vigiar e punir michel

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  • 7/26/2019 Vigiar e Punir Michel

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    Resenha do Livro "Vigiar e Punir" Michel Foucault

    O livro descreve inicialmente a punio de um parricida e todo o tipo de suplcio

    aplicado a um criminoso da poca. O detalhamento de cada etapa do ritual descritocom riqueza de detalhes, vislumbrando ao leitor a percepo de todo o castigo impostoao condenado.

    Diante das descries, os castigos eram verdadeiros suplcios, onde os acusados tinhamseu corpo exposto a uma execrao pblica, verificando-se, ento, uma violncia no sfsica, mas, tambm psicolgica, em todos os partcipes do ato de penalizao, umverdadeiro espetculo de horror. Alm da multido, os carrascos, o comissrio de

    polcia, o escrivo, os confessores, e os oficiais. Tudo meticulosamente articulado,

    desde o trajeto em direo ao local do suplcio a cada operao de punio, cujo tempode durao poderia ir at a morte, dependendo da resistncia do criminoso.

    Trs dcadas depois, foi elaborado um novo regulamento em Paris, os suplcios eramaplicados conforme o delito, bem como o tempo de sua durao Enfim, este um livroque aborda, ao longo de sculos, os mtodos e mecanismos punitivos, efeitosrepressivos, disciplina e castigo impostos aos criminosos, desde a Europa Medieval atos dias de hoje.

    Vale destacar que a primeira parte do livro tenta resumir em tese todo o texto que ser

    tratado, suas diversidades de mtodos, a evoluo dos pensamentos, do sistema de podere de como conter as massas, passando para a humanizao e o estudo da alma humana,na tentativa de assim estudar cientificamente toda as relaes de poder e os seus objetos.

    Neste perodo passou a existir hierarquia, descrita pelo autor como um cerimonial, oprocesso de punir. Neste texto so relatadas, detalhadamente, todas as etapas doespetculo, que privava o condenado de todo e qualquer recurso de minimizao dosofrimento, fosse ele em qualquer esfera.

    Toda a comunidade assistia quela cena de castigo, que era um dos objetivos dosoberano, mostrar a sua fora e o rigor para com aqueles que infringiam suas normas, ouousassem desafi-lo.

    Os suplcios, assim chamados, os tratamentos de punio aos julgados culpados,obedeciam aos rituais mais pormenorizados e cerimoniosos que se possa imaginar. Oscriminosos eram torturados, executavam trabalhos forados, enclausurados, alm da

    privao da plena liberdade, sofriam a reduo alimentar, privao sexual, expiaofsica e a masmorra. Percorriam ruas, praas pblicas, descalos, com a cabea coberta,eram colocados nus ou ainda vestidos em camisolas, cujas cores indicavam o tipo do

    delito cometido. Eram, ainda, levados a pelourinhos, cadafalsos, portando a arma docrime (facas, armas...); sobre os seus corpos eram derramados chumbo, piche, leo

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    quente, tinham seus corpos puxados por quatro cavalos, tendo seus membros reduzidose consumidos pelo fogo. Um verdadeiro espetculo de horror, que levava pior dasmortes, tudo isso como pena de um crime, que, muitas vezes no sofria o seu real

    julgamento. O certo que, para o erro, somente o suplcio, a morte.

    Neste momento o pensamento era achar uma nova maneira de punir; pensadores efilsofos, juristas, legisladores do sculo XVIII entraram em confronto, o suplcio

    passou a ficar intolervel. O suplcio era mais uma coroao do poder do soberano, umarevanche da sua fora, quando assim contrariado. Puramente interesse poltico,descartando todo e qualquer possibilidade de se fazer de fato justia. Mas para outros aideia era punir sem se vingar.

    Os suplcios, assim chamados, os tratamentos de punio aos julgados culpados,obedeciam aos rituais mais detalhados e cerimoniosos que se possa imaginar. Os

    criminosos eram torturados, executavam trabalhos forados, enclausurados, alm daprivao da plena liberdade, sofriam a reduo alimentar, privao sexual, expiaofsica e a masmorra. Percorriam ruas, praas pblicas, descalos, com a cabea coberta,eram colocados nus ou ainda vestidos em camisolas, que s vezes em cores indicavam otipo do delito cometido. Eram ainda, levados a pelourinhos, cadafalsos, portando a armado crime (facas, armas...), sobre os seus corpos era derramado chumbo, pinche, leoquente, eram amarrados e seus corpos puxados por quatro cavalos, tendo seus membrosreduzidos e consumidos pelo fogo. Um verdadeiro teatro de horror, que levava a piordas mortes, tudo isso como pena de um crime, que muitas vezes no sofria o seu real

    julgamento. O certo que para o erro, somente o suplcio, a morte.

    Neste momento, o pensamento era achar uma nova maneira de punir; pensadores efilsofos, juristas, legisladores do sculo XVIII entraram em confronto, o suplcio

    passou a ficar intolervel.

    Ele, o suplcio era mais uma coroao do poder do soberano, uma revanche em razo dasua fora, quando assim contrariado.

    No entanto o pensamento era de que os juzes no faziam mais o seu papel de julgar, o

    poder de julgar foi transferido a outras instncias, cheio de personagens extrajurdicos.E o fato que esta ao tinha como finalidade retirar da pessoa do juiz o fardo social, deser aquele o que castiga.

    Dessa forma, o livro tem como abordagem principal analisar uma nova forma de julgardo poder, em que ele se apoia se justifica e esconde sua singularidade. Ele estuda comousar os mecanismos punitivos e repressivos, avaliando seus ps e contras, fazendo comque a punio exera seu papel social.

    H uma reflexo no texto que leva a uma anlise profunda: se o estudo da alma humana

    deve ser levado em considerao como uma ferramenta de tecnologia para ahumanizao da pena, um estudo de fenmenos sociais. Ser que a excluso do cio do

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    apenado se daria por meio de trabalhos na manufatura, proporcionando a economia,tratando simplesmente o corpo, com punies, trancando , vigiando, ou seja, umaescravido civil?

    Podemos tambm citar a alma que, por sua vez, aprisiona o corpo e tambm o liberta.As prises tm como sentido a priso do corpo, levando a revoltas, que vo da misriafsica (frio, fome, solido, falta de educao, cuidados mdicos), indo alm, contra osguardas e o poder.

    Para satisfao do poder, o soberano levava em considerao a natureza dos crimes e, deacordo com o delito, as condenaes poderiam ser de multa, o banimento, o aoite, aroda, a fogueira, o esquartejamento, a exposio, a marcao com ferrete, tornando-se,assim, um verdadeiro suplcio, o ato mais cruel e brbaro que um ser humano possaimaginar. Para ele, o soberano, a pena obedecia a critrios: produzir sofrimento, a

    execuo do prprio cerimonial da justia, manifestando a sua fora, perseguindo ocorpo, investido de luz e verdade do crime.

    Pasmemos: nesse tempo, aproximadamente 1670, o acusado nem sequer tinha a chancede ter conhecimento dos autos do processo, no sabia quem o denunciava, ao menos oque era dito ao seu respeito nos depoimentos, mais impossvel ainda ter um advogado.Os juzes recebiam a relatrios prontos. Quanto aos testemunhos, dependiam de quemos fazia: se nobres, teriam validade, mas, se fossem de vagabundos, eram em vo.

    Ainda no sculo XVI, para o rei, punir no pertencia multido, diante da justia todos

    deviam se calar.

    Houve, nessa poca, muitos acusados que se declararam culpados sem ter cometidocrimes. Os interrogatrios eram cruis e desumanos, baseados em tortura, tanta barbrieque remetia ao tempo da inquisio.

    No final do sculo XVIII, a punio terrestre era como se fosse minimizao da penafutura (prestao de contas com Deus).

    O soberano daquele tempo entendia que o criminoso havia cometido uma quebra deregra imposta por ele, o rei, opondo-se ao seu poder, como se isso o enfraquecesse, da,o suplcio se tornar um cerimonial/ritual poltico. Pois, quem tinha a fora e o poder erao rei. Com o suplcio, o soberano ataca quem o ofendeu. Era a reafirmao do poder, otriunfo do soberano sobre o criminoso.

    Ento, o suplcio descrito pelo autor, resume todas as aes do judicirio, sejam elas naoralidade, na escrita, na exposio do secreto, ou a confisso.

    Vale lembrar, como conta o autor, que a cerimnia do suplcio era para o povo, com a

    inteno de provocar horror e medo.

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    Contudo, os reformadores dos sculos XVIII e XIX fizeram apelos para suspender ascerimnias de suplcio, pois no mais incitava o medo no povo, mas sim uma tremendarevolta contra o carrasco. Nasceu, ento, a literatura do crime, passando do suplcio parao inqurito, que nada mais era seno o confronto intelectual. O afrouxamento da

    penalidade, custa de muitas lutas, trouxe em consequncia, a mudana e diminuiodos crimes; aparecem em maior quantidade os crimes de propriedade, o criminoso dessetempo tambm apresenta outro perfil, so os malfeitores, mal alimentados, levados peloimpulso da pobreza, os famosos marginais. Surgem, ento, os crimes de massa.

    Aconteceu nesse perodo ilegalidade de castas sociais, comuns a cada grupo,caracterizados por rivalidade e conflitos de interesses, partindo, desde ento, para umacrise mais genrica de ilegalidade popular, surge grande quantidade de trabalhadores,comrcio ilcito, ocorrendo uma familiaridade de delitos que eles mesmos no sentem.

    Para Le Trosne, o sistema penal deveria servir para gerir de forma diferenciada asilegalidades, no para extinguir todas.

    Aconteceu um fato paradoxal, que cria novos princpios nessa nova estratgia jurdica: ocidado aceita as leis que devero puni-lo, contudo, ele rompe o pacto, rompe com asociedade e participa da punio que recai sobre ele, passando, assim, a inimigocomum, tido pela sociedade como um monstro. O direito de punir saiu da esfera dosoberano e passou para a defesa da sociedade.

    Em se tratando da humanidade das penas, passa o autor a descrever a natureza, o

    controle e os efeitos do ajuste. No pensamento de Foucault, a punio dever ter amedida dos seus efeitos, conforme a gravidade da sua falta, em outras palavras, no meuentendimento, se o crime no for relevante, no deve ser tratado como tal. A puniodeve olhar seus efeitos futuros, tendo em mente a preveno, a punio deve, apenas,impedir outros eventos em longo prazo.

    Paradoxalmente, Beccaria citou o castigo que substitui a pena de morte, podendo ser aescravido perptua, sendo considerada por ele pior que a morte, se equipara aosuplcio, pois parece no ter fim. Por outro lado, o crime no pode ser encoberto, no

    pode fugir ao olhar da justia, a polcia e a justia devem andar juntas, trazendo luz dodia o crime, seus culpados e os castigos/punies para eles previstos. Nesse caso, tudodeve ser explcito, nada deve estar oculto; o magistrado tem o dever de abrir para oscidados o destino dos condenados, enfim, dar a devida publicidade ao julgamento.

    Por outro lado, no pode haver o descrdito da impunidade, e de que o mesmo castigoseja remdio para todos os criminosos, cita o autor, a multa no castigo para os ricos,nem a infmia para quem est exposto. Para haver justia, o castigo deve atuar como um

    preventivo ao retorno ao crime? Prevendo a profundidade da sua maldade e amotivao?

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    A partir do fim do sculo XVIII, apesar de ainda muito distante, comea umpensamento de classificao dos delitos, fracionando-os, de maneira que leis geraispossam atingi-los, mas era como um sonho, a utopia de leis amplas para as pessoas deforma isolada.

    Afinal, qual a punio ideal? Punir seria uma arte? Para o autor a punio deve sersuficiente para provocar o temor, fazer o indivduo refletir, talvez pensando,aprimorando a sua conscincia. Talvez com uma nova proposta de legislao criminal,razoabilidade das penas, quem sabe? Poderia ser tambm um desencorajamento dodelito, a anlise das perdas e danos quando se comete um erro.

    Havia proposio de penas de intensidade progressiva, interessante, uma retribuio doculpado, assim ele passaria a ter uma atividade rentvel para a sociedade, trabalho,

    podendo ser visto como o reparo da leso aos cidados de bem.

    Le Peletier apresenta uma nova legislao criminal. Para ele, a natureza da punio temque ter relao direta com o delito, se o criminoso for preguioso dever ter uma penade trabalho penoso, etc. Diz ainda que os mendigos no tero sucesso sendo trancado, otrabalho a melhor maneira de puni-los. Assim, o mau hbito ser substitudo.

    Trazendo baila a filosofia de Le Peletier, essa teoria seria muito relevante nos dias dehoje. Rentvel, por que no dizer, onde o Estado sufocado, e a sociedade pesada deimpostos se veem obrigados a pagar pelo oprbrio do cidado incorreto.

    A reforma da lei, compensada pela separao do culpado da sociedade, ele, desta vez,no segue os ritos cerimoniosos do passado, o criminoso passa a elemento de instruo,o tempo em que as penas devem ensinar. A deteno torna-se parte do castigo.

    Na chegada do sculo XIX, as prises, enormes edifcios, que se estendiam por toda aFrana e, consequentemente, por toda a Europa, eram finalmente o castigoreduzindoas masmorras, os trabalhos forados, as punies. Finalmente, a pena uniforme emelanclica, como diz o autor, por sua vez, jamais pensada em 1670.

    Para alguns juristas, a deteno no uma pena, apenas a garantia sobre o corpo dapessoa, simplesmente o prende, mas no o pune.

    Seria benfico retribuir seu erro com a mo-de-obra em construes de praas, estradas,ofertando melhorias coletivas. Crime e penas, agora intimamente ligados, o criminososeparado da sociedade, um verdadeiro luto pela separao, ento isolado.

    Para Le Peletier, esse poderia ser um dos princpios do novo Cdigo Penal da poca.Pouco tempo depois, a deteno passou forma normal de castigo, foram programadosgrandes edifcios para os crceres, todo o suplcio do cadafalso fora substitudo pelos

    projetos arquitetnicos, muros altos, instransponveis, era a garantia do poder sobre ocorpo das pessoas, naquele instante encarcerados.

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    Contudo, os reformadores inconformados com o tipo de pena, pois, encarcerar no era otipo de pena ideal para eles, ento, decretaram que fossem colocados todos emliberdade. O castigo, para os reformadores, no poderia ter formas gerais.

    Essa heterogeneidade e incompatibilidade, ambas antagnicas formularam princpios:durao das penas, reduo das penas, trabalho obrigatrio, celas individuais somenteusadas em casos especficos, e ainda o salrio, tudo que fizesse o bem, imaginando queassim estivessem evitando o mal. Para os pensadores poca, o cio provocava o

    pensamento mau, gerava o crime.

    A cela, uma forma de castigo cristo, era a o instrumento religioso e econmico: aseparao dos mundos, tida como pedaggico.

    A disciplina era extrema, tudo milimetricamente planejado e executado, um regime

    espartano, obrigaes e proibies regiam o sistema. Tudo dependia de um bomcomportamento que levava a progresso da pena e, dependendo de alguns casos atmesmo o perdo.

    Mas, a questo era: ser que esta cidade que punia (as prises) era percebida como umasoluo para a sociedade? Voltamos a pensar, ser que o monarca est preparado paraabrir mo do cerimonial da punio? O efeito de horror que causava nas pessoas?

    Contudo, os juristas, intitulados reformadores, acreditavam que a punio requalificava,era uma coero aos indivduos .

    Era chegado o tempo dos soldados, figura ereta, postura precisa, ousada, regulamentosmilitares, os que controlam e corrigem.

    O objetivo dessa arte era, antes de tudo, tornar o corpo mais obediente. A base, osprincpios necessrios para se erguer um novo fundamento, mincias.

    Segundo La Salle, a disciplina distribui os indivduos nos espaos. Para ele, cada

    indivduo no seu lugar e um lugar para cada indivduo, a separao era necessria,provocava a solido para o corpo e a alma. Celas, fileiras, separao, organizao,ordem, ordenamento espacial, tudo era regulado. Todas essas teorias compartilhadas emhospitais, colgios, fbricas, tudo com a mxima exatido, uma sistematizao docomportamento.

    Com todo esse mtodo meticuloso e detalhado, era fcil prever o comportamentohumano, pelo simples observar dos seus gestos, com fundamento na desarticulao, ateoria dizia ser mais eficaz e producente.

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    Para a teoria napolenica, as tcnicas militares tornaram-se exemplos da real disciplina,promoviam a coero social, contudo, os juristas buscavam o modelo primitivo, ahierarquia que seguidamente obedecia as normas e sanes.

    As tcnicas militares de vigia, controle, que favorecidos pela arquitetura, davamo devido resultado do controle em diversas esferas: do trabalho, da produo, doenquadramento comportamental, contudo, sem deixar de lado a necessidade de umaparelho humano especializado. Tudo era resumido ao contexto pedaggico, a melhortcnica j vista no sculo XVIII, esta buscava a discrio mecnica.

    A sano vira norma, castigar, punir, passa a ter funo disciplinar, sua inteno erareduzir os desvios, faz o indivduo progredir dizia La Salle. Gratificao e sano,ambos andavam juntos.

    Seguindo o modelo hospitalar, vigiar, visitar, a obedincia hierarquia interna, o papelde cada um, as tcnicas, foi tornando um mecanismo de aperfeioamento, criando assimum ritual, o exame, uma constante troca de saberes, o exerccio do saber e do poder.

    Neste contexto o exame ganha a caracterstica de ferramenta eficaz para a avaliao doindivduo, treinado para ser qualificado ou excludo.

    O surgimento do panoptismo, a estrutura de anel, perifrica e vigiada, janelas paradentro e para fora, ngulos abstratos de vigia, ver sem ser visto, o poder constanteincutido no crcere. A ideia to perfeita que traz ao preso ideia de vigilnciaconstante, sem saber de onde est sendo controlado, era o efeito mais perfeito de poder.

    Tudo to utpico que parecia no serem mais necessrias, grades, correntes, fechaduras,parecia eficcia do poder, uma mquina de fazer experincias.

    Esse modelo to inovador, cheio de funes mltiplas, tais como: cuidar de doentes,orientar alunos, abrigar loucos, fiscalizar os operrios, controlar os ociosos e osmendigos. Era a descoberta genial, servia para tudo!

    Poderemos ver a sucinta explanao dos diversos tipos de prises em que o homem

    vive. Separados socialmente, na fora de trabalho, no espao de tempo, vigiados,examinados, monitorados, reprimidos de diversas formas, independente da prisoformal, posta para o criminoso.

    Mas, a priso citada vista como um acesso humanizao, o surgimento das penas dacivilidade, apesar de perigosa quando mal utilizada, e, contudo tida como um castigogenrico, igual a todos.

    Afinal, o seu papel no reeducar a todos? E como reeducados podero ser conduzidosao convvio social, sem danos futuros? Como? Nesse reformatrio individualizante,

    com o fim de evitar compls, no a isso que assistimos!

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    Para o autor, a solido traz a reflexo, causando remorso, ser isso mesmo, ou incita ira? O poder que exercido sobre ele, que o leva ao profundo da solido, regrado comtrabalho, ocupaes, sendo vigiado, cultivando bons hbitos, seria utpico demaisacreditar nisso. Mas, para o autor o trabalho junto com o isolamento frutfero, agentede transformao.

    fato que trabalho penal uma ferramenta inteligente, capaz de produzir efeitosextraordinrios se bem elaborado e desenvolvido, alavanca econmica, de profundacapacidade de reinsero social, qualifica e dignifica, acompanhado de subsdiosoportuniza a valorizao da honradez e ajustamento para a vida moral e tica.

    Contudo, existe uma longa e perceptvel distncia entre a realidade carcerria e ojudicirio, uma vez que o juiz no acompanha, de fato, os processos cotidianos, oconhecimento de cada detento, suas melhoras ou pioras, necessrio um

    acompanhamento clnico, no sentido jurdico da coisa.

    A profundidade do conhecer, saber da doena do delito, ou do delinquente, importantssima para a correo durante a execuo da pena de deteno; sem esseestudo, o homem apenas um crcere, sem a condio de vislumbramento dereintegrao social, pois, os fatos que levaram a criminalidade no foram de fatotratados.

    Ento o criminoso, as prises, a justia, tornam-se um perigo explosivo, cego edeseducador, sendo a considerado o expurgo da justia.

    Comparando a penitenciria, a priso, aos tempos dos suplcios, ela surge apenas comoa privao de liberdade. Relembrando os atos e as fases dos ritos cerimoniosos dotempo passado, onde os espetculos ora se confundiam com o circo, com a distrao dascidades, dos seus soberanos, remontando a poca dos gladiadores. Hoje, a cadeia secompara ao grande espetculo medieval, que de forma simblica, resumindo as aesdaquele tempo.

    Ento qual a serventia da priso? Que provoca reincidncia? Aumento de

    violncia? Desejo de fuga e ira? Tudo reduzido a perversidades e enormes revoltas, apriso uma fbrica de delinquentes!

    O contexto prisional viciado e corrupto, onde agentes de segurana, intendentes, todaa hierarquia carcerria se delinquiu juntamente com o crime, ou seja, uma fbrica agentedo crime.

    Onde est sua funo social de reestabelecer o indivduo? Conduzido por agentesdespreparados, mal remunerados, sem tcnica, assistncia social e psicolgica ... Seriauma priso ou um fracasso, como diz o autor?

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    Enfim, a figura do carcerrio, preparado especificamente para controlar, educar, punir,fiscalizar, o indivduo que de diversas formas foi treinado para igualmente tratar o seucrcere, com objetivo final, o adestramento.

    Quando na verdade, a inteno do sistema era a modificao do comportamento, atravsde aquisio de habilidades, tornando-os criaturas resilientes.

    De forma cientfica, a medicina e a psiquiatria, adentraram nesse contexto como medidatcnica para o controle. Foi to fortemente aceito que outras instituies rapidamenteaderiram, tais como: escolas, hospitais, empresas privadas, reparties pblicas.Certamente, Mettray fez escola em sua poca. Era ento a era da arte de punir.

    Essa instituio carcerria havia sido criada apenas para os jovens infratores, osdelinquentes, com o a fim de corrigi-los, puni-los. A partir da, generalizado como

    mecanismo jurdico legal.

    Desviada de seu objetivo principal, o sistema penitencirio conduz o indivduo ao poo.Contido em uma circunstncia propicia a ficar a margem da sociedade, uma vez quecolocados num sistema sem a menor perspectiva de correo e readaptao a uma novachance de vida social. O pensamento disciplinar contido em um cenrio de total faltaeducao e mtodos, faltou estrutura de base.

    Validado pelo poder pblico o carcereiro, e consequentemente o abuso do seu poder,arbitrrio e intil... No h resposta, o que h so muitas perguntas.

    Por sua vez, os juzes cada vez mais encontram dificuldade em julgar, punir, medir, ereconhecer o certo e o errado, preciso encontrar o remdio para a cura dos erroshumanos. Ento a priso vista como a nica forma ainda de se ter domnio de vigiar e

    punir os indivduos.

    APROFUNDANDO UM POUCO...

    O livro comea pela narrativa da tortura, suplcio e esquartejamento de um parricida, em1757. Pois bem, isso o bastante para que eu faa minhas primeirssimas derivaes, asquais serviro de intrito resenha. Falemos da tortura de Damiens, o assassino: omodo como ela foi feita, a agressividade nela contida, o esprito de sua poca, aanimalidade, o mundo dicotmico em que se inseriatudo isso servir de substrato paraa tese a ser apresentada ao longo do livro, qual seja, a de que essa tortura, com o tempo(isto , ao longo dos sculos XIX e XX), transmuta-se em outra coisa, transfere-se paraoutro lugar. No s passa do corpo para a alma (as aspas so minhas, e no deFoucault, mas acredito que estejam bem colocadas ver a citao 23 do livro, mais

    abaixo): a tortura deixa tambm de ser prerrogativa de quem detm um poder polticoque se sustenta fortemente na moral religiosa, no crivo religioso, para passar a ser

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    prerrogativa do poder legal, do poder educacional, do poder psiquitrico, do poderpresente no trabalho etc. Em outras palavras, passa a ser tortura disseminada, difusa.

    Esse aspecto difuso da tortura, sua disseminao pelos mais diversos setores de nossavida diria, j est, hoje, to introjetado no que somos que sequer a percebemos. Aocontrrio, h, na sociedade ocidental contempornea, esquisita e esquizofrenicamente,um certo prazer em ser torturado, uma vontade de no ser livre, de delegar poderesaos carrascos, que so muitos, e tambm difusos, mas ainda to sem luzes quantoaqueles carrascos caricatos, seja do Antigo Regime, seja da Revoluo meroscumpridores de ordens. Estamos diante deles no condomnio, no trabalho, no transporte

    pblico, nas ruas, na beira da praia at o campo, com sua atmosfera de amplidolibertria, tem o seu carrasquinho. O Ocidente julga-se livre, mas est preso, muito

    preso

    Se o aprisionamento torturante, hoje, no o do corpo, mas o da alma, h-de se buscar,na prtica, o lugar de onde emanam os eflvios de poder que agrilhoam essa tal alma.

    No difcil perceber que boa parte deles, talvez a mais forte e resistente em termosmiasmtico-prisionais (o qu?!), venha ainda do cerne e da carne da Igreja (assim comode seus derivados: os embutidos pentecostais, evanglicos, macedianos). Cordeirostorturados em nmero crescente bradam seus cnticos torturantes por todo o lugar, atmesmo em Copacabana (eis a cor local do texto), enquanto prostitutas passam ao largodos templos, desfilando pernas, umbigos e bocas. A necessidade de sentir-se subjugadoencontra facilmente, assim, apesar da lascvia circundante, lugar de congregao. Sob oolhar piedoso do padre/pastor e dos irmos em Cristo, todos esto protegidos edevidamente anulados. O esprito aprisionado entre as quatro paredes do Senhor esprito satisfeito. Afinal, fora dessas quatro paredes, no h mesmo nada, a no ser omundo, no ? Moldada a mente, ou esprito, ou alma, pela moral que emana da Igreja,resta pouco a moldar. Contudo, a educao escolar, o mundo do trabalho e o mundo

    paralelo da cultura/entretenimento/informao seriam, entre outras frentes, trsreplicadores dessa moral, pondo-se, ainda que em outros termos, contra o indivduo,com a finalidade precpua, apesar de tcita, de torn-lo ainda mais dcil, ou, por fim, demoldar os que no do ouvidos ao discurso religioso. Afinal quem no religiosotambm precisa ser controlado. Fecham-se as brechas.

    A escola, j pelo simples fato de dispor de um currculo, prega tambm verdades. Suacrena a de que, por meio de restries e encaminhamentos, o indivduo serdevidamente moldado. Uma vez moldado, ser, ento, entregue sociedade pronto

    para o trabalho. Neste, cumprir docilmente sua jornada de oito horas, contribuindono s para sua dignificao prpria, mas tambm para o enobrecimento dahumanidade, dizem. Findas as oito horas, paralelamente ao trabalho, de maneiraconsecutiva, haver algum tempo e espao para o prazer/lazer, o conhecimento e a

    percepo da realidade, todos eles regidos, hoje, pela lgica da Publicidade, a

    qual aproxima sem escrpulos e sob um fundo eminentemente quantitativo (leia-sequantificvel) e quase nada qualitativo prazer/lazer de entretenimento,

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    conhecimento de cultura em sentido restrito e percepo da realidadede informaojornalstica. Desse caldeiro escola-trabalho-diverso, surgem os belos indivduos quenos cercam, como se fossem carcereiros do bem (a expresso minha). No aspectodiverso (deixarei a escola e o trabalho de fora, porque o texto j se anuncia longo),esses carcereiros do bem atuam como moedeiros falsos contumazes, mas julgam

    produzir somente dobres de ouro. Tudo, para eles, deve imediatamente ser convertidoem algo quantificvel da os processos infantis em que incorrem, mesmo quandoadultos maduros: viajeimais do que voc durante as frias (entretenimentoquantificado); seimais sobre Erasmo de Rotterdam do que voc (cultura em sentidorestrito quantificada); estoumaisbem informado do que voc sobre a crise na Europa(informao quantificada). Devidamente quantificada, a vida ganha ares de competio,e os moedeiros falsos sentem-se, sempre, na liderana. De fato, so prceres dahumanidade de cuja companhia devemos muito nos orgulhar.

    Depois desse longo intrito, passemos a trechos relevantes do livro, enfim. Estouusando a edio da Vozes, traduo de Raquel Ramalhete. Todos os trechos abaixo sodo primeiro captulo apenas. Aps uma caminhada pela praia (sim, um inverno quenteeste), pretendo analis-los. Imaginem vocs que meu scanner quebrou e tive de digitartodos os trechos. Santa tortura a que me submeto em nome do sagrado contedodeste site

    Trechos de Vigiar e punir (traduo de Raquel Ramalhete) compilados por

    Vinicius F igueira, sem inteno comercial , para mera anlise pessoal e

    intr ansfervel.

    1. Dentre tantas modificaes, atenho-me a uma: o desaparecimento dos suplcios. [...]Punies menos diretamente fsicas, uma certa discrio na arte de fazer sofrer, umarranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentao. [p. 13]

    2. A punio [...] deixa o campo da percepo quase diria e entra no da conscinciaabstrata [...] a certeza de ser punido que deve desviar o homem do crime [...]. [p.14]

    3. a prpria condenao que marcar o delinquente com sinal negativo e unvoco:

    publicidade, portanto, dos debates e da sentena; quanto execuo, ela como umavergonha suplementar que a justia tem vergonha de impor ao condenado. [p. 15]

    4. A execuo da pena vai-se tornando um setor autnomo, em que um mecanismoadministrativo desonera a justia. [p. 15]

    5. E acima dessa distribuio dos papis se realiza a negao terica: o essencial dapena que ns, juzes, infligimos, no creiais que consista em punir; o essencial procurar corrigir, reeducar, curar. [p. 15]

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    6. Existe na justia moderna e entre aqueles que a distribuem uma vergonha de punir,que nem sempre exclui o zelo: ela aumenta constantemente: sobre esta chaga pululamos psiclogos e o pequeno funcionrio da ortopedia moral. [p. 15]

    7. De modo geral, as prticas punitivas se tornaram pblicas. No tocar mais no corpoou o mnimo possvel, e para atingir nele algo que no o corpo propriamente. [...] Osofrimento fsico, a dor do corpo no so mais os elementos constitutivos da pena. Ocastigo passou de uma arte das sensaes insuportveis a uma economia dos direitossuspensos. [...] Um exrcito inteiro de tcnicos veio substituir o carrasco, anatomistaimediato do sofrimento: os guardas, os mdicos, os capeles, os psiquiatras, os

    psiclogos os educadores. [p. 16]

    8. O emprego da psicofarmacologia e de diversos desligadores fisiolgicos, ainda queprovisrio, corresponde perfeitamente ao sentido dessa penalidade incorprea. [p. 16]

    9. Desaparece, destarte, em princpios do sculo XIX, o grande espetculo da puniofsica: o corpo supliciado escamoteado; exclui-se do castigo a encenao da dor.Penetramos na poca da sobriedade punitiva. [p. 19]

    10. A reduo do suplcio uma tendncia com razes na grande transformao de1760-1840. [...] Castigos como trabalhos forados ou priso privao pura e simplesda liberdade nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes aocorpo: reduo alimentar, privao sexual, expiao fsica, masmorra.

    11. O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos ltimos sculos umfenmeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durantemuito tempo, de forma geral, como se fosse fenmeno quantitativo: menos sofrimento,mais suavidade, mais respeito e humanidade. Na verdade, tais modificaes se fazemconcomitantes ao deslocamento do objeto da ao punitiva. [...] Se no mais ao corpoque se dirige a punio, em suas formas mais duras, sobre o que ento se exerce? Aresposta dos tericos [...] simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na prpriaindagao. Pois no mais o corpo, a alma. Marbly formulou o princpiofundamental: que o castigo, se assim possa exprimir, fira mais a alma do que o corpo.

    [p. 21]

    12. Momento importante. O corpo e o sangue, velhos partidrios do fausto punitivo,so substitudos. Novo personagem entra em cena, mascarado. Terminada uma tragdia,comea a comdia, com sombrias silhuetas, vozes sem rosto, entidades impalpveis. Oaparato da justia tem que se ater, agora, a esta nova realidade, realidade incorprea.[p. 21]

    13. Muitos crimes perderam tal conotao [de crime], uma vez que estavamobjetivamente ligados a um exerccio de autoridade religiosa ou a um tipo de vida

    econmica; a blasfmia deixou de se constituir em crime; o contrabando e o furtodomstico perderam parte de sua gravidade. [p. 21]

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    14. Sob o nome de crimes e delitos, so sempre julgados corretamente os objetosjurdicos definidos pelo cdigo. Porm, julgam-se tambm as paixes, os instintos, asanomalias, as enfermidades, as inadaptaes, os efeitos de meio ambiente e dehereditariedade. [...] so as sombras que se escondem por trs dos elementos da causaque so, na realidade, julgadas e punidas. [...] o conhecimento do criminoso, aapreciao que dele se faz, o que pode saber sobre suas relaes entre ele, seu passado eo crime, e o que se pode esperar dele no futuro. [p. 22]

    15. A alma do criminoso no invocada no tribunal somente para explicar o crime eintroduzi-la como um elemento na atribuio jurdica das responsabilidades; se ela invocada com tanta nfase, com tanto cuidado de compreenso e to grande aplicaocientfica, para julg-la, ao mesmo tempo que o crime, e faz-la participar da

    punio. [p.22]

    16. O laudo psiquitrico, [...] a antropologia criminal e o discurso da [...] criminologia,introduzindo solenemente as infraes no campo dos objetos suscetveis de umconhecimento cientfico, [do] aos mecanismos da punio legal um poder justificvelno mais simplesmente sobre as infraes, mas sobre os indivduos; no mais sobre oque eles fizeram, mas sobre aquilo que eles so, sero ou possam ser. No maissimplesmente: Quem o autor [ do crime]? Mas Como citar o processo causal que o

    produziu? Onde estar, no prprio autor, a origem do crime?. [p. 23]

    17. Admitiram que era possvel algum ser culpado e louco; quanto mais louco, tantomenos culpado; culpado, sem dvida, mas que deveria ser enclausurado e tratado e no

    punido; culpado, perigoso, pois manifestamente doente etc. E a sentena que condenaou absolve no simplesmente um julgamento de culpa uma deciso legal quesanciona: ela implica uma apreciao de normalidade e uma prescrio tcnica para umanormalizao possvel. O juiz de nossos dias magistrado ou jurado faz outra coisa

    bem diferente de julgar. [p. 23]

    18. Ao longo do processo penal, e da execuo da pena, prolifera toda uma srie deinstancias anexas: [...] peritos psiquitricos ou psicolgicos, magistrados da aplicaodas penas, educadores, funcionrios da administrao penitenciria fracionam o poder

    legal de punir[...]. A partir do momento em que se deixa a pessoas que no so os juzesda infrao o cuidado de decidir se o condenado merece ser posto em semiliberdade ouem liberdade condicional, se eles podem pr um termo sua tutela penal, so semduvida mecanismos de punio legal que lhes so colocados entre as mos e deixados sua apreciao; juzes anexos, mas juzes de todo modo. [p. 24 e 25]

    19. Resumindo: desde que funciona o novo sistema penal o definido pelos grandescdigos dos sculos XVIII e XIX um processo global levou os juzes a julgar coisa

    bem diversa do que crimes: foram levados em suas sentenas a fazer coisa diferente dejulgar; e o poder de julgar foi, em parte, transferido a instncias que no so as dosjuzes da infrao. A operao penal inteira se carregou de elementos e personagens

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    extrajurdicos. Pode-se dizer que no h nisso nada de extraordinrio, que do destinodo direito absorver pouco a pouco elementos que lhe so estranhos. Mas uma coisa singular na justia criminal moderna: se ela se carrega de tantos elementosextrajurdicos, no para poder qualific-los juridicamente e integr-los pouco a poucono estrito poder de punir; , ao contrrio, para poder faz-los funcionar no interior daoperao penal como elementos no jurdicos; para evitar que essa operao seja purae simplesmente uma punio legal; para escusar o juiz de ser pura e simplesmenteaquele que castiga. [p. 25]

    20. Objetivo deste livro: uma histria correlativa da alma moderna e de um novo poderde julgar; uma genealogia do atual complexo cientfico-judicirio onde o poder de punirse apia, recebe suas justificaes e suas regras, estende seus efeitos e mascara suaexorbitante singularidade. [nota minha: conceito de genealogia da punio] [p. 26]

    21. A relao entre os vrios regimes punitivos e os sistemas de produo em que seefetuam: assim, numa economia servil, os mecanismos punitivos teriam como papeltrazer mo de obra suplementar e constituir uma escravido civil ao lado da que fornecida pelas guerras ou pelo comrcio. [p. 28]

    22. Mas o corpo tambm est diretamente mergulhado num campo poltico; as relaesde poder tm alcance imediato sobre ele; elas o investem [atacam], o marcam, o dirigemo supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimnias, exigem-lhe sinais. Esteinvestimento poltico do corpo est ligado, segundo relaes complexas e recprocas sua utilizao econmica [...] [A constituio do corpo] como fora de trabalho s

    possvel se ele est preso num sistema de sujeio; o corpo s se torna til se aomesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeio no obtida s pelosinstrumentos da violncia e da ideologia; [...] pode ser calculada, organizada,tecnicamente pensada, pode ser sutil, no fazer uso de armas nem do terror, e no entantocontinuar a ser de ordem fsica. [p. 28 e 29]

    23 . No se deveria dizer que a alma uma iluso, ou um e feito ideolgico, masafirmar que ela existe, que tem uma realidade, que produzida permanentemente, emtorno, na superfcie [e] no interior do corpo, pelo funcionamento de um poder que se

    exerce sobre os que so punidosde uma maneira mais geral sobre os que so vigiados,treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianas, os escolares, os colonizados, sobreos que so fixados a um aparelho de produo e controlados durante toda a existncia.Realidade histrica dessa alma que, diferentemente da alma representada pela teologiacrist, no nasce faltosa e merecedora de castigo, mas nasce antes de procedimentos de

    punio, de vigilncia, de castigo e de coao. [p. 31 e 32]