viagem cultural a marrocos

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A cidade de Volubilis é um dos sítio mais bem preservadas em Marrocos e também dos mais visitados. Esta cidade resume muito da história de Marrocos desde o século III aC. até à alta Idade Média. O primeiro núcleo da cidade remonta ao século III aC. Após a anexação do Reino da Mauritânia ao império romano em 42 dC. Após o assassinato do rei Ptolomeu pelo imperador Calígula, Volubilis é elevada à categoria de município e vive uma grande expansão urbana a partir da segunda metade do século I dC. Sob a administração do imperador Marco Aurélio (168-169 dC.) é construída amuralha da cidade que abrange uma área de quarenta hectares. No final do século II a área monumental (Capitolio, basílica, e fórum) é reorganizada e um arco triunfal é erguido para homenagear o imperador por ter concedido a cidadania romana aos residentes. Em 285 dC, a administração romana e o exército evacuam a cidade. Os habitantes constroem uma nova muralha separando cidade antiga da cidade recém-construída. No final do século oitavo, Idris I refugiou-se na Walili (a Volubilis antiga), onde a tribo Aouraba o proclama líder dos Fiéis (Imam). A cidade torna-se o ponto de partida da islamização. Foi abandonada depois da fundação da cidade de Fez, em 789 dC. VOLUBILIS Reconstituição de Volubilis A maioria dos principais edifícios púlblicos e privados data dos séculos II e III d. C., quando a cidade vivia o seu apogeu. Apenas o centro da cidade foi escavado.

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Programa de uma viagem cultural a Marrocos, realizada em 2012.

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Page 1: Viagem Cultural a Marrocos

A cidade de Volubilis é um dos sítio mais bem preservadas em Marrocos e também dos mais visitados. Esta cidade resume muito da história de Marrocos desde o século III aC. até à alta Idade Média. O primeiro núcleo da cidade remonta ao século III aC. Após a anexação do Reino da Mauritânia ao império romano em 42 dC. Após o assassinato do rei Ptolomeu pelo imperador Calígula, Volubilis é elevada à categoria de município e vive uma grande expansão urbana a partir da segunda metade do século I dC.

Sob a administração do imperador Marco Aurélio (168-169 dC.) é construída amuralha da cidade que abrange uma área de quarenta

hectares. No final do século II a área monumental (Capitolio, basílica, e fórum) é reorganizada e um arco triunfal é erguido para homenagear o imperador por ter concedido a cidadania romana aos residentes.

Em 285 dC, a administração romana e o exército evacuam a cidade. Os habitantes constroem uma nova muralha separando cidade antiga da cidade recém-construída. No final do século oitavo, Idris I refugiou-se na Walili (a Volubilis antiga), onde a tribo Aouraba o proclama líder dos Fiéis (Imam). A cidade torna-se o ponto de partida da islamização. Foi abandonada depois da fundação da cidade de Fez, em 789 dC.

VOLUBILIS

Reconstituição de VolubilisA maioria dos principais edifícios púlblicos e privados data dos séculos II e III d. C., quando a cidade vivia o seu apogeu.Apenas o centro da cidadefoi escavado.

Page 2: Viagem Cultural a Marrocos

Vár ias áreas fo ram ident i f i cadas por escavações antigas e recentes.

O BAIRRO SUL

Trata-se de um bairro constituído por muitas unidades habitacionais. De uma forma geral revela a modéstia dos seus ocupantes, mas mesmo assim, tem as casas mais bonitas e luxuosas de Volubilis, como o lar de Orfeu, cuja planta e decoração são uma reminiscência das casas no bairro Nordeste da cidade.

A ÁREA MONUMENTAL

É composta por três lugares para o qual convergem as principais vias da cidade, a área monumental forma o coração da cidade: O fórum, praça pública, ocupa uma área de 1300 m2 pavimentada com grandes lajes. A Basílica, fica no lado oriental. É composta por três naves ladeadas por colunas encimadas por capitéis coríntios.O Capitólio, templo oficial dedicado à Tríade Capitolina: Júpiter, Juno e Minerva foi construído sob o Imperador Macrino (217 aC.).Uma colunata parcialmente restaurada oferece uma grande idéia do seu estado original. O Arco do Triunfo fica no extremo noroeste do conjunto. Tem mais de 5,87 m de altura . O Arco do Triunfo, que foi parcialmente restaurado, foi construído em honra do imperador Caracalla.

“Diana leaves her Bath”.Foto: Jerzy Strzelecki

O BAIRRO DO NORDESTE

O bairro residencial que se estende do Arco do Triunfo à Porta de Tanger. Construído na época romana, do século I aC. As casas desta área da cidade oferecem uma regularidade excepcional e são ricamente decoradas e cuidadosamente arranjadas. Os mosaicos mais bonitos estão presentes nas casas de Efebo, de Hércules e na casa com colunas de Vénus.

A ZONA OESTE DA CIDADE

Este zona abrange uma área de 18 hectares e é separada por uma muralha que foi construída no século quinto dC. As escavações revelaram casas romanas, um bairro tardio e termas do período islâmico (Hammam).

FONTE:

Embaixada do Reino de Marrocos em Portugal [Em linha]. Disponível na internet: http://www.emb-marrocos.pt/.

O Arco do Triunfo.Foto: Jerzy Strzelecki

Capitólio.Foto: Jerzy Strzelecki

Page 3: Viagem Cultural a Marrocos

Situadas entre a fértil planície do Rarb e do Médio Atlas, Meknès e Volubilis ficam no coração de uma área agrícola que desde a antiguidade é o celeiro de Marrocos. A importância histórica destas duas cidades é evidente nas ruínas de Volubilis, capital da Mauretania Tingitana e o sítio arqueológico mais importante de Marrocos, e na grandeza dos edifícios mouriscos de Meknès.

Desde a sua fundação, no século X, à chegada dos Alauitas no século XVII, Meknès foi apenas uma pequena cidade ensombrada por Fez, sua vizinha e rival. Só no reinado do mulei Ismaïl, com início em 1672, é que Meknès chegou a ser capital imperial. Com uma energia interminável. o sultão construiu portas, muralhas, mesquitas e palácios. Este ambicioso programa de construção continuou ao longo do seu reinado e envolveu a espoliação das ruínas de Volubilise do Palais el-Badi em Marráquexe. Passados 50 anos, os trabalhos ainda não haviam terminado. Apesar de a impaciência do

sultão ser muitas vezes um obstáculo, ele revigorou a arquitectura dos palácios.

Hoje, Meknès é a quinta maior cidade de Marrocos, com 450 000 habitantes. É um centro económico dinâmico, famoso pelas azeitonas, pelo vinho e pelo chá de hortelã. A cidade imperial fica junto da cidade nova, nas margens do Wadi Boufekrane.

URBANISMO

A MEDINA

O plano da medina, um labirinto medieval , é idêntico ao da medina de outras cidades imperiais. Há poucas vias principais. A Rue Karmouni, que atravessa o bairro de norte a sul. liga o Bab el-Berdaïne ao coração económico e espiritual da medina.

MEKNÈS

Meknès

Page 4: Viagem Cultural a Marrocos

A Rue des Souks vai do Bab Berrima. a oeste, até ao centro da medina. Várias ruas mais pequenas irradiam deste centro, que é marcado pela Grande Mesquita e pela Medersa Bou Inania.

OS SOUKS

Os Souks são uma rede de pequenas ruas cobertas ou não, alinhadas por lojas e oficinas, e representam uma fascinante conservação do ambiente urbano de Marrocos nos séculos XVII e XVlIl. A Rue des Souks, perto do Bab Berrima, está cheia de vendedores de ferragens (akarir), de cereais (bezzazine) e de tecidos (serrayriya), enquanto que os trabalhadores de metais (haddadin) se encontram na velha Rue des Armuriers. O Bab Berrima leva ao Souk En-Nejjarine. o Souk dos Carpinteiros, ao lado do dos caldeireiros e do Souk dos Sapateiros (sebbat).

ARQUITECTURA MILITAR

PORTAS E MURALHAS

Protegida por três trechos de muralha, que perfazem cerca de 40 km, a medina assemelha-se a uma fortaleza com elegantes portas. O Bab el-Berdaïne (Porta dos Fabricantes de Albardas), no lado norte, foi construído pelo mulei Ismaïl. É ladeada por duas torres salientes coroadas por merlôes, e flores estilizadas em azulejos zellij decoram a sua fachada exterior. A oeste da porta. o cemitério muralhado tem um dos mausoléus mais venerados de Marrocos - o de Sidi Mohammed ben Aïssa, fundador da irmandade dos Aïssaoua.

No lado sul do cemitério erguem-se o Bab el-Siba (Porta da Anarquia) e o Bab el-Jedid (Porta Nova, embora na verdade seja uma das mais antigas de Meknès. Mais para sul fica o Bab Berrima, que conduz aos principais souks da medina. Para oeste fica o Bab el-Khemis (Porta da Quinta-Feira), que em tempos levava ao mellah, que já não existe. A notável

decoração da fachada da porta é comparável à do Bab el-Berdaïne.

BAB MANSOUR EL-ALEUJ

O Bab Mansour el-Aleuj (Porta do Renegado Vitorioso) deve o nome ao cristão que o desenhou e construiu. Erguendo-se como um arco triunfal perante a cidade imperial, atravessa as muralhas da kasbah e conduz à Place Lalla Aouda e ao Bairro Dar el-Kebira.

O Bab Mansour el-Aleuj tem proporções monumentais e distingue-se pela decoração, sendo considerado a mais bela porta de Meknès, e mesmo de Marrocos. A sua construção teve início com o sultão mulei Ismaïl em cerca de 1672, quando a construção do edifício da kasbah, o seu primeiro projecto, estava em curso, A porta foi terminada durante o reinado do seu filho, o mulei Abdallah, em 1732. Tem cerca de 16 metros de altura, enquanto o arco tem um diâmetro de 8 metros e é encimado por um arco em fechadura quebrado. Um intrincado padrão de motivos entrelaçados é esculpido em relevo sobre um fundo de mosaicos e azulejos. As peças dos cantos são decoradas com elementos florais gravados em terracota vidrada. A porta está emoldurada por torres salientes construídas no estilo de galerias.

Bab Mansour el-Aleuj

Page 5: Viagem Cultural a Marrocos

ARQUITECTURA RELIGIOSA

A GRANDE MESQUITA

A Grande Mesquita, perto dos Souks e da Medersa Bou Inania, foi construída no século XII durante o reinado dos Almorávidas. Foi remodelada no século XlV. A fachada principal t e m u m a p o r t a i m p o n e n t e c o m u m avançamento esculpido. Os azulejos verdes de terracota no telhado e o minarete do século XVIII são impressionantes quando a luz do sol lhes dá lima aparência quase translúcida.

EQUIPAMENTOS E INFRAESTRUTURAS

BASSIN DE L'AGUEDAL

Este reservatório de água (sahrij) foi construído dentro da kasbah pelo mulei Ismaïl. Tem uma área de 40 000 m2 e o seu objectivo era abastecer de água o palácio e a Cidade Imperial, incluindo as suas mesquitas, hammams, jardins e pomares, As mulheres do harém, diz-se, usavam-no para passear nos seus barcos de lazer. Apenas algumas extensões da sua muralha com ameias subsistem. O lugar foi alvo de alterações infelizes, realizadas numa tentativa de criar um espaço onde a população pudesse passear.

DAR EL-MA

Dar el-Ma, a Casa da Água, continha as reservas de água da cidade e foi outro dos grandiosos projectos do mulei Ismaïl. O enorme edifício com uma abóboda cilíndrica tem 15 salas. Cada urna tem uma nora, que em tempos eram puxadas por animais para tirar água com alcatruzes.

HERI ES-SOUANI

O Dar el-Ma dá acesso ao Heri es-Souani, os chamados Depósitos de Cereais, que são considerados uma das melhores criações do sultão. Este enorme edifício, com 29 alas, foi desenhado para armazenar cereais. As

espessas paredes e a rede de passagens subterrâneas mantinham a temperatura no interior do depósito a um nível baixo e constante. Os tectos ruíram no sismo de 1755

HABITAÇÃO

BAIRRO PORTUGUÊS

Filipe Themudo Barata

Esta cidade marroquina nunca esteve submetida a Portugal. Todavia, desde 1682, por ordem dos xarifes, todos os cativos capturados em Marrocos pertenciam ao soberano. Entretanto, todas as fontes apontam para que um dos maiores grupos de cativos tenha sido de nacionalidade portuguesa. Em 1709, seriam cerca de duzentos e, em 1723, ainda atingiam os cento e noventa indivíduos. Só os espanhóis, com quatrocentos e duzentos, respectivamente, ultrapassavam os nacionais. Os estudos mais recentes mostram que cada nação de cativos, em Meknès, ocupava um bairro, ou parte dele, dirigido por um mordomo, em articulação com o caid, e tinha um hospital, normalmente assistido por um médico com o apoio de padres que viviam na cidade.

Destas estruturas, nomeadamente o local em que viviam os portugueses, incluindo as casas, o hospital e o local de culto, que certamente existiria, nada se conhece. Sabe-se ainda que, em 1692, os cativos desta cidade foram transferidos para o bairro judeu, ou perto dele, e, posteriormente, para junto da mesquita chamada de Ez-Zaytuna (> Salé).

FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

BIBLIOGRAFIA:

Maziane, Leila, Salé el ses corsaires (1666-1727). Un port de course marocain au XVIIe siècle, Caen, 2007.

Marrocos, Porto, 2007

Page 6: Viagem Cultural a Marrocos

Marráquexe é tão importante que deu o nome a Marrocos. Durante mais de dois séculos, esta cidade berbere, no ponto de intercâmbio entre o Sara, o Atlas e Antiatlas foi o centro de um grande império, e no interior das muralhas da cidade podem ver-se as obras de ilustres construtores. É a capital do grande Sul e, apesar de ser apenas a terceira cidade de Marrocos depois de Casablanca e de Rabat, os seus magníficos palácios e luxuriantes palmares continuam a fascinar os visitantes.

Marráquexe foi fundada em 1062 pelos Almorávidas do Sara. Estes monges- guerreiros depressa criaram um império de Argel a Espanha. Em 1106, Ali ben Youssef contratou artesãos da Andaluzia para construírem um palácio e uma mesquita na capital. Também ergueu muralhas à volta da cidade e instalou khettaras (canais subterrâneos), um engenhoso sistema de irrigação que trouxe água ao grande palmar.

Em 1147 os Almóadas tomaram a cidade. Abd el-Moumen construiu a Koutoubia, uma obra-prima de arquitectura mourisca, e o seu sucessor foi responsável pela construção da kasbah. Mas a dinastia almóada caiu, em benefício da dinastia dos Merínidas de Fez, e por mais de 200 anos, Marráquexe estagnou. Só no século XVI a cidade revigorou com a chegada dos Sádidas, sobretudo do abastado Ahmed el-Mansour. Os Túmulos Sádidas. a Medersa Ben Youssef e as ruínas do Palais el-Badi marcam esta época áurea. Em 1668, Marráquexe caiu nas mãos cios alauitas, que fizeram de Fez e depois de Meknès a sua capital.

No século XX, Marráquexe abraçou a era moderna com a criação do Quartier Gueliz, construído durante o Protectorado. Os visitantes continuam a afluir a esta cidade mágica e hoje o turismo é vital para a sua economia.

MARRAKECH

Marráquexe

Page 7: Viagem Cultural a Marrocos

URBANISMO

PLACE JEMAA EL-FNA

Desde há séculos, esta praça extraordinária e única é o centro nevrálgico de Marráquexe e o ex-líbris da cidade. Embora seja apenas um espaço irregular sem qualquer conjunto harmonioso de edifícios, interessa aos visitantes sobretudo porque é uma mostra tradicional de Marrocos. A UNESCO declarou-a Património da Humanidade.

Tem um passado terrível: até ao século XlX , os criminosos a quem era ditada uma sentença de morte eram decapitados aqui.

Por vezesI eram executadas até 45 pessoas num só dia, e as suas cabeças eram conservadas e expostas nos portões da cidade.

Mas actualmente não há vestígios destes actos. De manhã realiza-se um grande mercado onde se vendem plantas medicinais, sumo de laranja natural acabado de fazer, oleaginosas e doçaria.

Ao entardecer. o movimento na praça fica no auge, transformando-se no palco de um gigantesco e variado espectáculo ao ar livre. Quando se sente no ar o cheiro da carne a grelhar e o aroma das especiarias, a praça enche-se de músicos, bailarinos, contadores de histórias, artistas, videntes, encantadores de serpentes, que atraem muito público.

Praça Jemaa el-Fna.Foto: Joseph Guégan

OS SOUKS

Os souks de Marráquexe são dos mais fascinantes do Magrebe. Organizados segundo o tipo de produtos comercializados. estão dispostos em ruas estreitas a norte e a leste da Place Jemaa el-Fna. Muitos dos souks sào conhecidos pelo nome do produto que vendem. Hoje, a oferta de artigos é muito variada, de tecidos a joalharia e chinelos, sendo os artigos de pele os predominantes. À volta deste eixo comercial ficam as actividades tradicionalmente associadas ao campo, como ferreiros, fabricantes de selas e de cestos. Devido ao desagradável cheiro que produzem, as alcaçarias foram enviadas para o limite da cidade.

ARQUITECTURA MILITAR

PORTAS E MURALHAS

Limitando os bairros Gueliz e Hivernage no seu lado oriental, as muralhas rodeiam a medina na sua totalidade. Desde a sua fundação, Marráquexe foi defendida por robustas muralhas com fortalezas. Embora o seu contorno tenha sido pouco alterado desde os Almorávidas, foram prolongadas para sul pelos Almóadas e para norte pelos Sádidas no século XVI. Estas muralhas de pisé têm 19 km ele comprimento, 2 m de espessura e até 9 m de

Souk em Marráquexe

Page 8: Viagem Cultural a Marrocos

altura. Algumas das monumentais portas são belos exemplos da arquitectura mourisca. A melhor altura para percorrer as muralhas é de manhã cedo ou mesmo antes do pôr do Sol. A sua cor quente muda conforme a hora do dia e a intensidade da luz. Ao anoitecer. ganham uma tonalidade de ferrugem.

O Bab Aghmat e o Bab Aylen, no lado oriental das muralhas. datam do século XII e são relativamente simples. O Bab ed-Debbagh, do mesmo período, dá para o bairro dos curtidores. No lado norte fica o Bab el-Khemis e a sul o Bab el-Robb. Este deve o nome ao licor de uva que em tempos foi muito comercializado pela cidade. O Bab el-Jedid, no lado ocidental, dá para o hotel La Mamounia. O Bab Agnou, cujo nome deriva da palavra berbere para "carneiro negro sem chifres” é uma das portas mais bonitas de Marráquexe. É esculpida numa pedra ocre com tons rosa. Outrora conduzia ao palácio almóada.

Muralha do Bab Doukkala, do período almorávida.Foto: Arnaldo Interata

Bab Aganou.Foto: Leonel Leo

ARQUITECTURA RELIGIOSA

MESQUITA KOUTOBIA

Em cerca de 1147, para assinalar a sua vitória sobre os Almorávidas, o sultão almóada Abd el-Moumen construiu uma das maiores mesquitas do mundo muçulmano ocidental. O minarete, uma obra-prima da arquitectura islâmica, foi concluído no reinado de Yacoub el-Mansour, neto de Abd el-Moumen. Mais tarde serviu de modelo à Giralda de Sevilha e à Torre Hassan em Rabat. A "Mesquita dos Livreiros" deve o nome ao souk de manuscritos que se realizava à sua volta. O interior do minarete tem uma rampa usada para transportar os materiais de construção até ao topo. A mesquita foi restaurada e hoje pode ver-se o cor-de-rosa original do tijolo.

BIBLIOGRAFIA:

Marrocos, Porto, 2007

Mesquita Koutobia.Foto: Daniel Csörföly

Page 9: Viagem Cultural a Marrocos

Localizado no sopé das encostas meridionais do Alto Atlas, na província de Ouarzazate, Aït-Ben-Haddou é o mais famoso ksour do vale de Ounila. O lugar foi um dos muitos postos existentes na rota comercial que ligava o antigo Sudão a Marrakesh, pelo Vale do Dra e por Tizi-n'Telouet.

O Ksar de Aït-Ben-Haddou é um exemplo notável da arquitectura do sul de Marrocos.

Ksar é um grupo de casas essencialmente colectivas. Dentro das muralhas reforçadas com torres de canto, e com o acesso efectuado por uma porta em cotovelo, encontram-se inúmeras casas, algumas modestas, outras fazendo lembrar pequenos castelos urbanos com suas torres decoradas, na parte superior, com motivos conseguidos com tijolo de barro crú, mas também outros edifícios e espaços comunitários.

Em termos urbanísticos, a estrutura do habitat apresenta a forma de um aglomerado compacto, limitado e suspenso. Os espaços públicos da Ksar consistem numa mesquita, uma praça pública, uma eira fora das muralhas para debulhar grãos, uma fortificação e um celeiro no topo da vila, uma hospedaria para

caravanas, dois cemitérios (muçulmano e judeu) e o santuário do santo Sidi Ali ou Amer.

Os edifícios mais antigos são posteriores ao início do século XVII, embora a sua estrutura e técnica datem e sejam propagadas a partir de um período bastante anterior nos vales do sul de Marrocos.

É um extraordinário complexo de edifícios que permitem observar um panorama completo das técnicas de construção em terra présaharianas.

Comparado a outros ksour da região, o Ksar de Aït-Ben-Haddou tem preservado a sua autenticidade arquitectonica ao nível das formas e materiais. O estilo arquitectónico está bem preservado e as construções em terra adaptam-se perfeitamente às condições climáticas e harmonizam-se com o meio social e natural.

FONTE:

Embaixada do Reino de Marrocos em Portugal [Em linha]. Disponível na internet: http://www.emb-marrocos.pt/.

AÏT-BEN-HADDOU

Aït-Ben-Haddou

Page 10: Viagem Cultural a Marrocos

1415Conquista de Ceuta.

1437Tentativa falhada de conquista de Tânger. O infante D. Fernando fica cativo.

1458Conquista de Alcácer Ceguer.

1462-64Tentativas falhadas de tomada de Tânger, por terra e por mar.

1464Expedição de D. Afonso V à serra de Benacofu, no Norte marroquino.

1468-69 | 1487Ataques a Anafé (El-Anfa), actual Casablanca.

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4. Disrribuiçáo das conquisras, das fundaçóes e dos ponros de conracro portugueses no Norre de África

PRESENÇA PORTUGUESA EM MARROCOS - CRONOLOGIA SUMÁRIA

Page 11: Viagem Cultural a Marrocos

1471Conquista de Arzila.Ocupação de Tânger.

1486Azamor submeteu-se à suserania do rei de Portugal. Instalação de feitoria.

1488Safim submeteu-se à suserania do rei de Portugal. Instalação de feitoria.

1489Malogro da tentativa de construção da fortaleza da Graciosa.

1486Meça submeteu-se à suserania do rei de Portugal. Instalação de feitoria.

1505Edificação do Castelo de Stª. Cruz do Cabo de Gué (Agadir).

1506Edificação do Castelo Real de Mogador (Essouira). Edificação provável do Castelo de Ben Mirao (Immourane).

1508Tomada definitiva de Safim.

1510Provável abandono do Castelo de Mogador.

1512Provável abandono do Castelo de Bem Mirao.

1513Tomada definitiva de Azamor .Compra do Castelo de Stª. Cruz do Cabo de Gué (Agadir) pela coroa portuguesa.

1514Construção do Castelo de Mazagão. Ataques a Marráquexe (Abril e Outubro) e Tetuão.

1515Malogro da tentativa de construção da fortaleza de Mamora.

1519Construção do Castelo de Aguz.

1541Perda de Stª. Cruz do Cabo de Gué.

1542Abandono das praças de Safim e de Azamor.Início da construção da fortaleza de Mazagão.

1549Malogro da tentativa de construção da fortaleza do Monte Seinal (Alcácer Ceguer).

1550Abandono das praças de Alcácer Ceguer e Arzila.

1577|1589Arzila regressou ao domínio português.

1578Batalha de Alcácer Quibir.

1578Batalha de Alcácer Quibir.

1640Ceuta permanece sob domínio espanhol.

1661Cedência de Tânger à Inglaterra como dote de casamento da princesa D. Catarina com D. Carlos II.

1769Abandono e evacuação de Mazagão.

Page 12: Viagem Cultural a Marrocos

A história de Mogador é uma consequência da sua geografia, da relação entre o recorte rochoso do bordo da planície, onde se localiza o porto, e a zona abrigada da ilha que o confronta. O local era frequentado desde a antiguidade por fenícios e romanos, sendo, por vezes, visitado no século XIV por navios de Veneza, Génova, Pisa, Marselha, Catalunha e Aragão. Estes contactos entre a Europa e o Magrebe que tinham em vista o comércio, embora mais frequentes no Norte de Marrocos, alcançaram de forma crescente a região do Suz.

Terá existido aí uma colónia de pescadores que se dedicava à recolha do múrice para obter uma substância de cor entre o vermelho e o azul, o corante púrpura, na ilha que se encontrava defronte da pequena enseada, onde existia a povoação. Era um ancoradouro seguro, na antiguidade e no período medieval, que acolhia os navios que ali comerciavam.

O desenvolvimento de Mogador terá sido fruto do impulso provocado pela procura do referido molusco que tingia os tecidos, conjugada com o escoamento dos produtos agrícolas e dos têxteis transportados pelas caravanas que ali afluíam. A geografia do local teve um papel determinante na fixação da população. A ilha fronteira ao povoado, denominada no período romano Purpur iae Insu la , p ro teg ia o ancoradouro da fúria do mar. As condições eram tão favoráveis que os navios podiam mesmo invernar no local.

A origem da designação daquele sítio terá derivado, de acordo com EI Bekri, geógrafo do século XI, do nome do santo local Sidi Mogdoul. O vocábulo "Migdol” significava torre ou fortificação em fenício e poderá ter apelidado o santo. El Bekri, na Descrição da Africa Setentrional, afirma que o porto de pesca tinha, a seguir à islamização, esse religioso como padroeiro. É desse hierónimo e através das formas "Mogful" e “Mogodor”; que o nome da

povoação surge, já como "Mongoder”; nos portulanos do século XIV, daí evoluindo para o topónimo atual.

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por vezes, visitado no século XIV por navios de Veneza, Génova, Pisa, Marselha, Catalunha e Aragão. Estes contactos entre a Europa e o Magrebe que tinham em vista o comércio, embora mais frequentes no Norte de Marrocos, alcançaram de forma cres-cente a região do Suz.

Terá existido aí uma colónia de pescadores que se dedicava à recolha do múrice para obter uma substân-cia de cor entre o vermelho e o azul, o corante púrpura, na ilha que se encontrava defronte da pequena ense-ada, onde existia a povoação. Era um ancoradouro seguro, na antiguidade e no período medieval, que aco-lhia os navios que ali comerciavam.

O desenvolvimento de Mogador terá sido fruto do impulso provocado pela procura do referido molusco que tingia os tecidos, conjugada com o escoamento dos produtos agrícolas e dos têxteis transportados pelas caravanas que ali afluíam. A geografia do local teve um papel determinante na fixação da população. A ilha fronteira ao povoado, denominada no período romano Purpuriae Insula, protegia o ancoradouro da fúria do mar. As condições eram tão favoráveis que os navios podiam mesmo invernar no local.

A origem da designação daquele sítio terá derivado, de acordo com EI Belai, geógrafo do século XI, do nome do santo local Sidi Mogdoul. O vocábulo "Migdol/l sig-nificava torre ou fortificação em fenício e poderá ter apelidado o santo. El Bekri, na Descrição da Africa Setentrional, afirma que o porto de pesca tinha, a seguir à islamização, esse religioso como padroeiro. É desse hierónimo e através das formas "Mogful" e "Mogodor'; que o nome da povoação surge, já como "Mongoder'; nos portulanos do século XIV, daí evoluindo para o topónimo atual.

A história de Mogador resulta, essencialmente, de um cruzamento da cultura magrebina do Suz com a cultura europeia-mediterrânica. No século XVII aquele ponto foi até um conhecido abrigo de corsários.

O porto, que foi durante séculos utilizado para trocas específicas e pouco intensas com o exterior, altera a sua atitude no fim do século XVIII. Depois de cons-truída a vila atual, esta passou a estar bastante aberta à navegação estrangeira e ao comércio internacional. Não foi por acaso que Portugal teve ali os seus cônsu-les durante a centúria de Setecentos, tendo sido um deles João António de França.

Essaouira é o produto dessa nova política. A estru-tura urbana, então construída, tem uma rede primária de ruas hipodâmicas, de onde partem becos que dão acesso ao interior dos quarteirões. Este aglomerado foi envolvido por uma muralha de feição medieval, que funcionava como recinto de segurança. As portas fechavam ao pôr-do-sol. Isto aconteceu porque o comércio tinha passado a ser controlado pelos habi-tantes desta nova Mogador. Da povoação de pescado-res que, durante um curto período, conheceu a pre-sença dos portugueses num pequeno recinto fortificado que construíram, resultou uma cidade única que é hoje património mundial.

David Lopes, no seu artigo "Les Portugais au Maroc'; escrito, em 1939, para a Revue d'Histoire Modeme, demonstrou como D. Manuel I se interessou desde cedo por um projeto de expansão imperial em Marro-cos. Assim o atestam os melhoramentos que fez nas praças herdadas e o empenho que colocou nas con-quistadas. É um período em que as guarnições das for-talezas são reforçadas, bem providas de munições e de víveres e em que os soldos de oficiais e soldados são melhorados. Diz o autor que as Cortes de Lisboa, em 1503, aprovaram um crédito de 50.000 cruzados para as despesas de guerra no Magrebe. O próprio rei pla-neou, mais que uma vez, ir combater no Norte de África.

Segundo Damião de Góis, ainda anteriormente à ocupação portuguesa de Mogador, vinham daquela zona vários ataques a posições lusas. No início do século XVI, os barcos portugueses frequentavam já aquela costa para se abastecerem de trigo, que transportavam sobretudo para as suas praças norte-africanas.

Forte Foto: Jose Manuel Mascarenhas

NORTE DE ÁFRICA' CEUTA> ESSAOUIRA . 81

A história de Mogador resulta, essencialmente, de um cruzamento da cultura magrebina do Suz com a cultura europeia-mediterrânica. No século XVII aquele ponto foi até um conhecido abrigo de corsários. O porto, que foi durante séculos utilizado para trocas específicas e pouco intensas com o exterior, altera a sua atitude no fim do século XVIII. Depois de construída a vila atual, esta passou a estar bastante aberta à navegação estrangeira e ao comércio internacional. Não foi por acaso que Portugal teve ali os seus cônsules durante a centúria de Setecentos, tendo sido um deles João António de França.

Essaouira é o produto dessa nova política. A estrutura urbana, então construída, tem uma rede primária de ruas hipodâmicas, de onde partem becos que dão acesso ao interior dos quarteirões. Este aglomerado foi envolvido por uma muralha de feição medieval, que funcionava como recinto de segurança. As portas fechavam ao pôr-do-sol. Isto aconteceu porque o comércio tinha passado a ser controlado pelos habitantes desta nova Mogador. Da povoação de pescadores que, durante um curto período, conheceu a presença

Forte.Foto: José Manuel Mascarenhas

ESSAOUIRA [MOGADOR]Francisco Sousa Lobo

Page 13: Viagem Cultural a Marrocos

dos portugueses num pequeno recinto fortificado que construíram, resultou uma cidade única que é hoje património mundial.

David Lopes, no seu artigo "Les Portugais au Maroc”, escrito, em 1939, para a Revue d'Histoire Moderne, demonstrou como D. Manuel I se interessou desde cedo por um projeto de expansão imperial em Marrocos. Assim o atestam os melhoramentos que fez nas praças herdadas e o empenho que colocou nas conquistadas. É um período em que as guarnições das fortalezas são reforçadas, bem providas de munições e de víveres e em que os soldos de oficiais e soldados são melhorados. Diz o autor que as Cortes de Lisboa, em 1503, aprovaram um crédito de 50.000 cruzados para as despesas de guerra no Magrebe. O próprio rei planeou, mais que uma vez, ir combater no Norte de África.

Segundo Damião de Góis, ainda anteriormente à ocupação portuguesa de Mogador, vinham daquela zona vários ataques a posições lusas. No início do século XVI, os barcos portugueses frequentavam já aquela costa para se abastecerem de trigo, que transportavam sobretudo para as suas praças norte-africanas.

Em julho de 1506, os portugueses já aí tinham chegado. No mês seguinte, D. Manuel I ordenou a Diogo de Azambuja que aí construísse o Castelo Real. Para essa edificação deveria contribuir, com o seu apoio, o almoxarifado da próxima Ilha da Madeira.

do bairro e muralha

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por vezes, visitado no século XIV por navios de Veneza, Génova, Pisa, Marselha, Catalunha e Aragão. Estes contactos entre a Europa e o Magrebe que tinham em vista o comércio, embora mais frequentes no Norte de Marrocos, alcançaram de forma cres-cente a região do Suz.

Terá existido aí uma colónia de pescadores que se dedicava à recolha do múrice para obter uma substân-cia de cor entre o vermelho e o azul, o corante púrpura, na ilha que se encontrava defronte da pequena ense-ada, onde existia a povoação. Era um ancoradouro seguro, na antiguidade e no período medieval, que aco-lhia os navios que ali comerciavam.

O desenvolvimento de Mogador terá sido fruto do impulso provocado pela procura do referido molusco que tingia os tecidos, conjugada com o escoamento dos produtos agrícolas e dos têxteis transportados pelas caravanas que ali afluíam. A geografia do local teve um papel determinante na fixação da população. A ilha fronteira ao povoado, denominada no período romano Purpuriae Insula, protegia o ancoradouro da fúria do mar. As condições eram tão favoráveis que os navios podiam mesmo invernar no local.

A origem da designação daquele sítio terá derivado, de acordo com EI Belai, geógrafo do século XI, do nome do santo local Sidi Mogdoul. O vocábulo "Migdol/l sig-nificava torre ou fortificação em fenício e poderá ter apelidado o santo. El Bekri, na Descrição da Africa Setentrional, afirma que o porto de pesca tinha, a seguir à islamização, esse religioso como padroeiro. É desse hierónimo e através das formas "Mogful" e "Mogodor'; que o nome da povoação surge, já como "Mongoder'; nos portulanos do século XIV, daí evoluindo para o topónimo atual.

A história de Mogador resulta, essencialmente, de um cruzamento da cultura magrebina do Suz com a cultura europeia-mediterrânica. No século XVII aquele ponto foi até um conhecido abrigo de corsários.

O porto, que foi durante séculos utilizado para trocas específicas e pouco intensas com o exterior, altera a sua atitude no fim do século XVIII. Depois de cons-truída a vila atual, esta passou a estar bastante aberta à navegação estrangeira e ao comércio internacional. Não foi por acaso que Portugal teve ali os seus cônsu-les durante a centúria de Setecentos, tendo sido um deles João António de França.

Essaouira é o produto dessa nova política. A estru-tura urbana, então construída, tem uma rede primária de ruas hipodâmicas, de onde partem becos que dão acesso ao interior dos quarteirões. Este aglomerado foi envolvido por uma muralha de feição medieval, que funcionava como recinto de segurança. As portas fechavam ao pôr-do-sol. Isto aconteceu porque o comércio tinha passado a ser controlado pelos habi-tantes desta nova Mogador. Da povoação de pescado-res que, durante um curto período, conheceu a pre-sença dos portugueses num pequeno recinto fortificado que construíram, resultou uma cidade única que é hoje património mundial.

David Lopes, no seu artigo "Les Portugais au Maroc'; escrito, em 1939, para a Revue d'Histoire Modeme, demonstrou como D. Manuel I se interessou desde cedo por um projeto de expansão imperial em Marro-cos. Assim o atestam os melhoramentos que fez nas praças herdadas e o empenho que colocou nas con-quistadas. É um período em que as guarnições das for-talezas são reforçadas, bem providas de munições e de víveres e em que os soldos de oficiais e soldados são melhorados. Diz o autor que as Cortes de Lisboa, em 1503, aprovaram um crédito de 50.000 cruzados para as despesas de guerra no Magrebe. O próprio rei pla-neou, mais que uma vez, ir combater no Norte de África.

Segundo Damião de Góis, ainda anteriormente à ocupação portuguesa de Mogador, vinham daquela zona vários ataques a posições lusas. No início do século XVI, os barcos portugueses frequentavam já aquela costa para se abastecerem de trigo, que transportavam sobretudo para as suas praças norte-africanas.

Forte Foto: Jose Manuel Mascarenhas

NORTE DE ÁFRICA' CEUTA> ESSAOUIRA . 81

Vista do bairro judeu e muralha do século XVIII de tipo medieval e provavelmente utilizando materiais da época da ocupação portuguesa.Foto: Francisco Sousa Lobo

Embora as fontes sejam quase inexistentes, sabemos que foram também importantes outros apoios, conforme nos dá conta um recibo de 7 de outubro de 1507. Nesse documento, João Mendes Correia, feitor de pescarias de atum no Algarve, recebeu a quitação das somas que despendeu em 1506 com o biscoito, a carne, a madeira, a cal, o tijolo e outras coisas que comprou para a construção do Castelo Real que Diogo de Azambuja fez pela ordem do rei em Mogador, de acordo com as cartas de quitação de D. Manuel.

A obra fez-se com grande resistência dos indígenas. Duarte Pacheco Pereira, em Esmeraldo de Situ Orbis, ao fazer uma descrição geográfica e até hidrográfica da zona de Mogador, deu também relevo aos ataques que as obras sofreram: "houve tanta contradição e perseguição da multidão dos Bárbaros e Alarves que se ajuntaram a pelejar com os que este edefício foram fazer, quanto sua possessança abrangeu. E, em fim, este castelo se fez a seu pesar, e a glória do vencimento na mão de Vossa Sacra Magestade ficou”.

Com a construção do castelo essa atividade terá cessado no momento, porque a edificação foi à viva força. As dificuldades de defesa levaram o governador do Funchal a enviar trezentos e cinquenta homens para socorrer Diogo de Azambuja. De Portugal, Simão Gonçalves acudiu várias vezes, com navios e gente a suas expensas, ao Castelo Real, entre outras praças, em situações de cercos.

Aquela região era, para enorme infortúnio dos portugueses, um ponto onde existia um forte espírito de guerra santa. A religião islâmica encontrava-se ali profundamente enraizada ao ponto de existir, cerca da cidade, a importante confraria dos regragas. Tratava-se mesmo de uma das principais organizações morabíticas de Marrocos, não só pelo enorme prestígio dos seus santões, como pelo grande número de membros das suas imensas células que viviam no próximo Jebel Hadide (Monte de Ferro) e nas terras em volta. Dos regragas saíram os mujahidin ou cavaleiros do Islão que, ao lado dos xerifes sádidas, lançavam fortes ataques à praça portuguesa.

Page 14: Viagem Cultural a Marrocos

De 1506 a 1507 sabemos ter governado o Castelo Real Diogo de Azambuja, que recebeu aquela capitania pelos trabalhos e riscos com que levou a efeito aquela construção. Seguiram-se-Ihe Francisco de Miranda, interinamente (1507-1509) e, após um pequeno período em que ali dirigiu D. Pedro de Azevedo, capitão de Safim, por então chegarem a estar reunidas as duas capitanias, um dito Nicolau de Sousa, o último de que se tem notícia.

Antes do f inal de 1510 os indígenas apodera ram-se do Cas te lo Rea l , em circunstâncias que ainda não se conhecem. O castelo ficou abandonado, sendo reparado já em 1628 por ordem do sultão Mulei Abde Almálique. A construção do porto em 1765 fez desaparecer os últimos vestígios.

O castelo de Mogador ficava em terra firme, na zona do porto de pesca que ali existe. Há desenhos representando as suas ruínas, tanto no século XVII como no século XVIII. Num desenho de outubro de 1629, mandado executar pelo comendador De Razilly, podemos observar as ruínas do castelo na ponta rochosa, que se situa no extremo do molhe oeste do porto atual. Um outro desenho, de 25 de outubro de 1767, do arquiteto Théodore Cournut, fornece indicações mais precisas. No desenho do castelo está indicada a porta e o pátio. Tem uma legenda que refere "o antigo castelo construído pelos portugueses, de que pouco resta e que foi abandonado há quatrocentos anos. A espessura dos seus muros não era mais do que seis palmos nas

Freme terrestre do perimetro urbano de construção do período medieval Foto: Francisco Sousa Lobo

POI"ta do Mar. Um dos locais prováveis de ocupação portuguesa Foto: Francisco Sousa Lobo

Em julho de 1506, os portugueses já aí tinham che-gado. No mês seguinte, D. Manuel I ordenou a Diogo de Azambuja que aí construísse o Castelo Real. Para essa edificação deveria contribuir, com o seu apoio, o almoxarifado da próxima Ilha da Madeira. Embora as fontes sejam quase inexistentes, sabemos que foram também importantes outros apoios, conforme nos dá conta um recibo de 7 de outubro de 1507. Nesse docu-mento, João Mendes Correia, feitor de pescarias de atum no Algarve, recebeu a quitação das somas que despendeu em 1506 com o biscoito, a carne, a madeira, a cal, o tijolo e outras coisas que comprou para a cons-trução do Castelo Real que Diogo de Azambuja fez pela ordem do rei em Mogador, de acordo com as cartas de quitação de D. Manuel.

A obra fez-se com grande resistência dos indígenas. Duarte Pacheco Pereira, em Esmeraldo de Situ Orbis, ao fazer uma descrição geográfica e até hidrográfica da zona de Mogador, deu também relevo aos ataques que as obras sofreram: "houve tanta contradição e perse-guição da multidão dos Bárbaros e Alarves que se ajun-taram a pelejar com os que este edefício foram fazer, quanto sua possessança abrangeu. E, em fim, este cas-telo se fez a seu pesar, e a glória do vencimento na mão de Vossa Sacra Magestade ficou':

Com a construção do castelo essa atividade terá ces-sado no momento, porque a edificação foi à viva força. As dificuldades de defesa levaram o governador do Fun-chal a enviar trezentos e cinquenta homens para socor-

rer Diogo de Azambuja. De Portugal, Simão Gonçalves acudiu várias vezes, com navios e gente a suas expen-sas, ao Castelo Real, entre outras praças, em situações de cercos.

Aquela região era, para enorme infortúnio dos por-tugueses, um ponto onde existia um forte espírito de guerra santa. A religião islâmica encontrava-se ali pro-fundamente enraizada ao ponto de existir, cerca da cidade, a importante confraria dos regragas. Tratava--se mesmo de uma das principais organizações mora-bíticas de Marrocos, não só pelo enorme prestígio dos seus santões, como pelo grande número de membros das suas imensas células que viviam no próximo Jebel Hadide (Monte de Ferro) e nas terras em volta. Dos regragas saíram os mujahidin ou cavaleiros do Islão que, ao lado dos xerifes sádidas, lançavam fortes ata-ques à praça portuguesa.

De 1506 a 1507 sabemos ter governado o Castelo Real Diogo de Azambuja, que recebeu aquela capitania pelos trabalhos e riscos com que levou a efeito aquela construção. Seguiram-se-Ihe Francisco de Miranda, interinamente (1507-1509) e, após um pequeno pe-ríodo em que ali dirigiu D. Pedro de Azevedo, capitão de Safim, por então chegarem a estar reunidas as duas capitanias, um dito Nicolau de Sousa, o último de que se tem notícia.

Antes do final de 1510 os indígenas apoderaram-se do Castelo Real, em circunstâncias que ainda não se conhecem. O castelo ficou abandonado, sendo repa-rado já em 1628 por ordem do sultão MuleiAbde Almá-lique. A construção do porto em 1765 fez desaparecer os últimos vestígios.

O castelo de Mogador ficava em terra firme, na zona do porto de pesca que ali existe. Há desenhos represen-tando as suas ruínas, tanto no século XVII como no século XVIII . Num desenho de outubro de 1629, man-dado executar pelo comendador De Razilly, podemos observar as ruínas do castelo na ponta rochosa, que se situa no extremo do molhe oeste do porto atual. Um outro desenho, de 25 de outubro de 1767, do arquiteto

Batena do século onde teri S"'::-2

construíClo Castelo português Foto: f ra:'iCS::::: Sousa lox-

Frente terrestre do perímetro urbano de construção do período medieval.Foto: Francisco Sousa Lobo

suas quatro faces. Os mouros construíram cinco anos depois um parapeito sobre esta plataforma com um jorramento e sobre a face do lado noroeste há quatro peças de canhão de 12”. Indicava, também, os armazéns muito fracos, arcos mal executados, muros de má qualidade, de dois pés de espessura, onde havia 2.000 barris de pólvora inglesa que não estavam em condições de proteger.

A silhueta do castelo português estava nesta época muito modificada pelas reconstruções e adições indígenas, que datavam certamente do reinado de Moulay Abd el-Malek (1628). Mas, não há dúvida quanto à origem do velho castelo de Mogador, em que as ruínas só apareceram depois de 1765, na altura dos trabalhos de construção do porto. Sabemos, com efeito, que ele não foi inteiramente destruído depois do seu abandono por Portugal porque, em 1577, as suas ruínas foram visitadas pelo almirante inglês Francis Drake ou, pelo menos, por alguns dos seus companheiros de viagem: "tendo feito aprovisonamento de madeira e visitado um velho forte construído outrora pelo rei de Portugal, mas atualmente arruinado pelo rei de Fez, nós partimos”, atesta um relatório anónimo de viagem.

Em janeiro de 1641, o pintor holandês Adriaen Matham, que acompanhava o embaixador holandês Antoine de Liedekerke, permaneceu no ancoradouro de Mogador e desenhou um croquis da costa e do castelo. Este desenho mostrava um recinto flanqueado por bastiões quadrados. Nesta altura, o castelo já tinha sido restaurado por Abd el-Malek, estando a forma exterior provavelmente alterada. A estrutura fortificada talvez tenha sido semelhante aos castelos de Souira Kdima ou de Aguz.

A localização do Castelo Real permanece "lendária" para a população de Essaouira, bem como para os visitantes. Isto acontece porque já não é visível qualquer vestígio do castelo. Os seus restos são, muitas vezes, referidos em relação à ruína de um bastião do século XVIII que o mar vai destruindo nas dunas da praia.

Page 15: Viagem Cultural a Marrocos

FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

BIBLIOGRAFIA:

Correia, António Mendes et alli, "Mogador”, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XVII, Lisboa/ Rio de Janeiro, 1945; Farinha, António Dias, "Mogador”, Dicionário de História de Portugal (dir. de Joel Serrão), vol. IV, Porto, 1989; Iria, Alberto, Descobrimentos Portugueses. O Algarve e os Descobrimentos, Lisboa, vol. lI, tomo I, 1956; Lopes, David, "Les portugais au Maroc”, sep. Revue d'Histoire Moderne, 14 (39), 1939, pp. 337-368; Mana, Abdelkader e Michel Delaborde, Le temps d'une ville: Essaouira, Casablanca, 1991.

No século VII a.c., os Fenícios fundaram uma base no local onde hoje fica Essaouira e, no século I a.c., Juba II fez dessa base um centro de produção de tinta púrpura. Os Portugueses estabeleceram aqui uma cabeça-de-ponte no século XV e chamaram-lhe Mogador. Mas a cidade em si só foi construída em cerca de 1760 pelo sultão alauita Sidi Mohammed ben-Abdallah (Mohammed II), que havia decidido criar aqui uma base naval. A cidade, o porto e as fortificações, ao estilo das fortalezas europeias, foram desenhadas e construídas por Théodore Cornut, um famoso arquitecto francês que havia trabalhado para Luís XV.

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122 MARROCOS REG I ÃO POR REGIÃO

Trabalhar com Tuia

ATDIA , UMA M.>\'j)EIRA muito valo rizad a com um aroma delicioso, cresce

em a bundânc ia na região d e Agadi r e Essao uira, e tem sido a fo nte d e prosper idade desta. A tui a é um a madeira dura m uito den sa e quase todas as partes da árvore pode m ser usadas: o tronco, de madeira re la -tivamente clara; o cepo, usado para fazer peque nos objectos; e o n ó, uma rara excrescência na casca com riscas castanhas e ro sa. O nó é polido ,

o brilho desta wixC/ de pão é conseguido polindo C/

o Nó DA TUIA Esra excrescência I

que cresce em cen as árvores,

sobretudo na tuia , é muito procurada

pelos artesâos pelo seu

aspecto raiado e pintalgado.

supeifície com álcool de.snaturado e gOn1a--aráhica. O óleo de linbaça nutre a madei1'a e evila que rache.

e mbutido com motivos d e corativos de madeira de lim a, madrepé rola ou ébano e por vezes com fios de prata ou cobre , ou la scas d e osso de came lo. É usado pa ra fa zer peças como mes a s d e café, c apacetes, p equenas estátuas, ca ixas de todos os tamanhos e feitios, tabu le iros e jóias. Pode ver os m e lh o res artesãos de marchetaria trabalha r nos antigos a rmazéns d e muni ções sob as muralhas de Essaouira.

MARCHETARIA Os marcene iros de EssaouirJ já eram famosos na Antiguidade e desde então a cidade tem sido a capjta l da marchemria. A tradiçào dita que a parte artís tica do trabalho Cda construção de uma peça à sua decoraçào) se ja realizada por homens . A tarefa das mulheres e das crianças é polir as peças acabadas.

A decorm;ão desle praIa baseia-se num

esqueJna geométrico. O padreJo da horda consiste num embutido

de peças de éba11.uede

limei alternadas.

Os artesãos usam Ioda C/ sua criatividade On<Í da tuia é e imaginação {XIra criar novasformas. separado do tronco.

o SUL D A C O S T A A T I. ÍI N ·I 1 ,

\ parte antiga do ccm.i[ério judalco em Essaouira

1!11 Antiga Mellah De Bab Doukkala. acesslvel pela !{ue Mohammed Zerktouni. o Acesso controlado. rendo prosperado nos ,,:Ondos XVIII e XIX, a

jud..lica em Fs.saou ira veio a deter uma 1111 porta nte posição "mnómica na cidade e os loalheiros judeus ga nharam grande fama.

O antigo bairro judaico da cidade já nâo é habitado por I"deus, mas na Rue Darb I 'Ialou j ainda podem ver-se as Illtigas casas dos homens de negócios judeus, hoje , onvertidas em lo jas. 1'"111 contraste com as casas Illuçulmanas, têm vara ndas I hertas para a rua e .dgumas têm Hntéis com lllscrições em hehraico.

A Rue Mohammed /.LTktouni, a principa l rua do l uirro, tem um an imado ,,,ercado. Saindo pelo Bab 1)oukkala, irá passa r pelo · '· l11itério judaico, que va le I pena visitar. (As chaves , .' 1'10 ao cuidado de um ! II ncionário.)

Q Église Notre-Dame 'lVenue E-Moukaouama. a sul dos »rreios. [J 8h30 509. -sáb., 10h /»m DI (044) 47 58 95. I ' ta igreja católica fica fora . I:t, muralhas da med ina, na ··'lrdda que condu z à pra ia . I uma das poucas igrejas · lo país onde os sinos ,,,cam aos domingos para · "amar os fiéis para a ",issa das 10 h.

Crande parte do mobiliário , LI igreja é fe ita de madeira · Ic· tuia. A missa é dita "Iernadamente nas seguintes IUIguas: inglês, fra ncês, II{Trlandês e alemão.

A praia de E,saouira, a sul do centro da cidade, é uma das

a Setembro. L' I

I .I,

Sim (para I:' d, ' Sidi Kaouki . ..

A sul de 1';":10,

em Moulay III

melhores de Marrocos, Ao longo de todo O Verjo, os ventos a lísios refrescam esta zona da costa . No enmnto, por vezes o vento é tão forte que leva as pessoas a pro-curarem abrigo na medina .

No estuário de Wadi Qsob, no lado mais afasmdo da praia, podem ver-se veslígios do sistema de defesas erguidas num promontório rochoso pelo su ltào Sid i Mohammed. Apesar de terem ruído, ., .....""., , ainda se distinguem SurflSt. as espessas muralhas.

Seguindo o weldi pa ra montante, após uma ponte em ruínas, chega-se à aldeia de Diabet, também acessível pela estrada para Agadir, sa indo para a direita após 7 km. Aqui . as ruloas de Dar Sollane Mahdounia são uma atracção interessante. Trata-se

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Praia de Essaouira, varrida por ventos ,'u"IUlh' IHl'4

MARCHETARIAOs marceneiros de EssaouirJ já eram famosos na Antiguidade e desde então a cidade tem sido a capjtal da marchemria. A tradiçào dita que a parte artística do trabalho Cda construção de uma peça à sua decoraçào) seja realizada por homens. A tarefa das mulheres e das crianças é polir as peças acabadas.

Freme terrestre do perimetro urbano de construção do período medieval Foto: Francisco Sousa Lobo

POI"ta do Mar. Um dos locais prováveis de ocupação portuguesa Foto: Francisco Sousa Lobo

Em julho de 1506, os portugueses já aí tinham che-gado. No mês seguinte, D. Manuel I ordenou a Diogo de Azambuja que aí construísse o Castelo Real. Para essa edificação deveria contribuir, com o seu apoio, o almoxarifado da próxima Ilha da Madeira. Embora as fontes sejam quase inexistentes, sabemos que foram também importantes outros apoios, conforme nos dá conta um recibo de 7 de outubro de 1507. Nesse docu-mento, João Mendes Correia, feitor de pescarias de atum no Algarve, recebeu a quitação das somas que despendeu em 1506 com o biscoito, a carne, a madeira, a cal, o tijolo e outras coisas que comprou para a cons-trução do Castelo Real que Diogo de Azambuja fez pela ordem do rei em Mogador, de acordo com as cartas de quitação de D. Manuel.

A obra fez-se com grande resistência dos indígenas. Duarte Pacheco Pereira, em Esmeraldo de Situ Orbis, ao fazer uma descrição geográfica e até hidrográfica da zona de Mogador, deu também relevo aos ataques que as obras sofreram: "houve tanta contradição e perse-guição da multidão dos Bárbaros e Alarves que se ajun-taram a pelejar com os que este edefício foram fazer, quanto sua possessança abrangeu. E, em fim, este cas-telo se fez a seu pesar, e a glória do vencimento na mão de Vossa Sacra Magestade ficou':

Com a construção do castelo essa atividade terá ces-sado no momento, porque a edificação foi à viva força. As dificuldades de defesa levaram o governador do Fun-chal a enviar trezentos e cinquenta homens para socor-

rer Diogo de Azambuja. De Portugal, Simão Gonçalves acudiu várias vezes, com navios e gente a suas expen-sas, ao Castelo Real, entre outras praças, em situações de cercos.

Aquela região era, para enorme infortúnio dos por-tugueses, um ponto onde existia um forte espírito de guerra santa. A religião islâmica encontrava-se ali pro-fundamente enraizada ao ponto de existir, cerca da cidade, a importante confraria dos regragas. Tratava--se mesmo de uma das principais organizações mora-bíticas de Marrocos, não só pelo enorme prestígio dos seus santões, como pelo grande número de membros das suas imensas células que viviam no próximo Jebel Hadide (Monte de Ferro) e nas terras em volta. Dos regragas saíram os mujahidin ou cavaleiros do Islão que, ao lado dos xerifes sádidas, lançavam fortes ata-ques à praça portuguesa.

De 1506 a 1507 sabemos ter governado o Castelo Real Diogo de Azambuja, que recebeu aquela capitania pelos trabalhos e riscos com que levou a efeito aquela construção. Seguiram-se-Ihe Francisco de Miranda, interinamente (1507-1509) e, após um pequeno pe-ríodo em que ali dirigiu D. Pedro de Azevedo, capitão de Safim, por então chegarem a estar reunidas as duas capitanias, um dito Nicolau de Sousa, o último de que se tem notícia.

Antes do final de 1510 os indígenas apoderaram-se do Castelo Real, em circunstâncias que ainda não se conhecem. O castelo ficou abandonado, sendo repa-rado já em 1628 por ordem do sultão MuleiAbde Almá-lique. A construção do porto em 1765 fez desaparecer os últimos vestígios.

O castelo de Mogador ficava em terra firme, na zona do porto de pesca que ali existe. Há desenhos represen-tando as suas ruínas, tanto no século XVII como no século XVIII . Num desenho de outubro de 1629, man-dado executar pelo comendador De Razilly, podemos observar as ruínas do castelo na ponta rochosa, que se situa no extremo do molhe oeste do porto atual. Um outro desenho, de 25 de outubro de 1767, do arquiteto

Batena do século onde teri S"'::-2

construíClo Castelo português Foto: f ra:'iCS::::: Sousa lox-

A Porta do Mar, que leva às docas, é coroada por um frontão trangular clássico e dominada por duas torres ladeadas por quatro Torreões.

A partir do século XVIII, 40% do comércio marítimo do Atlântico passavam por Essaouira. Ficou conhecida por Porto de Timbuctu, sendo destino de caravanas da África Subsariana que traziam bens para serem exportados para a Europa. Outrora um dos maiores portos de sardinha da Europa, Essaouira sustenta actualmente apenas 500 a 600 familías. Mas ainda tem o seu estaleiro tradicional, onde se constroem os barcos de madeira.

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Albornoz

I

Graças à sua localização neSla da Costa Atlântica, onde os ventos alís ios prevalecem quase IOdo o ano, a cidade tem um clima bastante agradável. É um excelente local para a p rática do windswj, que tem conseguido evita r o turismo de massas. Foi uma Meca pa ra os bippies na década de 70 e é ainda hoje uma cidade de artistas e muilO em voga e ntre os viajantes independentes,

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I Mu.Lhe res em Essaouira usando o típico balk branco

i I À Descoberta de Essaouira I No século VII a. c., os Fenícios

fundaram uma base no local onde hoje fi ca Essaouira e, no século J a. c., Juba II fez dessa base um centro de produção de linta púrpura. Os Ponugueses estabeleceram aqu i uma cabeça-de-ponte no sécu lo XV e chamaram-lhe Mogador. Mas a çidade em si só fo i construída em cerca de 1760 pelo sultão alauila Sidi Mohammed ben--Abda llah (Mo hammed 11) , que havia decidido

t- Muralhas No lado virado para o ma r, as mura lhas exteriores, com ameias oblíquas, foram concebidas para proteger de alaques navais e são por isso típicas fortalezas eu ropeias. Em contraste, as mura lhas interiores, com ameias qlladrddas e semelhantes às fortificações em redor de Marráquexe, são de estilo islâmico. Estas sào constru ídas em pedra e revestidas de terra. As paredes são atravessadas por panas - Sab Sebaa no lado su l, Sab Marrakech no lado leste e Bab Doukka la no lado nordesle - que conduzem à meclina.

t- Sqa1as Dois sqa/as (bastiões marítimos) foram construídos para proreger a cidade: o Sqala de la Ville, a nororeste, e o Sqa lla du Pon, a sul.

O Sqala de la Ville é uma plataforma com ameias e uma série de canhões espanhóis, e é

Mo hamnu.:d beJl I\ lx la lluh

defendido no lado l 'S II'l'II'O nane pelo B>lsriilo do NOllt', Este foi erguido por Thó"Jor\' Cornut no loca l ele Casldlo Real , uma cidaelela conslruíd:! pelos Portugueses em ("rei dI' 1505, A esplanada (onde 1"1': 1111 ftlmadas cenas do filme Ole/" de Orson Welles, em 1949) tem vista sobre o oceano e pard as lles Purpuraires. Um:! passagem coberta une o bastião aos antigos armazéns de munições, onde hoje funcionam oficinas de marchetaria .

Port Sqala du PortoO diariam. A Porte de la Marine, que leva às docas, é coroada por um frontão tliangula r cláss ico e dominada por duas torres ladeadas por quatro IOrreões. O Sqala du Pon, reclangular, é encimado por ameias,

A partir do sécu lo XVII!, 400/0 do comércio marítimo do Atlântico passavam por Essaouira. Ficou conhecida por Pono de Timbucru , sendo destino de caravanas da África Subsariana que traziam bens para serem exportados para a Europa. Outrora um dos maiores portos de sardinha da Europa, Essaouira sustenta

cria r aqui uma base naval. A cidade, o porto e as fonificaçóes , ao estilo das fortalezas europeias, foram desenhadas e construídas por Théodore Cornut, um famoso arquitecto francês que havia trabalhado para Luís XV. SqaJa de la vWe, um agradável lugar para passear ao flD1 da tarde

I_I , dll"'llt" apenas 500 a 600 J.II 111 11.1."'. Mas ,linda tem o seu i .1 ,11",nl tr;tdicional , onde se I II11,I II }( '111 os barcos de

.. 1,' 11: 1. Os visitantes também I" 1" 111 :I:-.sistir ao leilâo do I h 1 I' t ' provar sa rdinhas \ 1 .I 1.H 1:1:-. de grelhar.

Il1!M",1I11 11 1' .11.111111.1 .11IIL,:.1 'ld.\lI, · 111. 111111111111 . 1,.11 11.1111.1 I I,' L, .... II 11111.1 \. III VIII):.lr. lt ' lldll ( ' 111

(tll1l :1 qll(' lui Plojl 'll. lI.1.l ;l1l1t.:S

dl' :1cid:ldl' ....v dl .....\·lIvolv\'I'. Foi tk·....l'nhad:t pL'1o arquill'ClO Ir"n(,l" Cmnllt, <tUl: , "nrre 1760 " 17M, nlllsrru iu o Scpla de la Villc t;: () Sqala du Pon, guarnecendo-os de fonificações e canhôes, a lém de muralhas exteriores e interiores.

Como em lOdo o lado em Marrocos, a medina da cidade é um labirinto de ruas estreitas. A cidade em si, ao contrá rio, tem mas largas e reclas, que se c ru zam em ângulos rectos e são conadas por panas. O enorme mercado, o Souk Jdid, é dividido em quatro pela intersecção de duas vias: há um mercado diário de peixe, especia rias e cerea is, e um mercado de anigos usados, chamado fauria.

CENTRO DA CIDADE DE ESSAOUIRA

1'l.I i,,0 I.glise NOlre-Dame ® Allliga Mellah ® (;"leria Damgaard ® Medina 0 Musée Sidi-Mohammed-

-ben-Abdallah ® 1)')11 CD Muralhas CD Sq" la de la Vil le CD LEGE NDA

E.'itacionamento

Posto de lurismo

Correios

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Mnpu do ost'od", ,"1Dl1 lU UVO I!! lÁ", ,1I10rel",/<' d.'1medUld. Liga(e/o à e5ta(dO de aucocarros de Marráquexe (partida frente ao Hótel des iles). H Rue du Caire, (044) 47 50 80.

Festival de música Gnaoua (Jun.). Peregrinação Regraga (inicio de Abril).

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BIBLIOGRAFIA:

Marrocos, Porto, 2007

Porta do Mar. Um dos locais prováveis de ocupação portuguesa.Foto: Francisco Sousa Lobo

Muralhas da fortaleza voltadas ao mar, dotadas de artilharia do século XVIII.

Page 16: Viagem Cultural a Marrocos

ARQUITECTURA MILITAR

CASTELO

A foz do Rio Tensift, em cuja margem direita se ergue hoje a pequena povoação de Souira Qedirna, foi, desde o estabelecimento português em Saftm, cerca de cinco léguas a norte, um ponto costeiro cobiçado por Portugal. Apesar de a propriedade sobre o lugar registar doações a partir de 1508, a decisão da construção de um castelo de pedra e cal avançaria somente a partir de 1519. D. Nuno de Mascarenhas propõe a D. Manuel I uma obra no então designado sítio de Aguz, financiada pela coroa mas organizada, orientada e defendida a partir de Safim. Do mesmo ano data a missiva de D. João Subtil, bispo daquela cidade, descrevendo o projeto para um grande castelo cercado por água em dois dos seus lados.

Os vestígios que se encontram em Souira Qedima, cujos lados leste e sul foram recentemente restaurados, conf i rmam formalmente a descrição do bispo, mas atestam uma redução para a metade do plano inicial. Ao contrário das cento e trinta braças propostas, o perímetro da obra realizada regista apenas sessenta e cinco. Trata-se de um castelo quadrado, com mais de trinta e cinco metros de lado, se tivermos em consideração os cantos roubados pelos dois baluartes cilíndricos dos ângulos noroeste e sudeste. Os muros são reforçados inferiormente por forte alambor, que na esquina sudoeste funciona como quebra-mar. A entrada efetuava-se pelo sector leste, ao abrigo do baluarte, para um interior que albergava as dependências logíst icas, defendido por um adarve corrido colocado a trinta e nove palmos do solo, através do qual se acedia ao parapeito de seteiras e ameias. Os baluartes possuíam bocas de fogo radiais, incluindo varrimento dos flancos, capazes de alojar artilharia mais grossa. Em 1520, o castelo parece terminado, pois Duarte Fogaça é

apresentado como prior da igreja de um recém-levantado e povoado Castelo de Aguz.

A história perde o rasto do Castelo de Aguz por volta de 1524 ou 1525, certamente sucumbido perante as ameaças permanentes e crescentes do xerife meridional.

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léguas a norte, um ponto costeiro cobiçado por Portu-gal. Apesar de a propriedade sobre o lugar registar doa-ções a partir de 1508, a decisão da construção de um cas-telo de pedra e cal avançaria somente a partir de 1519. D. Nuno de Mascarenhas propõe a D. Manuel I uma obra no então designado sítio de Aguz, financiada pela coroa mas organizada, orientada e defendida a partir de Safim. Do mesmo ano data a missiva de D. João Subtil, bispo daquela cidade, descrevendo o projeto para um grande castelo cercado por água em dois dos seus lados.

Os vestígios que se encontram em Souira Qedima, cujos lados leste e sul foram recentemente restaura-dos, confirmam formalmente a descrição do bispo, mas atestam uma redução para a metade do plano ini-cial. Ao contrário das cento e trinta braças propostas, o perímetro da obra realizada regista apenas sessenta e cinco. Trata-se de um castelo quadrado, com mais de trinta e cinco metros de lado, se tivermos em conside-ração os cantos roubados pelos dois baluartes cilíndri-cos dos ângulos noroeste e sudeste. Os muros são refor-çados inferiormente por forte alambor, que na esquina sudoeste funciona como quebra-mar. A entrada efetuava-se pelo sector leste, ao abrigo do baluarte, para um interior que albergava as dependências logís-ticas, defendido por um adarve corrido colocado a trinta e nove palmos do solo, através do qual se acedia ao parapeito de seteiras e ameias. Os baluartes pos-suíam bocas de fogo radiais, incluindo varrimento dos flancos, capazes de alojar artilharia mais grossa. Em 1520, o castelo parece terminado, pois Duarte Fogaça é apresentado como prior da igreja de um recém--levantado e povoado Castelo de Aguz.

A história perde o rasto do Castelo de Aguz por volta de 1524 ou 1525, certamente sucumbido perante as ameaças permanentes e crescentes do xerife meridio-nal. (Tc) BIBLIOGRAFIA: As Gavetas do Torre do Tombo, 1960-1977, vol. x, pp. 80--82; Les Sourees lnédites de I'Histoire du Maroe, Premiere Série - Dynas-tie Sa'dienne, Archives et Bibliotheques de Portugal, Tome Il- Premiere Partie, 1939, pp. 250 -254 e 280-22.

Tânger (MARROCOS)

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E URBANISMO A primeira tentativa de conquista de Tânger pelos por-tugueses data de 1437, vinte e dois anos após a tomada de Ceuta. O assalto resultaria num desastre e no cati-veiro do infante D. Fernando, mas confirmaria as carac-terísticas de grandeza e densidade populacional da cidade. Seguiram-se três assaltos falhados entre 1462 e 1464 e, finalmente, a tomada definitiva, em 1471. A 28 de agosto, D. Afonso V entrava pela primeira vez na cidade despejada, depois da conquista de Arzila e consequente fuga da população de Tânger.

Todas as aproximações ao espaço físico da cidade, durante as tentativas quatrocentistas de conquista, per-mitiram a identificação das suas principais estruturas: a alcáçova, designada já por "castelo" desde o mais tenro assalto português, e a mesquita, com a qual for-mava as duas implantações mais perenes da distribui-ção funcional da cidade. Permitiram também denun-ciar um perímetro mais alargado que aquele que hoje é possível observar na linearidade da cortina que desce da porta da Kasbah para a praça do Grand Zocco.

A Tânger islâmica parece confirmar fisicamente aquilo que os geógrafos árabes classificavam como uma cidade grande. Efetivamente, o seu perímetro amuralhado à data da conquista seria substancial-mente maior que a cerca que encerra a medina atual e, como tal, Tânger era demasiado vasta para os por-tugueses a manterem de um modo sustentável. O perí-metro original uniria os pontos altos num percurso aproximado ao que, hoje em dia, é traçado pelas Avenue Hassan II, Place de France, Rue de Belgique e Rue Khalid Ibn Oualid.

Muralha portuguesa ocidental Foro : Jo rge Co rrei a

N ORTE DE ÁFRI CA ' SEINAL > TÂNGER III

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FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

BIBLIOGRAFIA:

As Gavetas do Torre do Tombo, 1960-1977, vol. X, pp. 80-82; Les Sourees lnédites de I'Histoire du Maroc, Première Série - Dynastie Sa'dienne, Archives et Bibliothèques de Portugal, Tome II - Première Partie, 1939, pp. 250-254 e 280-22.

Castelo (visto de sul).Foto: Jorge Correia

SOUIRA QEDIMA [AGUZ]Jorge Correia

Page 17: Viagem Cultural a Marrocos

À medida que a costa africana ia sendo descoberta, maior importância ganhavam as praças do litoral sul de Marrocos. Entre elas, a cidade de Safim seria, provavelmente, a mais povoada, a mais cosmopolita, a mais rica e até a mais independente delas todas. Tratava-se de uma cidade que os portugueses frequentavam, conheciam bem e usavam como escala para comprarem os tecidos que vendiam e trocavam no Golfo da Guiné.

Teoricamente a cidade dependia do "rei" de Marraquexe, mas, nos finais do século XV, tinha um estatuto mais ou menos independente, pelo que era palco constante de lutas internas, que a

dilaceravam. As redes, grupos sociais e indivíduos que se confrontavam no poder da cidade tinham várias articulações: havia correntes favoráveis a uma ligação mais forte com os portugueses, enquanto outros preferiam Castela; havia grupos que se opunham fortemente ao comércio com os infiéis cristãos, face a outros que lhe eram favoráveis; havia tribos e gentes da cidade que defendiam que a sua segurança só tinha sentido com uma estreita ligação ao poder de Marraquexe. De facto, as possibilidades e a realidade estavam sempre a criar motivos de confronto.

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100 200m

180. Safim. Reconstituição da cidade portuguesa

1. Castelo de Cima 2. Castelo do Mar 3. Caredral 4. Convcmo de 5a ma Ca[arina

5. Alfândega/Casa dos Conros G. Amiga mesqu ira da Kmbab 7. Rua Direita 8. Porra da Ribeira

9. Porra de Almedina 10. Praia I I. Oceano Adânrico

SAFI [SAFIM, ÇAFI]Filipe Themudo Barata

Safim. Reconstituição da cidade portuguesa. 1. Castelo de Cima 2. Castelo do Mar 3. Catedral 4. Convento de Santa Catarina 5. Alfândega/Casa dos Contos 6. Antiga mesquita da Kasbah 7. Rua Direita 8. Porta da Ribeira 9. Porra de Almedina 10. Praia 11I. Oceano Atlântico

Page 18: Viagem Cultural a Marrocos

Talvez por isso, pelo menos antes de 28 de agosto de 1481, D. Afonso V aceitara considerar-se o protetor da cidade, o que significou facilidades de comércio para os portugueses. É essa situação que D. João II confirma em 16 de outubro de 1488, numa carta que dirigiu ao caid de Safim, aceitando, agora, renovar o acordo.

Note-se que, apesar das facilidades comerciais e da presença constante de comerciantes portugueses na cidade, pelo menos em novembro de 1479 não havia ainda uma feitoria portuguesa em Safim. Eustache de la Fosse, que aí então fez escala, testemunha que os feitores portugueses tinham vindo fazer os seus negócios à cidade e esperavam os navios que os trariam de novo ao reino. Ou seja, a feitoria era verdadeiramente itinerante.

Será só com o rei D. João II que se constrói uma casa "parecida com um castelo e onde está um feitor" (CénivaI), com a qual Portugal inaugura um período de sólida presença na cidade. A partir de 1491, porém, abunda a documentação acerca da feitoria, a qual

sabemos ter sido mesmo dotada de uma capela e um capelão.

A conquista definitiva da cidade só teve lugar em 1508, quando Diogo da Azambuja, enviado pelo rei para pacificar a cidade, face ao desenrolar dos acontecimentos, resolveu apoderar-se dela. Esta decisão liga-se à agitação que por essa ocasião se apoderara da cidade, com os diversos grupos a digladiarem-se entre si.

Tomada a cidade, não admira que em Safim se mantivesse durante muitos anos um grupo de mouros nitidamente favoráveis à presença portuguesa; eram os chamados "mouros de pazes”, que, enquanto puderam, retiraram vantagem da nova situação. Quando morreu, em 1519, um dos mais conhecidos dirigentes destes mouros favoráveis aos portugueses, o alcaide Yahya bem Tafuft, começou um lento processo de refluxo da permanência dos portugueses em Safim. É certo que não ajudava a consolidar essa presença a permanente atitude de pilhagem - de gados, de alfaias e de colheitas - que os portugueses protagonizavam,

ram, retiraram vantagem da nova situação. Quando morreu, em 1519, um dos mais conhecidos dirigentes destes mouros favoráveis aos portugueses, o alcaide Yahya bem Tafuft, começou um lento processo de refluxo da permanência dos portugueses em Safim. É certo que não ajudava a consolidar essa presença a permanente atitude de pilhagem - de gados, de alfaias e de colheitas - que os portugueses protagonizavam, mas também é verdade que este não era um modo de vida estranho na região.

Como se verá, da construção da feitoria e da sua fortificação, os portugueses ergueram um imponente sistema de defesa, que compreendia um grande con-junto de muralhas e dois castelos. À medida que iam

ficando, foram construindo outras estruturas que, ainda hoje, podem ser visitadas em Safim e às quais os habitantes da cidade dão especial valor.

Depois destes anos iniciais com algum sucesso, com a emergência dos xarifes sádidas na região do Suz e a perda de Agadir e Aguzem 1541, D. João III não teve outro remédio senão mandar abandonar a cidade, o que aconteceu ainda nesse mesmo ano. Esta decisão só foi tomada depois de muitas consultas promovidas pelo rei; a maioria dos inquiridos opunha-se ao aban-dono de Safim, ou pelo menos mostrava forte renitên-cia, em especial pelo significado que a presença por-tuguesa encerrava. Mas os custos e os riscos eram demasiado grandes para manter esta praça. (FTB)

Saflm Castelo do Mar

2. Castelo de Terra 3. Baluarte circular

do Castelo de Terra Muralha Couraç a

6. Actual Rue du Souk. provavelmente a Rua Direita do tempo dos portugueses Convento de Sa nta Catarina (localização sego Pedro Dias)

8. Ca tedra l portuguesa

NORTE DE ÁFRIC A ' MECCÓ > SAFI 105

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Safim. 1. Castelo do Mar 2. Castelo de Terra 3. Baluarte circular do Castelo de Terra 4. Muralha 5. Couraça 6. Actual Rue du Souk, provavelmentea Rua Direita do tempo dos portugueses 7. Convento de Santa Catarina (localização seg. Pedro Dias) 8. Catedral Portuguesa

Page 19: Viagem Cultural a Marrocos

mas também é verdade que este não era um modo de vida estranho na região.

Como se verá, da construção da feitoria e da sua fortificação, os portugueses ergueram um imponente sistema de defesa, que compreendia um grande conjunto de muralhas e dois castelos. À medida que iam ficando, foram construindo outras estruturas que, ainda hoje, podem ser visitadas em Safim e às quais os habitantes da cidade dão especial valor.

Depois destes anos iniciais com algum sucesso, com a emergência dos xarifes sádidas na região do Suz e a perda de Agadir e Aguz em 1541, D. João III não teve outro remédio senão mandar abandonar a cidade, o que aconteceu ainda nesse mesmo ano. Esta decisão só foi tomada depois de muitas consultas promovidas pelo rei; a maioria dos inquiridos opunha-se ao abandono de Safim, ou pelo menos mostrava forte renitência, em especial pelo significado que a presença portuguesa encerrava. Mas os custos e os riscos eram demasiado grandes para manter esta praça.

ARQUITECTURA MILITAR

Quando os portugueses tomaram Safim encontraram várias obras de defesa, algumas ainda pertencentes ao período almóada. Apesar

Safi.Foto: Jerzy Strzelecki

de algumas obras iniciais que começaram em 1508, foi só após o cerco que os portugueses sofreram durante os anos de 1510 e 1511 que o monarca se decidiu a não se perder mais tempo. Daqui decorreu o envio dos irmãos Diogo e Francisco Arruda, logo em 1512, para projetar as obras do castelo existente e das muralhas da cidade, dado que o perigo imediato vinha do interior. Se depressa se decidiu, rapidamente se mobil izaram os meios necessários, pois Diogo Arruda chegou a dirigir uma equipa que compreendia quarenta e quatro pedreiros, cinco taipeiros e mais oitenta e seis operários não especializados, o que dá uma ideia da prioridade que foi dada a estas obras.

Além dos Arruda, sabe-se que trabalharam em Safim vários "mestres-de-obras de pedraria'; entre os quais se conhecem os seguintes: João Luís (1513-1524), Luís Dias (1524-1526), Garcia de Bolonha (iniciou funções em 1526) e Lourenço Argueiros. A maior parte das obras foi realizada e projetada no reinado de D. Manuel, tendo porém algumas delas terminado já no tempo de D. João III, como é o caso do grande baluarte e a imponente couraça a norte da cidade, da responsabilidade de Lourenço Argueiros. Durante o reinado deste último monarca, a maior parte das obras projetadas, quase sempre de reforço ou manutenção, como as projetadas para a muralha, acabaram por não se efetuar e, como se sabe, a cidade foi abandonada.

Desde 1922, os castelos do mar e o de terra e, em 1923, as muralhas, foram classificados como monumentos históricos, indicando a assunção por parte das autoridades da responsabilidade pela sua conservação e valorização.

CASTELO DE TERRA

Juntamente com a muralha, o chamado Castelo de Terra foi, como se referiu, a primeira obra militar lançada pelos portugueses em Safim. O seu objetivo era claro: para os recém-chegados, a principal ameaça vinha das tribos hostis da região da Doukkala (a Duquela) e do poder de Marraquexe, pelo que havia que adaptar a alcáçova, a verdadeira porta de entrada da área

Page 20: Viagem Cultural a Marrocos

e símbolo do poder e residência do governador. Na zona, ao centro e mesmo defronte da estrada principal, foi construído um grande baluarte, um verdadeiro castelejo, e, nos ângulos laterais, dois torreões semicirculares, o que lhe confere uma percepção de força e poder indesmentível. Para que não houvesse dúvidas de quem eram os novos senhores, os mestres-de-obras portugueses esculpiram as armas do rei D. Manuel, ladeadas de duas esferas armilares, que ainda hoje podemos admirar. Quatro canhoeiras, agora entaipadas, permitiam às peças de artilharia manter em respeito as ameaças vindas de terra. Uma nota dissonante é a data de 1540, inscrita no baluarte maior, que significará provavelmente o termo das obras.

Atualmente, nesse local, conhecido como a Kechla, existe um museu de cerâmica e, apesar de o conjunto já ter sofrido muitas alterações, reconhece-se a sua origem fort i f icada quinhentista.

Os autores do projeto deste castelo terão sido os famosos irmãos Diogo e Francisco Arruda, mas a sua execução parece ter sido da responsabi l idade do mestre Lourenço Arqueiros. (FTB)

ARQUITETURA MILITAR

Quando os portugueses tomaram Safim encontra-ram várias obras de defesa, algumas ainda pertencen-tes ao período almóada. Apesar de algumas obras ini-ciais que começaram em 1508, foi só após o cerco que os portugueses sofreram durante os anos de 1510 e 1511 que o monarca se decidiu a não se perder mais tempo. Daqui decorreu o envio dos irmãos Diogo e Francisco Arruda, logo em 1512, para projetar as obras do castelo existente e das muralhas da cidade, dado que o perigo imediato vinha do interior. Se depressa se decidiu, rapi-damente se mobilizaram os meios necessários, pois Diogo Arruda chegou a dirigir uma equipa que compre-endia quarenta e quatro pedreiros, cinco taipeiros e mais oitenta e seis operários não especializados, o que dá uma ideia da prioridade que foi dada a estas obras.

Além dos Arruda, sabe-se que trabalharam em Safim vários "mestres-de-obras de pedraria'; entre os quais se conhecem os seguintes: João Luís (1513-1524), Luís Dias (1524-1526), Garcia de Bolonha (iniciou fun-ções em 1526) e Lourenço Argueiros. A maior parte das obras foi realizada e projetada no reinado de D. Manuel, tendo porém algumas delas terminado já no tempo de D. João III, como é o caso do grande baluarte e a impo-nente couraça a norte da cidade, da responsabilidade de Lourenço Argueiros. Durante o reinado deste último monarca, a maior parte das obras projetadas, quase sempre de reforço ou manutenção, como as projeta-das para a muralha, acabaram por não se efetuar e, como se sabe, a cidade foi abandonada.

Desde 1922, os castelos do mar e o de terra e, em 1923, as muralhas, foram classificados como monu-mentos históricos, indicando a assunção por parte das

Castelo do Mar autoridades da responsabilidade pela sua conservação Foto: Francisco Sousa Lobo e valorização. (FTB)

> CASTELO DE TERRA

Juntamente com a muralha, o chamado Castelo de Terra foi, como se referiu, a primeira obra militar lançada pelos portugueses em Safim. O seu objetivo era claro: para os recém-chegados, a principal ame-aça vinha das tribos hostis da região da Doukkala (a Duquela) e do poder de Marraquexe, pelo que havia que adaptar a alcáçova, a verdadeira porta de entrada da área e símbolo do poder e residência do governa-dor. Na zona, ao centro e mesmo defronte da estrada principal, foi construído um grande baluarte, um verdadeiro castelejo, e, nos ângulos laterais, dois tor-reões semicirculares, o que lhe confere uma percep-ção de força e poder indesmentível. Para que não houvesse dúvidas de quem eram os novos senhores, os mestres-de-obras portugueses esculpiram as ar-mas do rei D. Manuel, ladeadas de duas esferas armi-lares, que ainda hoje podemos admirar. Quatro canhoeiras, agora entaipadas, permitiam às peças de artilharia manter em respeito as ameaças vindas de terra. Uma nota dissonante é a data de 1540, inscrita no baluarte maior, que significará provavelmente o termo das obras.

Atualmente, nesse local, conhecido como a Kechla, existe um museu de cerâmica e, apesar de o conjunto já ter sofrido muitas alterações, reconhece-se a sua ori-gem fortificada quinhentista.

Os autores do projeto deste castelo terão sido os famosos irmãos Diogo e Francisco Arruda, mas a sua execução parece ter sido da responsabilidade do mes-tre Lourenço Arqueiros. (FTB)

> MURALHA

A muralha construída pelos portugueses em Safim não segue, segundo parece, o traçado da antiga mura-lha alm6ada, e terá reduzido o primitivo perímetro

Bastião C" Castelo Terra Foto: jos.e ...

MURALHA

A muralha construída pelos portugueses em Safim não segue, segundo parece, o traçado da antiga muralha almóada, e terá reduzido o primitivo perímetro desta. Em qualquer caso,

Bastião do Castelo de Terra.Foto: José Manuel Mascarenhas

este perímetro amuralhado tem cerca de três quilómetros e a própria muralha apresenta medidas generosas: cinco metros de largura, não incluindo os fossos, que em algumas partes se percebem claramente, e cerca de sete de altura.

A muralha portuguesa, dotada de um caminho de ronda, com parapeito e flanqueada por torres, apresenta cortinas retas com poucos cubelos e largas ameias de dupla seteira. Uma imagem do século XVI permite perceber a forma do amuralhado que, mais larga no interior do Castelo de Terra e do grande baluarte, conduzia dois panos de muralha em direção ao Castelo do Mar.

CASTELO DO MAR (CASTELO NOVO)

Este castelo, o Ksar el Baahr como os habitantes de Safim lhe chamam, é, nos dias de hoje, um verdadeiro ex-líbris da cidade. Iniciada a sua construção em 1516, terá sido terminado só por volta de 1523. Os objetivos desta estrutura são evidentes: tratava-se de proteger o comércio e o tráfego marítimo junto ao porto e onde estava a feitoria portuguesa. Algumas fontes mostram como, no local onde se ergueu este castelo, pelo menos desde 1501, se foram criando estruturas fortificadas para proteção da feitoria e da alfândega durante a sua construção.

O Castelo do Mar é uma belíssima obra com uma forma quadrada, com cerca de 60 x 60 metros e uma área total com cerca de 3.000 metros quadrados, com uma couraça, pátio

desta. Em qualquer caso, este perímetro amuralhado tem cerca de três quilómetros e a própria muralha apresenta medidas generosas: cinco metros de largura, não incluindo os fossos, que em algumas partes se per-cebem claramente, e cerca de sete de altura.

A muralha portuguesa, dotada de um caminho de ronda, com parapeito e flanqueada por torres, apre-senta cortinas retas com poucos cubelos e largas ameias de dupla seteira. Uma imagem do século XVI

permite perceber a forma do amuralhado que, mais larga no interior do Castelo de Terra e do grande balu-arte, conduzia dois panos de muralha em direção ao Castelo do Mar. (FTB)

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> CASTELO DO MAR (CASTELO NOVO)

Este castelo, o Ksar el Baahr como os habitantes de Safim lhe chamam, é, nos dias de hoje, um verdadeiro ex-líbris da cidade. Iniciada a sua construção em 1516, terá sido terminado s6 por volta de 1523. Os objetivos desta estrutura são evidentes: tratava-se de proteger o comércio e o tráfego marítimo junto ao porto e onde estava a feitoria portuguesa. Algumas fontes mostram como, no local onde se ergueu este castelo, pelo menos desde 1501, se foram criando estruturas fortificadas para proteção da feitoria e da alfândega durante a sua construção.

O Castelo do Mar é uma belíssima obra com uma forma quadrada, com cerca de 60 x 60 metros e uma área total com cerca de 3.000 metros quadrados, com uma couraça, pátio central, torre de menagem (bordj eJ-Mestari) e castelejo sobre o arco de entrada, pos-suindo fortes casamatas e terraço superior de artilha-ria para dez peças, ao qual se acede por uma rampa, e torre avançada servida por outra rampa. O seu cons-trutor terá sido Pedro Álvares, embora seja provável que os irmãos Arruda tenham tudo alguma interven-ção no projeto.

Ainda são visíveis as armas portuguesas e, desde o paço do capitão, ainda se pode apreciar uma magní-fica vista de uma janela de nítido recorte quinhentista.

Este castelo, permanentemente batido pelo mar, corre alguns riscos.

Castelo do Mar Foto: Rui O chôa Acervo: FCG

NORTE DE ÁFRI CA ' SAFI 107

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Vista Geral da Muralha Sul.Foto: Francisco Sousa Lobo

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central, torre de menagem (bordj el-Mestari) e castelejo sobre o arco de entrada, possuindo fortes casamatas e terraço superior de artilharia para dez peças, ao qual se acede por uma rampa, e torre avançada servida por outra rampa. O seu construtor terá sido Pedro Álvares, embora seja provável que os irmãos Arruda tenham tudo alguma intervenção no projeto.

Ainda são visíveis as armas portuguesas e, desde o paço do capitão, ainda se pode apreciar uma magnífica vista de uma janela de nítido recorte quinhentista.

Em 1998, esta estrutura foi objeto de uma peritagem da responsabilidade do LNEC, que dava execução a uma decisão da Comissão Técnica Científica de Cooperação Portuguesa-Marroquina, reunida em Marrocos de 11 a 15 de junho de 1995. Desconhece-se, porém, o relatório da peritagem. Do mesmo modo, nos últimos anos, as autoridades da região viram-se obrigadas a intervir, no essencial com obras de proteção, dados os estragos que a muralha virada ao mar sofrera, por ser constantemente batida pela forte ondulação costeira. Em fevereiro de 2010, lamentavelmente, uma das torres do castelo ruiu. (FTB)

desta. Em qualquer caso, este perímetro amuralhado tem cerca de três quilómetros e a própria muralha apresenta medidas generosas: cinco metros de largura, não incluindo os fossos, que em algumas partes se per-cebem claramente, e cerca de sete de altura.

A muralha portuguesa, dotada de um caminho de ronda, com parapeito e flanqueada por torres, apre-senta cortinas retas com poucos cubelos e largas ameias de dupla seteira. Uma imagem do século XVI

permite perceber a forma do amuralhado que, mais larga no interior do Castelo de Terra e do grande balu-arte, conduzia dois panos de muralha em direção ao Castelo do Mar. (FTB)

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> CASTELO DO MAR (CASTELO NOVO)

Este castelo, o Ksar el Baahr como os habitantes de Safim lhe chamam, é, nos dias de hoje, um verdadeiro ex-líbris da cidade. Iniciada a sua construção em 1516, terá sido terminado s6 por volta de 1523. Os objetivos desta estrutura são evidentes: tratava-se de proteger o comércio e o tráfego marítimo junto ao porto e onde estava a feitoria portuguesa. Algumas fontes mostram como, no local onde se ergueu este castelo, pelo menos desde 1501, se foram criando estruturas fortificadas para proteção da feitoria e da alfândega durante a sua construção.

O Castelo do Mar é uma belíssima obra com uma forma quadrada, com cerca de 60 x 60 metros e uma área total com cerca de 3.000 metros quadrados, com uma couraça, pátio central, torre de menagem (bordj eJ-Mestari) e castelejo sobre o arco de entrada, pos-suindo fortes casamatas e terraço superior de artilha-ria para dez peças, ao qual se acede por uma rampa, e torre avançada servida por outra rampa. O seu cons-trutor terá sido Pedro Álvares, embora seja provável que os irmãos Arruda tenham tudo alguma interven-ção no projeto.

Ainda são visíveis as armas portuguesas e, desde o paço do capitão, ainda se pode apreciar uma magní-fica vista de uma janela de nítido recorte quinhentista.

Este castelo, permanentemente batido pelo mar, corre alguns riscos.

Castelo do Mar Foto: Rui O chôa Acervo: FCG

NORTE DE ÁFRI CA ' SAFI 107

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ATALAIA DE BORJ NADOR

Esta estrutura arquitetónica é mal conhecida. Não se possuem muitas informações sobre o seu atual estado de conservação. Parece tratar-se de uma das raras atalaias de origem portuguesa que, até há pouco tempo, ainda se

Castelo do Mar.Foto: Rui OchôaAcervo: FCG

encontrava de pé em território marroquino, e que funcionava como posto de vigia, integrada no sistema de defesa da cidade de Safim. As autoridades da região de Doukkala-Adba, além da sua origem portuguesa, apontam-lhe uma época de construção de 1510.

Esta construção em pedra encontra-se a cerca de sete quilómetros a norte da cidade de Safim e apresenta uma forma retangular (5,80 x 7,60 metros) estando dotada de uma abóbada e de uma escada que conduz a um terraço, permitindo a observação da área em redor.

ARQUITECTURA RELIGIOSA

CATEDRAL

Desde 1871 conhece-se, em Safim, a Catedral Portuguesa, à qual, mais tarde (1929), Pierre de Cénival dedicou um interessante estudo.

A t u a l m e n t e , e s t a i n t e r e s s a n t e p e ç a arquitetónica continua a ser visitada, pois ainda se podem perceber muitos dos seus elementos. Assim, mantém-se a capela-mar, que apresenta ainda uma bela abóbada, e a capela lateral direita, já sem a abóbada, embora com os arranques das nervuras. A capela-mar é de planta retangular (8,20 x 7,20 metros) e com um arco de entrada assente em colunelos, adossados aos pés-direitos, muito típicos de Boytac). O vão de entrada é imponente, medindo 6,20 metros.

Provavelmente o mais interessante é a abóbada, cujas nervuras organizam nove chaves com uma iconografia que conta uma parte da história da passagem dos portugueses pela cidade. Na chave central, o escudo de D. Manuel, o rei que tomou e fortificou a cidade; nas chaves radiantes, alguns símbolos desta fase da expansão portuguesa: uma com a Cruz da Ordem de Cristo, uma segunda com a Esfera Armilar, outra com as armas episcopais de D. João Subtil, o único bispo de Safim que aí residiu e deu uma parte das verbas para a sua construção, uma outra com as chaves de São Pedro, três com folhas naturalistas e uma em que se perdeu o motivo inicial.

Page 22: Viagem Cultural a Marrocos

A Catedral terá tido um projeto inicial do vedor das obras Jorge Machado, que esteve em Safim entre 1517-1521, e do mestre-de-obras João Luís. Segundo as fontes, o projeto inicial terá sido apreciado e retocado, provavelmente por um dos irmãos Arruda, e devolvido para que a catedral fosse construída. (FTB)

Em 1998, esta estrutura foi objeto de uma perita-gem da responsabilidade do LNEC, que dava execução a uma decisão da Comissão Técnica Científica de Coo-peração Portuguesa-Marroquina, reunida em Marro-cos de 11 a 15 de junho de 1995. Desconhece-se, porém, o relatório da peritagem. Do mesmo modo, nos últi-mos anos, as autoridades da região viram -se obrigadas a intervir, no essencial com obras de proteção, dados os estragos que a muralha virada ao mar sofrera, por ser constantemente batida pela forte ondulação cos-teira. Em fevereiro de 2010, lamentavelmente, uma das torres do castelo ruiu. (FTB)

> ATALAIA DE BORJ NADOR

Esta estrutura arquitetónica é mal conhecida. Não se possuem muitas informações sobre o seu atual estado de conservação. Parece tratar-se de uma das raras atalaias de origem portuguesa que, até há pouco tempo, ainda se encontrava de pé em território marro-quino, e que funcionava como posto de vigia, integrada no sistema de defesa da cidade de Safim. As autorida-des da região de Doukkala-Adba, além da sua origem portuguesa, apontam-lhe uma época de construção de 1510.

Esta construção em pedra encontra-se a cerca de sete quilómetros a norte da cidade de Safim e apre-senta uma forma retangular (5,80 x 7,60 metros) estando dotada de uma abóbada e de uma escada que conduz a um terraço, permitindo a observação da área em redor. (FTB)

ARQUITETURA RELIGIOSA

> CATEDRAL

Desde 1871 conhece-se, em Safim, a Catedral Por-tuguesa, à qual, mais tarde (1929), Pierre de Cénival dedicou um interessante estudo.

Atualmente, esta interessante peça arquitetónica continua a ser visitada, pois ainda se podem perceber muitos dos seus elementos. Assim, mantém-se a ca-pela-mar, que apresenta ainda uma bela abóbada, e a capela lateral direita, já sem a abóbada, embora com os arranques das nervuras. A capela-mar é de planta retangular (8,20 x 7,20 metros) e com um arco de entrada assente em colunelos, adossados aos pés--direitos, muito típicos de Boytac). O vão de entrada é imponente, medindo 6,20 metros.

Provavelmente o mais interessante é a abóbada, cujas nervuras arganizam nove chaves com uma ico-nografia que conta uma parte da história da passagem dos portugueses pela cidade. Na chave central, o escudo de D. Manuel, o rei que tomou e fortificou a cidade; nas chaves radiantes, alguns símbolos desta

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fase da expansão portuguesa: uma com a Cruz da Ordem de Cristo, uma segunda com a Esfera Armilar, outra com as armas episcopais de D. João Subtil, o único bispo de Safim que aí residiu e deu uma parte das verbas para a sua construção, uma outra com as chaves de São Pedro, três com folhas naturalistas e uma em que se perdeu o motivo inicial.

A Catedral terá tido um projeto inicial do vedor das obras Jorge Machado, que esteve em Safim entre 1517--1521, e do mestre-de-obras João Luís. Segundo as fon-tes' o projeto inicial terá sido apreciado e retocado, pro-vavelmente por um dos irmãos Arruda, e devolvido para que a catedral fosse construída.

Atualmente, a Fundação Calouste Gulbenkian tem em curso um projeto de reabilitação da Catedral. (FTB)

> CONVENTO DE SANTA CATARINA

Como estruturas religiosas, além da Catedral de Safim, refere-se a existência de um convento francis-cano na cidade, com a invocação de Santa Catarina. Seria uma obra de razoáveis dimensões, já que,

Catedral Portuguesa (vista do interior).Foto: Rui OchôaAcervo: FCG

CONVENTO DE SANTA CATARINA

Como estruturas religiosas, além da Catedral de Safim, refere-se a existência de um convento franciscano na cidade, com a invocação de Santa Catarina. Seria uma obra de razoáveis dimensões, já que, segundo a correspondência trocada com o monarca português, poderia acolher entre seis a oito frades; em 1514 já teria sido construído em grande parte, embora tenha conhecido mais trabalhos em 1517.

Em 1938, Joseph Goulven tinha encontrado e descrito nos números 79 e 81 da Rue Dar Benito um conjunto de elementos arquitetónicos que, pelas suas características, fariam parte de uma estrutura religiosa portuguesa. Muito tempo depois, em 2000, na sua obra dedicada à arquitetura portuguesa em Marrocos, Pedro Dias, partindo das antigas imagens e trabalhos de J. Goulvean e P.-A. Evin, confirmou a identificação do local deste convento. Os elementos postos a descoberto e por ele

descritos ganham uma grande coerência, pois ainda foi possível identificar os arranques de feixes das nervuras e uma capela lateral com arcos cruzados. A descrição efetuada e as fotografias apresentadas parecem apontar para uma estrutura pelo menos tão imponente como a catedral e, provavelmente, da autoria do mesmo mestre, dadas as semelhanças de alguns elementos, como é o caso das molduras.

Lamentavelmente, o que resta do convento encontra-se integrado na casa particular de um habitante local e, com o tempo, tende a degradar-se, perdendo assim as marcas da sua origem portuguesa.

Goulven levanta ainda a hipótese de ter havido outra capela, também de origem portuguesa, na denominada Rue des Marchés, embora não a tenha conseguido identificar. (FTB)

EQUIPAMENTOS E INFRAESTRUTURAS

ALFÂNDEGA

É muito provável que um levantamento mais sistemático na cidade pusesse a descoberto outras e mais diversificadas estruturas de origem portuguesa, além das obras de defesa, das estruturas religiosas e até dos portais. Com efeito, atualmente, por exemplo, desconhecem-se vestígios da doca e da Alfândega da cidade; sobre esta última, sabemos que, em 1506, terá sido rodeada por um muro de sessenta centímetros de espessura e nela terá intervindo o mestre-de-obras João Luís; a primeira, a doca, em 1516, ainda não estava concluída e já ameaçava ruína. Jorge Correia, num artigo recente, a partir de um documento do Corpo Cronológico, tentou uma interessante reconstituição de algumas das áreas de Safim, em especial tentando perceber a articulação dos espaços construídos pelos portugueses, entre eles a Alfândega e a Casa dos Contos.

Page 23: Viagem Cultural a Marrocos

HABITAÇÃO

PORTAIS E PORTAS

Nesta cidade, ainda são visíveis elementos arquitetónicos que testemunham a presença portuguesa. É o caso dos portais da Medina de Safim. Um dos valores patrimoniais desta cidade é, reconhecidamente, a variedade e a riqueza dos seus portais, que conduziu as autoridades a um levantamento das tipologias existentes; entre elas, encontram-se as "Portas de Tradição Portuguesa" de que é dado como exemplo o portal da casa n.O 2 da Rue Es-Samâa. Este portal já tinha sido assinalado, em 2000, por Pedro Dias, que afirma ter identificado cerca de uma dezena de portais de recorte manuelino, testemunhos da presença continuada de mestres construtores e pedreiros lusos, que iam moldando estes portais "à maneira portuguesa”.

MEDINA

A área coberta pela medina tem a forma de um triângulo cujo lado mais largo fica virado para a costa. A Rue du Souk, alinhada por lojas e oficinas, leva a Bab Chaaba (Porta do Vale) Perto da Grande Mesquita, a sul da medina, ficam as ruínas da antiga catedral de Safi, erguida pelos portugueses em 1519.

COLINA DOS OLEIROS

No bairro Bab Chaaba pode ver artesãos fazerem as peças de cerâmica que tornaram Safi famosa. Peças acabadas estão expostas para venda em salas de exposição e os visitantes podem acompanhar as várias fases da produção das peças na escola de formação.

BIBLIOGRAFIA:

Marrocos, Porto, 2007

FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

BIBLIOGRAFIA:

Cénival, Pierre de, La cathédrale portugaise de Safim, Paris, 1929; Cénival, Pierre de, Les sources inédites de l'histoire du Maroc, Paris, I, pp. 151-161, 1934; Correia, Jorge, "Structures marchandes du début du XVleme siècle en Afrique du Nord: la ville portugaise de Safim”, Actas do Colóquio de História Luso-Marroquina, 3, Marraquexe, 2007 (http://hdl. handle.net/1822/8341); El Idrissi, Omar (Coord.), Les anciennes portes de la Médina de Safim, catálogo de exposição, Safim, 2004; Goulven; Joseph, Safim: aux vieux temps des portugais, Lisboa, 1938; Mattes-Kuecuekali, Isabel (Coord.), Open Doors for Crafts and Dialogue, Cairo, 2007.

A medina de Safi.

Um oleiro a trabalhar, utilizando barro de alta qualidade.

Page 24: Viagem Cultural a Marrocos

Entre os locais ocupados pelos portugueses na costa do Norte de África, a vila-fortaleza de Mazagão possui um lugar de destaque, constituindo um notável testemunho de arquitetura militar e cidade do Renascimento durante a expansão portuguesa. Hoje inserido na cidade de El Jadida, o conjunto é o elemento fulcral da estrutura e identidade urbanas desta.

Podemos cons iderar quat ro per íodos fundamentais da sua história. O primeiro, de finais do século XV a 1514, corresponde ao período em que os portugueses começam a frequentar o local, como porto de comércio e de embarque de cereais, na dependência de Azamor. No segundo, de 1514 a 1541, Mazagão tem a configuração de uma pequena povoação acastelada, ainda ligada a Azamor, mas adquir indo gradual importância e independência. O terceiro, de 1541 a 1769, inicia-se com a construção da fortaleza abaluartada e respectiva estrutura urbana,

prolongando-se por mais de dois séculos de presença portuguesa até ao momento da retirada, quando o conjunto é sujeito a um significativo grau de destruição. O quarto período, de 1769 até nossos dias, corresponde à ocupação, apropriação e transformação do conjunto pelos seus novos habitantes, de acordo com as suas necess idades e particularidades culturais.

Do ponto de vista metodológico - tendo em conta a particularidade do percurso histórico do conjunto e as limitações da documentação existente - a abordagem a esta cidade parte de uma análise arquitetónica das próprias estruturas construídas hoje existentes, complementada pelas fontes escritas e gráficas de que temos conhecimento. Entre as fontes gráficas destacamos dois documentos, pelo rigor e interesse da sua informação: a Planta de 1611, depositada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Farinha, 1987) e a Planta de c.

EL JADIDA [MAZAGÃO]João Barros Matos

A vila-fortaleza (vista parcial).Foto: João Barros Matos

A vila-fortaleza (vista parcial) FOlO: João Barros Matos

detalhada da construção existente, nomeadamente de alguns elementos particulares, como as canhoneiras, permite-nos identificar as secções que correspondem às obras de reconstrução nas diferentes zonas da forta-leza. Pela tipologia, dimensão e qualidade dos materiais, são identificáveis com clareza os elementos que perten-cem e que não pertencem à estrutura original. Os tra-balhos de reconstrução terão sido desenvolvidos em diferentes momentos, ao longo de algumas décadas, e realizaram-se em praticamente toda a fortaleza, excluindo a cortina sul, a cortina norte e o interior dos baluartes. Parte dos trabalhos de reconstrução foram executados ainda a pensar em fins militares, tendo aqui sido instalada uma guarnição. A partir de meados do século XIX, no exterior do perímetro fortificado, come-çou a desenvolver-se a cidade de El Jadida e foi atulhado o fosso junto à fachada poente/terrestre. No início do século xx, o conjunto apresentaria uma morfologia pró-xima da que podemos encontrar hoje, mas mantinha ainda o fosso frente à fachada norte - atulhado na segunda década do século - e a praia junto ao fosso sul.

A escolha de Benedetto da Ravena para autor do projeto da fortaleza constitui só por si um marco de mudança, nà procura dos métodos mais avançados de concepção de estruturas fortificadas. O arquiteto pro-pôs um projeto inovador, baseado num sistema de fren-tes abaluartadas, onde foi introduzido o baluarte pen-tagonal, assegurando uma defesa integrada, com fogo rasante e cruzado, de proteção entre baluartes e corti-nas. Projetada de raiz, a vila-fortaleza foi pensada como um todo. A definição da escala do perímetro fortificado

estava diretamente relacionada com a dimensão da estrutura urbana interior e com o número de pessoas adequado à sua defesa, procurando assegurar um ele-vado grau de autosustentabilidade. A morfologia do perímetro fortificado parece partir de uma forma regu-lar, retangular, que foi modelada e transformada de modo a melhor adaptar-se ao terreno e melhor respon-der às necessidades defensivas. A implantação definida estava diretamente relacionada com o preexistente cas-telo manuelino, que passou a constituir o centro geo-métrico de todo o conjunto. Avançada sobre o mar, foi criada uma zona de desembarque, acessível a embar-cações de grande porte. Para que este porto assegurasse as melhores condições de utilização, grande parte do perímetro fortificado foi construído já dentro do mar. Naturalmente, a implantação estaria ainda relacionada com as próprias características do terreno e com um equilíbrio do esforço de construção. A definição do perímetro mais para o lado da terra implicaria um maior trabalho de abertura de fossos na rocha e, mais dentro do mar, o aumento da dificuldade de construção das muralhas, assim como do risco da sua destruição.

O recinto fortificado era constituído, essencial-mente, por cinco baluartes - quatro deles existentes-unidos por espessas cortinas, abrindo-se, na fachada marítima, uma pequena calheta. As robustas cortinas estavam preparadas para resistir a impactos de artilha-ria grossa, sendo o perfil do reparo constituído por um expressivo terrapleno, com as escarpas exterior e inte-rior em alvenaria de pedra rebocada e a plataforma superior em terra batida. A transição entre a escarpa

NORTE DE ÁFRI CA' EL JADIDA 91

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1720, da autoria de Simão dos Santos, deposi tada no Inst i tu to Por tuguês de Cartografia e Cadastro (Farinha, 1970).

Situado na Duquela, cerca de quinze quilómetros a sudoeste de Azamor, o local de Mazagão começou a ser utilizado pelos portugueses no final do século XV como local de comércio e de carregamento de trigo. Ao contrário de Azamor - que apresentava a desvantagem de possuir uma má ligação, através da barra assoreada e difícil de percorrer do Rio Umme Arrebia - o lugar de Mazagão, aberto para uma ampla baía e com fácil acesso ao mar, possuía boas características para ser utilizado como porto. Em 1513, dá-se a conquista de Azamor e de Mazagão por D. Jaime, duque de Bragança. Após o feito, D. Jaime escreveu ao rei D. Manuel, dando-lhe conta da necessidade de construção de uma fortaleza no lugar de Mazagão, de modo a assegurar as relações marítimas de Azamor. Para além da vantagem de reforçar a proteção da baia e o acesso à cidade de Azamor, o própr io desenvolv imento das relações comerciais no sítio de Mazagão tornava desejável a criação de uma fortificação que permitisse usufruir do porto em segurança.

Entre 1514 e 1541, Mazagão foi uma pequena povoação, constituída pelo castelo manuelino, perto do qual - entre sudoeste e noroeste - se implantava um pequeno aglomerado de construções, que se terá desenvolvido ao longo dos anos, absorvendo o aumento significativo da população da praça.

Os planos de Benedetto da Ravena para a estrutura fortificada continham certamente intenções referentes à estrutura urbana, mas não incluíam o desenho detalhado do tecido urbano (carta de D. João III a Luís Loureiro). O planeamento da malha urbana poderá ter sido realizado por Miguel de Arruda, tendo em conta as indicações deixadas por Benedetto da Ravena, e sujeito a adaptações realizadas durante o período que durou a construção. A primeira cidade ideal do Renascimento fora da Europa, como a define Rafael Moreira, foi pensada como um todo, num processo de concepção moderno e inovador. Nesse sentido, podemos encontrar afinidades com a cidade

idealizada renascentista, na tradição de Alberti. Para a lém de ques tões es t r i tamente relacionadas com a defesa militar, a estrutura da vila foi alvo de um planeamento racional como resposta a questões específicas de concepção urbana, como os acessos, a estrutura de circulação interior, as ligações entre perímetro fortificado e tecido urbano, a definição de espaços urbanos, a separação entre zonas funcionais, a localização e escala dos edifícios públicos representativos, a morfologia dos quarteirões ou a definição de infraestruturas. O plano do conjunto deveria ainda assegurar um imprescindível grau de autosustentabilidade em relação ao exterior - que se vai refletir, por exemplo, na dimensão da Cisterna.

São escassos os elementos relativos à malha urbana construída na sequência da conclusão do perímetro abaluartado. Para além da própria estrutura construída existente, submetida a transformações significativas nos últimos dois séculos, restam-nos as fontes gráficas, embora posteriores à data de início da construção. Com pouco mais de cinco hectares, o polígono que limita a malha urbana corresponde ao próprio perímetro fortificado. A racionalidade do conjunto começa na decisão de integrar o preexistente castelo na zona central da nova estrutura urbana, com uma planta de desenho equilibrado, em que o perímetro fortificado se implanta relativamente mais avançado na direção do mar. O castelo, transformado no edifício da Cisterna, passa a constituir o elemento fulcral e estruturante do tecido urbano, à volta do qual este se organiza. Cerca de metade da estrutura foi construída para lá da linha de costa, já dentro do mar, com as consequentes dificuldades de execução das bases das muralhas - assentes diretamente na rocha - e do aterro de uma enorme área, no interior do perímetro, antes submersa. O tecido urbano relaciona-se e adapta-se à forma do perímetro. A organização de ruas e quarteirões parte de uma malha ortogonal paralela ao edifício da Cisterna, articulando-se com relações de paralelismo e perpendicularidade em relação às direções do próprio perímetro fortificado. Podemos encontrar diversas relações geométricas estruturantes da malha

Page 26: Viagem Cultural a Marrocos

urbana. Como acontece com a definição dos eixos longitudinal e transversal, constituídos pela Rua da Carreira e pela Rua Direita; com a coincidência entre a quebra, em ângulo, da cortina sul e o extremo da Rua dos Celeiros, tangente ao edifício da Cisterna. Em termos de d is t r ibu ição func iona l encont ramos a concentração central de um núcleo de edifícios públicos representativos em volta da praça de armas, e uma malha de quarteirões com edifícios essencialmente residenciais distribuída pela restante estrutura.

No entanto, esta estrutura urbana idealizada, assente numa organ ização regu lar e geométrica dos espaços, parece ter sido parcialmente submetida à decisão de manter e integrar elementos de uma malha urbana preexistente, não planeada. Algumas casas foram demolidas por volta de janeiro de 1542, para a construção do muro fortificado, o que leva a crer que outras tenham sido mantidas no interior do perímetro - provavelmente junto ao Baluarte do Espírito Santo pelo menos num primeiro momento. Os quarteirões a noroeste do edifício da Cisterna, na zona que se prolongava até ao poço, e a sudoeste na proximidade do Baluarte do Espírito Santo, apresentam uma cer ta i r regular idade, aparentemente relacionada com a sujeição da malha a preexistências. Por outro lado, a morfologia dos quarteirões nordeste e sudeste, em zona atulhada e conquistada ao mar, apresenta uma maior regularidade. Parece provável que parte da pequena estrutura urbana existente, não planeada, tenha sido inserida no novo tecido. A regularidade própria de um plano parece ainda ter sido perturbada pelo próprio processo de construção, que se terá prolongado no tempo. Apesar das fortes intenções estruturantes, parece ter havido uma certa flexibilidade na aplicação da regra a questões práticas e particulares.

A entrada na vila desde o lado da terra, realizada através do Baluarte do Governador, conduzia diretamente ao terreiro que constituía a praça de armas. À esquerda, encontrava-se o Palácio do Governador, símbolo do poder real, à direita a Igreja Matriz e em frente, incluída no edifício da Cisterna, a Misericórdia, instituição que gozava uma situação de privilégio. De

acordo com Rafael Moreira, na forma trapezoidal da praça podíamos encontrar o uso da perspectiva como meio de acentuar a ilusão de profundidade. Sobre o reparo era possível percorrer todo o perímetro fort i f icado, localizando-se as ligações à malha urbana sempre a meio de cada fachada. Todos os edifícios da vila tinham uma altura inferior à da muralha, evitando ser alvo da artilharia inimiga.

Com as primeiras obras de reconstrução, em 1821, quando se instalou na vila uma comunidade judia, iniciou-se um processo de transformação da estrutura urbana por parte dos novos habitantes. Num processo de apropr iação carac ter ís t i co da cu l tu ra muçulmana, muitas ruas sofreram alterações, sendo algumas parcialmente conquistadas pe los ed i f íc ios par t icu lares, e out ras transformadas em becos. Algumas unidades habitacionais foram agrupadas, outras fracionadas. Acrescentaram-se pisos mais elevados em muitas habitações e foram realizadas construções em ponte ao nível do primeiro piso. A malha urbana perdeu em parte a sua regularidade, adquirindo um carácter um pouco labiríntico, que associamos à estrutura característica de uma medina. Desapareceu o Palácio do Governador, sendo construída no seu lugar a mesquita - que se prolonga, em parte, por cima da antiga praça. Foi destruído o edifício da Misericórdia, tendo ficado à vista o muro que corresponde à antiga cortina sudeste do castelo. A vila ganhou um novo carácter, ligado à cultura e hábitos de vida dos seus novos habitantes.

ARQUITECTURA MILITAR

CASTELO

Da autoria dos irmãos Diogo e Francisco de Arruda, o Castelo começou a ser construído em finais de maio de 1514, devendo os trabalhos estar bastante avançados em agosto. Implantado sobre a plataforma rochosa, no limite da praia que se prolonga até à foz do Rio Umme Arrebia, é constituído por uma estrutura quadrada, com cerca de quarenta metros de largura, completada por quatro torres

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cilíndricas, uma em cada ângulo: a Torre da Boreja, a Torre da Cegonha, a Torre do Rebate e a Torre da Cadeia. A Torre da Boreja, com cerca de dez metros de diâmetro, era coroada por um sistema de reentrâncias (conforme fotografia de 1917), semelhantes às que encontramos na Torre de São Cristóvão em Azamor, destinadas ao tiro mergulhante de proteção da base. As outras torres, com um diâmetro semelhante, seriam provavelmente coroadas por largos merlões. As cortinas, com uma espessura de cerca de três metros, possuíam parapeito e adarve. Tudo indica que a porta do castelo correspondia ao vão da atual porta de acesso à Cisterna - com cantaria, fresta para grade de ferro e gonzos recortados na pedra -, claramente anterior às obras de 1541. No interior do recinto, encontrava-se o pátio central, onde provavelmente um conjunto de construções se adossava aos paramentos da muralha. Em 1517 não existia ainda fosso à volta do conjunto, estando este a ser aberto, na rocha, no ano seguinte. Junto ao Castelo, implantava-se um pequeno aglomerado de construções, possivelmente cercado por muro,

q u e t e r á s o f r i d o u m s i g n i f i c a t i v o desenvolvimento ao longo dos anos. (JBM)

CISTERNA

Em 1541, durante os árduos trabalhos de construção da nova fortaleza, o castelo serviu de apoio ao grande número de soldados e pedreiros que se encontrava na praça, fazendo parte de um sistema de proteção que incluía os meios navais estacionados frente à vila. Após o encerramento do perímetro abaluartado, já sem função defensiva, o castelo foi completamente reformulado e adaptado a novas funções. Terão sido demolidas as construções existentes no seu interior e aprofundada a escavação do maciço rochoso que constituía o solo, para a construção da Cisterna; uma extraordinária sala abobadada, aproximadamente quadrada, com cerca de trinta e quatro metros de lado, limitada pelos muros da antiga muralha. O sistema de abóbadas assenta numa malha de pilares de pedra aparelhada, composta por filas de pilares retangulares e filas de colunas de secção circular. De cada capitel partem oito nervuras, que se entrelaçam no alto de cada arco. A

Mazagão.I . Fortaleza abaluartada 2. Fosso 3. Malha urbana 4. Castelo manuelino e cisterna 5. Igreja de Nossa Senhora da Assunção

mente ao terreiro que constituía a praça de armas. À esquerda, encontrava-se o Palácio do Governador, símbolo do poder real, à direita a Igreja Matriz e em frente, incluída no edifício da Cisterna, a Misericórdia, instituição que gozava uma situação de privilégio. De acordo com Rafael Moreira, na forma trapezoidal da praça podíamos encontrar o uso da perspectiva como meio de acentuar a ilusão de profundidade. Sobre o reparo era possível percorrer todo o perímetro fortifi-cado, localizando-se as ligações à malha urbana sem-pre a meio de cada fachada. Todos os edifícios da vila tinham uma altura inferior à da muralha, evitando ser alvo da artilharia inimiga.

Com as primeiras obras de reconstrução, em 1821, quando se instalou na vila uma comunidade judia,

iniciou-se um processo de transformação da estrutura urbana por parte dos novos habitantes. Num processo de apropriação característico da cultura muçulmana, muitas ruas sofreram alterações, sendo algumas par-cialmente conquistadas pelos edifícios particulares, e outras transformadas em becos. Algumas unidades habitacionais foram agrupadas, outras fracionadas. Acrescentaram -se pisos mais elevados em muitas habi-tações e foram realizadas construções em ponte ao nível do primeiro piso. A malha urbana perdeu em parte a sua regularidade, adquirindo um carácter um pouco labiríntico, que associamos à estrutura caracte-rística de uma medina. Desapareceu o Palácio do Governador, sendo construída no seu lugar a mesquita - que se prolonga, em parte, por cima da antiga praça.

Mazagão I . Fortaleza

abaJuartada 2. Fosso 3. Malha urbana 4. Caslelo

manuelino e cisterna

5. Igreja de Nossa Senhora da Assunção

NORTE OE ÁFRICA' EL JADIDA . 87

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estrutura de pilares retangulares define um retângulo, no centro do qual, inserida na abóbada central, se abre a boca da Cisterna, um círculo com cerca de três metros e meio de diâmetro. No terraço, através desta boca, era retirada a água para consumo e provavelmente recolhida a água das chuvas. Segundo a Planta de 1611, de origem, a alimentação da Cisterna era realizada através de um cano proveniente do exterior do perímetro abaluartado, que atravessava o fosso junto ao Baluarte de Santo António, demolido durante o cerco de 1562. Analisando a planta do interior da Cisterna, e tendo em conta a erudição da obra, a estrutura composta pelos robustos pilares de secção quadrada parece ter sido concebida de modo a relacionar-se com uma estrutura regular do terraço que seria construído sobre ela. Um terraço cujos limites deveriam coincidir com os alinhamentos das colunas de secção quadrada, l o c a l i z a n d o - s e a b o c a d a C i s t e r n a rigorosamente no seu centro geométrico. No entanto, o pátio que foi construído ocupa a área correspondente a todo o perímetro da Cisterna, sem relação direta com esta estrutura. Tal parece indicar que, no decorrer da obra, após a construção da Cisterna o projeto seguido terá sofrido alterações, o que pode estar relacionado com a alteração do arquiteto responsável.

Junto às quatro faces exteriores das cortinas, no espaço entre os torreões cilíndricos, foram realizadas novas construções. No conjunto sudoeste, instalou-se a Casa da Misericórdia, com o seu Hospital e Igreja. Nos conjuntos sudeste, nordeste e noroeste instalaram-se diversas funções, como celeiros, armazéns e prisão. Portas e janelas foram realizadas com robustas cantar ias de pedra ca lcár ia aparelhada. No interior, ao nível do piso térreo, foram construídas salas abobadadas com nervuras e escudos em pedra - algumas das quais ainda existem. As torres transformaram-se em celeiros e depósitos de pólvora. O acesso de serviço ao interior da Cisterna passou a realizar-se através de uma porta aberta no muro sudoeste, a eixo com a boca da Cisterna. No interior, a porta era servida pela escada, ainda hoje existente. A pedra utilizada na construção dos elementos aparelhados é um calcário de boa qualidade, semelhante ao

utilizado nos elementos de pedra aparelhada da fortificação abaluartada, que será proveniente de pedreira que existia na proximidade.

Após a retirada dos portugueses, a praça permaneceu encerrada durante algumas décadas. Cerca de cinquenta anos depois, por volta de 1821, os marroquinos iniciaram os trabalhos de reconstrução. Sob as ordens de Sidi Mohammed Ben Ettayeb foram realizadas obras de reconstrução da muralha e dos edifícios da vila. Ao longo dos séculos XIX e XX, o conjunto Castelo e Cisterna sofreu intervenções de diversos tipos, que vão transformar em grande parte as estruturas construídas pelos portugueses. À exceção do interior da Cisterna, todo o conjunto foi alvo de grandes transformações. O facto de a sala da Cisterna ter servido como depósito do esgoto das habitações durante várias décadas contribuiu para evitar a sua destruição. A Torre da Boreja terá sido demolida por volta de 1914, para a construção de um edifício de habitação. Anos mais tarde, provavelmente ainda durante o período do protetorado francês, terá sido construído o corpo cilíndrico que simula a antiga torre, onde hoje funciona o posto da polícia. A Torre do Rebate foi parcialmente destruída, alterada e adaptada a minarete da mesquita por volta de 1879. As torres das Cegonhas e da Cadeia conservam parte da estrutura da construção que se seguiu a 1541, como é o caso de parte das escadas exteriores. Ao longo dos anos, os edifícios construídos nas quat ro faces , en t re to r reões , so f rem transformações e sucessivas adaptações. Durante a primeira metade do século XX são demolidas as construções frente à cortina sudoeste, correspondentes ao antigo edifício da Misericórdia, com a respectiva Igreja e Hospital. Nesta altura, terá sido reaberta a antiga porta do Castelo, através da qual se realiza hoje o acesso à Cisterna. Nas últimas décadas, foi aplicada sobre o conjunto uma espessa camada uniforme de reboco cimentício acastanhado, com acabamento rugoso. As muitas obras populares de adaptação sofridas durante os séculos XIX e XX, assim como algumas intervenções de recuperação sem clara orientação arquitetónica nem estratégia global, conduziram ao aspecto desolador que

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caracteriza hoje o conjunto. No entanto, no seu interior, o espaço da Cisterna - eleito por Orson Wells para a filmagem de Othello - mantém um excecional encanto e continua a constituir um testemunho de rara beleza de arquitetura do Renascimento construída durante a expansão portuguesa. Longe da sua antiga função, a Cisterna é hoje uma sala com um ambiente único e surpreendente, marcado pela qualidade do seu espaço e a solidez da sua construção. Um espaço de concepção erudita, onde adquirem forte intensidade alguns dos elementos mais essenciais da arquitetura de todos os tempos: a matéria, a luz, o som, o tempo.

Foi destruído o edifício da Misericórdia, tendo ficado à vista o muro que corresponde à antiga cortina sudeste do castelo. A vila ganhou um novo carácter, ligado à cultura e hábitos de vida dos seus novos habitantes. ()BM)

ARQUITETURA MILITAR

> CASTELO

Da autoria dos irmãos Diogo e Francisco de Arruda, o Castelo começou a ser construído em finais de maio de 1514, devendo os trabalhos estar bastante avança-dos em agosto. Implantado sobre a plataforma rochosa, no limite da praia que se prolonga até à foz do Rio Umme Arrebia, é constituído por uma estrutura qua-drada, com cerca de quarenta metros de largura, com-pletada por quatro torres cilíndricas, uma em cada ângulo: a Torre da Boreja, a Torre da Cegonha, a Torre do Rebate e a Torre da Cadeia. A Torre da Boreja, com cerca de dez metros de diâmetro, era coroada por um sistema de reentrâncias (conforme fotografia de 1917), semelhantes às que encontramos na Torre de São Cris-tóvão em Azamor, destinadas ao tiro mergulhante de proteção da base. As outras torres, com um diâmetro semelhante, seriam provavelmente coroadas por largos merlões. As cortinas, com uma espessura de cerca de três metros, possuíam parapeito e adarve. Tudo indica que a porta do castelo correspondia ao vão da atual porta de acesso à Cisterna - com cantaria, fresta para grade de ferro e gonzos recortados na pedra -, clara-mente anterior às obras de 1541. No interior do recinto, encontrava-se o pátio central, onde provavelmente um conjunto de construções se adossava aos paramentos da muralha. Em 1517 não existia ainda fosso à volta do conjunto, estando este a ser aberto, na rocha, no ano seguinte. Junto ao Castelo, implantava-se um pequeno aglomerado de construções, possivelmente cercado por muro, que terá sofrido um significativo desenvolvi-mento ao longo dos anos. (rBM)

> CISTERNA

Em 1541, durante os árduos trabalhos de constru-ção da nova fortaleza, o castelo serviu de apoio ao grande número de soldados e pedreiros que se encon-trava na praça, fazendo parte de um sistema de prote-ção que incluía os meios navais estacionados frente à vila. Após o encerramento do perímetro abaluartado, já sem função defensiva, o castelo foi completamente reformulado e adaptado a novas funções. Terão sido demolidas as construções existentes no seu interior e aprofundada a escavação do maciço rochoso que cons-tituía o solo, para a construção da Cisterna; uma extra-ordinária sala abobadada, aproximadamente qua-

drada, com cerca de trinta e quatro metros de lado, Cisterna portuguesa limitada pelos muros da antiga muralha. O sistema de Foto: Maria Fernanda abóbadas assenta numa malha de pilares de pedra apa-

composta por filas de pilares retangulares e filas de colunas de secção circular. De cada capitel par-tem oito nervuras, que se entrelaçam no alto de cada arco. A estrutura de pilares retangulares define um retângulo, no centro do qual, inserida na abóbada cen-trai, se abre a boca da Cisterna, um círculo com cerca de três metros e meio de diâmetro. No terraço, através desta boca, era retirada a água para consumo e prova-velmente recolhida a água das chuvas. Segundo a Planta de 1611, de origem, a alimentação da Cisterna era realizada através de um cano proveniente do exte-rior do perímetro abaluartado, que atravessava o fosso junto ao Baluarte de Santo António, demolido durante o cerco de 1562. Analisando a planta do interior da Cis-terna, e tendo em conta a erudição da obra, a estrutura composta pelos robustos pilares de secção quadrada parece ter sido concebida de modo a relacionar-se com uma estrutura regular do terraço que seria construído sobre ela. Um terraço cujos limites deveriam coincidir com os alinhamentos das colunas de secção quadrada, localizando-se a boca da Cisterna rigorosamente no seu centro geométrico. No entanto, o pátio que foi construído ocupa a área correspondente a todo o perí-metro da Cisterna, sem relação direta com esta estru-tura. Tal parece indicar que, no decorrer da obra, após a construção da Cisterna o projeto seguido terá sofrido alterações, o que pode estar relacionado com a altera-ção do arquiteto responsável.

Junto às quatro faces exteriores das cortinas, no espaço entre os torreões cilíndricos, foram realizadas novas construções. No conjunto sudoeste, instalou-se a Casa da Misericórdia, com o seu Hospital e Igreja. Nos conjuntos sudeste, nordeste e noroeste instalaram--se diversas funções, como celeiros, armazéns e prisão. Portas e janelas foram realizadas com robustas canta-

FORTALEZA

Após o duro golpe para o prestígio das forças portuguesas que constituiu a perca da praça de Santa Cruz do Cabo de Guer, em março de 1541, D. João III vê-se obrigado a definir rapidamente uma nova estratégia para a presença portuguesa no Norte de África. Apesar da f rag i l i dade de fens i va das p raças portuguesas do sul de Marrocos e da impossibilidade prática de serem transformadas e adaptadas às novas necessidades de defesa, em relação à moderna artilharia, o rei não quis abdicar por completo da presença nesta região. Desejando-se conservar uma base de operações no sul de Marrocos, foi decidido concentrar os esforços na construção de uma nova estrutura fortificada no lugar do Castelo de Mazagão. O sítio que algumas décadas antes havia sido escolhido para a construção do

Cisterna portuguesa.Foto: Maria Fernanda Matias

castelo pela sua localização junto à ampla baía e fácil acesso de mar reunia boas condições para a implantação de uma estrutura fortificada de grandes dimensões sobre a ampla plataforma rochosa existente. Num momento em que a ameaça árabe era particularmente temida, a presença do pequeno castelo irá ter um papel importante no sistema de defesa durante os árduos trabalhos de construção, antes que seja possível encerrar o perímetro da nova fortaleza. Mazagão será uma vila-fortaleza projetada de acordo com os princípios mais avançados do s istema de for t i f icação abaluartada, adaptada a resistir às mais modernas técnicas de armas de fogo.

Uma vez tomada a decisão de realizar a nova fortificação, tudo aconteceu com grande rapidez. Em março de 1541 D. João III nomeou como governador da praça Luís de Loureiro, soldado experimentado na guerra de África, que acompanhou os trabalhos da fortificação, ao comando das operações militares. Em maio de 1541, o arquiteto Diogo de Torralva esteve em Mazagão, encarregado de contactar os comandantes militares e navais locais, com o objetivo de estudar o local onde se iria erguer a fortaleza. É possível que os desenhos e o modelo entretanto realizados por Francisco de Holanda tenham tido uma influência na concepção da fortaleza, no mínimo no que se refere à escala e localização do conjunto. Por volta de finais de junho, Benedetto da Ravenna - arquiteto italiano que havia muito trabalhava para o imperador Carlos V, aqui pontualmente ao serviço de D. João III - visitou a praça na companhia de Miguel de Arruda, onde confirmou o local de implantação e traçou os planos da nova fortaleza. Em julho, João de Castilho e João Ribeiro chegaram a Mazagão, onde asseguraram a direção das obras à frente de mais de mil homens. O receio de um ataque por parte do Xerife Mulei Mohâmede Xeque levou à presença de uma forte guarnição apoiada por uma armada estacionada na baía, que assegura a segurança dos trabalhos. A insegurança do território complicava as atividades e reduzia as horas úteis de trabalho. Também as construções existentes eram insuficientes para alojar e satisfazer as necessidades da população, constituída na sua

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grande parte por pedreiros e soldados. Apesar das difíceis condições em que se processaram, os trabalhos avançam com rapidez. Em dezembro de 1542, o governador Luís de Loureiro escreveu ao rei, informando-o de que as muralhas estavam acabadas e que dois terços das obras podiam dar-se por concluídas. Os trabalhos continuarão, mas agora já sob a proteção do perímetro fortificado.

Em março de 1562, o exército de Mulei Abdalá, filho de Mulei Mohâmede Xeque, efetivou um primeiro cerco à praça, que durará três meses e ao qual os portugueses irão resistir. O poder dos mouros continuou a crescer, encontrando-se mais unificados e possuindo maior capacidade de fogo. Com o abandono de Arzila e Alcácer Ceguer, os esforços dos portugueses no Norte de Africa concentraram-se em Ceuta, Tânger e Mazagão, praças defendidas por robustas frentes abaluartadas, com bons acessos por mar. Mazagão será a que resistiu por mais tempo afeta à coroa portuguesa, mas, até ao seu abandono, a vila-fortaleza viveu em clima de estado de guerra e permanente c o n f l i t o c o m o s m o u r o s , t e m e n d o constantemente o cerco. Dependente dos produtos que lhe chegavam desde a Metrópole, era habitual o estado de carência alimentar, devido à deficiência do reabastecimento por mar. Quando, em 1769, o marquês de Pombal ordenou a retirada dos portugueses, a situação na praça era crítica. Os portugueses resistiam com dificuldade face à pressão dos ataques dos mouros, que provavelmente ter iam já provocado um certo grau de destruição na estrutura defensiva. Ao retirar, os portugueses minaram e fizeram explodir algumas zonas da fortaleza, causando-lhe graves danos.

Em 1769, a estrutura da praça corresponderia, em grande parte, à estrutura construída no século XVI - sendo provável que apresentasse marcas dos danos causados por dois séculos de conflito -, mas foi a ação de destruição realizada pelos portugueses que lhe causou os fortes danos que ainda hoje podemos confirmar em certas zonas da fortificação. As cortinas e baluartes da frente poente/terrestre sofreram o maior grau de destruição.

Em 1821, sob as ordens de Sidi Mohammed Ben Ettayeb, deu-se início às obras de reconstrução da muralha e da vila, que se encontrava em ruínas. Uma análise detalhada da construção existente, nomeadamente de alguns elementos particulares, como as canhoneiras, permite-nos identificar as secções que correspondem às obras de reconstrução nas diferentes zonas da fortaleza. Pela tipologia, dimensão e qualidade dos materiais, são identificáveis com clareza os elementos que pertencem e que não pertencem à estrutura original. Os trabalhos de reconstrução terão sido desenvolvidos em diferentes momentos, ao longo de algumas décadas, e realizaram-se em praticamente toda a fortaleza, excluindo a cortina sul, a cortina norte e o interior dos baluartes. Parte dos trabalhos de reconstrução foram executados ainda a pensar em fins militares, tendo aqui sido instalada uma guarnição. A partir de meados do século XIX, no exterior do perímetro fortificado, começou a desenvolver-se a cidade de El Jadida e foi atulhado o fosso junto à fachada poente/terrestre. No início do século XX, o conjunto apresentaria uma morfologia próxima da que podemos encontrar hoje, mas mantinha ainda o fosso frente à fachada norte - atulhado na segunda década do século - e a praia junto ao fosso sul.

A escolha de Benedetto da Ravena para autor do projeto da fortaleza constitui só por si um marco de mudança, na procura dos métodos mais avançados de concepção de estruturas fortificadas. O arquiteto propôs um projeto inovador, baseado num sistema de frentes abaluartadas, onde foi introduzido o baluarte pentagonal , assegurando uma defesa integrada, com fogo rasante e cruzado, de proteção entre baluartes e cortinas. Projetada de raiz, a vila-fortaleza foi pensada como um todo. A definição da escala do perímetro fortificado estava diretamente relacionada com a dimensão da estrutura urbana interior e com o número de pessoas adequado à sua defesa, procurando assegurar um elevado grau de autosustentabilidade. A morfologia do perímetro fortificado parece partir de uma forma regular, retangular, que foi modelada e transformada de modo a melhor adaptar-se ao terreno e melhor

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responder às necessidades defensivas. A implantação definida estava diretamente relacionada com o preexistente castelo manuelino, que passou a constituir o centro geométrico de todo o conjunto. Avançada sobre o mar, foi criada uma zona de desembarque, acessível a embarcações de grande porte. Para que este porto assegurasse as melhores condições de utilização, grande parte do perímetro fortificado foi construído já dentro do mar. Naturalmente, a implantação estaria ainda relacionada com as próprias características do terreno e com um equilíbrio do esforço de construção. A definição do perímetro mais para o lado da terra implicaria um maior trabalho de abertura de fossos na rocha e, mais dentro do mar, o aumento da dificuldade de construção das muralhas, assim como do risco da sua destruição.

O rec in to fo r t i f i cado era const i tu ído, essencialmente, por cinco baluartes - quatro deles existentes - unidos por espessas cortinas, abrindo-se, na fachada marítima, uma pequena calheta. As robustas cortinas estavam preparadas para resistir a impactos de artilharia grossa, sendo o perfil do reparo constituído por um expressivo terrapleno, com as escarpas exterior e interior em alvenaria de pedra rebocada e a plataforma superior em terra batida. A transição entre a escarpa exterior, ligeiramente inclinada, e o pano do parapeito, mais vertical, foi realizada apenas por uma diferença de ângulo, não existindo qualquer tipo de cordão. A superfície superior dos reparos possui uma cota, entre cinco e sete metros, acima do nível da vila. Todo o perímetro fortificado era cercado por água, através do fosso e do próprio mar. Durante os trabalhos de reconstrução de meados do século XIX, sobre a escarpa interior, no l imite interno das plataformas, foram construídos muros que separavam física e visualmente a plataforma do reparo da estrutura urbana interior. Hoje, apenas na zona junto à Porta do Mar existe contacto visual direto com a malha urbana no interior da praça. As cortinas sul e norte conservam as características da construção de 1541, não tendo sofrido alterações significativas ao longo dos séculos e correspondendo claramente a uma tipologia de transição. São

cortinas quebradas -com o objetivo de ampliar o ângulo de campo de tiro -, o que marca fortemente a morfologia do conjunto. Com uma largura total próxima dos onze metros, os reparos são constituídos por plataformas com cerca de oito metros de largura, e parapeitos com cerca de três metros e trinta de espessura, onde se localizam robustas canhoneiras. Frente à cortina sul, existe ainda hoje o fosso, o que nos permite apreciar esta estrutura com a escala e imponência originais. A cortina poente/terra era composta pelos dois troços entre baluartes. Esses troços não possuíam canhoneiras, localizando-se estas apenas nos baluartes. Com os seus três baluartes originais, esta frente apresentava semelhanças com a frente sul da Fortaleza de Basso, em Florença, construída poucos anos antes, em 1534, por Antonio da Sangallo. Esta foi a frente que sofreu maior destruição, quando do abandono da praça, tendo sido muito danificados os baluartes do Governador, de Santo António e do Santo Espírito, assim como o reparo.

Nas obras do século XIX e início do XX, após a demolição do que restava do Baluarte do Governador, foram construídos muros sobre as ruínas da fachada, que conferiram ao conjunto uma altura constante. As faces dos baluartes de Santo António e do Santo Espírito passaram a estar integradas na cortina. No interior, sobre os destroços do reparo, foram construídos alguns edifícios de habitação.

Após o atulhamento do fosso, em que toda a fachada ficou parcialmente enterrada, abriram-se novas portas. Foi aplicado, em toda a superfície, um reboco que confere certa homogeneidade a esta fachada, de aspecto incaracterístico. Na cortina nascente/mar, ao abrigo dos ventos atlânticos, protegida e escondida em relação a terra, a calheta assegurava proteção e segurança ao desembarque, e abastecimento através da Porta da Ribeira.

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rias de pedra calcária aparelhada. No interior, ao nível do piso térreo, foram construídas salas abobadadas com nervuras e escudos em pedra - algumas das quais ainda existem. As torres transformaram-se em celeiros e depósitos de pólvora. O acesso de serviço ao interior da Cisterna passou a realizar-se através de uma porta aberta no muro sudoeste, a eixo com a boca da Cis-terna. No interior, a porta era servida pela escada, ainda hoje existente. A pedra utilizada na construção dos ele-mentos aparelhados é um calcário de boa qualidade, semelhante ao utilizado nos elementos de pedra apa-relhada da fortificação abaluartada, que será prove-niente de pedreira que existia na proximidade.

Após a retirada dos portugueses, a praça permane-ceu encerrada durante algumas décadas. Cerca de cin-quenta anos depois, por volta de 1821, os marroqui-nos iniciaram os trabalhos de reconstrução. Sob as ordens de Sidi Mohammed Ben Ettayeb foram realiza-das obras de reconstrução da muralha e dos edifícios da vila. Ao longo dos séculos XIX e xx, o conjunto Cas-telo e Cisterna sofreu intervenções de diversos tipos, que vão transformar em grande parte as estruturas construídas pelos portugueses. A exceção do interior da Cisterna, todo o conjunto foi alvo de grandes trans-formações. O facto de a sala da Cisterna ter servido como depósito do esgoto das habitações durante várias décadas contribuiu para evitar a sua destruição. A Torre da Boreja terá sido demolida por volta de 1914, para a construção de um edifício de habitação. Anos mais tarde, provavelmente ainda durante o período do protetorado francês, terá sido construído o corpo cilín-drico que simula a antiga torre, onde hoje funciona o posto da polícia. A Torre do Rebate foi parcialmente destruída, alterada e adaptada a minarete da mesquita por volta de 1879. As torres das Cegonhas e da Cadeia conservam parte da estrutura da construção que se seguiu a 1541, como é o caso de parte das escadas exte-riores. Ao longo dos anos, os edifícios construídos nas quatro faces, entre torreões, sofrem transformações e sucessivas adaptações. Durante a primeira metade do século xx são demolidas as construções frente à cor-tina sudoeste, correspondentes ao antigo edifício da Misericórdia, com a respectiva Igreja e Hospital. Nesta altura, terá sido reaberta a antiga porta do Castelo, através da qual se realiza hoje o acesso à Cisterna. Nas últimas décadas, foi aplicada sobre o conjunto uma espessa camada uniforme de reboco cimentício acas-tanhado, com acabamento rugoso. As muitas obras populares de adaptação sofridas durante os séculos XIX e xx, assim como algumas intervenções de recu-peração sem clara orientação arquitetónica nem estra-tégia global, conduziram ao aspecto desolador que caracteriza hoje o conjunto. No entanto, no seu inte-

rior, o espaço da Cisterna - eleito por Orson Wells para a filmagem de Othello - mantém um excecional encanto e continua a constituir um testemunho de rara beleza de arquitetura do Renascimento construída durante a expansão portuguesa. Longe da sua antiga função, a Cisterna é hoje uma sala com um ambiente único e surpreendente, marcado pela qualidade do seu espaço e a solidez da sua construção. Um espaço de concepção erudita, onde adquirem forte intensi-dade alguns dos elementos mais essenciais da arqui-tetura de todos os tempos: a matéria, a luz, o som, o tempo. (IBM)

> FORTALEZA

Após o duro golpe para o prestígio das forças portu-guesas que constituiu a perca da praça de Santa Cruz do Cabo de Guer, em março de 1541, D. João III vê-se obrigado a definir rapidamente uma nova estratégia para a presença portuguesa no Norte de África. Apesar da fragilidade defensiva das praças portuguesas do sul de Marrocos e da impossibilidade prática de serem transformadas e adaptadas às novas necessidades de defesa, em relação à moderna artilharia, o rei não quis abdicar por completo da presença nesta região. Desejando-se conservar uma base de operações no sul de Marrocos, foi decidido concentrar os esforços na construção de uma nova estrutura fortificada no lugar do Castelo de Mazagão. O sítio que algumas décadas antes havia sido escolhido para a construção do castelo pela sua localização junto à ampla baía e fácil acesso de mar reunia boas condições para a implantação de uma estrutura fortificada de grandes dimensões sobre a ampla plataforma rochosa existente. Num momento em

Fortaleza (frente nascente e Calheta) Foto: João B.:lrros Matos

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N O RTE DE ÁFRI CA · EL JADIDA 89

Junto ao Baluarte do Anjo existia uma torreta e uma canhoneira, para proteção da calheta. Esta é a única frente onde os baluartes não possuíam flancos nem canhoneiras baixas. A espessura do parapeito, assim como a largura do próprio reparo, com cerca de seis metros, é muito inferior à das restantes cortinas. Com o inimigo do lado de terra, o uso de artilharia pesada estava previsto apenas para a defesa da calheta, sendo as canhoneiras existentes posteriores à presença portuguesa.

Segundo a Planta de c. 1721, os baluartes possuem plataformas terraplanadas, sobre as qua is ex i s tem ou ex i s t i ram d i ve rsas construções. Alguns possuíam dois níveis de plataformas, uma com uma cota ligeiramente superior à do reparo e outra mais alta, onde se concentravam as canhoneiras, distribuídas pelas faces e flancos. No interior dos baluartes, a um nível inferior, localizavam-se casam atas com canhoneiras inferiores sobre o fosso. Todos os baluartes possuíam orelhões curvos encabeçados por torreta, provavelmente coberta por abóbada, com frestas de observação e tiro. Cada baluarte possuía ainda um pequeno paiol, para uso em tempo de guerra. O Baluarte do Governador, também chamado Baluarte de Nossa Senhora, assegurava a entrada na fortaleza pelo lado de terra. A estrutura interna era composta por um primeiro compartimento, onde existia uma

Fortaleza (frente nascente e Calheta).Foto: João Barros Matos

canhoneira inferior, sobre o fosso, no flanco em direção ao Baluarte de Santo António, e um outro compartimento, que antecedia a entrada na praça, por debaixo do reparo. Da plataforma do reparo, subia-se por uma rampa central para a plataforma do baluarte, onde se localizavam as canhoneiras e, junto ao flanco norte, existia o orelhão com torreta. O baluarte terá sido minado pelos portugueses, ficando muito destruído. Após o atulhamento do fosso poente, a entrada no conjunto fazia-se ainda através da estrutura que restava do baluarte, que terá sido demolida por volta do início do século XX. O Baluarte de Santo António, conhecido também como Baluarte de São Jorge ou Baluarte de D. Diogo, possuía ângulo flanqueado em bico e dois flancos com orelhões curvos e torreta. Apresenta hoje uma morfologia exterior muito alterada em relação à construção inicial. Terá so f r i do g raves danos po r pa r te dos portugueses, reconhecendo-se ainda elementos da es t ru tu ra o r ig ina l , como a lgumas canhoneiras superiores e o flanco voltado para o Baluarte de São Sebastião, com orelhão curvo, torre ta e canhoneira a nível inferior. No nível inferior, o interior do baluarte mantém a estrutura original, constituída por duas casamatas ligadas entre si, com canhoneiras voltadas sobre os flancos e acesso desde o interior da praça, através de um corredor. Existe ainda uma ligação à Porta da Traição, estrutura relativamente bem conservada. As casamatas possuem abertura no teto, através da qual se realizaria a ventilação necessária. O Baluarte de São Sebastião, ou Baluarte do Norte, é o único que mantém o seu ângulo flanqueado em bico, com cunhal ligeiramente arredondado. O baluarte possui um único flanco, voltado a poente, onde se localiza o orelhão curvo com torreta e a canhoneira inferior. Do lado do mar, a f a c e d o b a l u a r t e e n c o n t r a - s e n o prolongamento da cortina, fazendo com ela um ligeiro ângulo. O espaço interior do baluarte, onde se localizava o paiol, aparenta não ter sofrido alterações significativas em relação à estrutura original. É constituído por uma casamata, com canhoneira voltada sobre o flanco poente, fazendo-se o acesso através de escada e corredor, já ao nível do interior da praça. Sobre o baluarte existia uma plataforma

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mais elevada em relação ao reparo, cujo acesso se fazia por rampa junto à face do baluarte, voltada para o lado do mar. A intervenção do século XIX, nesta plataforma, reformulou o acesso, que passou a realizar-se por rampa desde o meio da plataforma, tendo sido abertas novas canhoneiras, voltadas para o lado do mar. O Baluarte do Anjo, também denominado como Baluarte de Santiago, é constituído por um torreão redondo, com uma tipologia ainda com características do período inicial de transição.

Edifício do castelo da cisterna e Torre do Rebate (adaptada a minarete no século XIX) Foto: João Barros Matos

que a ameaça árabe era particularmente temida, a pre-sença do pequeno castelo irá ter um papel importante no sistema de defesa durante os árduos trabalhos de construção, antes que seja possível encerrar o períme-tro da nova fortaleza. Mazagão será uma vila-fortaleza projetada de acordo com os princípios mais avançados do sistema de fortificação abaluartada, adaptada a resis-tir às mais modernas técnicas de armas de fogo.

Uma vez tomada a decisão de realizar a nova fortifi-cação, tudo aconteceu com grande rapidez. Em março de 1541 D. João III nomeou como governador da praça Luís de Loureiro, soldado experimentado na guerra de África, que acompanhou os trabalhos da fortificação, ao comando das operações militares. Em maio de 1541, o arquiteto Diogo de Torralva esteve em Mazagão, encar-regado de contactar os comandantes militares e navais locais, com o objetivo de estudar o local onde se iria erguer a fortaleza. É possível que os desenhos e o modelo entretanto realizados por Francisco de Holanda tenham tido uma influência na concepção da fortaleza, no mínimo no que se refere à escala e localização do conjunto. Por volta de finais de junho, Benedetto da Ravenna - arquiteto italiano que havia muito trabalhava para o imperador Carlos V, aqui pontualmente ao ser-viço de D. João III - visitou a praça na companhia de Miguel de Arruda, onde confirmou o local de implanta-ção e traçou os planos da nova fortaleza. Em julho, João

de Castilho e João Ribeiro chegaram a Mazagão, onde asseguraram a direção das obras à frente de mais de mil homens. O receio de um ataque por parte do Xerife Mulei Mohâmede Xeque levou à presença de uma forte guarnição apoiada por uma armada estacionada na baía, que assegura a segurança dos trabalhos. A insegu-rança do território complicava as atividades e reduzia as horas úteis de trabalho. Também as construções exis-tentes eram insuficientes para alojar e satisfazer as necessidades da população, constituída na sua grande parte por pedreiros e soldados. Apesar das difíceis con-dições em que se processaram, os trabalhos avançam com rapidez. Em dezembro de 1542, o governador Luís de Loureiro escreveu ao rei, informando-o de que as muralhas estavam acabadas e que dois terços das obras podiam dar-se por concluídas. Os trabalhos continuarão, mas agora já sob a proteção do perímetro fortificado.

Em março de 1562, o exército de MuleiAbdalá, filho de Mulei Mohâmede Xeque, efetivou um primeiro cerco à praça, que durará três meses e ao qual os por-tugueses irão resistir. O poder dos mouros continuou a crescer, encontrando-se mais unificados e possuindo maior capacidade de fogo. Com o abandono de Arzila e Alcácer Ceguer, os esforços dos portugueses no Norte de Africa concentraram-se em Ceuta, Tânger e Maza-gão, praças defendidas por robustas frentes abaluarta-das, com bons acessos por mar. Mazagão será a que resistiu por mais tempo afeta à coroa portuguesa, mas, até ao seu abandono, a vila-fortaleza viveu em clima de estado de guerra e permanente conflito com os mou-ros, temendo constantemente o cerco. Dependente dos produtos que lhe chegavam desde a Metrópole, era habitual o estado de carência alimentar, devido à defi-ciência do reabastecimento por mar. Quando, em 1769, o marquês de Pombal ordenou a retirada dos portugue-ses, a situação na praça era crítica. Os portugueses resis-tiam com dificuldade face à pressão dos ataques dos mouros, que provavelmente teriam já provocado um certo grau de destruição na estrutura defensiva. Ao retirar, os portugueses minaram e fizeram explo-dir algumas zonas da fortaleza, causando-lhe graves danos. Em 1769, a estrutura da praça corresponderia, em grande parte, à estrutura construída no século XVI

- sendo provável que apresentasse marcas dos danos causados por dois séculos de conflito -, mas foi a ação de destruição realizada pelos portugueses que lhe cau-sou os fortes danos que ainda hoje podemos confirmar em certas zonas da fortificação. As cortinas e baluartes da frente poente/terrestre sofreram o maior grau de destruição.

Em 1821, sob as ordens de Sidi Mohammed Ben Ettayeb, deu-se início às obras de reconstrução da mura-lha e da vila, que se encontrava em ruínas. Uma análise

A estrutura existente encontra-se em relativo bom estado, conservando a sua morfologia com um único flanco, voltado a poente, e mantendo o orelhão curvo, a torreta e a canhoneira a nível inferior, embora entaipada. A torreta, cilíndrica, com acesso desde a plataforma do baluarte, possui um diâmetro de cerca de três metros e

Edifício do castelo da cisterna e Torre do Rebate (adaptada a minarete no século XIX)Foto: João Barros Matos

meio, três frestas de observação e tiro e foi, provavelmente, coberta por abóbada de tijolo. O espaço interior do baluarte é o mais reduzido de todos, limitando-se à escada e corredor até à canhoneira inferior, com uma porta ligeiramente acima do nível do fosso. O acesso à plataforma superior do torreão, antes realizado por rampa junto à cortina do lado do mar, após as intervenções do século XIX, passou a fazer-se por uma rampa construída no meio do baluarte, no local onde existiu a Capela de Nossa Senhora do Pilar. O Baluarte do Espírito Santo, também chamado Baluarte do Serrão ou Baluarte do Combate, possuía ângulo flanqueado em bico, dois orelhões curvos e uma plataforma mais alta com acesso desde o reparo através de uma rampa central, onde se c o n c e n t r a v a a m a i o r q u a n t i d a d e d e canhoneiras. O baluarte terá sido minado pelos portugueses, o que lhe causou profundos es t ragos , encon t rando-se ho je mu i to desfigurado. A estrutura interna, que era constituída por duas casamatas independentes, encontra-se em ruína, sem qualquer utilização, sendo o acesso realizado desde o exterior do recinto através da abertura que corresponde à antiga canhoneira inferior, no flanco voltado para o Baluarte do Governador. Reconhecem-se ainda as pedras de calcário que constituíam esta canhoneira.

O sistema de portas da fortaleza manteve-se sem sofrer alterações significativas durante todo o período de presença dos portugueses. O c o n j u n t o d e p o r t a s d o B a l u a r t e d o Governador,que constituía a entrada principal na praça, desapareceu com a destruição deste baluarte, restando apenas os vestígios da cantaria de uma das suas portas. A Porta da Traição, junto ao Baluarte de Santo António, constituída por arco de volta perfeita, em cantaria de pedra calcária, integra-se num conjunto com antecâmara, defendida por canhoneiras, que mantém grande parte da estrutura primitiva. A Porta dos Bois, na fachada norte, junto ao ângulo da cortina, é constituída por um arco em tijolo maciço com alguns elementos de pedra calcária. Durante a construção da fortaleza, terá servido para fazer entrar o material retirado da abertura do fosso, aplicado na realização do terra pleno dos

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reparos e baluartes (notícia que acompanha a Planta de 1611). A porta foi encerrada durante o cerco de 1562, e assim permaneceu até ao século XX, quando, após o enchimento do fosso, foi reaberta. A Porta da Ribeira, junto à calheta, era a única porta voltada para o mar, através da qual a fortificação era reabastecida. Com arco de volta perfeita, em cantaria de pedra ca lcár ia , possu i uma pequena antecâmara, com a espessura do reparo, que antecede o acesso ao interior da fortificação - espaço, agora, ocupado por uma padaria. A Porta do Mar, no final da Rua da Carreira, é um arco de volta perfeita, em cantaria de pedra calcária, com cerca de sete metros de largura por quatro e meio de altura e a espessura completa do reparo, numa zona em que este é particularmente largo. Abrindo-se diretamente para o interior da fortificação, sem qualquer antecâmara, este arco claramente não corresponde à tipologia da fortaleza. Também as plantas de 1611 e a de c. I720 são claras quanto ao facto de esta porta não existir.

Por outro lado, o tipo de pedra, a qualidade do aparelho e da própria construção são características que correspondem ao tipo de construção real izado de or igem pelos portugueses, não se identificando com as intervenções marroquinas de meados do século XIX. Não encontrando referências em relação à origem da porta, somos levados a supor que esta foi construída de origem em 1542, como um arco estrutural, conservado aberto durante o período de construção da fortaleza e da vila. Através desta abertura era possível a entrada de pequenas embarcações dentro do perímetro fortificado, com uma ligação direta à Rua da Carreira, a principal via de ligação e distribuição no interior da praça. Com os principais trabalhos de construção concluídos, o arco foi encerrado e à sua frente, no interior da praça, foram construídos alguns edifícios. Após 1821, estes edifícios foram demolidos, sendo prolongada a Rua da Carreira, e a porta foi reaberta, num processo que apresenta semelhanças com o que vai suceder à Porta dos Bois. O sistema de acessos do nível da praça à plataforma do reparo, que se terá mantido durante a presença portuguesa, sofreu alterações significativas após 1821. Na

construção inicial existiam cinco acessos à plataforma do reparo: uma rampa e uma escada a meio da frente marítima, na zona da calheta, uma rampa a meio da cortina norte, uma escada a meio da frente sul e outra a meio da frente terrestre, junto ao Baluarte do Governador. Destes, a escada da calheta é o único acesso que mantém a localização.

As canhoneiras superiores existentes, sobre baluartes e cortinas, dividem-se em duas diferentes tipologias, que correspondem essenc ia lmente a do is momentos de construção: as canhoneiras de pedra calcária, correspondentes à construção de 1541, e as canhoneiras de arenito, correspondentes à intervenção de meados do século XIX. As canhoneiras de origem portuguesa são facilmente identificáveis. De construção robusta e sólida, em pedra aparelhada com uma estereotomia de desenho rigoroso e sofisticado e dimensões consideráveis, possuem um parapeito bastante largo, normalmente à volta de três metros e trinta centímetros, com merlão de perfil arredondado, inclinado para o exterior. As canhoneiras de nível inferior, abertas sobre o fosso nos flancos dos baluartes, eram igualmente construídas em cantaria de pedra calcária aparelhada, robustas e de grandes dimensões.

A defesa da fortificação era complementada pelo conjunto de obras exteriores, entre as quais o fosso, os revelins, o caminho coberto e os molhes. De acordo com a Planta de 1611, o fosso, integralmente escavado na rocha, possuía uma largura entre catorze metros, frente ao Baluarte de São Sebastião, e trinta e sete metros frente às cortinas norte e sul, bem como uma profundidade aproximada de quatro metros e quarenta, permitindo a circulação de embarcações.

A experiência inovadora de Mazagão, constituindo um momento determinante na evolução da fortificação, irá ter uma presença marcante nas construções realizadas durante os anos que se seguem em vários pontos do mundo, como é o caso de Ceuta ou de Diu, fortalezas com robustas frentes abaluartadas e baluartes em ângulo.

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ARQUITECTURA RELIGIOSA

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

Após a conclusão do perímetro fortificado, os esforços da coroa concentraram-se, durante os anos seguintes, na continuação das obras exteriores e na construção dos edifícios da vila. Pensado como um todo, o plano do conjunto define um núcleo de edifícios públicos, símbolos de poder que sobressaem pela sua escala e localização, e uma malha urbana contínua, de quarteirões predominantemente constituídos por edifícios de habitação, com logradouro e horta. Junto à entrada da vila, definindo a praça de armas, concentravam -se os principais edifícios públicos: o já abordado edifício da Cisterna, o Palácio do Governador e a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção.

Esta igreja, dedicada à antiga padroeira da vila, foi construída na segunda metade do século XVI. É um edifício de planta retangular implantado segundo a direção mar/terra, que estrutura o conjunto. Com a cabeceira voltada a oriente, o seu alçado lateral constitui uma das frentes da praça de armas. A frontaria da igreja apresenta, ainda hoje, um desenho com estrutura seiscentista, onde podemos encontrar semelhanças com Santo André de Mântua de Alberti. Durante o século XIX, foi demolida a parte superior da torre quadrangular da igreja e construíram-se algumas lojas frente à fachada principal, que viriam a ser demolidas em 1916. Já depois de 1916, a torre preexistente foi acrescentada, dando origem à torre atual, com características desadequadas em relação à construção portuguesa. No interior da igreja, como disse Vergílio Correia, "o arco da capela-mar é do tipo característico do fim do século XV, o aro rebordado de uma moldura que depois de ter indicado os ângulos na parte inferior se interrompe, num corte seco, na aresta viva da ombreira. As arcadas laterais são todas abrangidas superiormente por um único caixilho retangular numa disposição também usual nos séculos XVI e XVII”. Após 1821, o interior foi ocupado por particulares e adaptado às suas necessidades. Ainda durante o protetorado francês, o edifício recuperou a função de igreja católica. Durante os últimos

anos tem permanecido encerrado, realizando-se trabalhos arqueológicos no seu interior.

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Esta igreja, dedicada à antiga padroeira da vila, foi construída na segunda metade do século XVI. Éum edi-fício de planta retangular implantado segundo a dire-ção mar/terra, que estrutura o conjunto. Com a cabe-ceira voltada a oriente, o seu alçado lateral constitui uma das frentes da praça de armas. A frontaria da igreja apresenta, ainda hoje, um desenho com estrutura seis-centista, onde podemos encontrar semelhanças com Santo André de Mântua de Alberti. Durante o século XIX, foi demolida a parte superior da torre quadrangu-lar da igreja e construíram-se algumas lojas frente à fachada principal, que viriam a ser demolidas em 1916. Já depois de 1916, a torre preexistente foi acrescentada, dando origem à torre atual, com características desa-dequadas em relação à construção portuguesa. No interior da igreja, como disse Vergrlio Correia, "0 arco da capela-mar é do tipo característico do fim do século xv, o aro rebordado de uma moldura que depois de ter indicado os ângulos na parte inferior se interrompe, num corte seco, na aresta viva da ombreira. As arcadas laterais são todas abrangidas superiormente por um único caixilho retangular numa disposição também usual nos séculos XVI e XVII': Após 1821, o interior foi ocupado por particulares e adaptado às suas necessi-dades. Ainda durante o protetorado francês, o edifício recuperou a função de igreja católica. Durante os últi-

mos anos tem permanecido encerrado, realizando-se trabalhos arqueológicos no seu interior. (TBM)

> OUTRAS EDIFICAÇÕES

Do restante conjunto de edifícios religiosos corres-pondentes à presença portuguesa, restam hoje ape-nas alguns vestígios, escassos e pontuais, como acon-tece em relação à Igreja da Luz. Estes edifícios, alguns dos quais capelas de dimensões muito reduzidas, foram construídos ao longo dos anos em diferentes zonas do conjunto. Um primeiro edifício religioso terá existido em Mazagão ainda em 1514, dele não se conhecendo vestígios. Em 1615, a vila possuía quatro igrejas e duas ermidas: a Igreja Matriz, a Igreja de Nossa Senhora da Luz, a Igreja da Misericórdia, a Igreja de São Sebastião, a Ermida de Santo António do Socorro e a Ermida do Anjo da Guarda. Tendo como fonte os documentos gráficos existentes, podemos enumerar as construções religiosas existentes nas últi-mas décadas de presença portuguesa: a Igreja Matriz; a Igreja de Nossa Senhora da Luz, junto ao Baluarte do Espírito Santo, com corpo de nave única e capela--mor retangular, anexa à qual se encontrava a Capela da Nossa Senhora da Piedade; a Igreja da Misericór-dia, junto ao Hospital, inserida no edifício da Cisterna; a Igreja de São Sebastião, inserida num quarteirão perto da Porta da Ribeira; a Ermida de Santo António do Socorro, posteriormente denominada Ermida de Nossa Senhora da Penha de França, sobre o Baluarte de Santo António, junto da residência dos padres; a Ermida do Anjo da Guarda, posteriormente designada por Ermida de Nossa Senhora do Pilar, localizada sobre o Baluarte do Anjo; a Ermida de Nossa Senhora da Nazaré, inserida num quarteirão perto da Rampa da Calheta; a Ermida de Santa Cruz, inserida num quarteirão frente à Rampa dos Bois; a Ermida de São José, junto à Porta da Ribeira; e a Ermida de São João Batista, junto ao poço, na proximidade do Baluarte de Santo António. Após 1769, apenas a Igreja Matriz foi mantida, tendo todos os restantes edifícios sido des-truídos ou sujeitos a profundas alterações e reintegra-dos no tecido urbano. (IBM)

EQUIPAMENTOS E INFRAESTRUTURAS

> PALÁCIO DO GOVERNADOR

O Palácio do Governador, que antes já se referiu como um dos principais edifícios públicos, terá sido um edifício de desenho erudito e boa construção, vol-tado para a praça de armas, incluindo uma escadaria exterior (> imagem na página seguinte), de acesso ao primeiro piso, na fachada principal. Frente ao palácio, no terreiro, localizava-se o chafariz, e nas suas traseÍ-

NORTE DE ÁFRICA' EL JADIDA . 95

OUTRAS EDIFICAÇÕES

Do restante conjunto de edifícios religiosos correspondentes à presença portuguesa, restam hoje apenas alguns vestígios, escassos e pontuais, como acontece em relação à Igreja da Luz. Estes edifícios, alguns dos quais capelas de dimensões muito reduzidas, foram construídos ao longo dos anos em diferentes zonas do conjunto. Um primeiro edifício religioso terá existido em Mazagão ainda em 1514, dele não se conhecendo vestígios. Em 1615, a vila possuía quatro igrejas e duas ermidas: a Igreja Matriz, a Igreja de Nossa Senhora da Luz, a Igreja da Misericórdia, a Igreja de São Sebastião, a Ermida de Santo António do Socorro e a Ermida do Anjo da

Igreja de Nossa Senhora da AssunçãoFoto: João Barros Matos

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Guarda. Tendo como fonte os documentos gráficos existentes, podemos enumerar as construções religiosas existentes nas últimas décadas de presença portuguesa: a Igreja Matriz; a Igreja de Nossa Senhora da Luz, junto ao Baluarte do Espírito Santo, com corpo de nave única e capela-mor retangular, anexa à qual se encontrava a Capela da Nossa Senhora da Piedade; a Igreja da Misericórdia, junto ao Hospital, inserida no edifício da Cisterna; a Igreja de São Sebastião, inserida num quarteirão perto da Porta da Ribeira; a Ermida de Santo António do Socorro, posteriormente denominada Ermida de Nossa Senhora da Penha de França, sobre o Baluarte de Santo António, junto da residência dos padres; a Ermida do Anjo da Guarda, posteriormente designada por Ermida de Nossa Senhora do Pilar, localizada sobre o Baluarte do Anjo; a Ermida de Nossa Senhora da Nazaré, inserida num quarteirão perto da Rampa da Calheta; a Ermida de Santa Cruz, inserida num quarteirão frente à Rampa dos Bois; a Ermida de São José, junto à Porta da Ribeira; e a Ermida de São João Bat is ta, junto ao poço, na proximidade do Baluarte de Santo António. Após 1769, apenas a Igreja Matriz foi mantida, tendo todos os restantes edifícios sido destruídos ou sujeitos a profundas alterações e reintegrados no tecido urbano.

EQUIPAMENTO E INFRAESTRUTURAS

PALÁCIO DO GOVERNADOR

O Palácio do Governador, que antes já se referiu como um dos principais edifícios públicos, terá sido um edifício de desenho erudito e boa construção, voltado para a praça de armas, incluindo uma escadaria exterior, de acesso ao primeiro piso, na fachada principal. Frente ao palácio, no terreiro, localizava-se o chafariz, e nas suas traseiras existia um jardim que se prolongava até à zona do poço, junto à entrada do Baluarte de Santo António. O edifício terá sido parcialmente destruído em 1769 e demolido durante as obras de século XIX, para a construção da atual mesquita.

HABITAÇÃO

A arquitetura civil do período de presença portuguesa era constituída essencialmente por pequenos edifícios de habitação, em parcelas ind iv idua is , com logradouro e hor ta , organizados nos quarteirões que definiam o tecido urbano. Após 1769, muitos destes edifícios foram destruídos ou sujeitos a profundas alterações. Abandonados durante as décadas que se segu i ram à re t i rada portuguesa, ao longo dos séculos XIX e XX foram alvo de repetidas obras de transformação e adaptação. Hoje, na malha urbana existente, são escassos e pouco fiáveis os vestígios que podemos reconhecer como elementos ou tipologias de construção portuguesa, como é o caso de alguns elementos decorativos atribuíveis aos séculos XVII ou XVIII. Sabemos, no entanto, que grande parte das paredes e outras estruturas que constituem hoje estes edifícios são de construção portuguesa, tendo sido transformadas e apropriadas ao longo dos anos, segundo as necessidades e a cultura dos novos habitantes.

FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

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Mazagão, Lisboa, 1916; Matos, João Barros, A Fortaleza de Mazagão: bases para uma proposta de recuperação e valorização, tese de mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico, Universidade de Évora, 2001; Mendonça, Agostinho de Gavy de, História do cerco de Mazagão, Lisboa, 1890; Mouline, Said, Repères de la mémoire - El jadida, Rabat, 1996; Moreira, Rafael, "Arquitectura: Renascimento e Classicismo" História da Arte Portuguesa, dir. Paulo Pereira, Lisboa, vol. II, 1995, pp. 327-331; Moreira, Rafael, A Construção de Mazagão, Cartas inéditas 1541-1542, Lisboa, 2001; Pimenta,

Belisário, "Descrição da Fortaleza de Mazagão”, Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa, vol. X, 1917; Ricard, Robert, Un document portugais sur la Place de Mazagan du début du XVII Siècle, Paris, 1932; Ricard, Robert, "La plaza Portuguesa de Mazagan en el siglo XVII", Al Andalus, Madrid, XXVI, 1961; Ricard, Robert, Mazagan el le Maroc sous le règne du Sultan Moulay Zidan (1608, 1627), Paris, 1956; Veiga, Raul da Silva, Documentos referentes ao governo da Praça de Mazagão 1758-1796, Coimbra, 1982.

1757. Plan de la forteresse de la Place de Mazagan. Capitão Jean-Baptiste Claude Belicard?. BnF - SHM, P110, D3, 24D

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A cobiça portuguesa sobre Azamor vinha já desde os finais do século XV. De facto, a profícua pesca de sáveis entre dezembro e março no Rio Oum er Rbia serviu como contrapartida para o contrato estabelecido entre a cidade e D. João II em 1486. Através deste documento, o monarca português tornava-se suserano da sua população.

Azamor era uma cidade alongada na margem sul do rio, a alguns quilómetros da foz, desenhando um retângulo imperfeito, cujo contorno era definido por fortes muralhas defendidas por torreões e cujo interior era pontuado por edifícios notáveis, nomeadamente mesquitas. A cidade árabe, durante o período de vassalagem a Portugal, cobriria uma mancha sensivelmente semelhante, senão igual, à da atual medina de Azamor, ou seja, cerca de nove hectares.

A ambição de tomar Azamor era muito forte, como o prova a expedição que Duarte de Armas acompanhou à sua barra, em 1507, para debuxar a foz do rio. A conquista definitiva ocorreria em 1513. D. Jaime, duque de Bragança, comandava a poderosa armada que a 29 de agosto desembarcava na baía de Mazagão, para cinco dias mais tarde entrar numa Azamor despejada de gente. O processo de ocupação imediato tomou militarmente os principais pontos defensáveis e permitiu a celebração de eucaristia na mesquita maior, convertida em templo cristão.

A partir de 1534, na sequência de cartas do monarca ao seu Conselho, homens bons e prelados, em que se manifestavam hesitações entre a manutenção ou evacuação de Azamor e Sa f im, o inves t imen to m i l i t a r deca iu definitivamente. Começou a declinar também a importância comercial da vila, dificultada pelas condições portuárias, uma vez que a urbe se situava algumas milhas a montante da foz. Perdida a meridional Santa Cruz do Cabo de Guer, em 1541, e falhada a aliança com o rei de Fez, D. João III mandou despejar a vila de

AZEMMOUR [AZAMOR]Jorge Correia

Implantação da Cidade Portuguesa no Norte de África 300

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l. CasteloNila nova 2. Casa do Governador ou Capitão 3. Igreja mauiz. 4. Terreiro 5. Rua Direi .. 6. Muro de atalho

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Azamor. Reconstituição do castelo atalhado e vila portuguesa.

1. Castelo / Vila nova2. Casa do Governador ou Capitão 3. Igreja matriz4. Terreiro5. Rua Direita6. Muro de atalho7. Baluarte e Porta da Vila, do Castelo ou do Sertão8. Porta da Ribeira9. Baluarte de S. Cristóvão10. Baluarte do Raio11. Porta do Combate12. Judiaria13. Vila velha14. Muralhas do perímetro islâmico 15. Rio Oum er-Rbia

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Azamor numa operação desenrolada em outubro do mesmo ano. Assim terminavam vinte e oito anos de efetiva ocupação portuguesa, mas não o processo histórico deste centro urbano. A reocupação muçulmana da praça no reinado de Moulay Zidan implicou novas intervenções nas fortificações, cujo perímetro viria a retomar o original que havia sido atalhado. O contorno amuralhado que hoje recolhe a medina de Azamor é resultado do aproveitamento e arranjos das muralhas da vila velha, que os capitães portugueses nunca destruíram, e das introduções árabes realizadas em pontos sensíveis, como cunhais ou portas.

Para Azamor concorria a ideia de uma vila no interior do castelo, visto o traçado do atalho permitir a manutenção de uma área confortável para a acomodação de toda a população. Simão Correia, que a part ir de 1516, capitaneava a praça, propôs um plano de intervenção à escala urbana, disposto em várias frentes de acção, com particular ênfase para a organização interna do novo castelo atalhado. O cuidado depositado em alguns pormenores relacionados com a arruação e o calcetamento denunciava um pioneiro higienismo moderno, inserido num pensamento manuelino mais atento ao espaço público, particularmente evidente quando comparado com os traçados apertados herdados do tempo muçulmano. Todavia, a insistência no derrube das casas da vila velha e no aproveitamento dos mater ia is despojados para novas construções na nova vila permite especular sobre a ocupação territorial da superfície atalhada. Ausente do discurso parece o aproveitamento de casas herdadas no interior do perímetro acastelado, ou seja, aponta para o isolamento dos dois principais equipamentos islâmicos que haviam determinado o traçado do atalho português: a alcáçova moura e a mesquita maior. A área do castelo aparece descrita como erma e praticamente desprovida de construções. Deste modo será verosímil a conclusão acerca de uma implantação da vila nova sobre terreno aberto, praticamente vazio, uma vez que a densidade residencial árabe se concentrara a sul dos edifícios preexistentes mais representativos.

A vila portuguesa organizar-se-ia a partir das duas principais estruturas - a Casa do Capitão, sobre a ant iga a lcáçova, e a igre ja , reaproveitada da mesquita - colocadas em torno do terreiro da vila, espaço público que servia igualmente a Porta da Vila. Daqui se traçou a Rua Direita que, descrevendo um cotovelo, alcançava a Porta da Ribeira, à cota baixa. O canal definido pela Rua Direita fomentaria alguma regularidade de ruas paralelas e perpendiculares. A tipologia de quarteirão alongado aparece timidamente, resgatada a partir dos canais viários e parcelamento atuais. Menos de três décadas de presença portuguesa em Azamor foram suficientes para incutir rudimentos de urbanismo regulado, ainda legíveis nos tecidos contemporâneos.

Quanto à construção de casas na vila interior ao castelo, o mote seria dado pelo mestre Diogo de Arruda, que então solicitava terreno. Se Diogo, juntamente com seu irmão Francisco, hav ia es tado p resen te nas dec isões concernentes à reformulação das arquiteturas militares, como adiante se verá, incluindo a implantação das casas da artilharia e celeiro, certamente o par não estaria divorciado do ensaio urbanístico que se adivinhava e Simão Correia aproveitaria. A equipa terá, por conseguinte, gizado o plano que correspondia às aspirações reais para o povoamento de Azamor.

No projeto de Simão Correia previa-se também a localização da judiaria. A zona situar-se-ia abrigada pelo Baluarte da Vila e pelo rio, junto ao muro meridional do castelo, correndo as ruas paralelas àquele para fuga pela Porta da Vila em caso de perigo.

EQUIPAMENTO E INFRAESTRUTURAS

ALFÂNDEGA E CASA DOS CONTOS

Junto à entrada fluvial foi criado outro espaço público que se abria para equipamentos de apoio comercial, todos desaparecidos no presente. Às obras nas casas da alfândega e

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feitoria juntaram-se os trabalhos na Casa dos Contos. Os edifícios da Alfândega e dos Contos contariam com piso térreo e sobrado, enquanto a Feitoria se serviria do rés-da-chão dos mesmos. O projeto seria corrigido através do regimento para a Alfândega de 1518, que trocava de andar com a Feitoria. (JC)

CASA DO CAPITÃO

> CASA DO CAPITÃO

A Casa do Capitão operava como uma centralidade no interior do castelo/vila, na cota mais elevada. Soli-citada a sua construção ao rei, o risco deve ter saído das mãos dos irmãos Arruda, bastante ativos em Azamor no início de 1514. Divididos entre estas obras e as de Mazagão, os mestres incutiram no debuxo das casas a linguagem manuelina corrente. O edifício ocupava o ponto de altitude máxima dentro do castelo e consistia num L cujo ângulo se encaixava no baluarte circular de São Cristóvão. A reconstituição do piso térreo parece impossível devido às alterações islâmicas posteriores, que o transformaram em local de culto, para além das suas características lúgubres por ser um estrato cego. Funcionariam como armazéns e apoio, quiçá mesmo como celeiro, e prolongar-se-iam por casas ao longo da muralha, como atestam os parcos vestígios ainda visí-veis de encosto ou arranque de paredes. Já o piso nobre, acessível por grande escadaria exterior, apresentava uma sucessão de compartimentos nos dois braços do L, cujos vãos se recortavam em arcos contracurvados e polilobados. Era também por este piso que se fazia a ligação com o interior do baluarte e com o caminho de ronda do castelo. A ala poente da Casa do Capitão adquiria um estatuto público mais relevante, não só por exibir uma fachada simbólica para o exterior do castelo, como também por ali se situar o janelão de comunicação das decisões régias à guarnição e mora-dores reunidos no terreiro. (Je)

ARQUITETURA MILITAR

> MURALHA E CASTELO

A questão em torno da realização de um atalho em Azamor esteve em discussão desde os primeiros dias, baseada na irregularidade dos abastecimentos por mar devido ao assoreamento da barra. A redução do seu perímetro defensável assumia-se como a principal decisão a ser tomada a curto prazo. O processo do ata-lho arrastar-se-ia até 1520 e manifestar-se-ia em duas frentes, uma física ou construtiva - castelo, vila velha - e uma outra social - a deslocação populacional. Já desde os finais de 1513 que D. João de Meneses, capi-tão do campo de Azamor, apresentara ao monarca por-tuguês a proposta que vingaria como traçado do muro de atalho: um novo braço de castelo estender-se-ia linearmente da alcáçova moura à antiga mesquita, onde desenharia uma inflexão para norte, prosse-guindo reta até encaixar na muralha oriental, sobre o rio. Na extremidade de terra construía-se o baluarte circular de São Cristóvão, enquanto que o dente do ata-lho ficaria marcado pelo baluarte retangular da Vila, Castelo, Sertão ou Campo, que incluía uma igualmente

denominada porta, esta de arco de volta perfeita, com arquivolta e ombreiras chanfradas. Tratava-se de uma estrutura para flanqueamento do restante segmento até ao mar, através de duas bombardeiras. A extremi-dade sobranceira ao rio era rematada por outro balu-arte, apontado e semicircular, com bocas de fogo que se orientavam para terra e para o rio.

À frente dos trabalhos aparecem os mestres das obras Diogo e Francisco de Arruda. Dirigiam a ereção dos baluartes de São Cristóvão e do Raio, voltados para o termo da vila e considerados suficientes para asse-gurar a sua defesa desde que apetrechados com bom-bardas poderosas. Ambos apresentavam coroamentos, ainda visíveis na atualidade, caracterizados por saca-das ao jeito de matacães. Deste modo, prevenia-se a aproximação pelo inimigo à base do baluarte através do tiro e jorramento verticais e não pela construção de alambor.

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Baluarte do Raio

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A Casa do Capitão operava como uma centralidade no interior do castelo/vila, na cota mais elevada. Solicitada a sua construção ao rei, o risco deve ter saído das mãos dos irmãos Arruda, bastante ativos em Azamor no início de 1514. Divididos entre estas obras e as de Mazagão, os mestres incutiram no debuxo das casas a linguagem manuelina corrente. O edifício ocupava o ponto de altitude máxima dentro do castelo e consistia num L cujo ângulo se encaixava no baluarte circular de São Cristóvão. A reconstituição do piso térreo parece impossível devido às alterações islâmicas posteriores, que o transformaram em l oca l de cu l t o , pa ra a l ém das suas características lúgubres por ser um estrato cego. Funcionariam como armazéns e apoio, quiçá mesmo como celeiro, e prolongar-se-iam por casas ao longo da muralha, como atestam os parcos vestígios ainda visíveis de encosto ou arranque de paredes. Já o piso nobre, acessível por grande escadaria exterior, apresentava uma sucessão de compartimentos nos dois braços do L, cujos vãos se recortavam em arcos contracurvados e polilobados. Era também por

Ruínas da Casa do CapitãoFoto: Jorge Correia

este piso que se fazia a ligação com o interior do baluarte e com o caminho de ronda do castelo. A ala poente da Casa do Capitão adquiria um estatuto público mais relevante, não só por exibir uma fachada simbólica para o exterior do castelo, como também por ali se situar o janelão de comunicação das decisões régias à guarnição e moradores reunidos no terreiro.

ARQUITECTURA MILITAR

MURALHA E CASTELO

A questão em torno da realização de um atalho em Azamor esteve em discussão desde os primeiros dias, baseada na irregularidade dos a b a s t e c i m e n t o s p o r m a r d e v i d o a o assoreamento da barra. A redução do seu perímetro defensável assumia-se como a principal decisão a ser tomada a curto prazo. O processo do atalho arrastar-se-ia até 1520 e manifestar-se-ia em duas frentes, uma física ou construtiva - castelo, vila velha - e uma outra social - a deslocação populacional. Já desde os finais de 1513 que D. João de Meneses, capitão do campo de Azamor, apresentara ao monarca português a proposta que vingaria como traçado do muro de atalho: um novo braço de castelo estender-se-ia linearmente da alcáçova moura à antiga mesquita, onde desenharia uma inflexão para norte, prosseguindo reta até encaixar na muralha oriental, sobre o rio. Na extremidade de terra construía-se o baluarte circular de São Cristóvão, enquanto que o dente do atalho ficaria marcado pelo baluarte retangular da Vila, Castelo, Sertão ou Campo, que incluía uma igualmente denominada porta, esta de arco de volta perfeita, com arquivolta e ombreiras chanfradas. Tratava-se de uma estrutura para flanqueamento do restante segmento até ao mar, através de duas bombardeiras. A extremidade sobranceira ao rio era rematada por outro baluarte, apontado e semicircular, com bocas de fogo que se orientavam para terra e para o rio.

Page 41: Viagem Cultural a Marrocos

À frente dos trabalhos aparecem os mestres das obras Diogo e Francisco de Arruda. Dirigiam a ereção dos baluartes de São Cristóvão e do Raio, voltados para o termo da vila e considerados suficientes para assegurar a sua defesa desde que apetrechados com bombardas poderosas. Ambos apresentavam coroamentos, ainda visíveis na atualidade, caracterizados por sacadas ao jeito de matacães. Deste modo, prevenia-se a aproximação pelo inimigo à base do baluarte através do tiro e jorramento verticais e não pela construção de alambor.

> CASA DO CAPITÃO

A Casa do Capitão operava como uma centralidade no interior do castelo/vila, na cota mais elevada. Soli-citada a sua construção ao rei, o risco deve ter saído das mãos dos irmãos Arruda, bastante ativos em Azamor no início de 1514. Divididos entre estas obras e as de Mazagão, os mestres incutiram no debuxo das casas a linguagem manuelina corrente. O edifício ocupava o ponto de altitude máxima dentro do castelo e consistia num L cujo ângulo se encaixava no baluarte circular de São Cristóvão. A reconstituição do piso térreo parece impossível devido às alterações islâmicas posteriores, que o transformaram em local de culto, para além das suas características lúgubres por ser um estrato cego. Funcionariam como armazéns e apoio, quiçá mesmo como celeiro, e prolongar-se-iam por casas ao longo da muralha, como atestam os parcos vestígios ainda visí-veis de encosto ou arranque de paredes. Já o piso nobre, acessível por grande escadaria exterior, apresentava uma sucessão de compartimentos nos dois braços do L, cujos vãos se recortavam em arcos contracurvados e polilobados. Era também por este piso que se fazia a ligação com o interior do baluarte e com o caminho de ronda do castelo. A ala poente da Casa do Capitão adquiria um estatuto público mais relevante, não só por exibir uma fachada simbólica para o exterior do castelo, como também por ali se situar o janelão de comunicação das decisões régias à guarnição e mora-dores reunidos no terreiro. (Je)

ARQUITETURA MILITAR

> MURALHA E CASTELO

A questão em torno da realização de um atalho em Azamor esteve em discussão desde os primeiros dias, baseada na irregularidade dos abastecimentos por mar devido ao assoreamento da barra. A redução do seu perímetro defensável assumia-se como a principal decisão a ser tomada a curto prazo. O processo do ata-lho arrastar-se-ia até 1520 e manifestar-se-ia em duas frentes, uma física ou construtiva - castelo, vila velha - e uma outra social - a deslocação populacional. Já desde os finais de 1513 que D. João de Meneses, capi-tão do campo de Azamor, apresentara ao monarca por-tuguês a proposta que vingaria como traçado do muro de atalho: um novo braço de castelo estender-se-ia linearmente da alcáçova moura à antiga mesquita, onde desenharia uma inflexão para norte, prosse-guindo reta até encaixar na muralha oriental, sobre o rio. Na extremidade de terra construía-se o baluarte circular de São Cristóvão, enquanto que o dente do ata-lho ficaria marcado pelo baluarte retangular da Vila, Castelo, Sertão ou Campo, que incluía uma igualmente

denominada porta, esta de arco de volta perfeita, com arquivolta e ombreiras chanfradas. Tratava-se de uma estrutura para flanqueamento do restante segmento até ao mar, através de duas bombardeiras. A extremi-dade sobranceira ao rio era rematada por outro balu-arte, apontado e semicircular, com bocas de fogo que se orientavam para terra e para o rio.

À frente dos trabalhos aparecem os mestres das obras Diogo e Francisco de Arruda. Dirigiam a ereção dos baluartes de São Cristóvão e do Raio, voltados para o termo da vila e considerados suficientes para asse-gurar a sua defesa desde que apetrechados com bom-bardas poderosas. Ambos apresentavam coroamentos, ainda visíveis na atualidade, caracterizados por saca-das ao jeito de matacães. Deste modo, prevenia-se a aproximação pelo inimigo à base do baluarte através do tiro e jorramento verticais e não pela construção de alambor.

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Baluarte do Raio

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Já em 1517, surgia o Regimento da obra do muro e atalho da cidade dezamor. Tratava-se de um importante instrumento legal com concretas determinações. A secção inferior do muro projetado compunha-se de taipa reforçada por uma argamassa de cal e dispunha-se numa largura de oito palmos por vinte de altura. Assentaria sobre alicerces de pedra e argila com oito palmos de altura que ultrapassavam em um palmo, para ambos os lados, a base do muro. No topo, o caminho de ronda era defendido por um peitoril ameado, largo de dois palmos e meio. O regimento vinha confirmar as primeiras sugestões de traçado. Os trabalhos do atalho seriam dados como terminados em 1520, pelo governador de então, D. Álvaro de Noronha, o mesmo que havia completado o arrasamento da vila velha um ano antes, à exceção das muralhas árabes.

Apesar das hesitações referentes à execução do plano total do atalho, a fortificação do

Baluarte de São Cristovão e ruínas da Casa do CapitãoFoto: João Barros Matos

castelo concentrou os esforços construtivos no quadrilátero resultante. Tardava a conclusão de um fosso circundante, iniciado logo em dezembro de 1513. Descrito o muro do atalho acima, correspondente ao lado sul do castelo, o recinto encerrava-se a ocidente por uma muralha ligeiramente flectida, nas extremidades da qual se destacavam os baluartes de São Cristóvão e do Raio. Deste último lançava-se uma cortina reta em direcção ao rio, reforçada por alambor que, por sua vez, ajudava a cavar o fosso seco. Era interrompida por um baluarte de planta em U, apetrechado com peças de artilharia que varriam os flancos e quebravam a extensão do pano amuralhado. O muro norte terminava numa torre quadrangular de arestas curvas, hoje uma reconstrução sobre base portuguesa. Neste ponto, a muralha setentrional portuguesa articulava-se com uma frente de rio que aproveitava o contorno preexistente. Foram introduzidas duas inflexões ou dentes, menos pronunciados que o Baluarte da Vila mas importantes para a proteção da Porta da Ribeira.

ARQUITECTURA RELIGIOSA

IGREJA MATRIZ

O terreiro, sendo o principal espaço público, estendia-se desde a Casa do Capitão até à igreja, cujo campanário, aproveitado do minarete herdado, servia também como rebate, visto ser tão alto que dominava as vilas nova e velha e o termo imediato. Posta de parte a instalação de três conventos intramuros devido à míngua de casas disponíveis, a igreja matriz assumia-se como templo cr istão mais importante, composta por três naves. Diversas vezes surge indicada como sé, mas não passava de uma colegiada na diocese de Safim. Com o crescimento do tecido construído foram-se estabelecendo outras instituições religiosas na vila nova, cuja escassez de referências impede um conhecimento mais aprofundado ou mesmo a sua localização, tal como a Misericórdia, que existiria numas casas próximas à igreja.

Page 42: Viagem Cultural a Marrocos

FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

BIBLIOGRAFIA:

Correia, V., Lugares Dalêm: Azemôr, Mazagão, Çafim, Lisboa, 1923; Fagundes, M. A. L. C., Os Portugueses em Azamor (1513-1541), dissertação para a Licenciatura em História apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 1967; Letan, R., Azzemour et Mazagan, deux places fortifiées du XVI siècle, Paris, 1995; Lima, D. P. de, Azamor. Os precedentes da conquista e a expedição do Duque Dom Jaime, Lisboa, 1930.

Kasbah de Azemmour.

Page 43: Viagem Cultural a Marrocos

A presença política dos portugueses em Arzila, da qual retiramos o essencial do património arquitetónico e urbano, decorre entre 1471 e 1550. A cidade a que os portugueses se lançaram a 20 de agosto de 1471 era substancialmente maior do que aquela que o atual cordão amuralhado encerra, a julgar pelos vestígios isolados de um troço de muralha islâmica, incluindo uma porta no caminho para Fez, encontrados para o interior sudeste e ainda visíveis em meados do século XX. Este dado concorre para a percepção de um traçado curvo, nos dias de hoje substituído por uma via rodoviária rasgada durante o protetorado espanhol. Trata-se do perímetro original da cerca árabe de Arzila ocupada pela coroa portuguesa. Os principais edifícios intramuros correspondiam à alcáçova, denominada castelo pelos portugueses, aquando da batalha pela

cidade, e à mesquita. Ambos se localizavam nas imediações da Porta da Ribeira e de uma praça central adjacente.

Arzila beneficiou, durante cerca de trinta anos, de um tratado de paz estabelecido entre o monarca português e o sultão merínida. Assim, somente na passagem de século D. Manuel I sentiu necessidade de implementar medidas defensivas, no seguimento de um violento ataque e cerco por parte do sultão de Fez, em 1508. Deste modo, as quase oito décadas de domínio português em Arzila ficariam marcadas pela apropriação da cidade numa primeira fase, à qual se sucederia um período de forte investimento nas arquiteturas militares.

As tentativas de modernização das fortificações de Arzila, na ordem do dia a partir da queda de Santa Cruz do Cabo de Guer, em 1541, nunca

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73. Anila. Reconstituição da vila portuguesa no século XVI onde hoj casa do

I. Castelo 2. Casa ou Paço do Governador 3. Torre de Menagem 4. Igreja matriz 5. Terreiro 6. Porra do Castelo 7. Porta da Ribeira ou do Mar 8. Torreia das "casas da co ndessa" 9. Porta do Albacar 10. Torre do Alcaide-mar

II. Baluarte da Praia 12. Baluarte de Santa Cruz 13. Celeiro/Armaúns 14. Torre do Sino/Baluarte de Pite João 15. Miradouro 16. Baluarte da Pata ou Perna de Aranha 17. Baluarte de S. Francisco ou dos Frades 18. Couraça

19. Baluarte da Couraça 20. Baluarte do TambaJaJão 21. Baluarte/Torre de António da Fonseca 22. Baluarte e Porta da Vila ou de Fez 23. Vi la 24 . Rua Direita 25. Convemo de S. Francisco 26. Esrrebrarias 27. Oceano Arlãmico

258. Li. d A. 61. 259. ftkm. e do apouso:::

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Arzila. Reconstituição da vila portuguesa no século XVI. 1. Castelo 2. Casa ou Paço do Governador 3. Torre de Menagem 4. Igreja matriz 5. Terreiro 6. Porta do Castelo 7. Porta da Ribeira ou do Mar 8. Torrela das "casas da condessa" 9. Porta do Albacar 10. Torre do Alcaide-mar 11. Baluarte da Praia 12. Baluarte de Santa Cruz 13. Celeiro/Armazéns 14. Torre do Sino/Baluarte de Pite João 15. Miradouro 16. Baluarte da Pata ou Perna de Aranha 17. Baluarte de S. Francisco ou dos Frades 18. Couraça 19. Baluarte da Couraça 20. Baluarte do Tambalalão 21. Baluarte/Torre de António da Fonseca 22. Baluarte e Porta da Vila ou de Fez 23. Vila 24. Rua Direita 25. Convento de S. Francisco 26. Estrebrarias 27. Oceano Atlântico.

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foram verdadeiramente assumidas. A 30 de junho de 1549 ordenou-se o despejo da praça, tendo a guarnição partido um ano mais tarde. Porém, 1550 não seria o último desfecho da Arzila portuguesa. A praça regressaria efemeramente a mãos lusas entre 1577 e 1589, fruto de permutas relacionadas com alianças político-militares. (JC)

Apesar de nunca se aludir abertamente a um plano urbano para a vila dos portugueses. diversos indícios concorrem para a ideia de criação ex novo de grande parte do tecido residencial. Aqui estava subjacente uma regulação de canais inerente à vantagem de um terreno destruído e bastante mais limpo, depois do arrasamento provocado pelo cerco e assalto de 1508. O resultado foi a formação de uma sér ie de quar te i rões tendenc ia lmente quadrangulares, estruturados a partir de um eixo em cotovelo - a Rua Direita - que estabelecia a comunicação entre o terreiro, para qual concorriam as portas do Castelo e da Ribeira, e ainda a Igreja Matriz e a Porta da Vila.

Algumas ruas paralelas e perpendiculares asseguravam o acesso às casas dos moradores, aos baluartes e às estâncias nas muralhas, à Porta da Vila e ao Mosteiro de São Francisco. Uma rua de contorno separava as habitações das muralhas da vila. Esta é uma si tuação que subsiste presentemente, acrescentada por pequenas novas vias ou adulterada pelo esventramento de curtos becos em busca da privacidade roubada pelas artérias principais. Era para o terreiro central da vila que convergiam as ruas paralelas mais longas.

O espaço da vila de Arzila conformava-se num tecido essencialmente ocupado por habitações e lojas, com uma malha tendencialmente regular. Já o recinto do castelo detinha uma ocupação densa, repartida em torno de um pátio. Não só albergava as residências do governador e do alcaide-mar, os armazéns de pólvora, munições ou armas e o celeiro, como também funcionava como posto de vigia, através das torres de Menagem e do Sino, e como reduto militar para a guarnição.

ARQUITECTURA MILITAR

TORRE DE MENAGEM

Junto à Porta da Ribeira, erguia-se o símbolo mais retórico da presença portuguesa: a Torre de Menagem. Tratou-se da primeira construção na era de Boytac, erigida entre 1509 e 1510, num projeto que perpetuou as seguintes características: prisma retangular exibindo forte alambor ao nível do piso térreo e aberturas nos dois pisos superiores; remate superior ritmado por ameias e merlões num balcão interrompido p o r m a t a c ã e s n o s l a d o s e g u a r i t a s hemicirculares nos ângulos; cobertura inclinada em telha, distribuída em duas águas principais para os lados maiores do retângulo. A distribuição funcional do seu interior evolui da prisão no rés-da-chão cego para uma sala de guarda no primeiro andar, terminando na sala de audiências do governador, a partir da qual, desde uma janela nobre, ele comunicava as ordens régias à população reunida no terreiro. A torre de Arzila, sendo implantada em pleno século XVI, assegurava valores de ostentação régia, num período de vingança mais teórica do que prática, depois de ultrapassado o cerco de 1508.

Nos anos 1980 a torre encontrava-se em avançado grau de ruína. O restauro realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian incluiu a reconstituição do último piso e do telhado. Os trabalhos ficaram concluídos em 1994. (JC)

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O espaço da vila de Arzila conformava-se num tecido essencialmente ocupado por habitações e lojas, com uma malha tendencialmente regular. Já o recinto do castelo detinha uma ocupação densa, repartida em torno de um pátio. Não só albergava as residências do governador e do alcaide-mar, os armazéns de pólvora, munições ou armas e o celeiro, como também funcio -nava como posto de vigia, através das torres de Mena-gem e do Sino, e como reduto militar para a guarni-ção. (Je)

ARQUITETURA MILITAR

> TORRE DE MENAGEM

Junto à Porta da Ribeira, erguia-se o símbolo mais retórico da presença portuguesa: a Torre de Menagem. Tratou-se da primeira construção na era de Boytac, eri-gida entre 1509 e 1510, num projeto que perpetuou as seguintes características: prisma retangular exibindo forte alambor ao nível do piso térreo e aberturas nos dois pisos superiores; remate superior ritmado por ameias e merlões num balcão interrompido por mata-cães nos lados e guaritas hemicirculares nos ângulos; cobertura inclinada em telha, distribuída em duas águas principais para os lados maiores do retângulo. A distribuição funcional do seu interior evolui da pri-

são no rés-da-chão cego para uma sala de guarda no primeiro andar, terminando na sala de audiências do governador, a partir da qual, desde uma janela nobre, ele comunicava as ordens régias à população reunida no terreiro. A torre de Arzila, sendo implantada em pleno século XVI, assegurava valores de ostentação régia, num período de vingança mais teórica do que prática, depois de ultrapassado o cerco de 1508.

Nos anos 1980 a torre encontrava-se em avançado grau de ruína. O restauro realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian incluiu a reconstituição do último piso e do telhado. Os trabalhos ficaram concluí-dos em 1994. (Je)

> MURALHA E CASTELO

Ainda no século XV, os portugueses optaram pela realização de um atalho que veio cortar a cidade em pra-ticamente duas partes iguais, deixando de fora a metade mais afastada do mar e que se espraiava pela planície. Arzila portuguesa viu-se reduzida a 45% da área islâ-mica herdada, preservando a faixa litoral imprescindí-vel à estratégia de manutenção da praça. Um novo muro, de pedra e argila, traçava uma secante pelos baluartes que hoje se denominam de Tambalalão e Santa Cruz. Tratava-se de uma muralha linear, apoiada por uma bar-bacã, numa iniciativa não acompanhada pelo derrube total dos antigos muros árabes. Aquando do cerco Arzila caracterizava-se ainda pela Vila Velha, a porção da cidade excluída pelo atalho, pela Vila Nova, a urbe por-tuguesa, e pelo castelo, o reduto fortificado.

O gesto do atalho introduziu uma racionalidade alternativa no conjunto urbano, agora definido por duas figuras geométricas justapostas, tendencialmente retangulares. A direção de obra parece secundária embora se conheçam as nomeações de Álvaro Tristão como vedar das obras de Arzila, em 1472, de Rodrigo Anes como mestre das obras dos lugares de África, em 1473, ou ainda de Vicente de Avelar, também como

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Torre de Menagem (pano de muralha do castelo).Foto: Jorge Correia

Page 45: Viagem Cultural a Marrocos

MURALHA E CASTELO

Ainda no século XV, os portugueses optaram pela realização de um atalho que veio cortar a cidade em praticamente duas partes iguais, deixando de fora a metade mais afastada do mar e que se espraiava pela planície. Arzila portuguesa viu-se reduzida a 45% da área islâmica herdada, preservando a faixa litoral imprescindível à estratégia de manutenção da praça. Um novo muro, de pedra e argila, traçava uma secante pelos baluartes que hoje se denominam de Tambalalão e Santa Cruz. Tratava-se de uma muralha linear, apoiada por u m a b a r b a c ã , n u m a i n i c i a t i v a n ã o acompanhada pelo derrube total dos antigos muros árabes. Aquando do cerco Arzila caracterizava-se ainda pela Vila Velha, a porção da cidade excluída pelo atalho, pela Vila Nova, a urbe portuguesa, e pelo castelo, o reduto fortificado.

O gesto do atalho introduziu uma racionalidade alternativa no conjunto urbano, agora definido por duas figuras geométricas justapostas, tendencialmente retangulares. A direção de obra parece secundária embora se conheçam as nomeações de Álvaro Tristão como vedor das obras de Arzila, em 1472, de Rodrigo Anes como mestre das obras dos lugares de África, em 1473, ou ainda de Vicente de Avelar, também como vedor das obras da vila, em 1484, mas a apropriação e transformação da cidade preexistente respondeu não só a um imperativo superior, como também a uma tradição que se consolidava no Norte de Africa.

Quando Arzila se vê irreversivelmente cercada pelo exército de Fez, em 1508, a vila perde-se e esvazia-se para o castelo. A resposta de D. Manuel I assentou no envio do prestigiado mestre das obras Diogo Boytac, em 1509. Aí permaneceu até ao ano seguinte, tempo suficiente para elaborar um plano global de intervenção assente em três vectores fundamentais para a sustentabilidade e afirmação da praça portuguesa: reforço da cerca, com particular relevo para a muralha do atalho; emergência simbólica do castelo; consolidação urbana da vila. Em 1511, dirigiu-se para Arzila o mestre biscainho Francisco Danzilho com trezentos trabalhadores, com o

intuito de executar os planos traçados por Boytac que, três anos mais tarde, regressava para medir a empreitada com seu escrivão Bastião Luiz. O corpo principaI das obras deste triénio incidiu fundamentalmente sobre as zonas do castelo, seus edifícios e recinto fortificado, sobre as portas da Ribeira e Vila e sobre as mura lhas vo l tadas ao mar, constituindo ainda hoje o essencial do legado construtivo de origem portuguesa nesta cidade.

conhecido obras do tempo do domínio espanhol. Esta torre apresenta num dos seus lados um brasão da casa reinante de Espanha, em que ainda se percebe clara-mente, bem ao centro, o escudo de Portugal.

Não admira a presença espanhola: entre 1610 e 1689, os espanhóis ocuparam a cidade de Larache, onde voltaram entre 1912 e 1956. A questão relevante e que justifica a entrada de Larache neste inventário reside na ligação muito constante de portugueses com essa cidade, ao menos até ao século XVII, como cons-trutores de fortalezas. Atestando essa antiga ligação, lembre-se que uma das mais antigas plantas de Lara-che é de finais do século XVI e da autoria de outro por-tuguês, João Mateo Benedetti.

Note-se que no último estudo sistemático sobre Larache, conduzido pelas autoridades espanholas, que suportam e financiam o projeto de recuperação de grande parte da cidade, ficam perfeitamente claras as lacunas de investigação e os trabalhos que ainda importaria promover, entre os quais alguns que dizem respeito às fortificações mais relacionadas com os por-tugueses. (FTB) BmUOGRAFIA: Carita, Rui, "Armas dos Filipes na Torre das Cegonhas, 1590 (c)'; Larache, 2006, http://www.arquipelagos.pt/ imagePopUp. php?details=l &id=21193 (última consulta em 14 de novembro de 2008); Duelos Bautista, Guillermo & Campos jara, Pedro, Larache: evoLuci6n urbana, Sevilba, 2001; Elboudjay, Abdelatif, "La Qasba Wattaside e La-rache (fin du xv'mo S. - XVI'mo S.)'; Mil Anos de Fortificações na Pen{nsula Ibérica e no Magreb (500-1500), coord. de Isabel Cristina Ferreira Fer-nandes, Palmela, 2002; Farinha, António Dias, PLantas de Mazagão e Larache no início do século XVII, Lisboa, 1987; Freire, Anselmo Bram-camp Freire, Expedições e Armadas nos anos de 1488 e 1489, Lisboa, 1915; Garcia Figueras, Tomás, Expedicion de los portugueses ai Rio de La rache y Fundacion de la Fortaleza de "La Graciosa; en eL Lukus (J 849), Larache, 1941.

Assilah [Arzila] (MARROCOS)

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E URBANISMO A presença política dos portugueses em Arzila, da qual retiramos o essencial do património arquitetónico e urbano, decorre entre 1471 e 1550. A cidade a que os portugueses se lançaram a 20 de agosto de 1471 era substancialmente maior do que aquela que o atual cor-dão amuralhado encerra, a julgar pelos vestígios isola-dos de um troço de muralha islâmica, incluindo uma porta no caminho para Fez, encontrados para o inte-rior sudeste e ainda visíveis em meados do século xx. Este dado concorre para a percepção de um traçado curvo, nos dias de hoje substituído por uma via rodoviá-ria rasgada durante o protetorado espanhol. Trata-se do perimetro original da cerca árabe de Arzila ocupada pela coroa portuguesa. Os principais edifícios intramu-ros correspondiam à alcáçova, denominada castelo

pelos portugueses, aquando da batalha pela cidade, e à mesquita. Ambos se localizavam nas imediações da Porta da Ribeira e de uma praça central adjacente.

Arzila beneficiou, durante cerca de trinta anos, de um tratado de paz estabelecido entre o monarca portu-guês e o sultão merínida. Assim, somente na passagem de século D. Manuel I sentiu necessidade de implemen-tar medidas defensivas, no seguimento de um violento ataque e cerco por parte do sultão de Fez, em 1508. Deste modo, as quase oito décadas de domínio português em Arzila ficariam marcadas pela apropriação da cidade numa primeira fase, à qual se sucederia um período de forte investimento nas arquiteturas militares.

As tentativas de modernização das fortificações de Arzila, na ordem do dia a partir da queda de Santa Cruz do Cabo de Guer, em 1541 , nunca foram verdadeira-mente assumidas. A 30 de junho de 1549 ordenou-se o despejo da praça, tendo a guarnição partido um ano mais tarde. Porém, 1550 não seria o último desfecho da Arzila portuguesa. A praça regressaria efemera-mente a mãos lusas entre 1577 e 1589, fruto de permu-tas relacionadas com alianças político-militares. (Je)

Apesar de nunca se aludir abertamente a um plano urbano para a vila dos portugueses. diversos indícios concorrem para a ideia de criação ex novo de grande parte do tecido residencial. Aqui estava subjacente uma regulação de canais inerente à vantagem de um terreno destruído e bastante mais limpo, depois do arrasamento provocado pelo cerco e assalto de 1508. O resultado foi a formação de uma série de quarteirões tendencialmente quadrangulares, estruturados a par-tir de um eixo em cotovelo - a Rua Direita - que esta-belecia a comunicação entre o terreiro, para qual con-corriam as portas do Castelo e da Ribeira, e ainda a Igreja Matriz e a Porta da Vila.

Algumas ruas paralelas e perpendiculares assegu-ravam o acesso às casas dos moradores, aos baluartes e às estâncias nas muralhas, à Porta da Vila e ao Mos-

Mu ralha noroeste Foto: Jorge Correia

O auto de medição inicia-se com a inspeção às obras nas casas da condessa, separadas dos aposentos do conde, embora l igadas morfologicamente àqueles, num complexo edificado de planta em L, com frente marítima coincidente com o perímetro do castelo (as casas da condessa) e fachada sobre a praça da vila, para onde se abriam algumas janelas com decoração manuelina (casas do conde), desaparecidas depois dos restauros do século passado. Atualmente, apenas sobrevive, embora metamorfoseada, uma pequena torre cilíndrica justaposta aos antigos aposentos da condessa, a aproximadamente onze braças da vizinha Torre do Alcaide-Mor.

Prosseguindo o contorno do castelo a partir do Baluarte da Praia, reforçado por comprido pegão, do qual apenas resta o encaixe, toda esta frente de terra dobrava no Baluarte de Santa Cruz para atingir a Porta da Vila. O castelo terminava na Torre do Sino (cilíndrica) que se l i gava à To r re de Menagem (quadrangular) e Casa do Capitão através de um muro que delimitava a fronteira entre o castelo e a vila, cujo embasamento assentava

Muralha noroeste.Foto: Jorge Correia

Page 46: Viagem Cultural a Marrocos

sobre alambor contínuo, rasgado pela Porta do Castelo. Preserva-se o arranque do lado da Torre de Menagem num troço entretanto desprovido das aberturas das ditas casas do conde.

A muralha do atalho viu o seu desenho remodelado, indo ao encontro de uma nova proposta arquitetónica que respondesse à evolução das técnicas militares. Entre o Baluarte de Santa Cruz e o Baluarte do Tambalalão, a cortina fortificada passava a descrever três inflexões ou dentes, permitindo o flanqueamento do tiro e a defesa dos segmentos lineares de norte para sul: a primeira ocorria ainda no adarve do castelo; o segundo dente coincidia com a saliência do baluarte e Porta da Vila (atual Bab Hauma), uma máquina de defesa ativa com uma potente linha de canhoneiras abertas num primeiro piso sobre o túnel em cotovelo da porta que ainda hoje ostenta as armas de D. Manuel I; a terceira inflexão identificava-se com o Baluarte / Cubelo de António da Fonseca. Entre estes acidentes formais, os panos de muralha caracterizavam-se por uma secção vertical ritmada por estreitas ameias e perfurada por seteiras num estrato inferior. Abaixo, um sólido alambor ou talude afundava-se no fosso que acompanhava toda a muralha, apenas vencido pela ponte levadiça da dita porta.

Um dos investimentos mais fortes do projeto boytaquiano referia-se aos melhoramentos da frente de mar da vila, com particular ênfase para as suas extremidades nordeste, junto à Porta da Ribeira, e sudoeste, no reforço da couraça. Uma nova couraça, dobrando ligeiramente sobre a muralha noroeste da vila, permitia o tiro sobre embarcações ou tentativas de assalto com origem na água. Na intersecção da couraça com a muralha, erguia-se o Baluarte da Couraça, sentinela e protecção do flanco de terra. Junto à Porta da Ribeira, a concepção assentou na articulação de duas estruturas: uma plataforma designada Miradouro e um baluarte em pinça denominado Pata ou Perna de Aranha, que retira o nome da forma que sugere. Hoje, encurtado na sua extensão, não faz jus ao avanço tecnológico que então introduzia, qual pinça para varrimento dos flancos com cinco aberturas para bombardeiras.

Baluarte e Porta da vila Foro" Jorge Corteia

Baluarte da couraça Foto: Jorge Correia

vedar das obras da vila, em 1484, mas a apropriação e transformação da cidade preexistente respondeu não só a um imperativo superior, como também a uma tra-dição que se consolidava no Norte de Africa.

Quando Arzila se vê irreversivelmente cercada pelo exército de Fez, em 1508, a vila perde-se e esvazia-se para o castelo. A resposta de D. Manuel I assentou no envio do prestigiado mestre das obras Diogo Boytac, em 1509. Aí permaneceu até ao ano seguinte, tempo sufi-ciente para elaborar um plano global de intervenção assente em três vectores fundamentais para a sustenta-bilidade e afirmação da praça portuguesa: reforço da cerca, com particular relevo para a muralha do atalho; emergência simbólica do castelo; consolidação urbana da vila. Em 1511, dirigiu-se para Arzila o mestre biscai-nho Francisco Danzilho com trezentos trabalhadores, com o intuito de executar os planos traçados por Boytac que, três anos mais tarde, regressava para medir a empreitada com seu escrivão Bastião Luiz. O corpo prin-cipaI das obras deste triénio incidiu fundamentalmente sobre as zonas do castelo, seus edifícios e recinto forti-ficado, sobre as portas da Ribeira e Vila e sobre as mura-lhas voltadas ao mar, constituindo ainda hoje o essen-cial do legado construtivo de origem portuguesa nesta cidade.

O auto de medição inicia-se com a inspeção às obras nas casas da condessa, separadas dos aposentos do conde, embora ligadas morfologicamente àqueles, num complexo edificado de planta em L, com frente marítima coincidente com o perímetro do castelo (as casas da condessa) e fachada sobre a praça da vila, para onde se abriam algumas janelas com decoração manuelina (casas do conde), desaparecidas depois dos restauros do século passado. Atualmente, apenas sobrevive, embora metamorfoseada, uma pequena torre cilíndrica justaposta aos antigos aposentos da condessa, a aproximadamente onze braças da vizinha Torre do Alcaide-Mor.

Prosseguindo o contorno do castelo a partir do Baluarte da Praia, reforçado por comprido pegão, do qual apenas resta o encaixe, toda esta frente de terra dobrava no Baluarte de Santa Cruz para atingir a Porta da Vila. O castelo terminava na Torre do Sino (cilín-drica) que se ligava à Torre de Menagem (quadrangu-lar) e Casa do Capitão através de um muro que delimi-tava a fronteira entre o castelo e a vila, cujo embasamento assentava sobre alambor contínuo, rasgado pela Porta do Castelo. Preserva-se o arranque do lado da Torre de Menagem num troço entretanto desprovido das aber-turas das ditas casas do conde.

A muralha do atalho viu o seu desenho remode-lado, indo ao encontro de uma nova proposta arquite-tónica que respondesse à evolução das técnicas mili-tares. Entre o Baluarte de Santa Cruz e o Baluarte do Tambalalão, a cortina fortificada passava a descrever três inflexões ou dentes, permitindo o flanqueamento do tiro e a defesa dos segmentos lineares de norte para sul: a primeira ocorria ainda no adarve do castelo; o segundo dente coincidia com a saliência do baluarte e Porta da Vila (atual Bab Hauma), uma máquina de defesa ativa com uma potente linha de canhoneiras abertas num primeiro piso sobre o túnel em cotovelo da porta que ainda hoje ostenta as armas de D. Manuel I; a terceira inflexão identificava-se com o Baluarte/ Cubelo de António da Fonseca. Entre estes acidentes formais, os panos de muralha caracterizavam-se por uma secção vertical ritmada por estreitas ameias e per-furada por seteiras num estrato inferior. Abaixo, um sólido alambor ou talude afundava-se no fosso que acompanhava toda a muralha, apenas vencido pela ponte levadiça da dita porta.

Um dos investimentos mais fortes do projeto boytaquiano referia-se aos melhoramentos da frente de mar da vila, com particular ênfase para as suas extremidades nordeste, junto à Porta da Ribeira, e sudoeste, no reforço da couraça. Uma nova couraça, dobrando ligeiramente sobre a muralha noroeste da vila, permitia o tiro sobre embarcações ou tentativas

Entre a couraça nova e o Baluarte da Pata de Aranha apontava-se ao mar um novo baluarte que, por se situar em frente ao Mosteiro de São Francisco, se chamava dos Frades ou de São Francisco. Tratava-se de uma estrutura semelhante a uma couraça, com torreão cilíndrico na ponta, possibilitando o disparo sobre as cortinas adjacentes e, como tal, quebrando a longa extensão da muralha marítima da vila.

O percurso amuralhado de Arzila respondia pelas seguintes designações nos seus pontos mais notáveis: Torre de Menagem; Torre do Alcaide-Mor; Porta do Albacar; Baluarte da Praia; Baluarte de Santa Cruz; Torre do Sino (atual Baluarte de Pite João); Baluarte e Porta da Vila ou de Fez; Baluarte / Cubelo de António da Fonseca; Baluarte do Tambalalão; Baluarte / Cubo da Couraça; Couraça; Baluarte de São Francisco ou dos Frades; Baluarte da Pata ou Perna de Aranha; Miradouro; Porta da Ribeira.aaJuarte

Rui Rasquilho

de assalto com origem na água. Na intersecção da cou-raça com a muralha, erguia-se o Baluarte da Couraça, sentinela e protecção do flanco de terra. Junto à Porta da Ribeira, a concepção assentou na articulação de duas estruturas: uma plataforma designada Miradouro e um baluarte em pinça denominado Pata ou Perna de Aranha, que retira o nome da forma que sugere. Hoje, encurtado na sua extensão, não faz jus ao avanço tecnológico que então introduzia, qual pinça para var-rimento dos flancos com cinco aberturas para bom-bardeiras.

Entre a couraça nova e o Baluarte da Pata de Ara-nha apontava-se ao mar um novo baluarte que, por se situar em frente ao Mosteiro de São Francisco, se cha-mava dos Frades ou de São Francisco. Tratava-se de uma estrutura semelhante a uma couraça, com torreão cilíndrico na ponta, possibilitando o disparo sobre as cortinas adjacentes e, como tal, quebrando a longa extensão da muralha marítima da vila.

O percurso amuralhado de Arzila respondia pelas seguintes designações nos seus pontos mais notáveis: Torre de Menagem; Torre do Alcaide-Mor; Porta do Albacar; Baluarte da Praia; Baluarte de Santa Cruz; Torre do Sino (atual Baluarte de Pite João); Baluarte e Porta da Vila ou de Fez; Baluarte/Cubelo de António da Fonseca; Baluarte do Tambalalão; Baluarte/Cubo da Couraça; Couraça; Baluarte de São Francisco ou dos Frades; Baluarte da Pata ou Perna de Aranha; Mira-douro; Porta da Ribeira. Ue)

ARQUITETURA RELIGIOSA

Os principais equipamentos da vila portuguesa correspondiam aos edifícios religiosos: a Igreja Matriz e um convento. A mesquita maior de Arzila foi adap-tada a igreja matriz e consagrada a Nossa Senhora da Assunção, mais tarde a São Bartolomeu. O grande investimento a nível da arquitetura religiosa em Arzila parece ter sido a edificação do Mosteiro de São Fran-cisco, cujos trabalhos se desenrolaram pelos finais do

primeiro quartel do século XVI. Jorge Dias era o seu encarregado de obras entre 1521 e 1522 mas, apesar da importância do convento, nada resta do conjunto, hoje completamente omisso na estrutura oitocentista do Palácio Raissouni.

Há ainda notícia da existência de uma sinagoga em 1525 ou 1535 e registo de ordem de construção de duas grandes estrebarias dentro da vila, junto ao Baluarte da Couraça, em 1530. (Tc) BIBLIOGRAFIA: Arzila, Torre de Menagem, Lisboa, 1995; Gozalbes Busto, G., "Arcila en la Edad Media'; Cuadernos de la Biblioteca EspaflOla de Tetuán. 23-24, Tetuão, 1981, pp. 149-176; Guevara, A., Arcila durante la ocupación Portuguesa (14 71-1549). Tânger, 1940; Livro das medútns de Arzila, Alcácer, Ceuta e Ttlnger,Jeitas por mestre Boytac e Bastião Luiz em 1514 (IAN-TT - Núcleo Antigo, n. ' 769, fls. 41-47v); Lopes, D., História de Arzila durante o dominio Português (1471-1550 e 1577-1589). Coimbra, 1924; Ricard, R., "[bero-Africana.!. Une atalaia portugaise pres d'Arzila'; Hespéris, XXIV, Rochefort-sur-mer, 1937, pp. 220-222; Ricard, R., "Une évocation de la synagogue d'Arzila au XVIe siecle'; Hespéris, XXVI, Paris, 1939, pp. 99-100; Rodrigues, B., Anais de Arzila: crónica inédita do séc. XVI. Direcção de David Lopes, 2 volumes, Lisboa, 1915-1919.

Azemmour [Azamor] (MARROCOS)

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E URBANISMO A cobiça portuguesa sobre Azamor vinha já desde os finais do século xv. De facto, a profícua pesca de sáveis entre dezembro e março no Rio Oum er Rbia serviu como contrapartida para o contrato estabelecido entre a cidade e D. João II em 1486. Através deste documento, o monarca português tornava-se suserano da sua população.

Azamor era uma cidade alongada na margem sul do rio, a alguns quilómetros da foz, desenhando um retângulo imperfeito, cujo contorno era definido por fortes muralhas defendidas por torreões e cujo interior era pontuado por edifícios notáveis, nomeadamente mesquitas. A cidade árabe, durante o período de vas-salagem a Portugal, cobriria uma mancha sensivel-mente semelhante, senão igual, à da atual medina de Azamor, ou seja, cerca de nove hectares.

A ambição de tomar Azamor era muito forte, como o prova a expedição que Duarte de Armas acompa-nhou à sua barra, em 1507, para debuxar a foz do rio. A conquista definitiva ocorreria em 1513. D. Jaime, duque de Bragança, comandava a poderosa armada que a 29 de agosto desembarcava na baía de Mazagão, para cinco dias mais tarde entrar numa Azamor des-pejada de gente. O processo de ocupação imediato tomou militarmente os principais pontos defensáveis e permitiu a celebração de eucaristia na mesquita maior, convertida em templo cristão.

A partir de 1534, na sequência de cartas do monarca ao seu Conselho, homens bons e prelados, em que se

NORTE DE Á FR ICA' ASSILAH > AZEMMOUR 67

Baluarte e Porta da vila.Foto: Jorge Correia

Baluarte.Foto: Rui Rasquilho

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ARQUITECTURA RELIGIOSA

Os principais equipamentos da vila portuguesa correspondiam aos edifícios religiosos: a Igreja Matriz e um convento. A mesquita maior de Arzila foi adaptada a igreja matriz e consagrada a Nossa Senhora da Assunção, mais tarde a São Bartolomeu. O grande investimento a nível da arquitetura religiosa em Arzila parece ter sido a edificação do Mosteiro de São Francisco, cujos trabalhos se desenrolaram pelos finais do primeiro quartel do século XVI. Jorge Dias era o seu encarregado de obras entre 1521 e 1522 mas, apesar da importância do convento, nada resta do conjunto, hoje completamente omisso na estrutura oitocentista do Palácio Raissouni.

Há ainda notícia da existência de uma sinagoga em 1525 ou 1535 e registo de ordem de construção de duas grandes estrebarias dentro da vila, junto ao Baluarte da Couraça, em 1530.

Baluarte da Couraça.Foto: Jorge Correia

A medina de Assilah

FONTE:

Património de Origem Portuguesa no Mundo - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010

BIBLIOGRAFIA:

Arzila, Torre de Menagem, Lisboa, 1995; Gozalbes Busto, G., "Arcila en la Edad Media”, Cuadernos de la Biblioteca Española de Tetuán. 23-24, Tetuão, 1981, pp. 149-176; Guevara, A., Arcila durante la ocupación Portuguesa (1471-1549). Tânger, 1940; Livro das medidas de Arzila, Alcácer, Ceuta e Tânger, feitas por mestre Boytac e Bastião Luiz em 1514 (IAN-TT - Núcleo Antigo, n.º 769, fls. 41-47v); Lopes, D., História de Arzila durante o domínio Português (1471-1550 e 1577-1589). Coimbra, 1924; Ricard, R., "Ibero-Africana. I. Une atalaia portugaise pres d'Arzila”, Hespéris, XXIV, Rochefort-sur-mer, 1937, pp. 220-222; Ricard, R., "Une évocation de la synagogue d'Arzila au XVIe siècle”, Hespéris, XXVI, Paris, 1939, pp. 99-100; Rodrigues, B., Anais de Arzila: crónica inédita do séc. XVI. Direcção de David Lopes, 2 volumes, Lisboa, 1915-1919.