneses, que habilmente culpam as pressões americanas pelas reduções dos subsídios, cada vez mais onerosos, aos plantadores de arroz japoneses, que são politicamente poderosos. Se algum país estrangeiro conseguir suprir o Japão com grandes

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quantidades de arroz, não serão os Estados Unidos, mas a Tailândia ou o Vietnã, que têm custos menores. E a penalização das importações de carros japoneses, uma providência pela qual as Três Grandes de Detroit vêm clamando, não passa de pura emoção; ela seria aplaudida pelo sindicato dos trabalhadores na indústria automotiva, mas não ajudaria Detroit em nada. Entretanto, ela ajudaria, em muito, as relações públicas dos grandes fabricantes de automóveis japoneses, pois essas exigências lhes dariam o pretexto de que tanto precisam para acelererar seus planos de transferir para suas fábricas nos Estados Unidos a produção destinada ao mercado americano, onde os custos estão mais baixos do que no Japão. Isto lhes daria uam desculpa perfeita para fazer o politicamente impensável, mas economicamente inevitável: demitir trabalhadores japoneses que têm empregos vitalícios.

Além de usar um pouco mais de inteligência e muito menos retórica nas relações com o Japão, a única coisa que Washington pode fazer é compreender a transição pela qual o Japão está passando. É preciso levar o Japão a sério, pois ele é o único grande cliente que resta para os produtos agrícolas e florestais dos Estados Unidos e um dos seus maiores clientes de produtos manufaturados. O Japão ainda é o único país não-ocidental plenamente desenvolvido e democrático e já teve a segunda economia do mundo, hoje com a China. O fato de aparentemente não haver, na atual administração, ninguém em posição para formular políticas que conheça ou se interesse muito pelo Japão não é de bom agouro.

EUA-Japão: a guerra cambial e o déficit comercial

Há mais de trinta anos, governos dos Estados Unidos – Reagan, Bush pai e Clinton – têm reduzido a importância do valor cambial do dólar em relação ao iene (moeda japonesa). Todas as vezes que o dólar declina – e ele caiu, nesses trinta anos, de duzentos e cinquenta para cem ienes – os peritosdizem que “desta vez” o déficit comercial com o Japão certamente irá desaparecer. E sempre que o dólar declina, os japoneses gritam que a alta cotação do iene irá destruir suas indústrias e levá-los à bancarrota.

De fato, as exportações de manufaturados americanos ao Japão quase dobraram nos últimos trinta anos. Mas elas aumentaram ainda mais depressa em paíese da Europa e da América Latina, onde o valor do dólar subiu. E a despeito do alto valor do iene, as exportações de manufaturados japoneses para os Estados Unidos cresceram quase tão depressa quanto as dete país para o Japão. Portanto, o déficit comercial permaneceu quase o mesmo, até aumentou um pouco desde a primeira desvalorização do dólar.

Na realidade, nem o comércio de mercadorias americanas nem as vendas e lucros das empresas japonesas mostram a menor correlação com a taxa cambial. Se existe alguma, é com os níveis relativos de atividade econômica nos dois países. Por exemplo, quando os lucros das manufaturas japonesas caíram fortemente nos últimos vinte anos, a causa principal não foi a queda nas exportações para os Estados Unidos, nem os ganhos menores com as exportações, mas sim uma queda aguda na economia doméstica, agravada pelos enormes prejuízos sofridos por essas empresas por especularem de forma temerária nos mercados de ações e imobiliário japoneses.

De acordo com a teoria econômica, isto simplesmente não poderia acontecer: o déficit comercial dos EUA com o Japão deveria ter desaparecido, ou pelo menos estar muito reduzido. E os técnicos de Washington ainda prometem que isto irá inevitavelmente acontecer na próxima vez. Mas se por três décadas inteiras o inevitável o inevitável não acontece, é melhor parar de

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prometê-lo. A política do dólar baixo dos governos americanos os últimos dez anos se baseou em hipóteses totalmente erradas a respeito da economia japonesa. O Japão, e não os Estados Unidos, é o beneficiário do dólar baixo.

A chave para este aparente paradoxo é que, em termos de fluxos de fundos, o Japão gasta tantos dólares com importações quanto ganha através de exportações. Naquilo que diz respeito ao comércio EUA-Japão de mercadorias, a taxa de câmbio é irrelevante: É claro que algumas empresas podem ser prejudicadas por um dólar mais baixo, mas outras se beneficiam com ele. E nas contas totais do comércio – isto é, no comércio combinado de mercadorias e serviços - , o Japão gasta mais dólares no exteriro do que ganha com exportações. Qanto mais fraco o dólar, menos ienes ele tem que gastar para adquirir os dólares de que necessita para suas contas externas.

O Japão importa quatro quintos dos seus combustíveis e da sua energia, um pouco mais de um terço dos seus alimentos e todas as suas matérias-primas industriais. Em conjunto, estas três categorias constituem a metade das importaçãoes japonesas (em contraste, esses itens respondem por não mais que um quarto das importações dos Estados Unidos e por menos de um terço das importações da Alemanha). O Japão paga por todas essas commodities em dólares americanos, mesmo que, como no caso do petróleo, elas venham de outros países. De acordo com a teoria e a história econômicas, os preços de commodities deveriam ter subido, em dólares, na mesma proporção pela qual o dólar caiu, mas isso não aconteceu.

Ao contrário, durante os últimos trinta anos, os preços em dólares de alimentos, matérias-primas e petróleo caíram. Em ienes, o Japão, como maior importador desses itens, consegue uma incrível pechincha. A alimentação da sua população, o abastecimento das suas fábricas e o aquecimento das suas casas custam-lhe hoje pouco mais de um terço daquilo que lhes custavam há trinta anos. Como importador, o Japão se beneficia fortemente como iene alto: melhora o seu padrão de vida.

Das exportações japonesas, cerca de dois quintos são pagos em dólares – tudo o que é vendido aos Estados Unidos (hoje por volta de um quinto do total), quase tudo o que vai para a américa Latina e tudo aquilo que vai para os três países cujas moedas permanecem ligadas ao dólar americano: Grã-Bretanha, Austrália e Canadá. E estes dois quintos das exportações japonesas de mercadorias geram quae exatamente o número de dólares de que o Japão necessita para pagar por suas importações de commodities.

Em mil novecentos e noventa e dois – o mais típico em dez anos e quase metade do período - , a conta de importações de commodities do Japão foi de cento e dezoito bilhões de dólares; sua receita com as exportação pagas em dólares foi aproximadamente cento e vite bilhões de dólares. Na realidade, o Japão necessita de uns poucos bilhões de dólares a mais para cobrir seu déficit no comércio de serviços – quase todo pagável em dólares. Isto chega a cerca de dez bilhões de dólares por ano, mas significa somente que um dólar mais baixo dói ainda menos.

Além disso, o Japão necessita de dólares – muitos deles – para investir no exterior. Nos últimos dez anos, ele tornou-se um grande investidor direto no exterior, construindo fábricas e adquirindo participações em empresas por todo o mundo. Até aproximadamente vinte anos atrás, o grosso desses investimentos se dava nos Estados Unidos. Hoje, para ter acesso à União europeia, os japoneses estão investindo pesadamente no Reino Unido. Como a libra esterlina é a moeda europeia que permaneceu sincronizada com o dólar durante os trinta últimos anos, ela também se torna mais barata para os japoneses na medida que o dólar cai de valor.

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Em resumo, no ano de mil novecentos e noventa e um, os japoneses precisaram cerca de cem bilhões de dólares para investimentos no exterior, os quais foram financiados pelas suas exportações a países cujas moedas não estavam ligadas ao dólar, mas eram bastante estáveis em relação ao iene (por exemplo, o marco alemão). Assim, o Japão conseguiu obter os dólares para investir nos Estados Unidos (e na Grã-Bretanha, no Canadá e Austrália) a preços excepcionalmente baixos.

Até agora, ninguém conseguiu explicar por que os preços mundiais de commodities não subiram proporcionalmente à queda do dólar em relação ao iene (e a todas as moedas fortes, com exceção da libra esterlina). Entretanto, qualquer que serja a resposta, ela certamente nada tem a ver com o comércio EUA-Japão. É possível afirmar que um dólar mais alto seria de fato a melhor maneira para reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos com o Japão – e dentro de três a cinco anos.

O comércio é cada vez menos determinado pelos tradicionais fatores de “vantagem comparativa” dos economistass; portanto, ele torna-se cada vez menos sensível ás taxas cambiais – a experiência dos EUA com o Japão é apenas um exemplo. Em escala crescente, o comércio acompanha os investimentos.

Uma parcela muito grande – e crescente – das exportações do Japão para os Estados Unidos, talvez suficiente para igualar todo o déficit comercial deste país com aquele, compreende peças, suprimentos e maquinário para as fábricas que o Japão construiu neste país e as empresas que aqui adquiriu. Por exemplo, se a Toyota constroi uma fábrica no Kentucky, a maior parte das máquinas e ferramentas que esta requer são compradas das empresas que há anos vêm fornecendo ás fábricas da toyota no Japão. E o mesmo acontecerá com as peças para os carros que essa fábrica irá montar.

Os fabricantes americanos agem exatamente da mesma maneira quando investem em fábricas ou empresas no exterior. Porém, o dólar baixo tornou proibitivos os investimentos americanos no Japão. De fato, ele forçou um encolhimento da base de investimentos nos Estados Unidos naquele país. Várias empresas – a Honeywell é um exemplo – venderam suas participações em subsidiárias japonesas, ou porque não podiam pagar os ienes necessários à sua modernização e expansão, ou porque se aproveitaram do alto valor do iene para levantar os dólares de que necessitavam nos Estados Unidos.

Um iene mais baixo iria, muito provavelmente, liberar um grande fluxo de investimentos americanos no Japão – hoje o segundo mercado mundial de consumo – e com ele um fluxo de exportações de produtos de alto valor agregado por mão-de-obra de alta qualidade. Mas também é possível que um dólar mais alto gere ganhos substancialmente maiores das exportações americanas do que as exportações de commodities ao Japão – o maior importador de commodities do mundo e, de longe, o maior destinatário das exportações americanas de alimentos e matérias-primas, como madeira.

Isto, porém, são conjecturas de Peter F. Drucker. O que está provado é que um dólar mais baixo não eliminou – e nem irá eliminar – o déficit dos Estados Unidos com o Japão. Tudo o que ele faz é permitir que o Japão consiga dólares mais baratos.

Comércio internacional: empresas chinesas fora da china

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Nos Estados Unidos, Europa e Japão, jornais e revistas estão repletos de histórias a respeito dos novos bilionários: o montante de chineses residentes no exterior que construíram enormes multinacionais, quase todos sediados em Hong Kong, Taipé ou Cingapura, mas também na Tailândia, Malásia e Indonésia. Estes magnatas, ainda que altamente visíveis e individualmente riquíssimos, são apenas a ponta de um enorme iceberg. Em sua maioria invisíveis e evitando cuidadosamente a notoriedade, existem muito mais multinacionais de propriedade de chineses fora da China. Em sua maioria, elas são de médio porte; suas vendas mundiais chegam a várias centenas de milhões de dólares. Em conjunto, porém, elas são muito maiores que todos os magnatas juntos.

Um exemplo é o grupo com faturamento anual de quatrocentos milhões de dólares construído por um chinês cujo avô foi para as Filipinas como trabalhador braças durante a Primeira Guerra Mundial. O grupo compreende dezesseis pequenas fábricas ao redor do mundo. Cada uma delas fabrica somente poucos produtos altamente sofisticados, normalmente para um ou dois clientes. Quatro fábricas – duas nos Estados Unidos, uma no Japão e outra no Reino Unido – produzem componentes pequenos, porém críticos, para estações de trabalho. Três fábricas – na Indonésia, nos Estados Unidos e no Reino Unido – produzem peças de precisão para dos dois maiores fabricantes mundiais de máquinas de costura: a Singer americana e a alemã Pfaff, ambas, hoje propriedade de outro grupo de chineses residentes no exterior. E assim por diante.

Cada fábrica é incorporada como empresa legalmente independente, com sua propriedade registrada em nome do gerente local, que e cidadão do países onde está a fábrica, embora todos sejam descendentes de chineses. Mas esses gerentes, aparentemente independentes, são mantidos sob rígido controle. A propriedade real está cem por cento nas mãos do fundador em Manila. Cada fábrica reporta-se com detalhes e no mínimo duas vezes por semana, a diretor de operações do grupo, o qual acabou de mudar – juntamente com a equipe de cúpula do grupo – de Manila para Honolulu.

Ninguém sabe quantos desses grupos existem. Todos são de capital fechado, não publicam cifras nem relatórios anuais e são altamente sigilosos. Em Taiwan, onde muitos deles têm seus advogados, a melhor estimativa é de que há pelo menos mil deles. Também é desconhecido o porte da economia dos chineses no exterior. Uma estimativa frequente – acima de dois trilhões de dólares em investimentos – é altamente improvável, pois tornaria os investimentos desses chineses superiores àqueles dos Estados Unidos. No entanto, até mesmo quinhentos bilhões de dólares significariam que seus investimentos se aproximam daqueles dos japoneses. Os chineses residentes no exterior são, certamente, os maiores investidores na China continental. Eles levaram para lá mais dinheiro que os americanos ou japoneses, mais até que os investimentos do governo chinês na década de noventa em sua própria economia. Portanto, eles são a força motriz por trás do explosivo crescimento econômico da região litorânea da China.

Com exceção da Coreia do Sul, a qual, de modo geral, está fechada a seus investimentos, eles também lideram as economias dos outros países de crescimento rápido do Sudeste da Ásia: não só as três ilhas com população majoritariamente chinesa – Hong Kong, Taiwan (ou Formosa) e Cingapura - , mas também a Malásia (onde os habitantes de etnia chinesa constituem trinta por cento da população), A Tailândia (dez por cento), a Indonésia (dois por cento) e as Filipinas (um por cento). E eles estão se espalhando onde quer que haja até mesmo pequenas populações de habitantes de etnia chinesa como: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Europa. Os chineses residentes fora da China transformaram-se na nova superpotência econômica.

Externamente, os novos grupos multinacionais desses chineses são exatamente iguais às outras empresas. São incorporados como empresas, com um conselho de administração e diretores corporativos. Todavia, elas funcionam de uma forma drasticamente diversa de

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qualquer outra coisa na economia mundial. A melhor maneira para descrevê-las talvez seja como um clã que trabalha em conjunto. No grupo de Manila, todos os gerentes das fábricas estão ligados ao fundador – e entre si – por laços de sangue ou matrimoniais, mesmo que distantes. “Nós nem sonharíamos em entrar num novo negócio”, contou a Peter F. Drucker o diretor de operações do grupo, “se não tivéssemos um parente disponível para dirigi-lo”. Este diretor de operações não é de etnia chinesa, mas um holandês – ele dirigia uma das grandes fábricas da Philips na Ásia. Mas ele é casado com uma sobrinha do fundador. E quando ele entrou para o grupo, o fundador lhe disse: “Não me importo com as concubinas ou amantes que você tenha. Mas no dia em que minha sobrinha e você se separarem ou entrarem com um pedido de divórcio, você pode procurar outro emprego”. A palavra do fundador e CEO é lei. Mas sua autoridade se parece mais com aquela de um chefe confuciano da família (ou de um chefe de clã escocês do passado) do que com a do cabeça de uma empresa.

Espera-se que ele baseie suas decisões nos melhores interesses do clã e administre de forma a garantir sua sobrevivência e prosperidade. O que mantém unidas as multinacionais dos chineses residentes fora da China não é a propriedade, nem qualquer contrato legal, mas sim a confiança e as obrigações mútuas inerentes à qualidade do membro do clã.

Esta estrutura tem profundas raízes na cultura e na história milenares chinesas. Essa era a única maneira pela qual os comerciantes poderiam sobreviver num país que não tinha (e ainda não tem) lei civil e no qual não havia (e ainda não há) defesa contra um mandarim que podia ser arbitrário, era frequentemente corrupto e em geral desprezava o “comércio”. Portanto, a sobrevivência dependia da capacidade para transferir o dinheiro e o negócio para um primo distante da noite para o dia, sem contrato ou qualquer documento escrito. A única sanção neste sistema – porém, bastante eficaz – são a desgraça e o ostracismo por toda a comunidade dos negócios para qualquer um que traia essa confiança.

Essa tradição é muito forte e explica, em grande parte, por que esses grupos conseguiram crescer tão depressa. Se existe um membro qualificado do clã disponível em determinado país ou indústria, o grupo pode conseguir sua adesão apelando para seu espírito de clã. Assim, ao contrário das empresas japonesas, o grupo não precisa esperar pelo desenvolvimento dos seus próprios gerentes para se expandir. Ao contrário da empresa ocidental típica, existe pouca resistência interna contra se trazer alguém de fora para uma alta posição; afinal, ele é da “família”. “Dez de nossos dezesseis gerentes de fábricas”, contou a Peter F. Drucker o diretor de operações do grupo de Manila, “trabalhavam para empresas ocidentais, mas estavam dispostos a entrar para o grupo do clã”. E como se aceita que o grupo deve ser dirigido para perpetuar o clã e sua prosperidade, um membro da família que se mostre preguiçoso ou incompetente pode ser impedido de alcançar um alto posto, ou mesmo posto para fora do negócio. O fundador e CEO do grupo sediado em Manila queria que seus dois filhos o sucedessem, mas os membros do clã que dirigiam as fábricas deixaram claro que não os aceitariam. Eles persuadiram o fundador a escolher como seu sucessor o diretor de operações holandês. A cabeça de outro grupo chinês na Malásia contou a Peter F. Drucker: “Meu dinheiro, eu posso deixar para quem eu escolher; meu poder tem que ser deixado para quem goza da confiança dos meus associados”. Dizem que os japoneses devem seu sucesso à sua capacidade para dirigir a corporação moderna como se fosse uma família. Os chineses residentes fora da China devem seu sucesso à sua capacidade para dirigir suas famílias como se fossem modernas corporações.

Apesar das suas forças, essas multinacionais chinesas terão de mudar muito na próxima década; de fato, em todos os lugares em que Peter F. Drucker esteve numa viagem ao sudeste da Ásia, as discussões centravam-se na necessidade de mudanças drásticas. Por um lado, os fundadores que ainda dirigem os grupos estão ficando idosos.

O cabeça do grupo de Manila, por exemplo, está com setenta e três anos. Os sucessores dos fundadores cresceram num mundo bem diferente; muitos estudaram no

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Ocidente. “Nosso próximo CEO”, disse a Drucker o segundo em comando de um grupo sediado em Taiwan ( e em rápido crescimento), “não pode ser um “chefe de clã” ou “irmão mais velho” confuciano; ele terá que ser um formador e líder de equipes – foi isso que aprendemos nas escolas americanas”. Além disso, para que as multinacionais de chineses residentes no exterior cresçam, em especial na China Continental, elas terão que entrar em joint-ventures de todos os tipos com estrangeiros – americanos, japoneses, europeus – dispõem da tecnologia para construir, por exemplo, as locomotivas de que a China necessita desesperadamente. Mas serão necessárias empresas que falam chinês para a manutenção e a assistência técnica dessas locomotivas. E joint-ventures, como entendem os membros mais jovens dos clãs, significam planos de negócios por escrito e acertos contratuais claros – fato minável: partilhar informações. Mas acima de tudo, as multinacionais dos chineses residentes no exterior não poderão crescer, a menos que aprendam a admitir “estranhos”, isto é, chineses de fora do clã. Se você precisar de um metalúrgico ou de um especialista em computação, o que importa é a competência da pessoa, não ao fato de ela pertencer ao clã. E ela esperará ser tratada como igual, caso contrário não ficará. Em todos os lugares em que Drucker esteve no Sudeste da Ásia, a maneira de tratar um estranho era o primeiro tópico levantado e um dos que provocavam mais controvérsias. “Para manter a coesão do clã, não podemos tratar como igual um chinês que não é seu membro”, diziam todos. “Porém, para que os negócios cresçam, precisamos fazê-lo”.

E existe, é claro, a grave incerteza sobre o futuro da China Continental. Somente poucos grupos, em sua maioria sediados em Hong Kong, têm todos os seus ovos no cesto chinês. Há mesmo alguns grupos – principalmente em Cingapura, mas também na Malásia e na Indonésia – que se mantiveram fora da China Continental. Mas todos os chineses residentes no exterior sabem que seu futuro depende muito de como a China se sairá; e nos países em que eles são minoria (altamente invejada), o resto é Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas, os chineses também sabem que sua sobrevivência econômica poderá depender da saúde e da força da China. Drucker diz não ter conhecido um só deles que não esperasse uma década de surpresas e turbulência para a China Continental.

Todos esses jovens chineses não-residentes que estão assumindo a administração do dia-a-dia das suas multinacionais – estavam confiantes de que seus grupos poderiam resolver com sucesso seus problemas sem perder seu caráter chinês básico. “Eles mudarão detalhes, mas não os fundamentos mais do que os japoneses quando se modernizaram”, disse a Drucker um advogado de Taipé que é o confidente de um grande número de líderes empresariais chineses. “E irá dar certo!”.

Será que Os segredos da administração chinesa será o título do best-seller de Administração em breve?

Transformações sociais: afentando economia, adminitração e política

Nenhum século na história humana passou por tantas transformações sociais radicais como o século vinte. Estas transformações podem vir a ser os eventos mais importantes do século e seu legado duradouro. Nos países desenvolvidos e de mercados livres – que têm um quinto da população do mundo, mas são um modelo para os restantes – o trabalho e a força de trabalho, a sociedade e a forma de governo são, na última década daquele século, qualitativa e quantitativamente diferentes, não só daquilo que eram nos primeiros anos do mesmo, mas também de tudo que existiu em qualquer outro momento da história: em suas configurações, seus processos, seus problemas e suas estruturas.

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Em períodos anteriores, mudanças sociais muito menores e mais lentas provocaram guerras civis, rebeliões e violentas crises intelectuais e espirituais. As extraordinárias transformações sociais do século XX mal causaram agitação. Elas ocorreram com um mínimo de atrito, de levantes e de atenção por parte dos estudiosos, políticos, da imprensa e do público. Este pode ter sido o século mais cruel e violento da história com suas guerras civis e mundiais, suas torturas em massa, limpezas étnicas, genocídios e holocaustos. Mas todos esses morticínios e horrores infligidos sobre a raça humana pelos carismáticos sanguinários daquele século não passaram disso: morticínios e horrores absurdos, som e fúria sem significado. Hitler, Stalin e Mao, três gênios do mal daquele século que só destruíram, nada criaram.

De fato, se aquele século provar alguma coisa, é a futilidade da política. Até mesmo o crente mais dogmático no determinismo histórico teria dificuldade para explicar que as transformações sociais daquele século foram causadas pelos eventos políticos que foram manchetes, ou vice-versa. Mas são as transformações sociais, como correntes oceânicas muito abaixo da superfície, que têm tido efeitos permanentes. Foram elas, e não toda a violência da superfície política, que transformaram não só toda a sociedade, mas também a economia, a comunidade e o estado em que se vive até hoje. A era da transformação social não terminou no ano dois mil – àquela altura ela nem havia chegado ao seu auge.

Trabalho e emprego: a tecnologia e as transformaçoes sociais

Antes da Primeira Guerra Mundial, os agricultores compunham o maior grupo isolado em todos os países. Eles não mais constituíam a maioria em toda parte, como havia sido desde o alvorecer da história até o final das guerras napoleônicas, cem anos antes. Mas os agricultores ainda eram quase majoritários em todos os países desenvolvidos, com exceção da Inglaterra e da Bélgica, e também nos subdesenvolvidos. Pouco antes da Primeira Guerra, afirmava-se que os países desenvolvidos, com exceção da Inglaterra e da Bélgica, e também nos subdesenvolvidos. Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, afirmava-se que os países desenvolvidos – exceto o Canadá e os Estados Unidos – teriam cada vez mais de depender de importações de alimentos de áreas não industrializadas nem desenvolvidas.

Hoje somente o Japão, entre os principais países desenvolvidos, é um grande importador de alimentos (e desnecessariamente, pois sua fraqueza como produtor de alimentos resulta, em grande parte, de uma política obsoleta de subsídio à produção de arroz, a qual impede que o país desenvolva uma agricultura moderna e produtiva). Em todos os países desenvolvidos, inclusive o Japão, os agricultores hoje constituem no máximo cinco por cento da população e da força de trabalho, isto é, um décimo da produção e oitenta anos atrás. Os agricultores produtivos constituem menos da metade da população rural total, ou não mais que dois por cento da força de trabalho. Esses produtores agrícolas não são fazendeiros na acepção completa da palavra; eles atuam na agroindústria, certamente a indústria mais intensiva de capital, tecnologia e informação que existe. Os fazendeiros tradicionais estão próximos da extinção, até mesmo no Japão. E os que restaram transformaram-se numa espécie de protegida, mantida viva somente através de enormes subsídios.

O segundo maior grupo, na população e na força de trabalho de todos os países desenvolvidos por volta o ano mil novecentos, era composto pelos empregados domésticos. Eles eram considerados, assim como os agricultores, uma lei da natureza. As categorias de censo da época definiam um domicílio de classe média baixa como aquele que tivesse menos de três empregados e estes, como porcentagem da força de trabalho, cresceram até a Primeira

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Guerra Mundial. Oitenta anos mais tarde, os empregados domésticos praticamente não existiam nos países desenvolvidos. Poucas pessoas nascidas depois da Segunda Guerra Mundial – isto é, abaixo de setenta anos – chegaram a ver um, exceto no teatro ou em filmes antigos.

Na sociedade desenvolvida do ano dois mil, os fazendeiros eram pouco mais de objetos de nostalgia, e os empregados domésticos nem isso.

Contudo, essas enormes transformações em todos os países desenvolvidos foram realizadas sem guerras civis e em silêncio quase total. Somente agora, quando sua população rural chegou a quase zero, é que os franceses, totalmente urbanos, afirmam em altos brados que a França deveria ser um país rural, com uma civilização rural, na visão de Peter F. Drucker.

Mercado de trabalho: os trabalhadores do conhecimento superam em número a classe operária

Uma das razões pelas quais as transformações causaram tão pouca agitação (de fato, a principal) foi que por volta do ano mil e novecentos uma nova classe, os operários da indústria manufatureira – os proletários de Marx – haviam se tornado socialmente dominantes. Os agricultores eram conjurados a produzir menos milho e mais confusão, mas não davam atenção a esses pedidos. Os empregados domésticos eram claramente a mais explorada de todas as classes. Porém, antes da Primeira Guerra Mundial, quando as pessoas falavam ou escreviam a respeito da questão social, elas se referiam aos operários das indústrias. Este ainda eram uma pequena minoria da população e da força de trabalho – até mil novecentos e quatorze eles constituíam de um oitavo a um sexto da mesma – e eram, de longe, superados pelas classes inferiores tradicionais dos agricultores e empregados domésticos. Mas a sociedade do início do século vinte estava obcecada pelos operários.

Os agricultores e empregados domésticos estavam por toda parte, mas como classe eram invisíveis. Os empregados domésticos viviam e trabalhavam dentro das casas e fazendas, em grupos isolados de dois ou três. Os agricultores também estavam dispersos. E o mais importante é que essas classes inferiores tradicionais não eram organizadas e nem podiam ser. Na antiguidade, os escravos que trabalhavam em mineração ou na produção de bens revoltavam-se frequentemente – embora sempre sem sucesso. Mas Peter F. Drucker diz nunca ter visto, em algum livro que leu, qualquer menção de uma demonstração ou marcha de protesto de empregados domésticos. Houve muitas revoltas de camponeses. Mas com exceção das duas revoltas chinesas do século dezenove – a Rebelião de Taiping, em meados do século, e a Guerra dos Boxers, no seu final, as quais duraram anos e quase derrubaram o regime – todas as rebeliões de camponeses há história malograram depois de algumas semanas sangrentas. A história mostra que os camponeses são difíceis de se organizar e não permanecem organizados – razão pela qual eram desprezados por Marx.

A nova classe, os operários industriais, era extremamente visível, fator que fazia deles uma classe. Por necessidade, eles viviam em grupamentos populacionais densos e em cidades – em St. Denis, próximo a paris, em Wedding, perto de Berlin, em Ottakring, próximo a Viena, nas cidades têxteis de Lancashire, nas cidades de aço do Monongahela Valley, nos Estados Unidos e, no Japão, em Kobe. Em pouco tempo eles mostraram ser altamente organizáveis, com as primarias greves ocorrendo quase tão logo quando houve operários fabris. O conto de Charles Dickens “Hard Times” sobre conflitos trabalhistas, foi publicado em mil oitocentos e

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cinquenta e quatro, apenas seis anos depois que Marx e Engels escreveram “O Manifesto Comunista”.

Em mil e novecentos já havia ficado claro que os operários não se tornriam a maioria, como Marx previra apenas algumas décadas antes. Portanto, eles não iriam subjugar os capitalistas somente pelo número. Contudo, Georges Soreal, o escritor radical mais influente do período anterior à Primeira Guerra Mundial, ex-marxista e revolucionário sindicalista, encontrou aceitação generalizada para sua tese de mil novecentos e seis, pela qual os proletários iriam subverter a ordem existente e tornar o poder por sua organização e através e através da violência de uma greve geral. Não foi apenas Lenin que fez da tese de Sorel a base da sua revisão do Marxismo, em torno da qual construiu sua estratégia em mil novecentos de dezessete e mil novecentos e dezoito. Tanto Mussolini como Hitler – e Mao dez anos depois – construíram suas estratégias sobre a tese de Sorel. A frase de Mao, “O poder provém do cano de um fuzil”, é uma citação quase direta de Sorel. O operário tornou-se a questão social de mil e novecentos porque foi a primeira classe na história que podia ser organizada e permanecer assim.

Nenhuma classe na história jamais subiu rápido quanto a dos operários e nem caiu mais depressa.

Em mil oitocentos e oitenta e três, ano da morte de Marx, os proletários ainda eram uma minoria, não só da população, mas também dos trabalhadores industriais. A maioria era constituída de trabalhadores qualificados empregados em pequenas oficinas, cada, mas com no máximo vinte ou trinta funcionários. Dos anti-herois da melhor nova classe proletária do século dezenove, “The Princess Casamassima”, de Henry James – publicada em mil oitocentos e oitenta e seis (e só Henry James poderia ter dado tal título a uma história de terroristas – na visão de Drucker) – um é um encadernador de livros altamente qualificado e o outro um farmacêutico, igualmente qualificado e o outro um farmacêutico, igualmente qualificado. Por volta de mil e novecentos, trabalhador industrial havia se tornado sinônimo de operador de máquinas e significava trabalhar numa fábrica juntamente com centenas ou milhares de pessoas. Esses trabalhadores eram, de fato, os proletários de Marx – sem posição social, nem poder político, nem poder econômico ou de compra.

Os trabalhadores de mil e novecentos – ou mesmo de mil novecentos de treze – não tinham: aposentadoria, férias remuneradas, horas extras, pagamento extra-ordinário por trabalho noturno ou em fins de semana, seguro saúde ou de velhice (exceto na Alemanha), seguro desemprego (exceto na Grã-Bretanha depois de mil novecentos e onze); nem qualquer segurança de emprego. Cinquenta anos depois, os trabalhadores industriais haviam se tornado o maior grupo isolado em todos os países desenvolvidos e os trabalhadores sindicalizados da indústria de produção em massa (que eram dominantes em toda parte) haviam alcançado níveis de renda da classe média superior. Eles tinham segurança de emprego, aposentadoria, férias remuneradas e seguro desemprego, ou emprego vitalício. Acima de tudo, eles haviam conquistado poder político. Na Grã-Bretanha, os sindicatos trabalhistas eram considerados o verdadeiro governo, com mais poder que o Primeiro-Ministro ou o Parlamento, e o mesmo acontecia em outros países. Também nos Estados Unidos como na Alemanha, França e Itália – os sindicatos haviam emergido como a força política mais poderosa e melhor organizada. No Japão, nas greves da Toyota e da Nissan no final dos anos quarenta e início dos anos cinquenta, eles haviam chegado quase a “subverter” (na visão de Drucker) o sistema e a assumir o poder.

Em mil novecentos e noventa, os operários e seus sindicatos estavam em retirada, pois haviam se tornado marginais em números. Os trabalhadores industriais que fazem ou movimentam coisas, que nos anos cinquenta representavam dois quintos da força de trabalho americana, no início dos anos noventa menos de um quinto – isto é, não mais do que eram em mil e novecentos quando começou sua ascensão meteórica. Nos outros países desenvolvidos o

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declínio oi inicialmente mais lento, mas depois de mil novecentos e oitenta ele começou a se acelerar em toda parte. No ano dois mil ou dois mil e dez, em todos os países desenvolvidos os trabalhadores não iriam mais representar, na visão de Drucker, mais que um oitavo da força e trabalho, e o poder dos seus sindicatos estariam declinando à mesma velocidade.

Ao contrário dos empregados domésticos, os trabalhadores industriais não desaparecerão, na previsão de Drucker. Mas assim como o pequeno fazendeiro tradicional tornou-se um receptor de subsídios ao invés de produtor, o trabalhador industrial irá se tornar um funcionário auxiliar. Seu lugar já está sendo tomado pelo tecnólogo – alguém que trabalha tanto com as mãos quanto com conhecimentos teóricos. São exemplos: os técnicos em computador, em radiologia, os fisioterapeutas e assim por diante, que, em conjunto, constituem o grupo em crescimento mais rápido na força de trabalho dos Estados Unidos desde mil novecentos e oitenta. Ao invés de uma classe – um grupo coerente, reconhecível, definido e consciente - , os trabalhadores industriais poderão, em pouco tempo, ser apenas mais um grupo de pressão.

Os cronistas da ascensão do trabalhador industrial tendem a destacar os episódios violentos – especialmente os choques entre grevistas e a polícia. É provável que a razão seja o fato de os teóricos e propagandistas do socialismo, do anarquismo e do comunismo – começando com Marx e continuando até Herbert Marcuse nos anos sessenta – escreverem e falarem incessantemente de revolução e violência. A ascensão do trabalhador industrial foi notadamente não violenta. A enorme violência do século vinte – as guerras mundiais, limpezas étnicas e assim por diante – foi toda de cima para baixo e não tinha conexões com as transformações da sociedade, a diminuição dos agricultores, o desaparecimento dos empregados domésticos ou a ascensão do trabalhador industrial. Ninguém mais tenta explicar essas grandes convulsões como fazendo parte da crise do capitalismo, como fazia a retórica marxista há meio século.

Contrariamente às previsões dos marxistas e sindicalistas, a ascensão do trabalhador industrial não desestabilizou a sociedade. Ao contrário, ela emergiu como o fato social mais estabilizador do século vinte. Ela explica por que o desaparecimento dos agricultores e empregados domésticos não produziu crises. Tanto o êxodo do campo como do serviço domésticos eram mais qualificados que o necessário para ser um operador de máquina numa fábrica de produção em massa. Com certeza o trabalho na indústria era mal remunerado até a Primeira Guerra Mundial, mas pagava melhor que o trabalho no campo ou doméstico. Nos Estados Unidos, até mil novecentos de treze – e em alguns países, como Japão, até a Segunda Guerra Mundial – os trabalhadores industriais tinham jornadas de trabalho longas, mas estas eram menores que aquelas dos agricultores e empregados domésticos. Além disso, eles trabalhavam em horários especificados: o restando do dia era deles, o que não acontecia no trabalho no campo ou doméstico.

Os livros de história registram a miséria do início da indústria, a pobreza dos trabalhadores e sua exploração. De fato, eles viviam na miséria e eram explorados, mas viviam melhor que nas fazendas e casas de família e em geral eram melhor tratados.

Uma prova disso é que a mortalidade infantil caiu imediatamente depois que os agricultores e empregados domésticos passaram para o trabalho industrial. Historicamente, as cidades não se expandiam por si mesmas. Para sua perpetuação elas dependiam da vinda constante de pessoas do campo. Isso ainda era verdade em meados do século dezenove. Mas com o aumento do número de empregos em fábricas, as cidades tornaram-se os centros do crescimento populacional. Em parte, isso era um resultado de novas medidas de saúde pública: tratamento da água, coleta e tratamento de esgotos, quarentena contra epidemias, vacinação. Essas medidas – que eram eficazes principalmente nas cidades – contrabalançaram, ou ao menos contiveram, os riscos do crescimento populacional que haviam feito das cidades tradicionais um terreno para epidemias. Mas o maior fator isolado para a queda na mortalidade

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infantil – e com ela o crescimento explosivo da população – está relacionada somente com um fato: a industrialização. As primeiras fábricas eram de fato as Usinas Satânicas do grande poema de William Blake. Mas o campo não era a terra verde e agradável da Inglaterra cantada por Blake; era um cortiço pitoresco, mas ainda mais satânico.

Para os agricultores e empregados domésticos, o trabalho na indústria era uma oportunidade – de fato, a primeira que a história social lhes havia dado para melhorar muito sem precisar emigrar. Nos países desenvolvidos, ao longo dos últimos cento e cinquenta ou duzentos anos, cada geração podia esperar se sair servidores domésticos puderam se tornar trabalhadores industriais.

Como os trabalhadores industriais concentravam-se em grupos, era possível desenvolver sua produtividade de forma sistemática. A partir de mil oitocentos e oitenta e um, dois anos antes da morte de Marx, o estudo sistemático do trabalho, das tarefas e ferramentas elevou a produtividade do trabalho manual à taxa composta de três a quatro por cento ao ano, para um aumento de cinquenta vezes na produção por trabalhador ao longo de cento e trinta anos. É daí que provêm os ganhos econômicos e sociais do século vinte. Ao contrário daquilo que todos sabiam no século dezenove – não apenas Marx, mas também todos os conservadores, como J. P. Morgan, Bismarck e Disraeli – praticamente todos esses ganhos ficaram para o trabalhador industrial, a metade dos quais na forma de uma grande redução das horas de trabalho (com cortes variando entre quarenta por cento no Japão e cinquenta por cento na Alemanha) e a outra na forma de um aumento de vinte e cinco vezes nos salários reais.

Portanto, havia boas razões para que a ascensão do trabalhador industrial fosse pacífica ao invés de violenta e revolucionária. Mas o que explica o fato de a queda do trabalhador industrial ter sido igualmente pacífica e quase totalmente livre de protestos sociais, sublevações ou perturbações sérias, ao menos nos Estados Unidos? A hegemonia dos trabalhadores do conhecimento sobre os operadores de máquinas.

Nova sociedade: novos valores, compromissos e problemas

A ascensão da classe que sucedeu os trabalhadores industriais não é uma oportunidade para eles, mas um desafio. O novo grupo dominante é dos trabalhadores do conhecimento. O termo era desconhecido há sessenta anos. Peter F. Drucker diz tê-lo criado no livro Landmarks of Tomorrow, de mil novecentos e cinquenta e nove. No final do século vinte, os trabalhadores do conhecimento representariam, na previsão de Drucker, um terço ou mais da força de trabalho nos Estados Unidos – tanto quanto os trabalhadores em fabricação jamais representaram, exceto em tempo de guerra. A maioria deles seria remunerada no mínimo tão bem quanto ou melhor que os trabalhadores em fabricação. E os novos empregos oferecem oportunidades muito maiores.

Porém – e este é um grande porém - , a maioria dos novos empregos requer qualificações que o trabalhador industrial não possui e está mal equipado para adquirir. Eles exigem muita educação forma e a capacidade de aplicar conhecimento teóricos e analíticos. Eles demandam uma rentabilidade e abordagem diferentes ao trabalho e acima de tudo, um hábito de aprendizado contínuo. Assim, trabalhadores industriais demitidos não podem passar simplesmente para o trabalho do conhecimento da mesma maneira pela qual os agricultores e servidores domésticos passaram para o trabalho industrial. Na melhor das hipóteses, eles precisam mudar suas atitudes, crenças e valores básicos.

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Nas últimas décadas do século vinte, a força de trabalho industrial encolheu mais e mais depressa nos Estados Unidos do que em qualquer outro país desenvolvido, enquanto a produção industrial cresceu mais depressa do que em qualquer outro país desenvolvido, com exceção do Japão.

Essa mudança agravou o mais antigo e menos tratável problema da América: a posição dos negros. Nos cinquenta anos seguintes à Segunda guerra mundial, a posição econômica dos afro-americanos na América melhorou mais rápido que aquela de qualquer outro grupo na história dos país – ou de qualquer país. Três quintos dos negros americanos alcançaram rendas da classe média. Desde a guerra, cada vez mais negros americanos alcançaram rendas da classe média; antes da Segunda Guerra Mundial, o número era um vinte avos ou a vigésima parte ou cinco por cento. Mas a metade desse grupo alcançou rendas de classe média, não empregos de classe média. Desde a guerra, cada vez mais negros foram ser trabalhadores sindicalizados da indústria de produção em massa, isto é, conseguiram empregos que pagavam salários das classes média e média alta e não exigiam formação escolar nem aptidões. Entretanto, esses são precisamente os empregos que estão desaparecendo mais depressa. O que é espantoso não é o fato de tantos negros não terem ido à escola, mas sim de tantos terem feito isso. Na américa pós-guerra, não era economicamente racional para um jovem negro permanecer na escola e aprender; era deixar a escola o mais cedo possível e obter um dos muitos empregos na produção em massa. Em consequência disso, a queda do trabalhador industrial atingiu os negros americanos de forma desproporcionalmente dura em termos quantitativos, mas mais ainda em termos qualitativos. Ela atingiu aquele que era o modelo mais forte na comunidade negra: o operário bem remunerado com segurança de emprego, seguro saúde e uma aposentadoria garantida – embora não possuísse aptidões nem muita formação escolar.

Mas os negros são uma minoria da população e da força de trabalho nos Estados Unidos. Para a maioria – brancos, mas também latinos e asiáticos - , a queda do trabalhador indistrial causou perturbações surpreendentes em comunidades que no passado eram totalmente dependentes de fábricas de produção em massa que foram fechadas ou cortaram drasticamente o número de empregados (por exemplo, as cidades do aço no oeste da Pensilvânia e no leste de Ohio, ou cidades automotivas como Detroit e Flint, em Michigan), as taxas de desemprego para adultos não-negros caíram, dentro de poucos anos, para níveis pouco acima da média dos Estados Unidos, ou seja, pouco superiores àquele de pleno emprego. Mesmo nessas comunidades não houve radicalização dos operários.

A única explicação é que para a comunidade não-negra o fato não foi uma surpresa, por mais ameaçador e doloroso que possa ter sido para os trabalhadores e suas famílias. Psicologicamente – mas em termos de valores e não de emoções - , os trabalhadores industriais americanos deviam estar preparados para aceitar como certa e adequada a passagem para empregos que exigem educação formal e pagam pelo conhecimento ao invés do trabalho manual, qualificado ou não.

Nos Estados Unidos, a mudança estava praticamente terminada por volta do ano mil e novecentos e noventa. Até o início do século vinte e um, ela havia ocorrido somente nesse país. Nos outros países desenvolvidos – no oeste e norte da Europa e no Japão – ela está apenas começando. Mas é certo que daqui em diante ela prossiga rapidamente nesses países, talvez mais depressa que nos Estados Unidos. A queda do trabalhador industrial nos países desenvolvidos também terá grande impacto nos países subdesenvolvidos, que não mais poderão basear seu desenvolvimento na mão de obra barata.

Uma crença generalizada, em especial por parte de líderes sindicais, é que a queda do trabalhador industrial nos países desenvolvidos deveu-se em grande parte o totalmente, à passagem da produção para o exterior, para países com abundância de mão de obra barata. Mas isso não é verdade.

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Havia alguma verdade há meio século. Japão, Taiwan e, mais tarde, a Coreia do Sul (como está explicado no livro A sociedade Pós-Capitalista (do ano de mil novecentos e noventa e três) de autoria de Peter F. Drucker, conseguiram sua vantagem inicial no mercado mundial combinando, quase da noite para o dia, a invenção americana do treinamento para plena produtividade com custos salariais de um país pré-industrial. Mas esta técnica deixou de funcionar a partir da década de setenta.

Nos anos noventa, somente uma porcentagem insignificante dos bens manufaturados importados pelos Estados Unidos é produzida no exterior devido aos baixos custos de mão de obra. Enquanto o total de importações naquele ano representou cerca de doze por cento da renda pessoal bruta americana, as importações de países com custos salariais significativamente inferiores representaram menos de três por cento – e somente a metade destas era constituída por produtos manufaturados. Portanto, praticamente nada do declínio dos empregos americanos em manufatura – de trinta a trinta e cinco por cento para entre quinze e dezoito por cento da força de trabalho – pode ser atribuído à passagem de trabalho para países com baixos salários. A principal concorrência para a indústria manufatureira americana – por exemplo, em automóveis, aço e máquinas operatrizes – veio de países como Japão e Alemanha, onde os salários são iguais ou maiores àqueles dos Estados Unidos. Atualmente, a vantagem comparativa que conta está na aplicação do conhecimento – por exemplo, no gerenciamento da qualidade total do Japão, em processos de fabricação enxuta, entrega just-in-time e custeio baseado no preço, ou no atendimento ao cliente oferecido pelas empresas de engenharia de porte médio alemãs ou suíças. Isto significa que os países em desenvolvimento não podem mais esperar firmar seu desenvolvimento em baixos salários. Também eles têm de aprender a baseá-lo na aplicação do conhecimento e nos trabalhadores do conhecimento, não é tradicional. Ela é a primeira sociedade na qual pessoas comuns – e isto quer dizer a maioria – não ganham o pão de cada dia com o suor do seu rosto. É a primeira sociedade na qual o trabalho honesto não significa mãos calejadas. Também é a primeira sociedade na qual nem todos fazem o mesmo trabalho, como era o caso quando a grande maioria era constituída por agricultores ou, como parecia provável há apenas cinquenta ou sessenta anos, todos iriam ser operadores de máquinas.

Isto é muito mais que uma mudança social. É uma mudança na condição humana. O que ela significa, quais são os valores, os compromissos e os problemas da nova sociedade ainda não é sabido. O que se sabe é que serão muito diferentes.

Conhecimento e comunicação: entender e ser entendido

Os trabalhadores do conhecimento não serão a maioria na sociedade do conhecimento emergente, mas em muitas ou na maioria das sociedades desenvolvidas eles serão o maior grupo isolado da população e da força de trabalho. E mesmo onde forem superados por outros grupos, os trabalhadores do conhecimento darão a esta sociedade do conhecimento seu caráter, sua liderança, seu perfil social. Eles podem não ser a classe dirigente da sociedade do conhecimento, mas já são sua classe principal. Em suas características, sua posição social, valores e expectativas, eles diferem fundamentalmente de qualquer grupo na história que tenha ocupado a posição de liderança.

Em primeiro lugar, os trabalhadores do conhecimento ganham acesso a empregos e posições sociais através da educação formal. Grande parte do trabalho do conhecimento requer aptidões manuais altamente desenvolvidas. Um exemplo extremo é a neurocirurgia. A

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capacidade de desempenho deste especialista depende da educação formal e de conhecimentos teóricos, mas a ausência de habilidades manuais impossibilita sua prática. Porém, a habilidade manual sozinha, por mais avançada que seja, nunca irá capacitar alguém a ser neurocirurgião. Porém, mesmo que o conhecimento em si seja um tanto primitivo, somente a educação formal pode provê-lo.

A educação irá se tornar o centro da sociedade do conhecimento e a escola será sua instituição-chave. De que conhecimentos todos devem dispor? O que é qualidade em aprender e ensinar? Estas serão necessariamente as preocupações centrais da sociedade do conhecimento e as principais questões políticas. Na realidade, a aquisição e a distribuição do conhecimento formal poderá vir a ocupar, na política da sociedade do conhecimento, o lugar que a aquisição e a distribuição de propriedade e renda ocupou na política ao longo de dois ou três séculos chamados a Era do Capitalismo.

Na sociedade do conhecimento, cada vez mais conhecimentos, especialmente avançados, serão adquiridos muito depois da idade escolar e, cada vez mais, através de processos educacionais não centralizados na escola tradicional. Ao mesmo tempo, o desempenho das escolas e seus valores básicos serão cada vez do interesse da sociedade como um todo, ao invés de serem considerados assuntos profissionais que podem ser deixados com segurança nas mãos dos educadores.

Também, pode-se prever com confiança que ainda será definido o que será uma pessoa educada. Tradicionalmente, e em especial durante os últimos trezentos anos, pessoa educada era alguém que tivesse um fundo prescrito de conhecimento formal. Os alemães chamavam este conhecimento de Allgemeine Bildung, e os ingleses americanos de artes liberais. Daqui em diante, uma pessoa educada será, cada vez mais, alguém que aprendeu como aprender e continua aprendendo, especialmente através de educação formal, por toda a sua vida.

Existem riscos óbvios nisso. Por exemplo, a sociedade poderá facilmente enfatizar os diplomas formais em detrimento da capacidade de desempenho. Ela pode cair presa de mandarins confucianos estéreis um perigo ao qual a universidade americana é singularmente suscetível. Por outro lado, a sociedade poderá supervalorizar conhecimentos “práticos” de uso imediato e subestimar a importância dos fundamentos e da sabedoria.

Uma sociedade dominada por trabalhadores do conhecimento está sob a ameaça de um novo conflito de classes: entre a grande minoria os trabalhadores do conhecimento e a maioria das pessoas que ganha a vida à maneira tradicional, seja pelo trabalho manual, qualificado ou não, seja em serviços, também qualificados ou não. A produtividade do trabalho do conhecimento – ainda muito baixa – irá se tornar o desafio econômico da sociedade do conhecimento. Dela dependerá sua capacidade para dar rendas decentes e, com elas, dignidade e posição social aos trabalhadores sem conhecimento.

Nenhuma sociedade na história enfrentou tais desafios. No entanto, igualmente novas são as oportunidades da sociedade do conhecimento, na qual, pela primeira vez na história, a possibilidade de liderança estará aberta a todos. E também a possibilidade de adquirir conhecimentos não mais irá depender da obtenção de uma educação prescrita em determinada idade. O aprendizado tornar-se-á a ferramenta da pessoa – à sua disposição em qualquer idade – porque tantas aptidões e conhecimentos poderão ser obtidos por meio de novas tecnologias de aprendizado.

Outra implicação é que quanto melhor uma pessoa, organização, indústria ou nação adquirir e aplicar conhecimentos melhor será sua posição competitiva. A Sociedade do conhecimento irá, inevitavelmente, se tornar muito mais competitiva do que qualquer sociedade já conhecida – porque com os conhecimentos universalmente acessíveis, não haverá desculpas

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para o mau desempenho nem em países pobres, somente países ignorantes. E o mesmo valerá para empresas, indústrias e organizações de todos os tipos e para as pessoas. As sociedades desenvolvidas já se tornaram infinitamente mais competitivas para as pessoas do que eram as sociedades do início do século vinte, para não mencionar as anteriores.

Peter F. Drucker tem falado em conhecimento, mas um termo mais preciso é conhecimentos, porque o conhecimento da sociedade do conhecimento será fundamentalmente diferente daquilo que era considerado como tal e sociedades anteriores – e, na verdade, daquilo que ainda é amplamente considerado conhecimento. O conhecimento do Allgemeine Bildung alemão ou das artes liberais anglo-americanas pouco tinha a ver com a vida profissional da pessoa. Ele focalizava a pessoa e seu desenvolvimento, este existe, na maioria dos casos, somente na aplicação; o fato de ele não ter utilidade nenhuma chegava a ser motivo de orgulho. Na sociedade do conhecimento, este existe, na maioria dos casos, somente na aplicação. Por exemplo, nada daquilo que os técnicos em radiologia precisam saber pode ser aplicado à pesquisa de mercado, ou ao ensino de história medieval. Portanto, a força de trabalho central na sociedade do conhecimento consistirá de pessoas altamente especializadas. Na realidade, é um erro falar em generalistas. O que este termo irá significar cada vez mais são pessoas que aprenderam a adquirir especialidades adicionais rapidamente, para passar de um tipo de trabalho para outro – por exemplo, de pesquisa de mercado para a gerência, ou da enfermagem para a administração hospitalar. Mas os generalistas no sentido que costumava-se usar estão passando a ser vistos como diletantes (amadoras) ao invés de pessoas educadas.

Isto também é novidade. Historicamente, os trabalhadores eram generalistas. Eles faziam qualquer coisa que precisasse ser feita – na fazenda, na casa, na oficina. O mesmo se aplicava aos trabalhos industriais. Mas os trabalhadores do conhecimento, quer seu conhecimento seja primitivo, avançado, pequeno ou grande, serão especializados por definição. O conhecimento aplicado é eficaz somente quando é especializado. De fato, quanto mais especializado, mais eficaz ele é. Isto vale para os técnicos que dão assistência a computadores, aparelhos de radiologia ou motores de caças a jato. Mas também vale para os trabalhos que exigem o conhecimento mais avançado, sejam eles pesquisa genética, astrofísica ou na primeira apresentação de uma nova ópera.

Mais uma vez, a passagem de um conhecimento para outro oferece grandes oportunidades para o indivíduo. Ela torna possível uma carreira como trabalhador do conhecimento, mas também representa muitos novos problemas e desafios. Ela exige, pela primeira vez na história, que pessoas com conhecimento assumam responsabilidade por se fazerem compreendidas por pessoas que não contam com a mesma base de conhecimento.

Sociedade do conhecimento: a volta do trabalho em equipe

O fato de na sociedade do conhecimento ele ter de ser altamente especializado para ser produtivo implica em dois novos requisitos: que os trabalhadores do conhecimento atuem em equipes e que, caso estes não sejam funcionários, precisam no mínimo ser filiados a uma organização.

Fala-se muito hoje em dia a respeito de equipes e trabalho em equipe. A maioria parte de uma hipótese errada, isto é, que nunca trabalhamos em equipes antes. Na verdade, as pessoas sempre trabalharam em equipes; poucas podem trabalhar sozinhas de forma eficaz. O

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agricultor tinha de ter uma mulher e a agricultora um marido. E ambos trabalhavam em equipe com seus empregados. O artesão também precisava de uma mulher, com a qual trabalhava em equipe: ele cuidava do trabalho e ela dos clientes, aprendizes e dos negócios. E ambos trabalhavam em equipes com os oficiais e os aprendizes. Hoje, muitas discussões assumem que existe somente um tipo de equipe, mas na verdade existem vários. Até agora, de fato, a ênfase tem sido no trabalhador sozinho e não na equipe. Com o trabalho do conhecimento tornando-se cada vez mais eficaz à medida que se especializa, as equipes tomam o lugar do indivíduo como unidade de trabalho.

A equipe atualmente elogiada – Peter F. Drucker a chama de conjunto de jazz – é apenas um tipo de equipe. É o tipo mais difícil tanto para se formar como para se fazer trabalhar de forma eficaz, e também o que requer mais tempo para conseguir capacidade de desempenho. Há de se aprender a usar tipos diferentes de equipes para fins diferentes e entendê-las; isto é algo que até agora recebeu pouca atenção. Portanto, a compreensão das equipes, das capacidades de desempenho dos diferentes tipos, das suas forças e limitações e as diferenças entre elas irão se tornar preocupações centrais no gerenciamento de pessoas.

Igualmente importante é a segunda implicação do fato de que os trabalhadores são fundamentalmente especialistas: há necessidade de eles trabalharem como membros de uma organização. Somente esta pode prover a continuidade básica da qual os trabalhadores do conhecimento precisam para serem eficazes. Somente a organização pode converter seus conhecimentos especializados em desempenho.

Por si mesmo, o conhecimento especializado não produz desempenho. Um cirurgião não é eficaz a menos que haja um diagnóstico – o qual, na maior parte dos casos, não é sua tarefa, nem está dentro da sua competência. Um historiador pode ser muito eficaz em suas pesquisas e seus escritos. Mas para educar estudantes, é substancial a contribuição de muitos outros especialistas, pessoas cuja especialidade pode ser literatura, matemática, ou outras áreas da história. Isto requer que o especialista tenha acesso a uma organização e este acesso pode ser como consultor ou prestador de serviços especializados. Em sua maioria, os trabalhadores do conhecimento serão funcionários, em tempo integral ou parcial, de uma organização como uma agência do governo, um hospital, uma universidade, uma empresa ou um sindicato. Na sociedade do conhecimento, o desempenho não é do indivíduo; este é um centro de custo e não de desempenho, o qual é da organização.

Sociedade do conhecimento: ferramentas e tarefas

Em geral, os trabalhadores do conhecimento passarão a maior parte de suas vidas profisionais como funcionários. Mas o significado do ermo será diferente do tradicional, não só em inglês, mas sim em qualquer idioma.

Individualmente, os trabalhadores do conhecimento dependem do emprego. Eles recebem um salário, foram contratados e podem ser demitidos. Legalmente, cada um é um. Em conjunto, porém, eles são os capitalistas; cada vez mais, através de seus fundos de pensão e outras poupanças, eles possuem os meios de produção. Na economia tradicional, e não somente na marxista, há uma clara distinção entre o fundo salarial, que vai todo para consumo, e o fundo de capital, ou a parte da renda total que está disponível para investimento. A maior parte da teoria social da sociedade industrial está baseada, de uma forma ou de outra, na relação entre as duas, seja de conflito ou da cooperação e do equilíbrio necessários. Na

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sociedade do conhecimento, as duas partes fundem-se. O fundo de pensão é salário adiado e como tal é um fundo salarial. Mas ele também é, cada vez mais, a principal fonte de capital para a sociedade do conhecimento.

O fator talvez mais importante é que na sociedade do conhecimento, os funcionários, isto é, os trabalhadores do conhecimento – possuem as ferramentas de produção. A grande ideia de Marx foi que o operário não possui, e nem poderá possuir, as ferramentas de produção; portanto, é alienado. Não havia maneira, dizia ele, para o trabalhador possui o motor a vapor e levá-lo consigo de um emprego para outro. O capitalista tinha de possuir o motor e controlá-lo. Na sociedade do conhecimento, o verdadeiro investimento se dá cada vez menos em máquinas e ferramentas e mais no conhecimento do trabalhador. Sem este conhecimento, as máquinas são improdutivas, por mais avançadas e sofisticadas que sejam.

O pesquisador de mercado precisa de um computador. Mas cada vez mais este é seu computador pessoal, que o acompanha onde quer que ele vá. O verdadeiro equipamento de capital de pesquisa de mercado é o conhecimento do mercado, de estatística e da aplicação da pesquisa à estratégia da empresa, que está alojado entre as orelhas do pesquisador e é sua propriedade exclusiva e inalienável. O cirurgião necessita da sala de operações do hospital e de todo o seu dispendioso equipamento de capital. Todavia, o seu verdadeiro investimento de capital são doze a quinze anos de treinamento e o conhecimento resultante, o qual o cirurgião leva de um hospital para o outro. Sem esse conhecimento, as dispendiosas salas de operações de nada servem.

Isto é verdade, quer o trabalhador possua conhecimento avançado como um cirurgião, ou simples e relativamente elementar, como um contador júnior. Em qualquer dos casos, é o investimento em conhecimento que determina se o funcionário é ou não produtivo, mais que as ferramentas, máquinas e o capital fornecido pela organização. O trabalhador industrial precisava muito mais do capitalista do que este do trabalhador – a base para a afirmativa de Marx de que sempre haveria um excesso de trabalhadores industriais, um exército industrial de reserva, o qual garantiria que os salários não poderiam subir acima do nível de subsistência (provavelmente o seu mais clamoroso erro, na visão de Peter F. Drucker). Na sociedade do conhecimento, a hipótese mais provável para as organizações – e certamente aquela sobre a qual elas precisam conduzir seus negócios – é que elas precisam muito mais dos trabalhadores do conhecimento do que este delas.

Na Idade Média houve debates infindáveis a respeito da hierarquia dos conhecimentos, com a filosofia afirmando ser a rainha. Desistiu-se há muito dessa discussão infrutífera. Não há conhecimento superior ou inferior. Quando a queixa do paciente é uma unha encravada, vale o conhecimento do pedicuro, não o do neurocirurgião, embora este tenha recebido muito mais anos de treinamento e cobre muito mais caro. Se um executivo for nomeado para um país estrangeiro, o conhecimento de que ele necessita – e depressa – é fluência do idioma, algo que todo nativo daquele país dominou aos três anos, sem muito investimento. Na sociedade do conhecimento, a importância deste provém da situação, porque só é aplicado em ação. Em outras palavras, aquilo que é conhecimento em determinada situação, como a fluência em coreano para o executivo americano colocado em Seul, passa a ser apenas informação sem muita relevância quando ele, alguns anos depois, precisa determinar a estratégia de mercado da sua empresa para a Coreia. Isto também é novo. Os conhecimentos eram sempre vistos como estrelas fixas, cada uma ocupando sua própria posição no universo do conhecimento. Na sociedade do conhecimento eles são ferramentas, e como tais sua importância e posição dependem da tarefa a ser executada.

Artes liberais: a Administração e sua função social

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Uma conclusão adicional de Peter F. Drucker: como a sociedade do conhecimento tem que ser uma sociedade de organizações, seu órgão central e distintivo é a gerência.

Quando a sociedade começou a falar em gerenciamento, o termo significava gerenciamento de empresas, porque a empresa de larga escala foi a primeira das novas organizações a surgir. Mas houve o aprendizado, na segunda metade do século vinte, que o gerenciamento é o órgão distintivo de todas as organizações, as quais precisam de gerenciamento, quer usem o termo ou não. Todos os gerentes fazem as mesmas coisas, qualquer que seja a finalidade da sua organização. Todos precisam reunir pessoas, cada um com um conhecimento diferente, para um desempenho conjunto. Todos necessitam tornar forças humanas produtivas no desempenho e as fraquezas irrelevantes. Todos têm de determinar que resultados são desejados na organização, e então definir objetivos. Todos são responsáveis pela determinação daquilo que Peter F. Drucker chama de teoria do negócio, isto é, as hipóteses sobre as quais a empresa baseia seu desempenho e suas ações e aquelas feitas pela organização para decidir o que não fazer. Para todos eles é, imprescindível fixar estratégias, ou seja, os meios através dos quais as metas da organização se transformam em desempenho. Todos, enfim, precisam definir os valores da organização, seu sistema de recompensas e punições, seu espírito e sua cultura. Em todas as organizações, os gerentes necessitam do conhecimento da gerência como trabalho e disciplina e do conhecimento e da compreensão da organização em si – suas finalidades, seus valores, seu ambiente, seus mercados, suas competências essenciais.

O gerenciamento como prática é muito antigo. O executivo mais bem-sucedido da história foi certamente o egípcio que, há mais de quatro mil e quinhentos anos, concebeu a pirâmide, sem precedentes, projetou-a e construiu-a em prazo surpreendentemente curto. Essa primeira pirâmide ainda está em pé. Porém, como disciplina, o gerenciamento mal tem cinquenta anos. Ele foi vagamente percebido por volta da Primeira Guerra Mundial, mas não emergiu até a Segunda Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos. Desde então, ele foi a nova função de crescimento mais rápido e seu estudo a disciplina de crescimento mais rápido. Nenhuma função há história emergiu tão depressa como o gerenciamento nos últimos setenta anos ou oitenta anos, e certamente nenhuma obteve tanto alcance mundial em tão pouco tempo.

O gerenciamento ainda é ensinado na maior parte das escolas de administração como um conjunto de técnicas, tais como elaboração de orçamento e relações com o pessoal. É claro que ele, como qualquer outro trabalho, tem suas ferramentas e técnicas próprias. Mas assim como a essência da medicina não é o exame de urina (por mais importante que seja), a essência do gerenciamento não são as técnicas e procedimentos, mas sim tornar conhecimentos produtivos. Gerenciar é uma função social. E em sua prática, é realmente uma arte liberal. Artes liberais, no Brasil são conhecidas no meio acadêmico como Ciências Sociais Aplicadas, apesar de não se tratar de uma tradução.

Bem-estar social: saindo do governo e entrando no terceiro setor

As antigas comunidades – família, vila, paróquia e assim por diante – quase desapareceram na sociedade do conhecimento emergente. Seu lugar foi tomado pela nova unidade de integração social: a organização. Enquanto a comunidade era uma questão de

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destino, a organização tinha membros voluntários. Enquanto a comunidade reivindicava a pessoa inteira, a organização era um meio para seus fins. Há mais de duzentos e vinte anos, há um debate acalorado, principalmente no Ocidente: as comunidades são orgânicas ou simples extensões das pessoas das quais se compõem? Ninguém afirmaria que a nova organização é orgânica. Ela é claramente um artefato, uma criação do homem, uma tecnologia social.

Mas então, quem executa as tarefas da comunidade? Duzentos e vinte anos atrás, em todas as sociedades, as tarefas sociais eram realizadas por comunidades locais. Hoje, poucas ou nenhuma delas são feitas pelas antigas comunidades e nem seriam capazes de fazê-las, pois não detêm o controle dos seus membros. As pessoas não ficam mais onde nasceram, seja em termos geográficos ou de posição social. Por definição, uma sociedade do conhecimento é uma sociedade de mobilidade. E todas as funções sociais das antigas comunidades, quer fossem bem ou mal executadas, pressupunham que o indivíduo e a família não sairiam de onde estavam. Mas a essência de uma sociedade do conhecimento é a mobilidade, em termos de onda a pessoa vive, daquilo que faz e das suas afiliações. As pessoas não têm mais raízes, nem uma vizinhança que controle como é sua casa, o que elas fazem, nem quais podem ser seus problemas. Na sociedade do conhecimento muitas pessoas podem ser bem-sucedidas. Mas ela também é, por definição, uma sociedade na qual muito mais pessoas podem fracassar, ou no mínimo chegar em segundo lugar. E se somente porque a aplicação do conhecimento ao trabalho tornou as sociedades desenvolvidas muito mais ricas do que poderia sonhar qualquer sociedade anterior, os fracassos, sejam eles pessoas pobres ou alcoólatras, mulheres esgotadas ou delinquentes juvenis, são vistos como fracassos da sociedade.

Quem, então, cuida das tarefas sociais na sociedade do conhecimento? Não se pode ignorá-las. Mas a comunidade tradicional é incapaz de executá-las.

Surgiram duas respostas nos últimos cento e vinte anos, quando a Alemanha de Bismarck deu os primeiros passos na direção do estado do bem-estar social. A resposta: os problemas do setor social podem e devem ser resolvidos pelo governo. Esta ainda é, provavelmente, a resposta aceita pela maioria das pessoas, em especial nos países desenvolvidos do Ocidente, embora seja provável que a maioria não mais acredite plenamente nela. Mas ela foi totalmente desmentida, na visão de Peter F. Drucker. O governo moderno, especialmente desde a Segunda Guerra Mundial, tornou-se, em toda parte, uma enorme burocracia de bem-estar social. Hoje, o grosso do orçamento de todo país desenvolvido é dedicado a direitos, a pagamentos por todos os tipos de serviços sociais. Contudo, em todo país desenvolvido, a sociedade está ficando mais doente do que saudável, e os problemas sociais estão se multiplicando. O governo tem um grande papel a desempenhar em tarefas sociais – de gerador de políticas, de fixador de padrões e, em grande parte, de pagador. Porém, como agência para dirigir os serviços sociais, ele tem mostrado incompetência (no sentido de ineficácia) quase total.

Peter F. Drucker, em seu livro “O futuro do homem industrial”, formulou uma opinião dissidente. Afirmou que a nova organização – e, há setenta anos, isto significava a grande empresa – teria de ser a comunidade na qual o indivíduo encontraria posição e função, com a comunidade do local de trabalho transformando-se naquela através da qual seriam organizadas as tarefas sociais. No Japão (embora independentemente e sem ligação com Drucker) o grande empregador – a agência do governo ou a empresa – tem de fato procurado servir de comunidade para seus funcionários. O emprego vitalício é uma prova disto. Habitação, planos de saúde, férias por conta da empresa enfatizam, para o funcionário japonês, que o empregador, em especial a grande corporação, é a comunidade e a sucessora da vila de ontem, mesmo para a família de ontem. Isto, porém, também não funcionou.

É preciso, em especial no Ocidente, trazer cada vez mais o funcionário para o governo da comunidade do local de trabalho. O que hoje é chamado de empowerment é muito semelhante àquilo de que Drucker falou há setenta anos, mas não cria uma comunidade, nem a

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estrutura através da qual as tarefas sociais da sociedade do conhecimento podem ser enfrentadas. Na verdade, praticamente todas essas tarefas, sejam elas educação ou cuidados com a saúde, as anomalias e doenças de uma sociedade desenvolvida e, em especial, rica, como o abuso do álcool e das drogas, ou os problemas de incompetência e irresponsabilidade como aqueles da classe inferior nas grandes cidades americanas, estão fora da instituição empregadora.

A resposta correta à pergunta: “Quem cuida dos desafios sociais da sociedade do conhecimento?” Não é o governo, nem a organização empregadora. A resposta é um novo setor social separado, segundo Drucker.

Faz menos de setenta anos que se fala pela primeira vez nos Estados Unidos dos dois setores de uma sociedade moderna – o setor público (governo) e o setor privado (empresas). Nos últimos quarenta anos, começou-se a falar de um terceiro setor, o setor sem fins lucrativos, aquelas organizações que, em escala cada vez maior, cuidam dos desafios sociais de uma sociedade moderna.

Nos Estados Unidos, com sua tradição de igrejas independentes e competitivas, este setor sempre existiu. Mesmo hoje as igrejas constituem a maior parte isolada do setor social nos Estados Unidos, recebendo quase a metade do dinheiro dado a instituições de caridade e cerca de um terço do tempo voluntário das pessoas. Mas a parte não ligada a igrejas do setor social tem sido a de maior crescimento nos Estados Unidos. No início dos anos noventa, cerca de um milhão de organizações foram registradas no país como organizações sem fins lucrativos ou caritativas para a realização de trabalho do setor social. Cerca de setenta por cento delas surgiram nos últimos cinquenta anos. E a maioria é de serviços comunitários preocupados com a vida terrestre, e não só do Reino do Céu. Muitas dessas novas organizações têm orientação religiosa, mas a maioria delas não está ligada a igrejas. São para-igrejas empenhadas em tarefas sociais específicas, tais como: a reabilitação de viciados em álcool e drogas ou de criminosos, ou o ensino elementar. Mesmo dentro do segmento religiosos do setor social, as organizações que têm mostrado capacidade para crescer são radicalmente novas. São as igrejas pastorais, que focalizam as necessidades espirituais das pessoas, em especial dos trabalhadores do conhecimento, e colocam as energias espirituais dos seus membros para trabalhar nos desafios e problemas sociais da comunidade, especialmente da urbana.

Peter F. Drucker ainda se refere a essas organizações como sendo sem fins lucrativos, mas este é um termo legal, significando apenas que, pela lei americana, essas organizações não pagam impostos. O fato de elas estarem ou não organizadas para dar lucro é irrelevante para suas funções e seu comportamento. A partir de mil novecentos e sessenta ou mil novecentos e e setenta, muitos hospitais americanos transformaram-se em instituições com fins lucrativos e estão organizados legalmente como empresas.

Eles funcionam exatamente da mesma maneira que os hospitais sem fins lucrativos tradicionais. O que importa não é a base legal, mas sim que as instituições do setor social têm um tipo particular de finalidade. O governo exige submissão: ele cria regras e força seu cumprimento. As empresas esperam ser pagas; elas suprem. As instituições do setor social visam a mudar o ser humano, o de uma escola é o aluno que aprendeu algo e o de um hospital é um paciente curado. O produto de uma igreja é um fiel cuja vida está sendo mudada. A tarefa das organizações do setor social é criar saúde e bem-estar.

Cada vez mais essas organizações do setor social servem a uma segunda finalidade, igualmente importante. Elas criam cidadania. A sociedade e as formas de governo modernas tornam-se tão grandes e complexas que a cidadania – isto é, a participação responsável – não mais é possível. Tudo o que se pode fazer como cidadãos é rotar uma vez a cada tantos anos e pagar impostos o tempo todo.

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Como voluntário numa instituição do setor social, uma pessoa pode fazer novamente uma diferença. Nos Estados Unidos, onde existe uma antiga tradição de trabalho voluntário devido à independência das igrejas, quase um em cada dois adultos está trabalhando no mínimo três – e com frequência cinco – horas semanais como voluntário numa organização do setor social. A Grã-Bretanha é o único país com uma tradição semelhante, embora lá sua extensão seja muito menor (em parte porque o estado britânico do bem-estar social é muito mais abrangente, mas principalmente porque ela tem uma igreja estabelecida – para pelo Estado e dirigida como um serviço civil). Fora dos países de língua inglesa, a tradição de trabalho voluntário é muito menor. Na Europa e no Japão, o Estado moderno é francamente hostil a qualquer coisa que cheire a trabalho voluntário, principalmente na França e no Japão, onde este é suspeito de ser fundamentalmente subversivo.

Mas até mesmo nesses países as coisas estão mudando, porque a sociedade do conhecimento necessita do setor social, e este de voluntários. Mas os trabalhadores do conhecimento também necessitam de uma tarefa na qual possam atuar como cidadãos e criar uma comunidade. O local de trabalho não lhes dá isso. Nada foi desmentido tão depressa como o conceito do “homem da organização”, o qual era amplamente aceito há sessenta anos. De fato, quanto mais satisfatório o trabalho do conhecimento, mais as pessoas precisam de uma esfera separada de atividade comunitária.

Muitas organizações do setor social irão se tornar parceiras do governo, como no caso de muitas privatizações, nas quais, por exemplo, uma cidade paga pela limpeza das ruas e uma empreiteira executa o trabalho. No ensino americano ao longo do século vinte e um, haverá cada vez mais variedade de escolas, algumas públicas e outras privadas e altamente dependentes da receita dos vales. Essas organizações competem claramente com ele. O relacionamento entre as partes ainda precisa ser determinado, pois não tem precedentes.

A definição de desempenho para organizações do setor social, especialmente daquelas que, pelo fato de não terem fins lucrativos, carecem da disciplina de um lucro financeiro, também precisa ser elaborada. Sabe-se que as organizações do setor social precisam ser gerenciadas. Mas o significado preciso de gerenciamento para a organização do setor social está apenas começando a ser estudado. Com respeito ao gerenciamento da organização sem fins lucrativos, o mundo está hoje, em muitos aspectos, onde estava há setenta ou oitenta anos com respeito ao gerenciamento da empresa: o trabalho está apenas começando.

Mas uma coisa já está clara. A sociedade do conhecimento necessita ser uma sociedade de três setores: um setor público de governo, um privado de empresas e um social (alguns autores ainda citam um quarto setor de economia informal e a existência incômoda de um quinto setor do crime organizado – que é o que movimentaria a maior quantidade de recursos). Drucker afirma que está ficando cada vez mais claro que através do setor social, uma sociedade desenvolvida moderna pode novamente criar cidadania responsável e realizadora e dar novamente às pessoas - em especial aos trabalhadores do conhecimento – uma esfera na qual elas possam fazer uma diferença na sociedade e recriar a comunidade.

Sociedade do conhecimento: o fim das fronteiras nacionais

O conhecimento tornou-se o recurso-chave, tanto para o poder militar como econômico de uma nação. Este conhecimento somente pode ser adquirido através de escolaridade. Ele não está ligado a nenhum país – é portátil. Pode ser criado em qualquer parte, de forma rápida e

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barata. O conhecimento como recurso-chave é fundamentalmente diferente dos recursos-chave tradicionais dos economistas: terra, mão-de-obra e até mesmo capital.

O fato de o conhecimento ter se tornado o recurso-chave significa que existe uma economia mundial e que esta tem o controle, e não a economia nacional. Cada país, indústria e empresa será um ambiente cada vez mais competitivo. Cada um destes terá de considerar em suas decisões sua posição competitiva na economia mundial e a competitividade das suas competências de conhecimento.

Em todos os países, os políticos e as polícias ainda se centralizam em questões domésticas. Poucos políticos, jornalistas ou servidores civis olham para além das fronteiras do seu próprio país quando novas medidas, como impostos, regulamentações de empresas ou gastos sociais estão sendo discutidas. Isto é verdade até mesmo na Alemanha – o grande país europeu mais consciente e dependente de exportações. Quase ninguém no ocidente perguntou, em mil novecentos e noventa, o que os gastos desenfreados na parte oriental iriam causar à competitividade da Alemanha.

Isto não poderá mais acontecer. Todo país e toda indústria terão de aprender que a primeira pergunta não é: “Esta medida é desejável?”, mas sim: “Qual será o impacto sobre a posição competitiva do país ou da indústria na economia mundial?” É preciso desenvolver em política alguma coisa semelhante à declaração de impacto ambiental, a qual é hoje exigida nos Estados Unidos para qualquer ação do governo que afete a qualidade do meio ambiente: é preciso uma declaração de impacto competitivo. O impacto sobre a posição competitiva de alguém na economia mundial não deve ser necessariamente o fator principal numa decisão, mas tomar uma decisão sem considerá-lo tornou-se irresponsável.

O fato de o conhecimento ter se tornado o recurso-chave significa que a posição de um país na economia mundial irá, cada vez mais, determinar sua prosperidade. Desde mil novecentos e cinquenta, a capacidade de um país para melhorar sua posição na economia mundial tem sido o principal – e talvez o único – determinante de desempenho da sua economia doméstica. As políticas monetárias e fiscais têm se mostrado praticamente irrelevantes, para melhor ou para pior (com a única exceção das políticas governamentais que criam inflação, a qual em pouco tempo prejudica tanto a posição competitiva do país na economia mundial como sua estabilidade doméstica e sua capacidade de crescimento).

A primazia dos assuntos externos é um antigo preceito político que, na política europeia, remonta ao século dezessete. Desde a Segunda Guerra Mundial, ele também foi aceiro na política americana – embora com relutância e somente em emergências. Ele sempre significou que a segurança militar deveria ter prioridade sobre as políticas domésticas e, provavelmente, é isso que continua significando, com ou sem Guerra Fria. Mas a primazia dos assuntos externos está hoje adquirindo uma dimensão diferente: a posição competitiva de um país na economia mundial – e também a de uma indústria ou organização – deve ser a primeira consideração em suas políticas e estratégias domésticas. Isto é verdade para um país apenas marginalmente envolvido na economia mundial (se é que ainda existe um), para uma empresa apenas marginalmente envolvida na economia mundial, e para uma universidade que se considera totalmente doméstica. O conhecimento não conhece fronteiras. Não há conhecimento doméstico, nem internacional, mas somente o conhecimento. E com ele se transformando no recurso-chave, existe apenas uma economia mundial, embora a organização individual, em suas atividades do dia-a-dia, opere dentro de um cenário nacional, regional ou mesmo local.

Política partidária: integração de grupos divergentes

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As tarefas sociais estão, em escala crescente, sendo executadas por organizações especializadas, cada uma criada para somente uma tarefa: educação, cuidados com a saúde, limpeza de ruas e outras atividades não privativas de Estado. Portanto, a sociedade está rapidamente se tornando pluralista. Contudo, as teorias políticas e sociais ainda assumem que não existem centros de poder além do governo. Na verdade, a destruição ou, no mínimo, a naturalização de todos os outros centros de poder foi i impulso da política ocidental a partir do século quatorze. Este impulso culminou nos séculos dezoito e dezenove, quando – exceto nos Estados Unidos – as antigas instituições que ainda sobreviviam, como universidades e igrejas, foram transformadas em órgãos do estado e seus funcionários em servidores civis. Mas a partir de meados do século dezenove, surgiram novos centros, o primeiro deles – a empresa moderna – por volta de mil oitocentos e setenta. E desde então não pararam de surgir novas organizações.

As novas instituições – o sindicato trabalhista, o hospital moderno, a megaigreja, a universidade de pesquisa – da sociedade das organizações não se interessam pelo Poder Público. Elas não querem se governos, mas elas exigem autonomia com respeito às suas funções – e, na verdade, necessitam dela. Mesmo no auge do stalinismo, os gerentes das grandes empresas eram senhores de seus domínios e as indústrias eram em grande parte autônomas. O mesmo se dava com as universidades, os laboratórios de pesquisa e os militares.

No pluralismo de ontem – em sociedades nas quais o controle era dividido por várias instituições, como na Europa feudal da idade Média - , as organizações pluralistas procuravam estar no controle de tudo aquilo que ocorresse em suas comunidades. No mínimo elas tentavam impedir que outras organizações conseguissem controlar qualquer instituição comunitária dentro de seus domínios. Porém, na sociedade das organizações, cada uma das novas instituições se preocupa somente com a sua finalidade e missão. Ela não reivindica poder sobre mais nada, nem ela assume responsabilidade por mais nada. Quem, então, se preocupa com o bem comum?

Este sempre foi um problema central do pluralismo. Nenhum sistema pluralista anterior conseguiu resolvê-lo. O problema permanece, mas sob novo disfarce. Até agora, ele tem sido visto como a imposição de limites sobre as instituições sociais (ou do terceiro setor) – proibindo-as de realizar, em busca de suas missões, funções, interesses e que ações inundavam o domínio público ou violem a política pública. As leis contra discriminação – por raça, sexo, idade, nível de educação e assim por diante – que proliferaram nos Estados Unidos nos últimos sessenta anos, proíbem comportamentos socialmente indesejáveis. Mas a sociedade estava cada vez mais levantando a questão da responsabilidade social das instituições sociais: o que devem elas faz ser, além de desempenhar suas funções, para contribuir para o bem público? Entretanto, embora ninguém perceba, esta é uma exigência de retorno ao pluralismo da época feudal, isto é, que entidades privadas assumam o poder público.

Isto pode ameaçar seriamente o funcionamento das novas organizações, como deixa bem claro o exemplo das escolas americanas. Uma das maiores razões para o declínio na capacidade das escolas para realizar seu trabalho, ou seja, ensinar conhecimentos elementares ás crianças, é que, desde os anos cinquenta, os Estados Unidos transformaram cada vez mais as escolas em transmissoras de todos os tipos de políticas sociais: a eliminação da discriminação racial, da discriminação contra todas as outras espécies de minorias, inclusive os incapacitados, entre outras. É discutível se a sociedade conseguiu algum progresso no alívio de males sociais; até agora, as escolas não se mostraram particularmente eficazes como instrumentos de reforma social. Porém, não há dúvida de que transformá-la em órgão de políticas sociais prejudicou seriamente sua capacidade para realizar o trabalho para o qual se destina.

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O novo pluralismo tem um novo problema: como manter a capacidade de desempenho das novas instituições mantendo, ao mesmo tempo, a coesão da sociedade. Isto torna duplamente importante a emergência de um setor social forte e atuante e é uma razão adicional pela qual o setor social (ou terceiro setor) será cada vez mais crucial para o desempenho, senão para a coesão, da sociedade do conhecimento.

Das novas organizações analisadas por Peter F. Drucker, a primeira a surgir, há cento e quarenta anos, foi a empresa. Portanto, era natural que o problema da emergente sociedade de organizações fosse visto inicialmente como o relacionamento governo-empresa. Também era natural que os novos interesses fossem vistos inicialmente como sendo econômicos.

Portanto, a primeira tentativa para controlar a política de emergente sociedade de organizações visava a fazer com que os interesses econômicos servissem ao processo político. O primeiro a perseguir esta meta foi o americano Mark Hanna, restaurador do Partido Republicano, em mil oitocentos e noventa, e sob muitos aspectos, o fundador da política americana do século vinte. Sua definição de política como um desequilíbrio dinâmico entre os grandes interesses econômicos – agricultores, empresas e trabalhadores – foi a base da política americana até a Segunda Guerra Mundial. Franklin D. Roosevelt restaurou o partido Democrata reformulando Hanna. E a posição política básica desta filosofia está evidente no título do livro político mais influente escrito durante os anos do New Deal – Política: Quem obtém o que, quando , como (do ano de mil novecentos e trinta e seis), de autoria de Harold D. Lasswell.

Mark Hanna sabia muito bem, em mil oitocentos e noventa e seis, que há muitas outras preocupações além das econômicas. Contudo, para ele era óbvio, como o era para Roosevelt quarenta anos depois, que os interesses econômicos tinham de ser usados para integrar todos os outros. Esta ainda é a hipótese subjacente à maioria das análises da política americana – e das políticas de todos os países desenvolvidos. Mas esta hipótese não é mais sustentável, pelo menos na visão de Peter F. Drucker. Por baixo da fórmula de interesses econômicos de Hanna está a visão de terra, mão-de-obra e capital como recursos existentes. Mas o conhecimento, o novo recurso para o desempenho econômico, não é em si mesmo econômico.

Ele não pode ser comprado, nem vendido. Seus frutos, como a renda de uma patente, podem ser comprados ou vendidos, mas o conhecimento que entrou na patente não pode ser transferido a nenhum preço. Por mais que um doente queira pagar a um neurocirurgião, este não pode lhe vender – nem lhe transferir – o conhecimento que constitui a base do seu desempenho e da sua renda. A aquisição de conhecimento, como a aquisição de qualquer coisa, tem um custo, mas não preço.

Portanto, os interesses econômicos não podem mais integrar todos os outros interesses. Quando o conhecimento transformou-se no recurso-chave econômico, a integração de interesses – e com ela a integração do pluralismo com uma política moderna de governo – começou a ser perdida. Os interesses não-econômicos estão, cada vez mais, se transformando no novo pluralismo – os interesses especiais, as organizações de causa única e assim por diante.

A política questiona cada vez menos quem obtém o que, quando e como e mais de valores, cada um dos quais considerado absoluto. Ela trata do direito do feto à vida contra o direito da mulher de controlar seu próprio corpo e abortar (ou interromper) a gravidez. Ela cuida do meio ambiente e da conquista da igualdade por parte de grupos oprimidos e discriminados. Nenhuma dessas questões é econômica. Todas são fundamentalmente morais.

Os interesses econômicos são passíveis de compromissos; esta é a grande vantagem de se basear neles a política. “A metade de uma bisnaga ainda é pão” é um ditado significativo. Mas a metade de um bebê, na história bíblica do julgamento de Salomão, não é meia criança.

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Não há possibilidade de compromisso. Para um ambientalista, a metade de uma espécie ameaçada é uma espécie extinta.

Isto agrava enormemente a crise do governo moderno. Os jornais e comentaristas ainda tendem a relatar em termos econômicos aquilo que acontece em Washington, Londres, Bonn ou Tóquio. Porém, cada vez mais os lobistas que determinavam as leis e ações governamentais não defendem interesses econômicos. Eles defendem ou atacam medidas que consideram de natureza moral, espiritual ou cultural. E cada uma dessas novas preocupações morais representada por uma nova organização afirma defender uma causa absoluta. Dividi-la, como a um pão, não é compromisso, é traição.

Portanto, não existe mais, na sociedade de organizações, uma força integradora que leve as organizações da sociedade e da comunidade a uma coalizão. Os partidos tradicionais – talvez as criações políticas de maior sucesso no século dezenove – não mais conseguem integrar grupos divergentes e pontos de vista diferentes numa busca comum pelo poder. Ao invés disso, eles se transformaram em campos de batalha entre grupos, cada um lutando pela vitória absoluta e não aceitando nada senão a capitulação total do inimigo.

Transformações sociais: inovações políticas

O século vinte e um será certamente de tumultos e desafios sociais, econômicos e políticos contínuos, ao menos em suas primeiras décadas, como prevê Peter F. Drucker. Aquilo que chamou de era da transformação social ainda não terminou. Os desafios que estão à frente podem ser mais sérios e assustadores que aqueles representados pelas transformações sociais já ocorridas no século vinte.

Contudo, não haverá nem chance de resolver esses novos problemas de amanhã, a mesmo que sejam superados antes os desafios representados por aqueles que já são fatos consumados. Essas são as tarefas prioritárias, pois somente se forem enfrentadas será possível esperar ter, nos países desenvolvidos, a coesão social, a força econômica e a capacidade governamental de enfrentar os novos desafios. A primeira ordem de serviço – para sociólogos, cientistas políticos, economistas, educadores, executivos de empresas, políticos e líderes de grupos sem fins lucrativos, para pessoas em todos os caminhos da vida, como pais, funcionários e cidadãos – é trabalhar nestas tarefas prioritárias, para poucas das quais existem precedentes, quanto menos soluções testadas.

1) Será preciso definir educação – sua finalidade, valores, conteúdo. Será necessário aprender a definir a sua qualidade e produtividade, para poder medi-las e gerenciá-las;

2) É necessário trabalhar de forma sistemática na qualidade do conhecimento e na sua produtividade – até agora não definidas. A capacidade de desempenho, senão a sobrevivência, de qualquer organização na sociedade do conhecimento dependerá cada vez mais destes dois fatores, e também a capacidade de desempenho ou de sobrevivência dos indivíduos na sociedade do conhecimento. Qual é a responsabilidade que tem o conhecimento? Quais são as responsabilidades do trabalhador do conhecimento, principalmente daquele altamente especializado?

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3) Cada vez mais, a política de todo país – em especial do desenvolvido – terá de dar primazia à posição competitiva do mesmo numa economia mundial cada vez mais competitiva. Qualquer proposta de política doméstica precisa ser formulada de modo a melhorar essa posição, ou minimizar os impactos adversos sobre ela. O mesmo vale para as políticas e estratégias de qualquer instituição dentro de uma nação, quer ela seja um governo local, uma empresa, uma universidade ou um hospital.

4) É imprescindível o desenvolvimento de uma teoria econômica adequada a uma economia mundial, na qual o conhecimento se tornou o recurso-chave econômico e a fonte dominante – ou única – de vantagem comparativa.

5) A sociedade está começando a compreender o novo mecanismo integrador: a organização. Mas ainda é preciso descobrir como equilibrar dois requisitos aparentemente contraditórios. Cada organização deve desempenhar com competência a única função social para a qual ela existe: a escola para ensinar, o hospital para curar os doentes, e a empresa para produzir bens, serviços ou o capital para enfrentar os riscos do futuro. Isto só será possível se cada uma se concentrar de forma coerente em sua missão especializada. Mas para a sociedade também é importante que essas organizações assumam responsabilidades sociais trabalhando com os problemas e desafios da comunidade. Em seu conjunto, essas organizações são a comunidade. A emergência de um setor social forte, independente e capaz – nem público, nem privado – é, portanto, uma necessidade central da sociedade de organizações. Mas isto não basta – as organizações dos setores público e privado têm de dividir o trabalho.

6) A função do governo e o seu funcionamento precisam ser centrais para pensamento e a ação política. O megaestado que este século favoreceu não apresentou um bom desempenho, nem em sua versão totalitária nem na democrática. Ele não cumpriu nenhuma das suas promessas. E o governo por lobistas que se contrapõem não é particularmente eficaz nem atrativo. Contudo, um governo eficaz nunca foi tão necessário como neste mundo altamente competitivo e em constantes mudanças, no qual os perigos criados pela poluição mundial de armamentos. E nem sabemos como serão a teoria política e as instituições políticas necessárias a um governo eficaz na sociedade de organizações baseadas no conhecimento.

Se o século vinte foi de transformações sociais, o século vinte e um precisará ser de inovações políticas e sociais, cuja natureza ainda não é, para Drucker, tão clara quanto sua necessidade.

Terceiro setor: as ongs e o bem-estar social

A América necessita de uma nova prioridade social: triplicar a produtividade das instituições sem fins lucrativos e dobrar a parcela de renda pessoal bruta – hoje pouco abaixo de três por cento – que elas recebem como doações. Caso contrário, o país irá enfrentar, dentro de poucos anos, uma polarização social.

O governo federal e os governos estaduais e municipais terão de reduzir drasticamente seus gastos, independente de quem estiver no poder. Além disso, ele tem se mostrado incompetente na solução de problemas sociais. Praticamente todos os sucessos que foram obtidos foram conseguidos por instituições sem fins lucrativos.

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Os grandes avanços em saúde e longevidade têm sido patrocinados, dirigidos e, em grande parte, financiados por instituições como a American Heart Association e a American Mental Health Association. Os resultados obtidos na reabilitação de viciados a instituições como os Alcoólicos Anônimos, o Exército da Salvação e os Samaritanos são devidos são devidos a estas instituições. As escolas nas quais estudam quase todas as crianças de minorias étnicas que habitam zonas centrais das grandes cidades são paroquiais e patrocinadas por Ligas Urbanas. O primeiro grupo a prover alimentos e abrigo aos curdos que fugiram de Saddam Hussein foi uma instituição americana sem fins lucrativos, o International Rescue Committee.

Muitos dos sucessos mais estimulantes estão sendo conseguidos por pequenas organizações locais. Um exemplo é o pequeno Judson Center em Royal Oak, Michigan, um subúrbio industrial de Detroit; ele tira mulheres negras e suas famílias da inatividade dos bem-estar social e também crianças severamente incapacidades de instituições e as leva de volta à sociedade.

O Judson Center treina mães desempregadas, que vivem de verbas de bem-estar social, para criar, em troca de um pequeno salário, duas ou três crianças incapacitadas ou emocionalmente perturbadas. A taxa de reabilitação para essas mães é de quase cem por cento; em cinco anos, muitas delas são empregadas em instituições de reabilitação. A taxa de reabilitação para as crianças, que caso contrário estariam condenadas ao confinamento em instituições por toda a vida, é de cerca de cinquenta por cento, apesar do fato de todas elas terem sido consideradas casos sem esperança.

As instituições sem fins lucrativos gastam muito menos, para obter resultados do que o governo para fracassar. O custo por aluno nas escolas paroquiais da Arquidiocese de Nova Iorque – setenta por cento dos quais permanecem na escola, deixam as ruas e se formam com alto grau de alfabetização e aptas para trabalhar – é a metade daquele das deficientes escolas públicas da cidade.

Dois terços dos delinquentes primários postos em liberdade condicional sob a custódia do Exército da Salvação na Flórida são “permanentemente” reabilitados, isto é não são condenados por outro crime por no mínimo seis anos. Se fossem para a prisão, dois terços deles tornar-se-iam criminosos habituais. Contudo, um prisioneiro custa no mínimo duas vezes mais que uma pessoa colocada sob custódia do Exército da Salvação.

O Judson Center proporciona ao estado de Michigam uma economia de cem mil dólares anuais para cada mãe retirada do sistema de bem-estar social – um terço do custo dela própria e dois terços nos custos de manutenção das crianças em instituições públicas.

Embora a maioria dos alunos de faculdades e universidades particulares receba algum tipo de ajuda financeira, seus pais ainda pagam mais que os pais de alunos de universidades e faculdades estaduais. Porém, o ensino na universidade estadual custa muito mais – em alguns Estados o dobro – do que numa instituição privada e sem fins lucrativos – e a diferença é paga pelo contribuinte.

As instituições sem fins lucrativos têm potencial para se tornaram o setor social dos Estados Unidos – igual em importância aos setores público e privado. O sistema de prestação de serviços já está instalado: existem hoje em torno de novecentas mil instituições, em sua maioria próximas aos problemas das suas comunidades. Cerca de trinta mil foram criadas em mil novecentos em noventa (o último ano para o qual há dados disponíveis e publicados), praticamente todas dedicadas a ações locais sobre um problema: cuidar de crianças de minorias, fornecer ombudsmen (ouvidorias) para pacientes do hospital local e ajudar imigrantes a vencer a burocracia do governo.

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A classe média americana, que há quarenta anos atrás achava que cumpra seus deveres sociais preenchendo um cheque, hoje se empenha cada vez mais em ser ativa. De acordo com as estatísticas disponíveis, existem hoje cerca de noventa milhões de americanos – um em cada dois adultos – trabalhando como voluntários em instituições sem fins lucrativos três horas em média por semana as quais se tornaram o maior empregador da América.

Em escala cada vez maior, esses voluntários não encaram seu trabalho como caridade, mas como uma carreira paralela às suas atividades remuneradas e insistem em serem treinados, em serem responsáveis por resultados e desempenho e por oportunidades para ascender a posições gerenciais – embora não remuneradas – na instituição. Acima de tudo, eles veem no trabalho voluntário um meio de acesso à realização, à eficácia, à auto-satisfação e à cidadania. É por esta razão que há mais candidatos a trabalhos voluntários do que posições a preencher.

Alguns observadores (como Brian O’Connell, chefe da Independent Sector, a associação nacional das grandes instituições sem fins lucrativos) acreditam que, dentro de dez anos, dois terços dos adultos americanos – cento e vinte milhões – irão trabalhar como voluntários cinco horas por semana, dobrando a capacidade disponível para trabalho em instituições.

E as instituições estão se tornando altamente inovativas. Quando alguns amigos de Peter F. Drucker e ele próprio fundaram em mil novecentos e noventa, a Peter F. Drucker Foundation for Non Profit Management, planejaram como o primeiro evento público um prêmio de vinte e cinco mil dólares à inovação que criasse uma nova e significativa dimensão de desempenho para instituições sem fins lucrativos. Eles esperavam receber quarenta inscrições, mas receberam oitocentas e nove – e a maioria delas merecia um prêmio.

O prêmio foi para o Judson Center, mas as grandes instituições são, em muitos casos, tão inovativas quanto as pequenas. Com vários bilhões de dólares de receita, a Family Service America – sediada em Milwaukee – tornou-se maior que muitas empresas das listas das quinhentas maiores empresas do mundo da revista Fortune; é provável que hoje ela só perca em tamanho para a Cruz Vermelha. Seu crescimento fenomenal foi em parte conseguido através de contratos com grandes empregadores, como a General Motos, para auxiliar famílias de funcionários com problemas como vícios ou perturbações emocionais de filhos adolescentes.

Três coisas são necessárias para que o potencial dessas instituições se torne realidade. Em primeiro lugar, a instituição sem fins lucrativos média acredita que boas intenções e um coração puro são tudo o que é preciso. Elas não veem a si mesmas como responsáveis por desempenho e resultados. Muitas dividem seus esforços ou os desperdiçam com problemas inexistentes e com atividades que seriam executadas melhor – e mais barato – por uma empresa.

Em segundo lugar, as instituições sem fins lucrativos precisam aprender a levantar dinheiro. O público americano não se tornou menos generoso – há poucas evidências da fadiga de compaixão de que falam as instituições. As doações têm crescido muito nestes últimos anos: de dois e meio para quase três por cento da renda pessoal. Infelizmente, muitas instituições ainda acreditam que a maneira de obter dinheiro é proclamar necessidades. Mas o público americano faz doações para ver resultados. Dos apelos caritativos que Drucker recebeu pelo correio toda semana, normalmente apenas um fala de resultados – aquele que recebe o cheque da fundação.

As instituições sem fins lucrativos terão de obter o dinheiro adicional de que necessitam principalmente de pessoas físicas, como sempre fizeram. Mesmo que haja dinheiro do governo – principalmente através de vales – e de empresas, este supre somente uma fração das necessidades.

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Finalmente, há necessidade de uma mudança na atitude do governo e das suas burocracias. O Presidente Bush (pai) falava com ardor da importância das instituições sem fins lucrativos como os milhares de pontos de luz. Se ele acreditasse realmente nisso, deveria ter proposto que se permitisse aos contribuintes reduzir um dólar e dez centavos para cada dólar que doassem em dinheiro a instituições sem fins lucrativos. Isto resolveria imediatamente os problemas financeiros dessas instituições e poderia reduzir os déficits do governo a médio prazo, pois uma instituição bem administrada obtém de cada dólar no mínimo o dobro daquilo que obtém uma agência oficial.

Entretanto, ao invés de uma política deste gênero, há os colaboradores de impostos fazendo o possível para penalizar e cortar doações a instituições sem fins lucrativos. Cada uma dessas providências é apresentada como o fechamento de m furo fiscal; nenhuma delas rendeu um centavo de receita adicional e provavelmente nunca irá fazê-lo.

O motivo real para essas providências é a hostilidade da burocracia em relação às instituições sem fins lucrativos – não muito diversa da sua hostilidade aos mercados e à empresa privada dos antigos países comunistas. O sucesso dessas instituições solapa o poder da burocracia e nega sua ideologia. Pior ainda, a burocracia não pode admitir que essas instituições tenham sucesso onde o governo fracassa. Portanto, é necessária uma política pública que estabeleça as instituições sem fins lucrativos como primeira linha de ataque do país aos seus problemas sociais.

Peter F. Drucker, em seu livro intitulado “A idade da descontinuidade”, do ano de mil novecentos e sessenta e nove, propôs a privatização; todos os críticos disseram que ela nunca iria acontecer e hoje a privatização é amplamente considerada a cura para as economias modernas mal administradas por burocracias socialistas. É preciso agora aprender que a não-lucratividade pode ser, para as sociedades modernas, a saída para a má administração das burocracias do bem-estar social.

Sociedade do conhecimento: do trabalho com as coisas para os serviços

Em todas as culturas e civilizações, em qualquer trabalho que requer aptidões ou confere status, os papeis de homens e mulheres foram distintos e separados, exceto nas últimas décadas. A crença de que as funções e a posição social das mulheres eram sempre inferiores às dos homens era, na melhor das hipóteses, meia verdade. Entretanto, na sociedade do conhecimento de hoje, cada vez mais os homens e mulheres têm as mesmas funções e estão competindo na mesma arena.

Trata-se ainda de um experimento, embora praticamente todos os países desenvolvidos (começando, é claro, com os Estados Unidos) estejam empenhados nele. Pelo que se sabe, o experimento pode fracassar e ser abandonado depois de algumas décadas. Peter F. Drucker acha isso teoricamente improvável, mas com possibilidade de ocorrer. Afinal, o movimento que o precedeu, foi o feminista – que teve início no começo do século dezenove e via a liberdade para as mulheres no fato de elas não terem de trabalhar, sendo seu modelo a dona-de-casa culta de classe média, - e que é hoje amplamente (mas não unanimemente) considerado um erro e um fracasso.

Historicamente, as mulheres sempre trabalharam tão duro quanto os homens. Um fazendeiro precisava ter uma mulher e esta, por sua vez, ter um marido fazendeiro. Um artesão

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precisava ter uma mulher, e esta, por outro lado, ter um marido ourives ou sapateiro. Nenhum podia cuidar sozinho do negócio. O lojista precisava de uma mulher e nenhuma mulher sozinha seria capaz de cuidar de uma loja.

Porém, homens e mulheres faziam o mesmo trabalho quando este fosse doméstico. Ambos cavavam fossas e trabalhavam juntos: colhiam algodão nos campos. Mas qualquer trabalho que envolvesse habilidade, conferisse posição social ou promovesse renda acima da subsistência mínima era segregado por sexo. Uma fiandeira era mulher e os oleiros sempre homens.

Em todas a sociedades primitivas estudadas pelos antropólogos, os trabalhos que requeriam habilidades ou cavam posição social eram estritamente separados por sexo. Nas ilhas Trobiand, no Oceano Pacífico, estudadas por Bronislaw Malinowski (que vivei de mil oitocentos e oitenta e quatro a mil novecentos e quarenta e dois), enquanto os homens construíam barcos, tripulavam-nos e pescavam, as mulheres cultivavam a terra e plantavam inhame. Os homens davam metade de seus peixes às mulheres e estas a metade de suas colheitas.

Essa segregação sexual ainda era a regra no século dezenove, na Europa e na América. A primeira das novas funções do conhecimento foi a enfermagem, inventada por Florence Nightingale em mil oitocentos e cinquenta e quatro, durante a Guerra da Crimeia. Ela foi concebida para ser um trabalho exclusivamente de mulheres. Depois que a máquina de escrever tornou-se comum nos escritórios, a função de secretária logo tornou-se feminina. Desde o início, as telefonistas eram mulheres; os instaladores de telefones eram homens.

Até recentemente feminismo significava estender a separação das funções por sexo até os trabalhos domésticos que homens e mulheres faziam em conjunto. A partir de mil oitocentos e cinquenta, quando teve início a agitação para limitar as horas de trabalho das mulheres nas indústrias, o objetivo do feminismo tradicional era ampliar o escopo de ocupações, nas quais havia trabalho de homens e mulheres, com cada esfera claramente definida e limitada somente às pessoas de um sexo.

Tão logo houve um número substancial de cargos dos conhecimentos, as mulheres começaram a se qualificar para eles e ocupá-los. O movimento começou nas últimas décadas do século passado com o ensino e ganhou impulso depois da Primeira Guerra Mundial. Na verdade, a era das notáveis líderes americanas não é a de hoje. Nos anos trinta e quarenta, uma constelação de mulheres excepcionais dominou o cenário americano: Eleanor Roosevelt e Frances perkins no governo e na política, Anna Rosemberg em gerência de pessoal e relações industriais, meia dúzia de presidentes de escolas femininas, Helen Taussig em medicina, Lilian Hellman e Clare Boothe Luce como dramaturgas, Dorothy Thompson em negócios externos e jornalismo. Hilary Clinton representa uma volta a esta geração anterior.

O movimento das mulheres em direção aos mesmos tipos de trabalho do conhecimento dos homens intensificou-se a partir da Segunda Guerra Mundial e se tornou uma causa os últimos quarenta anos. Por seu lado, os homens, em números crescentes, estão entrando naquela que foi, por mais de um século, a única profissão do conhecimento exclusivamente feminina: a enfrmagem. Dois quintos dos enfermeiros anestesitas nos Estados Unidos – todos eles diplomados – são homens.

Quando mais alto o nível do trabalho do conhecimento, maior a probabilidade de homens e mulheres estarem fazendo o mesmo trabalho. Ser uma secretária num banco ainda significa ser mulher, mas uma vice-presidência no mesmo banco pode ser ocupada por um homem ou uma mulher. Cada vez mais, aquilo que a geração de feministas via como um avanço da posição feminina – por exemplo, proibir mulheres de realizarem trabalhos fisicamente

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perigosos – agora é visto pelas feministas como discriminação contra as mulheres, ou até mesmo opressão.

A menos que esse movimento desapareça – ou volte a um ponto no qual mulher de carreira seja novamente a exceção que era há meio século, ele terá um forte impacto não só sobre as forças de trabalho e as carreiras mas também nas famílias.

Através dos tempos, todas as tentativas para se tirar os filhos de suas mães e colocá-los em instituições coletivas – como era em Esparta, na antiguidade grega – provocavam profundos ressentimentos nas mulheres e foram por elas combatidas. Elas achavam que tais movimentos privavam-nas de suas legítimas de poder, influência e contribuição. Hoje, a demanda por creches para cuidar de crianças enquanto suas mães trabalham é considerada crucial para a igualdade da mulhere e seu direito.

Através dos tempos, era um axioma que a primeira tarefa da mulher adulta era manter a família unida e cuidar dos filhos e a primeira responsabilidade do homem era sustentá-los. o feminismo de hoje, especialmente em sua forma radical, considera discriminatório o papel da mulher como dona-de-casa e provedora de cuidados para os filhos. Ao mesmo tempo, a mãe sozinha, que não necessita de um homem para sustentar seus filhos, libera o pai da responsabilidade pela família. Então, o que irá significar família amanhã, caso persistam essas tendências? E o que isso significará para a comunidade e a sociedade?

Tudo isso ainda é um tanto especulativo. Mas este fato, que escapa a qualquer coisa que a economia, a sociologia e a ciência política tradicionais sempre consideraram pertencer às suas competências, poderá ser visto daqui a cem anos como a inovação social distintiva do século vinte. Ele é uma reversão de toda a história e todas as tradições.

No século vinte, a força do trabalho nos países desenvolvidos passou do trabalho manual de fazer e mover coisas – em fazendas, fábricas e minas – para o trabalho do conhecimento e em serviços. Esta é uma mudança importante dos papeis dos eixos no trabalho do conhecimento que afeta profundamente a maneira pela qual vive-se.

Ajuste fiscal: impacto significativo mas com percepção diluída

A promessa do ex-vice-presidente, dos Estados Unidos, Al Gore de reinventar o governo, proclamada com grande alarde no primeiro ano da gestão Clinton, produziu somente um bocejo nacional (a promessa semelhante, feita “Contrato com a América” dos republicanos no ano anterior, não teve inicialmente uma resposta melhor). Desde então, não tem havido falta de publicidade a respeito da iniciativa de Gore. Notas sucessivas à imprensa têm anunciado a reinvenção de agências ou programas; grandes conferências, uma delas presidida pelo próprio Clinton, têm sido realizadas, além de muitas aparições na televisão. De todos os programas domésticos do governo Clinton, este foi um no qual houve resultados e não apenas discursos. Contudo, nem o público nem a imprensa mostrou, à época, muito interesse. E as eleições que reconduziram o seu governo a um segundo mandato dificilmente poderiam ter sido consideradas um voto de confiança no desempenho da administração na reinvenção do governo.

Há boas razões para isso. Em qualquer instituição fora do governo federal, as mudanças que estão sendo alardeadas nem mesmo seriam anunciadas, exceto talvez no quadro de avisos do corredor. Elas são coisas do tipo que um hospital espera que suas enfermeiras façam por

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conta própria, que um banco espera que os gerentes de agências façam por si só e que até mesmo uma fábrica mal dirigida espera de seus supervisores – sem muitos elogios, nem recompensas extras.

Seguem alguns exemplos – infelizmente, bastante típicos:

1) Em Atlanta, Geórgia, seis programas diferentes de bem-estar social, cada um deles com escritório e pessoal próprios, foram consolidados para prestar serviços “de uma só parada”. O programa “Reinventando” está atendendo aos telefonemas da primeira chamada, tão pequeno é o interesse despertado;

2) Em Ogden, Utah, e Oakland, Califórnia, entre outros locais, o IRS (equivalente à Receita Federal do Brasil – RFB) também está experimentando tratar os contribuintes como clientes e com serviços centralizados, nos quais cada funcionário, ao invés de mandar contribuições de uma repartição à outra, dispõe de informações para responder às suas perguntas;

3) E Export-Import Bank foi reinventado. Espera-se agora que ele faça aquilo para o que foi instituído há oitenta anos: ajudar pequenas empresas a obter financiamentos para exportação;

4) O escritório de Pesquisa Geológica em Denver existe para vender mapas dos Estados Unidos ao público. Mas é quase impossível descobrir quais mapas pedir e como pedi-los, uma vez que o catálogo está cuidadosamente oculto; O próprio fato de um mapa estar sendo procurado pelo público praticamente garante que não será possível obtê-lo. Ele não pode ser reimpresso simplesmente porque o público quer comprá-lo; outra agência do governo precisa pedi-lo para uso interno. Portanto, se um mapa vende bem, esgota-se imediatamente. Além disso, o depósito é tão mal iluminado que quando chega um pedido para mapa, os funcionários não conseguem achá-lo. A força-tarefa criada para reinventar tudo isso, pelo menos sete meses depois, o máximo que conseguiu foi iluminar melhor o depósito e efetuar algumas pequenas melhorias.

Todavia, para o futuro estão sendo prometidas realizações mais ambiciosas:

1) O Departamento de Agricultura propõe reduzir suas agências de quarenta e duas para trinta, fechar mais de mil escritórios de campo e eliminar onze mil empregos, economizando cerca de três bilhões e seiscentos milhões de dólares em cinco anos;

2) Das trezentas e oitenta e quatro maneiras recomendadas para reinventar o governo identificadas pelo ex-vice-presidente americano em mil novecentos e noventa e três, cerca de metade estava sendo propostas no orçamento para o ano fiscal de mil novecentos e noventa e cinco. Se todas as recomendações tivessem sido aceitas pelo Congresso, deveriam ter resultado em economias de doze bilhões e quinhentos milhões de dólares nos dois anos que se seguiram.

No entanto, nem o enxugamento do Departamento de Agricultura nem as trezentas e oitenta e quatro recomendações do então vice-presidente eram novidades. Sabe-se há muito que grande parte dos escritórios agrícolas estão em cidades e subúrbios, onde não há mais agricultores. Seu fechamento foi inicialmente proposto no governo Eisenhower. A maioria das recomendações de Gore, foi feita há trinta anos, no relatório Grace, durante o governo Reagan.

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Também não era certo se todas aquelas propostas e recomendações iriam se tornar leis. Mike Epsy anunciou grandes cortes no inchado Departamento de Agricultura em seis de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, mas se demitiu em trinta e um de dezembro, e nada garantia que haveria alguém na chefia do Departamento empenhado naquelas mudanças.

Mesmo se todas aquelas propostas tivessem sido aprovadas, os resultados teriam sido triviais. A economia que o Departamento de Agricultura propôs, de três bilhões e seiscentos milhões de dólares em cinco anos, significaria setecentos e vinte milhões de dólares por ano – cerca de um por cento do orçamento anual do Departamento de quase setenta bilhões. Uma economia de doze bilhões e quinhentos milhões de dólares parecia grande, mas em dois anos o governo federal gasta três trilhões de dólares. Assim, uma economia anual de seis bilhões de dólares – e isto estava muito acima daquilo que o Congresso estava disposto a aceitar – não passaria de um corte de dois décimos de um ponto percentual do orçamento. Certamente, a única maneira para descrever os resultados dos esforços de Gore até aquele momento era como o velho refrão latino: “A montanha pariu um rato”. Ou seja, em termos numéricos, algo insignificante. Já em termos de efeito moral na economia a longo prazo e não verificável no momento, talvez algo com impacto significativo mas com percepção diluída.

A promessa do ex-vice-presidente, dos Estados Unidos, Al Gore de reinventar o governo, proclamada com grande alarde no primeiro ano da gestão Clinton, produziu somente um bocejo nacional (a promessa semelhante, feita “Contrato com a América” dos republicanos no ano anterior, não teve inicialmente uma resposta melhor). Desde então, não tem havido falta de publicidade a respeito da iniciativa de Gore. Notas sucessivas à imprensa têm anunciado a reinvenção de agências ou programas; grandes conferências, uma delas presidida pelo próprio Clinton, têm sido realizadas, além de muitas aparições na televisão. De todos os programas domésticos do governo Clinton, este foi um no qual houve resultados e não apenas discursos. Contudo, nem o público nem a imprensa mostrou, à época, muito interesse. E as eleições que reconduziram o seu governo a um segundo mandato dificilmente poderiam ter sido consideradas um voto de confiança no desempenho da administração na reinvenção do governo.

Há boas razões para isso. Em qualquer instituição fora do governo federal, as mudanças que estão sendo alardeadas nem mesmo seriam anunciadas, exceto talvez no quadro de avisos do corredor. Elas são coisas do tipo que um hospital espera que suas enfermeiras façam por conta própria, que um banco espera que os gerentes de agências façam por si só e que até mesmo uma fábrica mal dirigida espera de seus supervisores – sem muitos elogios, nem recompensas extras.

Seguem alguns exemplos – infelizmente, bastante típicos:

1) Em Atlanta, Geórgia, seis programas diferentes de bem-estar social, cada um deles com escritório e pessoal próprios, foram consolidados para prestar serviços “de uma só parada”. O programa reinventado está atendendo aos telefonemas da primeira chamada, tão pequeno é o interesse despertado;

2) Em Ogden, Utah, e Oakland, Califórnia, entre outros locais, o IRS (equivalente à Receita Federal do Brasil – RFB) também está experimentando tratar os contribuintes como clientes e com serviços centralizados, nos quais cada funcionário, ao invés de mandar contribuições de uma repartição à outra, dispõe de informações para responder às suas perguntas;

3) E Export-Import Bank foi reinventado. Espera-se agora que ele faça aquilo para o que foi instituído há oitenta anos: ajudar pequenas empresas a obter financiamentos para exportação;

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4) O escritório de Pesquisa Geológica em Denver existe para vender mapas dos Estados Unidos ao público. Mas é quase impossível descobrir quais mapas pedir e como pedi-los, uma vez que o catálogo está cuidadosamente oculto; O próprio fato de um mapa estar sendo procurado pelo público praticamente garante que não será possível obtê-lo. Ele não pode ser reimpresso simplesmente porque o público quer comprá-lo; outra agência do governo precisa pedi-lo para uso interno. Portanto, se um mapa vende bem, esgota-se imediatamente. Além disso, o depósito é tão mal iluminado que quando chega um pedido para mapa, os funcionários não conseguem achá-lo. A força-tarefa criada para reinventar tudo isso, pelo menos sete meses depois, o máximo que conseguiu foi iluminar melhor o depósito e efetuar algumas pequenas melhorias.

Todavia, para o futuro estão sendo prometidas realizações mais ambiciosas:

1) O Departamento de Agricultura propõe reduzir suas agências de quarenta e duas para trinta, fechar mais de mil escritórios de campo e eliminar onze mil empregos, economizando cerca de três bilhões e seiscentos milhões de dólares em cinco anos;

2) Das trezentas e oitenta e quatro maneiras recomendadas para reinventar o governo identificadas pelo ex-vice-presidente americano em mil novecentos e noventa e três, cerca de metade estava sendo propostas no orçamento para o ano fiscal de mil novecentos e noventa e cinco. Se todas as recomendações tivessem sido aceitas pelo Congresso, deveriam ter resultado em economias de doze bilhões e quinhentos milhões de dólares nos dois anos que se seguiram.

No entanto, nem o enxugamento do Departamento de Agricultura nem as trezentas e oitenta e quatro recomendações do então vice-presidente eram novidades. Sabe-se há muito que grande parte dos escritórios agrícolas estão em cidades e subúrbios, onde não há mais agricultores. Seu fechamento foi inicialmente proposto no governo Eisenhower. A maioria das recomendações de Gore, foi feita há trinta anos, no relatório Grace, durante o governo Reagan.

Também não era certo se todas aquelas propostas e recomendações iriam se tornar leis. Mike Epsy anunciou grandes cortes no inchado Departamento de Agricultura em seis de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, mas se demitiu em trinta e um de dezembro, e nada garantia que haveria alguém na chefia do Departamento empenhado naquelas mudanças.

Mesmo se todas aquelas propostas tivessem sido aprovadas, os resultados teriam sido triviais. A economia que o Departamento de Agricultura propôs, de três bilhões e seiscentos milhões de dólares em cinco anos, significaria setecentos e vinte milhões de dólares por ano – cerca de um por cento do orçamento anual do Departamento de quase setenta bilhões. Uma economia de doze bilhões e quinhentos milhões de dólares parecia grande, mas em dois anos o governo federal gasta três trilhões de dólares. Assim, uma economia anual de seis bilhões de dólares – e isto estava muito acima daquilo que o Congresso estava disposto a aceitar – não passaria de um corte de dois décimos de um ponto percentual do orçamento. Certamente, a única maneira para descrever os resultados dos esforços de Gore até aquele momento era como o velho refrão latino: “A montanha pariu um rato”. Ou seja, em termos numéricos, algo insignificante. Já em termos de efeito moral na economia a longo prazo e não verificável no momento, talvez algo com impacto significativo mas com percepção diluída.

Reengenharia: a reinvenção do governo

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A razão dada com maior frequência para essa embaraçosa falta de resultados é a resistência da burocracia. É evidente que ninguém gosta de ser reinventado por um decreto de cima. Na verdade, porém, um resultado positivo do programa, do ex-vice-presidente americano Al Gore, de ajuste fiscal e reestruturação do Estado, foi o apoio entusiástico que ele recebeu dos funcionários públicos – especialmente do pessoal de nível operacional que está em contato diário com o público e se vê constantemente frustrado pela burocracia e por regras sem sentido como aquelas que os impedem de vender os belos mapas da pesquisa geológica, dos quais se orgulham com razão.

A falta de esforço também não é uma explicação. Algumas das pessoas mais dedicadas em Washington se reúnem todas as semanas para produzir esses resultados embaraçosos. Elas incluem os secretários gerais dos principais departamentos do governo. O ex-vice-presidente Gore – um homem incomumente enérgico – pressionou bastante. E a força motriz por trás do empreendimento é Alice Rivlin, ex-diretora do Escritório de Orçamento do Congresso e então diretora do Escritório de Administração e Orçamento.

Essas pessoas capazes estão chegando rapidamente a lugar nenhum, porque sua abordagem básica está errada. Elas estavam tentando remendar e soldar aqui e ali – e isso nunca leva a nada. Não haverá resultados, a menos que haja uma mudança radical na maneira pela qual o governo federal e suas agências são administrados e pagos. O hábito do aperfeiçoamento contínuo precisa ser embutido em todas as agências do governo e ser tornado auto-sustentado.

O aperfeiçoamento contínuo é considerado uma invenção japonesa recente – os japoneses o chamam de kaizen. Mas ele já era usado há quase cem anos nos Estados Unidos. Da primeira Guerra Mundial até os anos oitenta, quando foi dissolvida, a Bell Telephone System aplicou o aperfeiçoamento contínuo a cada uma das suas atividades e processos, quer se tratasse da instalação de um telefone numa casa ou na fabricação de mesas telefônicas. Para cada uma delas a Bell definia resultados, desempenho, qualidade, custo e fixava uma meta anual de melhoramento. Os seus gerentes não eram premiados por atingir tais metas, mas aqueles que não as alcançavam raramente tinham uma segunda chance.

Outro item necessário – e também uma antiga invenção da Bell Telephone – é o benchmarking: comparar, todos os anos, o desempenho de uma operação ou agência do serviço com o desempenho de todas as outras, com o melhor tornando-se o padrão a ser atingido por todas no ano seguinte.

Aperfeiçoamento contínuo e benchmarking são praticamente desconhecidos nas agências do serviço civil do governo dos Estados Unidos. Eles aspiram mudanças radicais em políticas e práticas, as quais provocam resistência por parte da burocracia, dos sindicatos dos servidores federais e do Congresso. Além disso, tencionam que cada agência e escritório dentro dela defina o seu objetivo de desempenho, qualidade e custo. O aperfeiçoamento contínuo e o benchmarking também precisam de incentivos diferentes. Uma agência que não melhorasse seu desempenho, um mínimo prefixado, teria seu orçamento cortado, como na Bell Telephone. E o gerente cuja unidade ficasse consistentemente abaixo do padrão fixado pelos melhores desempenhos seria penalizado em termos de remuneração e de possibilidade de promoção. Aqueles com mau desempenho seriam finalmente rebaixados ou demitidos.

Mas nem mesmo essas mudanças, embora consideradas radicais por quase todos no congresso ou na burocracia federal, poderiam garantir por si só que algo fosse feito, porque aquilo que não será feito sempre poderá ser melhorado; assim, normalmente vemos os maiores melhoramentos em coisas que não são executadas.

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Toda organização, seja biológica ou social, precisa mudar sua estrutura básica caso mude seu porte de forma significativa. Toda organização que dobra ou triplica seu tamanho precisa ser reestruturada. Analogamente, qualquer organização, seja ela uma empresa ou uma agência de governo, precisa repensar a si mesma quando tem mais de quarenta ou cinquenta anos. Ela superou suas políticas e regras de comportamento e se continuar com seus velhos hábitos, tornar-se-á ingovernável, inadministrável, incontrolável.

A parte civil do governo americano superou seu tamanho e suas políticas. Hoje ela é muito maior do que durante a administração Eisenhower. Sua estrutura, suas políticas e regras para governar e administrar pessoas remontam ainda a mais longe. Elas foram desenvolvidas na administração McKinley depois do ano de mil oitocentos e noventa e seis e concluídas na administração de Herbert Hoover entre mil novecentos e vinte e nove e mil novecentos e trinta e três.

Certamente, não faz sentido culpar este ou aquele presidente pela desordem do governo. Não é culpa dos partidos políticos; o governo ultrapassou as estruturas, políticas e regras para ele concebidas e ainda em uso.

Downsizing: encolhendo para crescer

Numa situação de desordem, a primeira reação é sempre fazer aquilo que o ex-vice-presidente, dos Estados Unidos, Al Gore e seus associados fizeram: remendar. Nunca dá certo. O passo seguinte foi recorrer aos cortes. A administração pega um facão e sai dando golpes indiscriminadamente. Foi isso que tanto os então oposicionistas republicanos quanto a administração Clinton se propuseram a fazer na época. Nos últimos trinta e cinco anos, todas as grandes empresas americanas fizeram isso, entre elas a IBM, a Sears e a GM. Cada uma anunciou antes que a demissão de dez mil, vinte mil ou mesmo cinquenta mil pessoas – mais uma vez, sem resultados. Na maioria dos casos, os cortes de pessoal mostraram ser aquilo contra o que os cirurgiões por séculos sempre alertaram: amputação antes do diagnóstico. O resultado é sempre um incapacitação.

Mas houve algumas organizações – grandes empresas (a General Eletric, por exemplo) e grandes hospitais (como o Beth Israel, em Boston) – que, em silêncio, sem alarde, se reformularam, repensando a si mesmas. Elas não começaram pelos cortes e sabiam que iniciar pela redução de gastos não seria o caminho para conseguir o controle dos custos. O ponto de partida é identificar as atividades que são produtivas, que devem ser fortalecidas, promovidas e expandidas. Toda agência, política, atividade e programa devem ser confrontados com as seguintes perguntas: “Qual é sua missão?”, “Ela ainda é a missão correta?”, “Isso ainda vale a pena ser feito?”, “Se já não estivéssemos fazendo isso, nós começaríamos a fazer agora?”. Este questionamento tem sido feito com frequência em todos os tipos de organizações – empresas, hospitais, igrejas e até governos municipais – e sabe-se que funciona.

A resposta global quase nunca é: “Isso está ótimo como está; vamos continuar assim.”. em muitas áreas, a resposta à pergunta é: “Sim, começaríamos de novo, mas com algumas mudanças. Aprendemos alguma coisa.”.

Um exemplo é a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA – sigla em inglês) criada em mil novecentos e setenta. A segurança no local de trabalho é certamente a missão correta da OSHA. Mas a segurança no local de trabalho não melhorou muito nos

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Estados Unidos nesses quarenta e cinco anos. Pode até haver uma pouco menos de ferimentos incapacitadores agora do que em mil novecentos e sessenta e em mil novecentos e setenta, e também a força de trabalho cresceu sobremaneira durante esses anos. Porém, considerando-se a passagem constante da força de trabalho altamente inseguros para seguros (por exemplo, da mineração de carvão a grandes profundidades à mineração de superfície e especialmente a passagem de empregos na manufatura, inerentemente perigosos, para funções em escritórios e de serviços, inerentemente seguras), a segurança no local de trabalho pode até ter se deteriorado a partir de mil novecentos e setenta. Um resultado destes normalmente significa que se realizou a tarefa certa da maneira errada. No caso da OSHA, até que o problema é compreensível. Ela opera a partir da hipótese de que um ambiente inseguro é a causa principal de acidentes. Portanto, tenta fazer o impossível: criar um universo isento de riscos. A eliminação dos riscos é a coisa certa a ser feita. Mas ela é apenas uma parte da segurança, e provavelmente menor. De fato, por si só ela não consegue quase nada. A maneira mais eficaz para produzir segurança é eliminar o comportamento inseguro. A definição da OSHA para acidente – “quando alguém sai ferido” – é inadequada. Para haver uma redução nos acidentes, a definição tem de ser “uma violação das regras de comportamento seguro, quer ou não alguém saia ferido”. Esta é a definição sob a qual os Estados Unidos cuidam de seus submarinos nucleares. Qualquer um de seus tripulantes, do comandante ao marinheiro menos graduado, é punido pela menor violação das regras de comportamento seguro, mesmo que ninguém saia ferido. Em consequência disso, os submarinos nucelares têm um recorde de segurança inigualado por qualquer fábrica ou instalação militar do mundo; contudo, é difícil imaginar um ambiente mais inseguro que um submarino nuclear repleto de pessoas.

Obviamente o programa da OSHA deve ser mantido, talvez até expandido, mas precisa ser refocalizado.

O repensar irá identificar uma série de agências, cuja missão não é mais viável, se é que o foi um dia – agências que não teriam sido criadas hoje se houvesse essa opção.A missão da agência pode estar concluída, como no caso da mais intocável das instituições, a Administração dos Veteranos (VA – sigla em inglês), com seus cento e setenta e um hospitais e cento e trinta asilos. Quando estes hospitais foram construídos, por volta de mil novecentos e trinta, os bons hospitais eram escassos nas áreas rurais e pequenas cidades onde viviam muitos veteranos. Hoje há bons hospitais em quase toda parte. Em termos médicos, a maioria dos hospitais da VA é, na melhor das hipóteses, medíocre, além de extremamente dispendiosos. Pios ainda, eles estão em locais afastados e os veteranos – em especial os mais velhos, com doenças crônicas – têm de se afastar de suas comunidades e famílias exatamente quando mais necessitam de seu apoio. Os hospitais e asilos da VA realizaram há muito tempo aquilo para o que foram criados. Eles deveriam ser fechados e os seu trabalho transferido para hospitais locais. Ou pode não haver mais a missão. A propósito, será que criaríamos hoje um Departamento de Agricultura separado? Muitos americanos responderiam que não. Agora que os agricultores não são mais do que três por cento da população, e os produtivos a metade disso, é provável que os Estados Unidos necessitem apenas de um escritório na Secretaria do Comércio ou do Trabalho.

Algumas atividades, perfeitamente respeitáveis, deveriam ser feitas por outros. Por exemplo, por que uma agência científica, como a de Pesquisa Geológica, deve ter uma atividade de varejo? Existem empresas suficientes, como lojas de mapas ou cadeias de livrarias, para vender os mapas, ou estes podem ser oferecidos nos catálogos de empresas que vendem artigos para a vida ao ar livre.

Continuar com atividades que não seriam iniciadas hoje é um desperdício. Elas devem ser abandonadas. Não é sabido quantas atividades do governo deveriam ser preservadas, mas a experiência de Peter F. Drucker com muitas organizações sugere que o público votaria contra a continuação de algo em torno de dois quintos, talvez a metade, de todas as agências e programas civis. E quase nenhuma delas seria considerada bem organizada e bem operada.

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Downsizing: boas intenções versus resultados

Em conjunto, é provável que de três quintos a dois terços dos programas e atividades de qualquer organização sejam reprovados. Os casos difíceis são os programas e atividades que são improdutivos ou contraproducentes sem que se saiba bem o que está errado e menos ainda como corrigi-lo.

Dois grandes e altamente elogiados programas do governo americano estão nesta categoria. O programa de bem-estar social é um exemplo visível. Quando foi concebido, no final dos anos trinta, ele funcionava muito bem. Mas as necessidades que ele então supria eram diferentes daquelas que deveria suprir hoje: mães solteiras, crianças sem pai, pessoas sem educação, aptidões ou experiência de trabalho. O fato de ele ajudar ou atrapalhar é alvo de acalorados debates, mas poucos afirmam que ele funciona ou mesmo alivia os males sociais que deveria curar. E há também o esteio da política externa americana durante os anos da Guerra Fria: a ajuda militar. Se for prestada a um aliado que está empenhado numa luta, pode ser muito produtiva: considere o acordo de Empréstimo e Arrendamento à Grã-Bretanha nos anos de mil novecentos e quarenta e mil novecentos e quarenta e um e a ajuda militar a Israel. Mas esta ajuda é contraproducente se for dada em tempo de paz para criar um aliado – uma proposição de Plutarco e Suetonius já aceitavam como comprovada há quatro mil anos. Certamente, as piores confusões recentes em política externa – Panamá, Irã, Iraque e Somália são bons exemplos – foram causadas pelo fato de os Estados unidos prestar ajuda militar para criar aliados. Pouca ou nenhuma ajuda militar prestada desde o início da Guerra Fria produziu de fato um aliado. Na realidade, ela costuma produzir inimigos, como no caso da ajuda militar soviética ao Afeganistão.

A prescrição favorita para esses programas e atividades é de reformá-los. A proposta de reforma do programa de bem-estar social do presidente Bill Clinton é um exemplo, assim como a reforma proposta pela nova maioria republicana. Ambas são charlatanices. Reformar uma coisa que funciona mal sem saber o porquê somente poderá piorar. O melhor a fazer com tais programas é aboli-los.

Talvez seja necessário efetuar poucos experimentos controlados. Por exemplo, o bem-estar social seria possível tentar, em lugares cuidadosamente escolhidos do país, privatizar o retreinamento (ou reabilitação profissional) e a colocação dos beneficiários mais antigos do programa. Stephen Goldsmith obteve, quando prefeito de Indianápolis, resultados promissores nesta área. Em serviços de saúde, seria possível tentar várias abordagens em diferentes Estados: por exemplo, concorrência administrada na Califórnia, local de atuação do forte e experimentado atacadista de serviços de saúde, Kaiser Permanente; um sistema de pagador único, baseado no modelo canadense, em Nova Jersey, onde tem havido o apoio ao sistema, no Oregon racionalizar com base nas expectativas médicas, como está sendo feito para se cuidar de indigentes.

Mas nas áreas em que não há sucessos a serem testados – como, na ajuda militar - , não deve-se sequer experimentar. Não há hipóteses para testar. Deve-se abandonar.

O repensar irá produzir uma lista tendo, no topo, os programas e atividades que devem ser fortalecidos e abandonados no final e, entre eles, os que precisam ser focalizados ou nos quais certas hipóteses poderão ser testadas. Alguns deles poderão, a despeito da ausência de resultados verificáveis, receber um período de graça de alguns anos antes de serem reformulados. O programa de bem-estar social pode ser um bom exemplo.

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O repensar não está primordialmente preocupado com cortes de despesas. Acima de tudo, ele conduz a grandes melhorias de desempenho, qualidade e atendimento. Grandes economias em custos – em alguns casos, até de quarenta por cento do total – sempre surgem como subproduto. O repensar poderá produzir economias suficientes para eliminar o déficit fiscal federal dentro de poucos anos. Porém, o resultado principal será uma mudança na abordagem básica, porque enquanto os responsáveis pela política classificam os programas e atividades e acordo com suas boas intenções, o repensar os classifica de acordo com os resultados.

Downsizing: as políticas públicas que enxugam gelo

Qualquer leitor, segundo Peter F. Drucker, que tenha chegado até este tema irá exclamar: “Impossível. Certamente, nenhum grupo de pessoa chegará a um acordo sobre o que deve ficar no topo da lista ou ir para o seu final”. Mas supreendentemente, em todos os lugares em que foi feito o repensamento do tamanho ideal do Estado, tem havido um acordo substancial a respeito da lista, independente dos antecedentes ou das crenças das pessoas envolvidas. Raramente há desacordo sobre o que deve ser mantido, fortalecido ou abandonado. Normalmente, ele ocorre a respeito de um programa ser eliminado imediatamente ou colocado em experiência por dois ou três anos. Os programas aos quais as pessoas não chegam a m acordo são aqueles ligados não a resultados, mas a imperativos morais.

O melhor exemplo americano é a Guerra às Drogas. Depois de muitos anos, ela teve pouco efeito sobre o abuso e o vício e grande parte deste foi pernicioso, contribuindo para a destruição das cidades; os viciados estão se prostituindo, roubando ou matando para ganhar o suficiente para pagar por aquilo que a Guerra às Drogas tornou proibitivamente caro. Tudo o que a Guerra às Drogas está fazendo é enriquecer os traficantes e penalizar e aterrorizar os não-viciados, especialmente nas zonas centrais das grandes cidades. Mas esta guerra é uma cruzada; o que está por trás dela não é a lógica, mas o abuso. Parar esta guerra, não importa como ela beneficia, seria imoral. O certo é excluir tais cruzadas da análise racional envolvida no repensamento do tamanho ideal do Estado. Felizmente, elas não são muitas. Quanto ao restante – mais de noventa por cento de todos os programas e atividades – é muito provável que o repensamento do tamanho ideal do Estado produza uma concordância substancial.

Reengenharia: downsizing quando poucos confiam no governo

Seguramente irão argumentar que mesmo um consenso total entre pessoas altamente respeitadas será inútil, porque o congresso não aceitará o fim das políticas públicas consideradas “de enxugar gelo”, como por exemplo, a Guerra às Drogas. Nem a burocracia. E os lobistas e interesses especiais de todos os gêneros unir-se-ão contra algo tão subversivo.

A verdade é que agir de acordo com o repensamento do tamanho do Estado é impossível hoje. Mas será impossível amanhã? Numa das eleições presidenciais norte-amerianas, quase um quinto do eleitorado votou em Ross Perot, o homem que prometeu se livrar do déficit cortando os gastos governamentais. Um n´mero substancial – talvez outro quinto – concordou com os objetivos de Perot, mesmo não tendo votado nele. Nesse momento, o déficit federal está em declínio. Porém, mesmo sem uma reforma nos serviços de saúde ou no bem-estar social, o déficit subiria novamente, de maneira explosiva, no máximo até mil novecentos e noventa e sete. E então a exigência pela sua redução poderá se tornar irresistível

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e subjugar o Congresso, a burocracia e os lobistas. Se até aquele momento não tivesse ocorrido um programa de repensamento do tamanho do Estado racional do desempenho do governo, é provável que se fizesse aquilo que muitas grandes empresas fizeram: aplicar o facão e cortar. Iremos, assim, destruir desempenho, mas sem reduzir o déficit. Era previsível que seriam cortadas as coisas erradas – aquelas que funcionam e deveriam ser fortalecidas.

Porém, ser houver um plano que mostre como e onde o governo precisa ser repensado, haverá uma chance. Em momentos de crise, todos se voltam para as pessoas que determinaram antecipadamente o que deve ser feito. É claro que nenhum plano, por mais elaborado que fosse, seria realizado exatamente como estava escrito. Até mesmo um ditador precisa fazer concessões. Mas este plano serviria como o ideal em relação ao qual são medidas as concessões. Ele poderá nos impedir de sacrificar coisas que devem ser fortalecidas para manter aquelas que são obsoletas e improdutivas. Ele não garantiria que a maioria das coisas improdutivas seria cortada, mas poderia manter as produtivas. É provável que vir-se-ia a enfrentar essa crise dali a poucos anos, quando o orçamento e o déficit federais retomassem seu crescimento explosivo e os contribuintes se tornassem mais avessos a aumentos de tributos, passando a desprezar ainda mais o governo e suas promessas.

Na verdade, podemos estar muito próximos de ter que reinventar o governo. A teoria sobre a qual todos os governos no mundo desenvolvido têm operado desde a Grande Depressão (Harry Hopkins, conselheiro de Franklin Roosevelt, chamava essa teoria de “Tribute e tribute, gaste e gaste”) não mais produz resultados e nem mesmo votos. O estado ama-seca é um fracasso total. Em toda parte – nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na antiga União Soviética – o governo tem se mostrado incapaz de dirigir a comunidade e a sociedade. E em toda parte os eleitores se revoltam contra a futilidade, a burocracia e os ônus do estado ama—eca. A esmagadora maioria com a qual os eleitores da Califórnia aprovaram, em novembro de mil novecentos e noventa e quatro, a Proposição número cento e oitenta e sete, abolindo a assistência médica e até mesmo o ensino gratuito para imigrantes ilegais, é apenas um exemplo. Mas a contra-teoria que prega um retorno ao governo de antes da Primeira Guerra também não teve sucesso – a teoria formulada em mil novecentos e quarenta e quatro no livro titulado A estrada da servidão de autoria de Friederich Hayek, que culminou no neoconservadorismo. A despeito da ascendência desta teoria nos anos oitenta e de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, o estado ama-seca não encolheu. Ao contrário, ele está crescendo mais depressa. Como logo irá constatar a maioria republicana, nem a manutenção nem a redução do estado ama-seca são aceitáveis para o público.

Ao invés disso, há de se descobrir quais programas e atividades do governo servem a ma finalidade na comunidade e na sociedade. Que resultados devem ser esperados de cada um? O que podem fazer efetivamente os governos – federal, estaduais e municipais (e dos condados, no caso dos Estados Unidos) – e quais são as maneiras não-governamentais para se fazer coisas válidas que não podem ser feitas pelos governos?

Ao mesmo tempo, como aprendeu o ex-presidente Bill Clinton em seus primeiros dois anos, o governo não pode dar as costas ao mundo e se tornar somente doméstico, como ele tanto gostaria de fazer. Os incêndios no exterior – na Bósnia, em Ruanda, na antiga União Soviética – precisam receber atenção, porque eles têm o péssimo hábito de se alastrar. E a crescente ameaça do terrorismo internacional, especialmente se usada como arma por governos criminosos, irá sem dúvida exigir maior envolvimento do governo em assuntos externos, inclusive militares, e mais cooperação internacional.

A esta altura já ficou claro que um país desenvolvido não pode nem ampliar o governo, como querem os assim chamados liberais, nem aboli-lo e voltar à inocência do século dezenove, como desejam os assim-chamados conservadores. O governo necessário, na visão de Peter F. Drucker, terá de transcender ambos os grupos. O megaestado que o século vinte construiu está falido, moral e financeiramente. Ele não funcionou. Mas seu sucessor não pode

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ser o governo pequeno. Há muitas tarefas, domésticas e internacionais. É necessário um governo eficaz – e é por isso que clamam os eleitores em todos os países desenvolvidos.

Portanto, necessita-se de algo que não existe: uma teoria daquilo que o governo pode fazer. Nenhum grande pensador político – pelo menos desde Maquiavel, há quase quinhentos anos – dedicou-se a esta questão. Toda teoria política, desde Locke até os artigos publicados pelos liberais e conservadores de hoje, trata do processo do governo: constituições, o poder e suas limitações, métodos e organizações. Nenhuma trata da substância e nem pergunta quais poderiam ser as funções adequadas do governo e quais seriam possíveis. Nenhuma pergunta por quais resultados o governo deveria ser responsável. Repensar o tamanho do Estado, seus programas, suas agências, suas atividades não trará uma nova teoria política, mas sim informações factuais para ela. Muita coisa já está clara: a nova teoria política que tanto é requerida terá que se basear numa análise daquilo que funciona e não em boas intenções e promessas. Repensar o tamanho do Estado não trará respostas, mas poderá forçar a se fazer perguntas certas.

Este é o momento de começar, quando as pesquisas mostram que menos de um quinto do público americano confia que o governo faça qualquer coisa certa. Até agora, a reinvenção do governo do ex-vice-presidente americano Al Gore é um slogan vazio no qual contém aquilo de que necessitam desesperadamente os governos livres.

Formação de capital: consumo versus poupança

O comunismo perdeu a guerra fria. Esta também não foi ganha pelo liberalismo. Agora as democracias precisam conquistar a paz. E isto pode ser mais difícil, como ensina a história. Sessenta anos bastaram para que as democracias melhorassem de forma visível. Hoje espera-se que elas sejam boas e medidas em relação às suas declarações e ao seu desempenho. Agora, as democracias precisam repensar e reformular a si mesmas.

Para conquistar a paz, as democracias precisam especificamente: 1) recuperar o controle de suas políticas domésticas, econômicas e fiscais, todas perdidas em consequência da falência do Estado Keynesiano do Déficit; 2) deter e reverter a corrosão e a crescente decadência da sociedade doméstica causada pelo fracasso do Estado do Bem-estar Social e 3) promover em todo o mundo a sociedade civil, sem a qual não pode haver estabilidade política nem social e menos ainda nos países ex-comunistas, porque hoje sabe-se que o livre mercado, apesar de economicamente eficaz, por si só não constroi nem sustenta uma sociedade que funcione.

Durante sessenta anos, as políticas domésticas dos países desenvolvidos têm sido dominadas por dois conjuntos de crenças, cada um considerado evidente em si mesmo: 1) uma delas é a crença keynesiana (ou Neokeinesiana) no Estado do Déficit, que se baseava em três afirmações econômicas: o consumo cria automaticamente a formação e o investimento de capital (o multiplicador keinesiano), a poupança é perigosa para a saúde econômica (o excesso de poupança de Keynes) e os déficits governamentais estimulam a economia e 2) o outro comjunto, a crença no Estado do Bem-estar Social, fundamentava-se em duas afirmações sociais. A primeira é que o governo pode e deve redistribuir a renda para promover maior igualdade da mesma – uma afirmação que, quando pronunciada pela primeira vez como política de governo (por David Lloyd George, quando este se tornou ministro da Fazenda no Gabinete leberal britãnico em 1908), foi considerada a mais radical das heresias, mas se tornou ortodoxia

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na Grande Depressão. A segunda afirmação: o que os pobres necessitam é dinheiro, que poderia ser chamada de credo do Trabalhador Social.

Ambas as crenças foram definitivamente desmentidas, ao ver de Peter F. Drucker.

No ocidente, todas as democracias vieram a aceitar essas crenças – embora a Alemanha aceitasse as proposições keynesianas somente com grandes reservas. O Japão, com sua preferência habitual pela ambiguidade em políticas, nunca aceitou nem rejeitou completamente essas crenças e seguiu suas prescrições somente de forma intermitente.

Originalmente, as duas crenças opunham-se. Keynes era sincero em seu desprezo pelo Estado do Bem-estar Social. Ele afirmava que sua economia efetuaria gastos sociais desnecessários em larga escala e considerava fútil qualquer tentativa governamental para redistribuir a renda. Os proponentes do Teorema do Bem-estar Social não tinham o que fazer com o Livre Mercado no qual Keynes acreditava com paixão. Entretanto, depois da Segunda Guerra Mundial, os dois descobriram que precisavam um do outro. O fato de Keynes colocar o consumo acima da poupança e sua defesa dos déficits converteu a caridade em estímulo econômico, possibilitando, pois, que a classe média aceitasse os gastos do bem-estar social com os pobres.

A economia keynesiana, a despeito da sua inclinação pela classe média e pelo mercado livre, necessitava do apoio político dos progressistas e socialistas. Assim, os dois uniram-se e formaram o Estado Keynesiano do Bem-estar Social, o qual governou por sessenta anos. As diferenças que havia nas democracias, em políticas econômicas e fiscais entre republicanos e democratas nos Estados Unidos, entre conservadores e trabalhistas no Reino Unido, entre democratas cristãos e socialistas da Alemanha eram principalmente de graduação. Os supply-siders de Reagan aceitavam plenamente os princípios básicos do Estado do Bem-estar Social, apesar de serem considerados arqui-conservadores. Cada lado, tanto a direita como a esquerda dizia que era melhor na construção e operação do Estado Keynesano do Bem-estar Social o que explica, em grande parte, porque os déficits governamentais cresceram mais depressa sob governos supostamente conservadores, como, por exemplo, Reagan nos Estados Unidos, Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha.

Na verdade, nunca houve qualquer evidência que apoiasse as proposições keynesianas – fato salientado por economistas eminentes como Lionel Robbins na Inglaterra e Joseph Schumpeter nos Estados Unidos, quando Keynes publicou suas teses em meados dos anos trinta. Hoje essas proposições estão, na visão de Peter F. Drucker, tão desacreditadas que os economistas nem as mencionam. Em parte alguma o aumento do consumo conduziu à formação de capital, exceto, talvez, em situações pontuais de elevada demanda reprimida. Ao contrário, os Estados Unidos e o Reino Unido, que empurraram o consumo de forma mais consistente e redical, têm as menores taxas de formação de capital. Nos Estados Unidos, ela flutua ha muito em torno de desanimadores quatro por cento da renda disponível. No Reino Unido, ela despencou de oito ou nove por cento para cinco por cento da renda disponível em mil novecentos e oitenta e nove, quando Margaret Thatcher tentou (sem sucesso) estimular uma economia doente empurrando (com sucesso) o consumo. Por outro lado, o Japão, enquanto desencorajou o consumo, tinha uma taxa de formação de capital de quase vinte e cinco por cento da renda disponível. Mas quando em meados dos anos oitenta ele tentou combater uma recessão súbita elevando o consumo (a propósito, com resultados desastrosos), a taxa de formação de capital caiu para dezesseis por cento da renda disponível e ficou lá.

O excesso de poupança mostrou ser um mito. Ninguém mais acredita na afirmação de Keynes de que ele tinha algo a ver com a Grande Depressão no Japão, como dizia a teoria; ao contrário, a alta taxa de formação de capital do país é universalmente considerada um fator chave para seu sucesso econômico. O suprimento abundante de poupança empurrou os juros

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para um nível tão baixo que as grandes empresas japonesas podiam obter capital a um custo quase zero, enquanto os americanos e europeus tinham de pagar quinze por cento ou mais pelo seu dinheiro. Assim, o Japão tinha uma vantagem de dez por cento nos custos sobre seus concorrentes no mercado mundial – e até mesmo uma vantagem de cinco por cento normalmente é decisiva.

Também não houve um só caso dos gastos dos governos estimularem a economia e muito menos deles reverterem uma recessão ou depressão.

O único caso que costuma ser citado como exemplo em contrário, o assim chamado corte nos impostos de Kennedy em mil novecentos e sessenta e dois, é falso. A economia de fato recuperou-se nos anos de mil novecentos de sessenta e dois e mil novecentos e sessenta e três, mas não houve nenhum corte de impostos. Ao contrário, a carga fiscal subiu nos anos de mil novecentos e sessenta e dois e mil novecentos e sessenta e três em parte porque o Presidente Kennedy não conseguiu que o Congresso aprovasse sua proposta-chave para um corte no imposto sobre ganhos de capital, em parte porque os Estados e Municípios elevaram seus impostos mais rápido e em porcentagens maiores que o governo federal reduziu o dele. Nos Estados Unidos não só a União mas também os Estados e Municípios também pode dispor sobre tributação, diferentemente do que ocorre, por exemplo, no Brasil, onde só a União pode dispor sobre o tema de maneira mais centralizada. Contrariamente às promessas dos economistas keynesianos, os ciclos dos negócios não foram eliminados. Também não há diferença, seja em frequência, seja em severidade, entre as recessões do período posterior à Segunda Guerra Mundial (que é o período do Estado Keynesiano de Bem-estar Social) e aquelas ocorridas no século dezenove e início do século vinte.

Se houvesse qualquer validade nas teorias dos Estado Keynesiano do Bem-estar Social, as democracias estariam nadando em dinheiro. Os gastos dos governos teriam estimulado tanto a economia, que tanto a formação de capital como as receitas fiscais teriam ido às alturas. Em pouco tempo, teria havido enormes superávits orçamentários. Os partidários do presidente Reagan ainda prometeram isso. Ao contrário, as democracias – com exceção do Japão – estão tão endividadas que somente podem pagar suas contas se os credores lhes emprestarem cada vez mais dinheiro. O termo apropriado para esta situação é insolvência.

Bem-estar social: a desigualdade de renda e os investimentos

Alguns economistas keynesianos – Robert Eisner, da Northwesern University, é um exemplo – ainda afirmam que os déficits governamentais não têm impostância. Mas nem mesmo eles afirmam que são benéficos. Fora dos Departamentos de Economia, todos -empresários, líderes trabalhistas, banqueiros, investidores, os mercados de ações e de bônus – sabem que os déficits só podem ser danosos. Ao primeiro sinal de aumento no séficit governamental, mercado de ações cai, o dinheiro deixa o país e os investimentos das empresas secam, levando consigo os empregos. Acima de tudo, ninguém mais duvida de que os déficits governamentais destroem a formação de capital, pelo menos na visão de Peter F. Drucker. Isto significa que, para pagar suas contas, os governos que incorrem em déficits contínuos não podem fazer empréstimos internos para se financiarem tornando-se cada vez mais dependentes de dinheiro do exteriro tomado a prazos cada vez mais curtos. Este é um dinheiro extremamente volátil, que se assusta facilmente e é propenso ao pânico.

Os pânicos financeiros foram a perdição do século dezenove. Portanto, a afirmação de Keynes, de que sua economia colocaria um fim neles de uma vez por todas, foi um fotor

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importante para a sua aceitação. Mas os pânicos voltaram como uma vingança, e hoje são tão abuandantes quanto há cento e vinte anos e igualmente destrutivos. Em mil novecentos e oitenta e um, uma evasão de capital de três dias devastou os mercados financeiros franceses e ameaçou se transformar numa corrida aos bancos. Ela forçou o presidente Metterand a deixar de lado todas as promessas sociais sobre as quais havia vencido a eleição apenas alguns meses antes. Anos mais tarde, um pânico forçou a Suécia a elevar as taxas de juros, da noite para o dia, a desastrosos trinta por cento. Vinte e cinco anos atrás, outro pânico, causado pela evasão do dinheiro estrangeiro, quase destruiu a lira italiana. E em mil novecentos e noventa e quatro o pânico provocou uma corrida sobre o peso mexicano, desvalorizando-o da noite para o dia em cinquenta por cento e destruindo anos de trabalhos penosos que haviam elevado a economia até o limiar de se tornar desenvolvida, ou no mínimo emergente.

Nenhum país que pratica a Economia do Bem-estar Social de Keynes pode ser considerado imune ao pânico, pelo menos segundo Drucker. Na verdade, a lista dos que estão á beira do abismo está crescendo – na Europa, os piores casos são a Itália 9com déficit governamental equivalente a cento e vinte e cinco por cento da renda disponível; e uma taxa de formação de capital nula ou negativa) e a Suécia (déficit de dez por cento da renda; dívida de cem por cento da renda e taxa de formação de capital inferior a dois por cento). A Bélgica, Holanda, Espanha e Dinamarca não estão muito melhor, enquanto a Grã-Braetanha e França apenas marginalmente melhor e o Canadá está quase tão próximo da bancarrota quanto a Suécia. O déficit americano é relativamente baixo em relação à renda disponível – cerca de dois por cento, não mais que o Japão. Mas pelo fato da sua taxa d formação de capital ser totalmente inadequada, os Estados Unidos dependem tanto quanto os europeus de dinheiro externo a curto prazo ficando assim, igualmente vulneráveis ao pânico. Na verdade, os Estados Unidos já sofreram dois minipânicos (sem considerar o de dois mil e oito ). O colapso do mercadod e ações de mil novecentos e oitenta e sete foi causado pelo fato de os japoneses terem entrado em pãnico e desagregado enormes quantidades de bônus do Tesouro dos Estados Unidos. E o colapso do mercado de bônus de mil novecentos e noventa e três – também causado por uma evasão súbita de capital estrangeiro – forçou o presidente Clintou a abandonar seus planos de estimular a economia e aceitar a prioridade do Conselho Federal Reserve (o equivalente ao Banco Central do Brasil nos EUA) presidido por um republicano (partido opositor ao de Clinton) – para aplacar os credores estrangeiros, isto é, combater a inflação mesmo com o risco de uma recessão doméstica.

As piores consequências do fracasso do Estado Keynesiano do Bem-estar Social não são econômicas. A crescente dependência do dinheiro estrangeiro a curto prazo e volátil impossibilita os governos de fixar e seguir políticas. Ela subordina cada vez mais a soberania aos caprichos de um errático mercado mundial monetário, movido por boatos e sem horizonte de longo prazo. Um exemplo recente: para atrair e manter o dinheiro de curto prazo necessário para financiar a política de unificação do primeiromiistro alemão Kohl (ultrakeynesiano), a Alemanha precisou, em mil novecentos e noventa e três e mil novecentos e noventa e quatro, elevar as taxas de juros e mantê-los no alto. Isto prejudicou seriamente os vizinhos da Alemanha na Europa, que já estavam sofrendo com o desemprego em massa. Eles tiveram, então, que elevar suas taxas de juros já altas para evitar a evasão do dinheiro de curto prazo para a Alemanha. Em toda a Europa, os alemães foram criticados por seu egoísmo. Porém, eles não tinham escolha – as metas mais queridas de Kohl durante toda a sua vida política.

O Estado Keynesiano do Bem-estar Social também não cumpriu sua promessa social de redistribuir a renda, meta também não alcançada por Estados Liberais. Promoveu, portanto, sua igualdade. Ao contrário, existe uma correlação quase prefeita, nas principais democracias, entre os gastos do Estado do Bem-estar Social e a desigualdade de renda, pelo menos em grandezas tangíveis, segundo Drucker. O país com a menor desigualdade de rendas também é aquele com o menor déficit, a menor taxa de gastos sociais (somente doze por cento da renda disponível) e a mais alta taxa de formação de capital: o Japão. Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e mesmo na Alemanha (com taxas de gastos sociais, respectivamente, de quinze, vinte e três e vinte e sete por cento), a desigualdade de renda cresceu com os gastos sociais.

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Política partidária: direita e esquerda irão explodir juntas

A liquidação do Estado do Déficit não pode mais ser evitada, nem ser adiada por muito tempo, pelo menos na visão de Peter F. Drucker. Ela é, claramente, a tarefa política número um enfrentada pelas democracias, e será sua realidade política nesta década, o que significa o fim dos sempre crescentes direitos da classe média. Inventados há pouco mais de cento e vinte anos na Alemanha de Bismarck do ano de mil oitocentos e oitenta, os direitos agora tornam-se uma ameaça à própria sobrevivência da democracia, senão do estado moderno. A única maneira pela qual as democracias podem recuperar o controle de suas finanças – e com ele, das políticas econômicas, social e externa - ´cortar fundo os direitos, sejam eles de serviços de saúde (gastos que estão fugindo ao controle em todos os países desenvolvidos), na seguridade social, em pensões e, na Europa, em benefícios aos desempregados.

Sabe-se há muito que os direitos da classe média ameaçaram a prosperidade das democracias, sua saúde e até a sua própria sobrevivência. Em mil novecentos e oitenta e oito isto foi provado com rigor matemático por Peter G. Peterson (antigo Secretário do Comércio do presidente Nixon) em seu livro Em tempo de empréstimo: como o crescimento da despesa de direito ameaça o futuro da América. Mas ninguém estava ainda disposto a ouvir.

Qualquer tentativa de cortar esses direitos – ou mesmo de reduzir seu crescimento – ainda enfrenta forte resistência. Há vinte e cinco anos, os eleitores suecos puseram para fora o governo liberal que propôs um limite para alguns programas que haviam claramente escapado do controle. Pouco depois, Silvio Berlusconi, primeiro-ministro da Itália, foi posto para fora do governo pelo mesmo motivo. Alguns meses antes, ele havia sido eleito com base na promessa de reformar os direitos. Mas quando propôs de fato um exame dos ultrajantes abusos do sistema de pensões do país, seus parceiros de coalizão o abandonaram.

Todos na Itália sabem que centenas de milhares – algumas estimativas falam em milhões – de homens fisicamente aptos estão recebendo fraudulentamente pensões vitalícias por invalidez quando ainda têm menos cinquenta ou mesmo quarenta anos. Todos também sabem que as pensões são a causa principal dos problemas financeiros da Itália; elas representam a metade dos gastos sociais do país, isto é, um oitavo da renda disponível e todo o seu déficit.

Entretanto, cortar os direitos – mesmo os fraudulentos – ainda não era politicamente correto.

Assim, o fato de republicanos e democratas agora concordarem que a assistência médica – há mito a mais sagradas das vacas sagradas – precisa ser podada é uma grande mudança. Todavia, ainda não é sabido se o Congresso será capaz de fazer algo tão impopular. Na verdade, a classe média não tem escolha. Esses direitos serão cortados em todos os países desenvolvidos. A única dúvida é por qual método. A maneira menos penosa é fazê-lo abertamente elevando, por exemplo, para setenta e cinco anos a idade na qual os americanos obtêm os benefícios plenos da seguridade social. Caso isso não seja aceito, a classe média terá seus direitos cortados pela inflação, ou seja, pela destruição do poder de compra das suas rendas. Ou haverá drásticos aumentos de taxação, provavelmente, no caso dos Estados Unidos, através de substanciais impostos de consumo por cima de impostos de renda já elevados.

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E tão logo um grande país corte os benefícios da classe média – por exemplo, se os Estados Unidos aceitarem cortes não apenas simbólicos nos benefícios de assistência médica – esse será o sinal para reformas em todas as outras democracias, o que anunciará o fim do Estado Keynesiano do Bem-estar Social tão certamente quanto a perestroika de Gorbachev anunciou o fim do comunismo. Se este anúncio tratou de uma informação verdadeira ou de uma mera evolução do comunismo para se adaptar aos séculos vinte e vinte e um, isso já é outra análise que não será açambarcada neste texto.

Para que o governo recupere a solvência – e com ela o controle da política – ele será forçado a tomar novamente decisões sobre prioridades e terá novamente de ser forçado a dizer “não”. O primeiro passo poderá ser um retorno à maneira pela qual os orçamentos eram feitos antes do advento do Estado Keynesiano do Déficit: começando-se com as receitas disponíveis, isto é, quanto dinheiro pode ser gasto. Isto força o governo a decidir o que pode e deve ser financiado, dentro dos limites fixados pela disponibilidade de dinheiro. Aquilo que exceder deverá ser recusado. No entanto, desde a Segunda Guerra Mundial – ou pelo menos desde que a Europa Ocidental e o Japão retornaram à prosperidade no final dos anos cinquenta – toda as democracias iniciavam a elaboração do orçamento com a pergunta: Em que queremos gastar dinheiro? Gastar além das receitas disponíveis, isto é, criar déficit era fácil de financiar. Acima de tudo, era considerado benéfico. É claro que os postulados keynesianos tiveram de dizer “não”, um ato quase imoral. De fato, dizer “não” é penoso. Para um político é arriscado, só que é necessário, pelo menos na visão de Peter F. Drucker.

Mas este seria somente o primeiro passo. As decisões sobre prioridades ainda estariam por ser tomadas. É provável – Drucker diria certo – que elas irão explodir todos os partidos políticos existentes, em toda parte. Tanto direita como esquerda já perderam grande parte do seu significado nas democracias. Por exemplo, na direita estão pessoas que querem que a idade de aposentadoria seja fixada em função das expectativas de vida, isto é, que seja elevada para setenta e cinco anos (há oitenta anos, quando os Estados Unidos adotaram sessenta e cinco anos como a idade de aposentadoria seja fixada em função das expectativas médias de vida na época e foi escolhida por esta razão)? Ou pessoas que afirmam ser um dever dos jovens sustentar os mais velhos? Tradicionalmente, ambas as posições são conservadoras. O que é liberal: o argumento de que o ensino universitário deve ser gratuito para todos? Ou o contra-argumento pelo qual os beneficiários devem pagar os custos do ensino com seus altos ganhos depois de formados, para que a geração seguinte possa ter acesso gratuito? Estas questões são novas e não se encaixam no molde existente da política; elas não são econômicas, nem ideológicas. Portanto, pode-se esperar que nas democracias outras questões, além das políticas e da estrutura política, também estarão em transição.

Bem-estar social: os aposentados e os vagabundos

Os axiomas sociais do Estado Keynesiano não se saíram melhor que os econômicos. O Bem-estar Social não acabou com a pobreza, mas transformou-a em degradação e dependência, pelo menos ao ver de Peter F. Drucker. E fez isso tanto no âmbito doméstico como no internacional, através da ajuda externa.

Hoje, nos Estados Unidos, Drucker considera que todos aceitam que nenhum dos dois grandes programas de bem-estar social funciona. Tanto o programa de Ajuda às Famílias com Crianças Dependentes como o de Ajuda à Invalidez, para ele, são desastrosos. Contudo, ainda negam que eles sejam danosos. Ao contrário, procuram explicar a dependência e a degradação daqueles que dependem do bem-estar social há muito tempo e a terrível miséria das suas vidas.

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Em termos de renda, os receptores do bem-estar social dos Estados Unidos estão relativamente bem. Se forem incluídos os benefícios não em dinheiro (por exemplo, vales para alimentos ou subsídios habitacionais), as rendas da maioria estão acima da linha de pobreza. Mas, eles vivem numa miséria e degradação tão más quanto aquelas das piores favelas de ontem, senão pior. A explicação mais comum afirma que a confusão do bem-estar social americano faz parte do problema social ianque. De fato, proporcionalmente há mais mães solteiras negras que estão permanentemente na Ajuda à Famílias com Crianças Dependentes (trinta e sete por cento da população que vive do bem-estar social é de negros, enquanto eles constituem somente treze por cento da população total). Assim, uma explicação de Drucker é a inferioridade racial (em geral não mais expressa publicamente, mas certamente mantida por muitos não-negros, sejam eles brancos, latinos ou asiáticos). A outra é a herança da discriminação e da escravidão. Ambas são igualmente racistas, desprezíveis e completamente erradas, pelo menos para Drucker. Existe a mesma confusão do bem-estar social – isto é, a mesma transformação da pobreza em degradação – quando os receptores são puramente brancos e pertencem à classe média até se tornarem dependentes do bem-estar social.

Na Grã-Bretanha, a subclasse do bem-estar social (que os estatísticos britânicos classificam como membros da classe V) está hoje crescendo tão depressa como na América. Ela sofre da mesma anomia social, a mesma destruição da personalidade e da competência e do auto-respeito. Antes de mil novecentos e cinquenta, a porcentagem de filhos de mães solteiras na classe trabalhadora britânica era a mesma de séculos antes, isto é, por volta de quatro a cinco por cento dos nascimentos. Hoje ela passa de vinte e cinco por cento e entre os dependentes crônicos do bem-estar social ela já ultrapassou os trinta por cento, já sendo mais alta do que entre os brancos dependentes do bem-estar social na América. E ela está crescendo tão rápido como entre os negros americanos. Ao contrário do americano, o sistema britânico também proporciona os benefícios do bem-estar social aos homens, através de benefícios aos desempregados. A taxa de dependência do bem-estar social entre os jovens britânicos do sexo masculino está crescendo tanto quanto a das jovens americanas. Os britânicos dependentes do bem-estar social estão, em termos financeiros, ainda melhor que seus colegas americanos. Sua renda antes do imposto é igual àquela de uma família média empregada, mas é isenta de imposto; portanto, sua renda líquida é mais alta. Contudo, eles apresentam a mesma patologia social: abandono dos estudos, taxas crescentes de mães solteiras, cada vez mais famílias sem pai e um número crescente de viciados – ainda principalmente em álcool, embora o uso de drogas ilícitas e mais pesadas esteja crescendo depressa. As áreas centrais das grandes cidades britânicas – que há apenas cinquenta anos estavam entre as mais seguras do mundo – estão se transformando em selvas; a taxa de roubos urbanos já é mais alta na Grã-Bretanha que na América. Contudo, sua subclasse dependente do bem-estar social é quase totalmente branca.Na Alemanha, a subclasse do bem-estar social é constituída por pessoas brancas e predominantemente do sexo masculino – que ficam permanentemente inativas porque o governo lhes paga, como compensação de desemprego, oitenta por cento dos seus antigos salários pelo resto de suas vidas. Os beneficiários são formados pelo famoso sistema alemão de treinamento de aprendizes e cresceram com a igualdade famosa ética de trabalho alemã. Mas o programa de bem-estar social, em muito pouco tempo, transforma-os naquilo que os alemães chamam de aleijados do bem-estar social, com toda a patologia de desintegração social e anomia: números crescentes de famílias chefiadas por mães solteiras, grande aumento no alcoolismo e os jovens skinheads e neonazistas, que, por prazer, incendiam casas habitadas por turcos ou outros trabalhadores estrangeiros. Em consequência disso, a Alemanha tem hoje uma das maiores taxas de desemprego – mesmo quando a economia está em alta.

Na Itália, a subclasse do bem-estar social é constituída por homens de quarenta e cinco anos – todos brancos, é claro – que recebem pensões por invalidez parciais ou totais pelo resto de suas vidas. Sabe-se que a maioria é fisicamente apta; suas incapacidades são pequenas ou totalmente fraudulentas. O fato de muitos deles trabalharem ao mesmo tempo em que afirmam não poder fazê-lo reduz o impacto econômico da sua inatividade (todos sabem, na Itália, que um grande número de receptores de pensões por invalidez têm de fato dois empregos

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remunerados: um de proteção no serviço público, onde eles só aparecem para receber salário, e um na economia subterrânea). Mas isto não reduz o impacto sobre o orçamento do governo italiano, o qual está paralisado pelos pagamentos de pensões, além de agravar os danos morais e psicológicos à sociedade e aos indivíduos. O fato de a Itália estar crivada de corrupção de alto a baixo deve-se, em grande parte, às fraudes das pensões.

Portanto, as evidências são claras. Primeiramente, o moderno bem-estar social destrói, conclui Drucker. Ele não cria competência, mas dependência e nem alivia a pobreza, apesar de prover rendas de classe média ou quase. E isto não depende de quais sejam os receptores: adolescentes negras nos Estados Unidos, jovens brancos da classe trabalhadora na Grã-Bretanha; adultos altamente treinados na Alemanha e homens da classe média, em sua maioria assalariados, na Itália. A única coisa que essas pessoas, classificadas por Drucker como, corrompidas e envenenadas têm em comum é que elas estão financeiramente recompensadas por permanecer dependentes do bem-estar social e penalizadas por saírem dele.

Bem-estar social: dinheiro versus competência

Em termos internacionais, o fracasso do bem-estar social foi, ao ver de Peter F. Drucker, foi igualmente grande comparado com as tentativas realizadas nos Estados Unidos e na Europa.

A ajuda para o desenvolvimento foi certamente uma das invenções políticas mais importantes do século vinte. A primeira tentativa – o Plano Marshall – teve um sucesso além de todas as expectativas. Portanto, havia todos os motivos para se esperar grandes resultados de seus dois sucessores: O Ponto Quatro do presidente Truman (em mil novecentos e cinquenta) e a Aliança para o Progresso do presidente Kennedy (em mil novecentos e sessenta e dois). Na melhor das hipóteses, nenhum plano fez muitos danos, mas nenhum fez muito bem. Os quarenta anos a partir da proclamação do presidente Truman trouxeram mais desenvolvimento, amplamente disseminado, do que qualquer período anterior da história. Mas este se deu principalmente em áreas que receberam pouca ou nenhuma ajuda – em especial os países do Sudeste asiático. Existe uma correlação negativa quase prefeita entre o recebimento de ajuda para o desenvolvimento. As áreas que ais receberam esta ajuda não se desenvolveram – a Índia e o Egito são os melhores exemplos – ou perderam terreno, como a maior parte da África tropical. Assim como acontece no bem-estar doméstico, os receptores do bem-estar social internacional (Peter F. Drucker o chama de ajuda para o desenvolvimento) têm pouco em comum entre si, exceto o fato de se desenvolverem menos quanto maior fosse a ajuda. E explicações populares como a da explosão populacional não se mantêm. As populações cresceram igualmente em alguns dos países com desenvolvimento mais rápido do Sudeste da Ásia, como Tailândia, Malásia, Indonésia, Turquia ou a região litorânea da China. O único fator comum aos países que não se desenvolveram é que eles receberam ajuda maciça para se desenvolverem. O único fator comum aos países em rápido desenvolvimento é a que eles receberam pouca ou nenhuma ajuda.

A ajuda internacional que aumenta a dependência ou inibe o desenvolvimento – que é o caso de muitos programas de ajuda dos últimos sessenta anos – deve ser descontinuada ou, no mínimo, drasticamente reduzida. Mas é errado concluir, como muitos, que o conceito de ajuda, doméstica e internacional, foi um erro que deve ser esquecido. O que é preciso é refocalizar a ajuda, e para que ela crie independência, competência e responsabilidade.

A necessidade de ajuda – aos menos temporária – certamente irá crescer. Tanto os países desenvolvidos como aqueles em desenvolvimento estão passando por grandes

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transformações na economia e na sociedade. Portanto, haverá grandes mudanças, nas quais pessoas bem estabelecida, competentes e responsáveis se verão arrancadas de seus lugares. Elas poderão não precisar de muito – em muitos casos, sua maior necessidade é a garantia de que a ajuda está disponível. Mas uma sociedade e uma economia em transição são um ambiente perigoso. Existe a necessidade daquilo que o bem-estar social deveria ser: uma rede de segurança. É preciso somente evitar que ele se transforme num sofá e num local de descanso permanente.

Uma segunda razão para a montagem de um sistema eficaz de bem-estar social é que seria uma derrota total das democracias, além da negação – da própria ideia sobre a qual elas se baseiam, se a afluência levasse ao desaparecimento da compaixão.

A médio prazo, o aumento de afluência beneficia mais aqueles que estão na base da pirâmide de renda. Nunca é demais dizer que – contrariamente a tudo aquilo que Marx previu – os proletários foram os principais beneficiários do enorme aumento na capacidade de produção de riqueza ocorrido nos últimos cento e vinte anos nos países desenvolvidos. Sua renda real cresceu no mínimo três vezes mais depressa que aquela dos capitalistas. Contrariamente às previsões dos sucessores e discípulos de Marx -Lenin e os outros teóricos do imperialismo, os maiores aumentos de prosperidade e riqueza nacionais deste cento e vinte anos ocorreram nos países coloniais e explorados, que se tornaram países desenvolvidos. O produto nacional total do Japão cresceu muito mais rápido do que o dos Estados Unidos bem como o da Coreia e dos Tigres do Sudeste da Ásia: Taiwan, Cingapura e Hong Kong – todos antigas colônias – e de outras ex-colônias, como Malásia e Indonésia.

Porém, o fato de a grande maioria, nos países desenvolvidos e emergentes, estar hoje muito melhor, só torna mais visível e dolorosa a situação das minorias que ficam para trás devido à falta de competência ou de oportunidade. E isto vale tanto para a sociedade internacional como para a doméstica. Portanto, em nome do seu próprio auto-respeito, os ricos precisam ajudar. Mas para o bem dos pobres, é preciso que essa ajuda crie competência, saúde, auto-respeito, ao contrário da ajuda do Estado do Bem-estar Social, que cria dependência, destituição, incompetência, auto-repugnância.

Encorajar a competência dos pobres e promover sua capacidade de auto-desenvolviemento é claramente do interesse dos afluentes, isto é, das democracias, porque sua estabilidade e coesão social estão sendo cada vez mais ameaçadas pela anomia, degradação, desespero dos pobres incompetentes e dependentes.

Há cento e oitenta anos, uma epidemia no East End fez com que os ricos do West End percebessem, pela primeira vez, que o tifo entre os pobres também os ameaçava. Este foi o começo da Saúde Pública – até então, a saúde era somente privada – e, com ela, da revolução em saúde e longevidade que beneficiou tanto os ricos quanto os pobres.

A anomia, a degradação, a ilegalidade e a corrupção causadas entre os pobres incompetentes pelo fracasso do bem-estar social – em termos domésticos e internacionais – ameaçam igualmente as cidades, os subúrbios, as escolas, as ruas dos saudáveis, competentes e afluentes. Acima de tudo, essas ameaçam infectar os filhos desta geração. O contágio da subclasse do bem-estar social é certamente culpado por grande parte da vulgarização e da proletarização da vida da classe média, da sua cultura e seus valores. A anomia, a degradação e a ilegalidade do Terceiro Mundo não desenvolvido igualmente ameaçam a segurança, a paz e a afluência dos países ricos – mesmo que seja através da crescente imigração – a pressão de pessoas desesperadas e incompetentes fugindo para o mundo desenvolvido.

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A razão final – e mais forte – pela qual desistir do desenvolvimento, seja doméstico ou internacional, é que existem sucessos suficientes para mostrar não só que é possível sair da pobreza e entrar na competência, mas também o que isto requer.

Sabe-se que o Plano Marshall foi um sucesso – o maior programa de bem-estar social jamais feito e o mais bem-sucedido. Outro sucesso, igualmente impressionante, foi a Revolução Verde, na qual novas sementes e métodos agrícolas aperfeiçoados (financiados e promovidos pelas Fundações Ford e Rockfeller, duas organizações não-governamentais) mudaram a Índia nos anos sessenta. De um país no qual eram frequentes as crises de escassez de alimentos, a Índia passou a exportadora de cereais. Nos Estados Unidos, existe o sucesso do Exército da Salvação na reabilitação de uma grande parcela dos piores perdedores: prostitutas, ex-presidiários, alcoólatras, viciados em drogas, transformando-os em cidadãos competentes, que se sustentam e têm respeito próprio. Talvez seja o programa social de maior sucesso hoje em qualquer país desenvolvido, com uma taxa de reabilitação de trinta por cento para alcoólatras e viciados em drogas ilícitas.

Há também a uma significativa diferença de resultados entre os dois programas aparentemente muito semelhantes: os programas europeus (alemão e britânico) de benefícios aos desempregados e o programa americano. Os programas europeus transformam trabalhadores dotados de auto-estima em dependentes permanentes do bem-estar social. Nos Estados Unidos tem havido pouco desemprego crônico, apesar de sublevações da força de trabalho muito mais violentas qualquer uma enfrentada pelos alemães e britânicos.

Pelos padrões dos anos noventa, o Plano Marshall gastou muito pouco dinheiro e com parcimônia. O plano foi liberal em suporte técnico e consultoria, mas deu dinheiro apenas como semente a empresas que tivessem um histórico convincente e apresentassem um plano realista, com metas claras de desempenho. E tanto o suporte como o dinheiro eram retirados no momento em que a empresa – fosse ela privada ou do governo – desviasse dinheiro do plano acertado ou deixasse de atingir as metas prefixadas de desempenho. A Revolução Verde gastou ainda menos. Seus agentes descobriram agricultores indianos competentes e trabalharam em conjunto com eles, experimentando novas sementes e novos métodos de cultivo. O principal uso do dinheiro dois como seguro contra o risco de malogro da safra nos dois ou três primeiros anos críticos. O Exército da Salvação praticamente não gasta dinheiro. Ele explica seu sucesso como sendo baseado em disciplina, trabalho duro, pagamentos para subsistência mínima, um programa puxado de ensino de aptidões e compaixão ilimitada. Qualquer um que infringir as suas regras draconianas está fora, por mais necessitado que seja. Nos Estados Unidos, o seguro-desemprego é tão alto quanto na Europa nas primeiras semanas ou meses – para algumas classes, como a dos trabalhadores da indústria automotiva, é até mais algo. Ele provê amplo suporte para o período no qual o recém-desempregado está, provavelmente, em estado de choque. Mas em pouco tempo, o pagamento diminui e é interrompido depois de dois anos. Portanto, existe um forte incentivo para que a pessoa procure emprego. Mesmo em cidades ou regiões que foram fortemente dependentes de uma fábrica ou indústria única que foi totalmente fechada, em menos de dois anos a taxa de desemprego volta ao nível da média nacional. E esta, mesmo em épocas de perturbações no mercado de trabalho, raramente permanece muito tempo acima da taxa natural de desemprego, isto é, da taxa que expressa o giro normal entre empregos da economia americana.

Em outras palavras, programas de bem-estar social podem funcionar, mas somente se o axioma “Tudo aquilo de que os pobres precisam é dinheiro” for trocado para “Tudo aquilo de que os pobres precisam é competência”. É claro que existe a necessidade de dinheiro, mas por si só ele encoraja a incompetência e a irresponsabilidade, pelo menos na visão de Drucker. Os programas de bem-esta social de hoje focalizam necessidades. Porém, só haverá bem-esta social se o foco for sobre resultados.

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Bem-estar social: desafio para o século vinte e um

Hoje os principais países estão e preocupando com os gastos de bem-estar social. Nos Estados Unidos, o programa de Ajuda às Famílias com Crianças Dependentes está sendo drasticamente reduzido por alguns Estados como Nova Iorque, Califórnia e Massachussetts; além disso, o novo Congresso, dominado pelos republicanos, está fazendo cortes no país como um todo. A Itália ao menos está falando a respeito de uma reforma no programa de pensões. A Grã-Bretanha está prestes a decretar cortes para os desempregados permanentes, assim como a Alemanha. Essas propostas penalizam a dependência permanente. Isto poderá resolver o problema em países como Alemanha e Itália, onde os beneficiários são, em sua maioria, pessoas competentes e saudáveis, cuja principal incapacidade é o próprio programa de bem-estar social.

Mas para as pessoas que carecem de competência – os beneficiários nos Estados Unidos e, em grande parte, na Grã-Bretanha – é preciso criar incentivos positivos para que elas não recorram aos programas de bem-estar social e, caso o façam, não permaneçam dependentes do mesmo. Certamente os governos terão de pagar uma parte (embora se possa exigir, como nos programas do Exército da Salvação, que os beneficiários reabilitados se tornem doadores ou voluntários). Não é provável que seja possível depender totalmente de filantropia para ajudar os menos favorecidos, como acreditavam os vitorianos. Mas a execução dos programas de bem-estar social deve ser entregue, tanto quanto possível, a organizações comunitárias não-governamentais. É isto que ensina o exemplo do Exército da Salvação (e de muitos outros programas menores e menos visíveis nos Estados Unidos, especialmente aqueles dirigidos por igrejas). A principal necessidade dos menos favorecidos não é dinheiro, mas aquilo que faz o Exército da Salvação m sucesso: disciplina, empenho, trabalho duro, respeito próprio e muita atenção individual. E, intangíveis como estes, nenhuma burocracia governamental é capaz de prestar, por melhores que sejam as suas intenções.

Na presente discussão da reforma do bem-estar social, a ênfase em todos os países está no dinheiro, o que é um erro, pelo menos ao ver de Peter F. Drucker. Em primeiro lugar, um programa de bem-estar social tem um orçamento elevado somente se for um direito da classe média, como no caso do seguro-desemprego alemão e dos benefícios aos inválidos na Itália. Os programas dirigidos aos verdadeiramente menos favorecidos – como nos Estados Unidos e Grã-Bretanha – têm orçamentos mínimos quando comparados como os programas para atender direitos da classe média competente, como Medicare, Seguridade Social ou Serviço Nacional de Saúde britânico. Em segundo lugar, o fazem – é seu mal menor. Eles desperdiçam vidas. Se apresentassem resultados, seriam baratos até se custassem o dobro. E a razão para a sua existência não deve ser, como afirmava o Estado do Bem-esta Social, que os menos favorecidos e os menos competentes merecem ser financeiramente apoiados. Os programas devem existir porque essas pessoas merecem ter recuperada sua competência, respeito e sustento próprios – e este são os resultados que os programas devem visar e pelos quais devem pagar.

Também o bem-estar social internacional, isto é, a ajuda externa, está sendo drasticamente cortado. Entretanto, ele deveria ser totalmente interrompido, exceto em casos de desastres, como terremotos, ou para abrigar e alimentar refugiados de guerras civis. No terreno internacional, o que é preciso é uma Sociedade Civil – e isso o dinheiro não pode comprar.

Todavia, o desenvolvimento de políticas que realmente promovam o bem-estar social doméstico, ao invés de criar dependência e destituição, será o maior desafio social para as democracias na próxima década e um teste crucial para elas como sociedades atuantes.

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Democracia e paz: as sociedades civis no pós-guerra

A economia keynesiana ainda está por baixo das políticas domésticas das democracias. Durante a metade do período entre a Segunda guerra Mundial e os dias atuais, ela reinou inquestionada. Mas na segunda metade do século vinte, isto é, a partir dos anos setenta, ela foi e continua sendo cada vez mais atacada por aqueles que nos Estados Unidos são denominados neoconservadores (e, em outros países, de neoclássicos, expressão que Peter F. Drucker usa). Na economia internacional, os neoclássicos reinam supremos. A economia neoclássica é a base das agências internacionais, como o Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os governos que são keynesianos internamente – em especial o dos Estados Unidos – tornaram-se neoclássicos em economia internacional. Sempre que outro país enfrenta problema, os Estados Unidos o aconselham a aceitar depressa a prescrição neoclássica.

Os economistas neoclássicos, como seus ancestrais no século dezenove, pregam a superioridade do livre mercado sobre qualquer outro sistema de organização econômica. Mas eles vão muito além dos seus mentores: afirmam que o livre mercado criará uma sociedade atuante e um sistema político democrático estável. O livre mercado existe em algum lugar? Algum dia existirá? Trata-se apenas de mais uma utopia? Estas questões não serão abordadas no presente texto.

O neoclassicismo remonta ao livro intitulado “O caminho para a servidão”, de autoria Friedrich Hayek do ano de mil novecentos e quarenta e quatro. O autor afirmava que qualquer manipulação do livre mercado conduz, em pouco tempo, à destruição da liberdade política e à tirania. Ele também sustentava – e esta foi a sua tese mais importante – que uma economia baseada no livre mercado e sem controles, regulamentações e intervenções do governo cria uma sociedade livre, justa e igualitária. Hayek transformou em doutrina social e política aquilo que no século dezenove era uma teoria econômica.

O seu livro foi um sucesso imediato, embora por muito tempo não tivesse grande impacto sobre as políticas governamentais ou nos meios acadêmicos. Porém, à medida que o fracasso da economia keynesiana tornou-se cada vez mais evidente, o neoclassicismo tornou-se cada vez mais respeitável. Ele ainda não é adotado pelos governos na política doméstica – os gastos deficitários são demasiado atraentes para que os governos adotem a austeridade e a autodisciplina do neoclassicismo. Entretanto, nas universidades, os keynesianos hoje são minoria e se encontram principalmente entre os economistas mais velhos. Os mais jovens tornam-se neoclássicos, mesmo em redutos keynesianos, como Harvard, Instituto tecnológico de Massachussets (MIT) e Cambridge. Até o final dos anos setenta, o prêmio Nobel de Economia ia regularmente para keynesianos, como Paul Samuelson (em mil novecentos e setenta) ou Kenneth Arrow (em mil novecentos e setenta e dois). Nos últimos quarenta anos, cada vez mais ele tem ido para neoclássicos, como George J. Stigler (em mil novecentos e oitenta e um), James M. Buchanam (em mil novecentos e oitenta e sete e Gary S. Becker (em mil novecentos e noventa e dois), por exemplo. A economia neoclássica tornou-se a prescrição padrão para reformular uma economia depois de ela ter tropeçado sob as economias estatista ou neokeynesiana dos anos cinquenta e sessenta (por exemplo, as economias da América Latina) – quando ela embarca no desenvolvimento econômico sistemático (como as economias do Sudeste da Ásia, começando pela Coreia do Sul); e para trazer de volta à vida as economias asfixiadas pelo comunismo, por exemplo, os países que formavam a União Soviética e a China pós-maoista.

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Não pode haver mais dúvidas de que as economias neoclássicas funcionam. De fato, elas funcionam como uma droga milagrosa. Tão logo uma economia adota políticas do livre mercado – isto é, corta os gastos públicos e equilibra o orçamento, privatiza as empresas estatais, reduz ou elimina as regulamentações e controles do governo sobre a atividade econômica, abre suas fronteiras às importações, permitindo, assim, a concorrência, elimina ou reduz as restrições sobre as movimentações de dinheiro e capitais, ocorrendo um boom econômico. Inicialmente, este é acompanhado por sérios problemas. Empresas ineficientes vão à falência, pois não mais podem ser mantidas vivas por barreiras tarifárias ou subsídios oficiais. Há um salto drástico no desemprego. Mas este período de transição não costuma durar mais de dois anos. O desemprego, por exemplo, cai rapidamente.

Isto aconteceu em vários países, como na Bolívia nos anos oitenta, no Chile um pouco depois, na Argentina depois de mil novecentos e oitenta e nove, na república Tcheca entre mil novecentos e noventa e um e mil novecentos e noventa e dois e, de forma mais espetacular, nos Tigres Asiáticos: Hong Kong, Taiwan, Cingapura e, alguns anos mais tarde, em suas vizinhas: Malásia, Tailândia e Indonésia. O que vem depois deste boom, não é objeto de análise ampla no presente texto.

Mas não aconteceu em todos os países. Exceto pela república Tcheca, ainda não aconteceu em nenhum país da antiga União Soviética. A economia do livre mercado também não afetou a economia da antiga Alemanha Oriental (DDR). Para impedi-la de morrer, a Alemanha Ocidental (RFA) precisou despejar grandes volumes de ajuda governamental. A liberação da economia produziu de fato um boom econômico na China. Mas no interior, onde vive a maioria das pessoas, ele logo cessou. E a região litorânea enfrenta uma feroz inflação, ao invés de uma economia estável. O México experimentou um grande crescimento econômico logo que adotou a economia de livre mercado entre mil novecentos e oitenta e sete e mil novecentos e oitenta e oito, mas este não produziu estabilidade social e política. Ao contrário, o crescimento econômico somente ativou as profundas falhas sísmicas culturais, econômicas, sociais e políticas que o atraso econômico havia impedido de produzir terremotos.

Em termos econômicos, o neoclassicismo foi plenamente aprovado. Mas as afirmações de que ele também geraria uma sociedade atuante e uma forma estável de governo – que o distinguiam do classicismo – foram totalmente desmentidas. O livre mercado funciona somente onde existem garantias institucionais de direitos de propriedade e, em especial, proteção efetiva desses direitos contra os poderosos – sejam eles reis, nobres, bispos, generais ou parlamentares - , como mostra o historiador econômico americano Douglas C. North em seu livro intitulado “Instituições, mudança institucional e desempenho econômico”, do ano de mil novecentos e noventa, pelo qual recebeu o prêmio Nobel de Economia em mil novecentos e noventa e três. Para que o livre mercado funcione, também são necessários um sistema legal confiável, uma infraestrutura de instituições financeiras e um sistema educacional adequado. O livre mercado não cria uma sociedade atuante – ele a pressupõe. Sem essa sociedade civil atuante, uns poucos especuladores podem ficar muito ricos, mas a economia permanecerá pobre. Pode haver um grande entusiasmo econômico, como houve na Rússia de Yeltsin ou na Shangai de hoje, mas a menos que haja a infraestrutura social de uma sociedade civil, esta reformulação econômica aparente corre o risco de ter vida curta. O desenvolvimento econômico sustentável de fato requer a economia neoclássica, mas antes é preciso que haja as instituições legais, financeiras e educacionais de uma sociedade atuante e os recursos humanos que essa sociedade produz, educa, desenvolve, testa e respeita.

Antes de Hitler, o núcleo tcheco da Tchecoslováquia era uma das sociedades mais estáveis, sólidas, burguesas e produtivas do mundo – depois da Suíça, a sociedade mais estável e sólida da Europa Continental. Ela foi brutalmente perseguida por Hitler e depois totalmente eliminada por Stalin. Mas permaneceram as fundações, tradições, memórias e as pessoas resolutamente burguesas em seus valores e compromissos. Na república Tcheca, o livre mercado podia – como aconteceu – se desempenhar economicamente tão logo os grilhões

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stalinistas fossem removidos. Hong Kong, Taiwan, Cingapura – e até a Coreia – herdaram instituições legais, financeiras e educacionais de seus antigos senhores coloniais, assim como a Malásia e a Indonésia. Por mais de um século, o Chile – com sociedade e política estáveis – foi considerado a Suíça da América Latina; assim, o livre mercado foi capaz de produzir uma economia atuante, a despeito de alguns anos de incompetência comunista seguidos por uma ditadura militar brutalmente repressiva. Mas onde não existe esta tradição de sociedade civil, como na África tropical, nas antigas terras do czar e na China, que nunca teve uma lei civil, o livre mercado por si só não consegue criar uma economia atuante e tampouco uma sociedade atuante.

A democracia como é comumente entendida – isto é, eleições livres e um parlamento ou congresso – não é a resposta. Hong Kong e Cingapura não têm eleições nem parlamento. Taiwan era, até pouco tempo, uma ditadura militar repressiva. O Chile iniciou seu espetacular crescimento sob uma ditadura militar repressiva. Há muitas evidências em favor da afirmação feita pelos governantes autoritários das economias do Sudeste da Ásia, em rápido desenvolvimento econômico, ao invés de precedê-lo, como prega o dogma político americano. Com exceção dos Estados Unidos, em toda parte o desenvolvimento político acompanhou o desenvolvimento econômico. O enorme desenvolvimento social, econômico e cultural de grandes países europeus no século dezenove, como a Alemanha Imperial, o Império Austro-Húngaro de Franz Joseph, a França de napoleão III, ocorreu sob regimes autoritários. O Japão do milagre econômico dos últimos sessenta anos está, em sua realidade política 9por exemplo, na supremacia de uma burocracia politicamente não controlada), muito mais perto do autoritarismo dos países europeus do século dezenove do que da democracia anglo-americana. Portanto, o fato de somente os Estados Unidos, dentre todos os países do mundo, terem alcançado o desenvolvimento político, antes do econômico, só pode ser outro caso de excepcionalidade americana.

Mas o que é absolutamente essencial – caso contrário o livre mercado não funcionará, nem mesmo como instituição econômica – é aquilo que os teóricos políticos do século dezenove chamavam de Rechtsstaat (o Estado de Justiça) e hoje chama-se de direitos humanos: uma ordem social e política que efetivamente protege a pessoa e a propriedade dos cidadãos contra interferências arbitrárias de cima. Os direitos humanos garantem igualmente a liberdade dos cidadãos para escolher sua religião, suas profissões ou vocações, para formar instituições sociais autônomas e para ler, falar, escrever e pensar sem interferência de qualquer poder, seja ele um partido, uma igreja ou um estado.

Se então a democracia surge, como acreditavam os liberais do século dezenove, ainda não se sabe. Mas sem os direitos humanos coo sua base, por certo nunca haverá uma democracia política – só caos e tirania. E sem os direitos humanos também é pouco provável que haja desenvolvimento econômico duradouro, mesmo com a liberdade de mercado.

Sabe-se agora – graças ao trabalho de Fernand Braudel, o grande historiador francês – que capitalismo e capitalistas não são fenômenos modernos. Ambos foram comuns em todas as épocas e podem ser encontrados na maioria das culturas e nações conhecidas. O que é moderno é o livre mercado como princípio organizador da economia. Os neoclássicos estão certos: sem o livre mercado não haverá uma economia moderna e atuante, nem crescimento econômico. Mas ele, por sua vez, depende de uma sociedade civil atuante, sem a qual é impotente.

Os liberais europeus dos século dezenove acreditavam que a civilização – isto significava um governo estável, ordem política, crescimento econômico rápido, uma classe média próspera e liberdade política e religiosa – se seguiria automaticamente ao estabelecimento das instituições políticas de uma monarquia constitucional com: um monarca hereditária com poderes limitados, um parlamento com partidos políticos e um orçamento anual, um serviço profissional civil, um pequeno exército regular com corpo de oficiais profissionais, um

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judiciário independente, um banco central, ensino público obrigatório; uma universidade ao estilo alemão e uma imprensa livre. Os liberais americanos do mesmo século acreditavam no mesmo modelo, como somente uma mudança: a substituição do rei hereditário por um presidente eleito. As duas versões do modelo foram exportadas para os quatro cantos da Terra.

Hoje esta modernização através de instituições políticas não é vista com bons olhos. Entretanto, ela se saiu melhor do que comumente se acredita. Em dois países – o Japão do século dezenove e a Turquia do início do século vinte – ela deu certo e criou uma nova e moderna civilização. Em outros países, como Romênia, Bulgária, Polônia, Brasil, México, Egito até na Rússia czarista, ela estabeleceu um ideal ao qual uma elite educada ainda aspira, a despeito de um século de frustrações e desastres. Mas o modelo político do século dezenove não conseguiu, criar a civilização liberal, esclarecida e pacífica que prometeu. Mesmo na Itália, ele teve impacto principalmente no norte, que havia tido uma civilização por muitos séculos. No sul – por exemplo, na Calábria ou na Sicília – a modernização política trouxe ferrovias e hoteis, mas pouca civilização.

A economia neoclássica de hoje tem se saído melhor que a velha política liberal do século dezenove. O livre mercado tem mudado as vidas de muito mais pessoas. Telefone, cinema, televisão e computador tiveram mais efeito que o navio a vapor, a ferrovia e os produtos industrializados que acompanharam a modernização política e eram seus símbolos mais visíveis. Os bens mudam o modo de viver das pessoas e a informação o modo de sonhar. Os bens mudam o modo de ver o mundo e a informação o modo de ver a si mesmo.

Contudo, o livre mercado dos neoclássicos, assim como as instituições políticas nas quais acreditavam os liberais do século dezenove, não cria uma sociedade civil e assim se encontra no mesmo impasse. Ele não funciona, a menos que haja uma sociedade civil, mas por si só não consegue criá-la – tal como o liberalismo político de cento e vinte anos atrás. Porém, para que as democracias conquistem a paz no mundo pós-Guerra Fria, elas precisam criar sociedades civis, em especial nos antigos países comunistas e na China (e talvez até nos atuais BRICS) do século vinte e um.

Sociedade civil: uma nova meta política internacional

A sociedade civil pode ser exportada? A única figura pública nas democracias que até agora formulou esta pergunta respondeu com um “sim”. Quando Jimmy Carter, então Presidente dos Estados Unidos, fez do estabelecimento dos direitos humanos uma meta da política americana e um pré-requisito para a concessão de ajuda, na verdade proclamou a promoção da sociedade civil, como meta da política externa, à paridade com a meta militar e política de contenção do comunismo. Carter foi ridicularizado como sonhador. Vinte anos mais tarde pode-se considerá-lo o realista; sonhadores eram aqueles que acreditavam na eficácia do livre mercado. Mas Carter não conseguiu fazer com que um só país aceitasse os direitos humanos, nem convencer o público nos países democráticos da sabedoria das suas prioridades. Mas vivia-se então no auge da guerra fria – e, em qualquer guerra, a vitória sempre vem primeiro; pensar na paz é perigoso e subversivo. Hoje, as democracias têm de reconsiderar suas posições: para conquistar a paz no mundo de hoje, elas precisam estabelecer a sociedade civil como uma meta política delas próprias. Caso contrário, a incapacidade do livre mercado para cumprir suas promessas econômicas, em especial nos antigos países comunistas, poderá destruir a credibilidade da liberdade e colocar novamente em risco a paz mundial.

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No mínimo, os governos terão de aprender que é inútil, insensato e, previsivelmente, um desperdício de dinheiro, investir num país – seja através de um empréstimo do Banco Mundial (Bird), ou de um crédito de estabilização - , a não ser que este estabeleça um sistema legal realmente independente e eficaz. Caso contrário, o dinheiro somente tronará ricas as pessoas erradas: chefes políticos, generais e exploradores, empobrecendo o país ao invés de enriquecê-lo. A mesma lição precisa se aprendida pelas empresas: investir num país como a Rússia ou a China de hoje – as quais nem começaram a construir seus sistemas legais – significa, quase que certamente, perder dinheiro e depressa. A experiência das últimas décadas é cristalina: o livre mercado não produzirá uma economia atuante e em crescimento, a mesmo que seja implantado numa sociedade civil atuante, com os direitos humanos sendo um requisito mínimo.

É comum dizerem hoje que as democracias se desorientam com o colapso do comunismo soviético. Elas não têm mais uma política, prioridades nem critérios a respeito do que fazer ou não. As antigas políticas, prioridades e critérios não têm sentido agora, quando não mais existe um inimigo público. Mas há uma nova política, uma nova prioridade, uma nova necessidade: a promoção da sociedade civil como meta política internacional. Ela não é uma panaceia, nem o fim da história, tampouco garante a democracia e nem mesmo a paz. Porém, é um pré-requisito para ambas e também para o desenvolvimento econômico. Somente fazendo da sociedade civil sua meta mundial é que as democracias conquistarão a paz.

Conclusão

Uma das falhas daquilo que passa como um pensamento gerencial contemporâneo é

que muitos gerentes veneram a novidade e nada mais. Os autores dos modismos mais

recentes, tenham ou não uma substância as suas afirmações, com frequência tornam-se

famosos por um ou dois meses, e depois desaparecem.

Mas existe Peter F. Drucker. Ele escreveu em seu primeiro livro: O fim do homem

econômico, no ano de mil novecentos e trinta e sete; em mais de meio século, o fluxo firme

de sólidos textos de administração que ele escreveu constitui, por si só, uma biblioteca

completa do assunto. Suas análises são consisstentes, suas conclusões racionais, seus

conselhos merecedores da consideração de todo administrador. Drucker recusou-se a

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permanecer desatualizado. Todos aqueles que negligenciaram ou ignoraram o melhor livro de

administração publicado em mil novecentos e noventa e três – A sociedade pós-capitalita –

sofreram uma grande perda.

Vive-se um período de grande transição social. A seguir, Drucker habilmente

interpreta as consequências da transformação pela qual o mundo passa naquilo que se aplica a

negócios, trabalho e, é claro, administração. Também ´re reavaliado como as políticas das

nações devem ser tomadas em conta no planejamento futuro dos negócios, são revelados os

critérios a respeito de trabalhadores, gerentes e fábricas no contexto maior da cidadania.

Numa época em que tudo parece estar fluindo, o texto afirma que fluir é a palavra correta

para a época atual e que o sucesso só é possível através de ações construtivas e deliberadas.

Mas o tema mais convincente de todo o texto, que se consuma na seção final, é que o

conhecimento precisa ser melhor compreendido, medido e gerenciado do que o foi no século

vinte.

Longe de negar o papel importante da gerência e da manufatura no futuro dos Estados

Unidos, Drucker os afirma. Porém, há um alerta que é melhor que os executivos entendam

que haverá gerências bem e mal informadas, assim como manufaturas – e somente as

primeiras serão competitivas o suficientes para sobreviver.

Há uma situação muito peculiar. Os jovens, quando estão na escola, ficam muito

entusiasmados com as ciências humanas, até as mais tradicionais, e cinco anos depois de

formados, eles as rejeitam e se tornam totalmente profissionais em sua orientação. Este

desequilíbrio não é saudável a longo prazo. Quando Drucker olha os executivos – pessoas

que começaram a quarenta ou cinquenta anos, pensa que esses gerentes de sessenta e cinco ou

setenta anos deveriam voltar às suas escolas e dizer: “Agora precisamos compreender um

pouco a respeito de nós mesmo e da vida!”. Porém, por esta perspectiva, o ensino pós-

graduado dos atuais gerentes foi um fracasso total, na visão de Drucker.

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Um verdadeiro fiasco. Mas cada vez mais executivos voltam á escola. Eles começam

a ver as ciêncais humanas ou o mundo da história como uma forma de refletir sobre suas

experiências profissionais e julgar como poderiam ter pensado ou agido de modo diferente e

olhar suas vidas a partir de perspectivas totalmente novas.

Durante a maior parte da história, ganhar a vida era algo que havia ser feito porque,

afinal de contas, era preciso comer. A vida não tinha tanto lazer. Agora, muitas pessoas

permitem que o trabalho consuma totalmente suas vidas: é disso que elas gostam. Mas no

passado, não se esperava que as pessoas admitissem que gostavam do seu trabalho. A ideia de

que seu trabalho podia ter significado não era discutida no passado. Isso era muito diferente

de hoje e ainda mais diferente do mundo do futuro. Atualmente, cada vez mais pessoas

esperam e exigem que seu trabalho e suas funções tenham significado. Provavelmente isso

jamais havia ocorrido há cento e vinte anos.

A indústria em crescimento, nos Estados Unidos e no mundo, em pouco tempo ser a

educação continuada de adultos. Nada está crescendo tão depressa, seja com médicos,

engenheiros ou dentistas. Em parte, isto está acontecendo porque as coisas estão mudando tão

rápido, em todos os campos de negócios e profissões.

Por exemplo, uma pessoa de quarenta anos – é, provavelmente, o melhor radiologista

da Costa Leste dos Estados Unidos. Ele chefia o departamento da radiologia – atualmente de

medicina diagnóstica por imagem – de uma grande escola de medicina. Sem estar lecionando,

ele ficlu uma semana estudando novos aspectos da tecnologia de ultra-som. Ele entende que

deveria ter feito isso um ano antes e já se considera atrasado.

Portanto, a pessoa educada do futuro é alguém que compreende que precisa continuar

a aprender. Esta é uma definição nova, e ele mudaraá o mundo em que se vive e trabalha.

Não apenas as empresas. Praticamente a única organização diferente é a dos militares.

Se for verificado, será visto que quase todos os militares de alta patente voltaram á escola

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muitas vezes. Quando eles vão para as escolas de comando e de estado-maior, o foco é de

fato estreito. Mas quando a Força Aérea os envia para a universidade para que eles obtenham

seu mestrado ou doutorado, os está forçando a ser mais amplos, a conseguir novas

perspectivas.

Muitas empresas estão encorajando seu pessoal a trabalhar na comunidade para

organizações sem fins lucrativos, o que talvez seja a melhor experiência aconselhável a um

gerente de trinta e cinco anos de idade.

Há cento e vinte anos, as pessoas não viajavam tanto, mas muitas delas falavam mais

entre si a respeito da natureza do ser humano e da vida. Hoje é impensável, por exemplo, ter

um jantar mensal com economistas, servidores civis graduados, grandes advogdos

internacionais, médicos, matemáticos, filósofos.

Os gerentes ainda serão necessários, mas em menor quantidade do que hoje. Muitas

pessoas que têm hoje o título de gerente não gerenciam nada. Há várias razões pelas quais

tem-se todos esses advogados corporativos. Uma delas é que, quando surgiram as grandes

organizações, o único modelo que havia era o exército. Naquele tempo, o exército prussiano

estava no auge da fama logo depois do ano de mil oitocentos e setenta e como todos os

exércitos, eles precisavam ter muita redundância. Assim, as corporações embutiram em si

mesmas muita redundância. Ninguém com menos de sessenta anos pode imaginar o quanto as

organizações estavam desprovidas de pessoas depois da Segunda Guerra Mundial. Como a

economia começou a se expandir logo após a guerra, havia a necessidade de pessoas e não

havia nenhuma, porque os baby-boomers só entraram para a força de trabalho vinte e cinco

anos depois. Assim, os jovens disponíveis tinham de ser promovidos muito rapidamente.

Antes de mil novecentos e vinte e nove, ninguém se tornava professor pleno antes dos

cinquenta anos. Quando Peter F. Drucker começou a lecionar numa escola de administração,

por exempolo, as matrículas estavam explodindo: durante cinco anos, elas dobravam a cada

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ano. Quando entrou, no ano de mil novecentos e quarenta e nove, a escola tinha seis centos

alunos. Quando saiu, tinha seis mil e quinhentos. E chegou a esse número em dez anos.

Durante aquela época, Drucker estudou certa vez a administração de um banco e

comentou com o executivo principal a idade média dos gerentes. Seus vice-presidentes, disse,

têm mesmo idade do que os seus antecessores tinha de casa. Tradicionalmente, eram

necessários trinta anos para alguém se tornar vice-presidente assistente aos quarenta e cinco

anos de idade. Então, de repente, devido á escassez de mão-de-obra, havia vice-presidentes

com vinte e seis anos de idade. Era preciso. Os cargos eram pequenos.

Certamente não haverá, no futuro, necessidade de tantos níveis gerenciais, nem de

tantos gerentes. A natureza do trabalho – e dos trabalhadores - é tal, que o excesso de

supervisão pode prejudicar a produtividade da empresa. Mas a gerência é necessária em todas

as organizações modernas; trata-se de uma função geral de todas as organizações, qualquer

que seja sua missão específica. Pode- se dizer até que a gerência é o órgão geral da sociedade

do conhecimento.

Uma equipe é uma das coisas mais difíceis de se dirigir. Druucker trabalhou muito

com equipes de beisebol. Elas são organizações muito peculiares e estão entre as coisas mais

difíceis de se dirigir. Poucos treinadores fazem um bom trabalho, precisamente porque lidam

com uma equipe, mas o melhor rebatedor ou é uma prima-donna, ou não presta. Em beisebol,

rebatedores médios não servem.

Nas corporações também existem prima-donnas, mas as pessoas muitas vezes não

percebem que precisam trabalhar em conjunto. É só pensar nas equipes dos escritórios de

projetos.

Há anos, Drucker perguntou a um dos altos executivos da Toyota, recém-aposentado:

“Quanto tempo levou para que sua equipe de projetos tivesse um bom desempenho? Ele riu e

disse: “Em primeiro lugar, o desempenho ainda não é bom e em segundo, começamos em mil

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novecentos e cinquenta”. Na Ford, Donald Petersen principiou no início dos anos setenta e se

aposentou em meados dos anos oitenta; ele se esforçou muito para fazer com que as equipes

funcionassem; mas ouviu na Ford reclamações recorrentes de que suas equipes não

funcionam.

É realmente necessário um ótimo gerente para formar um tipo de equipe na qual as

pessoas de fato trabalham em conjunto, se ajustam e aceitam sugestões e vão em frente como

uma unidade. Isto não é fácil. É preciso tempo, energia, uma missão e um tipo de liderança

muito claros. Assim, no futuro poderá não ser necessário um gerente no sentido lato da

palavra. Muitos executivos que são encontrados estão totalmente aturdidos por aquilo que é

falado sobre isso. Eles não sabem como formar uma equipe, e não é por falta de tentar, mas

porque a equipe precisa ser formada. É possível montá-la, mas trabalha todos os dias com

indivíduos.

A maioria das pessoas acredita que a manufatura americana tem estado em declínio.

Não há razão para essa crença. A manufatura cresceu tão rápido quanto a economia, isto é,

muito depressa. Ela se expandiu duas vezes e meio desde o final dos anos sessenta, o mesmo

que o Produto Nacional Bruto (PNB). Mas as pessoas ainda identificam a produção de

manufaturas com operários. Um grande erro. Ninguém parece daber que os empregos para

operários têm crescido menos que o voluma de manufaturados desde mil novecentos e

noventa, apesar de este fato aparecer em todo anário de estatística. A unidade de mão-de-obra

operária necessária à produção de uma unidae adicional de manufaturado vem decrescendo a

um por cento ao ano há mais de noventa anos – quase um século!

A produção de manufaturados tem crescido e dá tods os sinais de que continuará

crescento, e a participação da manufatura no PNB tem permanecido estável desde o ano de

mil oitocentos e noventa – por mais de cem anos – entre vinte e um e vinte e três por cento.

Todo o crescimento de serviços deu-se a expensas de agricultura, que no ano de mil e

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novecentos ainda representava cinquenta por cento e hoje é apenas três por cento. A

manufatura permaneceu constante. Mas o número de empregos para operários – não o

emprego total – tem caído e continuará a cair. Ainda não chegou-se ao fundo, embora esteja-

se perto. Está-se em dezoito por cento e deve-se chegar a dez ou onze por cento, o que não

significa outro corte de cinquenta por cento, porque a produção de manufaturados está

crescendo. Mas haverá um outro corte, de talvez dois a quatro por cento da atual força de

trabalho. Porém, esta tendência representa uma enorme mudança.

Pode-se citar duas ou três coisas como causadoras desta mundaça. O maior fator

isolado é a emergência de novas indústrias manufatureiras que não são intensivas em mão-de-

obra operária, mas sim de conhecimento. E conhecimento a forma de reengenharia. É a

reengenharia do processo de manufatura. A maioria das pessoas pensa que a automação é a

razão para a menor demanda por mão-de-obra. Há cinquenta anos, os blue jeans vinham em

três tamanhos, uma cor e um estilo. Hoje, eles vêm em dezesseis tamanhos e o dobro de

estilos. Mas o processo foi organizado de forma que o ônus dos ajustes não esteja no início,

mas no final do processo. Vai-se até o último estágio de costura com um comprimento, uma

largura e talvez uma cor. O ônus de ajuste a estilos e tamanhos está todos no fim, no clímax

de um processo contínuo e uniforme. Fazer desta maneira custa um pouco mais de tecido,

mas há basicamente um processp fluido, no qual praticamente todo o trabalho pode ser

programado. Não é um trabalho de máquinas; ainda há muito trabalho manual, mas ele é

programado e muito bem planejado. Assim, a mão-de-obra necessária é, provavelmente, um

quinto daquela que havia há quarenta anos, mas não apenas devido à automação. Os tecidos

são cortados em máquinas há oitenta anos, isto não é novidade, mas sim a reengenharia.

Não é tão radical quanto parece. É provável que qualquer bom engenheiro tenha sido

ensinado a aboradar desta maneira a produção de desde o ano de mil novecentos e quarenta.

Mas os últimos a fazê-lo serão talvez os fabricantes de automóveis, porque eles tinham um

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sistema fantasticamente eficiente, baseado num número mínimo de modelos. Uma vez

acertada a produção de um modelo para o ano, não se fazia mais nada. Bem, isso acabou.

Então, eles precisam reaprender o processo. Os japoneses mostraram o caminho, mas ainda

há mais a ser aprendido.

O conhecimento é absolutamente vital: uma país que tenha os trabalhadores do

conhecimento para projetar produtos e comercializá-los não terá dificuldade para que esses

produtos sejam feitos a baixo custo e com alta qualidade. Mas a estreiteza de visão e de

perspectiva não irá tornar nenhuma empresa, em nenhum país, mais competitiva no futuro.

No Japão as pessoas parecem notar que Peter F. Drucker tornou as empresas e os

gerentes muito mais conscientes da necessidade de se compreender o marketing no sentido

mais verdadeiro: é preciso deixar o mercado mover sua empresa, ouvir os clientes e atender

seus desejos e necessidades.

Os japoneses também parecem dar valor às palavras de Drucker sobre o custeio

controlado pelo preço: há de se projetar produtos com o preço que o mercado está disposto a

pagar.

Drucker também acredita que os japoneses entenderam antes e melhor o seu ponto de

vista de que as pessoas precisam ser vistas como coletas e um dos seus principais recursos.

Somente através deste respeito aos trabalhadores é que se pode atingir a verdadeira

produtividade. Finalmente, eles pareceram levar a sério que existe uma economia mundial e

que tentar vender somente dentro de suas fronteiras nacionais é provincianismo quando se

trata de negócios.

A Europa vê Drucker como umpioneiro da contracultura. Nos tempos modernos, a

maior parte dos gerentes europeus (e afinal de contas, é na Europa que estão as razões de

Drucker) tinha aquilo que ele chamaria de mentalidade “Krupp”, onde o gerente projeta a

atitude de: “Eu sou o dono de tudo” e todos os outros que trabalham na empresa não passam

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de “ajudantes”. Drucker teme em pensar quantos gerentes desta estirpe ainda existem em todo

o mundo.

Os problemas gerados por esta atidude são muitos. Ela bloqueia a comunicação e o

diaálogo de que necessita-se para se dirigir um negócio e não admite a possibilidade de que

muitas pessoas precisam tomar decisões para que uma empresa seja dinâmica. Mas muitos

gerentes ueropeus foram reduzidos a contar todos de lápis ou qualquer outra coisa igualmente

sem importância.

Bem, os gerentes europeus que seguiram os livro sde Drucker e o seu modo de pensar

viram imediatamente a sua defesa da gerência como um profissão, como algo que era um

pouco subversivo, rovolucionário e – em resumo – contracultural. De fato, sob este aspecto,

seu livro entitulado “A prática da administração” era, e ainda é, uma espécie de manifesto na

Europa.

A impressão de Drucker é que nos Estados Unidos os gerentes extraíram dois pontos

principais de seus escritos e seus conselhos. Em primeiro lugar, eles, no mínimo, começaram

a entender que as pessoas são um recurso e não apenas um custo. Drucker crê que os mais

esclarecidos começaram a entender aquilo que poderia ser realizado através do

gerenciamento de pessoas na direção de uma meta desejada; isto levanta o segundo ponto

importante que os gerentes americanos parecem perceber em seu trabaho: que ele os ajudou a

começar a “ver” a gerência. Em outras palavras, durante muito tempo o impacto – par amais

ou para menos – da gerência era invisível para a maioria dos americanos. Drucker crê que

muitos creditam a ele a descoberta da discipolina e a insistência para que as empresas

levassem a gerência a sério - como uma profissão que pode fazer uma diferença na vida

delas.

Drucker espera que os gerentes americanos – na verdade, do mundo inteiro –

continuem apreciando aquilo que ele vem dizendo quase desde o primeiro dia: que gerenciar

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é muito mais que exercer poder e privilégios; é muito mais que “fazer acordos”. Gerenciar

afeta pessoas e suas vidas tanto na empresa como em muitos outros aspectos. A prática da

gerência merece a maior atenção; ela é digna de ser estudada.

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Referências

Drucker, Peter. Ferdinand. (1995). Administrando em tempos de grandes mundaças. São

Paulo: Pioneira Adminsitração e Negócios.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). Um século em transformação. Artigo. Atlanta: Revista

Atlantic Monthly.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). As informações que os executivos necessitam hoje. Artigo.

Atlanta: Revista Atlantic Monthly.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). Lições comerciais da economia. Artigo. Atlanta: Revista

Foreign Affairs.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). Será o fim do Japão S.A.? Artigo. Atlanta: Revista

Foreign Affairs.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). Reiventando o governo. Artigo. Atlanta: Revista Atlantic

Monthly.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). As informações que os executivos necessitam hoje. Artigo.

Atlanta: Revista Atlantic Monthly.

Drucker, Peter. Ferdinand. (1991). A teoria do negócio. Artigo. Nova Iorque: Jornal Asian

Wall Street.

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Notas de Rodapé

1Adicione rodapés, se houver, em suas próprias páginas após as referências. O corpo

de uma nota de rodapé, como neste exemplo, usa o estilo de texto Normal. (Observação: Se

você excluir esta nota de rodapé de exemplo, não se esqueça de excluir a referência a ela no

texto também. Ela está no final do parágrafo de Título 2 de exemplo, na primeira página de

conteúdo do corpo deste modelo.)

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Tabelas

Tabela 1

Título da Tabela

Título da Coluna

Título da Coluna

Título da Coluna

Título da Coluna

Título da Coluna

Título da Linha 123 123 123 123Título da Linha 456 456 456 456Título da Linha 789 789 789 789Título da Linha 123 123 123 123Título da Linha 456 456 456 456Título da Linha 789 789 789 789

Observação: Coloque todas as tabelas da sua monografia em uma seção de tabelas, após as

referências (e, se aplicável, as notas de rodapé). Inicie uma nova página para cada tabela,

inclua um número de tabela e um título de tabela para cada uma, conforme mostrado nesta

página. Todo o texto explicativo aparece em uma nota de tabela que segue a tabela, como

este. Use o estilo de Tabela/Figura, disponível na guia Página Inicial, na galeria de Estilos,

para obter o espaçamento entre tabela e observação. Tabelas no formato APA podem usar

espaçamento simples ou de 1,5 linhas. Inclua um título para cada linha e coluna, mesmo que

o conteúdo pareça óbvio. Foi configurado um estilo de tabela para esse modelo que atende às

diretrizes APA. Para inserir uma tabela, na guia Inserir, clique em Tabela.

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Valores

Figura 1. Inclua todas as figuras em sua própria seção, após as referências (e notas de rodapé

e tabelas, se aplicável). Inclua uma legenda numerada para cada valor. Use o estilo

Tabela/Figura para facilitar o espaçamento entre a figura e a legenda.

Para saber mais sobre todos os elementos de formatação APA, confira o Manual de Estilo

APA, 6ª edição.