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Ellen Crista da Silva

Vinícius, um Down adulto

Questões de linguagem, idade adulta e inclusão

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Agradecimentos

À todos que cruzaram nossa jornada e percorreram trechos da caminhada conosco,Aos que continuam partilhando desta caminhada,Aos que já se foram de nossas vistas, mas deixaram seu punhado de amor em nossos

corações,Aos que não acreditaram nas possibilidades do Vinícius, pois nos impulsionaram a

não desistirmos, jamais...Aos que acreditaram e, muitas vezes, mesmo silenciosamente diziam “vá em frente,

tente de novo!”...Aos que passaram rapidamente, deixando seu perfume no ar, entre nós...Aos que permanecem colorindo nossos dias e sonhos...Aos que não tem o nome no livro, mas na nossa memória...Aos que amam conosco,Aos que oram conosco,À todos que, de certa maneira, estiveram e estão conosco,

 Nosso muito obrigado! Ellen e Vinícius

Sem o Vinícius, tudo seria diferente.Com ele, tudo continua diferente.

 Mas com vocês, tudo é especialmente diferente!

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Sumário

Apresentação............................................................................................................ 04Menino Passarinho...................................................................................................05

Agradecimentos....................................................................................................... 06Capítulo 1 Nasceu! É menino........................................................................................ 07Reação da família......................................................................................... 09Uma cirurgia: problema a ser encarado....................................................... 09A desinformação......................................................................................... 11

Capítulo 2O menino Vinícius, carismático................................................................... 13Aluno, desportista e artesão......................................................................... 13TV, atores e artistas......................................................................................15Manias.......................................................................................................... 17

Capítulo 3Vinícius e a fala........................................................................................... 18Um pouco sobre estimulação na linguagem................................................ 19A aquisição da linguagem............................................................................ 19A aquisição da linguagem na Síndoreme de Down..................................... 22A aquisição de Wh- when na Síndrome de Down........................................23Entrevistas com Vinícius............................................................................. 23Um caso de aquisição de passiva................................................................. 28Refletindo.....................................................................................................28

Capítulo 4Preconceito e “inclusão exclusiva”..............................................................29A inclusão exclusiva na escola.....................................................................31Vencendo barreiras e incluindo-se no mercado de trabalho........................ 32O que dizem as leis...................................................................................... 34

Capítulo 5Refletindo em espiritualidade...................................................................... 37Um Natal muito especial..............................................................................37

Capítulo 6 – Vale a pena ler!....................................................................................39Sobre a Síndrome de Down..........................................................................39Sobre linguagem e estudos referentes a aquisição de linguagem em SD.... 39Sobre os direitos do portador de deficiência e os deveres da sociedade...... 40Outros........................................................................................................... 40

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Apresentação

Ver-se no mundo às voltas com uma pessoa portadora de algumadeficiência estimula o ser humano a efetuar questionamentos, emboranem sempre as respostas sejam satisfatórias. Neste livro, deixarei delado muitos aspectos e informações que complementam estudos dasíndrome, uma vez que outros autores se dispuseram a fazê-lo, e seriaredundante tentar explicar o que já foi uma vez explicado.

Este livro tem o objetivo de dividir experiências com pais e mãesde filhos com Síndrome de Down e de provocar a investigação, por

 parte de lingüistas, fonoaudiólogos, médicos, psicólogos e outros pesquisadores e estudiosos no ramo da aquisição da linguagem.

Encontrei-me jovem no seio de uma família nova, em formação ecom o primeiro filho diante de muitas dúvidas, perguntas edesinformações. Eu estava na casa dos vinte anos quando Viníciusnasceu. Coloriu o mundo desta nova família, e a síndrome impeliu aentender muitas facetas do ser humano e a buscar recursos físicos eespirituais que amenizassem os preconceitos e suprissem as suasnecessidades nesta vivência terrena.

Repentinamente nos vimos, como pais, de um ser que precisava demuito mais que simplesmente crescer, amadurecer e ser encaminhado

na vida: precisaria de apoio para enfrentar os desafios pertinentes aofalar, andar e pensar, antes de tudo. Mais tarde, precisaria de apoio para se sentir 'socializado', enfrentando os preconceitos que rondam avida de pessoas especiais.

Vinícius é especial, e muito, pois não apenas me proporcionouidentificar e viver as várias facetas da vida e do ser humano, como proporcionou às pessoas à sua volta identificarem e viverem estasfacetas. Muitas vezes não fomos nós, pois, que desbravamoscaminhos, mas pessoas nos iluminaram; indicaram o caminho eseguiram conosco trechos desta jornada.

É o caso, por exemplo, de um amigo poeta, que inspirado no

Vinícius, descreveu-o magicamente num poema:

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Menino Passarinho

Adenir Paz da Silva

Como me emocionas, Vinícius Neste teu viver passarinho,Transmites amor e carinho Na maneira meiga de olhar,Tens candura no falar No teu jeito simples de serE eu tento te entenderA paz que me queres passar.

Me dizes que tudo é belo, ViníciusMe dás exemplos de vida,Que não tem carreira perdida Na cancha reta da persistência,Pedes que eu tenha paciênciaQue não rejeite a um perdãoE que dentro do coraçãoHá um mundo de benevolência.

Me ensinas a querer bem, ViníciusDe amar o meu semelhanteDizes que ele é importanteParceiro do meu dia-a-dia,Queres que eu viva com alegriaQue eu reze para quem precisaAfirmas que um sonho se realizaComo um toque efeito magia.

Pedes que eu tenha fé, ViníciusQue eu nunca perca a esperançaQue eu não deixe de ser criançaE que não pare de brincarPorque o mundo não pode pararPor causa de uma tristezaAssim eu verei a belezaDe estrelas no céu a brilhar.

Por tudo isso, continues, Vinícius No teu jeito simples de ser

Contigo – iremos aprenderA viver com amor e carinho,Estaremos juntos e não sozinhosSeguiremos o teu ensinamento,Seremos mais humanos por dentro,Meu menino passarinho.

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Capítulo 1

Nasceu É menino

O despertador toca, como metodicamente toca todos os dias... são 6:45. Levanto, tomo meubanho, me visto e desço para o café. O pai do Vinícius também levanta cedo. Sai para daruma caminhada, antes de acordar o filho. Quando retorna de sua caminhada, já saí para aUniversidade. Vinícius então é acordado,toma seu banho, veste seu uniforme, coloca ocrachá da firma, arruma a carteirinha no bolso, relógio no pulso, mais uma figurinha deum artista preferido num outro bolso e desce para tomar café. Senta-se à mesa, enche a xícara de café, leite e muitas colheres de açúcar. Tanto açúcar, que nem toma tudo. Não foi por falta de explicar, pedir, falar... Escolhe duas fatias de pão, passa margarina e lhedeita uma fatia de presunto.

-Rápido Vinícius... estamos atrasados. (Alerta o pai.)

Vinícius apenas observa o pai. Continua, no seu ritmo, no mesmo compasso, a tomar ocafé. Não manifesta a pressa do pai. O relógio que espere! Enfim o café é terminado eambos vão para o serviço. Ao chegar na firma, Vinícius se despede do pai, prometendo:

-Hoje vou “arrebentar”! (Querendo dizer que vai trabalhar legal.)

O pai retoma o caminho para seu trabalho. Está satisfeito. A família está satisfeita. OVinícius está ‘inserido’ no mercado de trabalho. O Vinícius é um Down ‘incluído’.

Vinícius veio com muito amor ao mundo. um amor-duplo, diria eu. Ou, um amor-dobrado. Filhos! Como eu queria filhos! Sonhava com uma família! Vinícius veio reforçarmeu amor por filhos e mais, por um filho especial.  Por isso, um amor-duplo. Depois doVinícius, mais duas filhas abençoaram o seio da família! Mas, enquanto grávida doVinícius, naquela segunda-feira, após uma noite mal-dormida, nos preparamos para recebero nenê, nosso primeiro filho! Não sabíamos o sexo. Optamos pela surpresa! Foi assim como Vinícius e, anos mais tarde, com as suas irmãs: Heloisa e Taiane. Meu pai, o avô, aosaber da probabilidade do parto ocorrer naquele dia, passou o dia no nosso apartamento.Estava um vovô todo bobo!

Gisa era minha vizinha de apartamento e colega na Faculdade de Engenharia Civil.Ficou me assistindo durante o dia. Ao final da tarde fui levada à maternidade: o partoestava para acontecer. Foi rápido e controlado por exercícios que tinha feito com uma professora de ginástica para gestantes. Eu estava feliz! Meu filho tinha nascido! Viníciusestava conosco!

 Na manhã seguinte, tivemos de encarar a realidade: a notícia, trazida pelo pediatraque assistira ao parto, de que Vinícius era portador da Síndrome de Down. Um susto, mas já tinha aprendido alguma coisa a respeito, nas aulas de biologia, com o prof. Nicanor.Mesmo assim, o assunto era completamente inusitado para a nova família. Eu sabia queteríamos algum trabalho pela frente, mas não imaginava o quanto. Lembrei de uma colegade Colégio: a Sara. Ela tinha um filho Down.

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 Meses mais tarde uma estudante de psicologia bateu à minha porta e pediu que

respondesse um questionário. Pronta a querer ajudá-la na sua pesquisa, não me furtei emresponder a todas as perguntas. Ao final, perguntou-me se havia alguma coisa a mais quegostaria de dizer. E disse-lhe:

- O que me foi estranho, quando Vinícius nasceu, é que por uns momentos penseiem procurar outro nome para o bebê. Meu íntimo me dizia que o ‘Vinícius’ que estávamosesperando não era o bebê que tinha nascido; que eu precisava achar outro nome. Estasituação me ficou esclarecida quando tive acesso à leitura de Lepri e Montobbio (2007),mais precisamente na seguinte passagem:

O nascimento de uma criança com deficiência, com Síndrome de Down (quando está na barriga da mãe, ou assim que nasce, pode-se dizer “síndrome”), representa um grave trauma para a família e também, para a comunidade.Ainda que em seguida se possa desenvolver muito amor entre os pais e o pequeno Down, noinício essa relação é caracterizada pela desilusão e pela rejeição.(...)A perda da criança imaginária torna-se lentamente evidente, e surgem o reconhecimentoe a aceitação do pequeno Down.

Um conflito interno se instalou em mim, até que me convenci de que o bebê quenascera era o ‘Vinícius’ que estávamos esperando; e que este deveria ser seu nome. Foi para este bebê que o nome foi escolhido. Esta sempre me foi uma questão intrigante. Umareação à notícia do bebê ser Down é compreensível, tal como descrito numa carta, porRenato, pai de Bernardo:

“Uma carta para Bernardo – 7 dias após a notícia”

Filho, queria que você perdoasse a mamãe por tamanha fraqueza ao descobrir seu diagnóstico.Sabe filho, é claro que toda mamãe deseja que o seu bebezinho que está gerando venha ao mundo em

 perfeitas condições, com plena saúde física e mental, isto porque ela quer que seu filho ou filha seja feliz, etenha o mínimo de dificuldades para enfrentar o mundo cruel que o espera fora do ventre tão seguro eacolhedor. Nada mais natural todas as futuras mamães terem este desejo e esta preocupação. Acontece quenão existe nada mais agonizante para elas do que saber que seu filho nascerá com alguma deficiência, sejaela física ou mental. É simplesmente desesperador, diante da fragilidade que já nasce um bebê mesmo em

 perfeitas condições. Surge aquela impotência e a nítida sensação de que a situação saiu do controle dos pais, de que aquela criança terá de receber uma maior proteção e que doerá muito mais se algo der erradocom a sua vida. Quando algo der errado, e você se machucar, doerá até mais em nós do que em você.

Filho, fazem 7 dias que mamãe e o papai souberam que você é portador da Síndrome de Down, enão foi nada fácil para nós. Você filho, foi feito com muito amor, e acho que é por este motivo que a mamãelutou tanto para que você permanecesse crescendo e se desenvolvendo quando no início da gravidezsurgiram complicações. O seu pai é um ser maravilhoso, e está aceitando bem melhor do que a mamãe o fatode você ter uma deficiência. Ele com certeza é um ser especial, assim como você. A mamãe tem choradomuito, está sendo muito difícil aceitar, não sentir um medo tremendo do futuro, se realmente serei capaz decuidar de você, de te mostrar como funcionam as coisas aqui fora para que você seja feliz, dentro de suaslimitações. A mamãe sem o papai neste momento não seria ninguém... (...)

Você é lindo e perfeito aos olhos de Deus, todos nós somos. E gerar uma vida é um milagre e um privilégio que nem todas as mulheres possuem. Mas eu possuo: de estar gerando você.

E como disse uma menina “especial” como você: “...porque nós não viemos ao mundo por acaso, eestamos aqui para sermos felizes.”

E o meu maior desejo agora é que você se sinta feliz e amado.

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 OS VENTOS QUE ÀS VEZES NOS TIRAM AQUILO QUE AMAMOS, SÃO OS MESMOS VENTOS

QUE NOS TRAZEM AQUILO QUE APRENDEMOS A AMAR.

Renato conseguiu traduzir muito bem os sentimentos que permeiam o nascimentode um filho Down.

Reação da família

 A hora do almoço se aproxima. Findo o trabalho na Universidade, ligo para minha filha Taiane, e nos encontramos ali perto, na Universidade. Seguimos até o carro, noestacionamento, e voltamos para casa. O pai chega em seguida. À mesa posta nossentamos e entabulamos uma conversa bem familiar. Não paro a conversação, masobservo com olhos ligeiros o lugar do Vinícius. Ele não almoça mais em casa: almoça comnovos amigos, com colegas de trabalho! Vinícius faz falta, pois sempre faz uma observaçãoengraçada à mesa! Sempre nos faz rir! Mas estamos felizes com sua conquista. E istotambém alimenta a alma!

Embora minha reação seja estranha, entendo-a perfeitamente. E meu coração demãe se aquieta. Tal qual se aquietou diante da reação de familiares.

A notícia foi passada logo após o nascimento para todos os membros da família eamigos. E aí vale a pena comentar como são estranhos os mundos de cada um, como sãodiferentes as aceitações de cada um. Com meus pais eu dificilmente conseguia debater oassunto. Vinícius sempre foi muito amado pelos avós, que lhe faziam todas as vontades.Todas! Sempre trataram-no com muito carinho, o que deixava meu coração agradecido econfortado. Mas não conseguíamos entravar discussões a respeito do seu desenvolvimentoe tratamento.

O vô materno, certa vez, fez um pequeno violão de madeira o qual Vinícius ficavadedilhando e cantando do jeito que sabia. Numa outra vez, o vô ajeitou caniços e iscas para pescarias! Já o vô do lado paterno não se tardava em encilhar o cavalo, quando passávamosdias de férias no sítio, e ajudava o neto a montar e andar pelo campo. A vó Cisa, vó do lado paterno, sempre preparava um pratão de arroz, sua comida preferida. O arroz evitava muitamastigação e trituração de alimentos, evitando que se engasgasse.

Além deste problema, quando ainda nenê, nosso filho não conseguia mamar no peito. Por vários meses se alimentou do leite materno que era extraído com um bombinha própria.

 Informações referentes à síndrome:•   problemas com a mastigação• 

 problemas com amamentação (sucção) ao peito materno

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Uma cirurgia: problema a ser encarado

Eram cinco da tarde. Procurei as chaves do carro, peguei minha bolsa e fui buscaro Vinícius no trabalho. Não era muito longe de casa. Logo estaríamos de volta. E quando

então parei no estacionamento, Vinícius já estava no lugar de costume, me esperando.Parei o carro ali mesmo, perto dele, pois não precisava descer para pegar pão. Não nestedia. Vinícius embarcou no carro, todo sorridente! E puxou das costas, uma rosa quesegurava escondido! Era sábado de dia das mães e ele havia comprado uma rosa!

-Com meu salá’lio! (Ele costumava dizer.) Não é preciso dizer, a alegria que senti! Era uma rosa vermelha, bem vermelha, da cor doamor, da cor do coração...

Quando ainda era nenê, e Vinícius foi nenê por mais de ano, tivemos de levá-lo às pressas ao Pronto Socorro. Estava com assaduras que teimavam em permanecer e estavamdeixando-o muito nervoso e agitado. Dr. Hélio atendeu-nos com muita paciência. Pela

 primeira vez tivemos contato com alguém que não se constrangeu em perguntar o queconhecíamos a respeito da síndrome e o que planejávamos dali em diante. Diante de nossamaneira de encarar a situação e da abertura oferecida ao diálogo, passou algumasorientações e formas de tratamentos. Pela primeira vez conseguimos entabular umaconversa ‘aberta’ sobre os problemas e necessidades de quem é portador da síndrome. A partir desta consulta, Dr. Hélio acompanhou o desenvolvimento de Vinícius até mudarmosde cidade em 1984. Mesmo morando em outra cidade, nosso filho visitou o Dr. Hélio maisalgumas vezes. Com base no que nos ofereceu, iniciamos uma jornada em busca detratamentos terapêuticos e cardiológicos, pois Dr. Hélio havia diagnosticado umadeficiência cardíaca congênita em Vinícius.

- Alguém já lhes alertou que o Vinícius poderia apresentar uma cardiopatiacongênita?

- Sim! Mas até agora, os exames tem sido normais.-Então preparem-se, porque a batalha será grande. O Vinícius está com uma

deficiência cardíaca.

Em julho de 1983, nosso pequeno Vinícius foi submetido a uma cirurgia do coração,no Hospital Sírio-libanês, em São Paulo. Não nos motiva o ambiente hospitalar e a longaespera que os familiares empreendem nos corredores, quando de uma cirurgia. Assim, nodia da cirurgia, evitando as longas horas num corredor e as infindas explicações às maisinconvenientes perguntas, resolvemos aproveitar a manhã daquela cirurgia para descontrair

e tomar um pouco de ar. Getúlio ainda tinha contato com o mundo externo ao hospital, poistomava condução diariamente para ir e vir ao hospital. Estava hospedado em casa deamigos. Eu ficava lá no hospital o dia todo. Revezava um pouco quando Getúlio vinhafazer visita. Era quando eu saía, por alguns instantes, dando umas voltas nas ruas das proximidades. Mas logo retornava ao quarto. Naquele dia empreendemos uma caminhadamaior. Compramos algumas peças de roupas para o Vinícius e almoçamos com amigos. Àtarde, como estava previsto o término da cirurgia e a leitura de um boletim, retornamos aohospital.

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 A cirurgia tinha corrido bem e as próximas horas eram de observação. Vinícius

voltou ao quarto antes do prazo previsto, menos de uma semana. E voltamos paraBlumenau também antes do prazo previsto. Minha mãe é uma pessoa muito emotiva, e porisso não lhe passamos detalhes da cirurgia antes desta acontecer. Por exemplo, ela ficou

sabendo, muito tempo depois da intervenção, que crianças pequenas não são anestesiadas,mas que passam por um processo de ‘congelamento’ chamado hipotermia. Ela se apavoravacada vez que se lembrava disto!

O retorno ao lar foi a melhor coisa do mundo! E como não sou muito de falar, masmais de escrever, cruzei várias cartas com algumas mães que compartilharam de momentosde espera da cirurgia, na ala infantil. Trocamos receitas, informações e soube até, que foramfeitas orações pelo nosso filho. Estas coisas ‘aquecem’ o coração. Sou grata à estas pessoase suas manifestações de carinho.

Antes da cirurgia, para alguns médicos cardiologistas consultados, era preciso quenosso filho adquirisse peso para a cirurgia. Mas ele não adquiria peso por causa do problema. E assim, quase num impasse, procuramos outro especialista, em outra cidade,que nos conduziu a outros especialistas com crianças, em São Paulo. Vinícius voltou dacirurgia, se recuperou, começou a se desenvolver e a crescer. Antes não engordava porcausa do problema cardíaco; e embora não engordasse muito daí pra frente, adquiriu bom peso e estatura. Quando então retornei ao consultório do pediatra, do Dr. Hélio, este logo perguntou:

- Então, estão preparados para enfrentar uma cirurgia?- Ele já foi operado!- Hã?! Como assim?

E então, passei às suas mãos o relatório que trouxera de São Paulo. Dr Hélio leu-o e nãoquis acreditar no que via: o Vinícius estava muito bem! Os olhos do pediatra brilharam!Esta batalha havia sido ganha!

 Informações referentes à síndrome:* problemas cardíacos congênitos* propensão a problemas respiratórios, gripes e resfriados* retardo, lentidão no crescimento físico devido aos problemas cardíacos

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A desinformação

Outro dia, cinco da tarde. Aprumei-me novamente: catei a chave do carro, a bolsa,a chave pra trancar a casa... e fui buscar o Vinícius. Estava um pouco atrasada. Precisaria

estacionar, pra pegar pão. Vinícius ia ficar chateado, pois não gostava de perder a novelano final da tarde. Angustiei-me um bocado... não queria pegá-lo atrasado. Quando chegueiao local, vi-o, todo sorridente, me esperando. Estava com um pacote na mão: tinhacomprado o pão para o dia! Fomos então pra casa. Sem atrasos... e com a fome saciada.Esta fome estava saciada. Mas nem todas foram assim, tão facilmente saciadas...

Deparamo-nos, desde os primeiros dias do Vinícius, com a desinformação a respeitode tratamentos, ajuda, etc. Sabia-se apenas que a síndrome era uma anomalia cromossômicae não muito mais do que isto. Quando Vinícius estava com duas semanas viajamos paraPorto Alegre a fim de realizar o exame citogenético. Na época havia poucos laboratóriosque faziam este exame. O resultado veio, semanas mais tarde. Havia, sempre há a esperança

de que fosse ‘negativo’. Não foi o nosso caso. Na mesma época fomos convidados para uma palestra com a Dra. Shibuta, deCampinas. Assistimos à palestra e nos inteiramos de uma série de procedimentos eestimulação que poderíamos e deveríamos fazer em casa, diariamente, com o Vinícius. János sentimos um pouco mais com os pés no chão: afinal tínhamos um ponto de partida. Emfevereiro de 1982 viajamos até Campinas e consultamos na clínica da Dra. Shibuta.Voltamos para casa com uma série de exercícios e muita disposição! O plano era voltar para Campinas de tempos em tempos, mas o alto custo de tais viagens nos fez procurar emBlumenau e em Florianópolis pelas terapias sugeridas. E nos deparamos com a totaldesinformação das próprias clínicas, como por exemplo, ao serem indagadas a respeito de“terapeuta ocupacional”. As primeiras terapias do Vinícius aconteceram em Blumenau,

onde localizamos uma fonoaudióloga e uma fisioterapeuta. Nessa corrida de um especialista a outro, de uma terapia a outra, encontrei Zulmirano consultório de uma fonoaudióloga. Zulmira era mãe de Clídio, um menino comSíndrome de Down, então com seus 3 ou 4 anos. Simpatizei com os dois, e entabulamosuma conversa rápida. Mas com tempo suficiente para me oferecer à leitura o livro deProença: “Inclusão começa em casa: o diário de uma mãe”. Lembro que cheguei em casa enão parei de ler enquanto não tivesse terminado o livro. Tudo me era muito novo nesteuniverso. Tudo me era novidade com relação à síndrome.

E vale relembrar Almeida, no seu texto publicado pelo Instituto Meta Social:

A síndrome de Down é uma ocorrência genética natural e universal, estando presente em todas as raças e classes sociais. É a alteração genética mais comum,sendo registrada aproximadamente em 1 de cada 700 nascimentos. Não é uma doença e

 portanto as pessoas com síndrome de Down não são doentes. Não é correto dizer que uma pessoa sofre de, padece de, ou é acometida por síndrome de Down. O correto seria dizer quea pessoa tem ou nasceu com síndrome de Down.

Todas as semanas eu voltava das sessões com exercícios para aplicar no Vinícius.Porém, me angustiava por demais com relação à essas terapias, pois me diziam asterapeutas acreditar muito na ‘intuição’ de mãe. E eu me perguntava, como ser intuitiva,

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 com meu pequeno Vinícius, se eu não sabia, nem nunca tinha imaginado que um bebêrealiza ‘pinça fina’ e ‘pinça grossa’, para citar apenas como um exemplo.

Comecei a vasculhar em livros e folhetos. Procurei nos manuais de gestaçãoe desenvolvimento do bebê, mas pouco acrescentava ao que eu sabia, ou seja, quase nada.

Quando o pediatra me perguntava se o nenê já fazia isto ou aquilo eu ficava atenta e procurava desenvolver em casa... mas como desenvolver a contento, se não haviainformação a respeito? O que acontece, via de regra, em qualquer nascimento, é deixar o bebê desenvolver-se sem se preocupar se está fazendo ‘pinça fina’ ou ‘grossa’, se estásegurando a cabeça, se está levando o dedo à boca, virando a cabeça em busca de sons ouolhando para um lado ou outro. Quando é que um nenê realiza estas etapasespecificamente? Mais tarde, mas muito mais tarde, me defrontei com a questão daaquisição da linguagem e vi que os mesmos problemas e falta de informação encontradosno desenvolvimento neuro-motor também ocorriam no desenvolvimento da linguagem.Quanto à sua locomoção, sua capacidade de andar, foi com dois anos que deu seus primeiros passos.

Para corroborar, reproduzo um trecho de Adriana Moreira Noronha, palestrante doIV Congresso de Síndrome de Down, acontecido em Salvador, Bahia, em 2004:

As suas potencialidades, seu ritmo de crescimento e as complicações mais freqüentes emcada período de vida são geralmente pouco conhecidas pelos profissionais da área de saúde,o que acaba determinando o nível incompleto ou mesmo incorreto de informação providaaos pais, (...)

 Informações referentes à síndrome:•  cariótipo: exame clínico para constatação da síndrome• 

terapias necessárias como estimulação precoce:

 fisioterapia fonoaudiologiaterapia ocupacional

•  conhecimento das etapas do desenvolvimento infantil

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Capítulo 2

O menino Vinícius, aluno carismático

O pai, preocupado com a falta de atividades físicas do filho, iniciou caminhadasmatinais com ele. Acordavam cedo e iam ambos, pelas ruas da redondeza, caminhando eobservando o movimento. Vinícius, muito despreocupado, no seu ritmo monótono,sistemático e metódico, ia seguindo o pai e observando os muitos cachorros que sealvoroçavam detrás das cercas. Vinícius observava-os e tentava imitá-los. Ria-se de cadaum, de cada latido. E respondia a cada latido com seu jeito particular de imitar!

Desde pequenino Vinícius chamava a atenção das pessoas e recebia manifestaçõesde carinho. Quando nenê, apresentava uma tez muito clara, muito branca. Era loirinho eseus olhos azuis levaram mais tempo que o normal para adquirirem a cor definitiva: o

castanho. Era muito magrinho, mas risonho e sapeca. Gostava de brincar com o queencontrasse pela frente e sempre aprontava algumas, como por exemplo, desde quecomeçou a se erguer, mesmo sem ainda caminhar, abria as portas do balcão onde estavamguardadas suas roupas e puxava-as todas para fora, jogando-as no chão. Embora me dessealgum trabalho ter de dobrar novamente todas as roupas, me deixava satisfeitos por vê-lo,de certa forma, ativo e curioso. Vinícius dava gargalhadas, a cada peça de roupa que jogavano chão! 

Desportista e artesão

Em 1984 mudamos de Blumenau para Florianópolis, pois os recursos para odesenvolvimento de Vinícius eram mais favoráveis na capital. Mudamos em janeiro, quantoentão nosso pequeno menino passou a freqüentar escola e terapias especializadas. A escolaficava nos fundos da clínica na qual Vinícius fazia fonoaudiologia e fisioterapia, pois aindanão caminhava e já estava com mais de um ano. Solicitamos também terapia ocupacional, oque na época, para a clínica, era uma total surpresa. Passaram-se alguns meses e tambémconseguimos atendê-lo com T.O. (terapia ocupacional). Notamos que fomos, aos poucos,desbravadores em um mundo desconhecido, novo para nós, mas não apenas para nós. Paramuitos que cruzavam nossos caminhos.

Por conselho do pessoal da clínica, Vinícius passou a frequentar aulas de natação.Foram os primeiros movimentos para sua 'socialização', pois conseguimos introduzí-lo emescolas e horários em que participavam, além de suas irmãs, outras crianças. Assim, se sua presença causava certo constrangimento no início, após algumas aulas tinha muitos amigos!Lembro em especial dos professores Dani, Elaine, Evandro e Crema. Por vezes elesqueriam desistir. Vinícius se mostrava irredutível em suas atitudes e teimava em nadarapenas como queria. À mínima desviada de atenção dos instrutores, lá estava ele,mergulhando e não nadando. Foram necessárias várias conversas e informações aos professores:

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 -O Vinícius gosta de sentir autoridade. Você não estará prejudicando-o, nem

constrangendo, se impuser limites. Ele tem que saber o que pode, e o que não pode, o quedeve e o que não deve fazer...

E então os instrutores se sentiam confiantes e Vinícius desempenhava satisfatoriamente. Não foi diferente quando ingressou no tênis, na pintura, no teatro, no futebol. Não foidiferente quando aprendeu a andar de bicicleta.  Encorajar... o segredo de toda educaçãoe formação está em ‘encorajar’ e elogiar. Um ‘muito bem’, um ‘ótimo’ e outros gestos, palavras e atitudes estimuladoras, motivadoras, são eficazes na educação e formação dascrianças; sejam elas especiais ou não. Na verdade, todo ser humano precisa, gosta e reagefavoravelmente às palavras carinhosas e de encorajamento sincero.

 Nesta caminhada, Vinícius se mostrou capaz de elaborar tarefas simples, como porexemplo, fazer seu próprio sanduíche e preparar seu café na xícara. E mostrou-seigualmente capaz de aprender e realizar tarefas e trabalhos que exigiam mais adestramentoe concentração: Acender o fogão e passar um bule de café, ou mesmo esquentar sua própriacomida; varrer o chão, lavar e enxugar a louça; descascar frutas e legumes e prepará-los para que fossem cozidos; ajudar na confecção de pão e biscoitos; usar ferramentas paraentalhar na madeira, executando assim peças de marcenaria; usando o torno para executar peças de cerâmica e cuidar de colocá-las no forno para serem cozidas; lidar com todas as peças que envolvem um tear e confeccionar peças. O Vinícius teve contato com a música echegou ao ponto de tocar flauta lendo a partitura. Vinícius alcançou aprendizado escolar atéum certo ponto. Sabemos de outros portadores de síndrome de Down, que foram além, quesuperaram mais desafios. Diz Matthews (2002):

Muitos educadores acham que as crianças deficientes devem receber apenas tarefas que nãoexijam muito, geralmente manuais. Feuerstein acredita em desafiar seus alunos com

 problemas intelectuais complexos. (...)exercícios que afiam as habilidades analíticas e de

organização, e promovem a capacidade de raciocínio abstrato.

Alguns profissionais consideram os portadores de Down como sendo ‘treináveis’,‘condicionáveis’. Particularmente não simpatizo com esta colocação, com esta maneira declassificar um ser humano. Um ser humano, a meu ver, é um universo maravilhoso decapacidades e de certa maneira, sem fronteiras. Seria injusto considerá-lo ‘manejável’,condicionando-o a comportamentos e atitudes. Compreensão e sentimentos de amor fazem parte de seu cabedal de atitudes.

O importante, na educação destas crianças e jovens, é conhecer-lhes os itineráriosmentais, pois a inteligência não se define, mas se constrói através destes itinerários mentais.Verdadeiramente não há limites para o ser humano, quando estes limites não existem nem

na mente do educador, nem na mente do aluno. Não reconhecer limites, não impor limites,faz com que estes sejam transpostos... faz com que a verdadeira natureza do ser humano,especial ou não, se expanda e avança para lugares inimagináveis.

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  Informações da síndrome:

O Down é capaz:* de praticar esportes: futebol, tênis, natação, surf, andar de bicicleta, etc.* de aprender: dança, teatro, música, pintura, marcenaria, cerâmica, tear,

 fotografia, etc.* de realizar satisfatoriamente :- tarefas domésticas: arrumar a cama, varrer, lavar e enxugar alouça, regar plantas, cuidar de animais, ajudar a preparar comida,etc.- tarefas individuais: higiene pessoal, ir à toalete, banhar-se,barbear-se, vestir-se, etc.

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O aluno

A primeira escola freqüentada pelo Vinícius, em 1984, era especializada, mas naépoca nem se cogitava a inserção de crianças especiais em classes regulares. Muito embora

não se cogitasse, nós, pais, discutíamos a respeito. Era ponto decisivo, para nós, queVinícius passaria apenas o tempo necessário na escola especial, tempo que o ajudaria aingressar numa escola regular.

Devido à maturação de seu desenvolvimento, e necessitando de contato com outrascrianças, ditas “normais”, passou a freqüentar o Jardim de Infância de um colégio particular, no período de agosto de 1989 a dezembro de 1991. Em março de 1992 passou afreqüentar, juntamente com a irmã Heloisa, o primeiro ano de uma escola também particular que adota a Pedagogia Waldorf. Paralelamente ao seu ensino fundamentalrecebeu orientação da Pedagogia Curativa, condição necessária para permanecer na referidaescola Waldorf. Enquanto nas aulas da Pedagogia Curativa, foram estimuladas: a dicção, o

aprendizado de música, o aprendizado das letras etc. Vinícius conseguiu acompanhar aturma, por vezes com muita dificuldade, até ao final de 1995, quando então passou a teratendimento exclusivo da Pedagogia Curativa. Nesse período sua fala já havia progredido a ponto de formular frases simples e ler e escrever palavras também simples. Já estavaalfabetizado!

Como o método passou a ser muito exigente com relação à elaboração de textos eoperações matemáticas, procuramos outro método que ajudasse seu desenvolvimento pedagógico. Foi então que ingressou numa escola de método japonês de aprendizagem delíngua portuguesa e matemática. Enquanto freqüentou esta escola, teve assessoria de três professoras. Seu aprendizado foi lento e por muitas vezes foram repetidas algumas etapas, principalmente no que concerne à matemática. Quanto ao desenvolvimento da língua

 portuguesa, teve e tem boa noção de leitura, faz interpretações simples de texto e escreverazoavelmente. Sua dicção é boa, embora por vezes apresente problemas articulatóriosleves e fique difícil de entender o que quer dizer, além de ter um tom de voz muito baixo.Mas tem clareza de raciocínio e se expressa bem.

 Informações referentes à síndrome:•  boa assimilação da língua portuguesa•  boa assimilação e conhecimento de números•  dificuldade na realização de cálculos

• 

dificuldades em articular certos fonemas, certos sons

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TV, atores e artistas

Outro dia ligou pro pai:-Pai, só uma coisa: que’qui você tá fazendo?

-Eu tou trabalhando. E você?-Vendo tevelisão!!!

E Vinícius então gargalhava, pois estava muito à vontade, em casa, enquanto o paitrabalhava, e porque tinha conseguido ligar e falar. Alcançara seu pequeno objetivo!

O tempo foi passando, nosso menino foi crescendo e, nesta era de informática eeletrônica, presente no cotidiano, não foi diferente dos outros: acabou por gostar de programas de televisão. Eu me preocupava muitas vezes e fazia questionamentos a respeito.Por fim, quando então passou a não apenas se interessar por programas televisivos, mas passou também a adquirir semanalmente uma revista especializada em sua programação, vi

que nossa batalha tinha sido perdida. Porém, como ele estava freqüentando a escola e jáestava alfabetizado, percebi que a aquisição da revista trazia uma oportunidade dedesenvolver a leitura e a compreensão de textos. Esta compreensão de textos configurou-secomo uma ponte para que desenvolvesse o raciocínio e conseguisse então, comentar fatosde seu próprio cotidiano. Passamos então, nós, membros da família, a fazer perguntas ecomentários a respeito dos vários capítulos de novelas, episódios de séries e filmes. A batalha, afinal, não estava tão perdida assim.

A utilização destas revistas é que possibilitou a realização de uma 'entrevista' com oVinícius; entrevista essa, que mostra a deficiência na aquisição e compreensão de “qu-quando” em perguntas.

Também possibilitou a ele caminhadas pelo bairro, quando ainda morávamos em

Florianópolis: era difícil convencê-lo a fazer uma atividade física diária, mas nas quartas-feiras, dia da revista estar na banca, ele apenas anunciava em casa que iria 'caminhar' evoltava com seu exemplar debaixo do braço! Era nessas horas que ele também demonstravaeficazmente que sabia usar o telefone, pois antes de sair de casa discava para o dono da banca e se certificava de que sua caminhada não seria em vão. Estas atitudes nos permitiamvislumbrar um lado positivo de sua atenção à TV e à revista semanal.

Vinícius me fez redigir algumas cartinhas à vários programas. Eu me surpreendia aosaber que a cartinha havia sido lida no programa. E na maioria das vezes vinha resposta pelo correio, com alguma foto dos atores do programa. Foi assim, certa vez, com “CasteloRá-tim-bum”; e outra vez, com o programa TV “Cruj”.

Em 1998 a família viajou de férias, em companhia dos padrinhos, para a Bahia.

Certo dia, durante o café da manhã no hotel, as crianças encontraram uma bailarina de uma banda famosa. Logo se ajuntaram mais crianças à sua volta para tirarem fotos e pediremautógrafos. Vinícius tem sua foto de recordação! Foi assim também, em 1998, quandoestávamos embarcando com toda a família para a Alemanha e encontramos um famoso jogador de basquete no aeroporto. Vinícius não sossegou enquanto não conseguiu uma fotoe um autógrafo! Em 2006 viajamos à São Paulo, a fim de assistir ao Cirque de Soleil. Nosaguão do hotel, num dia desses, Vinícius reconheceu um ator da Globo e pediu novamenteuma foto e autógrafo! No dia 21 de março de 2006, no Shopping Pátio Brasil, em Brasília,

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 no dia de homenagem à Síndrome de Down, Vinícius reconheceu um ator da Malhação.Resultou do seu encontro um autógrafo no braço. Este autógrafo no braço virou foto, paraque de alguma forma ficasse registrado, pois, era óbvio que no primeiro banho iria sair!Aliás, foi preciso pedir que lavasse bem o braço, pois Vinícius não queria tirar o autógrafo!

À noite a festa continuou, naquele dia, no salão do Congresso. O ator de Malhação tambémestava lá, além de outros artistas. Vinícius sabia seus nomes e nomes dos personagens queestavam representando. A Grande Família também era um de seus programas favoritos e o personagem Tuco era o favorito de Vinícius. Bom, a mana Heloisa, em certa ocasião participou de um curso com o ator global que faz o dito personagem preferido! Heloisa,conversando com o ator global, confessou a admiração que Vinícius lhe tinha. E entãoVinícius recebeu mais fotos e autógrafos. Num outro dia fomos ao teatro do CIC, emFlorianópolis, assistir à peça da Filó (Ó coitado!), personagem então em alta cotação peloVinícius. E novamente, não sossegou enquanto não conseguiu mais um... autógrafo!

Mais tarde, conhecemos Liane, uma amiga de Brasília, portadora da síndrome e quetambém gosta de colecionar uma revista do mesmo conteúdo. Isto me deixou um poucomais aliviada, pois eu me fazia perguntas, como por exemplo, se não estávamos deixandode dar algum tipo de atenção em casa; ou se não estávamos nos intelectualizando demais,estudando demais como profissionais de advocacia e lingüística, e o Vinícius estaria entãomanifestando uma oposição ao nosso intelectualismo. Embora se esteja certo de muitacoisa, depois de uma longa caminhada ao lado de um Down, depois de uma vivência de uns bons anos, certas questões persistem.

E foi através dos programas de TV que cresceu a vontade dele ler livros maisextensos. Embora sua leitura seja truncada e defeituosa, consegue captar impressõescorretas e fazer interpretações também satisfatórias. Um livro que o acompanharia em todasas andanças, é a biografia de Cazuza. Vinícius se deixou influenciar de tal maneira pelahistória do artista, que aconselhava, a quem encontrasse bebendo ou fumando, a não fazê-lo. E então contava toda a história de Cazuza ao ouvinte 'aconselhado'.

Vinícius se empolgou com a mini-série JK e também comprou o livro e leu-otodinho. Por vezes ele se empolga de tal maneira, que quer adquirir tudo o que existe sobredeterminado assunto. Recentemente assistimos com ele, por sua própria influência, ao filmeTropa de Elite. E Vinícius nos surpreendeu, na segunda-feira após o filme, com a comprade uma revista semanal que trazia reportagem do filme como matéria de capa. Como ficousabendo da revista, não descobrimos. Mas nos surpreendemos com a capacidade que tem deconseguir o que lhe interessa. Nas semanas seguintes continuou adquirindo revistas quetratavam do filme.

Vinícius também faz uso do computador e Internet. Teve aulas de informática com aProf. Marilene e faz muito uso da Internet, especialmente para assuntos de seu particularinteresse: a busca de capítulos e episódios de séries de TV, além da busca de imagens einformações sobre artistas e filmes de seu imediato interesse. Sonhava em ser artista.Quando ainda morávamos em Florianópolis, participou de algumas aulas de teatro. Depois,em Brasília, também participou de uma escola de teatro, mas a inclusão no mercado detrabalho obrigou-o a deixar estas aulas. Vinícius apresenta fortes características de timideze o teatro ajudou-o a se desinibir.

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  Informações referentes à síndrome:

O Down é capaz:* de ler e escrever bem* de se deslocar sozinho pelo bairro ou cidade

* de lidar com computador* de freqüentar escolas e/ou universidades

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Manias

 Novamente estávamos à mesa, jantando.Vinícius não perdia a oportunidade de encaixaralgum lance de alguma novela na conversa. Foi quando discutiu com o pai sobre uma

 personagem:- “Fulana”, é a mulher do Almeida.- E quem é o Almeida? Inquiriu o pai, pois não acompanhava a novela.- É o marido dela!!!

E só pudemos rir muito!

Outro dia Talitha, uma aluna de uma das disciplinas que leciono na Universidade, veiofalar comigo.

-Tenho um irmão com Síndrome de Down.E então, entabulamos alguns dedos de prosa. Descobri que ambos tinham as mesmas

manias: são metódicos com suas coisas, pois costumam guardar tudo certinho no mesmo

lugar, tudo no seu quarto é organizado. São teimosos em muitos dos seus pontos de vista,em comportamentos e algumas atitudes, o que causa certos constrangimentos. Os Down sãotambém de índole pura; são muito verdadeiros e honestos. São sinceros e às vezes, causamembaraços com sua sinceridade!

Foi numa dessas que, em visita a um casal de amigos, alertou para a necessidade de secasarem, pois que não poderiam viver juntos sem que fossem casados. O casal vivia emunião estável, mas para o Vinícius era importante que realizassem cerimônia na igreja,como sempre tinha visto acontecer! Difícil fazer entender que nem sempre as coisasseguem um único rumo.

Bom, além disso, o Vinícius rói as unhas. Não dorme no escuro. O Vinícius tem umamigo invisível, o “Antônio”, com quem está sempre conversando. Tem fissuração por

refrigerante, principalmente Coca-Cola. Tem dificuldade em mastigar, o que faz com que prefira alimentos de fácil digestão, como o arroz. O Vinícius não gosta de correr; tem medode se machucar.

Sua teimosia gera, por vezes, discussões em torno da mesa, à hora das refeições. Porexemplo, dos programas de televisão, é comum que tome partido do ator que lhe agrada,sem se preocupar se está agindo de modo correto ou não, se é vilão ou mocinho. Basta ser o protagonista da história e 'cair nas graças' do Vinícius para que seja defendido. Bom, estasua posição causa discussões e explicações que normalmente não são aceitas por ele. Masfaz com que tome uma atitude defensiva e argumente. Isso me deixa satisfeita!

 Informações referentes à síndrome:•

 

teimosia•  organização de sua rotina•  são metódicos•  sinceridade, pureza de pensamento e raciocínio•  honestidade•  comum a presença de um “amigo invisível”•   fobias: escuridão, sangue (de se machucar), etc.•  excessos: falta de controle na alimentação

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Capítulo 3

Vinicius e a fala

O fone toca em casa: -trrrriiiimmmmmmm!!! A mãe pede:

-Vi, atende!- Alô!

 A voz doutro lado responde:-Quem é?-Eu!

 A mãe retruca: -Vi, diz o nome. Eu, não é ninguém. Ninguém sabe que é você.E ele tanto fez que ganhou um celular.

É visível a dificuldade do Vinícius em pronunciar o som “r”. Sua fala se assemelhaà do Cebolinha, personagem de Maurício de Souza, das histórias em quadrinhos, poisrealiza o fonema /l/ no lugar do /r/ ou o 'apaga', segundo a linguística. Isto é, simplesmentenão realizando o fonema. Por exemplo, presunto = pesunto, carro = cao, jaguara = jaguala;carteira = catelra, cobra = cobla etc. Na verdade, esta é uma questão que crianças em geralsuperam com o passar dos anos. No caso do Vinícius esta superação não aconteceu. Desdenenê Vinícius teve acompanhamento de fonoaudiólogas e foram feitas sessões de‘estimulação precoce’. Nestas sessões eram recebidas orientações específicas quanto atratamentos e exercícios. Sua fala consistia de palavras simples e soltas, sem formularfrases. Desde pequeno foram realizados exercícios com borrachinhas, chupetas, emassagens para estimular a musculatura facial. Na época, não havia chupetas ortodônticasno mercado, nem em Blumenau, nem em Florianópolis. Havia em São Paulo e uma amiganos enviava sempre que eram solicitadas. Mais tarde estas acabaram aparecendo nomercado perto de casa.

Constatou-se que a desinformação é muito grande, em todos os tipos de tratamentosnecessários ao caso. Médicos recomendaram qie fosse tratado com endocrinologista, comneurologista, sem que houvesse necessidade para tal. Vinícius fez consulta numa destasespecialidades, mas quando nos demos conta de que o trabalho do profissional se restringiaa fazer apenas avaliações, desistimos. Eram necessárias ferramentas, instruções, e nãoapenas avaliações se o menino estava bem ou não. Aliás, se ele estava andando ou não,falando ou não, era claramente visível e isto não precisava passar por uma “avaliação”. Adesinformação ocorreu em todo tipo de terapia, e não foi diferente com a fala.

Mas todo trajeto desta caminhada foi válido. Todo absurdo e toda razoabilidade,toda compreensão e incompreensão, toda expectativa e frustração, foram motivos paraavançar, sem receios. Eu tinha em mente que Vinícius seria capaz de se sobrepor a muitos prognósticos. E superou; inclusive nossa ansiedade quanto à sua capacidade de secomunicar e falar.

Lembro que era estimulado, muitas vezes, a pronunciar frases curtas. Vinícius,quando pequeno, apresentava os balbucios próprios de uma criança pequena. Mas estes perduraram por mais tempo que o normal. Por vezes surgia uma angústia e esta ansiedade, percebida pelo filho, o emudecia. Então o desespero se instalava. E, de volta à

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 fonoaudióloga, qual não era a surpresa ao saber que o Vinícius articulava bem os exercícios propostos em consultório. Finalmente novo alívio, pois embora não estivesse semanifestando em casa, estava respondendo ao solicitado pela terapeuta. Em contrapartida,em outras ocasiões, a terapeuta se declarava frustrada, pois o menino, de repente, não lhe

respondia mais aos exercícios. E confessava-se não saber mais o que fazer. Mas o quadromudava, quando ficava sabendo que em casa o menino estava se mostrando muito falante.Estava realizando os exercícios. Coisas da Síndrome de Down. Coisas do Vinícius!

Um pouco sobre estimulação da linguagem

Em questões de estimulação específica para a linguagem, Nahas (2004) oferece emseu livro, disponível na internet, uma série de exercícios e recomendações. Diz ela: “acriança aprende a falar ouvindo as palavras e observando os movimentos labiais das outras pessoas.” E continua:

Crianças com síndrome de Down tem mais dificuldades em aprender a falar, por isso, os pais e familiares devem ser pacientes e nunca desistir. Pessoas com maiores habilidades nalinguagem podem comunicar melhor seus sentimentos, desejos e pensamentos, por isso émuito importante que os pais estimulem a comunicação da criança. Os pais podem criar umambiente favorável e estimulador:* prestando atenção quando a criança começar uma conversação;*nunca falando pela criança, nem respondendo perguntas por el;*ter paciência e esperar que a criança termine uma frase, em vez de adivinhar o que ela querdizer;*não antecipar suas vontades, esperar que a criança faça o pedido;*corrigir as palavras erradas de uma maneira cordial;*discos, filmes, canções infantis, são ótimos exercícios na repetição das palavras.

Estudos realizados mostram que jovens com síndrome de Down que aprenderam a ler, tema(sic) suas habilidades de conversação, memória e linguagem aumentadassignificantemente. Portanto, escola e família devem trabalhar juntas para a estimulação

 plena das pessoas com síndrome de Down.

A aquisição da linguagem na Síndrome de Down

Yo no soy yo. Soy este,que va a mi lado sin yo verlo;que, a veces, voy a ver,

 y que, a veces, olvido.El que calla, sereno, cuando hablo,el que perdona, dulce, cuando odio,el que pasea por donde no estoy,el que quedará em pie cuando yo muera.

(Juan Ramón Jiménez).

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 O portador da síndrome de Down tem um desenvolvimento lingüístico que

alcançam os parâmetros estabelecidos conforme comparações com crianças ‘normais’, masesse desenvolvimento será mais lento e demorado, conforme Perovic (2002, 98):

Comparisons of the linguistic development of DS children with that of typical childrenusually come to the conclusion that the two populations follow the same course ofdevelopment (Chapman, 1995; Fowler, 1990). It has been argued that DS children acquirevocabulary, use the same range of grammatical morphemes and syntactic structures, induceconsiderable delay (Fowler, 1990; Rutter & Buckley, 1994; Vicari, Caselli & Tonucci,2000).Comparações do desenvolvimento lingüístico entre crianças com Síndrome de Down ecrianças típicas (normais) geralmente chegam à conclusão que ambas as populaçõesseguem o mesmo curso de desenvolvimento (Chapman, 1995; Fowler, 1990). Éargumentado que crianças com Síndrome de Down adquirem vocabulário, usam o mesmoâmbito dos morfemas gramaticais e estruturas sintáticas, mas com atraso considerável(Fowler, 1990; Rutter & Buckley, 1994; Vicari, Caselli & Tonucci, 2000).[Tradução doautor]

 No desenvolvimento da fala-linguagem são usuais os acompanhamentos de umfonoaudiólogo, pois a musculatura do aparelho fonador geralmente apresenta tônus baixo ehá desproporção no tamanho da língua e que necessitam, portanto, de exercícios específicosque os fortaleçam. Apresentam ainda cavidade bucal muito pequena para a língua; laringeem posição muito alta no pescoço; língua que não ajuda a produzir adequadamente algunssons (sh, s, por ex.). Apresentam ainda, amígdalas aumentadas, freqüentes infecçõesrespiratórias e inflamações da laringe e faringe. Além dos exercícios para fortalecimento damusculatura, necessária se faz também a aplicação de exercícios para iniciar e continuar oaprendizado da fala. A fala se torna eficiente em portadores desta síndrome porque suacapacidade de compreensão é ativa. O aprendizado é normal, mas tardio. Segundo Rubin(2004, 36):

Dois tipos de problemas são vislumbrados:1) má formação orgânica e dificuldades que afetam a fala e2) processamento central de natureza cognitiva.

Em estudos que se referem a aspectos de aquisição de linguagem, léxico egramática, incorre-se sempre, voluntária ou involuntariamente, numa ‘comparação comcrianças de desenvolvimento normal’, conforme o especifica Leonard (1996, 295):

Children with language disorders are weaker than same-age peers on almost every metric oflanguage that can be devised. Therefore, the interpretation of data from a focusedinvestigation of some morphosyntactic form will be significantly hamered.Crianças com distúrbios na linguagem são mais ineficientes que outras da mesma idade emquase todas as medidas da linguagem que podem ser delineadas. Por essa razão, ainterpretação de dados de uma investigação focada em alguma forma morfo-sintática podeser dificultada significativamente. [Tradução do autor]

Qualquer estudo relativo ao desenvolvimento de crianças implica neste tipo de‘comparações’, pois são estes que fornecem os parâmetros para a avaliação de dados. Rubin

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 ainda esclarece que, à medida que os portadores de Síndrome de Down crescem, os déficitsde aquisição de linguagem vão aumentando.

 Normalmente a fala é do tipo telegráfica, ou seja, feita em mensagens rápidas, emfrases curtas. Há pouco uso de artigos, preposições, pronomes, conjunções e alguns tipos de

verbos. Assim, a fala é realizada com frases simples, objetivas e diretas – frases curtas. Eao fazerem uso da linguagem, colocam os elementos das frases em seus lugares corretos, ouseja, colocam o sujeito e o verbo, por ex., no lugar certo. E assim fazem-se entender. A suadificuldade acontece, portanto, na formulação de frases mais complexas, como porexemplo, no uso de passiva.

Quando x Onde: dificuldades reais na Síndrome de Down?

Mãe – “Quando caiu neve em São Joaquim?”Vinícius – Mais ou menos uns 5 graus,... por aí.”

É intensa a experiência de conviver com um filho com tal síndrome e ter podidoaprofundar estudos em lingüística ao cursar Letras. A certa etapa do curso, percebi quecertos aspectos na produção da linguagem do Vinícius não amadureceram como deviam.Ou seja, o Vinícius não alcançara os parâmetros esperados se comparado com crianças ditas‘normais’. Isto foi especialmente observado no uso de Quando X Onde. 

Segundo Stephen Crain e Diane Lillo-Martin (1999,30) entre os 3 e 3 anos e meio acriança apresenta vocabulário expandido para aproximadamente 1200 palavras e é a faseem que se utiliza de verbos auxiliares, preposições e outras categorias funcionais. É nessafase também, que realiza perguntas com “quando”. A aquisição deste advérbio deveriaocorrer entre os 3 e 3 anos e meio, e no caso do Vinícius, percebeu-se um atraso. Oumelhor, mais que um atraso, uma ‘incompreensão’ do seu sentido, pois às questõesformuladas com que, por que, como, quanto e quem são dadas respostas satisfatórias, o quenão ocorre com questões formuladas com quando.

Verificou-se, no caso especifico do Vinícius, que ele interpreta a palavra “quando”como “onde”. Por exemplo: “Quando foi o jogo?” Resposta do Vinícius: “Lá em casa!”Quero deixar claro que esta é uma observação, uma constatação pertinente a um caso.Poderia ser um estudo de caso. O que não significa que não haja outros casos semelhantes.

 No exemplo acima, o assunto da neve em São Joaquim foi trazido à conversa pelo próprio Vinícius, durante um trajeto de carro, enquanto eu dirigia, no dia 15 de junho de2004, um dia após ocorrido o fenômeno meteorológico. Ele acompanhara o noticiário eestava eufórico para contar a novidade, pois conhece a cidade, onde temos parentes. Com ointuito de obter respostas concordantes ao quando  fiz mais algumas perguntas cujasrespostas foram evasivas, desviadas, denotando incompreensão do termo. O ponto crucialtalvez seja: por que apenas o quando oferece dificuldades de resposta, uma vez que para asoutras questões as respostas com ‘que’, ‘como’, ‘porque’ etc., são satisfatórias?

Foram realizadas entrevistas, com Vinícius, gravadas em fita K-7. Posteriormenteforam copiadas em CD. Vinícius é um indivíduo considerado adulto por se encontrar com22 anos na época da pesquisa. As entrevistas foram realizadas por mim, e por sua professora do método japonês de aprendizagem. As conversações se sucederam no estilo

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  pergunta-resposta a respeito de assuntos que eram do seu interesse. As perguntasenglobavam não apenas o uso de quando, mas de outros elementos tais como porque, onde,quem, o que etc.

Os ambientes faziam parte do dia-a-dia, tal como em casa, no carro ou em sala de

aula, com o intuito de deixá-lo à vontade para responder espontaneamente às perguntas.Após feitas as gravações, parte do conteúdo foi transcrito e analisado.Interessante observar que em todas as referências bibliográficas utilizadas não foram

encontradas referências ao elemento sintático específico quando. Isso ocorreu nas leiturasefetuadas tanto em abordagens para línguas de sinais quanto nas leituras em abordagens deestudos sintáticos gerais. São mencionados onde, o que, porque, em grande quantidade,mas não há uma única referência e exemplos para quando.

Entrevistas com Vinícius

A seguir é apresentada parte do conteúdo da entrevista. No caso dessa entrevista foi

escolhido um assunto da revista “TV Brasil”, edição no. 233, de 26/07/2004 e que é da preferência do Vinícius, pois ele é expectador assíduo da telenovela “Malhação”apresentada pela Rede Globo de Televisão, diariamente:

Prof - “Hoje nós vamos falar sobre uma matéria da novela – de qual novelanós vamos falar?”Vinícius - “Malhação”Prof  - “Faz tempo ou faz pouco que deu esse capítulo aqui?”Vinícius - “Faz pouco tempo, foi casa de praia

(A casa de praia se refere ao local em que o Vini estava assistindo TV. Estávamos nós, nacasa de praia. Ele assistiu ao capítulo na casa de praia!)

Prof  – “Tu te lembra’ quando foi?”Vinícius – “Sim, foi casa de praia, por aí,...” (...)

(Novamente o Vinícius estava se referindo ao lugar em que estava assistindo à TV.)

Prof  – “Peraí, tu falou num garoto, que garoto é esse que tu tá falando?”Vinícius – ... eles encontraram...Prof – “Quando, quando é que eles encontraram esse garoto?”Vinícius

 – “Quando... na estrada.”(Aqui o Vinícius estava se referindo à excursão que os meninos fizerem.)

Prof  – “Onde eles encontraram? Na estrada; mas quando? Que hora? Emque tempo foi que isso aconteceu? Quando?”Vinícius – “Hmm, no barro da estrada.” (lugar) 

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 Prof   – “Quando quer dizer ‘que hora, a que hora que eles encontraramele’.”Vinícius – “Faz tempo, faz tempo que tava parado viajar  Prof – “Quando o Gustavo ajudou o menino, o que’ que a Letícia pensou?” 

Vinícius – “Pensou Gustavo que...” (...)Prof  – “Quando ela viu que ele era querido, o que’ que aconteceu comela?”Vinícius – Tava chorando por causa que Gustavo ajudou garoto.”Prof   - “E ela achou isso bonito. E o que’ que aconteceu com ela, assim ó,de coração?”Vinícius – “Beijou Gustavo na boca...”Prof – “Ah é, é? Ela beijou o Gustavo?”Vinícius  – “Porque ama o Gustavo, depois deu amor,...fala ele te amo...casa com ele...depois ter filhos com ele...”

(Aqui ocorre uma sequencia perfeita de frases temporais. Ele compreende o tempo e o uso.)

Uma segunda entrevista foi realizada pela mãe, e consta do seguinte:

Mãe – “O que você fez hoje?”Vinícius – “O que eu fiz... eu fui na escola, eu gostei... aprendi matemática e português...depois... eu fui pra casa, fui almoçar num restaurante...

(Nesta frase o Vinícius apresenta domínio perfeito gramatical.)

Mãe – “Depois da novela, o que’que aconteceu; o que’ que veio depois danovela?”Vinícius – “Veio futebol!”

(Novamente ele apresenta domínio temporal, gramatical, perfeito.)

Mãe – “Ah! Veio futebol! E você assistiu futebol?”Vinícius – “Sim!”Mãe – “Quem jogou?”Vinícius – “Vasco e Coríntians.”Mãe – “Quando’ que eles jogaram?”Vinícius – “Jogaram... no estádio.” 

(Aqui ele entendeu como “onde”, como ‘espaço’, e espaço é mais concreto que tempo.)Mãe – “No estádio: isso é ‘onde?’; quando’ que eles jogaram?”Vinícius – “Foi, um dia antes de começar o jogo.

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 ( Embora pareça uma resposta correta, não é a resposta certa... a resposta certa é quarta-feira. E ‘um dia antes de começar o jogo’ tbm não é coerente... foi a outra coisa que eleestava se referindo.)

Mãe  – “Eles jogaram na quarta-feira: isso é ‘quando’. Tá? Que dia’ queeles jogaram?”Vinícius –  “ Foi...depois esporte...onde foi ...”

(Novamente uma resposta inadequada.)

Em ambas as entrevistas realizadas percebe-se a ineficiência das respostas às perguntas, embora tenha satisfeito algumas delas. A segunda entrevista foi quase perfeitacom relação ao tempo. A primeira talvez tenha sido mal conduzida, com perguntasabstratas e que exigem uma visita à memória, um apelo à abstração.

O que ocorre com Vinícius talvez seja uma ‘barreira’ na construção de frases queresultam de perguntas com quando, acontecendo uma dificuldade de assimilação de corretaformulação da resposta. A pergunta parece que não foi entendida corretamente. 

Refletindo

Embora Vinícius tenha sido estimulado precocemente em clínicas especializadas etenha tido acompanhamento pedagógico constante, é evidente a deficiência no uso de Qu-quando para efetuar respostas. Na questão de realização de perguntas por Vinícius, estas setornam eficientes quando a intenção é a obtenção de uma resposta a nível temporal. Por ex:“Quando o pai volta de Brasília?”ou:“Quando vamos almoçar?”. Este tipo de pergunta ésatisfatoriamente elaborada por ele e compreendida quando se refere a uma data, como é o

 primeiro caso; e à determinada hora, como no segundo caso. Vale novamente o registro denão se ter encontrado, em todas as leituras, menção de exemplos com este elementointerrogativo.

De qualquer forma, avaliações constantes e estudos aprofundados são importantes ecom certeza os resultados poderiam ajudar clínica e pedagogicamente no desenvolvimentodas crianças em geral e na estimulação precoce das que necessitam de cuidados especiais.Essas avaliações e estudos, sem sombra de dúvida, devem estar embasados em um maiorconhecimento e aquisição da linguagem por portadores da Síndrome de Down. São estudosque enriqueceriam sobremaneira a pedagogia e os trabalhos em clínicas envolvidas comesse tipo de deficiência. Perovic (2002, 98) adverte:

Down syndrome is found to be more detrimental to certain aspects of language developmentthan other aetiologies, e.g. autism (Tager-Flusberg & Calkins,1990) In studies conductedwith joungs adolescents and adults, individuals with DS show consistently poorer

 performance on linguistic measures to individuals of unknown aetiology of intellectualdisorder (Kernan & Sabsey, 1996; Marcell, Ridgeway, Sewell & Whelan, 1995).

 A Síndrome de Down se depara mais prejudicial/danosa em certos aspectos dodesenvolvimento da linguagem que outras etiologias, como por ex. autismo (Tager-Flusberg& Calkins, 1990). Em estudos efetuados com adolescentes e adultos, indivíduos comSíndrome de Down mostraram performance lingüística inferior evidente nas medições com

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 indivíduos de etiologias desconhecidas de deficiências intelectuais (Kernan & Sabsey,1996; Marcell, Ridgeway, Sewell & Whelan, 1995).[tradução da autora]

Com certeza, o trabalho do lingüista vai além, muito além do que visualiza, poisquando o poema diz “Yo no soy yo, soy este, que a mi lado sin yo verlo;

El que calla, sereno, quando hablo;el que pasea por donde no estoy...” tenho a nítida impressão do

lingüista ser este que ‘caminha lado a lado’, mas que nem sempre é visto, nem lembrado;que está presente na vida destes indivíduos, sem que o saibam. Que tem a paciência deouvir, ouvir, e ouvir mais uma vez para lhes desvendarem mistérios e trazerem à luz essesmistérios que impediam esses seres de, afinal, serem, se não de todo, pelo menos um poucomais próximos de todos nós.

Um caso de aquisição de passiva

Além da questão do uso de “qu-quando”, Vinícius não foge à regra dos portadoresde Síndrome de Down, quanto ao uso da voz passiva. Do caso ora apresentado, Viníciusnão é o único. Cristóvão Tezza, em seu livro “O filho eterno”, diz o seguinte: “A fala será, para sempre, um balbuciar de palavras avulsas, sentenças curtas truncadas; será incapaz deenunciar uma estrutura na voz passiva (a janela foi quebrada por João estará além de suacompreensão)”.

 No decorrer de minha pesquisa encontrei muitos estudos de ordem motora e física,mas poucos são os estudos quanto às questões de aquisição de linguagem e,conseqüentemente, os métodos adequados de abordagem e técnicas de ensino.

Rubin ressalta em sua pesquisa que as dificuldades de um Down em construir frasescom passiva podem decorrer do uso de verbo no particípio junto a um verbo auxiliar nas

línguas em que esse é o padrão morfossintático. Alerta a pesquisadora na complexidade queé realizar os passos para a formulação da passiva, pois o agente sai de sua posição cômodade sujeito e passa a ser “paciente”, numa posição totalmente controversa a estrutura simplesde frases, ou seja, hipersimplificação.

 Na verdade, o sujeito (cujo papel semântico é de agente) passa a uma posição deadjunto (inferior na hierarquia dos argumentos). O objeto direto (cujo papel semântico é de paciente) sobe na hierarquia. Quando falamos de hierarquia e de mudanças inesperadas,significa que existe um padrão nas línguas humanas: agente é, normalmente, o sujeito; paciente é, normalmente, objeto. A passiva promove justamente a quebra dessa expectativa,com fins pragmáticos claros: o paciente passa a ocupar papel de destaque no discurso,expulsando o agente para uma posição de menos importância. Um adjunto que pode ser,

inclusive, apagado comletamente da frase.

Simplificando o que foi dito acima, sobre a aquisição da Voz Passiva: no exemplo

O menino pintou a porta, temos um sujeito simples, um verbo na conjugaçãosimples e um objeto direto que também é de fácil aceitação e compreensão.

Mas dizer de outra forma, na Passiva: A porta foi pintada pelo menino, exigematuração linguística pelo interlocutor, por quem fala, pois que exige saber colocar o verbo

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 no particípio (pinta da), usar um verbo auxiliar (foi) e colocar o sujeito em posição deobjeto indireto, isto é, necessita usar uma preposição (pelo). E o que era objeto na fraseinicial, passa a ser o sujeito. Vamos e venhamos, é uma nova estrutura de frase complicada, principalmente para um Down, cuja essência de vida é... simplicidade, descomplicação.

Que possam estes estudos despertar a curiosidade e o interesse de especialistas naárea, a ponto de alcançar noções mais adequadas ao desenvolvimento educacional decrianças portadoras da síndrome. Oxalá possam tais estudos enriquecer e proporcionaravanços na aprendizagem e educação escolar.

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Capítulo 4

Preconceito e 'inclusão exclusiva'

Vinícius chegou sorridente em casa! Sentamos à mesa, para um lanche, e elecomeçou a conversar:

-Tem um novo amigo no trabalho!-É verdade?-É... ele tá aprendendo. Ele é como ‘eu’...-Como eu? Como assim?-Down!-Ah!... (Paro pra pensar. Meu menino mostrou maturidade e conhecimento com sua

condição.) Havia tempos em que se deprimia quando se defrontava com esta condição. Econtinuo:

-E você falou com ele?-Sim; o nome dele é Danilo!

E ele sorriu um sorriso bonito, gostoso! Me sinto feliz com seu contato, com amanifestação de solidariedade para com o amigo novo.

Como já foi mencionado anteriormente, Vinícius passou por diversas escolas. Seuinício foi em escola especial, mas quando sentimos que precisava se engajar com outrascrianças foi iniciado, juntamente com os professores, um processo de saída da escolaespecial e inclusão em escola regular. As leis estavam sendo debatidas, havia projetos emanifestações favoráveis ao ingresso de crianças que necessitam de cuidados especiais emescolas regulares.

A coisa não é tão simples assim, como parece à primeira vista. Primeiro porque nãoé suficiente que se incluam, simplesmente, crianças em turmas regulares. É preciso que hajasim, um acompanhamento mais próximo, mais responsável, com estas crianças. Não se pode esquecer, que elas necessitam de cuidados especiais. E, segundo, porque antes de secolocar as crianças em turmas regulares, é necessário que haja corpo docente preparado para exercer tal tarefa. Os professores ou acompanhantes de tais crianças precisam de preparo qualificado. Nem todas as deficiências se apresentam com as mesmascaracterísticas e nem todas podem ser tratadas da mesma maneira. Há certas deficiênciascom sintomas de agressividade, com quadro mais severo, mais comprometido, o quenormalmente não é o caso do Down. E estes crianças, igualmente precisam de atençãoespecial.

E nesta vida tudo é possível, tudo é alcançável. Quando a boa vontade, ocompromisso com o outro e a solidariedade permeiam uma comunidade de pais, de professores ou qualquer um que esteja interessado, caminhos se abrem e novos rumos sevislumbram. A persistência e a dedicação com amor são as molas propulsoras neste processo. Reforçando o questionamento acima, relembro o que informa um dos textosdistribuídos pelo Instituto Meta Social, escrito por Barbosa, mestre em educação especial, eque tem por título “Por que inclusão?”:

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 Educar indivíduos em segregadas salas de educação especial significa negar-lhes o acesso àformas ricas e estimulantes de socialização e aprendizagem que somente acontecem na salade aula regular devido à diversidade presente neste ambiente. (...) Pesquisas realizadas nosEstados Unidos, revelaram que crianças em demanda por serviços especiais de atendimentoapresentaram um progresso acadêmico e social maior que outras crianças com as mesmas

necessidades de serviços especiais mas educadas em salas de aula segregadas (Snell, 1996;Downing, 1996; Hunt, et.al., 1994). Isso pode justificar-se pela diversidade de pessoas emetodologias educacionais existentes em sala de aula regulares, pela interação social comcrianças sem diagnóstico de necessidade especial, pela possibilidade de construir ativamenteconhecimentos, e pela aceitação social e o consequente aumento da auto-estima das criançasidentificadas com “necessidades especiais”.O segundo argumento baseia-se em conceitos éticos de direito do cidadão. Escolas sãoconstruídas para promover educação para todos, portando, todos os indivíduos tem o direitode participação como membro ativo da sociedade na qual estas escolas estão inseridas.Todas as crianças tem direito a uma educação de qualidade onde suas necessidadesindividuais possam ser atendidas e onde elas possam desenvolver-se em um ambienteenriquecedor e estimulante do seu desenvolvimento cognitivo, emocional e social.

 Nesta batalha, encontrei muitos pais que estavam, e continuam, em busca do melhor para seus filhos se desenvolver plenamente. Querem que se desenvolvam: que falem, queandem, que pensem, que executem tarefas simples, que leiam e que, na medida do possível,se relacionem. Encontrei pais que organizaram institutos, que criaram fundações, escolas,festas e eventos, enfim, pais que não mediram esforços para que os filhos se sentissem efossem realmente incluídos. De certa forma, é cruel ter de admitir que nossos filhos‘devem’ “ser incluídos”, pois isto pressupõe uma sociedade que distingue, que discrimina.

Fosse este um trabalho de base, uma questão evocada na educação e em todas asescolas, sejam estas especiais ou regulares, não seriam necessárias medidas drásticas. Poisa lei vem sempre em “defesa”, em “proteção” a algo que está sendo violado, que não estásendo respeitado. Neste caso específico, o direito se faz em torno de um “ser humano”, umindivíduo que possui características distintas.

O que não se questionou ainda, são os direitos dos pais  que batalham por estesfilhos. Imbuídos de uma tarefa a mais, desde o momento do nascimento de um filhoespecial, não se tem conhecimento de deveres da sociedade e do Estado para com estes paise dos direitos destes. Assoberbados pela tarefa dos cuidados com os filhos e pelamanutenção e sobrevivência da família, cruzam a vida reclamando direitos para seus filhos,direitos que, embora previstos, nem sempre acontecem efetivamente. E não acontecendo,não aliviam o fardo, nem proporcionam mais tempo e tranqüilidade para estes pais. Acriação e educação de um filho especial requer mais desgaste físico e emocional, maistempo e empenho. Em geral os pais sofrem excesso de trabalho, de carga física eemocional, pois precisam dividir seu tempo em emprego, tratamentos, terapias e participação em alguma associação que esteja preocupada com os direitos destas criançasespeciais.

 Não bastasse o envolvimento dos pais com a problemática da inclusão, por vezesdeparam-se eles com a “inclusão exclusiva” ao ser alcançada uma vitória. Conformedeclara Rubem Alves, em outro texto distribuído pelo Instituto Meta Social:

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 Também sou pai e portanto compreendo. Vocês querem o melhor para o filho, para a filha.A melhor escola, os melhores professores, os melhores colegas. Vocês querem que filhos efilhas fiquem bem preparados para a vida. A vida é dura e só sobrevivem os mais aptos. É

 preciso ter uma boa educação.Compreendo, portanto, que vocês tenham torcido o nariz ao saber que a escola ia adotar uma

 política estranha: colocar crianças deficientes nas mesmas classes das crianças normais. (...)Se é assim que pensam, eu lhes digo: Tratem de mudar sua maneira de pensar rapidamente porque, caso contrário, vocês irão colher frutos muito amargos no futuro. (...)A primeira tarefa da educação é ensinar as crianças a serem elas mesmas. Isso éextremamente difícil. (...)A segunda tarefa da educação é ensinar a conviver. A vida é convivência com umafantástica variedade de seres, seres humanos, velhos, adultos, crianças, das mais variadasraças, das mais variadas culturas, das mais variadas línguas, animais, plantas, estrelas...Conviver é viver bem em meio a essa diversidade. E parte dessa diversidade são as pessoas

 portadoras de alguma deficiência ou diferença. Elas fazem parte do nosso mundo. Elas temo direito de estar aqui. Elas tem direito à felicidade.

A “inclusão exclusiva” na escola

O Vinícius participou de várias atividades em escola especial, como já mencionado, em um primeiro momento. Com a ajuda dos professores das escolas especiais e das escolasregulares, esta inserção aconteceu. Embora defasado na graduação, teve umacompanhamento regular na pré-escola, chegando a receber seu certificado! O Viníciussempre foi muito tímido e retraído, o que o deixava um tanto isolado de algumasapresentações em público e do convívio com os colegas. Este isolamento permitiu quecultivasse o 'amigo invisível', de nome Antônio. O nome foi escolhido por ele mesmo, emhomenagem a um amigo.

 Nesta caminhada encontramos muitos amigos, pais de filhos Down. Muitos destesfilhos tiveram muito bom desenvolvimento na escola. Através de reportagens, filmes e

outros meios, soube-se de filhos que alcançaram nível universitário em seus estudos. É oexemplo de Aya, uma estudante da Universidade para Mulheres de Kagoshima. Em um deseus discursos, disse o seguinte:

Gostaria de compartilhar com vocês as palavras de uma mãe que eu nunca vou esquecer.Ela disse: “Hoje eu soube sobre o seu discurso pelo jornal e pude vir à palestra. Minha filhatem síndrome de Down também. Quando recebemos a notícia, ficamos em choque,

 perdidos. Não sabíamos o que fazer nem como criar aquela criança. Na verdade, nossa filhaestá no hospital e nós não a estamos criando, mas estive ouvindo sua palestra hoje e fiqueialiviada em ouvir o que você dizia. Quando se cria filhos, não se deve fazer diferença para o

 pai se a criança é deficiente ou não. Eu quero aceitar minha filha como ela realmente é. Nãovou compará-la com outras crianças, eu apenas vou criá-la naturalmente. É isso que eu

 penso hoje. Eu acho que nós, os pais, podemos continuar a crescer criando nossos filhos,achando coisas de valor em nossas crianças. Hoje foi um dia maravilhoso.

Impossível não se ter notícia de jovens incluídos no mercado de trabalho e emestudos mais avançados, inclusive universitários. Por muitos anos carregava em minhacarteira a foto de um ator americano de um seriado de TV norte-americana. Ele era Down.Soubemos de um rapaz, no Rio, que se formou na Universidade. Mais tarde soubemos deoutros jovens que também tinham alcançado eficiência no estudo universitário.Recentemente me contaram de um jovem que aprendeu a dirigir automóvel e tirou sua

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 carteira de habilitação. Um outro aprendeu a ler e escrever em inglês, sendo brasileiro.Algumas meninas são auxiliares em escolas e jardins de infância. Outros se casam. Algunssaem de casa e vivem muito bem sozinhos. Outros estão instalados em escolas-lares, ondedesenvolvem atividades comunitárias e vivem em suas casas, devidamente construídas para

este fim, mas que acabam sendo comunidades inseridas em si mesmas. Questiono aqui, a“socialização” tão desejada. Parece-me que, em algumas instâncias, é uma inclusãodisfarçada, exclusiva.

Corroborando o que foi dito, me valho do texto de Almeida, distribuído peloInstituto Meta Social, do seguinte parágrafo:

Síndrome de Down - Pessoas com síndrome de Down tem apresentado avançosimpressionantes e rompido muitas barreiras. Em todo o mundo, e também aqui no Brasil, há

 pessoas com síndrome de Down estudando, trabalhando, vivendo sozinhas, se casando e atéchegando à universidade. A melhor forma de combater o preconceito é através dainformação e da inclusão de todas as pessoas, na família, na escola, no mercado de trabalhoe na comunidade.

 Informações referentes à síndrome:•  há casos de:

* estudantes que alcançaram nível universitário* pessoas que obtiveram sua Carteira de Habilitação* realização de casamentos* portadoras de SD que engravidam e geram filhosnão portadores da síndrome* pessoas que vivem sozinhas em seu próprio lar

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Vinícius, um capítulo à parte

E o menino tanto leu, que também quis escrever um livro, o seu livro! Nas aulas deinformática, deu início e fim ao seu livro, em muito pouco tempo! Este se transformou num

“capítulo à parte”, no livro que ora se apresenta. Quando iniciou as primeiras linhas, as primeiras aulas foram de empolgação, mas à medida que o trabalho exigia mais atenção eesforço, a vontade de terminar logo o livro também aumentava! Ficaram assim, nestecapítulo, transcritas suas palavras:

 Meus amigos

 Muitos amigos no meu serviço me ajudam. O Edvan acerta meu relógio de pulso, porque émuito complicado. Ele sabe arrumar o relógio do celular. Tem que usar a inteligência.Ele é caixa, passa os produtos, eu empacoto, levo o carrinho até o carro das clientes. Tododia, o Edvan almoça comigo no refeitório, depois nós ficamos conversando e descansando.

 José Maria é meu brother. Ele me ajuda a empacotar. Ele tem um problema mão. Eletrabalha bem direitinho, igual a mim.

 Djalma é meu amigão do peito. Ele coloca os produtos nas prateleiras. Gosto dele. É muitodivertido. Ele é alegre, está sempre brincando comigo.

 Renato é brincalhão. Ele ri muito e me faz rir com suas brincadeiras.

Eu tenho um amigo muito especial, é o Vovô Passarinho, ele não voa, mas declama bem a poesia passarinho. Eu conheci ele no CTG. Ele é gaúcho igual ao meu pai. Eu sou Barriga

Verde, nasci em Blumenau, igual a minha mãe. No dia do meu aniversário, ele preparou a poesia Menino Passarinho para mim.

Eu tenho duas irmãs, Heloísa e Taiane. Eu sou o mais velho, sou o rei da casa. Heloisamora em Floripa sozinha. Daerty é o seu namorado. Minha mãe é um exemplo. Gosto do seu sorriso. Ela faz comida bem gostosa. As vezes elachama minha atenção, fico triste, mas sei que é para o meu bem. Meu pai é um paizão. Ele me ensinou a gravar músicas no meu MP3. De manhã, antes deir trabalhar, gosto de caminhar com meu pai perto do Lago Paranoá. Todos os dias, meu pai me leva para o trabalho.

Quando vou a Floripa gosto de ir a praia, nadar no mar e beber coca-cola. A praia quemais gosto é Ingleses.

Eu sou fã do Zezé de Camargo e Luciano. Gosto de ouvir e cantar suas músicas. Minha preferida é “É o amor”. Nos dias de folga pego o violão do meu pai e o microfone e canto. Meu sonho é gravar um cd e um dvd do meu show.Gosto do Mamonas Assassinas. Eram cinco alegres rapazes que morreram em um acidentede avião. Eles não podiam morrer, porque eram famosos, eles tinham muito mais shows

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  para gravar. Suas músicas são legais e divertidas. Gosto de cantar a música Mina edançar Roda-Vira Roda-Vem. Quando chegar o dvd vou comprar com meu dinheiro.

Gosto de ir ao shopping com minha irmã Taiane. Vamos ao dentista, depois vamos

comprar créditos para o meu celular e depois no cinema. Gosto de comer pipoca e bebercoca-cola durante o filme.Um dos filmes que mais gosto é Tropa de Elite, porque é policial, mata os bandidos quevendem drogas e armas.

Vencendo barreiras e inserindo-se no mercado de trabalho

 Aquele primeiro dia de trabalho de Vinícius chegara ao fim. O pai foi buscá-lo, nahora combinada. Pai e filho esboçavam um sorriso intrigante, pois ao mesmo tempo quemarcava o fim de uma fase, marcava também o início de uma nova fase. Algo tinha sidosuperado durante a caminhada de tantos anos. Mas muito ainda precisava ser avaliado e

aprendido!

- E então? Como você se sente neste seu primeiro dia de trabalho?- Aliviado! (Foi a resposta de Vinícius!)

 Na minha procura por um local de trabalho, tinha ouvido dizer que obteria vaga,mas Vinícius precisaria estar vinculado a uma organização, uma entidade que registra pessoas especiais, ou seja, que tenha participado de um curso de especialização para ainserção de portadores de deficiência no mercado de trabalho. Tudo isto, para o caso dasempresas e empregadores necessitarem de orientação. Estava claro que a inclusão e aaceitação de jovens Down no mercado de trabalho suscitava insegurança. Quem são estes

 jovens que desejam trabalhar? Como lidar com eles? São agressivos? Doentes? Enfim,como deve ser a recepção e manutenção destes jovens? Como lidar com questões salariais?De previdência? Imagino que as perguntas que os estabelecimentos formulem, sejam muitomais do que as respostas.

De repente paro e me pergunto: porque o meu jovem Down deve trabalhar? O querealmente quero, quando procuro inserí-lo no mercado de trabalho? Socialização?Ocupação de seu tempo? Exercer uma atividade que o estimule a querer descobrir outrasfacetas do trabalho e da vida? Integrá-lo à vida adulta, semelhantemente a de todos osoutros adultos ditos ‘normais’? Dar a ele um status, um papel social, pois quem trabalha e éremunerado e não é mais visto pela sociedade como sendo ocioso? É o desejo dele (filho)ou meu (pais) que está sendo satisfeito? O sonho de quem está se realizando: do filho ou do

 pai? O mundo toma outra dimensão, quando se tem uma criança Down. Mas enquantocriança, esta está apenas aos cuidados dos adultos e sua tarefa consiste em seu crescimento.O mundo toma outra dimensão, quando esta criança se torna adolescente. E depois, quandose torna adulta. Um Eu está à espera de ser. Um Eu está pedindo para amadurecer. Mas oque é amadurecer para este Eu, tão singular, tão incomum, tão puro, tãosurpreendentemente belo? Tão surpreendentemente diferente? Inseri-lo no mercado detrabalho seria satisfazer todas estas exigências da vida e formar o seu Eu?

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 Percorri vários locais. Sempre que me informavam de alguma nova possibilidade, lá

ia eu, de mãos com o Vinícius, para uma entrevista. E geralmente voltava para casadesiludida. Defrontei-me com algumas organizações e associações que lutam muito porseus filhos. Embora sejam pouco ouvidos, são estas organizações e associações que tem

conseguido os avanços percebidos em nossa sociedade. Mas por vezes, nas própriasassociações, organizações ou escolas, não permitem ou não fazem questão que seusalunos/participantes saiam de seu meio, como se, saindo o aluno/participante, estivessem perdendo um pedaço de seu corpo discente e docente e, automaticamente, perdendoeficiência. Pois se um aluno/participante avança a ponto de sair deste núcleo, é porquealcançou maturidade e técnica para “voar sozinho”. Embora a escola deva preparar para queo aluno “saia” dela, o que parece, algumas vezes, é que a escola quer que o aluno “nãosaia”, como forma de mostrar que ele está indo muito bem, está até se superando e ainstituição está realizando um ótimo trabalho.

Incluído foi o Vinícius, em escolas regulares, sempre que possível, mesmo acontragosto de professores das escolas especiais. Incluído foi o Vinícius, em escolasregulares que o receberam de “braços abertos”, isto é, dispostas a enfrentar a situação.Incluído foi o Vinícius, em práticas desportivas, sempre que era possível e sempre que osinstrutores se dispunham a treiná-lo. Incluído foi o Vinícius, em atividades artísticas eculturais, sempre que a oportunidade se apresentava ou era “criada”; e sempre que os professores/educadores se interessavam. Não foi diferente quanto ao mercado de trabalho.E fomos nós pais, que procuramos a inserção.

Esta fase de crescimento, em busca da maturidade, é marcante na vida do jovemDown e dos pais. Saber dar o ‘espaço’ adequado ao jovem e à si, como familiar, é umatarefa voluntariosa e necessária. Refletem a respeito, Lepri e Montobbio (2007):

Em todos os casos, a permissão para crescer, para entrar no trem para ir em frente(frequentemente rumo à incerteza), deve estar presente, em primeiro lugar e principalmente,

na família. Às vezes, o esforço psicológico exigido dos pais é excessivo, principalmentequando são sós, quando não sentem a seu lado profissionais capazes de “segura-los” e de

 planejar com eles, de transmitir confiança no jovem Down e de compartilhar os riscos desse“ir rumo” a um mundo nem sempre acolhedor, certamente perigoso.

Por fim, foi o pai quem conseguiu o primeiro espaço para o trabalho do Vinícius.Ele se preparava muito satisfeito, todas as manhãs, para sua jornada de trabalho. Seguiatodo um ritual, difícil de ser quebrado.

E, da mesma forma que seguia o ritual para o trabalho, dava a impressão que nalinguagem o Down segue um ritual parecido, usando estruturas menos marcadas, maissimplificadas, mais comuns. E este pode ser um ponto chave na dificuldade do uso da passiva na sua fala.

Quando este ritual é quebrado, por uma razão qualquer, o Down acaba seatrapalhando um pouco. Se acaso se atrasa, não vê maiores problemas. No caso doVinícius, se o pai se atrasasse para levá-lo ao serviço, corria atrás do pai e cobrava o atraso!O seu trabalho era simples, mas compensador. Estava numa loja que faz parte de umagrande rede de supermercados e trabalhou de empacotador.

A experiência no trabalho foi uma nova fase para a família. Foram novos amigos,clientes e atitudes. Vinícius teve de aprender a controlar o cartão-ponto. Tivemos de ensiná-lo. Teve de aprender a respeitar e entender o horário de almoço. A não usar o celular em

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 horário e local de serviço. A cumprimentar o cliente. A respeitar raças e opiniões. A cuidarde suas coisas pessoais.

Por outro lado, a administração da loja também sempre demonstrou interesse emconhecer o seu novo empregado, formulando perguntas e relatando sobre seu desempenho

no ambiente de trabalho, a ponto de terem incluído outras pessoas portadores da síndrome.Estas pessoas faziam uma espécie de ‘estágio’ ao lado do Vinícius, antes de seremdeslocadas aos seus locais definitivos de trabalho.

Vinícius é uma pessoa fácil de lidar e conviver. Embora seja reticente em algumasopiniões, é de índole dócil e compreensiva. Gosta do convívio com os amigos, convocando-os sempre a acompanhá-lo no almoço ou comunicando-se com os amigos pelo celular.Torce pelos times dos amigos e se irrita quando o time perde. Tem o seu time de preferência, mas por vezes é a preferência de algum amigo que prevalece. Tem uma camisade time assinada, autografada por um jogador. Tem camisas de times que foram enviadas e presenteadas por amigos. Faz prognósticos e, por vezes, acerta! E é então que se diverte, principalmente se seu prognóstico estava certo.

Um Natal muito especial

Foi no dia em que voltei de uma viagem, cansada da longa jornada, que tive umasurpresa ao entrar na cozinha:

- Olha só o que o Vinícius trouxe do trabalho!- Mas o que é isto?- É uma cesta de Natal que todos os funcionários receberam. E o Vinícius tambémrecebeu!

Olhei atentamente a caixa em formato diferente, criativo, colorida, com motivosnatalinos, mensagem de “Feliz Natal” e recheada de iguarias próprias para as festas de fimde ano. Não quis acreditar no que estava à minha frente! Um sentimento de profundagratidão preencheu meu ser por inteiro. Como eu estava viajando, em casa não haviamdesfeito a cesta. Agora, ali, naquele momento, na companhia de nosso filho, tiramos juntositem por item, já pensando em como prepararíamos cada um deles!

Bênçãos vem à nossa vida de diversas formas. Às vezes por presentes, poroportunidades, às vezes por gestos, um cumprimento ou até um telefonema, uma palavra. Neste ano de 2006 fomos abençoados com a ‘inclusão’ de Vinícius no mercado de trabalho.Consideramos sua inclusão como uma conquista, tanto para o Vinícius, como para acomunidade em geral, para a comunidade da loja e com certeza, com reflexos que se

estendem à humanidade, tal qual a luz da Estrela de Belém.- Mas tem mais: guardei no freezer uma ‘chester’’ que veio junto!- Gente, eu não acredito no que estou vendo!

Vinícius se exibia. Estava feliz com a surpresa, mas não conseguia apreender o que para mim, sua mãe, representou aquela cesta! Me emociono hoje ainda, quando relembroaqueles momentos.

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 Separamos os itens de acordo com cada ocasião, e preparamos uma deliciosa ceia de

 Natal e um jantar de Ano Novo maravilhoso! Para o café da tarde, foi preparado o bolo dechocolate. Taiane, a irmã, escolheu uma forma em formato de coração para o bolo. E é como coração cheio de emoção que enviei este depoimento ao local de trabalho do Vinícius. Eu

não poderia deixar de transmitir à toda equipe a minha gratidão por tanto carinho. Somostodos muito gratos!

Vinícius portador de sua CTPS

“A cidadania é um direito básico do homem”. Com estas palavras abre-se a primeira página de um livreto da Faped. E continua explicando que:

cidadania significa a participação efetiva do indivíduo nas decisões individuais, sociais ecoletivas, bem como o acesso aos bens e serviços comunitários. (...) Essas pessoas nãoquerem tirar a vaga de ninguém e nem ter preferência nas seleções. Elas querem apenas

igualdade de oportunidades.

O processo de admissão do Vinícius foi parecido com o de qualquer outro funcionáriodaquela empresa: coleta e apresentação de documentos, espera para entrevista inicial,exame médico, etc. Acompanhei o Vinícius na maioria das etapas necessárias ao seuingresso: exame médico no RH, na entrevista inicial e na coleta dos documentos. Estesforam os que demandaram mais tempo e me colocaram diante de novas perguntas. Algunsdocumentos solicitados: quitação com o Serviço Militar, Título de Eleitor, CarteiraProfissional, Carteira de Identidade (o Vinícius já tinha a sua), CPF (O Vinícius também játinha o seu), antecedentes, conta corrente para recebimento do salário, etc.

Quando completou 18 anos não me preocupei com o Serviço Militar e então me

solicitaram a documentação. Tive de pagar uma pequena multa. Vinícius teve isenção doServiço Militar, mas precisou seguir todos os trâmites que a situação exigia. O mesmo sedeu com o Título Eleitoral.

Percebemos, nesta nova caminhada, que certas situações para certas pessoas portadoras de deficiência são melhor contornadas quando há a figura de um Curador. Eentão é possível se deparar com duas situações bem específicas e que necessitam desteCurador que garanta o seu bem-estar:

1. alguns deficientes são totalmente incapazes de gerir seus bens. Nesta situação, o portador de deficiência também é incapaz de exercer um trabalho.2. alguns deficientes são apenas parcialmente incapazes de gerir seus bens, possibilitando, outrossim, sua inserção no mercado de trabalho.

Se o deficiente é responsável por documentos por ele assinados, por exemplo, dificilmente precisará de um Curador para acompanhá-lo em uma trajetória jurídico-financeira. Mas seele é incapaz de assumir responsabilidade com documentos, é necessária a presença doCurador.

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  Informações referentes à síndrome:

•  há casos de:* especiais parcialmente capazes de gerir seus bens e

cumprir com os direitos e deveres de cidadão

* especiais totalmente incapazes de gerir seus bens ecumprir com seus direitos e deveres de cidadão

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Capítulo 5

O que dizem as leis

Da resolução aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas(ONU) em 09 de dezembro de 1975, extrai-se o seguinte:

A Assembléia (...) proclama esta Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes eapela à ação nacional e internacional para assegurar que ela seja utilizada como basecomum de referência para a proteção destes direitos:

1.  O termo “pessoas deficientes” refere-se a qualquer pessoa incapaz deassegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de umavida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.

2. 

As pessoas deficientes gozarão de todos os direitos estabelecidos a seguirnesta Declaração. Estes direitos serão garantidos a todas as pessoasdeficientes sem nenhuma exceção e sem qualquer distinção oudiscriminação com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem social ou nacional, estado de saúde,nascimento ou qualquer situação que diga respeito ao próprio deficienteou a sua família.

3.  As pessoas deficientes tem o direito inerente de respeito por sua dignidadehumana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza egravidade de suas deficiências, tem os mesmos direitos fundamentais queseus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direitode desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível.

4. As pessoas deficientes tem os mesmos direitos civis e políticos que outrosseres humanos: o parágrafo sétimo da Declaração dos Direitos das PessoasMentalmente Retardadas (*) aplica-se a qualquer possível limitação ousupressão destes direitos para as pessoas mentalmente deficientes.(*) O parágrafo sétimo da Declaração dos Direitos das Pessoas MentalmenteRetardadas estabelece: “Sempre que pessoas mentalmente retardadas foremincapazes devido à gravidade de sua deficiência de exercer todos os seusdireitos de um modo significativo ou que se torne necessário restringir oudenegar alguns ou todos estes direitos, o procedimento usado para talrestrição ou denegação de direitos deve conter salvaguardas legais adequadascontra qualquer forma de abuso. Este procedimento deve ser baseado emuma avaliação da capacidade social da pessoa ‘mentalmente retardada’, por parte de especialistas, e deve ser submetido a revisões periódicas e ao direitode apelo a autoridades superiores.”

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 5. As pessoas deficientes tem direito a medidas que visem capacitá-las a

tornarem-se tão autoconfiantes quanto possível.

6. As pessoas deficientes tem direito a tratamento médico, psicológico e

funcional, incluindo-se aí aparelhos protéticos e ortóticos, à reabilitaçãomédica e social, educação, treinamento vocacional e reabilitação, assistência,to, serviços de colocação e outros que lhes possibilitem o máximodesenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processode sua integração social.

7. As pessoas deficientes tem direito à segurança econômica e social e a umnível de vida decente e, de acordo com suas capacidades, a obter e manterum emprego ou desenvolver atividades úteis, produtivas e remuneradas e a participar dos sindicatos.

8. As pessoas deficientes tem direito de ter suas necessidades especiais levadasem consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social.

9. As pessoas deficientes tem direito de viver com suas famílias ou com paisadotivos e de participar de todas as atividades sociais, criativas e recreativas. Nenhuma pessoa deficiente será submetida, em sua residência, a tratamentodiferencial, além daquele requerido por sua condição ou necessidade derecuperação. Se a permanência de uma pessoa deficiente em umestabelecimento especializado for indispensável, o ambiente e as condiçõesde vida nesse lugar devem ser, tanto quanto possível, próximos da vidanormal de pessoas de sua idade.

10. As pessoas deficientes deverão ser protegidas contra toda exploração, todosos regulamentos e tratamentos de natureza discriminatória, abusiva oudegradante.

11. As pessoas deficientes deverão poder valer-se de assistência legalqualificada quando tal assistência for indispensável para a proteção de suas pessoas e propriedades. Se forem instituídas medidas judiciais contra elas, o procedimento legal aplicado deverá levar em consideração sua condiçãofísica e mental.

12. As organizações de pessoas deficientes poderão ser consultadas comem todos os assuntos referentes aos direitos de pessoas deficientes.

13. As pessoas deficientes, suas famílias e comunidades deverão ser plenamenteinformadas por todos os meios apropriados, sobre os direitos contidos nestaDeclaração.

Comitê Social Humanitário e Cultural

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A Lei no. 7.853/89 estabeleceu a Política Nacional para Integração da PessoaPortadora de Deficiência e as normas gerais nas áreas de educação, saúde, esporte,assistência social, lazer, trabalho e recursos humanos que asseguram o pleno exercício dos

direitos da pessoa com deficiência, além da efetiva inclusão social. É de competência doMinistério Público defender os interesses coletivos e individuais da pessoa com deficiência.O Decreto no. 3.298/99 regulamenta a Política Nacional definindo na prática as

regras para a garantia dos direitos da pessoa com deficiência. (Senado Federal, 2005).Direitos explicitados:•  direito à saúde

Através de:assistência e reabilitação clínica; atendimento psicológico,fornecimento de medicamentos e assistência através de planos desaúde; ajuda técnica, fornecimento de órteses e próteses.

•  direito à educação

“(...)haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, naescola regular, para atender às peculiaridades da clientela deeducação especial e que o atendimento educacional será feito emclasses, escolas ou serviços especializados, sempre que, em funçãodas condições específicas dos alunos, não for possível a suaintegração nas classes comuns de ensino regular” (LDB-Leino.9.394/96)

•  direito à culturaO Programa Arte Sem Barreiras, da Funarte, objetiva incentivar a

 produção e a publicidade de pesquisas e conhecimentos no campo da

educação e arte, promovendo ainda apresentações de experiências e processos estéticos para a valorização da percepção e da expressãoindividual como forma de inclusão social.

•  direito ao esporteO objetivo é desenvolver as potencialidades da pessoa comdeficiência através da capacitação de técnicos, promoção de eventose formação de professores de educação física.

• 

direito ao trabalhoÉ reservado um percentual de cargos e empregos públicos aos

 portadores de deficiência, bem com estão definidos os critérios parasua admissão. (Lei no. 8.112/90)Em concursos públicos federais há uma reserva de 20% nas vagas, porém estes números divergem em cada estado e municípioEmpresas, com 100 ou mais empregados, devem preencher de 2% a5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas comdeficiência, habilitadas.

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 •  direito a financiamento e isenções fiscais

Automóveis adquiridos em alguns estados brasileiros por pessoascom deficiência física, visual, mental e auditiva ou seusrepresentantes legais são isentos de ICMS (Lei no.10.754/03)

Os financiamentos de automóveis de fabricação nacional também sãoliberados do IOF.

•  direito ao passe livreUso de transporte coletivo municipal, estadual e interestadualgratuito e acessível, cabendo a cada estado ou município aimplantação de programas. (Lei no.8.899/94)

• 

direito à assistência socialVisa garantir a habilitação e reabilitação, equiparação deoportunidades e proteção social. A Lei no.8.742 determina o direito a

um salário mínimo, chamado de Benefício de Prestação Continuada(BPC). Para receber o benefício basta procurar a prefeitura da cidadeou um posto do INSS e comprovar o direito à assistência prevista nalei.

•  direito à acessibilidadeLiberdade de ir e vir e de se sentir parte da comunidade fazendo usode meio físico adequado e que garanta a segurança e o acesso atravésde:adequação de vias, espaços públicos, mobiliário urbano, meios detransporte e comunicação, construção e reforma de edifícios e acesso

à informação

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Capítulo 6

Refletindo em espiritualidade

O vô adoeceu e deixou-nos. Ainda passou alguns dias em nossa companhia.Quando soube que o vô estava doente,Vinícius surpreendeu-nos:

- Estou orando pelo vô.

Esta não foi a única vez que nos surpreendeu com tal assertiva e demonstração deque a espiritualidade lhe era presente. Confessava estar orando sempre que umadificuldade se apresentava, fosse uma trovoada que o amedrontava, fosse a doença de umamigo, enfim, orava qualquer que fosse o problema...

Outro dia estávamos conversando sobre o Vinícius com um amigo e ele resumiu deuma maneira muito simples, o que é afinal ter um filho, um amigo Down. Pois disse ele,que o Vinícius “tem uma forma diferente de ver o mundo, de viver o mundo”. Na verdade,nós é que aprendemos muito mais com ele, do que ele conosco. Nós, pais, irmãos e amigos,é que temos de parar e perceber quem é este ser que está aí, à nossa frente. Pois ele temuma vida inteira a nos mostrar.

Quando paro e me detenho a observá-lo, a tentar entender o que está pretendendo,vejo o mundo numa nova dimensão, numa nova forma.

- Os filhos vem a nós para nos dar alegrias, e não tristeza, nem preocupação.- Não limite você, o que o seu filho pode ou não pode fazer.

Foram as respostas, certa vez, de pessoas imbuídas de uma especial espiritualidade.Estas são constatações que necessitam de meditação, de ‘ler nas entrelinhas’, de querer-seentender o que realmente significam. E de deixar-se perceber, que fazemos parte, todos, deuma consciência divina, ilimitada, expansiva. A preocupação e a perturbação fazem partedo cotidiano, da vivência, na medida em que se permite. No momento em que se temconsciência do que significa ‘estar’ e ‘ser’ participante de uma vida mais divina, asfronteiras mentais e físicas diminuem e podem até desaparecer. Na verdade, as fronteirassão apenas demarcadas pelo homem, não são marcadas nem pela natureza, nem peladivindade. O ser é ilimitado. O ser (substantivo) é limitado, mas o ser (verbo) é ilimitado!

Viver ao lado do Vinícius é como descobrir uma flor nova no jardim, a cada dia, evê-la desabrochar em toda sua plenitude, dando a nós, espectadores desta vida, aoportunidade de perceber facetas diferentes deste ‘ser’ e deste mundo.

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Nossas vidas com o Vinícius

O capítulo a seguir se explica por si mesmo. Por isso, não tecerei nem comentários, nemexplicações. Apenas que este capítulo nasceu de contatos via internet.

Caríssimos amigos!

 Estou aqui, redigindo algumas páginas do que pretende ser um livro sobre aSíndrome de Down e a inclusão do 'adulto', no mercado de trabalho. Levanto algumas questões, trago experiências e etc...

 Lembrei de vcs, que tiveram vivência mais próxima do Vi. E convido-os a fazerem parte do livro! Como?Com seus relatos sobre como foi/ como é viver com o Vi. Sobre como foi estar ao lado dele, o que foi fácil e superável e o que foi mais difícil.

 Enfim, como vcs se sentiram estando com ele, etc... Não precisam ser depoimentos longos. E não esqueçam de me 'permitirem'incluir estes depoimentos no livro.

 Bom, fico aguardando as respostas!!!!

Bom Ellen!!!

Falar do Vini é fácil... Ele é uma das criaturinhas mais maravilhosas que eu já conheci.Temos praticamente a mesma idade e, apesar de morarmos longe, tenho lembranças deledesde a nossa tenra idade pq nossas famílias sempre foram mto próximas. O q eu percebi ao

longo de nossas vidas é q somos absolutamente iguais. Nunca me senti em situaçãoestranha na presença dele. Credito isso a vcs da família q sempre trataram o Vini demaneira absolutamente natural e harmoniosa... Tbém acredito q o mérito tbém é do Vini.Sempre mto carinhoso, simpático, espirituoso, afetuoso... Enfim, tudo d bom! E a melhorqualidade de tds: é um dos gremistas mais fanáticos q eu conheço!!! E isso, por si só, já éuma qualidade e tanto!!! Hehehe... Sempre lembro dele. Ainda mais q a minha cunhadatbém tem síndrome de Down, então a relação é instantânea! Vejo ela e logo lembro dele...Das risadas, brincadeiras,... Momentos sempre bons e felizes!!!!

Amo vcs!Bjs, Si.

Ellen

Segue nosso pequeno depoimento sobre o Vini e é logico que tens nossa autorização para publicares se achares válido.Conhecemos o Vini com dias de idade.A negação do que os olhos viam parece ter sido a tônica da visita que recebemos.Estávamos sabendo que ele tinha Síndrome de Down mas não conseguiamos (ou não

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 queriamos) ver na aparência os seus sinais. Passada a visita e reveladas as fotos, nãorestavam dúvidas... Até hoje nos perguntamos como foi que bloqueamos a visão para algotão evidente!A convivência com Vini, por morarmos em Canoas/RS e ele em Blumenau, depois

Florianópolis e agora em Brasília sempre foi à distância e esporádica, mas, neste tempo,sempre mantivemos contato visitando-o ou sendo visitados.Acompanhamos, assim, a evolução física e psicológica do Vini e da família. O carinho e adeterminação dos pais e sua busca incessante por recursos em saúde física e psicológica eem educação.A chegada das meninas completou a família. À medida que elas cresciam, crescia ocarinho, o envolvimento, a compreensão, o companheirismo e a cumplicidade. Neste cenário tão propício, cresceu a criança que tem uma alegria contagiante, que sabe eexerce seu direito de expor idéias, impor vontades mas também respeitar individualidades.Duas coisas são muito marcantes na personalidade dele: a bondade, tanto material quantosentimental e a espirituosidade, com respostas rápidas, inteligentes, lacônicas, jocosas ouengraçadas. Não podemos deixar de mencionar seu amor pelo Grêmio, time do coração, e a suaconfiança e otimismo inabaláveis quanto ao desempenho da equipe, fato este que até nosemociona pela pureza demonstrada em muitos momentos, que é outra peculiaridade de sua personalidade.A entrada do Vini no mundo profissional e todas as suas conquistas são motivadores paranós que o amamos tanto e torcemos por ele e por toda sua família que é verdadeiramenteESPECIAL.Hoje só nos resta dizer que é um privilégio conhece-lo e o quanto sua doçura nos encanta.As únicas dificuldades que tivemos foram a distância e o desconhecimento e porque nãodizer a ignorância mesmo do que é a Síndrome de Down no início de nossa vida com ele.Aprendemos muito nestes anos e achamos que este livro que estás escrevendo pode ajudarmuitas pessoas que ainda possuem algum preconceito por pura ignorância.BjsAdo e Janete

Ellen querida,

Você me pede para escrever alguma coisa sobre o Vinícius. Há uma semana estoumatutando sobre o quê e como escrever, logo eu que, por "deformação" profissional,deveria estar apta a dominar as letras sem grandes dificuldades. Enfim, hoje, aniversário doVi, voltei a pensar no assunto e descobri porque é tão difícil para mim 'pensar" o Vi em

 palavras. Simplesmente porque o que mais me aproximou do Vi foi justamente o seusilêncio, a comunicação que transcende a imperfeição das palavras. Como disse St.Exupery no seu livro O Pequeno Príncipe, " toda palavra é fonte de mal endendido".Lembro de uma vez, quando dei carona para o Vi de volta do Carrefour. Acho que era umasexta-feira, um daqueles dias estressantes quando chegamos ao fim do dia com os nervoseletrizados. O Vi estava me esperando, me acenou quando me viu, entrou no carro, colocouo cinto de segurança e viemos sem trocarmos uma só palavra. Até hoje isso me emociona.A paz que o Vi transmite é algo que não se traduz em palavras. Não sei explicar o que senti

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 nesse percurso, nessa pequena viagem que fizemos juntos. Uma coisa transcendental, comose um anjo de asas enormes tivesse pousado sobre a gente. Quando chegamos, ele saiu docarro, fez novamente o aceno de mão, sorriu o sorriso maroto de sempre, olhou fundo nosmeus olhos com aqueles lindos olhos azuis e eu entrei em casa "curada", feliz, como se

tivesse tomado um copo de água muito fresca de uma fonte límpida. Pensei, que privilégioda Ellen conviver com uma pessoa assim, que sorte poder "viajar" o tempo todo emcompanhia dele! Quanta sabedoria contém o silêncio do Vi! Uma enciclopédia inteira, umHD com muitos GBs.

É isso, no momento em que estou novamente de partida, queria dizer que foi um prazerenorme ter conhecido vocês e lembro que o Vi foi quem eu conheci primeiro. Mesmo agente morando quase em frente uma da outra, foi ele que chegou primeiro na minha vidalogo que cheguei de volta a Brasília há pouco mais de dois anos.

Um beijinho e parabéns para você e Getúlio por comemorarem hoje mais um ano de vidado Vinícius.Sua amiga,Josiane

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Capítulo 7

Vale a pena ler

a. Sobre a Síndrome de Down

COLLARES, Liane M. 2004. Liane, mulher como todas. Rio de Janeiro: WVA Ed., 166p

LEPRI, Carlo; MONTOBBIO, Enrico. 2007. Quem eu seria se pudesse ser: a condição adulta da pessoacom deficiência intelectual. Campinas: Fund. Síndrome de Down. 136p. 

MORENO, Garcia. 2003. Síndrome de Down: um problema maravilhoso. Brasília: Cor Graf Ed. GráficaLtda. 152p.

 NAHAS, Ana B. 2004. Síndrome de Down e meu filho. Florianópolis: [s.n.], 60p. (acessível na internet)

PROENÇA, Iva Folino. Inclusão começa em casa: um diário de mãe *(ver Livraria Hildebrando/ UnB facde educação)

REILY, Lucia. Escola Inclusiva *(ver Livraria Hildebrando/ UnB fac de educação)

VOIVODIC, Ma. Antonieta M.A. Inclusão escolar com Síndrome de Down *(ver Livraria Hildebrando/UnB fac de educação)

ANAIS DO IV CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE SÍNDROME DE DOWN. Salvador-BA, 09 a 11 desetembro de 2004. Federação Brasileira das Associações de SD.

b. Sobre Lingüística e estudos referentes aquisição de linguagem na

Síndrome de Down

CRAIN, S. & LILLO-MARTIN, D. (1999) An Introduction to Linguistic: Theory and Languageacquisition. Blackwell: USA.

FLETCHER, P. & McWHINNEY, B. 1997. Estrutura Frasal e Categorias Funcionais.

FLETCHER, P. & McWHINNEY, B. 1997. Parâmetros da Aquisição.

Mc DANIEL, D., Mc KEE, C. & CAIRNS, H.S. 1996. Methods for assessing children’s syntax. The MITPress: Massachussets.

REILLY, J.S. & Mc INTIRE, M. 1991. The acquisition of Wh-questions in America Sign Language. 

Rubin, M.C.B.P. 2004. A passiva na Síndrome de Down. Curitiba. Univ Fed do Paraná.

SAUSSURE, Ferdinand de. 2003. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Ed. Cultrix, 280p.

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c. Sobre os direitos e deveres: da sociedade e do portador de deficiência

Secretaria Especial dos Direitos Humanos: www.presidencia.gov.br/sedh Rede Nacional de Direitos Humanos: www.rndh.gov.br  CORDE-Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência:www.presidencia.gov.br/sedh/corde Entre Amigos-Rede de Informações sobre deficiência: www.entreamigos.com.br  Sorribrasil: www.sorri.com.br  ONG Vez da Voz: www.vezdavoz.com.br  Escola da Gente: www.escoladagente.org.br  Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down:[email protected]  Fórum Permanente de Apoio e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência:www.faped.org 

²Dados referentes ao portador da Síndrome de Down

- data de nascimento: 26 de outubro de 1981- local de nascimento: Blumenau/SC/Brasil- condições do parto: normal- exame Citogenético: cariótipo 47, XY, +21, compatível com o diagnóstico de Síndrome de Down (cfe.resultado de exame)

 Dessarte, não pode haver judeu nem grego;nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher;

 porque todos vós sois um em Cristo Jesus.Gálatas 3: 28

 Não temos nós todos o mesmo Pai? Não nos criou o mesmo Deus?Malaquias 2:10

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