vigilância ambiental em saúde de acidentes químicos ampliados … · acidentes químicos...

12
31 31 IESUS IESUS Informe Epidemiológico do SUS 2001; 10(1) : 31 - 42. Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados no Transporte Rodoviário de Químicos Ampliados no Transporte Rodoviário de Cargas Perigosas Cargas Perigosas Resumo Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente múltiplos danos ao meio ambiente e à saúde dos seres humanos expostos, constituindo uma preocupação para a Saúde Pública. Entretanto, no Brasil, a ausência de algumas informações básicas que permitam avaliar os impactos desses eventos sobre a saúde humana constitui uma das limitações dos dados existentes, atualmente, sobre o transporte de cargas perigosas, reduzindo a capacidade de formulação de políticas públicas de controle e prevenção amplas, adequadas e efetivas, particularmente envolvendo os setores saúde e meio ambiente. O objetivo deste artigo é, no âmbito da Vigilância Ambiental em Saúde, contribuir para a estruturação do sistema de vigilância desse tipo de acidente. A partir do histórico e da caracterização desses acidentes, coloca- se a problemática para o Brasil, tendo como referência estudos realizados nos EUA. A partir daí, são propostos os elementos básicos e iniciais que devem constituir a vigilância em saúde ambiental em relação a esses eventos. Ao final, aponta-se para a urgência da estruturação dessa vigilância, considerando as peculiaridades da realidade brasileira e o grande número de eventos já registrados. Palavras-Chave Acidente Rodoviário; Transporte de Carga Perigosa; Vigilância Ambiental em Saúde; Acidente Químico. Summary Major chemical accidents in highway transport of hazardous materials have the potential of a multiplicity of damages to health and to the environment and are of Public Health concern. In Brazil the absence of basic information to evaluate the impact of these events on health is one of the limitations of the available data about highway transport of hazardous materials. As consequence, formulation of adequate and efficient public policies to prevent and control these types of accidents, involving health and environment sectors is limited. The objective of this article is to contribute to the building of the environmental health surveillance of these accidents. Based on the available information and on the characterization of these accidents referred in studies done in the United States, the problematic in Brazil is discussed. Basic elements for the urgent implementation of an environmental health surveillance of these accidents are pointed considering the Brazilian reality. Key Words Highway Accident; Hazardous Materials Transportation; Environmental Health Surveillance; Chemical Accident. Endereço para correspondência: Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana - ENSP - FIOCRUZ - Av. Leopoldo Bulhões, 1480 - Manguinhos - CEP: 21041-210 - Rio de Janeiro - telefone: (21) 5982826. E-mail: [email protected] Carlos Machado de Freitas Carlos Machado de Freitas Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana/ENSP/FIOCRUZ Andréa Estevam Amorim Andréa Estevam Amorim Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Environmental Health Surveillance of Major Chemical Environmental Health Surveillance of Major Chemical Accidents in Highway Transport of Hazardous Materials Accidents in Highway Transport of Hazardous Materials

Upload: others

Post on 01-Aug-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

3 13 1

I E S U SI E S U S

Informe Epidemiológico do SUS 2001; 10(1) : 31 - 42.

Vigilância Ambiental em Saúde de AcidentesVigilância Ambiental em Saúde de AcidentesQuímicos Ampliados no Transporte Rodoviário deQuímicos Ampliados no Transporte Rodoviário de

Cargas PerigosasCargas Perigosas

ResumoAcidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem opotencial de causar simultaneamente múltiplos danos ao meio ambiente e à saúde dosseres humanos expostos, constituindo uma preocupação para a Saúde Pública. Entretanto,no Brasil, a ausência de algumas informações básicas que permitam avaliar os impactosdesses eventos sobre a saúde humana constitui uma das limitações dos dados existentes,atualmente, sobre o transporte de cargas perigosas, reduzindo a capacidade de formulaçãode políticas públicas de controle e prevenção amplas, adequadas e efetivas, particularmenteenvolvendo os setores saúde e meio ambiente. O objetivo deste artigo é, no âmbito daVigilância Ambiental em Saúde, contribuir para a estruturação do sistema de vigilânciadesse tipo de acidente. A partir do histórico e da caracterização desses acidentes, coloca-se a problemática para o Brasil, tendo como referência estudos realizados nos EUA. Apartir daí, são propostos os elementos básicos e iniciais que devem constituir a vigilânciaem saúde ambiental em relação a esses eventos. Ao final, aponta-se para a urgência daestruturação dessa vigilância, considerando as peculiaridades da realidade brasileira eo grande número de eventos já registrados.

Palavras-ChaveAcidente Rodoviário; Transporte de Carga Perigosa; Vigilância Ambiental em Saúde;Acidente Químico.

SummaryMajor chemical accidents in highway transport of hazardous materials have the potential ofa multiplicity of damages to health and to the environment and are of Public Health concern.In Brazil the absence of basic information to evaluate the impact of these events on health isone of the limitations of the available data about highway transport of hazardous materials.As consequence, formulation of adequate and efficient public policies to prevent and controlthese types of accidents, involving health and environment sectors is limited. The objective ofthis article is to contribute to the building of the environmental health surveillance of theseaccidents. Based on the available information and on the characterization of these accidentsreferred in studies done in the United States, the problematic in Brazil is discussed. Basicelements for the urgent implementation of an environmental health surveillance of theseaccidents are pointed considering the Brazilian reality.

Key WordsHighway Accident; Hazardous Materials Transportation; Environmental HealthSurveillance; Chemical Accident.

Endereço para correspondência: Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana - ENSP -FIOCRUZ - Av. Leopoldo Bulhões, 1480 - Manguinhos - CEP: 21041-210 - Rio de Janeiro - telefone: (21)5982826.E-mail: [email protected]

Carlos Machado de FreitasCarlos Machado de FreitasCentro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana/ENSP/FIOCRUZ

Andréa Estevam Amorim Andréa Estevam AmorimDepartamento de Ciências Administrativas e Contábeis/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Environmental Health Surve illance of Major ChemicalEnvironmental Health Surve illance of Major ChemicalAcc idents in H ighway Transport of Hazardous Mater ialsAcc idents in H ighway Transport of Hazardous Mater ials

Page 2: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

I E S U SI E S U S

3 23 2

Int roduçãoIntroduçãoOs acidentes químicos ampliados,

eventos agudos, tais como explosões,incêndios e emissões, individualmente oucombinados, envolvendo uma ou maissubstâncias perigosas com potencial paracausar simultaneamente múltiplos danosao meio ambiente e à saúde dos sereshumanos expostos, constituem umapreocupação para a Saúde Pública. Essesacidentes podem ocorrer em instalaçõesfixas (unidades de produção industrial oude armazenamento) ou durante otransporte de substâncias químicas(rodoviário, ferroviário, hidroviário,aeroviário e dutoviário), possuindo acapacidade de a gravidade e a extensãodos seus efeitos ultrapassarem os seuslimites espaciais - de bairros, cidades epaíses - e temporais - como a teratogêne-se, carcinogênese, mutagênese e danos aórgãos alvos específicos.1

No Brasil, a ausência de algumasinformações básicas que permitam avaliaros impactos desses eventos sobre a saúdehumana2-5 - expostos, lesionados e óbitos- e o meio ambiente6 - contaminação desolos, águas superficiais e subterrâneas,ar e cadeia alimentar, constitui uma daslimitações dos dados atualmente exis-tentes sobre o transporte de cargasperigosas. As conseqüências da ausênciade dados se refletem diretamente napossibilidade de estimar os custoshumanos, ambientais e financeiros dessesacidentes e, por conseguinte, na capacidadede formulação de políticas públicas decontrole e prevenção amplas, adequadase efetivas, particularmente envolvendo ossetores saúde e meio ambiente.

Os acidentes químicos ampliados notransporte rodoviário de cargas perigosas(AQATRCP) são hoje um dos temas depreocupação da vigilância ambiental emsaúde (VAS) que vem se desenvolvendono âmbito do Ministério da Saúde, dentroda Fundação Nacional de Saúde7, comreflexo também em algumas SecretariasEstaduais de Saúde. O objetivo deste artigo,resultado de pesquisas já concluídas, écontribuir para a estruturação do sistemade VAS dos AQATRCPs considerando sua

especificidade, pois, além de o país aindanão ter nada estruturado sobre este temano setor saúde, deve-se considerar aindaque, pelos seus efeitos, possa sercomparado aos acidentes em instalaçõesfixas, dadas as suas características demobilidade e seus aspectos específicos,que devem ser abordados de mododiferenciado.

B r e v e h i s t ó r i c o e c a r a c t e r í s t i c a sB r e v e h i s t ó r i c o e c a r a c t e r í s t i c a sdos acidentes químicos ampliadosdos acidentes químicos ampliados

A importância dos acidentesenvolvendo substâncias químicas estádiretamente relacionada à evoluçãohistórica da produção e consumo dessassubstâncias em nível internacional enacional. Nos anos 60, uma plantaindustrial de grande porte para refino depetróleo possuía capacidade de produzir50 mil toneladas de etileno por ano. Nosanos 80, a capacidade ultrapassava aescala de 1 milhão de toneladas por ano.O transporte e o armazenamentoseguiram o mesmo ritmo. A capacidadedos petroleiros no pós-guerra cresceu de40 mil toneladas para 500 mil toneladas ea de armazenamento de gás de 10 milmetros cúbicos para 120.000/150.000metros cúbicos. 8,9 A comercializaçãomundial de produtos químicos orgânicosexemplifica este crescimento, passandode 7 milhões de toneladas em 1950 para63 milhões em 1970, 250 milhões em1985 e 300 milhões em 1990.10

O crescimento das atividades deprodução, armazenamento e transporte desubstâncias químicas no mundo provocouum aumento no número de indivíduosexpostos aos seus riscos - trabalhadores ecomunidades. Paralelamente, observa-seum aumento na freqüência e gravidade dosacidentes químicos. Os acidentes nessasatividades com cinco óbitos ou mais, osquais são considerados muito severos pelaUnião Européia,11 passaram de 20 (médiade 70 óbitos por acidente) entre 1945 e1951, para 66 (média de 142 óbitos poracidente) entre 1980 e 198612 (Tabela 1).

Além de serem acidentes de trânsitoe de trabalho, esses eventos caracterizam-se por envolver o potencial de explosões,

Vigilância ambiental de acidentes químicos com cargas perigosas

Informe Epidemiológicodo SUS

Além dasAlém dasconseqüênciasconseqüênciasimediatas e doimediatas e do

grande número degrande número deóbitos associadosóbitos associados

a um únicoa um únicoevento, osevento, os

acidentesacidentesquímicosquímicos

ampliados noampliados not r a n s p o r t et r a n s p o r t e

rodoviário derodoviário decargas perigosascargas perigosas

apresentamapresentamefeitos queefeitos que

ultrapassamultrapassamlimites de espaçolimites de espaço

e de tempo.e de tempo.

Page 3: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

3 33 3

I E S U SI E S U S

incêndios e vazamentos, individualmente oucombinados, com uma ou mais substânciasperigosas. Possuem, portanto, o potencialde causar simultaneamente múltiplos danosao meio ambiente e à saúde dos indivíduosexpostos.

Nas explosões, a súbita liberação deenergia pode tomar diversas formas e seusefeitos tendem a ser locais. Porém, asexplosões químicas podem ter amplasrepercussões sobre a saúde, uma vez quepodem resultar em incêndios e emissões desubstâncias tóxicas perigosas. Em ambas asformas, há ainda a possibilidade delançamento de fragmentos. Seus impactossobre a saúde se manifestam na forma dequeimaduras, traumatismos e sufocaçãopelos gases liberados após as explosões.1

No caso dos incêndios, além daradiação de calor e dos possíveis incêndiose explosões adicionais, existem ainda osriscos associados à própria combustãodos químicos envolvidos, resultando naemissão de múltiplos gases e fumaçastóxicas, atingindo áreas distantes. Alémdisso, dependendo de vários fatores, entreeles temperatura, a combustão incompletade substâncias químicas pode gerarinúmeros outros poluentes indiretos. Estacaracterística dos incêndios químicostorna difícil estabelecer inferências causaisentre a possível exposição e os sintomasespecíficos registrados, tal comoevidenciam os estudos sobre bombeiros epopulações expostas a esses tipos deeventos. As águas residuais contaminadasdos combates aos incêndios químicos sãooutra fonte de riscos, tanto para as

equipes de emergências que entram emcontato com elas durante o combate,como para as populações que obtêmágua e peixes para consumo nos riosatingidos. 1

As freqüentes emissões líquidasacidentais, que ocorrem diretamente porvazamento ou derramamento, têm suaextensão determinada, entre outrosfatores, pela existência de cursos deágua e barreiras naturais ou artificiais.As emissões de gases e vapores tóxicosna atmosfera apresentam maiorespossibilidades de dispersão. A gravidadee a extensão dessas emissões dependemdas propriedades f ís ico-químicas,toxicológicas e ecotoxicológicas dassubstâncias envolvidas, bem como dascondições atmosféricas, geológicas egeográficas. Assim como os incêndios,podem provocar efeitos tanto agudosquanto crônicos, como carcinoge-nicidade, teratogenicidade, mutageni-cidade e danos a órgãos alvos específicos.1

Em síntese, o que caracteriza essesacidentes, denominados de acidentesquímicos ampliados, não é somente suacapacidade de causarem conseqüênciasimediatas e grande número de óbitos emum único evento, embora sejam freqüen-temente conhecidos exatamente por isto.É também o potencial da gravidade eextensão dos seus efeitos ultrapassarem osseus limites espaciais - de bairros, cidadese países - e temporais - como ateratogênese, carcinogênese, mutagênese edanos a órgãos alvos específicos,ampliando-se no tempo e no espaço1.

Carlos Machado de Freitas e Andréa Estevam Amorim

volume 10, nº 1janeiro/março 2001

Fonte: Glickman e colaboradores12

2020

36

52

99

66293

1945 - 1951

1952 - 1958

1959 - 1965

1966 - 19721973 - 1979

1980 - 1986

Total

Número de Acidentes Óbitos por AcidenteNúmero de Óbitos Óbitos por Ano

1.407

558

598

9932.038

9.382

14.976

70

28

17

1921

142

297

201

80

85142

291

1.340

2.139

Tabela 1 - Acidentes químicos ampliados no mundo no período entre 1945 e 1986

Anos

Page 4: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

I E S U SI E S U S

3 43 4

Os AQATRCPs e seus impactos sobreOs AQATRCPs e seus impactos sobrea saúdea saúde

Em termos globais, os estudos deGlickman e colaboradores,12,13 utilizando-se de diferentes fontes de informações(registros oficiais e bases de dadosinternacionais, além de jornais, revistas epublicações específicas sobre o tema)demonstram a importância do tema paraos setores saúde e meio ambiente. Em umprimeiro estudo,12 sobre acidentesquímicos ampliados ocorridos no mundoentre 1945 e 1986 e com mais de cincoóbitos, demonstrou que os percentuaispara o transporte (incluindo o hidroviário,o ferroviário e o rodoviário) foi de 46%(n=135) do total de eventos (o que incluidutos e instalações fixas) e de 45%(n=6.808) do total de óbitos. Em umsegundo estudo, 13 limitando-se aosacidentes ocorridos nos EUA, envolvendopelo menos um óbito, no período de 1947a 1991, permitiu desagregar os dados paraos AQATRCPs e demonstrar que esseseventos corresponderam a 35% do totalde eventos e a 71% dos acidentes envolven-do o transporte de cargas perigosas. Emrelação as vítimas fatais, os AQATRCPscorresponderam a 15% do total de vítimasem todos eventos e a 28% dos queenvolveram todos os tipos de transporte decargas perigosas, apresentando o menorindicador de gravidade (1,9 óbitos/acidente)se comparado com os outros (Tabela 2). Otransporte marítimo, por exemplo, emboraresponsável por apenas 8% (n=30) doseventos, resultou em 55% (n=963) dosóbitos e apresentou o maior indicador degravidade (32,1 óbitos por acidente).

Embora haja poucos estudosespecíficos sobre o tema, avaliações deimpactos sobre a saúde provocados pelosacidentes envolvendo o transporterodoviário de cargas perigosas, todosrealizados nos EUA, podem forneceralguns parâmetros para pensarmosacerca da necessidade de estruturação deum sistema de vigilância ambiental emsaúde que incorpore esses tipos deeventos.

Em um estudo realizado por Shaw ecolaboradores2 sobre AQATRCPs ocorridosna Califórnia entre janeiro de 1982 esetembro de 1983, registrados na políciarodoviária (n=485) e no departamentonacional de transportes (n=474), foiencontrada uma média de aproximadamentetrês vítimas por acidente para os 62 eventos(aproximadamente 13% nos dois sistemasde registros) em que havia informaçõessobre pessoas expostas.

Binder3 levantou 587 eventos comemissões químicas perigosas em trêssistemas de registros no ano de 1986:o Centro Nacional de Respostas àEmergências (n=288), o Sistema deInformações Sobre Materiais Perigosos(n=208) e a Base de Dados de EventosAgudos Perigosos (n=168). Incluiu otransporte em movimento e tambémestacionário (operações de carregamentoe descarregamento). Alguns eventos eramcomuns aos dois sistemas de registros, eapenas 1% era comum aos três sistemas.O autor constatou que os 587 AQATRCPsregistrados resultaram em, no mínimo,115 óbitos, 2.254 lesionados e 111evacuações emergenciais.

Vigilância ambiental de acidentes químicos com cargas perigosas

Informe Epidemiológicodo SUS

Tabela 2 - Acidentes de transporte de cargas perigosas com vítimas fatais nos EUA, no período de 1947 a 1991

26832

30

40

6

376

RodoviasRodovias/Trem

Marítimo

Ferroviário

Desconhecidas

Total

Modalidades de Transporte

Número de Acidentes Óbitos por AcidenteNúmero de Óbitos

503118

963

159

12

1.755

1,9

3,7

32,1

4,0

2,0 -

Fonte: Glickman e colaboradores13

Page 5: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

3 53 5

I E S U SI E S U S

Hall e colaboradores,4 em um estudo paradar início a um sistema ativo de vigilância deemergências envolvendo materiais perigosos(Hazardous Substances Emergency EventsSurveillance System - HSEES) na Agency forToxic Substances and Disease Registry(ATSDR), envolveram instituições similaresàs secretarias estaduais de saúde, em cincoestados diferentes, na coleta de registros deacidentes químicos ampliados entre 1º dejaneiro de 1990 e 31 de dezembro de 1991,utilizando-se de fontes de dados como órgãosambientais do estado, polícia e bombeiros.Foram encontrados 1.234 eventos, em queapenas 28% (n=349) do total envolveramAQATRCPs. Embora não haja dadosespecíficos para os AQATRCPs no que serefere as outras variáveis, elas servirão comoindicadores. Do total de eventos, 16%(n=204) resultaram em 846 pessoas afetadas,predominando irritações do trato respiratórioe dos olhos, seguidas de náuseas. NosAQATRCPs, as conseqüências envolveramtambém, de modo geral, lesões traumáticas equeimaduras químicas.

Dos sete óbitos registrados, nenhumocorreu em AQATRCPs. Em relação aogênero, 76% eram homens. O grupo maisafetado foi o de trabalhadores das própriasempresas (64%), sendo seguidos poraqueles trabalhadores envolvidos nasações de resposta a este tipo de emer-gência (14%). Para a população geral opercentual foi de 22%, e especificamentepara os AQATRCPs este percentualbaixou para 10%. A maioria das vítimasteve entrada e tratamento nos serviços desaúde (70,5%), sendo outras transpor-tadas para observação sem tratamento(18,6%). Em outros casos, 9,9% foramtransportadas e tratadas sem registros deentrada nos serviços de saúde e 1%recebeu tratamento na cena do acidente.Evacuações foram registradas em 14%(n=177) dos eventos, com uma média de210 pessoas - variando de duas a 4.150pessoas - e com uma média de duas horasde evacuação por evento - variando deuma a 202 horas. Em 92% das evacuaçõesa ordem partiu de um profissionalenvolvido na resposta (policial oubombeiro).

Embora os resultados dos estudoscitados utilizem diferentes bases emdiferentes períodos, ressaltam algunsaspectos relacionados aos AQATRCPs,entendidos como um problema de SaúdePública. Em média, podemos considerarque esses eventos constituem cerca de umterço dos acidentes químicos ampliados.Não são responsáveis pela maioria dasvítimas fatais e não fatais, mas apresentama característica de afetar mais de umapessoa, particularmente trabalhadores dasempresas envolvidas e das equipes queatuam nestas emergências (políciarodoviária, bombeiros e técnicos de órgãosambientais). Em termos de impacto globalsobre a saúde das populações, afetammenos o público geral do que os queocorrem em instalações fixas. Tanto osregistros desses eventos, como das suasconseqüências, particularmente sobre asaúde, podem ser encontrados emdiferentes sistemas de registros, comopolícia rodoviária, corpo de bombeiros,órgãos ambientais e serviços de saúde,além de jornais, revistas e publicaçõesespecíficas sobre o tema.

Os AQATRCPs na real idade brasi le i raOs AQATRCPs na real idade brasi le i raO Brasil, assim como outros países

que já registraram os mais graves acidentesquímicos ampliados ocorridos no mundo(México e Índia), sofreu um processo deintensificação de seu crescimentoeconômico entre os anos 60 e 80,resultando em rápida e desordenadaindustrialização ao lado de intenso eincontrolado processo de urbanização.Para possibilitar a ampliação e a inten-sificação da necessária circulação dematérias-primas e produtos associados aodesenvolvimento industrial, o país investiubastante no desenvolvimento de diferentesmeios de transporte, privilegiando orodoviário. Em raro estudo sobre o temana Saúde Pública, Amorim14 demonstraque, de meados dos anos 60 a meados dosanos 70, o Brasil chegou a investir notransporte rodoviário quase 90% dosrecursos alocados para o desenvolvimentodos meios de transporte, ocorrendo istoem detrimento dos transportes ferro -viários, hidroviários e dutoviários

Carlos Machado de Freitas e Andréa Estevam Amorim

volume 10, nº 1janeiro/março 2001

Page 6: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

I E S U SI E S U S

3 63 6

comumente utilizados para o transportede matérias-primas e produtos químicos.Neste período, os EUA, país do qualderiva a maior parte dos estudos utilizadosaqui, os investimentos em transporteprivilegiaram o ferroviário, comaproximadamente 40%, vindo em seguidaos dutoviários e os rodoviários, comaproximadamente 20% cada um.

Considerando-se os estudos realiza-dos em bases de dados sobre esses tiposde acidentes nos EUA, onde foramregistrados expostos, evacuados e vítimas(fatais e não-fatais), e a ausência dosmesmos tipos de registros no Brasil, queinvestiu no transporte rodoviário mais doque muitos outros países, podemosconsiderar que o quadro atual em nossopaís possa ser bastante grave. Em levan-tamento do histórico de acidentes eincidentes do sistema Anhangüera-Bandeirantes, Estado de São Paulo, noperíodo entre 1o de maio de 1998 e 3 demaio de 2000, para um total de 10.296acidentes rodoviários, 3.641 (35,36%)envolveram o transporte de cargas, emque apenas 56 (1,54% do total) serelacionaram a AQATRCPs. 15 Dos 56acidentes, 23 (41%) resultaram emderramamento do produto e em conse-qüências ao meio ambiente.

Neste artigo, utilizamos comoreferência para a realidade brasileira oestudo de Amorim.14 A metodologiautilizada pela autora envolveu basicamenteas seguintes duas etapas. Na primeira etapaos passos foram os seguintes: 1) criaçãode um banco de dados para os AQATRCPsregistrados pela Fundação Estadual deEngenharia de Meio Ambiente (FEEMA),no Rio de Janeiro, no período de 1985 a1994; 2) solicitação para a Companhia deTecnologia de Saneamento Ambiental(CETESB) dos AQATRCPs registrados nobanco de dados denominado Cadastro deAcidentes Ambientais no Estado de SãoPaulo (CADAC), no período de 1985 a1993; 3) comparação e análise dos dados,buscando-se identificar diferenças esimilaridades entre elas, a presença ou nãodo registro de expostos, evacuados e/ouvítimas. Este levantamento dos dados

revelou ser inexistente o registro deexpostos, evacuados e vítimas.

Assim, tendo como referências osdados citados e os estudos internacionais,que sugerem que há um grande número devítimas imediatas diretas e indiretas que nãotêm sido registradas, além dos impactosambientais (fauna, flora e cadeia alimentar)e das conseqüências humanas (carcinogê-nese, teratogênese e mutagênese) de longoprazo (que poderão se manifestar somentedias, semanas, meses ou anos após oevento), foi realizada a segunda etapa, queenvolveu um exercício teórico para aextrapolação do potencial do número deexpostos, evacuados e vítimas nos 760acidentes registrados (Figura 1) nos Estadosdo Rio de Janeiro e São Paulo (soma dosdados registrados pela FEEMA e CETESB).

No estudo de Shaw e colaboradores2

realizado entre o período de janeiro de 1982 asetembro de 1983, na Califórnia (EUA),constatou-se uma média de três vítimas poracidente (fatais ou não) em que haviainformações sobre pessoas expostas. Nesteestudo, devemos ressaltar que não há distinçãoentre as vítimas, tanto em nível de gravidade(fatal ou lesionado) como identificação(equipes de emergência, polícia, comunidade,motorista). Tendo como referência essamédia, três vítimas por acidente, podemosestimar que os 760 acidentes registrados nosEstados do Rio de Janeiro e São Pauloresultaram em 2.280 vítimas.

Outro estudo que serve como basepara mais uma extrapolação é o de Binder,3

que levantou em três sistemas deinformações de vigilância nos EstadosUnidos, 587 eventos com emissõesquímicas registradas, que resultaram em 115óbitos, 2.254 lesionados e 111 evacuaçõesde área. Para cada cinco acidentes ocorridoshouve uma média de um óbito, 20lesionados e uma evacuação. Tentandoextrapolar esses dados para os 760 registrosdos Estados do Rio de Janeiro e de SãoPaulo, podemos estimar um potencialmédio de 149 óbitos, 2.918 lesionados/intoxicados e 144 evacuações.

Certamente que estas extrapolaçõestratam de um exercício teórico, em que aoprimeiro olhar trabalhamos com o pior

Vigilância ambiental de acidentes químicos com cargas perigosas

Informe Epidemiológicodo SUS

No sistemaNo sistemaAnhangüera-Anhangüera-

BandeirantesBandeirantes( S ã o P a u l o ) , 4 1 %( S ã o P a u l o ) , 4 1 %

dos acidentesdos acidentesquímicosquímicos

ampliados noampliados not r a n s p o r t et r a n s p o r t e

rodoviário derodoviário decargas perigosascargas perigosas

resultaram emresultaram emconseqüências aoconseqüências ao

meio ambiente.meio ambiente. 1 51 5

Page 7: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

3 73 7

I E S U SI E S U S

cenário possível. Porém, estudos realizadossobre acidentes ocorridos especificamentenos países em industrialização como oBrasil, demonstram o agravamento de suasconseqüências, o que pode também sugerirque essas extrapolações sejam, por outrolado, conservadoras.1,16 De acordo comesses estudos, até os anos 70, os acidentesquímicos ampliados ocorreram predomi-nantemente nos países que concentrammaior número de indústrias e hoje ocupampapel central na economia mundial. A partirdos anos 70, ainda que a maioria dasindústrias se concentre basicamente empaíses da Europa e nos EUA, o número deacidentes nos países periféricos começoua aumentar em freqüência e a apresentarmaior gravidade do que nos países centrais,apesar de sua recente industrialização nosetor químico. Assim, embora a maioriados acidentes tenha ocorrido nos paísesindustrializados, os que ocorreram nospaíses periféricos, principalmente na Ásiae América Latina nos anos 80, foram osmais graves em termos de óbitos.Considerando relevante o fato de havermuito sub-registro de acidentes e suasconseqüências nesses países, a situaçãopode ser ainda pior.

Na Tabela 3, elaborado por Glickmane colaboradores,13 pode-se observar quepaíses, como Índia, Brasil e México, que

registraram os acidentes mais graves emtermos de óbitos imediatos, são os líderesmundiais em acidentes químicos ampliadoscom cinco ou mais óbitos por acidente entre1945 e 1991. Do total de 295 acidentesregistrados, 79% ocorreram nos paísescentrais, e 21% nos países periféricos.Porém, quando se analisam os óbitos, asituação muda bastante, registrando 65%nos países periféricos e 35% nos paísescentrais. A importância desses dadosprende-se sobretudo ao fato de elescobrirem um longo período (entre 1945 e1991), considerando-se que os acidentesquímicos ampliados começaram a se tornarmais freqüentes após os anos 70.

Nos estudos realizados por Freitase colaboradores; 1 e Porto e Freitas,16 sãocomparados os acidentes químicosampliados ocorridos nos países industria-lizados e em industrialização, entre os anosde 1974 e 1987, com mais de 50 óbitos oumais de 100 lesionados. Esse estudo,cobrindo um período mais recente do que oanterior, fornece melhor um quadro doaumento na freqüência e gravidade dessesacidentes durante os anos 70 e 80, sendoeste último período conhecido na AméricaLatina como a década perdida, dada a crisesocial e econômica que passaram a sofreros países desse continente. Na Figura 2,pode-se observar que 62% dos acidentes

Carlos Machado de Freitas e Andréa Estevam Amorim

volume 10, nº 1janeiro/março 2001

Figura 1 - Total de Acidentes Químicos Ampliados no Transporte Rodoviário de Cargas Perigosas (AQATRCPS)entre os anos de 1984 a 1993, na CETESB ou na FEEMA

Fonte: CETESB/CADAC, 6 FEEMA/SCPA, 1996. Apud: Amorim.14

3128292835

10

232525

27

8385

75

52 50

42

76

44

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

ANOS DE OCORRÊNCIA

DE

OC

OR

NC

IAS

FEEMA

CETESB

Ano de Ocorrência

No

de O

corr

ênci

as

Page 8: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

I E S U SI E S U S

3 83 8

ocorreram nos países industrializados e 38%nos países em industrialização, demonstrandonítido crescimento nos períodos maisrecentes. Dos óbitos, 92% ocorreram nestegrupo de países. Observando os acidentescom mais de 100 lesionados, 96% encon-travam-se nesses países.

Proposta de um Proposta de um ss istema de istema de vv igilânciaigilânciaaa mbiental em mbiental em ss áude para os AQATRCPsáude para os AQATRCPs

Tomando como exemplo situaçõesdos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo,cujos dados utilizamos como referência,podemos considerar que já existemexperiências acumuladas que possibilitariama montagem de um sistema de VigilânciaAmbiental em Saúde dos AQATRCPs,faltando para tanto uma presença mais ativado setor saúde.

No Rio de Janeiro, por exemplo, foiassinado, em setembro de 1989, o protocolode intenções do Plano de Atendimento noTransporte de Produtos QuímicosPerigosos (PARE), envolvendo o Governodo Estado do Rio de Janeiro, tendo comorepresentante a FEEMA e a Federação dasIndustrias do Estado do Rio de Janeiro comorepresentante das sete indústrias partici-pantes localizadas ao longo da BR-116, ondeocorriam grande parte dos AQATRCPs.Posteriormente, a Defesa Civil Estadual e aPolícia Rodoviária Federal foram convi-dadas a fazer parte do Plano. Cada indústriaficou responsável pelo atendimento numtrecho da rodovia e, para tanto, investiram

na formação de técnicos especializados noatendimento a emergências envolvendocargas perigosas, bem como na aquisiçãode equipamentos.14

Em São Paulo, foi criada, em 28 deabril de 1999, a Comissão de Estudos ePrevenção de Acidentes no TransporteRodoviário de Produtos Perigosos, tendocomo atribuições analisar as causas econseqüências desses eventos, participandoa Coordenação Estadual de Defesa Civil; oDepartamento de Estrada de Rodagem; oComando de Policiamento Rodoviário; oComando do Corpo de Bombeiros; oInstituto de Pesos e Medidas; a AssociaçãoBrasileira dos Transportadores de CargasLíquidas e Produtos Perigosos; aAssociação Brasileira de Concessionáriosde Rodovias; a Associação Brasileira daIndústria Química; a Companhia deEngenharia de Tráfego; e o Comando dePoliciamento de Trânsito.17

Ambos exemplos apontam para aparticipação ativa dos órgãos ambientaistanto em melhorar a amplitude e a rapidezdo atendimento de emergência, comotambém a capacidade de avaliar as causase conseqüências para melhor formularestratégias de prevenção. Entretanto, épreocupante que em ambas experiênciashaja uma ausência do envolvimento do setorsaúde, tanto para a atuação na resposta,como na investigação das causas e dasconseqüências sobre a saúde humana.

Sendo assim, a montagem de um

Vigilância ambiental de acidentes químicos com cargas perigosas

Informe Epidemiológicodo SUS

Tabela 3 - Classificação dos países com os piores indicadores de acidentes químicos ampliados

12

3

3

4

56

7

7

7

8

61

10

3

7

52

4

9

EUA

JapãoÍndia

Alemanha Ocidental

México

França

ItáliaBrasil

China

Inglaterra

PaísesAcidentes

2.241

5264.430

158

848

236

260815

454

170

144

3018

18

17

15

1413

13

13

2

51

10

3

8

74

6

9

Nº Lugar Nº LugarÓbitos

15,6

17,5246,1

8,8

49,9

15,7

18,662,7

34,9

13,1

Nº LugarÓbitos por Acidente

Fonte: Glickman e colaboradores13

Page 9: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

3 93 9

I E S U SI E S U S

sistema de Vigilância Ambiental em Saúdepara os AQATRCPs envolveria, comoprimeiro passo a aproximação do setorsaúde com as principais instituiçõespúblicas que participam do atendimentode resposta a esses eventos, destacando-se os órgão ambientais , a políciarodoviária, a defesa civil e o corpo debombeiros. São instituições públicas queconstituem a base para qualquer sistemade Vigilância Ambiental em Saúde paraesses eventos, de modo que sem estepasso, tal tipo de vigilância simplesmentenão poderá existir.

O passo seguinte seria, por meio daidentificação das áreas em que maisocorrem estes eventos, preparar osserviços de saúde não só para o necessárioatendimento,18 mas também para o registro.Nesta etapa, deve-se observar que a redede mais de 31 Centros de Controle deIntoxicações espalhados pelo país e quefazem parte do Sistema Nacional deInformações Toxico-Farmacológicas podeoferecer um grande suporte inicial.

Os registros dos serviços de saúde,dos órgão ambientais, da polícia rodo-viária, da defesa civil e do corpo debombeiros constituiriam a espinha dorsalda VAS para os AQATRCPs (Figura 3).Para tanto, deveria em cada estado,

particularmente aqueles em que ocorremgrande número desses acidentes, serdesenvolvido um protocolo básico deregistros contendo no mínimo asseguintes informações:1. Localização do Acidente (Estado/

município/rua ou avenida/nº);2. Data de Ocorrência (hora/dia/mês/

ano);3. Nome das Empresas Envolvidas

(transportadora/contratante);

4. Tipo de Acidente (exemplos: abal-roamento; capotamento; choquecom objeto fixo; colisão traseira;engavetamento; queda de carga;queda de talude; tombamento);

5. Tipo de Transporte (simples, cami-nhão tanque, caminhão baú, etc);

6. Substâncias Envolvidas (especificara(s) substância(s) com toda(s) asinformações disponíveis sobre asmesmas, incluindo nome comerciale número de classificação da ONUe ou guia da ABIQUIM);

7. Conseqüências: A identificação dasconseqüências deve conter asseguintes informações:

• óbitos de trabalhadores direta-mente envolvidos no transporte(motorista e ajudantes),

Carlos Machado de Freitas e Andréa Estevam Amorim

volume 10, nº 1janeiro/março 2001

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 0

1 0 0

A C I D E N T E S Ó B I T O S L E S I O N A D O S

A

B

% d

e A

cide

ntes

Quí

mic

os A

mpl

iado

sFigura 2 - Percentual de acidentes químicos ampliados registrados no mundo entre 1974 - 1987 com mais de 50 óbitos, ou

mais de 100 Lesionados, ou mais de 50 milhões de dólares em prejuízos (excluindo os prejuízos internos às indústrias)

Fonte: Freitas e colaboradores. 1

38%

62%

92%

8%

96%

4%

Países de Economias Periféricas Países de Economias Centrais

Acidentes Óbitos Lesionados

Page 10: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

I E S U SI E S U S

4 04 0

• óbitos de trabalhadores das equipesde emergência (exemplo: órgãosambientais e corpo de bombeiros),

• óbitos entre os membros dacomunidade afetada,

• hospitalizados, lesionados e into-xicados entre os de trabalhadoresdiretamente envolvidos notransporte,

• hospitalizados, lesionados eintoxicados entre os trabalhado-res das equipes de emergência,

• hospitalizados, lesionados eintoxicados entre os membros dacomunidade afetada (númeroaproximado quando não forpossível especificar ou estimativade expostos),

• danos ambientais (especificandoqual tipo de dano ambiental, se afauna e/ou a flora, sua extensão e,no caso de poluição/contami-nação, que tipos de prejuízos foramidentificados; quando a poluição/contaminação ambiental envolver aprivação do consumo de umdeterminado tipo de alimento ouágua, se possível especificar, aindaque por aproximação, o número depessoas atingidas),

• evacuação (estabelecendo o totalde membros da comunidade,

Vigilância ambiental de acidentes químicos com cargas perigosas

Informe Epidemiológicodo SUS

quando for possível especificar,e o tempo que tiveram de passarfora de casa ou do trabalho),

• interrupção do tráfego de veículosautomotores (especificando onde,por quanto tempo e, se possível,número aproximado de veículosretidos e extensão em quilômetros,visto que em tais circunstânciasnão só pode aumentar o númerode potenciais expostos, comodificultar o acesso das equipes deemergências).

8. Descrição do Acidente (a descriçãodo acidente deve ser breve contendoas in formações necessár ias ebásicas sobre o que aconteceu ecomo aconteceu);

9. Causas do Acidente (é importanteobservar que um acidente dificilmenteé o resultado de uma causa apenas,imediata ou subjacente, tornando-senecessário identificar a rede decausas).

É importante observar que mesmoum aparentemente simples protocolo deregistros básicos, constantes de umregistro comum, envolverá, necessaria-mente, uma ação integrada e intersetorialcom instituições que possuem objetivos eformas de organização diferenciadas,podendo parecer inicialmente umobstáculo. Entretanto, os obstáculos devem

Figura 3 - Sistema básico de vigilância ambiental em saúde dos acidentes químicos ampliados envolvendo otransporte rodoviário de cargas perigosas

ÓrgãoAmbiental

Fonte: Adaptado de Wendt e colaboradores. 5

Sistema de VASdos AQATRCP

Serviços deSaúde

Secretarias de Saúde -Programas de Vigilância

Ambiental em Saúde

DefesaCivil

PolíciaRodoviária

Corpo deBombeiros

Page 11: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

4 14 1

I E S U SI E S U S

ainda ser superados e, para tanto, devemser realizados estudos multicêntricos envol-vendo pelo menos os Estados queconcentram a maior parte da produçãoquímica do país (São Paulo, Rio de Janeiro,Bahia e Rio Grande do Sul), possibilitandoa montagem de um primeiro SistemaNacional de VAS de AQATRCPs.

ConclusãoConclusãoDe acordo com o Boletim Desas-

tres,19 da Organização Pan-Americana daSaúde, considera-se que 40% do comér-cio de produtos químicos de todos ospaíses em desenvolvimento ocorre naAmérica Latina. Deste total, estima-se quecerca de 70% da indústria química docontinente está concentrada no Brasil,Argentina e México, em que aproxi-madamente 50% estão localizadas emáreas densamente povoadas. Este quadroé bastante preocupante quando seconsidera que para a maioria dos paíseslatino-americanos inexistem ou sãoincipientes as políticas públicas referentesas estratégias de controle e prevençãodesses acidentes.19,20

Assim, não é casual o fato de o Brasiljá ter sido cenário de alguns acidentesampliados considerados graves emtermos de óbitos imediatos, como o deVila Socó em 1984, que podemosencontrar em alguns estudos nacionais einternacionais. No Rio de Janeiro, em1951, um acidente com transporte deinflamáveis causou 54 óbitos. Em Pojuca,na Bahia, em 1983, o descarrilhamentode um comboio ferroviário transportandocombustíveis resultou em explosão eincêndio, provocando o óbito de 43pessoas, além de grande número delesionados e desabrigados.20 Em julho de1997, no Pará, uma carreta transportando14 toneladas de nitrato de amônio, vinhade Cubatão (SP) com destino a Carajás(PA), explodiu e resultou em aproxima-damente 18 vítimas fatais e novelesionados (entre eles o ajudante dacarreta que foi pedir auxilio e um homemde bicicleta que passava pelo local nomomento da explosão).14 De acordo comAmorim, 14 das 18 vítimas fatais, doisestavam diretamente envolvidos com o

transporte de cargas perigosas: osmotoristas (carreta e o caminhão tanqueque explodiram). O restante, 16 pessoas,eram da comunidade e motoristas deoutros veículos que passavam ou pararampara prestar auxílio, em solidariedade.

O denominador comum entre essesacidentes se encontra no fato de eles teremocorrido em uma realidade social em queainda predominam análises de acidentesque na grande maioria dos casos responsa-bilizam as vítimas, no caso os própriostrabalhadores, e de inexistirem planos deemergências. Estes, se acionados,contribuiriam para diminuir o número devítimas e de danos ambientais. Sãobastante limitadas as informações básicaspara uma avaliação preliminar dos impactosao meio ambiente e à saúde que podemestar sendo causados tanto para vítimasfatais, como, principalmente, paralesionados e expostos. No Brasil, além dea infra-estrutura institucional dos diversosórgãos nos níveis municipal, estadual efederal ser ainda bastante precária parapossibilitar o desenvolvimento deestratégias adequadas para a VAS, de modoa fornecer subsídios para o controle eprevenção, existe ainda uma ausênciacompleta de integração entre eles,tornando-se necessário reverter já essequadro. Parte dessa integração já vemocorrendo, mas ainda com a ausência dosetor saúde, da qual se exige um papel maisativo. A montagem de um sistema de VASdos AQATRCPs pode ser o primeiro passodesta integração, possibilitando o setorsaúde preparar-se não somente para oatendimento, o que é necessário e urgente,bem como para a formulação conjunta deestratégias de controle e prevenção, tendopor base a VAS dos AQATRCPs.

Referências bibliográficasReferências bibliográficas1. Freitas CM, Porto MFS, Gomez CM.

Acidentes químicos ampliados - umdesafio para a saúde pública. Revistade Saúde Pública 1995; 29:503-514.

2. Shaw GM, Windham GC, Leonard A,Neutra RR. Characterist ics ofhazardous materials spills fromreporting systems in California.

volume 10, nº 1janeiro/março 2001

Já existemJá existemexperiênciasexperiênciasacumuladas queacumuladas quepossibilitariam apossibilitariam amontagem de ummontagem de umsistema desistema devigilânciavigilânciaambiental emambiental emsaúde, faltandosaúde, faltandopara tanto umapara tanto umapresença maispresença maisatuante do setoratuante do setorsaúde.saúde.

Carlos Machado de Freitas e Andréa Estevam Amorim

Page 12: Vigilância Ambiental em Saúde de Acidentes Químicos Ampliados … · Acidentes químicos ampliados no transporte rodoviário de cargas perigosas possuem o potencial de causar simultaneamente

I E S U SI E S U S

4 24 2

American Journal of Public Health1986; 76:540-543.

3. Binder S. Deaths, injuries andevacuations from acute hazardousmaterials releases. American Journalof Public Health 1989; 79:1042-1044.

4. Hall HI, Dhara VR, Price-Green P.Surveillance of hazardous substancereleases and related health effects.Archives of Environmental Health1994; 49:45-48.

5. Wendt RD, Hall HI, Price-Green P,Dhara VR, Kaye, WE. Evaluating thesensitivity of hazardous substancesemergency events surveillance - acomparison of three surveillancesystems. Journal EnvironmentalHealth 1996; 58:13-17.

6. Agency for Toxic Substances anddisease registry. Environmental dataneeded for public health assessments- a guidance manual. Atlanta; 1994.

7. Fundação Nacional de Saúde. SistemaNacional de Vigilância Ambiental emSaúde. In: Curso Básico de VigilânciaAmbiental em Saúde. Brasília ; 2000.

8. Theys J. La Société Vulnérable. In:Fabiani J-L, Theys J, (editors). Lasociété vulnérable - évaluer etmaîtriser les risques. Paris: Pressesde L'École Normale Supérieure;1987. p.3-35.

9. Weyne GRS. Lições dos grandesdesastres das indústrias químicas deFlixborough, Seveso e Bophal. Saúdee Trabalho 1988; 2:03-13.

10. Korte F, Coulston F. Some conside-ration of the impact of energy andc hemicals on the environment.regulatory toxicology and pharma-cology, 1994; 19:219-227.

11. Drogaris G. Major accident reportingsystem - lessons learned from accidentsnotified. London: Elsevier; 1993.

12. Glickman TS, Golding D, SilvermanED. Acts of god and acts of man -recent trends in natural disasters andmajor industrial accidents. Washington:

resources for the future; 1992[discussion paper CRM 92-02].

13. Glickman TS, Golding D, Terry KS.Fatal hazardous materials accidentsin industry - domestic and foreignexperience from 1945 to 1991.Washington: Center for RiskManagement; 1993.

14. Amorim AE. Acidentes de transporterodoviário de cargas perigosas emtrânsito - em busca de um sistema deinformação integrados dos setoressaúde e meio ambiente [dissertação demestrado]. Rio de Janeiro: EscolaNacional de Saúde Pública, FundaçãoOswaldo Cruz; 1997.

15. Cabral FA. Histórico dos acidentes eincidentes [comunicação oral]. IIWorkshop - transporte e produtosperigosos. Paulínea; 2000.

16. Porto MFS, Freitas, CM. Majorchemical accidentes in industriali-zing countries: the socio-politicalamplification of risk. Risk Analysis1996; 16:19-29.

17. Lainha MA. Ações da comissão deanálise de acidentes incidentes. IIWorkshop - Transporte e ProdutosPerigosos. [comunicação oral].Paulínea; 2000.

18. Vasconcellos ES. Papel dos setores.In: Porto MFS, Machado JMH (orgs).Acidentes industriais ampliados -desafios e perspectivas para o controlee a prevenção. Rio de Janeiro: EditoraFIOCRUZ; 2000, p.237-249.

19. Organizacion Pan-Americana de laSalud. Desastres - prepartativos ymitigación en las Americas. Boletín1995 abril; p.62.

20. Freitas CM, Porto MFS, MachadoJMH. Introdução - a questão dosacidentes industriais ampliados. In:Freitas CM, Porto MFS, MachadoJMH (organizadores ). Acidentesindustriais ampliados - desafios eperspectivas para o c ontrole e aprevenção. Rio de Janeiro: EditoraFIOCRUZ; 2000. p.25-45.

Vigilância ambiental de acidentes químicos com cargas perigosas

Informe Epidemiológicodo SUS