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VIDIGAL Fernanda Georgiadis

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VIDIGAL

Fernanda Georgiadis

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O livro Porta Vozes Vidigal é uma publicação independente,

criado e produzido pela Designer Gráfica, Investigadora

e Educadora Artística Fernanda Georgiadis.

Gostaria de pedir que não produza nenhuma parte

deste livro sem a autorização da autora. Muito obrigada.

Apoiadores

Contato

@fegeorgiadis

[email protected]

behance.net/FeGeorgiadis

Rio de Janeiro

2019

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Entre, sinta-se à vontade. Não se acomode. Um lugar para andar, correr, pausar e mudar de direção a cada encontro. Uma conexão formada por passos que construíram o meu cenário e te convido a formar o seu. Desça, suba e trace seu caminho por entre valores únicos. Permita-se mergulhar em uma realidade tão distante e próxima ao mesmo tempo. Conheça um pouco sobre o Vidigal através da relação entre os moradores e a porta – um objeto do cotidiano que muitas vezes passa despercebido. Alguns deles abriram-na para mim e agora abro à você. Deixo visível caminhos à uma nova perspectiva. Boa leitura!

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A AUTORAInvestigadora e Educadora Estética com ênfase

em Design e Designer Gráfica, brasileira de São Caetano do Sul. Busco despertar reflexões a favor de um impacto social e contribuir, através de trocas de conhecimento e pensamentos criativos, nas ações de relacionamento com o outro e consigo mesmo. Experimento linguagens e suportes de maneira performática e a escrita se tornou parte importante dos projetos. Procuro através delas, desenvolver formas para dar o devido valor a seus conteúdos.

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“É DIFÍCIL MESMO PARA QUEM VEM PELA PRIMEIRA VEZ, POR ISSO VIM TE BUSCAR.”

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A PORTAA porta, além de remeter às ações de entrar e sair, abrir e fechar,

ela pode ter significados singulares para cada um, dependendo da experência pessoal. A porta também carrega consigo três oportunidades: comunicar, passar e privar. E entre eles, há sempre o antes, o durante e o depois – presentes em qualquer ato de passagem.

Para mim, a porta carrega o mistério e me desperta a curiosidade. Além de eu ter atração por sua imagem, sua grafia e variedades, a porta me faz refletir sobre o que existe e o que acontece, assim como o que já aconteceu, por detrás dela. Ao andar na rua, seja dentro de ônibus, carro ou a pé, observo a quantidade de tipos de portas e penso nas milhares de histórias que podem existir somente por alguém ter entrado ou saído. Reflito o quanto podemos conhecer de uma sociedade ao observar a relação de uma pessoa com um objeto do cotidiano. Neste caso, a porta. Pode-se analisar o ritmo da vida de uma pessoa pelo entrar e sair, assim como ela lida com seu interior e exterior, como ela vive, age e pensa.

VIDIGAL VISÍVELFechar a porta é privar, bloquear e negar. Por outro lado, abrir a

porta é expor, dar visibilidade, permitir e revelar. O Vidigal para mim foi aberto, pude entrar e ir afundo para conhecer a favela através de uma outra perspectiva. Muitas portas para mim foram abertas. Tive a oportunidade de passar, ficar e ouvir histórias diversas. Chorei, ri, compartilhei e registrei alguns momentos de empatia.

O Vidigal é um bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, no Brasil. A favela denomidada Morro do Vidigal, é um dos cartões postais do Rio e também atua como lugar de preferência de diversos artistas e empreendedores em constante evolução. Hoje, o Vidigal passa por transformações e representa a luta e a resistência.

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O PROJETO PORTA VOZES O projeto foi criado durante minha residência de três meses

com a Favela Experience e a Favela Inc. no início de 2019, no Vidigal. Ele dá uma olhada intimista na vida pessoal de alguns dos moradores do Vidigl através de entrevistas e fotografias.

O Porta Vozes conta com 12 moradores que foram aparecendo de forma natural durante a minha vivência no Vidigal. Ele foi desenvolvido para proporcionar perspectivas e reflexões sobre um lugar através da relação entre os moradores e suas portas. Parto da ideia de que podemos conhecer uma sociedade a partir de um objeto do cotidiano que às vezes passa despercebido por seu uso diário.

O objetivo é dar voz aos moradores, possibilitar novas conexões entre os que vivem e os que estão de passagem. Promover a empatia, impulsionar o contato e estimular a descoberta de um lugar não somente pelos pontos turísticos e monumentos históricos, mas ouvindo aqueles que fazem a história. Desconstruir preconceitos e proporcionar imagens diferentes das que normalmente somos atingidos.

Torno visível contextos sociais a partir de uma narrativa inusitada onde os moradores tornam-se atores principais e mostram que seu valor não é mais nem menos importante que o do outro. O projeto é capaz de estimular o pensamento criativo conhecendo realidades tão próximas e distantes ao mesmo tempo. Aqui, cada história individual forma parte de uma coletiva.

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“PODE ENTRAR, SINTA-SE À VONTADE.”

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As pessoas fazem a história de um lugar e, compartilhar essas histórias, é ligar quem conta com quem ouve, além de dar visibilidade ao que dificilmente se conhece. Quem conta está disposto a expor, a dar o saber. E quem ouve, quer entender, mergular numa realidade desconhecida e também cria. Ou seja, é preciso sentar e ouvir para poder emponderar a empatia e construir uma relação. E isso requer coragem, pois é preciso estar disposto a ser o outro, trazer à frente questões internas e redirecionar o olhar. Contar e ouvir uma história é trocar experiências capazes de despertar emoções singulares, compreender culturas e compartilhar conhecimentos. Conhecer um lugar através das histórias dos moradores é entender a realidade por uma nova perspectiva, é registrar e viver a verdade do outro, é promover o que passa despercebido e é olhar ao redor com lentes sinceras.

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“VOU TE APRESENTAR UMA PESSOA, VOCÊ VAI GOSTAR DE CONHECER.”

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Uma das palavras que resumiu minha breve vivência no Vidigal é “conexão”. Todas as pessoas que eu conheci foi porque alguém me apresentou, e uma foi me levando à outra. Quando dei por mim, entre elas, todas se conheciam ou pelo menos sabiam quem era e, em alguns casos, por mim.

O caminhar me possibilitou essa conexão e a disposição em ouvir, me pausou e redirecionou meus pés algumas vezes. Partindo do meu encontro com a Favela Experience e a Favela Inc. na plataforma Worldpackers, abri a caixinha de jóias e me permiti me jogar no escuro. Mas andando, descobri pontos que me impulsionaram a desenhar meu mapa e iluminaram o caminho.

As pausas me proporcionaram novas entradas e saídas, além de muitas histórias. Aqui é o espaço em que eu compatilho com você meu mapa de passos e encontros, e proporciono uma pausa para você criar a possibilidade de redirecionar seus pés.

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12 ENCONTROS12 PESSOAS12 PORTAS12 HISTÓRIAS 12 SIGNIFICADOS

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“A porta é dar e receber oportunidades, é a chance de mudar as coisas.”

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Lá em cima, uma porta que se abriu ao mundo

Isis

Ao abrir esta porta pelo lado de dentro, se não tomar cuidado, você pode sair voando. E que bom se não existir tanto cuidado assim, porque foi desse jeito que fez Isis ser quem é hoje. Ao abrir de fora, mesmo não alçando voo, aconselho a saltar de braços abertos porque será assim que ela irá te receber. Nunca a vi de outro jeito se não sorrindo. E não foi diferente quando ela me encontrou para subirmos até a sua casa.

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Assim como outros moradores do Vidigal, ela fez questão de me pegar pela mão e me levar . Eles são preocupados e atenciosos com pessoas que não estão familiarizados com o local. Outra vez em que isto me aconteceu, foi na primeira semana vivendo na favela. Precisei ir ao posto de saúde e não conseguia encontrá-lo. Uma mulher parou o que estava fazendo para me levar o mais próximo de lá.

Foi com este mesmo cuidado que Isis me buscou em um ponto de encontro mais acessível e conhecido para irmos juntas até onde vive. E que bom, porque eu não ia conseguir chegar nunca se não fosse com a sua ajuda. O GPS com certeza não me levaria. Talvez tentar de boca em boca daria certo, mas custaria um certo tempo. E claro que hoje, se eu tivesse que voltar, não lembraria.

Entramos em vielas muito estreitas com bifurcações que para mim se pareciam muito. Mas sei que nada como o dia-a-dia para habituar. Com os dias, andando por lá, comecei a perceber as pequenas diferenças nos detalhes entre um lugar e outro. É preciso um olhar atento para não perder nenhuma informação enquanto é possível se surpreender. Parece que sempre está acontecendo muita coisa ao mesmo tempo entre uma casa e outra. E mesmo no silêncio, a paisagem, por si só fala contigo.

POR AQUI VOCÊ NÃO ANDA SOZINHO

UMA MULHER COM RITMO

Menina mulher que aos 24 anos possui um grupo chamado Morenas de Sol formado somente por mulheres, o qual faz

parte desde seus 15 anos. Ela começou a vida no teatro e em curso de música onde havia somente um grupo grande de percussão. Com o tempo, ele se dividiu e um deles precisava de alguém para reger. Ela, ainda com pouca idade, mas com

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“A porta é dar e receber oportunidades, é a chance de mudar as coisas.”

muita experiência, se colocou à frente e desde então levou o Morenas de Sol adiante.

Isis com seu namorado, também músico e ator, criaram o “O Voo das Fitas”. É um espetáculo musical que explora sonoridades, combinando o som da Viola Caipira, a Viola de Cocho, Viola de Buriti e diversos instrumentos de percussão. Cultuando e valorizando a cultura das violas brasileiras. Eles já viajaram por alguns estados brasileiros

e continuam em busca de expandir cada vez mais.

Ela também criou o Batucavidi que é um projeto de percussão para crianças e adolescentes que reúne a paixão pela música com a motivação para impactar a vida de forma positiva.

E todas estas conquistas, se deram em parte, por consequência de gostar da sua porta. Seja ela a antiga ou a nova, sempre estiveram e estão abertas para receber pessoas que estão dispostas a somar com ela.

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ABRA A PORTA E DÊ UMA CHANCE

As portas se abrem, é preciso somente buscar e fazer por onde, como tem feito e acontecido nos seus últimos anos. Através da sua porta, ela pôde receber pessoas que mudaram completamente a sua visão de mundo.

Isis mora nessa casa desde que nasceu, junto com a sua avó que mora há 42. E hoje, seu namorado também divide a casa com elas. Desde muito jóvem se permitiu aprender percursão e se arriscava já tendo talento. E graças à sua porta aberta que sua vida mudou e ela evoluiu como musicista.

Ela relata sobre um dia em que estava tocando dentro de sua casa. Um cara de Nova Iorque, que hoje é seu amigo, a viu tocar e quis ensiná-la, pois dizia que estava tocando errado.

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Ela aceitou, e ele, sem mais demandas, perguntou quando poderiam marcar para voltar à sua casa. Isis pensou ser uma pessoa louca e não acreditava que estava vindo de Nova Iorque para ajudá-la. E desde que ela disse que poderiam começar em qualquer dia, o novaiorquino nunca mais saiu de lá. Ficou indo em sua casa toda semana por uns 5 anos.

E da mesma forma que ele entrou por essa porta, entraram também os instrumentos e os livros de estudo dados por ele como presente. Ela conta que ele às vezes chegava e falava: “trouxe um livro novo, vamos estudar”.

Sua porta no dia-a-dia fica sempre aberta. Ela diz ser muito caseira e que fica sentada no degrau da porta enquanto a avó assiste novela. E desde criança é assim. As vizinhas chegam, sentam aqui, sentam lá, ficam falando da vida dos outros, ficam olhando o mar e vendo os outros passarem. E quando falta luz na região, o vizinho de longe grita: “fulano, faltou luz aí?” As portas abertas mesmo de longe se conversam.

Isis ensina música para crianças através do seu projeto Batucavidi e o vir bater em sua porta ou entrar pela sua porta

ENTRE PORTAS, SE COMUNICAM E FICAM

também tem muito a ver. Ela me conta que tem algumas alunas que moram por perto e todo dia vem uma e fica na porta, mesmo com ela fechada. Elas ficam olhando pelo buraco pois ouvem Isis ensaiando. Portanto, quando Isis percebe que tem gente do lado de fora, abre e as convida para entrar: “vem, vamos tocar o instrumento.” Ela conta que teve um dia que quando caiu em si, tinham 3 dentro da sua casa tocando. E com isso, ela começa a ensinar na sua própria casa, mesmo tendo um lugar específico e horários de aula no Vidigal.

Ela relata de uma vez, na semana passada, quando

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“Tudo acontece aqui. Abriu a porta, entrou. Não adianta, as pessoas entram. É uma força muito grande que existe. E é isso, são oportunidades.”

estavam ensaiando e observando a evolução delas, “agora elas estão aprendendo música de fato.” E continua contando que quando as crianças entram em sua casa, elas sentam na frente da porta, como se fosse um showzinho e ficam ajudando Isis.

Sua porta neste caso serve também como o lugar de uma platéia. E é lindo ver sua adimiração pelas crianças.

VENHA, É SÓ CHEGAR!

Para entrar na minha casa fazem de tudo também, tem esse exemplo das crianças mas também outros. Tem gente que grita, bate se estiver fechada. As crianças mesmo chegam gritando para perguntar se tem aula no dia. Aqui também chega muita Testemunha de Jeová, mas por conta dos tambores, muitas vão embora. Até mesmo alunos dela já desistiram por conta disso. A religião delimita um pouco quem continua ensaiando ou não.

Qualquer pessoa pode entrar em sua casa mas já teve alguns casos em que precisou bloquear e colocar para fora. “Doeu para mim e para a minha avó, mas não dava mais.” Mas no final, sempre voltam, para tomar um café que seja. “O duro é quando aparece de surpresa.”

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Isis conta que tiveram um dia muito significativo e que resultou pôr um fim na porta antiga, a qual sua avó já queria trocar há muito tempo. Elas trocaram de porta no final do ano passado, em 2018. A porta de madeira que estava ali desde a construção da casa já possuia alguns buracos de tiro, mas um em específico foi o motivo da mudança e marcou a vida delas.

Foi um dia em que estava Isis, sua avó e a ex mulher do padrinho de Isis em casa, e um tiroteio estava “comendo solto”. Sua avó uma hora foi para a sala onde já estava Isis, e se aproximou da porta. Em uma conversa que ela não soube me dizer o contexto, sua avó griou “minha Nossa Senhora!”, e foi no momento exato em que uma bala ultrapassou a porta, fazendo um furo bem grande passando bem rente pela cabeça dela. Até hoje ninguém achou essa bala.

CHEGOU A HORA DE MUDAR DE PORTA, COM RITMO

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Neste momento, “a morte entrou literalmente pela porta e nem bateu.”

Depois desse dia, sua avó se irritou, pegou um martelo e quebrou a fechadura dizendo querer uma porta nova. “Doa

Isis no momento ficou congelada e pensou que a avó tinha morrido pois ela tinha ficado congelada. Foi uma pausa dramática e depois “vida que segue.”

“Todo o meu conhecimento de música entrou por esta porta. As oportunidades se abrem quando a gente quer. É igual coração, a gente permite as pessoas entrarem para que haja melhoras.”

a quem doer, essa porta tem que ir embora.” Elas realocaram a porta antiga em uma outra casa, o que para mim foi uma surpresa. Na volta, descendo o morro, Isis desceu comigo porque também tinha um compromisso perto de onde eu morava e no caminho ela me levou para conhecer seu novo espaço de ensaio pessoal, que irá servir como um ateliê. E ela, sem me falar nada, deixou a surpresa para o momento. A porta estava ali. Elas colocaram como uma porta temporária somente para tampar a entrada. Não acreditei que depois de toda a nossa conversa, eu estava frente à frente com ela.

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BURACOS DE ENTRADA

Isis me conta que também já tiveram algumas balas fantasmas antes dessa acima, como a vez em que sua avó foi buscá-la na escola e na volta para casa houve um tiroteio. Tiveram que parar no meio do caminho para esperar passar. “Quando um tiroteio pausa, é a hora de correr.” Quando voltaram para casa, encontraram 2 buracos na porta. E pela altura delas, teria matado alguém se estivessem em casa, porque foram baixos. Me conta ainda, que em casa, com o tiroteio “rolando”, colocaram o sofá na frente da porta e foram se esconder estratégicamente. Isis fala que são raciocínios que só na favela deve existir.

Elas moram no alto, mas mesmo assim, ficam na direção de uma passagem em que fica no meio do fogo cruzado. Porém,

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“O negócio de tiro aqui é feio, não vai ser a porta que vai proteger. Será Deus ou a Nossa Senhora, que se gritar, dá certo também.”

Isis ainda acha não ser o lugar mais perigoso pois afirma já ter passado sufocos piores. Há muito tempo, quando ainda era criança, estava mais no alto do morro com um amigo que sempre a acompanhava para voltar da escola, e presenciaram um tiroteio onde os dois tiveram que se esconder debaixo de um carro e logo depois correr para uma loja de brechó. No final, uma mulher da loja os acompanhou até suas casas.

SÓ MAIS UMA

E depois desse relato, ela ainda afirma ter passado por um pior, em que se sentiu muito mal, “o último que passei foi o pior da minha vida.” Foi mais ou menos dia 11 de dezembro de 2018. Ela estava com 3 alunos do Batucavidi e estavam caminhando sentido o Hostel para participar de um tour. No percurso, parou no espaço de ensaio para buscar alguns instrumentos e foi quando ouviu um tiro. Um cara que estava próximo a eles disse que mesmo tendo

atirado somente uma vez, era melhor sairem dali. E foi o que fizeram. Começaram descer e Isis tinha a intensão de levá-los para casa. Não deu tempo, o tiroteio começou e os 3 estavam no meio.

Isis começou a gritar para correrem e, já angustiada, lembrou da vez em que estava com seu amigo voltando da escola. Agora, entretanto, era diferente. Naquela época ela era mais nova e não tinha muita noção do que estava acontecendo. “Dessa vez eu estava com meus alunos, e é tudo o que

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eu mais quero proteger.” Ela fala que conseguiram

chegar na casa de um dos meninos, e por sorte, conseguiram se proteger no momento exato em que começou o tiroteio mais pesado. “Eu estava sentada no chão e o cara estava atirando do meu lado.

Eu sentia até a respiração dele. Foi desesperador.” Enquanto isso, conhecidos estavam preocupados e mandavam mensagens para ela, pois sabiam que ela trabalhava pela região. E finaliza dizendo que “história de tiroteio a gente conta um monte.”

Isis conta que trocaram a porta pela atual de alumínio não faz muito tempo e por isso ainda não aconteceu nada muito significativo com ela, a não ser seu primo que já bateu a cabeça umas 3 vezes no vidro. E sua avó também, já bateu algumas vezes. “Quem tiver chifre que se proteja.” Elas também levam susto com o vento quando a janelinha abre. Ela diz que escolheram esta porta por ter um preço mais acessível mas não protege nem mais nem menos de um tiro.

No calor, preferem deixar metade dela aberta, para o vento poder entrar. Mesmo de noite, nem tudo é fechado. Perguntei sobre os riscos de não fechar em nenhum momento e Isis diz não ter problema nenhum pois todos por ali as conhecem. E por conta da sua avó nunca gostar da porta totalmente fechada, a antiga também possuía uma janela, mas menor.

Isis então chamou a sua avó para perguntar sobre essa questão e explicar melhor o motivo de não gostar dela totalmente fechada. Ela responde que não gosta da porta toda aberta porque a energia negativa vem de fora para dentro. E também por dar um pouco mais de privacidade porque podem vê-la dentro de casa.

MEIA ABERTA OU ABERTA

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“Eu vejo quem passa por aqui, mas ninguém vê aqui dentro. Fico agoniada com toda aberta e toda fechada. Não gosto de me sentir trancada. É uma meia liberdade, fica no meio termo.”

Sua avó estava o tempo todo na cozinha enquanto conversávamos na porta. Vire e mexe chamava Isis e acabou me cumprimentando de longe pois estava ocupada. Somente depois recebi seu abraço caloroso. Por ali também havia uns 4 gatos, um em cada canto da sala.

Durante a conversa também apareceu um amigo de Isis que passava pela região e parou na porta para conversar um pouco. A vizinha do lado também foi levar a filha para conhecermos. E é assim, por mais que seja um lugar calmo e tranquilo, onde a paisagem salta aos olhos, a comunicação e a passagem prevalece compondo um cenário de sutis e rotineiras oportunidades.

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“O novo é sempre um abismo de coisas que você não sabe onde vai conseguir chegar.”

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Entre, o caminho é de luz

Guto

Uma nova porta, um novo começo e um novo projeto. Essa é a visão do arquiteto Guto, morador do Vidigal há cinco anos. Alguém com um coração grande e com ideias maiores ainda. Sempre com a fala calma e com palavras precisas, Guto consegue transpor e ascender uma conversa com propósito de se chegar ao mais alto mergulho, buscando o mais profundo conceito.

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Ele trabalha como freela, de forma autônoma. Tem a sua casa como um templo e acredita que qualquer casa que for morar até o final de sua vida será considerada como tal. Ele acredita na residência como um ateliê. Vive trocando informações, ideias e energias com pessoas que encontra ao longo da vida, tanto pessoal, quanto profissional, e está sempre renovando as pessoas que estão em seu convívio. Guto acredita que um freelancer tem que ser instintivo, estar sempre um passo à frente.

Guto se mudou para o Vidigal e escolhe viver ali por ser um espaço que empondera a condição de se ter pontes às várias

LUGAR OPORTUNO comunidades artísticas e empreendedoras. Assim como também enxerga o lugar como possível conexão à várias culturas.

Até o começo deste ano, ele vivia com sua esposa e

“É uma eterna construção e preparação interna a cada projeto, onde é preciso construir confiança.”

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duas tartarugas em uma casa, mas por conta de um evento climático, ocorrido no dia 6 de fevereiro, eles tiveram que se mudar para o apartamento que moram atualmente. As forças da natureza atingiram sua antiga casa, assim como outras de dentro da favela, deixando tristeza e reconstrução a todos os moradores. No momento da chuva, eles estavam em casa e tiveram que agir de forma instantânea para sobreviver. Acabaram se machucando um pouco e sairam da casa a tempo. Entretanto, as paredes não resistiram e ela

foi parcialmente destruída. Por ter se transformado em uma região de risco, não tinha mais chance de voltar a morar pela região.

Apesar das dificuldades enfrentadas no dia e nos dias decorrentes ao acidente natural, ele conseguiu encontrar de forma rápida uma solução para ele e sua família. “Estávamos em uma situação em meio ao caos, mas consegui estar bastante lúcido no momento. Em 24 horas consegui encontrar este apartamento e em menos de 12 horas iniciei a mudança com ajuda de amigos.”

Ele conta que a casa em que morava era o lugar ideial para atingir o ápice do seu potencial criativo. Ela ficava de frente para o mar, no alto do morro. Estava situada na entrada da floresta e por isso estava sempre em contato direto com a natureza e os

PASSAGEM PARA O NOVO

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animais. Em consequência, ele conseguia alcançar sua criatividade de forma bastante considerada. Apesar de estar de alguma forma isolada, aquela região era suscetível a confrontos e festas com som alto, por exemplo, mas mesmo assim, pela casa ficar em uma posição estratégica, ela te permitia estar e não estar ali ao mesmo tempo. Ou seja, não possuia risco nenhum.

Hoje, no novo apartamento, enxerga o local como sendo um pouco artificial, com pouco contato com a natureza e sem nenhuma visão para o mar. Guto fala que apesar de ser muito diferente da outra casa, ele enxerga de maneira positiva como uma nova fase. E ele consegue refletir sobre este novo começo olhando para a sua nova porta.

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A porta para ele, com uma visão de arquiteto, é sempre uma possibilidade de se chegar a um outro local, assim como entrar ou ir para fora. Para ele, você pode entrar por uma porta, ir para um quarto escuro ou para uma caverna escura. Ou uma porta pode te dar acesso à um caminho infinito.

“O novo é sempre um abismo de coisas que você não sabe onde vai conseguir chegar.”

“Possui duplo sentido, ou você consegue ficar preso e confinado numa escuridão, ou você pode alcançar o caminho da luz.”

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Antigamente, abrir a porta da sua casa significava sua exposição ao mundo, ao mesmo tempo que era seu abrigo quando entrava. Geralmente ele era uma pessoa que saia muito, mas isso mudou ao longo dos anos em consequência da sua maior dedicação aos trabalhos artísticos de criação voltados à arquitetura. Guto então passou a viver preservando sua privacidade e bem estar para conseguir se projetar de forma favorável à criação. “Hoje, considero que abro pouco a minha porta e quero continuar abrindo pouco. Ou seja, estou bastante seletivo em relação para quem eu abro a porta. Quando eu abro, é porque sei que vou acrescentar e a pessoa pode ser transformada. Abro também para que a pessoa possa me complementar.”

Ele compara com a porta da sua outra casa em que também deixava mais fechada do que aberta. E por ter um fluxo tão pequeno de entrar e sair, ele conta que com o tempo começaram a pensar que ele não morava mais na casa. “Eu tinha o costume de às vezes ficar uma ou duas semanas, chegando a ficar até um mês, dentro de casa. O mercado eu pedia para entregar em casa, quando o gás ou a água acabava eu também ligava. E por isso que com aquela casa eu conseguia atingir o potencial criativo.”

EXPOR AO ABRIR E PRIVAR AO FECHAR

“O fluxo acaba sendo pequeno, mas é certeiro.”

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Assim como todas as outras moradias do Vidigal, sua atual e antiga moradia não possui somente uma porta, e sim duas. Agora morando em um prédio, ele conta que são três processos até chegar em casa. Primeiro, geralmente a pessoa envia uma mensagem através do WhatsApp para confirmar o encontro. Segundo, tocam o interfone e, depois de autorizar a entrada, abrindo o portão, vem o terceiro passo que é entrar e tocar a campainha. Em comparação com a outra casa, a diferença está na não existência da campainha e interfone.

Guto enxerga o Vidigal como uma vila gigante e chama de “Vila do Vidigal”. Ele reflete que antigamente os bairros dentro da favela

UMA VILA eram lotes que foram passados para algumas famílias. E por exceder o número de edificações de lotes, foram construídas moradias dentro de cada edificação. Porém, para o Guto, em um contexto social, toda favela, todo beco, é um contexto de uma vila.

Em consequência, todas as residências possuem mais de uma porta. A porta da vila e a porta de entrada de cada casa. Guto enxerga isso como uma forma de segurança. “Imagina uma pessoa que mora no beco e só tem uma porta como confiança? É uma sensação esquisita pensar que um beco que tem confronto à noite, com rara iluminação, tem somente uma porta de madeira dividindo a rua do interior da sua casa. Com um ponta pé é possível derrubá-la.”

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Hoje, Guto vive com uma lembrança distante da sua última porta. Esta que lhe causou resultados incríveis, uma percepção mais aflorada com um crescente auto conhecimento em relação ao seu processo criativo. E é por conta dela que atualmente sabe das suas necessidades e um caminho prévio de como conseguir realizar seus melhores projetos.

Apesar da sabedoria carregada pelo silêncio conquistado e pelos sucessos pessoais e profissionais, a porta transmite a lembrança de ter estado diante da morte. No dia da tragédica, ele teve que lutar para sobreviver e isso traz, imperado em seu coração, a sensação de hoje ser uma nova pessoa e de renascer.

O NOVO TRANSFORMA

“Não perdi o sono por conta do ocorrido. Mas a sensação de renovação imperou de tal forma que aquela porta ficou como um passado distante.”

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Focado, dedicado e esforçado, segue criando e projetando para frente. Colocando em marcha o que acredita sempre com determinação. Uma pessoa que é aberta ao novo e o enxerga de forma positiva. Vê o novo como algo que complementa e além de tudo, transforma.

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“Aprendi a respirar e passei a ser mais sensível às vibrações das músicas.”

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Deixe o som te levar

Hugo

Entre, sente, e sem pressa. Se for conhecer Hugo, vá com tempo, mas garanto que sairá com uma boa conversa, conhecimento de música, relatos do jazz carioca e os ouvidos acalmados pela partitura do piano. Um lugar para comer, beber e, quem sabe, escrever.

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A casa de Hugo é a sua morada mas também espaço com dormitórios para viajantes e com um pequeno bar e restaurante que ele mesmo cuida e prepara os drinks e refeições. Ela possui uma sacada com uma linda vista onde muitos já presenciaram o pôr e nascer do sol. Está de portas abertas desde cedo, e dependendo do movimento, com possibilidade de fechar somente no dia seguinte.

Sua casa fica numa rua muito usada para sair e entrar do Vidigal, mas é bem tímida. É muito fácil passar por ela e não a perceber. Muitos, assim como eu, tardam para ler os letreiros discretos na entrada, quanto entender o que sucede ali dentro. Entretanto, quando entrei pela primeira vez para ouví-lo tocar, eu estava de passagem, indo para

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CAÇA AO TESOURO

a minha casa e ouvi a música em pouca distância. Foi nesse instante que praticamente fui encantada e não ousei em continuar meus passos sem fazer uma pausa. Sentei, pedi uma cerveja, e fiquei ao seu lado ouvindo tocar e entendendo aquele repertório, pois em cada música, ele fazia questão de me explicar ou me contar uma história com a lembrança daquelas notas. Foi um momento realmente incrível.

Hugo é morador do Vidigal há 6 anos e mora nesta casa desde então. Ele é apaixonado por ela e diz ter sido amor à primeira vista. O ponto

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principal foi o seu encontro com o porão semelhante a clubes de jazz de Paris. Apesar da compra da casa ter sido especialmente pela utilização dele, sua reforma ainda não está completa. Mas mesmo querendo arrumar e decorar, ele está ciente de não mudar a arquietura do lugar pois recebeu de mais uma pessoa a instrução de “não tocar em nada”.

Hoje, mais do que antes, sabe da importância daquele porão e seu plano é transformá-lo em espaço de show, produção artística, exposição e workshops, mas ainda há muito o que fazer pelo fato de ser sozinho para tudo.

Ele conta que conseguiu a casa por indicação de um amigo carioca que dizia para procurar uma casa

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no pé de alguma favela do Rio de Janeiro pois sabia das intenções de Hugo. Foi então que recebeu a sugestão de ir ao Vidigal.

“Queria transformar em um empreendimento e continuar vivendo do piano.”

Quando pegou sua bicicleta e saiu para procurar, percebeu que por ser uma região de muita subida e descida, estava tendo dificuldade de locomoção e isso restringia as oportunidades. Deixou a bicicleta em casa e voltou a busca a pé.

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Enquanto caminhava, perguntando às pessoas na rua se sabiam de casas à venda, encontrou um papel na parede e entrou em contato com o responsável. Este que já desiludido de conseguir vender, alegou ser uma porcaria a casa. Mesmo assim, Hugo

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insistiu e conseguiu entrar, ficando maravilhado e apaixonado. Após a mudança, acabou reformando a parte interna e a porta de entrada entrou no pacote.

Ele ainda me conta que pretende trocar novamente de porta e fazer algumas mudanças porque recentemente teve troca de tiros na rua, coisa que nunca tinha acontecido naquela região.

“Pretendo dar mais privacidade, mas sem perder a visibilidade de dentro.”

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Hugo nasceu no Leblon e aos 5 anos teve seu primeiro contato com o piano e nunca parou. Ele conta que as primeiras aparições e reconhecimento se deu quando ele tinha 12 anos, pois estudava em casa e os vizinhos o reconheciam.

SOL MAIOR

“Eu cresci com a música e vivi com a Bossa Nova.”

Presenciou a ditadura de 64 e viu artistas sendo mortos, presos ou desaparecerem, acabando o

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movimento instrumental da Bossa Nova no Brasil. Na época tinha 14 anos e gostava de ir ao teatro ver os artistas se apresentarem.

Durante muito tempo, estudou piano clássico mas começou também a desenvolver a música popular. Se formou em piano e teve a oportunidade de estudar com artistas renomados.

Sua trajetória iniciou em concertos mas encontrava dificuldades para se manter no mercado por conta de ser um cenário de muita gente influente, com muito dinheiro e sem muitos critérios. Apesar disso, me conta muitas histórias, relatos e revelações dentro da música que teve a oportunidade de vivenciar com artistas como Elis Regina, Edu Lobo,

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Victor Manga, Tom Jobim, Milton Nascimento e Ary Barroso.

Além disso, entre tantas histórias, me contou um pouco sobre a o Jazz, o Samba Carioca, e envolveu temas técnicos do piano.

“Incrível como só o brasileiro que não consegue enxergar a riqueza da herança brasileira que tem nas mãos.”

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Hugo acredita que a boa música precisa estar disponível para todos.

REPERTÓRIOS LOCAIS

Ele me conta que algumas vezes no mês, faz questão de colocar seu piano na rua, em um cruzamento de passagens conhecidas, e tocar

“É preciso expor e dar visibilidade para que as pessoas saibam que existe.”

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um pouco do seu repertório. Hugo diz ser surpreendente o retorno e percebe o quanto as pessoas gostam e apreciam.

E não é a primeira vez que coloca sua música ao público urbano. Um tempo atrás ele se alocava em calçadas do Rio de Janeiro tocando piano e vendendo CD. Entretanto, isso mudou sua forma de enxergar o mundo e foi o que o incentivou a tocar pelas ruas do Vidigal.

Quando teve a ideia de ir às ruas vender CD, pensava que os compradores seriam os advogados e os intelectuais da região. Mas se surpreendeu. Hugo, que sempre morou na zona sul do Rio, começou a observar e a entender melhor o que era considerado “povão”. E seu

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maior público eram os vendedores ambulantes e as mais variadas pessoas que estavam de passagem.

Ele fala que foi às ruas pois precisava ganhar dinheiro e não tinha lugar para tocar, pois além de estar sendo perseguido por outros artistas por causa da concorrência, estava indo contra algumas ordens. Nesta época, roubaram seu piano. Mas um tempo depois conseguiu comprar outro e foi quando começou a crescer novamente na carreira.

Hugo conheceu um homem que o ajudou muito e o colocou para tocar em discotecas e o incentivou. Foi quando começaram a chamar o Hugo de pop, “Hugo é pop”. Esse cenário o levou a ganhar concursos

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e a morar nos Estados Unidos para fazer um doutorado através de uma bolsa que acreditava ser impossível passar no edital. Teve a oportunidade de evoluir como músico e foi quando tudo mudou.

“Aprendi a respirar e passei a ser mais sensível às vibrações das músicas.”

Também conheceu pessoas que conseguiram fazer com que ele mudasse sua forma de tocar, mesmo depois de muito tempo na profissão.

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Depois de alguns anos fora, Hugo volta ao Rio de Janeiro por ter visto na televisão um amigo seu tocando no Leblon. Seu cenário nos Estados Unidos já não estava dos melhores e sentiu vontade de estar em terras cariocas novamente. Então, colocou todos seus pertences à venda em sua garagem e partiu para o Brasil.

Voltou querendo tocar mas não estava mais disposto a brigar para conseguir alguma oportunidade. Foi quando resolveu ir atrás parar abrir seu próprio espaço e encontrou a casa que mora hoje com seu filho.

Desde que abriu o bar e os dormitórios, teve alguns problemas relacionados a objetos quebrados,

DE VOLTA AOS 40 GRAUS

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roubo de roupas de cama e muita sujeira, mas infelizmente fala que não pode controlar muito por ser sozinho. Entretanto, recentemente teve a ideia de colocar na porta de entrada um papel dizendo que o lugar é para interessados em cultura do sul do Rio, na tentativa de selecionar mais as pessoas.

Antes o espaço do bar era gratuito, podia-se entrar e ficar o tempo que precisasse, sem consumir nada. Mas percebeu também que isso estava gerando muita despeza e por isso começou a cobrar uma taxa simbólica de entrada. Mas apesar desses problemas que ainda está aprendendo a lidar, ele fala que muitas pessoas que passam pelo local o elogiam.

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“Uns noruegueses falaram que foi a melhor música que ouviram em todo o período que estiveram no Brasil.”

Ele também me conta de uma mulher que sempre ia visitá-lo para ouví-lo tocar. “Ela vinha, sentava com alguns livros, pedia uma cerveja e ficava trabalhando.”

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Hugo se considera um homem de sorte ao ver sua produtividade e conquistas.

UMA PORTA QUE VIBRA

Ele fala que melhorou muito no improviso e tem fascínio por ele. “É a descoberta do novo, todos descobrem juntos ali na hora.” Ele explica ser uma linguagem que não tem censura e é também a interação com a natureza.

“O que produzi aqui, foi maior do que eu fiz em toda a vida.”

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“A arte imita a natureza. Tudo é vibração e a música é isso. Então, quando o homem vibra, ele entra em sintonia com o universo.”

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Para ele, músico da geração pós Bossa Nova, tocar piano é se encontrar com Deus todos os dias.

Ele segue tocando seu amplo repertório, compondo improvisos e sambas, com o propósito de não sair do Vidigal. Apesar de ter morado por muito tempo no Leblon, acredita que não se encaixa mais com o lugar. Ele se encontrou na favela e pretende expandir seu projeto, fazendo suas notas chegarem a tons cada vez mais altos.

“Sou previlegiado em fazer o que gosto e sobreviver disso.”

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“Se deixar dentro de mim, dentro das casas, ninguém vai ver. Tem que externalizar para saber que existe.”

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As cores abrem portas

Laelson

Está aí alguém que cumprimenta todo mundo por onde passa. Portanto, difícil uma pessoa aqui na favela do Vidigal não conhecer o Laelson.

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Extrovertido e que adora falar sobre o que faz, as pessoas que conhece e o que elas fazem. E, principalmente, propor quem você pode ter contato e o que elas podem te acrescentar de alguma forma. Ele é assim, conecta pessoas e, além de tudo, conecta assuntos. Para ele, as pessoas tem que conhecer e reconhecer um trabalho feito pelo outro. E em uma conversa com ele, dificilmente você conseguirá falar por muito tempo, entretanto, se prepare para ouvir.

Ele trabalha com pinturas e restaurações, tanto nas residências pelo Rio de Janeiro quanto em seu ateliê. Tive o prazer de conhecer seu canto artístico e fiquei maravilhada. Ele, com todo o carinho por seus objetos, criações e materiais,

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CORES QUE CONECTAM

fez questão de me mostrar tudo. E da mesma forma, foi o que ele fez comigo no caminho até sua casa para conversarmos sobre sua porta. Depois de nos encontrarmos em um ponto mais acessível, começamos a andar e ele me falou tudo sobre seu projeto que tem na rua 14 por onde estávamos passando. Ou seja, me contou sobre os artistas, as pinturas, o que já foi feito e o que está por vir.

Arte D’Cor é um projeto de grafite

criado por Laelson em que ele convida pessoas do mundo todo para particpar como voluntário.

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O propósito é trazer cor à rua que carrega uma energia pesada por conta de confrontos entre traficantes e polícia dentro do Vidigal. Entretanto, tem o objetivo de expandir o projeto levando mais cor ao restante da favela.

O projeto faz efeito, pois naquele momento caminhando por aqueles desenhos,

a última coisa que eu senti foi medo ou algo parecido. Certamente, você anda apreciando cada ilustração e passeia por um espaço de exposição ao ar livre.

Laelson acredita que é preciso mostrar e externalizar as belezas de dentro e faz isso através do projeto. Ele consegue deixar visível o que tem de bonito no Vidigal através do grafite.

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“Se deixar dentro de mim, dentro das casas, ninguém vai ver. Tem que externalizar para saber que existe.”

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E enquanto isso, o projeto também dá oportunidades às pessoas que não são grafiteiros, que nunca pintaram uma parede antes ou que nunca tiveram contato com a arte de rua.

Ele dá o exemplo de um grupo de mulheres que estão pintando muros pelo mundo e estão transformando lugares. Metade delas nunca tinha tocado em um instrumento de pintura antes do projeto.

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UMA PORTA, UMA CONQUISTA

Ele que, no dia-a-dia, entra e sai de diferentes portas por conta do seu trabalho, fala sobre o Vidigal como um condomínio gigante.

“Você entra na favela passando por um portão, o “Portão do Vidigal”.

E como resultado, define porta como algo relacionado à conquista pessoal e profissional, pois muitas portas de diferentes tamanhos são abertas para ele. E aqui no Vidigal, após passar pelo “portão principal”, ele encontrou sua casa.

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“A porta para mim é tudo, foi onde comecei a minha vida. Sempre desejei ter uma porta e uma chave. E tenho orgulho de eu mesmo ter colocado a porta da minha casa e poder abrí-la para qualquer pessoa.

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Ele tem um carinho tão grande por portas que ele me conta que é a parte da casa onde ele mais capricha na pintura. Principalmente a da entrada. Ele acredita, acima de tudo, que a cada lugar que você vai, é uma porta e uma oportunidade diferente de ganhar a vida e trazer o sustento para casa.

Ele só trabalha através de indicações, pintando e reformando portas, e se não consegue sozinho, pede ajuda ao carpinteiro ou marceneiro indicado ou conhecido.

E é bom saber que muitas se sentem a vontade.”

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“Cada porta que se abre para mim através de uma indicação é uma conquista para mim.”

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ENTRAR É UMA CONQUISTA

Ele mesmo comprou e colocou as duas portas de entrada da sua própria casa. E me conta que foi uma conquista e luta para conseguir elas, principalmente a primeira que dá acesso à rua. Ele lembra e me conta uma história de quando ela foi alvejada

de tiros por conta de uma guerra dentro da favela há um tempo. “Na época, um garoto se escondeu atrás dessa porta enquanto atirava em um outro que estava escondido a poucos metros dali.”. E durante todo esse confronto, Laelson estava com a família dentro de casa ouvindo tudo. Entretando, apesar de todo o desespero

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e angústia pós conflito, eles não sairam de casa. Diferente de alguns dos vizinhos que se mudaram.

Por conta deste conflito e também por outros que sabia que ocorria, decidiu criar o projeto de grafite, para reconstruir tudo e deixar para trás a guerra. Ou seja, ele resolveu enfrentar e tentar lidar com

o problema de uma forma diferente.

Para Laelson, a porta que dá acesso à rua, é a mais importante. Primeiro, por ser colocada antes do que qualquer uma em sua casa. E segundo, quando ele esquece de trancar a outra porta, que dá acesso ao interior, ela dá maior segurança.

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“Já aconteceu de eu esquecer a de dentro aberta e essa aqui de fora me salvou.”

Ele também me conta que gosta de deixar a de dentro às vezes aberta e a de fora sempre fechada para as pessoas baterem. “Para entrar na minha casa é preciso bater ou chamar por algum nome. Eu não tenho campainha porque não gosto. Gosto de ouvir a voz da pessoa.”.

E ele adora trazer gente para dentro de

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sua casa, para mostrar resultados e também levar até sua varanda para mostrar a vista que é realmente muito bonita. Sendo que, a maioria das pessoas que ele leva são conhecidas e ele sente prazer de fazê-las se sentirem à vontade e confortáveis.

“É uma realização ver as pessoas presenciarem o resultado do meu esforço.”

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Laelson é assim, leva e traz reconhecimento. Através da pintura, ele conseguiu conquistar muitas portas e ser indicado a outras. E hoje, a carrega consigo para um propósito maior, indo atrás e conseguindo doações de tintas para dar visibilidade ao lado belo das situações.

Ao mesmo tempo em que conseguiu transformar uma rua em um espaço de arte urbano, tenho certeza que conseguiu e está conseguindo mudar a vida de todos que contribuiram, assim como também a dos moradores. Ele abriu a porta para cada uma dessas pessoas que com certeza deixaram e levaram consigo um pouco da tinta que está fazendo esta história.

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“Ela marca uma vida com muitas lembranças e hoje é a passagem e o lugar de histórias que chegam, permanecem e que se vão. Mas sempre voltam.”

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Onde as histórias sempre voltam

Maria

“Canto de sonho”, é assim que decidi me referir a esta pausa aconchegante e quentinha, com uma conversa que abraça.

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Não é difícil de se chegar à sua casa. Ela fica em uma das travessas de uma rua bem famosa dentro do Vidigal e todos por ali a conhecem. Mas não teria descoberto ela se não fosse por conta de um amigo quando estávamos passando. Ele me apresentou a Maria, e eu, depois de um aperto de mão e algumas palavras, sorri querendo voltar.

Já fui até lá mais de uma vez e sei que dificilmente pegarei sua casa vazia. Entre risadas e brincadeiras de criança, sua porta está aberta às energias mais genuínas e espontâneas. Nem todos os momentos são assim, como Maria depois me conta, mas o que mais atrai na sua casa são os livros e todo o mundo de fantasia e imaginação que ali vive, dentro e fora dela.

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Um lugar de roda, de memória, de brincadeiras e de colo. Atrás da porta é possível encontrar muitas outras, além de poder parar e ficar, levar consigo e voltar.

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ABRIR À IMAGINAÇÃO

Ao abrir os portões do Vidigal e se permitir entrar um pouco mais, poderá encontrar a porta de Maria. Ela está sempre aberta, a não ser quando começa a anoitecer e já é hora de cada criança voltar para sua casa. E o portão, que serve de passagem não só da sua casa, mas de outras duas, também

se fecha. Ela entra para descansar com todos os livros organizados em prateleiras prontos para receber a luz do dia novamente.

A sua sala é uma biblioteca improvisada. Os livros se misturam com os objetos comuns de uma casa. A aparência é de conforto e ao me sentar com ela para conversarmos, não consegui sentir outra coisa a não ser o presente me levando às minhas lembranças.

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Ali, consegui me sentir segura.

As prateleiras foram construídas por um amigo e familiar de Maria que perguntou se podia colocar os livros infantis que foram doados e deixados com ele. A instalação foi feita em 2018 e sempre funcionou muito bem. As crianças passam, pegam para ler e depois devolvem. E Maria, por estar

sempre em casa, pode tomar conta. Hoje, ela não sai tanto mais, até para fazer compra acaba pedindo para sua filha, assim como ir ao banco e resolver problemas mais burocráticos. O único lugar que ela vai andando é para a igreja.

E enquanto ela me conta tudo isso, junto a nós, também sentada na sala, tinha uma senhora,

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amiga de Maria, que nos ouvia ao mesmo tempo em que prestava atenção na televisão que ficou ligada durante a conversa. O silêncio não existia. Enquanto conversávamos, estava presente sons de fora das crianças, da televisão e também da senhora que de vez em quando comentava sobre outros assuntos.

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É PRECISO TER FORÇA

Maria mora no Vidigal há 50 anos. Nasceu em Pernambuco, passou um tempo na Paraíba e depois veio para o Rio de Janeiro. A maioria era tudo mato quando veio para o Vidigal. Sua casa era um barraco e aos poucos foi comprando e construindo outros pela redondeza. Mas como não entendia muito de obra, demorou muito, ainda mais por estar sozinha.

Quando sua família começou a chegar, foram se acomodando e ajudando. Hoje em dia, a família toda mora perto. Ela também me conta que sempre cuidou de criança, filhos de conhecidos, amigos e familiares. Hoje, todos ali a conhecem e elas, agora adultas, sempre passam, a cumprimentam e agradecem.

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Atualmente, cuida de quatro crianças, mas acaba olhando todas que aparecem para se divertir na porta da sua casa. Não consegue se responsabilizar mais por conta das dores no joelho, o que também torna tudo um pouco mais desafiador na sua rotina, como por exemplo ter que ir a pé bem devagarzinho ao ponto de ônibus sentido Rocinha, porque no posto de saúde do Vidigal está em falta o remédio necessário para a sua pressão alta. Com isso, ela me conta um pouco sobre a realidade, o que me deixou bem triste.

A porta da sua casa permanece a mesma desde a construção dela. É de madeira crua, nunca foi pintada e nem restaurada. Somente trocou a fechadura. Maria me conta que a porta é muito forte, nunca juntou bichinho, mesmo com muita chuva e sol.

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E quando eu pergunto o que é “porta” para ela, sua resposta vem rápido: “madeira”. Fico pensando se não é seu significado de força. Talvez seja.

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Mas ela também complementa dizendo que é algo que se abre e se fecha. Durante o dia a porta fica aberta mas quando tem tiroteio, ela fecha. “De vez em quando dá tiro por aí, ne? E quando soltam fogos, eu fecho a porta, a janela e vou para o meu quarto.”

Ela conta sobre o dia 8 de setembro do ano passado, seu aniversário, em que levou um grande susto. Ela foi pega de surpresa quando foi fechar o portão e escutou um tiro. Ficou parada de pé sem saber se saia ou se entrava para dentro de casa. Nesse momento, entrou um policial correndo, atravessando o portão e sua amiga, que estava dentro da sua casa, a puxou e a levou para seu quarto. Ela conta que os policiais fazem isso pois pensam que as pessoas que estão buscando estão dentro das casas.

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Por fim, depois que as coisas se acalmaram, o policial foi falar com ela e até deu parabéns. Ela tinha contado que era seu aniversário e falou que estava comemorando com tiros. Nesse dia, a parede da sua casa foi atingida por 3 ou 4 tiros e só não atravessou porque ela é muito grossa.

“Por sorte, foi a última vez que aconteceu algo parecido aqui perto da minha casa, as seguintes foram somente mais para baixo dessa rua.”

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Sua porta representando força, tanto física, quanto emocional. Ela é sinal de cuidado e de uma construção feita há muitos anos com muito carinho e afeto. Maria, com todo

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seu humor leve, me fala que tem vontade de mudar de porta para colocar uma melhor, mas é sozinha e o dinheiro que ganha não é muito, o que dificulta um pouco. Apesar disso, não se incomoda com ela, e não vê problema em continuar por mais um tempo.

“Ela marca uma vida com muitas lembranças e hoje é a passagem e o lugar de histórias que chegam, permanecem e que se vão. Mas sempre voltam.”

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“A porta é um lugar de encontro de surpresas, a minha por receber e a do outro por perceber estar enganado.”

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Entre, há muito gingado e capoeira

Messias

Está aí alguém que se assemelha muito com a sua porta. E acima de tudo, com resistência, luta e um bocado de gingado capaz de aguentar

pressões e salvar vidas. Messias traz essas vertentes dentro de si juntamente com todo o seu crescimento dentro da capoeira.

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Ele me conta que a capoeira sempre esteve presente em sua vida. E em consequência, há um tempo conseguiu disseminar um projeto social dentro da favela do Vidigal chamado Capoeira Vidigal. É uma organização sem fins lucrativos que ensina às crianças e adolescentes a importância da disciplina e do trabalho em equipe. Tudo isso, través da capoeira, música e outros aspectos da cultura afro-brasileira.

Messias também carrega consigo uma tranquilidade e calma vigente, o que se assemelha com um integrante da sua família – o que também me causou surpresa. Ele possui uma tartaruga de estimação e fala que é o melhor animal para se ter em casa, pois não dá trabalho nenhum e é muito tranquila. Entretanto, é um fato novo para mim. Messias me conta que na favela do Vidigal é muito comum a criação

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O REENCONTRO COM O DIA 6

Quando saí de casa, virei à esquerda e sigui em direção à casa de Messias, cheguei no número, olhei para a porta e não acreditei no que eu vi. Era aquela

delas. E por serem resistentes, no dia seguinte da chuva do dia 6 de fevereiro deste ano, foram encontradas muitas espalhadas entre objetos e lama.

em que semanas antes vi um aglomerado de pessoas tirando baldes e baldes de lama de dentro.

Ao entrar por aquela primeira porta, logo me lembrei de quando andei pela rua na manhã seguinte da chuva. Ela estava

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cheia de lama, moradores limpando, retirando o que ainda tinha restado de suas casas. Todos ali se ajudando, compartilhando suas forças

De sua porta, presenciei pessoas retirando móveis destruídos, lama e água. Eu olhava e ficava imaginando o que tinha acontecido ali embaixo pois era uma porta que dava para muitas casas. Entretanto, não sabia quantas. Houve deslizamento de lama e

levou tudo para baixo. Também não tinha noção o quão baixo. Não conseguia imaginar o estrago que tinha feito e as vidas que tinham sido marcadas. Eu só me perguntava como era que tinha sido no momento da chuva e também a sensação dos moradores ali presentes. Era tudo muito impressionante.

Toquei o interfone e com nenhum sinal de

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presença, desci as escadas e procurei sua casa. Tive que perguntar pois não tinha referência numérica.

Ao encontrar Messias, nossa conversa se deu sentados nos degraus da escada na frente de sua casa. Essa mesma que vai desde a calçada até a última das 8 casas.

Durante a conversa, tivemos interrupções. Não parava de subir e descer moradores que

levavam objetos para a rua pois estavam de mudança. Tinha o cachorro pequeno que chorava por querer subir as escadas e encontrar sua dona. Havia também um cara dentro da casa de Messias que estava consertando a internet e às vezes o chamava para ajudar. E diante desse cenário, estava ansiosa para saber mais sobre seu relato do dia 6.

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A PORTA CHEGOU NA HORA CERTA

Messias me contou pouco mais sobre esse dia. Ele estava na sua casa quando tudo aconteceu. Mestre de capoeira, morador do Vidigal há 22 anos e natural do Rio de Janeiro, vive nesta casa há 10. Aos 7 anos se mudou para o Maranhão e ao retornar para o Rio com 16 anos com o pai, seu mestre de capoeira, começaram a trabalhar juntos com o tema. Quando chegaram, moraram em um outro barraco mas não demorou muito para se mudarem para este atual.

Faz uns 2 ou 3 anos que trocaram de porta por esta de alumínio. Por conta da maresia, a outra de ferro já estava enferrujada e com muitos buracos. Portanto, acertaram na escolha e certamente representa força e resistência pois salvou a família de Messias e toda a sua casa.

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Messias me conta que era muita água com lama escorrendo pelas escadas e a correnteza era muito forte. A água chegou até a altura de cima da porta e foi ela que segurou toda a pressão. Mas mesmo entrando água por baixo e pelas laterais, a água chegou a subir até a altura das canelas dentro da casa e não teve grande prejuízo material.

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“Foi desesperador ver de dentro de casa a água querendo entrar. Não podia fazer muita coisa a não ser torcer para que a porta resistisse.”

Eles não sabiam como estava a situação do lado de fora com as outras pessoas e as outras moradias. Portanto, para

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eles aquele era o pior cenário. Para dificultar, o vizinho de cima tinha colocado uma porta a mais para proteger sua casa da chuva. E por conta disso, ajudou a levar mais pressão ainda para baixo.

Ao sair, perceberam que não tinham visto ainda o pior estrago. As duas últimas casa, lá embaixo, foram as que sofreram maiores prejuízos. Com surgimento de crateras, vidros quebrados e quase possíveis afogamentos. A água cobriu quase as casas por inteiro. Estes moradores ainda não retornaram às suas casas e estão limpando tudo pouco a pouco. Messias e sua família demoraram entre 2 e 3 dias para ajeitarem tudo e na época acabaram ficando um tempo sem água. Os encanamentos por estarem entupidos de lama, a água não era mais potável. Como resultado, demorou um tempo para as coisas voltarem ao normal.

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O Capoeira Vidigal tem um grupo incrível e leva uma energia que vibra a cada batida do berimbau. E hoje, Messias que abre as portas para quem quer participar da roda, me conta que só deixa entrar na sua casa quem está disposto a somar. Ele atualmente não deixa mais qualquer pessoa

UMA CAPOEIRA QUE SEPARA E LIBERTA

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entrar como fazia antes, quando se preocupava somente em deixá-la sempre cheia. Agora, acima de tudo, o importante é a energia que entra em sua casa. Está mais cauteloso em relação a isso, assim como a conexão entre as palmas em uma roda de capoeira e o entrar na sintonia dos movimentos.

A porta que dá para a rua, a entrada da vila, fica sempre fechada, apesar

de eu a encontrar aberta. Por outro lado, a de sua casa nunca fica totalmente fechada pois possui uma janela que fica aberta durante o dia. A não ser à noite quando vão dormir, por motivo de segurança.

E diante dessas duas portas que estão presentes no seu dia-a-dia, eu o questiono sobre o seu significado. Ele, que nunca tinha parado para pensar sobre esse assunto dessa

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maneira, me fala que refletir sobre ela é uma coisa meio louca. Para ele, a porta te dá liberdade, e ao mesmo tempo, te dá prisão. Pode te dar e tirar a privacidade.

“A porta é como um botão em que é possível você se desligar do mundo ou voltar à ele. Ao mesmo tempo que ela separa, ela te liberta.”

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Falamos também sobre a possibilidade de não ter a porta, já que ela teve papel principal no dia da tragédia. Ele me conta que já esteve em alguns lugares no Maranhão por conta da capoeira em que não tinha porta. Os locais moravam em uma comunidade e era possível encontrar a privacidade de cada um. Acima de tudo, era preciso pedir permissão para entrar e tinha muita confiança entre

eles. Com isso, ele reflete se não podia ser por questão financeira, mas logo lembra que também já esteve em lugares mais pobres e, mesmo com pouco recurso, faziam questão de colocar algo que tampasse a entrada da casa. Hoje, onde vive, não pensa em tirar a porta. Diante da cultura da comunidade e também por razões climáticas, é impensável não colocar uma porta.

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Ao olhar para a sua porta, vem o sorriso, a risada e também um olhar carinhoso. Voltando ao tema da liberdade, ele aborda ela agora através de uma perspectiva diferente. Ele dá o exemplo de quando tem muita vontade de ir ao banheiro e imagina abrindo a sua porta.

DEIXE-SE LEVAR E SURPREENDA-SE

“Quanto mais próximo,

mais ansioso, e ao

chegar é como se fosse

um ato libertador.”.

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E o carinho está ligado a felicidade de aguardar alguém que não vê a muito tempo ou que espera por alguém que nunca entrou em sua casa. Ele fala que é engraçado ver a reação das pessoas quando chegam porque muitas

Ou também quando está muito atrasado para dar treinamento de capoeira, por exemplo, e é preciso passar por ela o mais rápido possível.

“Saio correndo e vou em direção à outra porta que pode estar aberta ou não.”

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pensam que a casa inteira é de uma altura pequena, a mesma da entrada, com o teto baixo e o caminho estreito. Mas quando entram, se deparam com uma estrutura totalmente diferente.

“A porta é um lugar de encontro de surpresas, a minha por receber e a do outro por perceber estar enganado.”

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Entre as escolhas certas e o uso correto dos movimentos, traçando seu próprio caminho e ajudando a dar direções à outros, o ritmo afro-brasileiro o ajudou a evoluir e a criar para si limites, passagens e encontros surpreendentes. Aprendeu a jogar com o corpo em uma roda que se é possível a troca de energias.

Entrar solto, com os pés firmes e atentos, com a calma e tranquilidade de quem está ali para sintonizar, é possível deixar-se levar pelas palmas e sons de quem está ali para somar. E sua porta, não diferente, resiste e existe para quem estiver disposto a entrar.

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“As portas são pessoas e envolvem vidas”.

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É hora do almoço, é hora de ir embora

Nelio

Um ponto de luz dentro do Vidigal. Leva seu brilho por alguns muros da favela com sua arte e também deixa registrado suas cores na pele de outras pessoas. Este é Nelio, tatuador, grafiteiro e músico. Mora há mais ou menos 10 anos na mesma casa no Vidigal. Sendo seu estúdio o mesmo lugar que vive.

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Seu caminho pelas artes começou nos anos 90, quando trabalhava de officeboy para cinco advogados. Ele conta que nas horas de almoço ele sempre estava na rua para fumar um cigarro e observava as pessoas que entravam e saiam de um estúdio de tatuagem ali perto. Com o tempo, seu interesse aumentou e pensava consigo mesmo que um dia entraria ali. Ele relata que quando aconteceu, em um dos seus almoços, ficou maravilhado em como as pessoas estavam vestidas para trabalhar.

“Todo mundo estava de camiseta, e bermuda. Ouviam música, tinham liberdade para ir e vir. Sabia que aquele era o meu mundo.”

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Ele já sabia desenhar um pouco e, em um certo dia, o dono o chamou para nas horas vagas ficar ali dentro desenhando com os outros artistas. Então, todos os dias, na hora do almoço, ele entrava e ficava sentado rabiscando. “Com o tempo, eu parei de trabalhar com os advogados e comecei a ajudar o tatuador. Antes, minha vida era correr para almoçar e passava pelas ruas com fome e com pressa enquanto via os hippies na rua, sentados na calçada, em cima dos seus panos, sorrindo e brincando. Sentia um pouco de inveja. Depois, a minha visão era outra, eu via os advogados entrando e saindo do trabalho com gravata e terno. Agradecia por ter trocado de lugar. Eu comecei a sorrir e ter mais liberdade.”

Entretanto, sua vida não só seguiu como tatuador. Durante o percurso, teve contribuições sociais. Nelio passou um tempo em Recife como percussionista de Maracatu e só depois veio morar no Vidigal. Trouxe a música com ele e participou de projetos na Cidade de Deus. Um deles, chamado

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Juventudes de Vinícius, que expandiu e está pelo mundo afora. Hoje, ainda ligado às atividades do projeto, está na espera de mais recursos investidos no Rio de Janeiro para dar andamento na cidade.

A PORTA COMO LEMBRANÇA DE UMA PASSAGEM

Nelio conhece muita gente pelo Vidigal e fala que a conexão ali dentro é muito forte. Ele fala que existem linhas entre as pessoas e dentro da favela é possível conversar com todas elas independente de

quem sejam e o que elas vão te agregar. Em sua casa, por exemplo, aparece gente de todos os tipos e ao chegar, por ter duas portas, dão de cara com a primeira sempre fechada e gritam seu nome ou batem para chamá-lo. “Me chamam de Nelio ou guerreiro.” A segunda porta mantém sempre aberta por ter uma varanda de

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frente para o mar e também para ventilar dentro de casa.

A porta para ele é lembrança e valor, além de ser algo que fecha e abre. Uma de suas lembranças mais fortes é sobre o tempo que trabalhava como pedreiro, por ter sido uma época muito escaldosa. “Na verdade meu pai era pedreiro

e na hora do almoço eu levava a comida para ele e aproveitava para ajudá-lo e depois voltava para a escola. Mas durante este curto espaço de tempo, eu mudava de roupa e ficava colocando areia, cimento, pedra e tijolo.” Mas ele relata que a parte do serviço que mais dava trabalho e cansava era colocar a porta.

“Era prego, cimento..era muito difícil e trabalhoso. Eu via meu pai montar e hoje eu dou muito valor.”

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Entretanto, algo a mais marcou sua vida em relação à sua porta de entrada. Ele lembra da sua mãe passando por ela e praticamente sua última passagem foi por esta porta. Nelio conta que sua mãe, que já estava com um problema no coração, viajou para o Rio de Janeiro e ficou morando com ele por seis meses.

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Ela ficou muito tempo em casa e passeando. Cuidou e brincou com os netos durante sua estada. Ela estava com muitas preocupações, mas conseguiu se distrair e aproveitar cada dia ali com eles. “Essa viagem fez muito bem para ela. Conseguiu renovar a cabeça e o espírito.

Durante a viagem, quando foi aproximando ao dias das mães, ela tinha como certo passar esta data junto com seus outros filhos na cidade em que vivia. Então, comprou a passagem de volta e um dia antes do dia das mães, ela voltou. Ao chegar, teve uma recepção calorosa e almoçaram todos da família juntos. Porém, à noite, quando foi dormir, passou mal. E mesmo sendo socorrida, não resistiu. Ninguém entendeu e até hoje Nelio ainda luta para entender. “Ela esteve seis meses aqui comigo super bem. Voltou e aconteceu tudo tão de repente. Não dá para entender o porquê e também acredito que não é motivo para ficar pensando muito. A natureza da gente não vai mudar.”

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Nelio acredita que todas as portas trazem histórias. Ele já viajou para muitos lugares, entre eles alguns países da américa latina, como Chile e Uruguai, como conhece também muitos estados do Brasil. Já entrou e saiu de muitas portas e ele leva consigo lembranças de todas.

O QUE DIVIDE AS EXPERIÊNCIAS

Ademais, alguns desses relatos estão presentes em diários que ele escrevia há muito tempo sobre suas experiências e vivências. Hoje, sua irmã transformou em um livro que, infelizmente, não tive acesso. Contudo, ele me conta que ficou feliz com o resultado e como deu andamento às suas memórias.

“As portas são pessoas e envolvem vidas”.

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E entre almoços e tintas, construiu de maneira firme, com materiais conquistados ao longo do caminho, um lugar de passagem e de estada mesmo sabendo que nada é para sempre. Nelio cuida de suas portas e as enxerga com um olhar carinhoso e de cuidado, consciente da importância de um objeto que passa muitas vezes despercebido. Para ele, a porta foi e é lugar de trasnformação, observação e despedida.

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“Se entrou, tem que sair pela porta, não podemos passar pela janela, né?”

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Há muito mais do que se pode ver

Nilda

Se acertar a entrada saindo da rua principal, não tem erro. É só ir reto. Aproximando, já com pouco fôlego por ser um caminho de subida, ao avistar a porta da casa de Nilda é possível sentir um alívio. Mas, ao mesmo tempo, também um leve desespero. Têm ainda uns bons degraus de escadas altas para chegar. Parece cansativo, mas sei que nada como o tempo para se acostumar.

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Para ir até sua casa, nos encontramos na minha e de lá seguimos. Ela fez todo o percurso sem ficar ofegante. Portanto, acredito que as pernas também acostumam. Me deixou para trás em alguns pontos e com uma certa distância eu olhava querendo dizer “como você está conseguindo ir tão rápido?”

A primeira porta que ela abriu foi a que divide o externo de mais duas casas. Não é atoa que chamam o Vidigal de “Vila do Vidigal”. Com o tempo eu fui tendo esta impressão e de fato é o que os moradores também consideram. São mini vilas e, pelo o que eu já ouvi, não poderia ser diferente. Ou seja, muitas vezes é difícil viver confiando somente na porta da sua casa abrindo diretamente para a rua. Muitos não se sentem confortáveis tendo somente uma porta como limite. Como resultado, muitas das casas possuem em média 2 portas, uma que dá para a rua e a da própria casa.

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UMA PORTA PARA SE GERAR AINDA MUITOS FRUTOS

Sentamos para conversar entre as duas portas, já que elas ficam muito próximas uma da outra. A porta para a rua estava fechada enquanto a da sua casa, aberta. Com toda a sua graça e sua certa timidez, quando toquei no assunto sobre a porta, ela não pôde segurar e brincou com o meu sotaque paulista em que puxa o “R” de uma forma bem diferente de carioca.

Nilda, mora no Vidigal há 21 anos e nesta casa há 15. Divide a casa com seu marido, um cachorro, um gato e um passarinho. Mulher de muita força e que sempre estará disposta a estender sua mão quando preciso.

E ela, que sempre esteve ao lado do marido, hoje se junta à ele como parceira no projeto Vidigal Beer. É um empreendedorismo de cervejaria artesanal autentica, combinando técnicas tradicionais de fabricação com o jeito criativo e o sabor único da favela.

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UM CANTINHO BEM FREQUENTADONos acomodamos no chão rodeadas de ótimas

companhias. Seu cachorro, Joaquim, ficou sentado com a gente todo o momento. Seu passarinho, que fica na gaiola na parede próxima onde estávamos,

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também marcou presença. Depois o cachorro da vizinha apareceu junto com a sua gata que ia e vinha. E tivemos uma visita rápida de um menino que aparentava viver na casa de cima. Depois que chegou e perguntou à Nilda se ela gostava de sorvete de creme, pegou seu cachorro no colo e subiu as escadas. De longe, gritou: “tem que fechar a porta!”. Eu deduzi que era para o cachorro não descer mais.

Hoje, a porta da sua casa é diferente daquela que estava quando compraram o imóvel. “Era uma bem ruim e por isso compramos essa.” Ela diz que tem hoje a oportunidade de trocar ainda por uma melhor através de um amigo. Está há um tempo para buscá-la mas alega ter preguiça. “Quem sabe um dia.”

A porta atual é pintada de marrom mas quando compraram era apenas a madeira crua. Nilda fala que se fosse ela, mudaria também sua disposição e colocaria ela um pouco mais para a direita pois pensa que a passagem ficaria melhor e o layout dentro de casa também estaria mais harmonioso.

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TODA PORTA TEM UM LIMITE

“A porta para mim representa segurança. Quando a gente está em casa, a gente fecha, e quando saímos, também fechamos. Sei que não é uma coisa totalmente segura, mas acredito ser uma forma de proteção.”

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Ela diz que não deixa aberta por medo de roubarem. “Se deixar a porta aberta o ladrão entra.” E tirando isso, define a porta como algo que abre e fecha. Ela gosta também gosta de deixar aberta para sair o vento ruim que pode ter entrado.

“Se entrou, tem que sair pela porta, não podemos passar pela janela, né?”

Hoje, Nilda só possui a porta de entrada mas antigamente possuía a de saída também. Ou seja, o que chamamos de porta da frente e porta de trás.

E mesmo com essa preocupação em deixá-la fechada por segurança, quando está em casa durante o dia, procura abri-la. E só o faz porque a outra fica trancada.

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ÀS VEZES É PRECISO FECHAR A PORTA

Apesar de Nilda ser uma pessoa muito acolhedora, não é para qualquer um que ela abre a porta. Quando alguém chega, primeiro se pronuncia chamando por ela ou pelo marido, na porta de fora.

“O coração é grande, se for conhecido, deixo entrar, mas quem não for, já fica mais difícil.”.

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Nilda me conta que sempre foi uma pessoa muito aberta, não que hoje não seja, mas já foi bem mais. Em outras palavras, ela diz que já abriu muito a porta para as pessoas e acabou se decepcionando.

“Abri demais a minha porta para algumas pessoas. Ajudei com tudo o que precisavam e depois que conseguiram ficar em uma situação melhor, não me procuraram mais.”

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DE PORTA E PÉS FIRMES

Nilda me conta que o momento mais significativo para ela e o que mais marcou em relação à sua porta foi quando ela e seu marido compraram a casa. Eles vivem juntos nela há 7 anos. Ela diz ter sido muito emocionante quando entrou pela primeira vez e pensou “é minha!”. Entrou com o pé direito e sentiu muita felicidade.

Nilda é uma pessoa que está sempre pronta para o que for. “Quando chega, estendo a mão, o pé, o pescoço e pode ficar.” Ela dá o exemplo de uma vez em que foi viajar e deixou uma pessoa, que estava em necessidade, dormindo em sua casa. Quando voltou só tinha despesas e mal recebeu um obrigada. Por isso que hoje tem um pouco mais de cautela. “Já rolou muita revolta em algumas situações. Pessoas aqui do Vidigal que já moraram um tempo aqui em casa, como 1 ou 2 anos. Entretanto, nunca me chamaram para conhecer a casa delas depois.”

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“É você comprar e saber que é seu, sabe?”

Com todo esse cuidado e carinho por suas conquistas e sucessos, continua de alguma forma abrindo a sua porta. Assim como fez para mim muitas vezes, sempre com um sorriso, simpatia e alguma coisa gostosa para me oferecer. Seu lado positivo e energizante deixa o conforto de uma casa que abraça.

Hoje, com novos desafios, o vento que entrar por sua porta com certeza será bom e ela fará com que entre com o pé direito. E se não for, tenho certeza que sua desenvoltura o fará dar meia volta, pois sei que ela não é de meias palavras.

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“Trabalhei sempre muito bem com o corpo, então vou atrás de outras coisas para fazer melhor o que eu posso fazer para uma pessoa.”

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A arte de atuar na vida

Ninho

Ir para a casa de Ninho não tem erro, há placas que te levam até ela. E caso se perca, o que aconteceu comigo, não se preocupe, é só perguntar à qualquer morador e vão saber te direcionar. No caminho, entrei em uma viela bem estreita sem saída e ao me aproximar do endereço, olhava ao redor e não sabia qual era a porta certa. Não tinha indicação nenhuma por ali pois as placas tinham acabado. Tive a ideia de gritar seu nome ao invés de mandar uma mensagem de texto, mas antes olhei para cima e foi quando o encontrei. Ele me deu as direções, indicou a porta e o que fazer para abri-la. Subi algumas, muitas escadas.

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Ninho, que não gosta de usar relógio porque se o usa, as horas não passam, após receber minha mensagem falando que estava a caminho, fez algumas coisas pela casa e depois de um tempo teve a sensibilidade de ir à janela. Ele fala que quando está à espera de alguém, sempre acaba indo até a janela dar uma olhada porque sabe da dificuldade de, às vezes, abrir a porta de baixo. E não gosta que grite seu nome (sorte que não gritei).

UM LUGAR QUASE PÚBLICO

Willian de Paula, ou como todos no Vidigal o conhecem, Ninho, é considerado carioca da gema. Nasceu e foi criado no Vidigal e é onde mora até hoje. O apelido se deu por conta de quando era criança e seu irmão menor não conseguia pronunciar a palavra “irmãozinho” e sim ninho.

As suas portas não só abrem para sua casa mas também para a sua laje. É como um lugar público utilizado para seus eventos socio-culturais-políticos, ou mesmo para encontros entre amigos e familiares. Por conta disso, o local é mais

“Eu não gosto porque se você gritar ‘Ninho’, vai aparecer minha mãe, meu pai, a brigada de incêncio. Uma vez que alguém me chama, isso aqui vira um estabelecimento público.”

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ENTRAR EM CENA

Ninho tem o teatro e a capoeira como grandes repercursores em sua vida. Entrou no teatro sem saber ler e foi através das obras a serem estudadas durante o curso que aprendeu. Além disso, ele fala que adquiriu mais sensibilidade por conta da arte.

Ele fez teatro sua vida toda e como na época dos estudos era obrigado a fazer atividades complementares, escolheu a capoeira. Foi quando tudo começou a mudar. Se formou em artes cênicas no Teatro Nós do Morro localizado no Vidigal e se tornou multiplicador de capoeira no mesmo grupo

conhecido no Vidigal como a Laje do Ninho. Eu já tive a oportunidade de estar presente em um dos seus Saraus e confesso que é realmente instigante e despertador. É um espaço para exposições artísticas, lugar de voz e oportunidades de encontros entre as mais variadas performances.

em que tinha começado as atividades. E foi assim que a capoeira artística, diferente da capoeira competitiva, o levou para lugares inimagináveis.

Apesar de suas raízes serem cariocas, ele conta que já viajou muito por conta do trabalho com a capoeira e o teatro. Já rodou o Brasil e viajou para Londres contando a história e o mito da capoeira através das artes cênicas.

Ninho conta isso com muito orgulho, pois sabe da realidade da favela e da dificuldade de um jóvem crescer e se expandir para o mundo. Ele fala que o duro da cultura da favela é que você começa a ter filhos

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muito rápido e é formado para servir. Por isso, ele sempre desejou que fosse diferente com ele. Desde pequeno se programou para que, ainda com os pais em vida, completasse o segundo grau, conseguisse o primeiro emprego, entrasse para o exército, se formasse em uma graduação e comprasse a sua própria casa. E atingiu tudo isso com êxito.

No início de sua carreira como ator e capoeirista, teve que aprender fazendo. Apesar de ser apaixonado pela profissão, sempre acreditou na necessidade de ter também um espírito empreendedor. Ele diz que tinha o conhecimento de não ter o perfil de galã e era consciente das dificuldades no caminho. Por isso começou a gravar seus próprios vídeos para o Youtube. Mas apesar de viver incerto, acreditou sempre que seu trabalho estaria ligado ao próximo.

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EDUCAÇÃO FÍSICA E A ARTE

Mesmo tendo feito cursos de teatro e capoeira, ele queria algo mais palpável e que pudesse dar uma segurança em relação à sua estabilidade financeira. Foi então que decidiu fazer uma graduação em educação física para complementar o que já estava construindo. “Não dava para fazer administração porque queria ainda mexer com o corpo. Em consequência, depois de refletir sobre, decidi a educação física. Tinha para mim que não iria enriquecer, mas também não vou passar fome.”

Ninho entrou na graduação focando na área de humanas. Ele era aquele que gostava das matérias que os outros alunos deixavam de lado, como por exemplo, a matéria de cidadania.

Ao se formar, trabalhou em projetos paralelos com escolas. Entretanto, para aumentar suas oportunidades no mercado, cursou mais um bacharelado para trabalhar como personal.

“Trabalhei sempre muito bem com

o corpo, então vou atrás de outras

coisas para fazer melhor o que eu

posso fazer para uma pessoa.”

Com o tempo, ele conseguiu unir o que mais gosta, e fala que a educação física também está relacionado com a arte. Para ele, o corpo também é artístico e ele fala por si só. Em suma, quando se volta à educação, o corpo transmite algo arcaico, de um povo, de uma ancestralidade.

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“Corpo é pele, não somente atlético, mas é cultura corporal do movimento. Por exemplo, o corpo da favela tem esse gingado, você fala andando. Tenho fascínio pelo corpo e a capoeira é uma ginga a vida toda. Corpo pra mim já é uma ginga, é o que o corpo fala.”

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Eu posso me comunicar em qualquer parte do mundo com ele. Tenho 39 anos e dou importânica ao corpo artístico. Eu vejo a educação física do lado da licenciatura com o propósito de se chegar em uma consciência, em um construtivismo. E é possível chegar a isso com o corpo político e revolucionário.”

Foi com o dinheiro conquistado ao longo de sua carreira profissional, que Ninho comprou sua casa própria há 10 anos.

Ele conta que saiu da casa dos pais aos 18 anos para morar sozinho pagando aluguel e somente depois de alguns anos de trabalho, juntando e comprando pouco a pouco materiais, construiu sua casa.

Ele escolheu morar em cima da casa dos pais, e é onde ainda vive. Ninho conta que quando os pais dele chegaram na favela, há muito tempo, o lugar onde encontraram para morar era uma lixeira. Depois

MELHOR FECHAR de muito esforço, eles conseguiram transformar o barraco em uma casa e é onde vivem até hoje.

Para entrar na casa de Ninho, é preciso passar por três portas. A primeira é a porta da casa dos pais, que ao entrar, você sobe as escadas até chegar na segunda porta. Então, ou você continua subindo as escadas para a laje ou para na terceira porta que dá direto para a sua sala. “Antigamente não tinha essa última divisão. Eu construí a porta da minha casa para que quando houvesse evento na laje, as pessoas não tivessem que passar pelo meio da minha sala antes.”

Seu lado mais sentimental em relação a porta está

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Ele também fala que não entende muito o porquê e afirma ter um toque. “Aqui é a última casa da rua, não tem nem acesso direito para

“A janela pode ficar aberta, a porta não.”

chegar aqui. Existe a lógica de deixar a porta fechada pra quem mora na beira da rua, mas aqui não.” Pra ele, a porta fechada é sinal de organização, de uma segurança interna. “Às vezes, trago amigos aqui e alguns deles esquecem de fechar a porta. Eu vou lá rapidinho e fecho, e nem percebo que ainda tem gente subindo.”

Para ele, a porta fechada também é sinal de privacidade. E por ter duas portas, uma dando acesso à laje e a outra à sua casa, ele fala que tenta pelo menos deixar a de dentro aberta para ter mais ventilação. “Ainda sinto dificuldade em deixá-la aberta por eu ter medo de entrar rato. Aqui nunca entrou, mas eu cresci com a minha mãe me falando para fechar a porta porque o rato pode entrar. Então, a de fora eu luto comigo mesmo por conta disso, e a de dentro eu prefiro fechada por uma

relacionado com o “acolher”. Ele, que sempre se deparou com portas sanfonadas pela favela, sonhava com uma porta vernizada, forte e que não fosse possível arrombar facilmente. E apesar dele dar tamanha importância à porta, ela é a parte da sua casa mais suja, diz ele. “Não consigo dar a mesma atenção para ela.”

Ninho também me conta que não consegue deixar nenhuma porta aberta. Ele possui porta para todos os cômodos da casa e as mantém sempre fechadas.

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FILOSOFIA DE VIDA

Com um carater forte, um espírito revolucionário e de uma carisma contagiante, Ninho consegue levar sua vibração e energiza por onde passa. Ele é uma pessoa aberta à novas ideias e experiências, e é o que o ajudou a construir e conquistar o sucesso que tem hoje. Pouco a pouco, ele foi conseguindo ferramentas para se formar, apesar de acreditar que está sempre aprendendo. “Acredito que no caminho a gente cria a nossa própria filosofia de vida. Juntamos nossas vivências e pegamos lições de cada uma. Por exemplo, a capoeira me deu a rua. O teatro me deu o olhar. O exército me deu o comprometimento e a responsabilidade.”

questão interna, de estar no meu ambiente.”

Quando recebe visita, ele normalmente desce e espera a pessoa chegar, ou acaba indo depois de ver que ela não conseguiu abrir. “A primeira porta é difícil de abrir e às vezes fica complicado. Em alguns casos, eu aviso antes por mensagem que a porta não está trancada.” Em suma, ele não tem capainha, assim como a maioria das casas naquela rua.

Ele recebe muitas pessoas quando tem evento na laje e a porta que colocou depois fez com que elas não passassem mais por dentro da sua casa. Mas mesmo assim, ele fala que faz questão de mostrar sua casa e a vista. “Eu sinto orgulho. Eu escolhi este local para também ser um ponto turístico. Então, acredito que os meus convidados também possam gostar da vista.”

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“A porta é como se fosse a ponte, a passagem e a transição do meu interno para o externo.”

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Abrindo o diafragma

Vic

Por trás das lentes de uma câmera fotográfica existe sempre um olhar atento e observador. Dentro de uma imagem, além do que foi captado, também existe a lembrança, o pensamento e o sentimento presente de quem clicou. E claro, há a intensão do despertar de uma determinada sensação, mesmo cada um estando sujeito a ter a sua própria. E pude passar para este outro lado das lentes. De uma imagem captada fui conhecer um pouco sobre as perspectivas do fotógrafo Vic.

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Sentamos em seu quarto para conversar e diante do cenário, pensei que pela primeira vez poderia fluir sem nenhuma interrupção. Não é que eu tinha a intenção de falar com as pessoas em total silêncio, é só uma observação em que eu venho tendo com todas as pessoas entrevistadas. Aqui no Vidigal, no dia-a-dia, acredito ser impossível ficarmos sozinhos. É um lugar que te mantém conectado, que te coloca em contato com o outro e se você permitir, te faz conhecer sempre algo novo.

Nos acomodamos e logo no começo, seu pai bateu na porta e o chamou. Vic levantou e foi abrir a porta para conversar com ele. Ficaram do lado de fora e não entraram. Ele tinha vindo somente perguntar se queríamos mais água. Depois ele fechou a porta e continuamos.

Ele, com 21 anos, mora há 17 em um prédio em que sua mãe e seu pai têm apartamento. Ele se divide

UM CANTO DE PASSAGEM

entre os dois, apesar do seu quarto estar no do seu pai. Quando ele me contou sobre isso e eu o questionei

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sobre qual porta ele consideraria, e ele me surpreendeu respondendo ser a do seu quarto. “De fato, meu quarto é o meu espaço, onde eu moro. Aqui é só meu. Não deixo nem meu pai ficar aqui, sou só eu.”

O apartamento é dividido entre ele, seu pai e seus tios. E por eles não serem muito organizados com o resto do ambiente, ele tenta deixar seu quarto o mais arrumado possível. E em consequência, passa a maior parte do tempo dentro dele.

Outra coisa que influencia bastante nesta escolha e cuidado pela sua privacidade, é que por muito tempo dividiu

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“Se não fosse me mudando, seria morrendo. Nada disso aqui é meu e de ninguém. Mesmo eu sentindo que

o quarto com sua avó. Ela faleceu quando Vic tinha 17 anos e só então foi ter seu espaço e continua neste processo de independência.

Hoje eles estão de mudança, buscando um outro apartamento para morar. Ele gosta muito do quarto e da localização do prédio, mas o pai com os tios estão precisando entregar o apartamento. E mesmo sem sua vontade, ele me conta que talvez tenha que ficar um tempo morando com a sua mãe enquanto seu pai se ajeita e encontra um novo lugar.

Ele me conta que não sente tristeza e sim um certo medo pois não sabe para onde vai.

Com um apego bem grande pelo seu quarto, e sendo difícil pensar em ter que partir e se desapegar, tinha consciência que uma hora ou outra iria embora.

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Essa ansiedade também está ligada ao fato de desde novo ter a perspectiva de que quando sua avó falecesse, ele já estaria morando sozinho. “Não queria precisar do meu pai ou da minha mãe, queria estar vivendo com as minhas custas. Mas não foi assim que aconteceu.” Apesar disso, ele me fala que hoje já aceitou a realidade e, a cada dia que passa, luta para conquistar seu espaço.

esse quarto seja uma extensão de quem eu sou, porque ele é, não vai morrer comigo.”.

“Eu vou me mudar. Já ia me mudar de qualquer forma, mas está sendo agora, nestas circunstâncias. É só me adaptar.”

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A porta do seu quarto nunca está trancada, apesar de estar sempre fechada. Diferente da porta de entrada do apartamento do seu pai que está sempre trancada.

Ele me conta que por muitos anos eles deixavam destrancada por se sentirem seguros. Mas com a chegada da UPP veio o declínio da segurança. Ele fala que onde mora ainda é seguro. Por exemplo, se esquecerem um dia a porta aberta, não tem problema. Mas já seria um problema deixar todo dia aberta, pois o medo é entrar gente.

NA DÚVIDA, FECHE

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Quando eu perguntei sobre que tipo de ameaças pessoas que moram em apartamento do Vidigal podem ter, ele me respondeu sobre o risco de assalto. Ele dá o exemplo daqueles casos em que as pessoas chegam entregando pizza mas é assalto. Isso difere bastante do que acontece nos becos da favela, onde é mais frequente as invasões.

No seu quarto, seu pai e seus tios têm respeito e não entram sem bater. Eles batem ou chamam Vic do lado de fora, mantendo sua privacidade. Ele faz questão de ter essa separação com o resto do apartamento e sempre pensou e criou o quarto para ser diferente do resto da casa. “Dei atenção especial em cada detalhe e escolha da decoração para que este lugar fosse meu mundo e tivesse a minha cara.”

“Como se a porta fechada fosse muito seguro. Mas não custar nada deixar trancada.”

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A porta do seu quarto é a entrada para seu interior. Mesmo tendo a porta de entrada do apartamento, não é ela que o define. E olhando a sua e outras em geral, observa a importância e o significado que ela carrega para si.

Ele me conta que pensa a porta como algo

UM LUGAR DE TRANSIÇÃO

que o coloca em contato com o externo. E para ele, isso possui consequência, pois quando sai e volta, você já é outra pessoa. Tudo muda e se transforma.

Ele também fala da porta como um limite do seu mundo com o outo. “Assim como por exemplo o contorno do nosso próprio corpo é um limite. Tudo o que está dentro dele é o nosso interno, e tudo o que está fora é o mundo externo.”

“A porta é como se fosse a ponte, a passagem e a transição do meu interno para o externo.”

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Se você escolher não falar com ninguém, não interagir com ninguém, você nunca estará ultrapassando esse limite. Ele reflete sobre poder escolher viver internamente dentro de si mesmo ou fora. Ele dá o exemplo de pessoas que ficam sem falar por perder a voz ou mesmo por escolha, como o voto de silêncio.

Vic me fala que é possível olhar e observar também a partir de dentro do seu interno. Como, por exemplo, quando está no seu quarto e tem a oportunidade de ver pela janela as coisas que ocorrem fora.

“Quando estou no meu quarto, observo a mudança do dia, discussões, pessoas indo e vindo, gaivotas voando. Mas sei que se estivesse do lado de fora, poderia observar muito mais.”

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Discutimos sobre a possibilidade de algum dia não ter uma porta e com isso ele me falou que já tinha pensado nisso e também no porquê de existir uma porta e um limite que abre e fecha.

Para ele, a porta é muito útil porque cria um mundo só nosso onde pode-se isolar de todos. Mas por outro lado, ele lembra dos anscestrais, os indígenas e como eles viviam. Eles

“Viver do lado de fora é escolher participar e sempre temos esta escolha. E é isso que você faz a

não tinham muros e nem portas. E em comparação com a cidade, ele fala que é um labirinto criado pelo próprio homem para ele mesmo andar. “Teve um tempo que não existia caminhos, você podia andar e pisar em qualquer mato, nenhum era proibido pisar. Não tinha porta fechada e nem controle de fluxo. E tudo isso não era questão de querer e sim de precisar.”

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vida toda, você escolhe participar ou não, fazer ou não fazer, levantar ou não levantar.”

Ele, com sua vontade de independência, de explorar o mundo através de suas lentes e registros, pensa muito em viajar. E assimila isso com os limites de passagens e transições da porta e a sua utilidade.

Com a porta, você escolhe sair e entrar e até acaba sendo uma questão de escolha também tê-la. Mas quando você quer ir de um país a outro, por exemplo, começa a complicar muito mais. As portas se tornam mais rígidas e ele faz uma reflexão sobre o fato de que muita gente é barrada de entrar em algum país simplesmente pelo fato de ser quem é. Ele acha um absurdo principalmente pelo fato do mundo em que a gente vive ter sido construído por invasões.

LIMITES DE UMA PRIVACIDADE

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“Eles inventaram a fronteira para se fecharem no que construíram, para tentarem manter a ordem do que inventaram. Entretanto, a gente acaba também se beneficiando disso tudo, porque todos querem ter um canto e um lugar próprio.”

Para ele, a privacidade também está em transformação, e o que entendemos hoje já é bem diferente do seu significado de antes. Ele dá o exemplo das redes sociais em que todos publicam a vida particular de si mesmo e até do outro.

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“Antigamente jamais fariam isso. Até porque não tinha como. O conceito de vida pessoal era da porta de casa para dentro e hoje está todo mundo na casa de todo mundo.”

Mas apesar das coisas estarem se resignificando, as pessoas buscam de alguma forma a privacidade. Como por exemplo, os “checks” azuis do WhatsApp, deixar público ou não a sua página de Instagram. “Antes a privacidade era mesmo dentro da própria vizinhança: ‘xiu, porque o vizinho vai escutar!’ Tinham as fofoqueiras da janela e hoje em dia elas não precisam mais ficar lá, já basta ficar no celular o tempo todo.”

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Com um olhar emoldurado e uma mente que ultrapassa os limites impostos, ao focar na porta do seu quarto, uma lembrança lhe vem a cabeça.

UM OLHAR FOTOGRÁFICO

“Quando a minha avó era viva,

a porta do quarto sempre ficava encostada na parede porque

ela não gostava dela fechada.”

Do lado de dentro do quarto, quando antigamente ficava sentado em sua cama, dava para ver um quadro pintado com o rosto de sua avó que hoje já não existe mais. Ele era bege, com folhas secas bordadas e o rosto.

E na mesma lembrança, ele também me conta sobre o quadro que antigamente ficava na porta de entrada do apartamento. Novamente, sua memória focou em imagens e me detalhou um quadro que achava muito interessante. Era uma mulher com um gato preto, com as cores vermelho e branco.

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E assim, com uma atenção em especial aos detalhes, com uma perspectiva profunda e ao mesmo tempo aberta para o que acontece ao seu redor, ele registra. Ele lembra e ele monta, através de fotografia por fotografia, seu caminho. Passa do seu mundo para os outros mundos, afim de cada vez mais conquistar o seu novo. Apaixonado pela imagem, ele segue carregando não só a sua câmera, mas também aquilo que o impulsiona a ir mais longe: a vontade de transitar e recriar seu interno e externo.

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"Podemos abrir nossa porta mesmo sem ter muito a oferecer, cabe saber agir."

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Uma jóia tem nome

Paulinho

A porta de Paulinho, ou melhor, as portas, ficam no alto. Mas o que no Vidigal não fica no alto? Além da porta da sua casa, ele tem a do Parque Sitiê, que também é considerada a sua. Hoje, ele é o responsável pelo parque que fica num dos pontos mais altos do Vidigal e pouco a pouco se tornou grande marco dentro da favela.Sitiê é um parque ecológico, centro de educação ambiental e jardim colaborativamente criado através da remoção de quase 5 toneladas de lixo.

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Quando cheguei pela primeira vez no Vidigal, vendo debaixo, da entrada da Favela, tive uma das minhas primeiras impressões. A sensação de ser impossível chegar ao topo, ou se possível, com muito esforço. Entretanto, é uma experiência em que escolhi e aceitei para mim. Acima de tudo, acredito que só conseguimos nos envolver e conhecer um lugar quando de fato vivemos a realidade ou chegamos o mais perto dela.

UMA BOA PAISAGEM

Tem uma coisa que aprendi todo dia lá: para se chegar à uma boa vista, é preciso esforço e altura. Pois, nos

primeiros dias morando no Vidigal, via como quase um sacrifício. As subidas e descidas eram difíceis. Não que não fossem depois, mas com o tempo elas se transformam.

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Pode-se chamar de costume, mas o que se passa por entre cada cantinho lá dentro, e falo também das pessoas, faz com que as inclinações se tornem apenas caminhos. Em suma, o que é a vida se não a soma deles? Lá, meu mapa foi criado a cada passo e as descobertas se extenderam a cada cruzamento.

Continuo aprendendo também que a altura não é só referente ao topo, é também sobre crescimento,

luta, evolução e resistência. Desde que se pisa no Vidigal, você já começa a subir e seus pés seguem firmes fora do chão rumo a uma realidade tão próxima e distante ao mesmo tempo.

Se você se abre, se dispõe a conhecer a história de um lugar cheio de encantamentos, assim como se abre uma caixinha de jóias. E um dos meus cruzamentos por entre tantos outros, foi com esse homem tão cheio de vida.

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UM PARQUE PARA SE CHAMAR DE MEU

Paulinho mora no Vidigal e segue pouco a pouco plantando, colhendo, construindo, conectando cada vez mais pessoas com a natureza, e consigo mesmo.

Para chegar a sua casa, sofri por antecipação, assim como na maioria das vezes quando se pensa em chegar a algum lugar pela primeira vez por lá: terei que subir muito, por muito tempo.

No Vidigal, eu fui aprendendo a me localizar melhor conforme ia conhecendo os pontinhos de luz da favela. Com o tempo a gente se acostuma, até porque vamos descobrindo outras jóias dentro da favela e não tem jeito, uma hora temos que subir. E claro, caminhar por entre as vilas.

Na maioria das vezes o caminho se encurta. De onde eu morava até o parque eram 15 minutos de subida com rampas, escadas, encontros, desencontros e muito calor. Mesmo

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com o recurso do Google Maps, tive medo no começo e não deixei de perguntar sempre que possível a localização para alguns moradores. Receio de se perder que foi desaparecendo juntamente com o aparecimento crescente do cansaço e suor, debaixo dos 40 graus carioca.

Quando encontrei Paulinho no parque, um pedacinho verde construído com muita dedicação e amor, ele me recebeu de braços abertos. Ao perguntar se ele considerava ali também a sua casa, ele respondeu que

"nossa casa é onde estamos. Nunca sabemos se sairemos de lá vivos."

Seu sonho também é construir um barco para assim poder ir à praia e poder também chamá-la de casa, pois sua morada é onde sua paixão está.

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ABRINDO PORTAS E BRAÇOS

Ele me convidou para conhecer o lugar onde ele come e dorme e seguimos andando. No caminho, abrimos, passamos e fechamos duas portas. Eram como se

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fossem passagens, limites ou divisões no meio das ruelas estreitas da favela. Confesso que não entendi muito bem a necessidade delas e ainda estou a descobrir. Mas com o passar da tarde, elas começaram a ganhar significado emocional. Elas se assemelham a sua vida, que do mesmo modo foi sendo construída aos poucos, com muito cuidado e dedicação, com oportunidades dadas e recebidas a cada encontro, entrada e saída.

Não demoramos muito e ao abrir a sua porta para mim, ele expôs ainda mais o ser cheio de amor que é. Com todo seu jeitinho um pouco tímido, me fez sentir a vontade. Sentamos próximos a porta que se manteve aberta e começamos a conversar. Entretanto, não era sempre que conseguíamos ficar sozinhos, seu neto e o cachorro latindo marcavam presença: “Para Shakira!”, “Vem aqui ficar com a gente!”. Entre uma frase ou outra, Paulinho respondia aos estímulos e chegou também a receber a visita de um amigo.

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“O que você entende por porta?”, foi a primeira pergunta que eu fiz. Propus um momento de reflexão diante daquele objeto do cotidiano que muitas vezes passa despercebido mas nos mostra grandezas em seu significado e no modo como nos relacionamos e entendemos ele. E respondendo à pergunta, a porta para Paulinho é uma coisa que está sempre aberta ou fechada mas também é oportunidade.

Contudo, Paulinho é uma pessoa que procura sempre deixar sua porta aberta. Ele me contou de uma vez em que conheceu um homem que tinha dificuldade de se locomover e ofereceu ajuda para tirar a carteira de trabalho. Também contou sobre um outro dia em que trouxe para sua casa um homem que dormia na rua

DAR E RECEBER OPORTUNIDADES

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"Podemos abrir nossa porta mesmo sem ter muito a oferecer, cabe saber agir."

Ele afirma que pode ser difícil ajudar a transformar a vida de uma pessoa, mas não é impossível. Em outras palavras, para ele, temos que manter as oportunidades sempre abertas, assim como ele tenta sempre manter sua porta. Ele só a fecha quando sai de casa para não encontrar depois urina de cachorro e também para bandido ou polícia não invadir, porque se

e passava dificuldades. Este último, hoje está empregado, prestes a casar e mora em uma casa pelas redondezas. Paulinho conta tudo isso com um sorriso e alegria de poder ter ajudado de alguma forma essas pessoas.

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À UMA NOVA VIDA

Paulinho acredita que a porta aberta traz liberdade porque se fechamos, mostramos nosso medo. Ou seja, a porta aberta é sinal de escolha e

de confiança. E ele leva esse mesmo conceito para o Parque Sitiê. Alí pode entrar e ficar qualquer pessoa e sempre irá receber de braços abertos. Mesmo aqueles com problemas com o álcool, por exemplo. “Eu também posso

eles encontram alguma aberta, não perdem a oportunidade. E mesmo assim, ele não se preocupa muito quando esquece aberta pois confia na sua vizinhança. Para ele, é muito importante fazer bons vizinhos porque assim sua casa estará sempre guardada e não será somente a porta que será sua segurança.

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cair no alcoolismo”, ele fala.

A porta para ele também é sinal de conquista e muito esforço. Antes ele morava junto com sua filha numa casa alí perto. Ele conta que precisava sair e deixá-la tranquila. Portanto, construiu com seu vizinho a casa que mora hoje.

Abri-la pela primeira vez foi só alegria, mesmo sabendo que teve que perder o emprego para conseguir o dinheiro necessário, pois teve que ser mandado embora.

Para ele foi um divisor de águas, fechou-se coisas passadas e abriu-se outras novas. Em consequência, ele conseguiu um novo emprego de coordenação da limpeza que acontece na favela toda. Ele abraçou esta oportunidade também por acreditar que a comunidade tem que agir como uma família e se manter unida. E com esse novo cargo, ele sente que pode contribuir de alguma forma.

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“Se tiver ego, ninguém vence. Tem que todo mundo fazer uma junção para melhorar para todos. Não é preciso negar nada a ninguém.”

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E com dedicação à sua família, ao Sitiê e também à sua comunidade, Paulinho segue sorrindo por onde passa. Já o encontrei pelas ruas do Vidigal em um momento diverso e logo me abriu os braços. Sei que a qualquer hora do dia que eu vá fazê-lo uma visita, sua porta estará aberta, seja para conversar, ensinar e me mostrar algo novo, como por exemplo o espaço que está construindo para ser uma nova biblioteca e ponto de ócio dentro do Sitiê.

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"A parte mais bonita do vidigal são as pessoas."

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Pessoas também são opor-tunidades

Russo

“Pronto, podemos ir, é aqui pertinho.” Foi assim que comecei o caminho até a casa de Russo. Ela fica localizada entre ruas estreitas do Vidigal e por isso marcamos de nos encontrar no supermercado na rua principal.

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Ele me guiou até a sua casa, o que já é de grande familiaridade em sua vida. Ele, guia turístico dentro da favela, vive há 46 anos no Vidigal, e 19 anos na casa para onde estávamos indo. Divide a casa com seu filho e sua mulher. Seu projeto chamado Vidigal Trilhas é uma empresa de turismo de propriedade local que busca quebrar os esteriótipos negativos por meio de experiências culturais autênticas e aventureiras, que destacam a beleza e a diversidade da comunidade.

O propósito das trilhas também é expor outros

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projetos dentro da favela que são capacitados através do programa Favela Inc.

Russo sempre trabalhou com o comércio local e viveu buscando outras portas, oportunidades, outras trilhas. Com isso, além de definir a porta sendo a física da sua casa, também aborda como oportunidades que aparecem e se abrem em sua vida. Ou seja, neste universo, a porta representa comunicação. E com o projeto Vidigal Trilhas, a porta se abriu ao mundo criando possibilidades dele conhecer pessoas não só de dentro do Vidigal.

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“Eu viajo pelo mundo através das fotos das pessoas.”

Enquanto ele abre portas às pessoas que querem entrar na favela, elas abrem outras à ele. Em consequência, se expande trabalhos, conhecimentos e diferentes perspectivas.

Ele fala que ele conhece o mundo e as diferentes culturas através das pessoas que conhece durante o trabalho.

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A TRANQUILIDADE ENTRE PORTAS

Russo possui duas portas, e quando ele está em casa, a porta de dentro fica aberta. Rara as vezes que é preciso fechar por conta do cachorro.

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Ele conta que uma vez esqueceu a porta aberta e o Bope entrou. “Eu atendi um amigo e esqueci ela aberta. Eles chegaram com armas pela manhã.” Os homens do Bope conversaram, queriam

“Minha esposa fecharia até a janela, mas eu prefiro aberta.”

Entretanto, a de fora está sempre fechada. A escolha de deixar aberta também está ligada ao fator do calor carioca. “A casa também respira.”

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olhar a casa porque estavam em uma missão de busca. Avistaram de longe uma suspeita quantidade de mato no jardim e resolveram entrar. Ele disse para ficarem a vontade pois estava muito tranquilo, não devia nada à ninguém. “Não me assusto com essas coisas, sou acostumado.” Ele fala que na casa antiga também já entraram, mas daquela vez pensaram que ele era o cara suspeito. Colocaram algemas na hora, mas logo o soltaram.

Para ele, qualquer pessoa é bem-vinda na sua casa, é só preciso respeitar. Ele fala que a mulher dele se preocupa com receber visitas por conta

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de hoje estar com a casa bagunçada e as reformas por fazer. “Eu já não me importo assim não, sei que está, mas a intenção e o caminho é no futuro melhorar sempre.”

Este cuidado todo também é por conta dele ser uma pessoa muito caseira.

“Quando olho para a porta, depois de um dia de trilhas, penso estar em casa.”

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“Eu descanso quando chego em casa. O meu cachorro sempre está me esperando na porta e, às vezes, a minha gata.”

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TRILHAS ENTRE PORTAS

Ele pensa em mudar de porta porque a atual já está velha. “Quero pintar, reformar, mas tem que ser uma coisa de cada vez.” Sua rotina muda sempre por ter um comércio pequeno, e se deixar de trabalhar, pode desequilibrar as contas. Ele não trabalha todo dia, mas é um dia pelo outro. “Um dia compensa o outro. Tem dia que trabalho de manhã e de tarde, o que fica mais cansativo, mas compensa o dia que não fiz nada.”

Seu trabalho é conectar as pessoas com o lugar e com

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os moradores. Faz isso sempre com muita atenção e carinho.

Subir e descer quase todos os dias não é tarefa fácil, mas com certeza, a cada trilha e caminho percorrido, mesmo sendo iguais todas as vezes, há algo novo a mostrar, a aprender e a vivenciar.

O lugar pode continuar sempre o mesmo, mas quem está consigo no momento presente é capaz de sempre modificar e enriquecer suas visões cada vez mais.

Há algo tão valioso quanto a localidade e a vista do Vidigal: as pessoas.

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"A parte mais bonita do vidigal são as pessoas."

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Fernanda Georgiadis@[email protected]