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ISBN 978-85-7846-455-4 A MÚSICA NA PRIMEIRA INFÂNCIA: EM BUSCA DE NOVOS SIGNIFICADOS Bruna Antônio Neves Universidade Estadual de Londrina [email protected] Eixo 1: Formação e Ação Docente Resumo: Este artigo teve como objetivo analisar a infância contemporânea em diálogo com a linguagem musical e expressiva no processo formativo da educação infantil. A análise parte de um estudo mais amplo, no processo de compreender a sociedade contemporânea regida pelos artefatos da Indústria Cultural, assim como, analisar a respeito da relação entre música e consumo. Ainda, o trabalho consiste em refletir a presença da experiência musical no processo formativo na Educação Infantil, conforme os dizeres das professoras da infância, bem como as propostas musicais que são direcionadas ás crianças. O tema de estudo se justifica pelo processo de leitura e reflexões no Projeto de Pesquisa “Indústria Cultural, Educação e Trabalho Docente na Primeira Infância: da semiformação à emancipação humana” da Universidade Estadual de Londrina atrelado ao trabalho de conclusão de curso. A metodologia é qualitativa com pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Acredita-se que é necessário repensarmos nossas práticas e pensarmos em novos horizontes musicais que efetivamente sejam adequados a criança em favor de sua formação integral e emancipada enquanto ser humano. Palavras-chave: Música. Indústria Cultural. Infância. Introdução Nos dias atuais existe uma enorme diversidade de músicas presentes em nosso meio. Cada vez mais nos deparamos com ritmos que tendem a despertar o interesse da maioria da população, tendo como objetivo modificar a cultura existente. A música está presente desde muito cedo na vida das pessoas. 124

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ISBN 978-85-7846-455-4A MÚSICA NA PRIMEIRA INFÂNCIA: EM BUSCA DE NOVOS SIGNIFICADOS

Bruna Antônio NevesUniversidade Estadual de Londrina

[email protected] 1: Formação e Ação Docente

Resumo: Este artigo teve como objetivo analisar a infância contemporânea em diálogo com a linguagem musical e expressiva no processo formativo da educação infantil. A análise parte de um estudo mais amplo, no processo de compreender a sociedade contemporânea regida pelos artefatos da Indústria Cultural, assim como, analisar a respeito da relação entre música e consumo. Ainda, o trabalho consiste em refletir a presença da experiência musical no processo formativo na Educação Infantil, conforme os dizeres das professoras da infância, bem como as propostas musicais que são direcionadas ás crianças. O tema de estudo se justifica pelo processo de leitura e reflexões no Projeto de Pesquisa “Indústria Cultural, Educação e Trabalho Docente na Primeira Infância: da semiformação à emancipação humana” da Universidade Estadual de Londrina atrelado ao trabalho de conclusão de curso. A metodologia é qualitativa com pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Acredita-se que é necessário repensarmos nossas práticas e pensarmos em novos horizontes musicais que efetivamente sejam adequados a criança em favor de sua formação integral e emancipada enquanto ser humano.

Palavras-chave: Música. Indústria Cultural. Infância.

Introdução

Nos dias atuais existe uma enorme diversidade de músicas

presentes em nosso meio. Cada vez mais nos deparamos com ritmos que tendem a

despertar o interesse da maioria da população, tendo como objetivo modificar a

cultura existente. A música está presente desde muito cedo na vida das pessoas.

Desde o seu nascimento, a criança cresce rodeada de música de acordo com o

ambiente que o cerca, sendo que o conceito de música pode ser visto de maneiras

diferentes, como uma linguagem ou uma manifestação artística.

O conceito de música varia de cultura para cultura. O canto, a

dança, o tocar variam de acordo com os povos. De acordo com Maffioletti (2001, p.

130), “a música é uma linguagem criada pelo homem para expressar suas ideias e

seus sentimentos, por isso está tão próxima de todos nós”. Jacas (2004, p. 245)

afirma que “a música é uma arte e, ao mesmo tempo, uma ciência. Nenhuma arte

criada pelo homem encontra-se mais próxima da vida que a música, a ponto de dizer

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que ela é a própria vida [...]”. Nesse sentido, a autora deixa-nos clara a ideia da

necessidade do ser humano vivenciar experiências musicais em sua vida, enquanto

necessidade humana de interação e ludicidade.

Entretanto, ao nos depararmos com a sociedade atual regida pelos

artefatos do consumo, da indústria cultural e dos meios de comunicação, tão

acessíveis na atualidade, vemos que a música cria conotações que vão além do que

deveria ser seu papel na vida social, já que passa a ser algo de perpetuação de

ideologias e interesses do consumo e da mercadoria. Através da indústria cultural, a

música é transformada em mercadoria, socializada, gerando lucros a quem o

mantém. As chamadas “músicas do mercado” influenciam tanto cultural como

socialmente nas atitudes e valores de quem faz uso. A mídia e a propaganda se

esforçam para disseminar as criações que a indústria produz. Através desses meios,

somos forçados a acreditar que necessitamos exercer o nosso poder de compra e

assim o mercado vêm se mantendo, contribuindo efetivamente no processo de

adaptação e neutralização da razão pelo indivíduo.

Adorno e Horkheimer (1985, p.16) contribuem ao afirmar que:

O segmento sobre a “indústria cultural” mostra a regressão do esclarecimento à ideologia, que encontra no cinema e no rádio sua expressão mais influente. O esclarecimento consiste aí, sobretudo, no cálculo da eficácia e na técnica de produção e difusão. Em conformidade com seu verdadeiro conteúdo, a ideologia se esgota na idolatria daquilo que existe e do poder pelo qual a técnica é controlada [...].

A indústria cultural impõe padrões a serem seguidos, tendo como

objetivo atingir a todas as camadas da população fazendo com que consumam

atendendo a interesses econômicos a fim de padronizar os consumidores. É fato de

que vivemos hoje em uma sociedade cada vez mais consumista, uma vez que os

padrões de consumo a nós impostos fazem com que a lógica do consumo fique mais

presente em nosso dia a dia. Assim, juntamente com a música e seus ritmos

desenfreados, vemos acompanhar na arena do consumo, as roupas de marca,

produtos de beleza, estilos diferenciados e, diante de tanto “encanto” da indústria, as

crianças também se tornam alvos fáceis e necessários para os interessados em

vender seus produtos e obter seus lucros. Nas propagandas presentes na televisão

no horário de desenhos animados, podemos observar a vasta quantidade de

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propagandas de brinquedos, roupas infantis e outras formas de sedução, a fim de

inserir esse público infantil na lógica do consumo. As crianças passam a ter no seu

discurso reflexo desse contexto mercadológico: “eu preciso, eu tenho ou eu quero”.

Mesmo que não nos demos conta, estamos contribuindo para a

manutenção da indústria cultural. Ao comprar determinado produto, acreditamos que

temos a necessidade em adquirir aquele bem para satisfazer as nossas vontades e,

assim o mercado vai produzindo cada vez mais até que atinja uma grande massa da

nossa sociedade. A mídia, cada vez mais vem sendo usada para aumentar e

conquistar o público para um determinado gosto musical seja através da tão

conhecida televisão, computadores e mais atualmente, os celulares. A cultura vem

sendo transformada como resultado de produção da indústria cultural através da

mídia. A música como está introduzida em nosso contexto social, acaba se

tornando um produto estereotipado dessas mídias tendo como produto final o

consumo. A partir de um personagem, são criadas diversas canções que viram

estampas de roupas, brinquedos, bolsas e outros tantos produtos para serem

consumidos.

Embora a criança traga um repertório musical de casa, a escola

infantil precisa ter claras suas propostas pedagógicas e de formação humana,

garantindo a criança experiências musicais que lhe enriqueçam no processo do

pensamento e da aprendizagem e, não simplesmente que lhe satisfaçam seus

desejos rítmicos. A escola deve desenvolver músicas que fazem parte da nossa

cultura, músicas que as crianças ainda não aprenderam ou tiveram contato e, não

somente músicas conhecidas e impostas pela indústria cultural.

Objetivos:

Analisar a infância contemporânea em diálogo com a linguagem

musical e expressiva no processo formativo da educação infantil;

Compreender a sociedade contemporânea regida pelos artefatos

da Indústria Cultural, assim como, analisar a respeito da relação entre música e

consumo;

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Refletir a presença da experiência musical no processo

formativo na Educação Infantil, conforme os dizeres das professoras da infância,

bem como as propostas musicais que são direcionadas ás crianças.

Metodologia:

A metodologia é qualitativa com pesquisa bibliográfica e pesquisa de

campo. Entre os autores que fundamentam o trabalho podemos citar: Adorno &

Horkheimer (1995), Brito (2003), Granja (2010), Maffiolett (2001) e Subtil (2006)

entre outros. E para a pesquisa de campo, utilizamos a pesquisa qualitativa por

considerá-la mais adequada para nossos estudos, com auxílio de um questionário

contendo 9 (nove) questões a respeito de como a música é vista pelos professores

da educação infantil, bem como a sua importância para o desenvolvimento integral

das crianças entre 0 a 5 anos. Ainda, como a música se faz presente na sala de

aula, quais as músicas mais trabalhadas, os momentos em que são trabalhadas e a

formação do professor para o ensino da música dentro do espaço educativo para a

primeira infância.

Referencial Teórico:

A música, a infância e o consumo

Graças à globalização e surgimento de novas tecnologias as

crianças vêm se tornando cada vez mais um novo segmento de consumidores. A

criança de hoje nasce rodeada de telefones, celulares, televisões, computadores,

etc. A presença da televisão possibilitou o contato com variados tipos de músicas.

Se olharmos uma criança assistindo a determinados programas, podemos perceber

olhares atentos e repetições de gestos iguais aos cantores que estão presentes na

tela da tevê.

Na sociedade atual, a música possui diversas finalidades e uma

delas é a de influenciar a vida das pessoas, incluindo adultos, jovens e crianças. A

transformação da música em bem de consumo e seu uso constante nos mais

diversos lugares como em supermercados, lojas, carros, bancos, fazem com que as

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pessoas se tornem passivas para ouvir uma música sem que ela queira e tenha

intenção de ouvir. Essa imposição proveniente pela indústria cultural faz com que a

escuta passiva se torne desinteressante e insignificante, de forma a aceitar de

maneira submissa com esse ‘lixo’ rítmico.

Ostetto (2004, p. 47), analisa as mudanças que ocorreram no

repertório musical que as crianças estão ouvindo. A autora lembra das cantigas de

roda que hoje em dia estão sendo substituídas por outros tantos ritmos e formas

musicais. As cantigas de roda e rimas tão exploradas antigamente estão perdendo

lugar para produtos como cds e dvds facilmente encontrados. Podemos dizer que a

indústria cultural coloca no mercado músicas para todas as circunstâncias e para

todas as preferências:

[...] o uso de hinos e canções patrióticas, para a agregação cívica; as músicas fúnebres provocam comoção e alimentam a tristeza; as músicas rítmicas e marcadas produzem movimento e assim por diante. Por outro lado, os estados afetivos tristeza, saudade, amor, alegria, desejo, revolta e anseios políticos buscam correspondentes musicais disponíveis (SUBTIL, 2006, p. 19).

A distribuição das músicas pode ser vista como um momento de

grande importância para a indústria cultural. Ela é produzida por gravadoras,

programas de televisão, produtoras, críticos musicais e tem como objetivo atingir ao

maior número de consumidores possíveis. A eficácia da transmissão é vista como

mais importante do que a qualidade e necessidade das músicas que estão sendo

distribuídas. Há os produtos que tem por finalidade disseminar a música como

karaokê, gravadores, computadores, fitas ou cds. Esse consumo acontece em

qualquer contexto independentemente do nível social ou econômico. A música não

deveria ter como resultado final atender as exigências do mercado e servir

simplesmente como algo que se pode comprar para gerar lucros a alguém.

Os produtos colocados à venda têm como objetivo atender o gosto

do mercado, aos seus interesses e não ao gosto popular. As músicas deixam de ser

obras e transformam-se em produtos, que geram lucros, que alimentam o

capitalismo, que se rendem ao modismo. Essas músicas que seguem a tendência

da moda surgem, mas passam, vão embora com o tempo, seu sucesso não é

duradouro. Para o mercado e para a indústria cultural, são descartáveis na medida

em que não atendem mais as suas demandas e interesses, e o maior dele: o lucro.128

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Quem desconhece um sucesso está “por fora”, ou quem ainda gosta de uma música que “já passou” é ridicularizado e discriminado, o que coloca em ação os mecanismos de manutenção de uma realidade compartilhada (SUBTIL, 2006, p. 92).

Quando falamos de consumo, produto, mídia, lucro e outros tantos

conceitos, não podemos falar que o sujeito não possa gostar das músicas que

“fazem sucesso”. O que deve ser levado a análise é que o sujeito (que possui

interesses) tenha consciência que seus gostos musicais vão além do que é moda e

que está nas paradas de sucesso do momento.

Educação Infantil e a linguagem musical com crianças

Independente do contexto social, ao buscarmos o conceito de

música e infância, vemos que nesta primeira etapa da Educação básica, a música

ganha destaque e um discurso de grande importância para o desenvolvimento

infantil. Ao buscarmos na história, vemos que desde a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB 9.394/96 afirma-se a necessidade de propiciar a criança o

ensino de música na Educação Básica, que vai desde a Educação Infantil até o

Ensino Fundamental. Entretanto, no cotidiano da escola a sua implementação não

tem sofrido reais mudanças no sentido de promover a criança à experiência musical

que lhe possibilite a criação, a autonomia, o pensamento crítico e a expressividade

infantil. Atualmente o que encontramos na escola são músicas conhecidas no

mercado que se relacionam com as “músicas preferidas” das crianças e, que muitas

vezes não condiz com a sua maturidade intelectual.

Infelizmente é comum tal argumento de professores da infância: “...

mas as crianças gostam tanto dessa música!”, não fazendo pensar em músicas de

boa qualidade e com verdadeiros significados. A escola, como espaço de formação

do pensamento crítico, tem o dever de fazer com que a criança tenha um repertório

de melhor qualidade, não de propor músicas apenas para animar as festas em

comemoração a alguma data festiva ou para fazer uso da música apenas enquanto

são realizadas as atividades em sala. Este repertório pode ir além das expostas nas

mídias como, por exemplo, Xuxa e Galinha Pintadinha. É comum de se observar que

estas músicas tão famosas nas salas de aulas estejam presentes “porque as

crianças conhecem”. Música clássica, samba e rock são alguns ritmos que podem

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ser apresentados para as crianças e que na maioria das vezes causam espanto por

parte de professores por acreditarem que não podem ser explorados, pois “não

fazem parte do universo infantil”. Conhecer novos ritmos musicais faz com que a

criança amplie seu repertório, que conheça outras culturas e respeite outras canções

que vão além do que a ela já foi apresentado.

De acordo com Pires (2005, p.85):

Portanto, a escola tem um papel importante no desenvolvimento musical da criança, seja trabalhando as músicas, seja mostrando-lhe a diversidade musical existente, seja na televisão, no rádio, computador, vídeo games, CDs e outros. Também deve trabalhar no desenvolvimento crítico do aluno de modo que com o conhecimento adquirido possa avaliar a qualidade ou não das músicas ouvidas e veiculadas nos meios de comunicação. Esse, é um ideal que ainda nos parece longe de ser alcançado, entretanto acreditar nas mudanças é a principal tarefa de um educador, para que possa também ser um agente transformador.

Diante disso, podemos pensar que há desafios em assegurar a

música nas escolas de nosso país. Se ela ainda é valorizada em algum período

podemos citar que na educação infantil ela tem seu espaço sendo trabalhada na

maioria das vezes de forma lúdica e com cunho recreativo. Podemos nos questionar

o porquê que conforme as crianças vão crescendo menos oportunidades de contato

com a música possuem.

Ao que parece, os professores estão buscando a música pronta e

acabada, isto é, colocam um cd ou dvd com algumas músicas “famosas” como “A

galinha pintadinha”, “Xuxa só para baixinhos”, “Patati Patata”, dentre outros, tocando

durante um certo período deixando as crianças ocupadas e atentas em frente à

televisão ou ao rádio. Também podemos observar que estas músicas presentes na

instituição escolar não possuem atrativos reais e, em muitos casos, não tem sentido

crítico e formador que garanta a percepção sonora e crítica pela criança. Outro

ponto importante a ser analisado é que essas músicas tendem a ter o mesmo ritmo.

Ritmo este, fazendo uso de rimas para facilitar a memorização das crianças. Quanto

mais fácil de decorar for à letra da música, mais tempo ela terá de sucesso.

De acordo com Granja (2010), a música está longe de ocupar um

lugar de destaque nas escolas. Para o autor, ainda que esteja presente em algumas

atividades, à medida que as séries avançam, a música vai perdendo espaço:

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Quando mantida no currículo, é tratada como disciplina isolada, desvinculada de um projeto educacional integrado. Outras vezes, permanece no currículo como disciplina optativa, destinada àqueles poucos que têm talento ou que já tocam algum instrumento (GRANJA, 2010, p. 16).

Basta que as músicas sejam capazes de agitar as crianças através

de ritmos diversos e amontoadas de repetições para virar “sucesso” entre a

criançada levando para a escola e sendo tocadas durante todo um período, sem

qualquer intencionalidade pedagógica, apenas, como na maioria das vezes, para

passar o tempo e preencher lacunas entre atividades.

[...] Os cantos (ou “musiquinhas”, como muitos ainda insistem em dizer) eram quase sempre acompanhados de gestos e movimentos que, pela repetição, tornavam-se mecânicos e estereotipados, automatizando o que antes era- ou poderia vir a ser- expressivo. A música, nesses contextos, era apenas um meio para atingir objetivos considerados adequados à instrução e à formação infantil. (BRITO, 2003, p. 51)

A música nas escolas não deve ser ensinada somente às pessoas

que desejam se tornar músicos ou que já tem contato com algum instrumento

musical. O ensino da música deve ser para todos, em igualdade e inseridos em sua

cultura formando pessoas com uma rica cultura musical.

As práticas pedagógicas musicais com crianças: “dizeres” de professoras da infância

Para haver a reflexão a respeito do tema abordado neste estudo,

houve a necessidade de uma pesquisa qualitativa. Para a pesquisa foram

selecionadas quatro professoras de uma escola privada e quatro professoras que

lecionam em um centro Municipal de Educação Infantil, ambas localizadas na cidade

de Cambé - Paraná. Todas as professoras responderam as mesmas questões. O

instrumento utilizado para a coleta de dados da pesquisa foi o questionário contendo

09 (nove) questões a respeito de como a música é vista por elas, bem como sua

importância para o desenvolvimento integral de seus alunos. Ainda, como a música

se faz presente em sua sala de aula, quais as músicas mais trabalhadas, os

momentos em que são trabalhadas e a formação do professor para o ensino da

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música dentro do espaço escolar. O objetivo da pesquisa é analisar as diferentes

percepções a respeito da música em sala de aula e como o trabalho com música

pode ser visto em diferentes faixas-etárias e se há diferença quanto a sua utilização

na escola privada e na pública.

Após apresentar os objetivos do questionário para enriquecer o

estudo, foram entregues para cada docente tanto da escola privada quanto da

escola pública, os questionários. As professoras levaram para casa e responderam

de forma escrita com prazo para serem entregues. Os dados foram analisados a

partir da fala de cada participante, fazendo comparação à pesquisa teórica sobre o

tema. A partir da coleta de dados, desenvolveu-se a análise das informações

prestadas pelas respectivas professoras da Educação Infantil. Primeiramente serão

analisadas as respostas das professoras da escola privada. Esses dados docentes

possibilitaram-nos observar como a prática com a musicalização acontece no

ambiente escolar.

Quando perguntadas sobre a frequência em relação à

musicalização, todas responderam que diariamente utilizam-se desta experiência

com as crianças. Uma frase dita por todas as professoras, é que a música “faz parte

da rotina”, pois, de acordo com elas, “deve ser utilizada diariamente”.

De acordo com Jacas (2004, p. 277):

O momento do canto não deve ser reservado para uma hora determinada: nessa etapa é preciso aproveitar qualquer oportunidade, um acontecimento, uma comemoração, um centro de interesse, etc.

A respeito de quais músicas são mais trabalhadas pedagogicamente

com as crianças, é notável a preferência por canções consideradas tradicionais e

que retratam a cultura popular, como por exemplo: “Meu lanchinho”, “Alecrim”,

“Terezinha de Jesus”. Podemos analisar que essas músicas são cantadas por

professoras desde o berçário até a professora do Pré 3, sendo assim, consideradas

as músicas para todas as idades, crianças de 01 a 05 anos cantam e escutam as

mesmas músicas praticamente. Um ponto também observado é que as crianças do

Pré 3, como sendo o fim da Educação Infantil, possuem um menor contato com

momentos de presença musical em sala de aula, dando aqui início a alfabetização.

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As expectativas das crianças quando se tem contato com a música

em sala de aula, são, conforme afirmam as professoras, boas e é um momento

prazeroso. Há um maior interesse por parte das crianças quando as músicas estão

de acordo com a faixa etária delas. O ensino da música nesta escola privada

acontece, além do trabalho diário com as docentes, uma vez por semana com a

presença de um profissional específico da área de música. De acordo com as

docentes, a contribuição desta aula é espetacular. Elas disseram que há a presença

de instrumentos musicais, o que enriquece ainda mais o trabalho e que as crianças

participam com grande interesse.

Questionadas a respeito se há relação do trabalho com música e

outras áreas do conhecimento, todas responderam que sim e nos deram exemplos

como: música para se trabalhar com o corpo humano, a numeração, o alfabeto,

hábitos de higiene e para se organizar em uma fila. Uma fala que destacamos como

importante dita por uma das docentes, é que “a música possui essa possibilidade de

ser trabalhada com outras áreas, pois é significativa para as crianças”, por isso o

trabalho torna-se expressivo e possibilita ser trabalhada em tantas áreas.

Ao perguntarmos a opinião das docentes a respeito se o professor

que desenvolve o ensino da música com crianças precisa ter formação específica,

as professoras nos responderam que nas atividades corriqueiras do dia-a-dia não é

necessário, no entanto, em se tratando de um momento específico de ensino de

música com professor especializado, “o trabalho é bem diferente e o momento de

maior expectativa”.

Ao analisarmos as respostas das professoras da Escola Pública, de

uma forma geral, todas as docentes nos disseram que a música é tão importante

quanto às outras áreas do conhecimento e que auxilia nas diversas “áreas” como

oralidade, coordenação motora, socialização, concentração, etc. Ao perguntamos a

respeito de como a música se faz presente, que ocasiões e quem as organizam e

conduzem, as quatro docentes relataram que: “A música está presente em todos os

momentos”. Um fato analisado é que assim como na escola privada, a música

também é vista como auxilio nas atividades rotineiras: utilizada antes das atividades,

refeições, quando a criança chega a escola, etc. No que diz respeito a escolha das

músicas, as professoras disseram que quem as organiza são as próprias

professoras.

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A respeito da expectativa das crianças quando se tem contato com

música em sala de aula, as 04 (quatro) docentes relataram que as crianças ficam

animadas, gostam e é um momento atrativo. Ao pedirmos a opinião sobre a música

ser vista como um momento de lazer e na maioria das instituições de ensino ela é

usada somente em apresentações a respeito de datas comemorativas, todas as

docentes responderam que na escola em que lecionam isso não acontece.

Como todo profissional de Educação, o professor da Educação Infantil deve estar em constante busca para se profissionalizar também como educador musical através de práticas, de vivências individuais e coletivas e pelas contribuições teóricas que certamente irão conferir significados às experiências concretas (GUILHERME, 2006, p. 162).

Quando perguntamos a respeito de quais músicas são mais

trabalhadas pedagogicamente com as crianças e se há um repertório de preferência,

a fala dita pelas 04 (quatro) docentes em comum é que há músicas que as crianças

gostam de cantar todos os dias e que a escolha das músicas se dá de acordo com o

que está sendo trabalhado e de acordo com o contexto. Uma fala comumente

utilizada diz respeito que a música está inserida na rotina e está presente em

praticamente todos os conteúdos, podendo ser trabalhada de forma interdisciplinar,

e que a música pode ser utilizada como instrumento para aquisição de outros

conteúdos, levando a uma aprendizagem concreta. De um modo geral, todas

analisam a música como tendo uma relação com as outras áreas, é vista até como

sendo “dissociadas” as demais áreas.

Jacas (2004, p. 278), nos traz algumas sugestões a respeito do

repertório das músicas que podem ser cantadas em sala de aula:

Com as crianças menores, as canções serão curtas, alegres, de ritmo fácil e agradável, dando a expressão oportuna, ditada pela letra ou pela própria melodia; canções que se repetirão sempre que a criança solicite e em qualquer momento (enquanto manipula os brinquedos, descansa, come).

Ao final da análise dos questionários, podemos notar que ambas as

escolas (pública e privada), exaltam a música como recurso auxiliar para aquisição

de novos conhecimentos e a música está bastante presente na rotina, seja, segundo

as professoras, antes de uma atividade, antes e depois do lanche, na hora da 134

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higiene, etc. Outro aspecto presente na maioria das respostas é que a música auxilia

no desenvolvimento de diversas áreas do conhecimento como a socialização, a

oralidade, a coordenação motora, a concentração, etc. A respeito se há diferença

quanto ao trabalho com música na escola privada e na escola pública, podemos

notar que na escola privada há uma professora formada na área de música. Uma

outra diferença observada, é que na pública há um trabalho mais lúdico e

expressivo, com bandinhas e músicas folclóricas e “culturais”, que vão além das

músicas conhecidas pela mídia. Na escola privada, o que se predomina de acordo

com as reflexões feitas após os questionários, é uma maior presença da música em

horários marcados para acontecer, mais como atividade rotineira e com auxílio de

rádios e cds. Podemos refletir também que na escola privada, quanto menor a

criança, existe um contato maior com a música, já na escola pública notamos que a

música é trabalhada com a mesma importância em todos os níveis, não havendo

distinção conforme a criança vai crescendo.

Diante do que foi analisado e refletido a partir dos dados coletados,

podemos pensar em experiências musicais significativas para as crianças. Como

propostas, cabe aqui mencionar, primeiramente a valorização da cultura existente

em nosso país, trazendo canções pouco conhecidas pelas crianças. Poderão ser

inseridas músicas que fazem parte da cultura de outros países. Outra proposta é

estimular as crianças a inventarem ou mudarem as letras de algumas canções já

conhecidas, contribuindo para o desenvolvimento de seu processo criativo além de

tornar o contato com a música mais prazeroso. Trazer a música para os momentos

de brincadeiras e danças, canções de diversos ritmos e com a utilização de diversos

instrumentos são propostas que trariam experiência musical para as crianças da

Escola Infantil. Quanto mais experiências com a música a criança tiver contato, mais

rica e significativa será a sua formação.

Considerações finais

Este estudo possibilitou repensar a respeito da música enquanto

prática presente no dia a dia da escola. Podemos notar que muitas vezes, a escola é

o único lugar onde a criança poderá ter contato com ritmos diferenciados, recursos

que estimulem a produção de sons e canções que possam contribuir para vivências

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mais ricas para o imaginário criativo e inventivo de crianças, contribuindo

significativamente para o seu aprendizado e desenvolvimento humano.

Cabe ao professor estudar, se dedicar e ouvir as crianças, trazendo-

as para a escolha do repertório, dialogando ao conteúdo musical e não somente ao

ritmo e melodia. As músicas podem ir além daquelas que as crianças costumam

ouvir e já estão habituadas, trazendo novos repertórios músicas e suas origens,

ampliando o acesso das crianças sobre os conceitos culturais e musicais, sendo até

mesmo, os instrumentos musicais que conhecem e não tem acesso e os que não

conhecem. O trabalho com música no espaço educativo infantil pode acontecer em

diversos momentos, não dependendo de um momento específico, uma vez que a

música faz parte do processo lúdico de aprendizagem de crianças.

É necessário que o professor entenda que há uma enorme

variedade de ritmos e que a criança pode se interessar por cantores e ritmos que

para eles ainda são desconhecidos, mas que com o ensino e a mediação do

professor consciente e crítico, essa criança poderá ampliar seu repertório de

experiência musical, além de se auto beneficiar enquanto processo de formação e

internalização de novas culturas.

Referências

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

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