viagem e turismo

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O japa é pop Um dia na vida dos nikkeis Sushi, oxente! Os sete maiorais O jogo dos velhinhos centenários Profissão: japonês Nasce uma nova raça Existe cultura japonesa no Brasil? EDIÇÃO COMEMORATIVA

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100 anos da imigraçao japonesa no Brasil desing

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O japa é pop Um dia na vida dos nikkeis Sushi, oxente! Os sete maiorais O jogo dos velhinhos centenários Pro�ssão: japonês

Nasce uma nova raça Existe cultura japonesa no Brasil?

Será que, a acreditar no dito popular, “japonês é tudo igual”?

Pelo menos, no Brasil, a resposta é não. Esta edição especial, que faz

parte do projeto Abril no Centenário da Imigração Japonesa,

traz os casos, as cenas e os personagens de uma comunidade

surpreendentemente diversa. Do Pará ao Rio Grande do Sul, dos

campos às cidades, dos laboratórios aos restaurantes, você vai

conhecer as muitas facetas dos nikkeis, como são chamados os

descendentes dos japoneses. Aqui está o centenário velhinho e seu

sagrado jogo de gatebol. E também o jovem casal, de malas e sonhos

prontos para tentar a vida na terra dos antepassados. Entre famosos e

anônimos, montamos um retrato diferente do povo de olhos puxados

– ou nem como prova a reportagem sobre os mestiços, a mistura

cada vez mais comum entre japoneses e “gaijins”. Como dizem os

nipônicos, irashaimassê! Ou seja, bem-vindo! Há um mundo de

histórias dentro desta revista. Um mundo sem igual.

REALIZAÇÃO

EDIÇÃO COMEMORATIVA

PATROCÍNIO PARCERIA

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Teoria de Koichi Mori prega a não-existência da

cultura japonesa no Brasil

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Teoria de Koichi Mori prega a não-existência da

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queles que decidem cultivar as tradições de origem ou até mesmo aproximar-se da cultura oriental cada vez que saem para jantar com a família num restaurante japonês podem mudar de idéia ao terminar de ler esta matéria. É que, segundo Koichi Mori, professor do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de

Filoso�a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, não existe tradição japonesa no Brasil, mas sim tradição brasileira de origem japonesa.

“A cultura japonesa deslocada não con�gura ‘cultura japone-sa’. Isso acontece porque os nikkeis (descendentes de japoneses no Brasil) criaram uma cultura étnica com referências japonesas e brasileiras. Por isso, as festas realizadas por nikkeis como as do tradicional bairro da Liberdade, em São Paulo, não têm o mesmo signi�cado das festas de mesmo nome no Japão”, a�rma Mori. Um exemplo citado pelo professor é o Tanabata Matsuri,

um dos maiores e mais populares festivais do Japão. Realizado em julho, o evento celebra uma história de amor iniciada na cor-te imperial japonesa há mais de mil anos. O Tanabata Matsuri mais representativo acontece em Sendai, na província de Miya-gui, onde Mori teve a oportunidade de estar e observar as dife-renças em relação ao festival de mesmo nome que acontece no bairro da Liberdade, em São Paulo. “Uma das tradições do Ta-nabata Matsuri japonês é escrever desejos em pedaços de papel branco, pois diz a crença que eles se realização se forem feitos durante a festa. No entanto, no Brasil, são utilizados papéis de sete cores, sendo que cada cor traz uma simbologia: vermelho, amor; branco, paz; amarelo, dinheiro; verde, esperança...”, ex-plicou Mori. Segundo ele, essa diferença é sutil, mas exempli�ca o fato de a festa realizada em território nacional contar com re-ferências brasileiras, como a atribuição que fazemos às cores das roupas utilizadas no Réveillon, por exemplo. “Quando uma cul-

tura migra para outros países, ela é modi-�cada porque sofre intervenções locais e também porque resgata elementos de dis-tintas regiões do lugar de origem, como se fosse uma colcha de retalhos”, disse.

Na década de 10, o imi-grante Eitarukanda sentiu a necessidade de fabricar shoyu – um dos principais ingredientes da culinária japonesa – no Brasil. A receita do molho tradicional leva soja, sal e trigo – este último, difícil de cultivar em solo brasileiro. Para resolver essa questão, Eitarukanda adaptou sua composição e criou o shoyu tal qual utili-zamos: à base de soja, sal, milho e melaço de cana-de-açúcar. “O processo de adap-tação dos japoneses em terras estrangei-ras faz parte do processo criativo de uma nova cultura”, a�rma Mori.

Para que se tenha uma idéia, graças ao processo de globalização iniciado nos anos 70, o maior fabricante de shoyu ja-

ponês exportou o produto para o Brasil sem obter sucesso. O motivo é simples: os nikkeis já se haviam acostumado com o molho nacional e não se adaptaram ao novo sabor. A recíproca, nesse caso, não é verdadeira, já que a Sakura (principal fa-bricante de shoyu brasileiro) exporta seus produtos com sucesso para os dekasseguis – que não se adaptaram ao molho de soja fabricado no Japão.

Para corroborar sua tese, Mori cita o sushi, que ganhou novos sabores e ingre-dientes tipicamente brasileiros. “A traje-tória do sushi no Brasil começou nas dé-cadas de 70 e 80, quando a classe média incorporou a tendência de alimentação saudável que estava sendo pregada nos Estados Unidos”, explica. “Contudo os brasileiros, acostumados a pratos fartos, reclamavam da pouca quantidade de co-mida. Para agradar à freguesia e atender a essa nova demanda, os donos de restau-rantes japoneses criaram uma nova forma

de servir o prato: em bufês ou rodízios”, diz Mori. “Por meio dessa adaptação, o sushi se popularizou e foi incluído na culinária brasileira, porém como entrada, sendo que no Japão é servido como prato principal”, conclui.

Já a utilização de ingredientes regio-nais nos sushis, como – até mesmo! – o re-queijão, Mori atribui ao êxodo de descen-dentes do Brasil à terra natal na década de 80. “Faltavam sushimen nikkeis, por isso os nordestinos que trabalhavam como aju-dantes em restaurantes passaram a exercer essa função e começaram a abrir seu pró-prio negócio em bairros fora da Liberdade. Com isso, também inovaram nas receitas. Foi aí que começou o processo de ‘abrasi-leiramento’ do sushi”, diz.

É bastante comum que os descendentes de japoneses viajem ao Ja-pão e deparem com uma nova língua bem diferente daquela que eles aprenderam

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queles que decidem cultivar as tradições de origem ou até mesmo aproximar-se da cultura oriental cada vez que saem para jantar com a família num restaurante japonês podem mudar de idéia ao terminar de ler esta matéria. É que, segundo Koichi Mori, professor do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de

Filoso�a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, não existe tradição japonesa no Brasil, mas sim tradição brasileira de origem japonesa.

“A cultura japonesa deslocada não con�gura ‘cultura japone-sa’. Isso acontece porque os nikkeis (descendentes de japoneses no Brasil) criaram uma cultura étnica com referências japonesas e brasileiras. Por isso, as festas realizadas por nikkeis como as do tradicional bairro da Liberdade, em São Paulo, não têm o mesmo signi�cado das festas de mesmo nome no Japão”, a�rma Mori. Um exemplo citado pelo professor é o Tanabata Matsuri,

um dos maiores e mais populares festivais do Japão. Realizado em julho, o evento celebra uma história de amor iniciada na cor-te imperial japonesa há mais de mil anos. O Tanabata Matsuri mais representativo acontece em Sendai, na província de Miya-gui, onde Mori teve a oportunidade de estar e observar as dife-renças em relação ao festival de mesmo nome que acontece no bairro da Liberdade, em São Paulo. “Uma das tradições do Ta-nabata Matsuri japonês é escrever desejos em pedaços de papel branco, pois diz a crença que eles se realização se forem feitos durante a festa. No entanto, no Brasil, são utilizados papéis de sete cores, sendo que cada cor traz uma simbologia: vermelho, amor; branco, paz; amarelo, dinheiro; verde, esperança...”, ex-plicou Mori. Segundo ele, essa diferença é sutil, mas exempli�ca o fato de a festa realizada em território nacional contar com re-ferências brasileiras, como a atribuição que fazemos às cores das roupas utilizadas no Réveillon, por exemplo. “Quando uma cul-

tura migra para outros países, ela é modi-�cada porque sofre intervenções locais e também porque resgata elementos de dis-tintas regiões do lugar de origem, como se fosse uma colcha de retalhos”, disse.

Na década de 10, o imi-grante Eitarukanda sentiu a necessidade de fabricar shoyu – um dos principais ingredientes da culinária japonesa – no Brasil. A receita do molho tradicional leva soja, sal e trigo – este último, difícil de cultivar em solo brasileiro. Para resolver essa questão, Eitarukanda adaptou sua composição e criou o shoyu tal qual utili-zamos: à base de soja, sal, milho e melaço de cana-de-açúcar. “O processo de adap-tação dos japoneses em terras estrangei-ras faz parte do processo criativo de uma nova cultura”, a�rma Mori.

Para que se tenha uma idéia, graças ao processo de globalização iniciado nos anos 70, o maior fabricante de shoyu ja-

ponês exportou o produto para o Brasil sem obter sucesso. O motivo é simples: os nikkeis já se haviam acostumado com o molho nacional e não se adaptaram ao novo sabor. A recíproca, nesse caso, não é verdadeira, já que a Sakura (principal fa-bricante de shoyu brasileiro) exporta seus produtos com sucesso para os dekasseguis – que não se adaptaram ao molho de soja fabricado no Japão.

Para corroborar sua tese, Mori cita o sushi, que ganhou novos sabores e ingre-dientes tipicamente brasileiros. “A traje-tória do sushi no Brasil começou nas dé-cadas de 70 e 80, quando a classe média incorporou a tendência de alimentação saudável que estava sendo pregada nos Estados Unidos”, explica. “Contudo os brasileiros, acostumados a pratos fartos, reclamavam da pouca quantidade de co-mida. Para agradar à freguesia e atender a essa nova demanda, os donos de restau-rantes japoneses criaram uma nova forma

de servir o prato: em bufês ou rodízios”, diz Mori. “Por meio dessa adaptação, o sushi se popularizou e foi incluído na culinária brasileira, porém como entrada, sendo que no Japão é servido como prato principal”, conclui.

Já a utilização de ingredientes regio-nais nos sushis, como – até mesmo! – o re-queijão, Mori atribui ao êxodo de descen-dentes do Brasil à terra natal na década de 80. “Faltavam sushimen nikkeis, por isso os nordestinos que trabalhavam como aju-dantes em restaurantes passaram a exercer essa função e começaram a abrir seu pró-prio negócio em bairros fora da Liberdade. Com isso, também inovaram nas receitas. Foi aí que começou o processo de ‘abrasi-leiramento’ do sushi”, diz.

É bastante comum que os descendentes de japoneses viajem ao Ja-pão e deparem com uma nova língua bem diferente daquela que eles aprenderam

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no Brasil. Sim, porque, segundo Mori, o japonês falado aqui é um idioma criado pelos imigrantes, um verdadeiro mix de dialetos de várias províncias japonesas. “Na década de 50, os imigrantes de�ni-ram esse novo idioma como identidade lingüística denominando-o koronia-go. Koronia quer dizer ‘colônia’ e go, do in-glês, ‘ir’”, explica.

O bon-odori é uma dança tipica-mente japonesa realizada nas festas que celebram os antepassados. Assim como outras expressões corporais da terra do sol nascente (butoh, nô, etc.), o bon-odori é uma dança bastante lenta, praticamen-te impossível de ser bailada por corpos brasileiros. Para driblar a questão, jovens descendentes de cidades paranaenses como Londrina e Maringá criaram a mat-suri-dance.

“O corpo dos brasileiros é diferente do corpo dos japoneses, por isso o bon-odori ‘não cabia’, não era passível de ser expressado pelos jovens nascidos no Bra-sil. Daí a criação da matsuri-dance, uma dança étnica que conta com a inserção de ritmos brasileiros, bem mais rápida, mas que mantém as características do bon-odori tradicional”, diz Mori.

Em Okinawa (ilha tropical ao sul do Japão), as pessoas têm a tradição de cultuar os mortos. Tanto é que nas casas é comum encontrar um botsudan – mó-vel utilizado como altar – com imagens sagradas e plaquetas com os nomes dos ancestrais da família. A religião praticada em Okinawa é o sincretismo: budismo, xintoísmo, animismo (crença de que todas as coisas possuem alma) e xamanismo.

Os nikkeis okinawanos considerados xamãs – sacerdotes, feiticeiros, curandei-ros – foram trabalhar sua mediunidade na umbanda, religião afro-brasileira. Koichi Mori relata casos de xamãs que incorpo-ram espíritos de antepassados okinawanos e também de Preto Velho e Caboclo, enti-dades da umbanda.

“É incrível! Há xamãs que falam per-feito dialeto japonês ao ‘receber’ os espí-

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no Brasil. Sim, porque, segundo Mori, o japonês falado aqui é um idioma criado pelos imigrantes, um verdadeiro mix de dialetos de várias províncias japonesas. “Na década de 50, os imigrantes de�ni-ram esse novo idioma como identidade lingüística denominando-o koronia-go. Koronia quer dizer ‘colônia’ e go, do in-glês, ‘ir’”, explica.

O bon-odori é uma dança tipica-mente japonesa realizada nas festas que celebram os antepassados. Assim como outras expressões corporais da terra do sol nascente (butoh, nô, etc.), o bon-odori é uma dança bastante lenta, praticamen-te impossível de ser bailada por corpos brasileiros. Para driblar a questão, jovens descendentes de cidades paranaenses como Londrina e Maringá criaram a mat-suri-dance.

“O corpo dos brasileiros é diferente do corpo dos japoneses, por isso o bon-odori ‘não cabia’, não era passível de ser expressado pelos jovens nascidos no Bra-sil. Daí a criação da matsuri-dance, uma dança étnica que conta com a inserção de ritmos brasileiros, bem mais rápida, mas que mantém as características do bon-odori tradicional”, diz Mori.

Em Okinawa (ilha tropical ao sul do Japão), as pessoas têm a tradição de cultuar os mortos. Tanto é que nas casas é comum encontrar um botsudan – mó-vel utilizado como altar – com imagens sagradas e plaquetas com os nomes dos ancestrais da família. A religião praticada em Okinawa é o sincretismo: budismo, xintoísmo, animismo (crença de que todas as coisas possuem alma) e xamanismo.

Os nikkeis okinawanos considerados xamãs – sacerdotes, feiticeiros, curandei-ros – foram trabalhar sua mediunidade na umbanda, religião afro-brasileira. Koichi Mori relata casos de xamãs que incorpo-ram espíritos de antepassados okinawanos e também de Preto Velho e Caboclo, enti-dades da umbanda.

“É incrível! Há xamãs que falam per-feito dialeto japonês ao ‘receber’ os espí-

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ritos dos antepassados e também perfeito português regional dependendo da enti-dade manifestada da umbanda”, diz. “Ou seja, esse grupo de pessoas está criando uma religião híbrida por meio da adapta-ção das características japonesas aos re-cursos oferecidos pela cultura brasileira para que ela seja manifestada.”

Segundo Mori, muitas vezes os nikkeis e descendentes de japoneses percebem essa cultura híbrida como a cultura japo-nesa autêntica, e a utilizam para matar a saudade da terra de origem ou para man-ter a identidade japonesa. “No entanto, eles não se dão conta de que estão criando e vivendo a cultura brasileira de origem japonesa: nipo-brasileira, com hífen.”

A prova disso aconteceu numa escola de samba do bairro da Vila Carrão, em São Paulo, que contou com uma ala de jovens descendentes de japo-neses. Eles des�laram e tocaram tambor okinawano, o Ryukyu Koku Matsuri Dai-ko, com direito a vestimentas típicas. Uma demonstração da in�uência do Japão na cultura brasileira, assim como a mistura de grupos étnicos, o que caracteriza o multi-culturalismo predominante no Brasil.

Em razão da globalização e do desenvolvimento tecnológico, a cultu-ra japonesa não é mais trazida somente por imigrantes. A internet, por exemplo, é um novo canal de entrada da cultura do Japão, que, necessariamente, não precisa vir do Japão. “O mangá e o animê, que viraram febre no Brasil, chegaram ao país importados dos Estados Unidos e da Eu-ropa”, aponta Mori.

O kosu-pure, mania entre os adoles-centes de vestir-se tal qual os personagens de histórias em quadrinhos e de jogos de computador, teve recentemente no Japão o seu primeiro concurso mundial. Quem venceu? Um brasileiro! Prova de que, como prega Mori, hoje em dia o Brasil não é apenas receptor da cultura japone-sa, mas também um exportador da cultura japonesa modi�cada no Brasil.

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ritos dos antepassados e também perfeito português regional dependendo da enti-dade manifestada da umbanda”, diz. “Ou seja, esse grupo de pessoas está criando uma religião híbrida por meio da adapta-ção das características japonesas aos re-cursos oferecidos pela cultura brasileira para que ela seja manifestada.”

Segundo Mori, muitas vezes os nikkeis e descendentes de japoneses percebem essa cultura híbrida como a cultura japo-nesa autêntica, e a utilizam para matar a saudade da terra de origem ou para man-ter a identidade japonesa. “No entanto, eles não se dão conta de que estão criando e vivendo a cultura brasileira de origem japonesa: nipo-brasileira, com hífen.”

A prova disso aconteceu numa escola de samba do bairro da Vila Carrão, em São Paulo, que contou com uma ala de jovens descendentes de japo-neses. Eles des�laram e tocaram tambor okinawano, o Ryukyu Koku Matsuri Dai-ko, com direito a vestimentas típicas. Uma demonstração da in�uência do Japão na cultura brasileira, assim como a mistura de grupos étnicos, o que caracteriza o multi-culturalismo predominante no Brasil.

Em razão da globalização e do desenvolvimento tecnológico, a cultu-ra japonesa não é mais trazida somente por imigrantes. A internet, por exemplo, é um novo canal de entrada da cultura do Japão, que, necessariamente, não precisa vir do Japão. “O mangá e o animê, que viraram febre no Brasil, chegaram ao país importados dos Estados Unidos e da Eu-ropa”, aponta Mori.

O kosu-pure, mania entre os adoles-centes de vestir-se tal qual os personagens de histórias em quadrinhos e de jogos de computador, teve recentemente no Japão o seu primeiro concurso mundial. Quem venceu? Um brasileiro! Prova de que, como prega Mori, hoje em dia o Brasil não é apenas receptor da cultura japone-sa, mas também um exportador da cultura japonesa modi�cada no Brasil.

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Esportes praticados pela colônia japonesa visam muito mais à saúde, à diversão e à harmonia do que à competição e permitem que atletas de até 100 anos batam um bolão

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Esportes praticados pela colônia japonesa visam muito mais à saúde, à diversão e à harmonia do que à competição e permitem que atletas de até 100 anos batam um bolão

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que você conhece sobre o esporte japonês? Esqueça o sumô, o judô e até o beisebol. Gatebol, softbol, mallet golf, pouco conhecidos pelos ocidentais, fazem a cabeça da colônia japonesa no Brasil. Praticar esportes para os nipônicos é muito mais do que competir. No ambien-te dos campos, o que se preza é a saúde, a amizade, o

respeito e a disciplina. Idade avançada, falta de tempo e até de espaço físico não são barreiras para algumas modalidades. As di-�culdades são superadas com criatividade e perseverança.

“De segunda a sexta, acordo antes das 5h da manhã. Saio sozinho, pego um ônibus e chego aqui por volta das 6h.” Estas palavras bem que poderiam descrever a roti-na de milhões de brasileiros para chegar ao trabalho. Mas o autor delas não tem a obrigação de sustentar a família. Ele quer apro-veitar a vida e fazer novos amigos aos 100 anos de idade (você não leu errado). Tanta disposição tem um motivo: o gatebol.

O japonês Kenji Hatai nasceu em dezembro de 1907 e veio para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Atual-mente, é um dos vários idosos que deixam suas casas para jo-gar gatebol (ou “guetobol”, na fala dos nipônicos) na Associação Gateball da Casa Verde, na Zona Norte de São Paulo. Hatai é o praticante mais velho desse esporte no Brasil.

Logo no início da manhã, os 28 associados – todos japoneses ou descendentes – já estão reunidos nos três campos de terra do local. As partidas começam, e impressiona a seriedade com que os jogadores encaram a disputa. A concentração é grande. Mas basta uma conversa com alguns deles para descobrir que o mais importante ali não é o resultado do jogo. “Sofria de depres-são. Era uma pessoa muito irritada por causa da correria do dia-a-dia. Daí meus amigos me convidaram para vir jogar gatebol. Agora estou com muita saúde”, diz Hatuko Iha, de 62 anos, a mais jovem do grupo. “É uma higiene mental”, completa Massa-nobu Oshiro, de 73 anos.

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que você conhece sobre o esporte japonês? Esqueça o sumô, o judô e até o beisebol. Gatebol, softbol, mallet golf, pouco conhecidos pelos ocidentais, fazem a cabeça da colônia japonesa no Brasil. Praticar esportes para os nipônicos é muito mais do que competir. No ambien-te dos campos, o que se preza é a saúde, a amizade, o

respeito e a disciplina. Idade avançada, falta de tempo e até de espaço físico não são barreiras para algumas modalidades. As di-�culdades são superadas com criatividade e perseverança.

“De segunda a sexta, acordo antes das 5h da manhã. Saio sozinho, pego um ônibus e chego aqui por volta das 6h.” Estas palavras bem que poderiam descrever a roti-na de milhões de brasileiros para chegar ao trabalho. Mas o autor delas não tem a obrigação de sustentar a família. Ele quer apro-veitar a vida e fazer novos amigos aos 100 anos de idade (você não leu errado). Tanta disposição tem um motivo: o gatebol.

O japonês Kenji Hatai nasceu em dezembro de 1907 e veio para o Brasil pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Atual-mente, é um dos vários idosos que deixam suas casas para jo-gar gatebol (ou “guetobol”, na fala dos nipônicos) na Associação Gateball da Casa Verde, na Zona Norte de São Paulo. Hatai é o praticante mais velho desse esporte no Brasil.

Logo no início da manhã, os 28 associados – todos japoneses ou descendentes – já estão reunidos nos três campos de terra do local. As partidas começam, e impressiona a seriedade com que os jogadores encaram a disputa. A concentração é grande. Mas basta uma conversa com alguns deles para descobrir que o mais importante ali não é o resultado do jogo. “Sofria de depres-são. Era uma pessoa muito irritada por causa da correria do dia-a-dia. Daí meus amigos me convidaram para vir jogar gatebol. Agora estou com muita saúde”, diz Hatuko Iha, de 62 anos, a mais jovem do grupo. “É uma higiene mental”, completa Massa-nobu Oshiro, de 73 anos.

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Entre uma tacada e outra, os praticantes se deslocam pelo campo e traçam estratégias. Di�culdade para abaixar e pegar a bolinha? Nenhuma. O centenário Kenji Hatai, por exemplo, nunca deve ter ouvido falar em problema de coluna.

Ao término de duas partidas, pausa para o lanche. Cada um leva um prato diferente. Tem coxinha, es�ha, biscoito, amen-doim, café e, claro, comidas típicas japonesas. Alguns tomam Campari e até um uisquinho rola discreto mais no fundo do sa-lão – a�nal, ninguém é de ferro. Hatai, à Gustavo Kuerten, come apenas uma banana para repor as energias. Depois da pausa ali-mentar, mais duas disputas e chega o momento de ir embora. São 10h30 da manhã, o sol castiga, mas ninguém aparenta can-saço. Alguns vão embora de carro, outros a pé. Hatai segue para o ponto de ônibus. O coletivo chega, Hatai é saudado pelo mo-torista – “Fala aí, japonês” – e se senta na cadeira reservada aos idosos. Questionado sobre até quando vai jogar, ele grita: “Cento e vinte”. Alguém duvida?

Se o gatebol é considerado um esporte-lazer, no qual a diversão deve ser a prioridade, outra modalida-de trazida pelos japoneses ao Brasil, o softbol, busca também a competição. É uma versão mais leve do beisebol, com regras parecidas, mas com bolinhas maiores. Faz parte do progra-ma dos Jogos Olímpicos e é disputado apenas pelas mulheres nesse evento. As atletas brasileiras – a maioria, descendentes de japoneses – sofrem com um mal que atinge vários esportes menos conhecidos no país: a falta de apoio.

Maria Elisa Haru Mitanaka, a Mary, atuou pela nossa sele-ção nos últimos Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio de Ja-neiro, em 2007. “Foi uma experiência única. Jogando em casa, melhor ainda”, revela. Nos anos anteriores ao Pan, Mary nada fazia além de jogar softbol. “Eu quase não ia a festas. Não saia para dançar. Não podia porque ia treinar.” Mas há remuneração que compensa tanto esforço? Nenhuma. “Só satisfação mesmo”, diz. Por isso, Mary deve abandonar essa rotina. Aos 21 anos, imagina um futuro mais rentável. “Este ano começa a �car di-fícil. Termino a faculdade, tenho que começar a pensar em que vou trabalhar. Viver de softbol no Brasil é muito difícil. Mais di-fícil ainda é parar com isso aqui”, diz.

O barulho é quase ensurdecedor. Vá-rias pessoas batem espadas de bambu na armadura ou numa es-pécie de capacete dos adversários. Gritam cada vez que atingem

o oponente. É preciso muito mais que força e técnica. A�nal, o objetivo não é vencer o adversário �sicamente, e sim espiritual-mente. Fazer com que ele se sinta derrotado. Sem postura, con-centração e disciplina, você não tem chance. Assim é o kendo, uma tradição herdada dos samurais.

O preparo físico é fundamental no kendo. Na primeira meia hora de aula, são feitos alongamentos, corridas e movimentos repetitivos para o corpo, pés e punhos. Antes e depois da aula, todos reverenciam o dojo (academia). No início, é pedida a per-missão para treinar no local e proteção para que ninguém se machuque. No �m, hora do agradecimento por tudo ter corrido bem. “Isso tem que servir para o dia-a-dia também. Respeito ao próximo, à hierarquia, às leis. O intuito do kendo é formar um bom cidadão”, diz o professor e técnico da seleção brasileira, Roberto Someya.

A intensa troca de golpes pode levar a falsas impressões. A validade de um golpe é muito rígida. O ataque deve ser aplicado em harmonia entre o espírito, representado por um grito (ki), o uso correto da espada (ken) e o movimento certo do corpo (tai). “É como se fosse uma pressão psicológica”, avalia Cons-tantino Messinis, presidente da Federação Paulista. O kendo é um esporte japonês no qual não se busca a massi�cação. Nele se vende uma ideologia e a busca da perfeição. “É muito restrito porque é necessário muito tempo para aprender e entender. As-sim como a vida”, diz Messinis.

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Entre uma tacada e outra, os praticantes se deslocam pelo campo e traçam estratégias. Di�culdade para abaixar e pegar a bolinha? Nenhuma. O centenário Kenji Hatai, por exemplo, nunca deve ter ouvido falar em problema de coluna.

Ao término de duas partidas, pausa para o lanche. Cada um leva um prato diferente. Tem coxinha, es�ha, biscoito, amen-doim, café e, claro, comidas típicas japonesas. Alguns tomam Campari e até um uisquinho rola discreto mais no fundo do sa-lão – a�nal, ninguém é de ferro. Hatai, à Gustavo Kuerten, come apenas uma banana para repor as energias. Depois da pausa ali-mentar, mais duas disputas e chega o momento de ir embora. São 10h30 da manhã, o sol castiga, mas ninguém aparenta can-saço. Alguns vão embora de carro, outros a pé. Hatai segue para o ponto de ônibus. O coletivo chega, Hatai é saudado pelo mo-torista – “Fala aí, japonês” – e se senta na cadeira reservada aos idosos. Questionado sobre até quando vai jogar, ele grita: “Cento e vinte”. Alguém duvida?

Se o gatebol é considerado um esporte-lazer, no qual a diversão deve ser a prioridade, outra modalida-de trazida pelos japoneses ao Brasil, o softbol, busca também a competição. É uma versão mais leve do beisebol, com regras parecidas, mas com bolinhas maiores. Faz parte do progra-ma dos Jogos Olímpicos e é disputado apenas pelas mulheres nesse evento. As atletas brasileiras – a maioria, descendentes de japoneses – sofrem com um mal que atinge vários esportes menos conhecidos no país: a falta de apoio.

Maria Elisa Haru Mitanaka, a Mary, atuou pela nossa sele-ção nos últimos Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio de Ja-neiro, em 2007. “Foi uma experiência única. Jogando em casa, melhor ainda”, revela. Nos anos anteriores ao Pan, Mary nada fazia além de jogar softbol. “Eu quase não ia a festas. Não saia para dançar. Não podia porque ia treinar.” Mas há remuneração que compensa tanto esforço? Nenhuma. “Só satisfação mesmo”, diz. Por isso, Mary deve abandonar essa rotina. Aos 21 anos, imagina um futuro mais rentável. “Este ano começa a �car di-fícil. Termino a faculdade, tenho que começar a pensar em que vou trabalhar. Viver de softbol no Brasil é muito difícil. Mais di-fícil ainda é parar com isso aqui”, diz.

O barulho é quase ensurdecedor. Vá-rias pessoas batem espadas de bambu na armadura ou numa es-pécie de capacete dos adversários. Gritam cada vez que atingem

o oponente. É preciso muito mais que força e técnica. A�nal, o objetivo não é vencer o adversário �sicamente, e sim espiritual-mente. Fazer com que ele se sinta derrotado. Sem postura, con-centração e disciplina, você não tem chance. Assim é o kendo, uma tradição herdada dos samurais.

O preparo físico é fundamental no kendo. Na primeira meia hora de aula, são feitos alongamentos, corridas e movimentos repetitivos para o corpo, pés e punhos. Antes e depois da aula, todos reverenciam o dojo (academia). No início, é pedida a per-missão para treinar no local e proteção para que ninguém se machuque. No �m, hora do agradecimento por tudo ter corrido bem. “Isso tem que servir para o dia-a-dia também. Respeito ao próximo, à hierarquia, às leis. O intuito do kendo é formar um bom cidadão”, diz o professor e técnico da seleção brasileira, Roberto Someya.

A intensa troca de golpes pode levar a falsas impressões. A validade de um golpe é muito rígida. O ataque deve ser aplicado em harmonia entre o espírito, representado por um grito (ki), o uso correto da espada (ken) e o movimento certo do corpo (tai). “É como se fosse uma pressão psicológica”, avalia Cons-tantino Messinis, presidente da Federação Paulista. O kendo é um esporte japonês no qual não se busca a massi�cação. Nele se vende uma ideologia e a busca da perfeição. “É muito restrito porque é necessário muito tempo para aprender e entender. As-sim como a vida”, diz Messinis.

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Preste atenção na próxima vez que vir duas pessoas com raquetes pequenas e uma boli-nha branca numa mesa de madeira. Antes de chamar de pin-gue-pongue, observe se não é tênis de mesa, sob o risco de levar uma raquetada. “Dá muita raiva. Tem gente que joga no prédio com raquete de madeira e acha que é tênis de mesa”, reclama Thais Matsumoto, que foi bicampeã brasileira mirim. Confusões à parte, o tênis de mesa já foi um esporte predominantemente jogado por japoneses e descendentes. Hoje os valores são mais equilibrados: 50% são ocidentais. A diferença é que boa parte dos descendentes de japoneses começam a jogar muito cedo.

“Quando eu tinha 2 ou 3 anos, meu pai me colocou em cima de uma cadeira e posicionou os braços dele do lado para que eu não caísse”, conta Fábio Takahashi. O início precoce deu re-sultado. Takahashi conquistou tantos títulos que chegou a jogar alguns troféus no lixo. “Junta muita poeira”, diz, sorrindo. Atu-almente técnico, Takahashi treinou vários atletas de ponta do Brasil, como Hugo Hanashiro, Gustavo Ogata e Gustavo Tsu-boi (primeiro mesa-tenista brasileiro a garantir vaga nos Jogos Olímpicos de Pequim). Com o conhecimento que adquiriu em toda a sua trajetória, o treinador diz que o brasileiro ainda leva desvantagem em um elemento essencial para o tênis de mesa: a disciplina. “O oriental está um pouco acima, mas com o tempo o atleta ocidental pode se igualar”, diz.

Por não ser um esporte de contato, o tênis de mesa permite longevidade aos atletas. Tsuyoski Fuke, de 72 anos, pratica há quase meio século e pretende jogar até sua forma física e mental deixar. Concentração e re�exo são preponderantes no tênis de mesa. Os mais jovens são muito competitivos. Mesmo prezando pelos princípios japoneses, a maioria dos jogadores não gosta de perder, e é comum a gritaria após a conquistas de pontos.

Se alguém tem vontade de jogar gol-fe, mas tem medo de errar a bolinha ou de nem ver o buraco, o jogo ideal é o mallet golf, inventado pelos japoneses em 1981. No campo, o ambiente é convidativo. Você vê árvores, ouve o canto dos pássaros e sente o cheiro da grama. Tranqüilidade absoluta. Nem parece que ali existem pessoas praticando um esporte. É assim todos os �ns de semana no Clube Cooperco-tia, na Zona Sul de São Paulo. Com o taco na mão (chamado de martelo) e o olho na bolinha, homens e mulheres se divertem jogando essa espécie de minigolfe.

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Preste atenção na próxima vez que vir duas pessoas com raquetes pequenas e uma boli-nha branca numa mesa de madeira. Antes de chamar de pin-gue-pongue, observe se não é tênis de mesa, sob o risco de levar uma raquetada. “Dá muita raiva. Tem gente que joga no prédio com raquete de madeira e acha que é tênis de mesa”, reclama Thais Matsumoto, que foi bicampeã brasileira mirim. Confusões à parte, o tênis de mesa já foi um esporte predominantemente jogado por japoneses e descendentes. Hoje os valores são mais equilibrados: 50% são ocidentais. A diferença é que boa parte dos descendentes de japoneses começam a jogar muito cedo.

“Quando eu tinha 2 ou 3 anos, meu pai me colocou em cima de uma cadeira e posicionou os braços dele do lado para que eu não caísse”, conta Fábio Takahashi. O início precoce deu re-sultado. Takahashi conquistou tantos títulos que chegou a jogar alguns troféus no lixo. “Junta muita poeira”, diz, sorrindo. Atu-almente técnico, Takahashi treinou vários atletas de ponta do Brasil, como Hugo Hanashiro, Gustavo Ogata e Gustavo Tsu-boi (primeiro mesa-tenista brasileiro a garantir vaga nos Jogos Olímpicos de Pequim). Com o conhecimento que adquiriu em toda a sua trajetória, o treinador diz que o brasileiro ainda leva desvantagem em um elemento essencial para o tênis de mesa: a disciplina. “O oriental está um pouco acima, mas com o tempo o atleta ocidental pode se igualar”, diz.

Por não ser um esporte de contato, o tênis de mesa permite longevidade aos atletas. Tsuyoski Fuke, de 72 anos, pratica há quase meio século e pretende jogar até sua forma física e mental deixar. Concentração e re�exo são preponderantes no tênis de mesa. Os mais jovens são muito competitivos. Mesmo prezando pelos princípios japoneses, a maioria dos jogadores não gosta de perder, e é comum a gritaria após a conquistas de pontos.

Se alguém tem vontade de jogar gol-fe, mas tem medo de errar a bolinha ou de nem ver o buraco, o jogo ideal é o mallet golf, inventado pelos japoneses em 1981. No campo, o ambiente é convidativo. Você vê árvores, ouve o canto dos pássaros e sente o cheiro da grama. Tranqüilidade absoluta. Nem parece que ali existem pessoas praticando um esporte. É assim todos os �ns de semana no Clube Cooperco-tia, na Zona Sul de São Paulo. Com o taco na mão (chamado de martelo) e o olho na bolinha, homens e mulheres se divertem jogando essa espécie de minigolfe.

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Akira Obara tem 68 anos e foi o primeiro descendente de japoneses a ser general-de-brigada do Exército Brasileiro. Apo-sentado, conta que o mallet golf faz parte de sua vida há mais de um ano: “Fico feliz de vir aqui respirar este ar puro. A con-vivência também é muito saudável”. Além de exercitar o racio-cínio e o poder de concentração, o esporte também ajuda no preparo físico. As pessoas andam cerca de 2 quilômetros por jogo no trajeto de um hole (buraco) ao outro do campo. “E sem perceber. Vale por uma caminhada e é muito mais legal”, opina, caminhando entre tacadas, Takao Kawabata, de 70 anos.

Muitos deles participam do Campeonato Brasileiro de Mal-let Golf. Olga Hayashi, de 57 anos, fala com orgulho de uma de suas conquistas no esporte. Fui a primeira mulher a passar da categoria C (iniciantes) para a categoria A (principal) em um ano”, comemora ela, que joga desde 2006. Apesar das competi-ções, o clima é de muita descontração entre os jogadores. Uma boa tacada ganha aplausos dos adversários. E se você mal acer-tar a bolinha (como fez este repórter), tenha certeza de que vai ouvir muitas gargalhadas.

Os tacos do mallet golf são como martelos gigantes, muito parecidos com os do gatebol. A média de idade no mallet é bem mais baixa do que no gatebol, jogo considerado para idosos. No Nippon Country Club, em Arujá, na Grande São Paulo, nem um domingo chuvoso afasta os jogadores do campo. Senhores – e principalmente senhoras – jogam alegremente. Ir pra casa? Nem pensar. “Se todo o pessoal da minha idade estivesse aqui, esqueceria a dor de cabeça, o estresse, a depressão”, avisa Ana Bayashi, de 65 anos. Acompanhada de duas amigas, ela pratica o esporte há dois anos.

Entre os esportes relatados nesta reportagem, o mallet golf é o mais simples de ser praticado e não requer conhecimento prévio. De fora, sem uma explicação, o gatebol parece incom-preensível. O mallet também tem mudado hábitos sedentários pelas facilidades e pela diversão que oferece. “Eu �cava pes-cando com meu marido ali do lado, mas vi o campinho e decidi começar a dar umas tacadas. Adorei e estou aqui até hoje”, diz Irene Yamada, de 69 anos. O marido? Também trocou a vara de pescar pelo taco de mallet.

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Akira Obara tem 68 anos e foi o primeiro descendente de japoneses a ser general-de-brigada do Exército Brasileiro. Apo-sentado, conta que o mallet golf faz parte de sua vida há mais de um ano: “Fico feliz de vir aqui respirar este ar puro. A con-vivência também é muito saudável”. Além de exercitar o racio-cínio e o poder de concentração, o esporte também ajuda no preparo físico. As pessoas andam cerca de 2 quilômetros por jogo no trajeto de um hole (buraco) ao outro do campo. “E sem perceber. Vale por uma caminhada e é muito mais legal”, opina, caminhando entre tacadas, Takao Kawabata, de 70 anos.

Muitos deles participam do Campeonato Brasileiro de Mal-let Golf. Olga Hayashi, de 57 anos, fala com orgulho de uma de suas conquistas no esporte. Fui a primeira mulher a passar da categoria C (iniciantes) para a categoria A (principal) em um ano”, comemora ela, que joga desde 2006. Apesar das competi-ções, o clima é de muita descontração entre os jogadores. Uma boa tacada ganha aplausos dos adversários. E se você mal acer-tar a bolinha (como fez este repórter), tenha certeza de que vai ouvir muitas gargalhadas.

Os tacos do mallet golf são como martelos gigantes, muito parecidos com os do gatebol. A média de idade no mallet é bem mais baixa do que no gatebol, jogo considerado para idosos. No Nippon Country Club, em Arujá, na Grande São Paulo, nem um domingo chuvoso afasta os jogadores do campo. Senhores – e principalmente senhoras – jogam alegremente. Ir pra casa? Nem pensar. “Se todo o pessoal da minha idade estivesse aqui, esqueceria a dor de cabeça, o estresse, a depressão”, avisa Ana Bayashi, de 65 anos. Acompanhada de duas amigas, ela pratica o esporte há dois anos.

Entre os esportes relatados nesta reportagem, o mallet golf é o mais simples de ser praticado e não requer conhecimento prévio. De fora, sem uma explicação, o gatebol parece incom-preensível. O mallet também tem mudado hábitos sedentários pelas facilidades e pela diversão que oferece. “Eu �cava pes-cando com meu marido ali do lado, mas vi o campinho e decidi começar a dar umas tacadas. Adorei e estou aqui até hoje”, diz Irene Yamada, de 69 anos. O marido? Também trocou a vara de pescar pelo taco de mallet.

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Em comemoração aos 100 anos

da imigração, sete artistas

homenageiam, com obras exclusivas,

grandes nomes da colônia

japonesa no Brasil

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Em comemoração aos 100 anos

da imigração, sete artistas

homenageiam, com obras exclusivas,

grandes nomes da colônia

japonesa no Brasil

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Quem nunca sofreu ou vibrou com o Ultraman em uma batalha com monstros, que atire a primeira pokebola. Os ícones pop japoneses povoam nossas mentes, televisores e computadores há muito tempo

s personagens de Tokidoki parecem saídos de uma his-tória de mangá. São personagens com aparência infan-til e de traços simples, que estampam roupas, tênis, brinquedos e mais uma série de produtos. Quem os vê pela primeira vez acredita que se trata de mais uma in-venção da mente criativa de algum artista japonês, mas

a verdade é que por trás de Tokidoki está o ilustrador e designer italiano Simone Legno. Ele é natural de Roma e de oriental não tem nada a não ser a sua enorme paixão pela cultura japonesa.

As criações de Legno começaram na forma de um website, onde ele publicava suas ilustrações. Logo sua fama se espalhou rapidamente, o que resultou em convites para trabalhos com grandes empresas, como Nike e Volkswagen. Seus personagens fazem muito sucesso inclusive no Japão, onde o designer tem

projeto para lançar em breve uma série de produtos em parce-ria com ninguém menos que Hiroko Yamaguchi, a criadora da gatinha Hello Kitty. Casos como o desse artista italiano ilustram o poder de in�uência que a cultura pop japonesa tem sobre as novas gerações no mundo todo. Um mundo que vive a era da tecnologia, dos videogames de alta de�nição, do mp3, do mp4, da internet de alta velocidade, que cada vez mais parece estar falando a mesma língua, mas com um certo sotaque japonês.

A primeira vez que o termo “mangá” surgiu foi no século 19, com o artista Kat-sushika Hokusai, autor de A Grande Onda de Kanagawa, uma das obras de arte japonesas mais conhecidas no mundo. Hoku-sai criou uma série de esboços que �caram conhecidos como

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Quem nunca sofreu ou vibrou com o Ultraman em uma batalha com monstros, que atire a primeira pokebola. Os ícones pop japoneses povoam nossas mentes, televisores e computadores há muito tempo

s personagens de Tokidoki parecem saídos de uma his-tória de mangá. São personagens com aparência infan-til e de traços simples, que estampam roupas, tênis, brinquedos e mais uma série de produtos. Quem os vê pela primeira vez acredita que se trata de mais uma in-venção da mente criativa de algum artista japonês, mas

a verdade é que por trás de Tokidoki está o ilustrador e designer italiano Simone Legno. Ele é natural de Roma e de oriental não tem nada a não ser a sua enorme paixão pela cultura japonesa.

As criações de Legno começaram na forma de um website, onde ele publicava suas ilustrações. Logo sua fama se espalhou rapidamente, o que resultou em convites para trabalhos com grandes empresas, como Nike e Volkswagen. Seus personagens fazem muito sucesso inclusive no Japão, onde o designer tem

projeto para lançar em breve uma série de produtos em parce-ria com ninguém menos que Hiroko Yamaguchi, a criadora da gatinha Hello Kitty. Casos como o desse artista italiano ilustram o poder de in�uência que a cultura pop japonesa tem sobre as novas gerações no mundo todo. Um mundo que vive a era da tecnologia, dos videogames de alta de�nição, do mp3, do mp4, da internet de alta velocidade, que cada vez mais parece estar falando a mesma língua, mas com um certo sotaque japonês.

A primeira vez que o termo “mangá” surgiu foi no século 19, com o artista Kat-sushika Hokusai, autor de A Grande Onda de Kanagawa, uma das obras de arte japonesas mais conhecidas no mundo. Hoku-sai criou uma série de esboços que �caram conhecidos como

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Hokusai Mangá, algo como “os rascunhos livres de Hokusai”. Esses desenhos não continham histórias. Eram, como o pró-prio nome dizia, ilustrações feitas sem pretensão alguma além de servir como um exercício, quase uma brincadeira para o artista. O mangá moderno só surgiria al-gumas décadas depois, com a in�uência dos quadrinhos ocidentais.

A grande revolução do mangá ocorreu no século seguinte, por meio das mãos de artistas como Osamu Tezuka, considerado o deus do mangá. Tezuka lançou, a partir do �nal da década de 40 e início de 50,

uma série de histórias e personagens que se tornariam muito populares, como Astro Boy e Kimba, o Leão Branco. Muito in-�uenciado pelo cinema norte-americano, conquistou muitos fãs pela maneira de contar histórias com a mesma sensação de velocidade dos �lmes a que assistia. Seu trabalho acabou inspirando toda uma ge-ração de artistas, que teriam o mestre Te-zuka como principal referência.

O mangá se tornou a válvula de escape ideal para o povo japonês, que vivia cada vez mais pressionado pelo crescimento da competitividade de sua sociedade. Adul-

tos e crianças tinham uma alternativa de entretenimento barata, que os apresenta-va a um mundo repleto de fantasias, muito diferente da sua realidade. Dessa forma, o mangá acabou in�uenciando também outros aspectos da cultura japonesa, como a moda, a música e o comportamento das novas gerações.

O passo seguinte de Osamu Tezuka foi levar o mesmo encantamento de seus mangás para as telas de TV por meio do animê, que não só expandiu o alcance dos seus trabalhos dentro do Japão como rom-peu as fronteiras geográ�cas. O animê foi

o grande embaixador e precursor da cul-tura pop japonesa no Ocidente. Obras de Tezuka e de outros autores chegaram às te-linhas da Europa, Estados Unidos e Amé-rica do Sul na década de 60. Foi a partir daí que o mundo conheceu um Japão que não era feito apenas de gueixas, samurais e artes marciais. Um país moderno, dinâmi-co, povoado por robôs, monstros e perso-nagens sem a típica timidez oriental.

Há exatos 100 anos, milhares de japoneses começaram a sair de sua terra natal com

destino ao Brasil, onde formam atualmen-te a maior colônia japonesa do mundo, com mais de 1,5 milhão de pessoas. Por-tanto não é de estranhar que os brasileiros tenham assimilado um pouco da cultura japonesa depois de tanto tempo de con-vivência.

Ver crianças brincando de jokempô ou fazendo origami na escola já faz parte do nosso dia-a-dia. Assim como o sushi, que pode ser encontrado até em churrascarias. Na moda, as Havaianas, um dos produtos nacionais de maior sucesso no exterior, foi inspirado no zori, tradicional calçado japo-

nês. E o que falar dos atletas do jiu-jítsu que fazem fama no mundo das lutas?

Desde que chegaram ao Brasil, os imi-grantes japoneses têm batalhado para pre-servar sua cultura em um país tão distante de suas origens e de costumes tão diferen-tes. E para isso não mediu esforços nesses anos todos. Em 1916, já circulavam em terras brasileiras os primeiros exemplares de jornais em língua japonesa, que traziam não só notícias locais como também vindas do Japão. Centenas de associações cultu-rais e escolas foram fundadas, toneladas de livros continuam sendo importadas até

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Hokusai Mangá, algo como “os rascunhos livres de Hokusai”. Esses desenhos não continham histórias. Eram, como o pró-prio nome dizia, ilustrações feitas sem pretensão alguma além de servir como um exercício, quase uma brincadeira para o artista. O mangá moderno só surgiria al-gumas décadas depois, com a in�uência dos quadrinhos ocidentais.

A grande revolução do mangá ocorreu no século seguinte, por meio das mãos de artistas como Osamu Tezuka, considerado o deus do mangá. Tezuka lançou, a partir do �nal da década de 40 e início de 50,

uma série de histórias e personagens que se tornariam muito populares, como Astro Boy e Kimba, o Leão Branco. Muito in-�uenciado pelo cinema norte-americano, conquistou muitos fãs pela maneira de contar histórias com a mesma sensação de velocidade dos �lmes a que assistia. Seu trabalho acabou inspirando toda uma ge-ração de artistas, que teriam o mestre Te-zuka como principal referência.

O mangá se tornou a válvula de escape ideal para o povo japonês, que vivia cada vez mais pressionado pelo crescimento da competitividade de sua sociedade. Adul-

tos e crianças tinham uma alternativa de entretenimento barata, que os apresenta-va a um mundo repleto de fantasias, muito diferente da sua realidade. Dessa forma, o mangá acabou in�uenciando também outros aspectos da cultura japonesa, como a moda, a música e o comportamento das novas gerações.

O passo seguinte de Osamu Tezuka foi levar o mesmo encantamento de seus mangás para as telas de TV por meio do animê, que não só expandiu o alcance dos seus trabalhos dentro do Japão como rom-peu as fronteiras geográ�cas. O animê foi

o grande embaixador e precursor da cul-tura pop japonesa no Ocidente. Obras de Tezuka e de outros autores chegaram às te-linhas da Europa, Estados Unidos e Amé-rica do Sul na década de 60. Foi a partir daí que o mundo conheceu um Japão que não era feito apenas de gueixas, samurais e artes marciais. Um país moderno, dinâmi-co, povoado por robôs, monstros e perso-nagens sem a típica timidez oriental.

Há exatos 100 anos, milhares de japoneses começaram a sair de sua terra natal com

destino ao Brasil, onde formam atualmen-te a maior colônia japonesa do mundo, com mais de 1,5 milhão de pessoas. Por-tanto não é de estranhar que os brasileiros tenham assimilado um pouco da cultura japonesa depois de tanto tempo de con-vivência.

Ver crianças brincando de jokempô ou fazendo origami na escola já faz parte do nosso dia-a-dia. Assim como o sushi, que pode ser encontrado até em churrascarias. Na moda, as Havaianas, um dos produtos nacionais de maior sucesso no exterior, foi inspirado no zori, tradicional calçado japo-

nês. E o que falar dos atletas do jiu-jítsu que fazem fama no mundo das lutas?

Desde que chegaram ao Brasil, os imi-grantes japoneses têm batalhado para pre-servar sua cultura em um país tão distante de suas origens e de costumes tão diferen-tes. E para isso não mediu esforços nesses anos todos. Em 1916, já circulavam em terras brasileiras os primeiros exemplares de jornais em língua japonesa, que traziam não só notícias locais como também vindas do Japão. Centenas de associações cultu-rais e escolas foram fundadas, toneladas de livros continuam sendo importadas até

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hoje. Tudo para que as raízes japonesas permaneçam vivas no dia-a-dia.

Na década de 50, começaram a surgir na cidade de São Paulo diversos cinemas com programação exclusiva de produções japonesas (só na Liberdade, eram quatro cinemas). O Cine Niterói, um dos mais famosos, tinha capacidade para até 1 500 pessoas e atraía gente de todo o estado.

Em 1970, estreava na TV o programa Imagens do Japão, que, sob o comando da cantora Rosa Miyake, foi o principal difu-sor da cultura japonesa no Brasil durante os mais de 30 anos em que esteve no ar. O que começou como um programa de auditório acabou se transformando numa espécie de minicanal de televisão, que incluía a retransmissão de noticiários, no-velas, eventos esportivos e shows musicais vindos do Japão. E ele não estava sozinho. Na década seguinte, um outro programa surgiria: o Japan Pop Show.

Com o declínio do público nos cine-

mas nos anos seguintes, foi crescendo o número de locadoras de vídeo que ofe-reciam uma variedade imensa de progra-mas da TV japonesa. E, alguns anos de-pois, a TV a cabo e por satélite acabaria por conectar de vez os dois países, com a transmissão do NHK, principal canal de televisão japonês.Paralelamente a todo esse movimento, alguns heróis da �cção japonesa começavam a fazer sucesso na programação dos canais de TV brasileiros. De National Kid, ainda na década de 60, passando por Ultraman, Jaspion e compa-nhia, nas décadas seguintes, todos foram unanimidade entre as crianças de cada época. E desenhos animados japoneses (os animês), como Speed Racer e Dragon Ball, conquistariam cada vez mais fãs.

A partir da década de 90, seguindo uma tendência mundial, os animês invadiram a programação das TVs e, juntamente com

eles, crescia o mercado de brinquedos ins-pirados em personagens. Primeiro foram os Cavaleiros do Zodíaco e seus bonecos com armaduras douradas. Depois foi a vez do Pokémon, que virou uma verdadeira febre mundial com suas centenas de cria-turinhas colecionáveis. E, ao contrário da maioria dos animês que tinham origem na sua versão mangá, Pokémon nasceu em um jogo de videogame, outro elemento de grande importância na cultura pop do Ja-pão que se espalhou pelo mundo.

A oferta de títulos por parte da TV aberta e da TV a cabo aumentou de tal maneira que hoje existem dezenas de animês disponíveis no Brasil, principal-mente nas TVs a cabo. E o interesse cada vez maior pelos desenhos animados aca-bou esquentando também o mercado de mangás, segmento que cresceu muito nos últimos anos nas bancas de jornal brasi-leiras. Atualmente são pelo menos três grandes editoras que lançam mangás no

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hoje. Tudo para que as raízes japonesas permaneçam vivas no dia-a-dia.

Na década de 50, começaram a surgir na cidade de São Paulo diversos cinemas com programação exclusiva de produções japonesas (só na Liberdade, eram quatro cinemas). O Cine Niterói, um dos mais famosos, tinha capacidade para até 1 500 pessoas e atraía gente de todo o estado.

Em 1970, estreava na TV o programa Imagens do Japão, que, sob o comando da cantora Rosa Miyake, foi o principal difu-sor da cultura japonesa no Brasil durante os mais de 30 anos em que esteve no ar. O que começou como um programa de auditório acabou se transformando numa espécie de minicanal de televisão, que incluía a retransmissão de noticiários, no-velas, eventos esportivos e shows musicais vindos do Japão. E ele não estava sozinho. Na década seguinte, um outro programa surgiria: o Japan Pop Show.

Com o declínio do público nos cine-

mas nos anos seguintes, foi crescendo o número de locadoras de vídeo que ofe-reciam uma variedade imensa de progra-mas da TV japonesa. E, alguns anos de-pois, a TV a cabo e por satélite acabaria por conectar de vez os dois países, com a transmissão do NHK, principal canal de televisão japonês.Paralelamente a todo esse movimento, alguns heróis da �cção japonesa começavam a fazer sucesso na programação dos canais de TV brasileiros. De National Kid, ainda na década de 60, passando por Ultraman, Jaspion e compa-nhia, nas décadas seguintes, todos foram unanimidade entre as crianças de cada época. E desenhos animados japoneses (os animês), como Speed Racer e Dragon Ball, conquistariam cada vez mais fãs.

A partir da década de 90, seguindo uma tendência mundial, os animês invadiram a programação das TVs e, juntamente com

eles, crescia o mercado de brinquedos ins-pirados em personagens. Primeiro foram os Cavaleiros do Zodíaco e seus bonecos com armaduras douradas. Depois foi a vez do Pokémon, que virou uma verdadeira febre mundial com suas centenas de cria-turinhas colecionáveis. E, ao contrário da maioria dos animês que tinham origem na sua versão mangá, Pokémon nasceu em um jogo de videogame, outro elemento de grande importância na cultura pop do Ja-pão que se espalhou pelo mundo.

A oferta de títulos por parte da TV aberta e da TV a cabo aumentou de tal maneira que hoje existem dezenas de animês disponíveis no Brasil, principal-mente nas TVs a cabo. E o interesse cada vez maior pelos desenhos animados aca-bou esquentando também o mercado de mangás, segmento que cresceu muito nos últimos anos nas bancas de jornal brasi-leiras. Atualmente são pelo menos três grandes editoras que lançam mangás no

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país. O curioso é que, na maior parte des-ses exemplares, o sentido de leitura das páginas é de trás para a frente, como em qualquer livro japonês, para dar um to-que exótico à leitura. Surge então a tribo urbana dos otakus, adolescentes ávidos por mangás e animês. O Brasil, que já tinha um relacionamento estreito com o Japão graças à colônia de imigrantes residentes no país, proporcionou as condições ideais para a proliferação dessa tribo. O tradicional bair-ro da Liberdade, o reduto japonês de São Paulo, virou ponto de encontro obrigatório para muitos deles, pois é onde se localiza a maioria das lojas especializadas no assunto. Livrarias que vendem obras na língua ja-ponesa, antes freqüentadas quase exclusi-vamente por japoneses e descendentes, vi-ram-se invadidas por adolescentes das mais diversas etnias interessados por mangás.

Andando sempre em grupos de me-ninos e meninas, os otakus são facilmen-te reconhecidos pelo modo de se vestir e

de se comportar (veja quadro na página 75). Os mais radicais até se aventuram a aprender a língua japonesa para assistir a animês sem a necessidade de legendas e ler mangás originais, o que para muitos é o ideal, pois, segundo eles, a tradução para o português perde muito da riqueza simbólica dos ideogramas japoneses.

Do desenhista ao dublador, parece que tudo o que é relacionado a mangá e animê é idolatrado pelos otakus. Os even-tos e as convenções reúnem milhares deles e são cada vez mais freqüentes pelo país todo. A grande atração na maioria deles são os concursos de cosplay, nos quais os participantes se fantasiam de seus perso-nagens preferidos e apresentam coreogra-�as. Alguns competidores chegam a gastar pequenas fortunas com as fantasias. E o Brasil tem se destacado na modalidade. Os irmãos Maurício e Mônica Somenzari, por exemplo, tornaram-se campeões mun-diais da WCS (World Cosplay Summit),

uma das competições mais importantes do mundo, que rolou no Japão em 2006.

Já a internet é a ferramenta funda-mental para quem é fã de mangás, animês e videogames. No Orkut, existem milhares de comunidades de fãs do mundo todo. Só em uma delas, destinada ao Naruto, são mais de 250 mil participantes. No YouTu-be, dá para assistir até a episódios comple-tos de animês inéditos no país. O animê e o mangá são apenas a ponta do iceberg.

O segredo da cultura pop japonesa talvez esteja na sua própria origem. Ela é resultado da mistura de valores tradicionais do Orien-te com conceitos modernos do Ocidente, re�exo da transformação pela qual o Japão passou após a derrota na Segunda Guerra Mundial. Ao se reerguer, agregou os novos valores capitalistas à sua cultura milenar, que durante séculos viveu isolada e alheia a in�uências externas. Uma transformação tão drástica que faz o povo japonês viver o passado e o futuro ao mesmo tempo.

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país. O curioso é que, na maior parte des-ses exemplares, o sentido de leitura das páginas é de trás para a frente, como em qualquer livro japonês, para dar um to-que exótico à leitura. Surge então a tribo urbana dos otakus, adolescentes ávidos por mangás e animês. O Brasil, que já tinha um relacionamento estreito com o Japão graças à colônia de imigrantes residentes no país, proporcionou as condições ideais para a proliferação dessa tribo. O tradicional bair-ro da Liberdade, o reduto japonês de São Paulo, virou ponto de encontro obrigatório para muitos deles, pois é onde se localiza a maioria das lojas especializadas no assunto. Livrarias que vendem obras na língua ja-ponesa, antes freqüentadas quase exclusi-vamente por japoneses e descendentes, vi-ram-se invadidas por adolescentes das mais diversas etnias interessados por mangás.

Andando sempre em grupos de me-ninos e meninas, os otakus são facilmen-te reconhecidos pelo modo de se vestir e

de se comportar (veja quadro na página 75). Os mais radicais até se aventuram a aprender a língua japonesa para assistir a animês sem a necessidade de legendas e ler mangás originais, o que para muitos é o ideal, pois, segundo eles, a tradução para o português perde muito da riqueza simbólica dos ideogramas japoneses.

Do desenhista ao dublador, parece que tudo o que é relacionado a mangá e animê é idolatrado pelos otakus. Os even-tos e as convenções reúnem milhares deles e são cada vez mais freqüentes pelo país todo. A grande atração na maioria deles são os concursos de cosplay, nos quais os participantes se fantasiam de seus perso-nagens preferidos e apresentam coreogra-�as. Alguns competidores chegam a gastar pequenas fortunas com as fantasias. E o Brasil tem se destacado na modalidade. Os irmãos Maurício e Mônica Somenzari, por exemplo, tornaram-se campeões mun-diais da WCS (World Cosplay Summit),

uma das competições mais importantes do mundo, que rolou no Japão em 2006.

Já a internet é a ferramenta funda-mental para quem é fã de mangás, animês e videogames. No Orkut, existem milhares de comunidades de fãs do mundo todo. Só em uma delas, destinada ao Naruto, são mais de 250 mil participantes. No YouTu-be, dá para assistir até a episódios comple-tos de animês inéditos no país. O animê e o mangá são apenas a ponta do iceberg.

O segredo da cultura pop japonesa talvez esteja na sua própria origem. Ela é resultado da mistura de valores tradicionais do Orien-te com conceitos modernos do Ocidente, re�exo da transformação pela qual o Japão passou após a derrota na Segunda Guerra Mundial. Ao se reerguer, agregou os novos valores capitalistas à sua cultura milenar, que durante séculos viveu isolada e alheia a in�uências externas. Uma transformação tão drástica que faz o povo japonês viver o passado e o futuro ao mesmo tempo.

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